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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC – SP Rodnei Pereira A autoanálise de coordenadores pedagógicos sobre sua atuação como formadores de professores Mestrado em Educação: Psicologia da Educação São Paulo 2010

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC – SP

Rodnei Pereira

A autoanálise de coordenadores pedagógicos sobre sua atuação como formadores

de professores

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo

2010

2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC – SP

Rodnei Pereira

A autoanálise de coordenadores pedagógicos sobre sua atuação como formadores

de professores

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

Dissertação apresentada à banca examinadora da

Pontifica Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de Mestre em Educação: Psicologia da Educação,

sob orientação do Prof. Dr. Sergio Vasconcelos de

Luna.

São Paulo

2010

3

Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

4

Dedico este trabalho ao meu avô paterno José André, que se foi antes de sua

conclusão e para quem era motivo de orgulho que eu, o primeiro da família a me

graduar, dentre seus 11 netos, tenha me formado professor. E que me ensinou a

gostar de coisas simples, como cheiro de mato e outros cheiros, jardim, animais,

comida caseira e canções.

Agradecimentos

Em primeiro lugar, preciso agradecer:

Ao meu pai, José Carlos, por tudo o que me ensinou, pelo profundo respeito

às minhas escolhas, por ter me ensinado o zelo e o cuidado, por permitir que eu seja

o homem que sou.

À minha mãe, Leonilda, por tudo o que representa na minha vida, por ter me

ensinado a sorrir.

À minha irmã Rosângela, parceira de esperanças, lutas, sonhos.

Aos meus sobrinhos Bruno, Jéssica (que me ajudou com a transcrição das

entrevistas num momento difícil da construção do trabalho), Lucas e Larissa, pelo

colorido que trazem à minha vida, por me permitirem experimentar sentimentos

paternos.

Ao Rodrigo, pelo amor incondicional, por partilhar comigo a experiência de

descobrir as singelezas do cotidiano, por estar ao meu lado em todos os momentos

dessa trajetória. “Não sei se eu saberia chegar até o final do dia sem você”.

Ao Prof. Dr. Sergio Vasconcelos de Luna, meu orientador, a quem serei

eternamente grato por tudo o que fez por mim. Pelos ensinamentos, pelo cuidado e

pelo profundo respeito com que me acompanhou durante o meu percurso no

mestrado, o meu muito obrigado.

5

Ao meu avô materno Ernesto, porque me ensinou a ser sensível e a gostar de

memórias, histórias e laços entre pessoas.

Às minhas duas avós. Sou um neto de Marias. Duas. Que me ensinaram a

amar, e a lutar.

À minha tia Zildinha, pela amizade, confiança e carinho.

Agradeço, também, aos irmãos que pude escolher:

Walkiria Rigolon, amiga, parceira de pensamentos, palavras, devaneios,

convicções e lutas.

Josenita Dias, amiga querida, por estar sempre ao meu lado, compartilhando

todos os momentos da minha vida!

Cibelle Gualda, que está sempre no meu coração.

Amanda Passerani, porto seguro, que desbravou o mundo comigo.

Márcio Vinícius, Vanessa Meira, Elaine Grava e Leia Carvalho, pela pequena

família que formamos.

Alexsandro Santos, grande amigo, companheiro de tantos projetos de

homem, mundo, sociedade. Por enxergar além das aparências, por ser a pessoa

linda que é, pela ajuda e pela confiança em mim.

Michele Cruz de Souza, pela delicadeza e pela leveza que me traz.

Andréia Guida Bisognin e Danielle Santos, gratas surpresas que a vida me

trouxe.

6

Roberto e Guacyara Guerreiro, que partilham comigo o sonho de um mundo

com pessoas mais sensíveis, mais humanas, mais atentas.

Sandra Tedeschi e Rosa Melo, por terem me presenteado, há quase uma

década, com um livro do Luiz Carlos de Freitas que definiu, de alguma forma, a

minha trajetória como pesquisador. Pela sólida amizade, amo vocês!

Daiani Minutti, que “não sai de mim, não sai”.

Soraia da Silva Rocha, que me apresentou a PUC.

Wilson Vila Bela, Claudia Giovanna, Mônica Veras e June Maria pela bonita

amizade e pelo acolhimento, genuinamente pernambucano, de sempre.

Agradeço ainda:

Às Profªas Dras. Claudia Davis e Wanda Maria Junqueira Aguiar, a Ia, por

tudo o que me ensinaram, inclusive pelo que nem imaginam.

À Profª Dra. Mitsuko Antunes, pela amizade, pelas afinidades, pelo carinho

com que sempre me tratou.

Às Profªs Bernadete Gatti, Melania Moroz, Heloisa Szymanski e Clarilza

Prado de Sousa, pelos conhecimentos construídos durante as aulas.

À Profª Dra. Laurinda Ramalho de Almeida, por ter me ajudado em vários

momentos deste percurso e pela polidez com que me ofertou valiosas contribuições,

na ocasião do exame de qualificação.

À Profª Dra. Regina Célia Almeida Rego Prandini, por ter aceitado o convite

para compor a banca examinadora e pelas contribuições feitas, que foram de grande

ajuda, sobretudo nas entrevistas.

7

Aos coordenadores pedagógicos que, tão gentilmente, aceitaram participar da

pesquisa. Este trabalho também é deles.

A todos os colegas e professores do Programa de Mestrado em Educação da

Universidade Cidade de São Paulo, pelo acolhimento caloroso durante minha

passagem por lá. Em especial, agradeço à Profª Dra. Ecleide Cunico Furlanetto,

interlocutora de tantas inquietações e à Profª Celia Maria Haas, pelo carinho e por

tantas boas ideias que construímos juntos.

Aos meus colegas da PUC-SP Victor Manuel, Norma Telles, Marília Facco,

Ângela Infante, Maria Brando, Suely Hauser, Flavia Marques, Lígia Couto, Rita

Vereda e Érika Oliveira.

À Sandra Marangoni Ferraz, pelo cuidado que teve ao me acolher, no meu

retorno a PUC-SP.

À Irene de Castro e ao Edson Aguiar, secretários do PED, por toda a sua

ajuda.

À Elizabeth Ventura Julião, que me ajudou a trilhar o caminho em busca de

mim mesmo.

Meu obrigado estende-se, ainda, para:

Valéria Batista Garrido, pelo reconhecimento, pelo respeito ao meu trabalho e

às minhas ideias e por sua amizade.

Tânia da Costa Fernandes, por confiar no meu trabalho e por me permitir

desenvolver um projeto de formação inicial de professores com base nas minhas

convicções.

Todos os companheiros do Comando de Greve da Unicastelo, em especial:

Clécio, Danilo, Ronaldo, Zilmar, Waldir, Fernanda, Maria, Simone, Majô, Solange,

8

Vânia e Patrícia, por tudo o que me ensinaram e por partilharem comigo

experiências de solidariedade e mobilização coletiva.

Todos os meus amigos e parceiros de trabalho da ONG Mais Diferenças, em

especial: Andréia de Jesus, Luciana Cury, Ester Moreira, Priscila Collet, Maria Sirley,

Ayéres Brandão, Nana Navarro, Maria da Luz, Rose Santos, Regina Panutti, Carla

Mauch e Adriana Pereira, pelas afinidades e trocas de experiências.

Por fim, agradeço:

À Leila Vidotto Destro, Francisca Cruz Severi e todos os professores e alunos

da EE Nagib Izar, onde vivi o período mais intenso da minha trajetória profissional.

`

A todos os companheiros e alunos da EE Orestes Guimarães, onde comecei

minha carreira, e que, de alguma forma, me incitaram a produzir esta pesquisa.

Ao mestre José Cardonha, o Zé Legal, por ter me ensinado tudo o que sei

sobre ser professor, por ter aberto as portas do magistério para mim.

Aos meus professores do curso de licenciatura em Filosofia da Universidade

São Francisco, que mudaram a minha vida.

A todos os professores da rede estadual de São Paulo.

Aos meus alunos das instituições Unifai, Uniararas, FMU e Unicastelo.

A todos os que contribuíram para que eu pudesse concluir esta etapa da

minha vida acadêmica.

9

SUMÁRIO

Prefácio ........................................................................................................... 13

I. BREVE CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO DO PCP ............................. 20

1. As atribuições do professor-coordenador: um breve balanço .................... 20

2. O PCP e a produção acadêmica: contribuições e debates ........................ 25

3. O Programa Ler e Escrever ........................................................................ 31

4. Considerações sobre a formulação do problema ....................................... 34

II. MÉTODO .................................................................................................... 37

1. Localização das Escolas e Seleção dos Participantes ............................... 37

2. Participantes ............................................................................................... 37

3. Procedimentos ............................................................................................ 38

III. RESULTADOS .......................................................................................... 39

1. Caracterização dos participantes a partir dos resultados do questionário . 39

2. Procedimento de análise das entrevistas ................................................... 40

3. Análise das Entrevistas ............................................................................... 40

IV. DISCUSSÃO ............................................................................................. 71

V. CONCLUSÃO ............................................................................................ 81

Referências Bibliográficas .............................................................................. 83

Anexos ............................................................................................................ 90

10

Lista de Tabelas

Tabela 1 – Caracterização dos Participantes

11

RESUMO

A formação de professores como atribuição do coordenador pedagógico

apresenta-se como uma tendência que, aos poucos, vem sendo incorporada pelas

políticas públicas referentes aos profissionais desta área, como é o caso do

Programa Ler e Escrever, destinado às séries iniciais do Ensino Fundamental da

rede estadual de São Paulo, e que esteve na base de consideração deste trabalho.

A pesquisa teve como objetivo analisar como os professores coordenadores

pedagógicos da rede estadual de São Paulo compreendem e descrevem sua

atuação como formadores de professores.

Por diferentes motivos, foram escolhidos 6 participantes que atuavam em

escolas de ensino fundamental de uma única Diretoria Regional de Ensino, situada

na região leste da Capital.

Neste trabalho, empregou-se como procedimento de coleta de informações

entrevistas individuais, cuja análise do discurso buscou fundamentação na

metodologia de pesquisa qualitativa.

Os resultados indicaram que o trabalho dos professores coordenadores

pedagógicos guarda traços de burocratização e fiscalização do trabalho docente,

que historicamente marcaram a história da sua profissionalidade. Os esforços

daqueles participantes em desenvolver a formação continuada dos professores são

fruto de conquistas empreendidas isoladamente e marcadas por interpretações

subjetivas a respeito desta tarefa, que encontram justificativa nas distorções

existentes entre a formulação das políticas de formação e as condições objetivas

que compõem o trabalho daqueles profissionais.

Palavras-chave: coordenador pedagógico; formação continuada; políticas educacionais.

12

ABSTRACT

The training of teachers like responsability of pedagogical coordinator is

presented as a trend that slowly is being built by publics politics aimed at

professionals in this area, such as Programa Ler e Escrever, for the inicial terms of

elementary school of state public network of Sao Paulo, and that was basis of

consideration of this work.

The research aimed to analyze how teachers pedagogical coordinators of the

state of São Paulo understand and describe their role as trainers of teachers.

For various reasons, we chose six participants who worked in elementary

schools of a single Diretoria Regional de Ensino, located in the east of the Capital.

In this study, we used like procedure to collect information interviews, discourse

analysis which sought grounds in qualitative research methodology.

The results indicated that the work of teachers pedagogical coordinators has

elements of bureaucratization and inspection of teaching, which marked the history of

their profession. The efforts of participantes to develop the teachers continuing

education are the result of conquests undertaken individually and marked by

subjective interpretations on this task, that find explanation in the distortions between

the formulation of continuity educational politics and the objective conditions work of

those professionals.

Keywords: pedagogical coordinator; continuity education; educational politics.

13

PREFÁCIO

Importa, pois, principiar pelo princípio, e o princípio, aqui, é o diálogo.

Georges Gusdorff

Esta pesquisa tem como objeto o professor coordenador pedagógico da rede

pública estadual paulista, doravante denominado PCP.

A atuação deste profissional veio se tornando, ao longo da última década,

uma temática privilegiada em estudos e pesquisas em educação (Christov, 2001;

Roman, 2001; Vieira, 2001; Cesca, 2003; Fernandes, 2003; Guerino, 2003; Araújo,

2006); que afirmam que a responsabilidade pela formação continuada de

professores compõe sua principal atribuição (Batista, 2001; Bruno, 1998; Christov,

1998, 2000, 2001, 2003; Clementi, 2001; Fusari, 2000; Garrido, 2000; Geglio, 2003;

Mate, 1998, 2000; Orsolon, 2001; Placco e Silva, 2000; Souza, 2001; Torres, 2001).

Dada a complexidade do tema, seu estudo exige uma delimitação cuidadosa

e, assim sendo, este trabalho tem como principal objetivo investigar a atuação de

PCPs em exercício em escolas estaduais de São Paulo.

O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu das indagações que

emergiram após 6 anos de exercício como PCP em escolas da rede estadual de

São Paulo, período em que, na tentativa de desempenhar melhor esta atividade

profissional, buscava subsídios teóricos que me oferecessem uma melhor

orientação.

Iniciei minha trajetória como professor coordenador em uma escola de ensino

fundamental - Ciclo I - em 2000. Desde o início, dentre minhas atividades, a

principal era assessorar o diretor, o que significava afogar-me em tarefas de

natureza burocrática, tais como: substituí-lo em reuniões na Diretoria de Ensino,

atender aos pais que desejavam falar com o diretor, fazendo uma triagem prévia

dos que seriam por ele atendidos, fazer licitações, organizar lista de compras

materiais escolares e preencher documentos de levantamento de informações

solicitadas pela Diretoria de Ensino, destinadas à direção.

Já as atividades de cunho pedagógico ancoravam-se basicamente no

desenvolvimento de projetos e programas de formação continuada centralizados, ou

14

seja, previamente elaborados pelos órgãos técnicos da Secretaria Estadual de

Educação do Estado de São Paulo (SEE – SP).

No que se refere às horas de trabalho pedagógico coletivo (doravante

HTPCs) destinavam-se à transmissão de recados e informes da direção escolar ou

da Diretoria de Ensino aos docentes.

No período de 2000 a 2006, os professores deviam cumprir 2 horas de

reunião coletiva semanal. No entanto, as condições de organização dos momentos

de trabalho coletivo eram bastante precárias, sobretudo porque a maioria dos

professores trabalhava em mais de uma unidade escolar, e os horários escolhidos

para estas reuniões coincidiam com o final do término do primeiro período, pois

assim era possível agrupar os professores que saíam do período da manhã com os

que entrariam no período da tarde. Além disso, esse era também o horário de

almoço.

Muitas vezes, alguns pais que buscavam ou traziam seus filhos queriam ser

atendidos pelos professores, e tais condições associadas ao período de uma hora

comprometiam a qualidade do trabalho, provocando inúmeras interrupções, entrada

e saída de professores, pessoas comendo durante a reunião. Além dessas

características, e dadas às inúmeras atribuições a mim delegadas, não era possível

ter garantidos em minha rotina momentos de estudo e preparo para o HTPC.

Ainda fazia parte da rotina do meu trabalho atendimento aos pais, aos

professores, a outros profissionais que buscavam a escola (venda de produtos e

serviços), como também o apoio à organização do trabalho dos demais funcionários

da escola e estagiários.

A forma como o meu trabalho se organizava no interior da escola gerava uma

profunda angústia, tendo em vista que, por um lado, tinha de lidar cotidianamente

com demandas trazidas pelos professores, suas dificuldades em sala de aula e as

dificuldades de aprendizagem dos alunos, principalmente por conta dos problemas

“disciplinares” que se apresentavam a todo o momento. A sensação por mim

experimentada era de despreparo para lidar com a multiplicidade de atribuições, de

incompetência diante de problemas insolúveis. No entanto, independentemente

disso, precisava multiplicar e acompanhar os conteúdos dos cursos de formação

continuada que compunham o currículo da rede, além das demandas citadas

anteriormente.

15

Em contrapartida, nesse mesmo período, a Secretaria Estadual de Educação

implementava cursos de formação continuada que deveriam ser assumidos pelos

PCPs, intensificando, ao mesmo tempo, as formas de avaliação do rendimento

escolar.

As estatísticas das avaliações externas, abaixo das metas estabelecidas,

responsabilizavam diretamente os professores e o responsável pela formação dos

mesmos: o professor coordenador pedagógico.

Nesse contexto, a cada novo índice divulgado pela Secretaria Estadual de

Educação às respectivas Diretorias de Ensino, elaborava-se toda uma lógica de

bonificação por desempenho, que configurava uma cultura de meritocracia.

Freitas, ao analisar a avaliação, no contexto da organização do trabalho

pedagógico, afirma que desde a década de 1990 Passa-se a avaliar o trabalho do

aluno, o trabalho do professor, o trabalho de uma escola, de várias escolas do

mesmo tipo, de todas as escolas de um mesmo sistema escolar. (2007, p. 2).

Instaurava-se, assim, uma cultura de performatividade competitiva1.

A cada início de ano, a expectativa acerca da bonificação dos professores, da

colocação da escola em relação às demais escolas de sua Diretoria de Ensino eram

os aspectos que mais chamavam a atenção dos professores, relegando ao segundo

plano aspectos que anteriormente definiam esse período escolar, como o

planejamento anual de atividades, por exemplo. Essa situação impactava

diretamente o meu trabalho como PCP, haja vista que se a bonificação não

correspondia às expectativas dos mesmos, toda responsabilização pelo resultado

do trabalho dos professores era a mim dirigida, que não teria sabido formar os

professores, apoiá-los em suas dificuldades, apoiá-los junto aos alunos. A direção

da escola, em contrapartida, utilizava a mesma estratégia dos professores, pois

considerava ser minha tarefa exclusiva resolver os problemas de ordem

pedagógica.

Nas reuniões de PCPs, convocadas pela Diretoria de Ensino, esta explicitava

e reforçava o desempenho das escolas, pressionando, sobretudo, os PCPs cujas

escolas tivessem obtido desempenho abaixo do esperado.

1 Termo utilizado por Stephen J. Ball para o processo de transformação do perfil institucional das instituições escolares, inspiradas em teorias econômicas recentes, que vinculam a organização ao desempenho das escolas. (2004, p. 1107)

16

E nestas ocasiões, o discurso era que caberia ao PCP, mesmo diante de

tamanha pressão, “inovar-se a si mesmo”, encontrando em si próprio as alternativas

de superação do desempenho obtido.

Com o passar dos anos, movido pela percepção dos fatos narrados

anteriormente, assumi como objetivo profissional, a partir do ano de 2003,

desenvolver minha prática cotidiana com base nas singularidades da escola onde

trabalhava.

Na tentativa de conduzir um trabalho autoral e autônomo, uma nova batalha

se iniciava. Tendo interpretado que os resultados do trabalho da escola poderiam

melhorar se os professores obtivessem supervisão e auxílio no seu trabalho,

intensifiquei meus esforços para concretizar tais tarefas. Esta decisão foi

referendada pela diretora da escola onde trabalhava e bem acolhida entre os

professores.

Procurei aprimorar meus estudos, freqüentei dois cursos de especialização,

um em Psicopedagogia e outro em Gestão Escolar, este último na Universidade

Estadual de Campinas. Freqüentei diversos cursos de aperfeiçoamento, extensão

universitária e vários cursos livres.

Paralelamente, sempre freqüentei bibliotecas e livrarias, museus, exposições

de arte, cinema, espetáculos de música e teatro. Sempre fui um leitor assíduo de

jornais e revistas, livros de literatura e outros gêneros discursivos, além da literatura

especializada da minha área de atuação profissional. Além disso, sempre freqüentei

todos os cursos e capacitações oferecidas pela Diretoria Regional de Ensino à qual

a escola pertencia.

A parceria estabelecida com a direção e com os professores trouxe outra

configuração ao meu trabalho como PCP. Podia organizar e planejar meu trabalho,

bem como as reuniões de HTPC, com melhor qualidade. Acompanhava as aulas de

todos os professores ao menos uma vez na semana, tendo como contexto as

queixas trazidas por eles. Após a observação, discutíamos juntos e planejávamos

outro percurso para suas aulas.

Porém, os impedimentos não tardaram a aparecer. As dificuldades em dar

seqüência ao planejamento do meu trabalho se evidenciavam na própria dinâmica

do sistema de ensino da rede estadual. Quando não eram as freqüentes

convocações da Diretoria de Ensino para reuniões que, por vezes, chegavam a 3

numa única semana, eram os projetos que chegavam prontos para ser executados.

17

No primeiro semestre de 2004, por exemplo, deveríamos incluir no currículo

os projetos Educação para o Trânsito, Saúde Bucal, Hora da Leitura, Agita Galera,

Educação Ambiental e Projeto Horta. Reconhecida a relevância dos projetos como

modalidade organizativa do trabalho pedagógico, a dificuldade da equipe escolar

era, na maioria das vezes, articular os projetos ao planejamento escolar e às

demandas concretas que envolviam as situações de ensino e aprendizagem.

Sendo assim, uma vez que a recusa em desenvolver os projetos era mal vista

pela Diretoria de Ensino, se criavam mecanismos artificiais que tornavam o currículo

escolar uma “colcha de retalhos” e que tomavam um tempo considerável para a

confecção de relatórios, fotografias e portifólios.

Contudo, o trabalho desenvolvido teve efeitos positivos. A escolha melhorou

seu desempenho no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de

São Paulo – SARESP, o que resultou num convite para atuar como formador de

professores.

Foi assim que, no período de 2004 a 2006, compus a equipe de formadores

de professores do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –

PROFA/Letra e Vida. Esse trabalho foi desenvolvido concomitantemente ao de PCP,

o que me obrigava a dedicar 20 horas semanais para este trabalho e 20 horas

semanais para o trabalho como professor coordenador. Tal experiência promoveu

não apenas um acúmulo de funções como me permitiu observar que, em nenhum

momento, o curso discutia as questões inerentes ao trabalho na coordenação

pedagógica.

Uma vez que aquele curso configurou a principal política pública voltada para

as séries iniciais do Ensino Fundamental, que esperava uma mudança na ação

docente dos professores desta modalidade de ensino, não havia nenhum tipo

acompanhamento, além dos encontros semanais de formação dos quais

participaram. E na maioria das vezes, não reconheciam seus PCPs, como pares

avançados e interlocutores.

Em estudo recente, Rigolon (2007), ao abordar a temática da formação

continuada de professores alfabetizadores, tomou o PROFA/Letra e Vida como

objeto. A pesquisadora constatou, dentre outros fatos, que a principal dificuldade

apontada pelos professores participantes do estudo foi a falta de continuidade e

acompanhamento do que aprenderam no curso, após sua conclusão, o que se

18

verifica pela fala de um dos participantes da pesquisa e que conflui para o que

constatávamos, na condição de formadores:

Acho que o coordenador tem que estar preparado, ele é muito despreparado. Porque se nós não conseguimos entre os professores fazer essa troca de experiências, você busca ajuda [referindo-se ao coordenador] e vê que ele está despreparado muitas vezes. É complicado. (professora Jaquelina apud Rigolon, 2007, p. 112).

Do meu ponto de vista, me sentia impotente frente a essa situação, pois tinha

de dedicar 20 horas para o trabalho no PROFA/Letra e Vida e 20 horas para o

trabalho na escola, o que era absolutamente insuficiente e comprometia todo o

trabalho que havíamos construído coletivamente na escola.

O conjunto de questões até aqui descrito aumentou minha insatisfação com o

sistema de ensino do Estado de São Paulo, que culminou com o meu pedido de

exoneração, em 2007. Porém, meu comprometimento com os alunos e professores

da rede, fez com que continuasse a estabelecer contato com esse público.

Desde 2008, na condição de professor orientador de estágios do curso de

Pedagogia de instituição privada de ensino superior, venho acompanhando a

implementação do Programa Ler e Escrever na rede estadual de ensino.

O Programa Ler e Escrever - em vigência desde 2007 -, e em continuidade ao

PROFA/Letra e Vida, e considerando as evidências coletadas pelo seu corpo

técnico, passou a reconhecer o PCP como formador de professores.

Convém ressaltar que estas experiências me permitiram enxergar a

coordenação pedagógica pelo menos a partir de três lugares: como profissional da

coordenação na rede estadual, como formador de professores e como pesquisador

em formação.

Além disso, permitiu enxergar que ora os propósitos proclamados pela

Secretaria Estadual da Educação se encontravam com os propósitos defendidos

pela literatura especializada, ora se distanciavam completamente. Em contraponto

com minha experiência essas proximidades e cisões ficavam cada vez mais latentes.

Sendo assim, interessei-me em investigar como os PCPs analisavam sua

atuação como formadores de professores, com a implementação do Programa Ler e

Escrever.

Diante dessa problemática, dividiu-se o trabalho em duas partes.

19

A primeira parte trata da caracterização do trabalho do PCP na rede estadual

e as especificidades do trabalho nas séries iniciais do ensino fundamental, com a

explicitação das políticas públicas direcionadas a esta modalidade de ensino para,

em seguida, realizar um balanço das atribuições do PCP expressas na literatura.

A segunda parte refere-se à pesquisa que será realizada com professores

coordenadores, a análise e conclusão do estudo.

20

I. BREVE CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO DO PCP

Para compreender a análise que os PCPs fazem de sua atuação como

formadores de professores, este trabalho tomou como ponto de partida o contexto

no qual se insere sua atribuição de formar professores.

Por esta razão, apresentou-se uma breve apresentação das atribuições

destes profissionais, numa perspectiva histórica, para em seguida, apresentar uma

contextualização a respeito daquelas, vistas pela literatura. Por fim, foram abordadas

no contexto do Programa Ler e Escrever.

1. As atribuições do professor–coordenador: um breve balanço

A melhoria da qualidade do ensino vem sendo apontada como a principal

justificativa para a inserção do PCP nas escolas (Placco e Silva, 2000). Para se ter

maior clareza das suas atribuições, convém reexaminar como ocorreu o seu

surgimento nas escolas da rede pública estadual paulista. Por isso, tentou-se

sistematizar esse histórico, ainda que brevemente, considerando-se tal

condicionante fundamental para problematizar aquelas atribuições.

Esta empreitada porém, encontra empecilhos na própria nomenclatura dos

cargos ou funções de coordenação pedagógica. Por esta razão, optou-se por

contextualizar as atividades de coordenação pedagógica que se referem ao

acompanhamento pedagógico ocorrido em escolas da rede pública estadual.2

Almeida (2010), por meio de análise documental e depoimentos de

profissionais que participaram dos diversos momentos da coordenação pedagógica

na rede estadual de ensino de São Paulo, sistematizou a trajetória histórica desta

última em 3 categorias: 1. momentos de vanguarda da coordenação; 2. projetos

especiais; 3. coordenação em todas as escolas da rede.

Os momentos de vanguarda se referem as “escolas experimentais”, cujo

funcionamento encontrou amparo legal das Leis de Diretrizes e Bases 4.024/61 e

2 Contribuição trazida pela Profª Dra. Laurinda Ramalho de Almeida durante o exame de qualificação realizado em maio de 2010.

21

5.692/71 cobrindo, portanto, o período que compreende os anos de 1960 e primeira

metade dos anos 1970.

Ao destacar três experiências – a do Colégio de Aplicação da USP, dos

Ginásios Vocacionais e do Ginásio Experimental Dr. Edmundo Carvalho

(Experimental da Lapa) -, a pesquisadora relatou um conjunto de experiências bem-

sucedidas. Essas diferentes experiências demonstram confluências em ao menos

dois aspectos importantes: a construção de projetos autorais, construídos

coletivamente, a partir das demandas das escolas participantes dos projetos e a

qualidade dos mesmos, diante de ações de formação continuada do corpo docente

das escolas citadas.

Um dado relevante demonstrado pela autora é a descontinuidade das

políticas públicas deste período, que terminaram ou por extinguir os projetos

abruptamente ou pela inexistência de concursos públicos para as funções atreladas

à coordenação pedagógica.

No que se refere a esse último aspecto mencionado, convém citar o caso do

concurso para orientador educacional, ocorrido uma única vez, no ano de 19693. Ao

recuperar suas memórias como orientadora educacional neste período, a

pesquisadora relata a experiência que viveu na Coordenação de Ensino Técnico da

Secretaria Estadual de Educação.

De acordo com a mesma, havia um serviço de suporte de acompanhamento

aos orientadores educacionais que - durante as reuniões onde o suporte ocorria -,

chegaram à conclusão que o serviço de orientação educacional era importante, mas

igualmente importante era a coordenação pedagógica. Em comum acordo, aquele

grupo decidiu assumir esta dupla função. A esse respeito, Almeida (2010) esclarece

que:

...os orientadores educacionais assumiram a orientação pedagógica por direito e formação, e não como “quebra-galho”. Haviam cursado pedagogia antes da instituição das habilitações nesse curso; tinham portanto um curso de quatro anos, e depois dele é que vinham as especializações. Ao cursar orientação educacional como pós-graduação, tinham uma formação pedagógica básica, o que lhes permitia atuar com segurança na orientação pedagógica. p. 22.

A segunda categoria trazida por Almeida (2010) cobre o período que vai da

segunda metade da década de 1970 até o início da década de 1990, e se refere aos

3 Idem.

22

projetos especiais da pasta da Secretaria Estadual de Educação. A autora destacou

o Projeto para “escolas carentes”, o Ciclo Básico, o Projeto Noturno, o Projeto

CEFAM4 e o Projeto Escola-Padrão.

De acordo com a pesquisadora, o projeto para “escolas carentes”,

implementado em 1976, a partir de estudos socioeconômico-demográficos sobre as

escolas da rede estadual, teve a coordenação pedagógica como um dos serviços

previstos. Os coordenadores eram professores efetivos que foram designados para

o referido posto de trabalho por meio de um processo seletivo. No mesmo ano,

esses profissionais puderam, com a promulgação da Lei Complementar nº 201, de 9

de novembro de 1976, realizar novo exame para transformar a função em cargo.

Conforme a pesquisadora afirma, em julho de 2008, o Departamento de

Recursos Humanos do Estado de São Paulo, registrava apenas dois coordenadores

pedagógicos efetivos em toda a rede. Tal constatação é relevante, pois evidencia,

mais uma vez, a descontinuidade das políticas públicas praticadas pelo sistema ao

longo dos anos.

O Projeto Ciclo Básico, instituído pelo Decreto nº 21.833; Projeto

Reestruturação Técnico-Administrativa e Pedagógica do Ensino de 1º e 2º graus da

rede estadual – Projeto Noturno, regulamentado por meio das Resoluções nº

32/1984 e nº 54/1984; Projeto CEFAM, instituído por meio do Decreto nº

28.089/1988 e Projeto Escola-Padrão, criado pelo Decreto nº 34.035/1991

mantinham coordenadores pedagógicos em regime de designação.

O relato dos participantes destas experiências evidenciou, a exemplo dos

projetos anteriores, como pontos positivos, a construção autoral e coletiva dos

projetos pedagógicos das escolas participantes e a formação continuada dos

professores destas escolas como práticas decisivas para o sucesso dos trabalhos.

As análises de Almeida (2010) evidenciaram ainda que a criação das horas

de trabalho pedagógico (HTP), incluídas na jornada de trabalho dos professores, em

quantidade suficiente para estudo, planejamento e replanejamento dos trabalhos,

bem como para atendimento a pais e alunos, foram fundamentais para o alcance

dos resultados apontados anteriormente.

4 Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério. De acordo com Oliveira (s/d), os CEFAMs foram criados em 1988 e faziam parte de um conjunto de medidas conhecidas como “Proposta Montoro”, que visavam a ampliação do atendimento da educação básica, a valorização do magistério e a melhoria da qualidade do ensino. Essas medidas estavam pautadas no ideal de democratização do ensino, que, com o fim da ditadura militar, passou a compor o ideário educacional da época. Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302003000400017&script=sci_arttext.

23

A terceira categoria criada pela pesquisadora, Coordenação para todas as

escolas da rede estadual, cobre o período que compreende a década de 1990 até os

dias atuais.

Segundo a autora, observam-se dois momentos da coordenação pedagógica,

a partir da década de 1990: coordenação por períodos e por segmento de ensino.

Conforme afirma, a Resolução SE nº 28/1996 expandiu a coordenação para

todas as escolas e a Resolução SE nº 76/1997 fixou as atribuições para o professor-

coordenador:

(...) a principal delas atuar “no processo de articulação e mobilização escolar na construção do projeto pedagógico da unidade escolar”. A expansão se deu em termos de “postos de trabalho”, um por escola; naquelas que oferecessem no mínimo dez classes no período noturno, dois coordenadores, um para o diurno, outro para o noturno. Vale lembrar que vários estatutos do magistério (leis complementares de 1974, 1978 e 1985) previam a figura do coordenador como cargo, e a do professor-coordenador como função (ou posto de trabalho). A coordenação expandida para a toda a rede foi como professor-coordenador, portanto como função e não como cargo, embora houvesse processo de seleção, feito pelas Diretorias de Ensino com a aprovação do Conselho de Escola para o projeto apresentado pelo aspirante à função, que deveria ter mais de três anos de experiência no magistério. (Almeida, 2010, p.36).

No tocante à coordenação por segmentos, em 2007, novas alterações se

fizeram presentes no que se refere ao PCP. Levando em consideração um conjunto

de ajustes estruturais, as Resoluções SE 88, de 19 de dezembro de 2007 e SE, 10,

de 31 de agosto de 2008, instituíram que, preferencialmente, o candidato a professor

coordenador deveria ser docente efetivo da própria escola e que a experiência do

candidato deveria incluir a docência nas séries e segmentos educacionais referente

à função exercida (Ensino Fundamental Ciclo I – 1ª a 4ª séries; Ensino Fundamental

Ciclo II – 5ª a 8ª séries ou Ensino Médio).

Na impossibilidade de cumprir estas exigências, o candidato deveria

comprovar competência para atuar como professor coordenador em escolas

diversas ou em diferentes níveis e segmentos de ensino, através de indicadores

qualitativos demonstrados em trabalhos anteriores, por meio de pareceres dos

superiores imediatos.

A resolução SE 89, de 19 de dezembro de 2007 anunciou novas atribuições

24

para o trabalho dos professores coordenadores:

I - auxiliar o professor na organização de sua rotina de trabalho, subsidiando-o no planejamento das atividades semanais e mensais;

II - observar a atuação do professor em sala de aula com a finalidade de recolher subsídios para aprimorar o trabalho docente, com vistas ao avanço da aprendizagem dos alunos.

III - orientar os professores com fundamento nos atuais referenciais teóricos, relativos aos processos iniciais de ensino e aprendizagem da leitura e escrita, da matemática e outras áreas do conhecimento, bem como à didática da alfabetização;

IV - conhecer as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa, de Matemática e das demais áreas de conhecimento e outros materiais orientadores da prática pedagógica;

V - estimular os docentes na busca e na utilização de recursos tecnológicos específicos ao processo de ensino da leitura e da escrita, da matemática e de outras áreas do conhecimento. (www.educacao.sp.gov.br. Acesso em 10/01/2010).

Ao contrário dos documentos anteriores, este determinou que os saberes

dominados pelo PCP deveriam se direcionar para o segmento de ensino no qual ele

atuaria, uma vez que desde 1996 havia uma grande quantidade de professores

especialistas em outros componentes curriculares, tais como Língua Portuguesa,

Matemática, Biologia, História ou Filosofia, entre outras licenciaturas, que atuavam

como PCPs das séries iniciais, por exemplo.

Em fevereiro de 2010, a resolução 21, de 17 de fevereiro de 2010 trouxe

novas determinações para o posto de trabalho de PCP: o profissional que, sendo

contratado (não concursado), não fosse aprovado no processo de avaliação anual

de docentes, fixado pela resolução 91, de 8 de dezembro de 20095, deveria ter sua

designação cessada.

Atualmente, a carga horária dos PCPs da rede estadual compõe jornada de

40 horas semanais, com gratificação pela função exercida.

A formação e acompanhamento do trabalho do PCP nas Diretorias de Ensino,

atualmente, é feita - como ratifica Almeida (2010) - pelos PCOPs - professores

coordenadores da oficina pedagógica.

Este breve balanço das atribuições do PCP teve como objetivo oferecer um

panorama, ainda que bastante geral, do percurso histórico da coordenação

5 Cf.: www.educacao.sp.gov.br

25

pedagógica na rede estadual de São Paulo.

Uma importante evidência que este percurso demonstra é uma relativa

convicção do sistema de ensino em depositar sobre o PCP a responsabilidade pela

deflagração de mudanças e transformações na qualidade do ensino oferecido pelas

escolas.

Esta convicção, na medida em que não se concretizou, ao menos em termos

macro-estruturais, conforme atestam os atuais sistemas de avaliação em larga

escala - tais como SARESP, SAEB, ENEM, PISA6 - contextualizou a produção de

conhecimento científico sobre a coordenação pedagógica nas duas últimas décadas,

o que será apresentado a seguir.

2. O PCP e a produção acadêmica: contribuições e debates

A literatura analisada demonstra um conjunto de experiências bem-sucedidas,

bem como um conjunto de dificuldades enfrentadas pelos PCP no seu cotidiano de

trabalho.

Optou-se por buscar evidências de sucesso da atuação dos PCPs, que

pudessem proporcionar um entendimento mais completo possível da importância da

atuação destes profissionais. Optou-se ainda, ao reexaminar a literatura existente,

por tomar como objeto de estudo aquelas pesquisas que proclamaram como objetivo

a preocupação em discutir o seu papel e funções do, com a intenção de contribuir

para a sua prática.

Sendo assim, a fragmentação das políticas públicas e a indefinição das

funções do PCP foram apontadas por diversos autores como variáveis de grande

impedimento de sua atuação efetiva no espaço da escola pública.

A esse respeito, Mate afirmou que

[...] vários estilos de coordenar trabalhos nas escolas estão em construção. Torna-se claro [...] que uma certa angústia acompanha essas experiências singulares e às vezes isoladas. Sente-se, por um lado, a

6 Respectivamente Sistema de Avaliação da Educação Básica, Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, Exame Nacional do Ensino Médio e Programa Internacional de Avaliação de Alunos.

26

necessidade de “definir a identidade do PCP” cujo espaço parece não estar assegurado e, portanto, é ameaçado por outras formas de poder e necessidades. (1998. p. 18).

A autora, remetendo-se aos desvios de função e à burocratização do trabalho

do professor coordenador, bem como ao engessamento do seu trabalho pelas

relações de poder confrontadas ora com o diretor de escola, ora com o próprio

Estado enquanto instituição, representado pelos órgãos técnicos da Secretaria de

Educação, conclui que, se por um lado isso representa grande empecilho, por outro

é possível apreender um movimento criativo e inventivo que garante a este

profissional construir sua “territorialidade”. De acordo com ela, por meio da partilha

de experiências cotidianas em reuniões formais e informais, o diálogo, a fala e a

escuta são oportunidades de aprendizado.

Esse argumento também foi defendido por autores, como Almeida (1998,

2000), que afirmou que a fala e a escuta exercitadas na particularidade de cada

escola foram alavancas da ressignificação do trabalho pedagógico, apesar do

descaso das políticas públicas com os PCPs.

Afirmações como estas demonstram uma tentativa de as pesquisas

preencherem as lacunas deixadas pelas políticas governamentais, fazendo com que

cada profissional, a partir de suas experiências e particularidades do espaço em que

atua, possa planejar e redirecionar o seu trabalho, cumprindo o ideário expresso

pelo momento histórico hodierno: a democratização do ensino e, por conseqüência,

da sociedade, com vistas à emancipação dos sujeitos para a cidadania.

Nessa mesma direção, Bruno (1998) tratou dos desencontros de

expectativas dos diferentes envolvidos na construção do trabalho coletivo das

escolas, afirmando a importância de que cada um deles, em sua trama cotidiana,

torne público seus desejos, expectativas e convicções na elaboração do projeto

pedagógico de cada escola. E, ao questionar qual seria o papel do professor

coordenador, afirmou que:

Podemos pensar em três visões possíveis para o papel do coordenador: uma como representante dos objetivos e princípios da rede escolar a que pertence (...) , outra, como educador que tem a obrigação de favorecer a formação dos professores, colocando-os em contato com diversos autores e experiências que elaborem suas próprias críticas e visões de escola (ainda que sob as diretrizes da rede em que atuam) e, finalmente, como

27

alguém que tenta valer suas convicções, impondo seu modelo para o projeto pedagógico. (Bruno, 1998, p. 15)

Diante disso, aponta que a primeira e a segunda possibilidades são mais

fáceis e comuns de acontecerem. A terceira é mais complexa e exige a

compreensão dos movimentos dos indivíduos em relação ao grupo e do grupo em

relação aos indivíduos, que são sinais da cultura de cada grupo.

A pesquisadora defende que o professor coordenador, na condição de

educador, deve ser um intérprete que precisa contribuir para a formação de leitores

destes sinais, sendo necessário, para isso, tempo para se estar junto e adquirir

confiança para permitir que se expressem diferentes desejos, dúvidas e medos. Da

mesma forma, afirmou a importância do desejo subjetivo de mudança por parte

deste profissional, como condição principal para que ele consiga desencadear um

processo de mudança no espaço no qual atua (Bruno, 2003).

Na visão dos estudos até aqui apontados, conferiu-se ao professor

coordenador uma tarefa de reconhecimento e mediação de conflitos interpessoais,

os quais podem ser superados a partir da criação de um ambiente psicologicamente

mais saudável e maduro (Roman, 2001).

Outros estudos indicam como funções do PCP, trabalhar com os grupos no

exercício da diversidade (Souza, 2003), analisar a instituição na qual atua em busca

de construir estratégias que possam garantir um trabalho educativo a contento, bem

como incentivar a interdisciplinaridade, tida como alternativa à construção de

práticas educativas transformadoras (Batista e Seiffert, 2003).

Caberia ao professor coordenador, ainda, utilizar adequadamente as horas de

trabalho pedagógico coletivo para trabalhar concepções sobre dificuldades de

aprendizagem (Hashimoto, 2001) e indisciplina (Franco, 2003) bem como

proporcionar trocas entre os professores antigos e os mais experientes (Franco,

2000).

A mediação entre a escola e a família também foi apontada como tarefa do

PCP. Ele deveria intervir na concepção de família que o grupo de professores

apresenta, sendo o elemento desencadeador de uma parceria entre a escola e a

família através da sua capacidade e disponibilidade em ouvir, escutar, saber fazer,

tolerar, instigar, dialogar. (Orsolon, 2003)

28

Guimarães e Villela (1998), em sua abordagem acerca do papel do PCP,

defenderam a idéia de que ele, na busca de uma compreensão de suas funções,

deve planejar seu trabalho, bem como acompanhar as atividades em curso na

escola a partir da realização do diagnóstico de sua realidade, propondo, para isso, a

utilização dos métodos de coleta de dados, sua categorização, análise e

interpretação, que transformados em relatórios, devem ser apresentados e

discutidos com a equipe escolar.

Mas, o que é amplamente defendido pelas pesquisas, é que a função

primordial do PCP é a formação continuada dos professores, que se caracteriza em

diversos espaços, como o horário de trabalho pedagógico coletivo, participação em

cursos, congressos, seminários, orientações técnicas e estudos individuais (Christov,

1998).

Durante um levantamento das atribuições do PCP, no que se refere à

dimensão formativa, observou-se que alguns estudos sugerem que aquelas

atribuições se pautem em: promover a articulação da equipe escolar diante da

necessidade de construir o projeto pedagógico da escola (Bruno, 1998); mediar as

relações interpessoais (Almeida, 2001); atuar junto aos professores nas dificuldades

de aprendizagem dos alunos (Hashimoto, 2001); conduzir e planejar intervenções

para o grupo de professores e alunos (Souza, 2001); desenvolver um planejamento

de acompanhamento dos professores iniciantes (Franco, 2000); planejar, organizar e

conduzir as reuniões pedagógicas (Bruno e Christov, 2000); mediar os sentimentos e

emoções do grupo de professores (Vieira, 2003); enfrentar as relações de poder

desencadeadas na escola com o diretor (Mate, 2003); analisar as práticas docentes

numa postura interdisciplinar diferenciada de avaliação da aprendizagem (Batista e

Seiffert, 2003); mediar as situações de indisciplina na escola (Franco, 2003);

trabalhar com as famílias (Orsolon, 2003); desempenhar sua prática profissional

atendendo à diversidade (Souza, 2003); planejar, organizar e redimensionar as

próprias ações (André e Vieira, 2006); contribuir para a construção da autoridade e

para a formação de valores no âmbito da escola (Souza e Placco, 2006); incentivar a

participação de pais, alunos e professores nos colegiados da escola (Silva, 2006);

contribuir para a construção de práticas inclusivas na escola (Geglio, 2006); efetivar

o registro escrito como forma de construção da identidade de autoria do seu papel

na escola (Fujikawa, 2006).

29

Foi na dimensão da formação contínua dos professores no interior de cada

escola que se legitimou a visão deste profissional como transformador (Orsolon,

2001), sendo atribuído a ele o papel de desencadear novas formas de se pensar.

Além disso, os problemas da sala de aula, o relacionamento com os alunos, o

processo de aprendizagem e os conteúdos trabalhados são assuntos acerca dos

quais o professor coordenador assume o papel de mediador, de interlocutor, de

orientador, de propositor, de investigador de grupo e com o grupo (Geglio, 2003). E

se isso acende o debate a respeito dos limites da sua formação, seja ela na

dimensão inicial ou continuada, na visão dos pesquisadores esta se dá no próprio

movimento de formação dos professores (Geglio, 2003).

Fusari (2000), ao se debruçar sobre o aspecto da formação continuada,

defendeu a importância de os coordenadores a encararem como valorosa e

necessária ao trabalho dos professores, devendo ser desenvolvida de forma

sistemática e organizada na rotina escolar, ressaltando a importância de uma política

de formação que ofereça tempos e espaços necessários ao seu bom

desenvolvimento.

Para Roman, as atividades de formação docente no interior das escolas não

têm ocasionado a esperada transformação das práticas pedagógicas seja pela

desconsideração das práticas cotidianas, seja porque as atividades de formação

dentro ou fora da escola desconsideram as condições concretas de trabalho das

escolas estaduais:

As políticas de formação docente têm, reiteradamente, desconsiderado as experiências cotidianas e suas demandas, bem como tentado impor vertentes, teorias e projetos apresentados enquanto inovações educacionais. A formação docente ou educação continuada, enquanto atribuições do PCP, parece ter muito pouco de reflexão da prática cotidiana. (2001, p. 38).

Algumas pesquisas também se ocuparam do cotidiano de trabalho do

professor coordenador, com base em suas queixas de um cotidiano muito atribulado.

Na tentativa de oferecer respostas a isso, Almeida (2003) afirmou que:

(...) é impossível ter o controle de todas as situações. Tomar decisões diante de tantas solicitações, tantas emergências, tantos conflitos que representam o cotidiano escolar não é fácil. (...) É preciso ter sagacidade para definir alguns pontos e atacá-los com os recursos adequados,

30

levando em conta a situação concreta da escola, inserida num sistema escolar mais amplo, e os seus próprios limites, profissionais e pessoais. É preciso ter coragem para fazer escolhas, definir metas, aproveitar brechas, criar espaços, fazer parcerias. (p. 45)

Placco (2003), ao tratar da mesma questão, defendeu a importância de todos

os envolvidos no processo educativo lutarem pela importância do seu trabalho,

organizarem rotinas, interromperem-nas quando necessário, agirem nas urgências e

decidirem nas incertezas.

A identificação dos fatores responsáveis pela “interrupção” do trabalho do

professor coordenador indica aspectos que precisam ser analisados, trabalhados e

enfrentados por ele.

Na visão de Christov (2003), é preciso que ele busque seus pares e construa

grupos de referência, visando construir um espaço de reflexão que auxilie os

professores coordenadores com suas questões cotidianas.

A autora tratou ainda da importância dos projetos pedagógicos das escolas

analisarem o papel da coordenação pedagógica, bem como afirmou que os órgãos

técnicos deveriam cuidar do planejamento das suas funções, de forma a não desviá-

lo daquela essencial – a formação continuada dos professores (Christov, 2003).

Vieira (2003) afirmou que o processo de formação continuada, pela qual o

PCP, deve instalar mudanças, promove diversos sentimentos, muitas vezes

negativos, de medo, insegurança e frustração:

Além de lidar com os sentimentos dos professores, dos alunos e pais e dos gestores da escola, o coordenador pedagógico irá trabalhar também com os seus próprios e com o fato de que, muitas vezes, os sentimentos demonstrados por cada um dos participantes da escola são contraditórios entre si. (Vieira, 2003. p. 87)

De acordo com a autora esses sentimentos não representam uma crise

intransponível, mas apenas uma dificuldade a ser enfrentada. Identificar e trabalhar

esses sentimentos nos encontros coletivos e individuais permitiria a construção de

um clima de parceria, troca e crescimento que criariam o vínculo necessário para se

promover mudanças no processo de ensino e aprendizagem.

Geglio (2003), ao se referir aos desvios de função do professor coordenador e

à burocratização de seu trabalho, argumentou que a burocracia é algo intrínseco ao

meio escolar, sendo que isso exige o cumprimento de prazos muitas vezes

31

inflexíveis. Ainda que admitindo a hipótese que existem situações nas quais ocorre o

desvio de funções, não concorda que isso termine por fazer parte do seu trabalho.

Ao se debruçar sobre os desvios de função, Roman (2001) se contrapõe a

ideia de que as atribuições do PCP não se caracterizam pelo desenvolvimento de

atividades burocráticas. Para o pesquisador, as atribuições do PCP são marcadas

pela execução de pacotes pedagógicos “prontos”.

Em sua leitura, a função do PCP esteve o tempo todo sob controle de

aspectos institucionais que dificultavam seu trabalho. Essas dificuldades poderiam

ser explicadas, em primeiro lugar, em razão da existência destes profissionais nas

escolas, estar atrelada ao número de classes que nelas funcionavam. Outra

dificuldade encontrada pelos PCPs, residia nas relações de poder que travavam com

a direção escolar e com os órgãos técnicos do governo estadual. E a terceira

dificuldade referia-se à execução de projetos e de propostas pedagógicas

elaboradas por este último.

As considerações feitas até aqui feitas convergem para o conjunto de

inquietações que despertaram o interesse por esta pesquisa.

Diante de como se formulou o problema e, para viabilizar sua investigação,

determinou-se que a coleta das informações necessárias se daria, apenas, junto a

profissionais que atuassem nas séries iniciais do Ensino Fundamental, também em

função das razões já apresentadas no Prefácio.

Portanto, antes de apresentar o Método, julgou-se necessário discorrer a

respeito do contexto de trabalho dos PCPs daquela modalidade de ensino, que se

constitui no âmbito do Programa Ler e Escrever, a respeito do qual foram feitas

algumas breves considerações.

3. O Programa Ler e Escrever

O programa em questão representa a atual política da Secretaria Estadual de

Educação de São Paulo, destinado às séries iniciais do Ensino Fundamental:

O Programa Ler e Escrever está incluído entre as ações destinadas ao cumprimento, até 2010, das 10 metas do plano para a Educação lançado pelo governo paulista em agosto de 2007. Investir na qualidade da formação de base é essencial para que as crianças possam desenvolver, adequadamente, suas potencialidades, abrindo, assim, possibilidades de

32

construção de um futuro com perspectivas de inserção social muito mais amplas. Desta forma, ao implementar o programa, a Secretaria de Estado da Educação age efetivamente na consolidação de soluções que permitirão a melhoria das condições de ensino em toda a rede estadual. (http://lereescrever.fde.sp.gov.br/site/Programa.aspx. Acesso em 10/01/2010)

Trata-se de um programa de formação continuada de professores que,

segundo Prado (s/d), (...) interfere diretamente na gestão do pedagógico e na gestão

administrativa das Diretorias de Ensino.

(http://lereescrever.fde.sp.gov.br/Videos.aspx?idxVideo=1. Acesso em 01/06/2010).

Em continuidade ao Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –

PROFA/Letra e Vida, que ocorria fora do ambiente de trabalho, o Programa Ler e

Escrever retomou os conhecimentos teóricos de alfabetização e os mobilizou no

planejamento da ação docente, pautando-se no desenvolvimento de situações

didáticas adequadas às necessidades de aprendizagem dos alunos.

O material planejado e organizado pela equipe das professoras Telma Weisz

e Iara Prado7 contém:

� Guia de Planejamento e Orientações Didáticas para o Professor Alfabetizador de

1ª e 2ª séries;

� Caderno de Planejamento e Avaliação do Professor Alfabetizador – 1ª série;

� Coletânea de Atividades do Aluno – 1ª série;

� Livro de Textos do Aluno – 1ª série, dentre outros materiais destinados a alunos

de outras etapas da escolarização.

A tiragem de materiais destinados aos professores, até 2008, foi de 10.500

volumes; o número de exemplares, para os alunos de 1ª série, foi de 160.000, o que

sugere um alto investimento de verbas públicas e justifica a importância de se avaliar

o alcance das políticas públicas desta natureza, intentando contribuir com as

discussões sobre a atuação do PCP.

Cabe ressaltar que não há nenhum material oficial destinado especificamente

ao professor coordenador.

Em seu desenvolvimento, o Programa Ler e Escrever privilegia 3 esferas de

formação: Gestores (diretores de escola, supervisores de ensino e professores

7 Respectivamente Doutora em Psicologia Educacional pela Universidade de São Paulo e Pós-Graduada em História Social pela Universidade de São Paulo. Atualmente coordenam o Programa Ler e Escrever.

33

coordenadores de oficinas pedagógicas das diretorias de ensino); PCPs e HTPC –

horário de trabalho pedagógico coletivo.

A formação do trio gestor tem como objetivo garantir o suporte necessário

para o bom funcionamento do programa (distribuição dos materiais e recursos;

alocação dos alunos pesquisadores em todas as classes de 1º ano; assegurar que

as orientações e diretrizes do programa são seguidas).

A esfera do horário de trabalho pedagógico coletivo – HTPC - tem como

objetivo assegurar o espaço oficial para a formação continuada dos professores, por

meio do planejamento em grupo e das discussões com o PCP, buscando priorizar

conteúdos e realizar as adequações necessárias ao contexto de cada sala de aula.

O Programa Ler e Escrever se refere ao trabalho do PCP da seguinte

maneira:

Cabe ao professor coordenador a importante tarefa de orientar os professores no uso dos materiais do Ler e Escrever e na prática didática e pedagógica de sala de aula, sempre com o objetivo de preservar a concepção de aprendizagem do programa. O profissional de coordenação deve, também, ajudar o professor a priorizar conteúdos e exercícios disponíveis no material de apoio, de acordo com as necessidades e características de cada classe, além de servir como importante elo na relação da escola com os universitários que atuam como alunos pesquisadores nas classes de 1ª série do Ciclo I do Ensino Fundamental. (http://lereescrever.fde.sp.gov.br/site/EsferaFormacao.aspx, acesso em 10/01/2010).

Com a implementação do Programa, os professores coordenadores passaram

a participar de uma formação quinzenal, que pretende orientá-los para que possam

acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos em suas escolas.

Essas formações privilegiam o acompanhamento e a supervisão do trabalho

dos professores pelo PCP, instrumentalizando este último quanto ao uso do material

proposto e quanto a estratégias de desenvolvimento do seu trabalho, como a

observação de aulas. É neste contexto que se desenvolve o trabalho dos PCPs que

foram selecionados para participar do estudo que ora se apresenta.

A seguir mostram-se algumas considerações, que têm por objetivos

sistematizar o que se abordou até aqui e esclarecer o encaminhamento dado à

investigação.

34

4. Considerações sobre a formulação do problema

Ao esboçar um percurso histórico das atribuições do coordenador pedagógico

nas escolas da rede estadual paulista, em diálogo com a literatura recente, foi

possível chegar a algumas ideias que merecem apontamentos.

Neste século XXI, diante dos discursos de denúncia da baixa qualidade da

educação básica amplamente difundida pelos meios de comunicação de massa e

atestada pelos mais diferentes sistemas de avaliação do ensino do país, muitas

pesquisas e políticas governamentais tem se ocupado da problemática da formação

deficitária de professores.

Diante desse cenário, Davis e Aguiar afirmam que:

Tem sido recorrente, no campo educacional, o reconhecimento da importância de qualificar melhor o professor para que ele possa oferecer um ensino capaz de atingir – e beneficiar – todos os seus alunos. Aprimorar as habilidades pedagógicas e os conhecimentos acadêmicos dos docentes está, portanto, na ordem do dia, fazendo com que a formação inicial e continuada passem a constituir aspecto fundamental em praticamente todas as propostas que buscam melhorar a qualidade da educação. (2010, p. 48)

A frase acima serve para ilustrar como toda a produção de conhecimento a

respeito das atribuições do PCP afina-se com esta concepção, ao afirmar que a

principal função do profissional da coordenação pedagógica é a formação

continuada dos professores.

Além desta função, caberia a ele mediar as relações interpessoais, mobilizar

a equipe escolar na construção do projeto político pedagógico, mediar as relações

escola-comunidade, intervir nas situações de fracasso escolar e na questão da

inclusão (Almeida e Placco, 2006), entre outros aspectos já mencionados ao longo

deste trabalho.

Observou-se ainda que as discussões em torno do papel do professor

coordenador ganharam fôlego desde que passou a integrar o quadro de todas as

escolas de ensino básico da rede estadual, a partir da década de 1990. Desde

então, a delimitação de suas funções tem sido tema de estudos e pesquisas,

estendendo-se também ao cotidiano das escolas, onde seu trabalho se desenvolve.

Em virtude disso, convém examinar como os PCPs em exercício nas escolas

compreendem esse papel, porque isso contribuirá com as reflexões sobre os

35

aspectos inerentes à atuação destes profissionais, bem como sobre o impacto das

políticas educacionais direcionadas aos mesmos.

O recorte desta pesquisa e o interesse por ela encontram justificativa, na

trajetória do pesquisador como PCP em escolas das séries iniciais, em que a sua

formação em Filosofia e, mesmo depois, em Pedagogia (cursadas na rede privada

de ensino), eram insuficientes para atuar na temática alfabetização.

O exercício na rede pública estadual por 10 anos, uma parte como professor

temporário e outra como professor efetivo, em escolas de regiões periféricas da

cidade de São Paulo, permitiu a vivência de toda a implementação das políticas

direcionadas ao PCP durante esse período.

A atuação como PCP foi desenvolvida, simultaneamente, com as funções de

formador de professores, nos níveis de formação inicial e continuada, o que

contribuiu para uma visão mais ampla e mais crítica do papel do profissional da

coordenação pedagógica.

Desse modo, esse trabalho se debruça sobre um conjunto de informações,

coletadas junto a professores coordenadores a respeito de:

� Seu papel como formadores de professores;

� Impacto desse papel no seu cotidiano de trabalho;

� Planejamento pessoal do trabalho dos professores coordenadores e sua

concretização;

� Atividade de observação de aulas;

� Condições de trabalho;

� Questões recorrentes que permeiam o trabalho dos participantes, tais como

inclusão, relação com as famílias e/ou mediação das relações interpessoais entre

professores.

5. Considerações Metodológicas

Ainda que o Programa Ler e Escrever não constitua o objeto central de

interesse desta pesquisa, ele está na base de consideração das análises que foram

realizadas em razão de um conjunto de motivos.

O primeiro deles refere-se ao fato de que tal programa é o mais recente e o

único voltado para as séries iniciais em vigência e de abrangência significativa,

36

atendendo a aproximadamente 444.882 alunos de 1ª a 3ª séries do Ensino

Fundamental até 30/06/2008.

(Fonte: http://lereescrever.fde.sp.gov.br/Programa.aspx?IdGrafico=1. Acesso em

10/01/2010).

O segundo motivo é que esse programa é um dos primeiros, desde a

implementação do posto de trabalho de PCP nos anos 1990, que vem planejando e

desenvolvendo ações formativas direcionadas especificamente aos professores

coordenadores.

Por fim, um outro motivo relevante são os conhecimentos que o pesquisador

detém sobre o programa e seu funcionamento, por participar dele desde o seu início

em 2006; o mesmo ocorreu em relação ao programa que o antecedeu, o

PROFA/Letra e Vida, desde 2003.

Normalmente, nas reuniões de formação com os professores coordenadores,

os assuntos abordados referem-se ao cumprimento das atividades programadas no

Caderno de Atividades do Aluno e no Guia de Planejamento do Professor, à

elaboração de um calendário tendo como objetivo o cumprimento de tais atividades,

à elaboração dos registros que atestem o percurso de aprendizagem dos alunos e a

atividade de observação de aulas dos professores.

Diante de tais informações, e com a convicção de que, num trabalho

científico, o método se refere ao conjunto de procedimentos que produzem

informações necessárias e que mediam concretamente a organização do

conhecimento produzido, que favorecerão a compreensão e apreensão do papel do

PCP, o caminho aqui traçado se dá pela intenção em aprofundar os aspectos

arrolados no objetivo, a fim de compreender a totalidade das questões que

configuram o fenômeno em estudo.

37

II. MÉTODO

1. Localização das Escolas e Seleção dos Participantes

A pesquisa foi realizada com PCPs da rede pública estadual, que atuavam em

escolas de Ensino Fundamental Ciclo I – 1º ao 5º ano, localizadas na região leste do

município de São Paulo.

Inicialmente, foi feito contato com uma Diretoria Regional de Ensino, para

explicar os objetivos da pesquisa e solicitar autorização para que o pesquisador

pudesse entrevistar os PCPs. Ao Dirigente Regional de Ensino, foi entregue uma

carta de apresentação com explicações sobre o estudo e um documento de

autorização que foi devidamente assinado e entregue ao pesquisador.

De posse dessa autorização, estabeleceu-se o contato com os PCPs e seus

respectivos diretores escolares, esclarecendo o que se esperava com o trabalho que

seria realizado no ambiente das escolas e do diálogo com os professores

coordenadores.

A cada professor coordenador considerado participante em potencial, foi

entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi lido por cada um

deles. Na medida em que concordaram em participar, o termo foi assinado em duas

vias idênticas, sendo que uma via foi entregue ao pesquisador e outra ficou de

posse do professor coordenador que aceitou participar da pesquisa.

2. Participantes

Foram selecionados 6 participantes. Cada entrevista ocorreu nas respectivas

escolas onde os profissionais atuavam.

O pesquisador explicou a cada um eles que as entrevistas tinham por

finalidade coletar um conjunto de informações, com vistas à elaboração de uma

dissertação de Mestrado em Psicologia da Educação, que investigaria como os

professores coordenadores descreviam sua atuação como formadores, no contexto

do Programa Ler e Escrever e que seria realizada a partir de entrevistas individuais

com os participantes.

3. Procedimentos

38

As entrevistas foram realizadas mediante a utilização de um gravador, o

preenchimento de um questionário (Anexo I) e de uma pauta-lembrete, que teve

como objetivo conduzir as entrevistas, contendo questões abertas (Anexo II).

Esclareceu-se que as entrevistas seriam gravadas, transcritas, analisadas

previamente e que o pesquisador retornaria à escola para realizar mais uma sessão

de entrevista recorrente, caso fosse necessário.

De início, realizou-se uma entrevista-teste, para avaliar as questões

formuladas pelo pesquisador, as instruções dadas aos participantes e o tempo

destinado a cada gravação. A primeira entrevista ocorreu em duas sessões, sendo a

segunda, uma entrevista recorrente. Uma vez que o resultado foi considerado

satisfatório, esta entrevista também foi utilizada na pesquisa.

As entrevistas recorrentes tiveram a intenção de apresentar a cada

participante a transcrição dos diálogos, seguidos das análises do conteúdo que

foram feitas pelo pesquisador, de maneira que os participantes eram convidados a

ler, fazer observações, complementar informações, solicitar alterações ou até

mesmo a retirada de quaisquer afirmações, caso se sentissem incomodados ou

discordassem das análises realizadas, em acordo com o que se explanou no Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido, devidamente aprovado pelo Comitê de Ética

e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Todas as entrevistas foram realizadas num clima informal, permitindo que os

participantes pudessem fazer seus relatos de maneira que, quando fazia nova

pergunta, o pesquisador procurava contextualizá-la no próprio relato dos

participantes; o mesmo ocorria quando havia necessidade de esclarecer ou

completar alguma informação.

As primeiras entrevistas tiveram uma duração média de 50 minutos e as

sessões recorrentes, duração média de 15 minutos, variando de acordo com a

necessidade ou vontade de cada participante em discorrer sobre os assuntos

desencadeados e recorrentes.

Os relatos transcritos constituíram a principal fonte de informações.

Articulados às informações descritas em Participantes (área de formação e tempo de

experiência), ofereceram as bases para a produção da análise e discussão das

informações obtidas.

39

III. RESULTADOS

1. Caracterização dos participantes a partir dos resultados do questionário

Antes de apresentar os resultados obtidos, convém informar que todos os

participantes demonstraram muita disponibilidade em participar do estudo,

conversando abertamente e sem receios sobre o tema proposto.

A caracterização dos participantes é apresentada na Tabela 1:

Tabela 1 – Caracterização dos Participantes

Nome

Paulo8 Judite Clara Teresa Cristina Joana

Experiência como PCP 10 anos 5 anos 5 anos 14 anos 11 anos 12 anos

Tempo de Experiência no Magistério

20 anos 18 anos 18 anos 26 anos 18 anos 22 anos

Tempo de Magistério na modalidade na qual atua

0 13 anos 13 anos 12 anos 7 anos 10 anos

Experiência na Rede Estadual de São Paulo

20 anos 18 anos 18 anos 26 anos 18 anos 22 anos

Área de Licenciatura Biologia Pedagogia Pedagogia Pedagogia Pedagogia

Magistério em Nível Médio e Letras

Pós-Graduação em nível lato sensu

Não possui

Não possui

Psicomotri- cidade

Psicopeda-gogia

Psicopeda-gogia

Psicopeda-gogia,

cursando Mestrado em

Lingüística Participação no Programa Letra e Vida como formador

Não Não Sim Sim Sim Sim

Inicialmente, planejou-se selecionar os participantes com base numa relação

de proporcionalidade, que permitisse verificar se o tempo de experiência profissional,

tanto como professor das séries iniciais quanto como PCP, causava influências nos

relatos dos participantes. Entretanto, não se conseguiu encontrar 3 participantes

com mais de 10 anos de experiência na função e outros 3 com menos de 10 anos.

8 Os nomes apresentados na tabela são fictícios, procedimento que foi empregado para preservar a identidade dos participantes

40

Diante da dificuldade apontada, selecionaram-se 4 participantes com mais de

10 anos de experiência como PCP e 2 com tempo inferior a 10 anos. O tempo de

experiência dos participantes como docentes é relativamente equivalente, de modo

que apenas o professor Paulo não possuía nenhuma experiência como docente nas

séries iniciais.

Estes aspectos foram abordados na análise das entrevistas.

2. Procedimento de análise das entrevistas

A análise das entrevistas buscou fundamentação metodológica na pesquisa

qualitativa, indicada para a apreensão de processos, com maior profundidade, em

acordo com Candela, Coll e Rockwell (2009).

A cada entrevista realizada, o conteúdo era transcrito e analisado. Uma

versão impressa desse material foi disponibilizada a cada participante, que, como se

afirmou anteriormente, era convidado a lê-la e dizer se concordava integralmente

com a análise ou se gostaria de mudar, acrescentar ou até mesmo retirar algo do

conteúdo. Dentre os 6 participantes, 2 acrescentaram informações nos encontros

recorrentes; os outros 4 participantes mantiveram as falas e concordaram com as

análises prévias que haviam sido feitas.

Após inúmeras leituras do conteúdo das entrevistas, os temas recorrentes

foram organizados em agrupamentos, de modo que passaram a compor os

desdobramentos do problema de pesquisa, em acordo com o que se apresentou nas

Considerações sobre a formulação do problema.

Sendo assim, buscou-se entender o que os participantes disseram, de modo

que não apenas se descrevesse literalmente suas falas, mas também o que seus

discursos revelavam e em que princípios suas afirmações estavam assentadas.

3. Análise das Entrevistas

Toda a parte verbal de nosso comportamento (quer se trate de linguagem exterior ou interior) não pode, em nenhum caso, ser atribuída a um sujeito individual considerado isoladamente.

Mikhail Bakhtin

41

O conteúdo gerado pela transcrição das entrevistas suscitou o desafio de

decidir como se encaminharia o procedimento de análise, sobretudo porque o

pesquisador não tinha como princípio encontrar respostas engendradas em

verdades absolutas, e sim, intencionava descrever a análise que cada participante

fazia das suas próprias ações no trabalho como formador de professores, da

maneira mais fidedigna possível.

As incontáveis leituras das conversas com os PCPs indicaram que, de um

modo geral, os participantes descreveram a ação de formar de professores e o

contexto no qual ela ocorre. Assim, estes dois aspectos serviram como fio condutor

da análise que ora se apresenta.

Como se poderá observar, nem todos os participantes se manifestaram da

mesma maneira, nem na mesma seqüência, a respeito dos mesmos assuntos,

mesmo porque, como se justificou no Método, as conversas transcorreram num

clima de informalidade, pois o que se pretendeu, era criar uma clima de

confiabilidade, que pudesse revelar o que os participantes verdadeiramente

pensavam a respeito do seu trabalho.

3.1. O que dizem os professores coordenadores sobre a ação de formar

professores

Na primeira parte do trabalho, verificou-se que a formação de professores,

como política pública proclamada, se efetivou no contexto do Programa Ler e

Escrever, de forma que se buscou compreender como os participantes analisaram

esta atribuição, considerando que todos eles vivenciaram, no mínimo, duas das

mudanças legais instituídas pela Secretaria Estadual de Educação.

No que se refere ao papel do professor coordenador como formador de

professores, as entrevistas indicaram que os participantes reconhecem que houve

mudança no perfil do PCP. Quando foram convidados a descrever suas principais

atividades, a formação de professores surgiu como principal atribuição, como

exemplificado abaixo:

Minha principal atribuição é a formação de professores. Formar os professores e acompanhar as atividades que estão sendo desenvolvidas em sala de aula, gerenciar com elas a sala de aula, a gestão da sala de aula. (Clara)

42

Meu trabalho é direcionado à formação de professores e o acompanhamento do ensino e aprendizagem na sala de aula, coisa que antes a gente não fazia. (Cristina) A principal atribuição do coordenador é cuidar do lado pedagógico da escola. É cuidar do perfil pedagógico. Do plano pedagógico, estar sempre olhando as atividades que os professores estão oferecendo para os alunos, acompanhando o desenvolvimento dos alunos. Agora o professor coordenador tem o perfil de formador. (Judite) Meus HTPCs são pontuados [sic] para a formação do professor à sua atuação na sala de aula. (Joana)

As professoras Joana e Judite revelaram que a concepção de formação se

refere a um trabalho de convencimento dos professores quanto às metas de

aprendizagem e à concepção construtivista preconizadas pela Secretaria Estadual

de Educação:

...a gente faz mesmo o convencimento dos professores. (Joana) Muitas vezes a gente assume o papel de ter que convencer o professor que aquilo pode dar certo, que ele tem que tentar. (Judite)

No que se refere à formação recebida nos encontros do Ler e Escrever,

avaliam que os conteúdos abordados são positivos e auxiliam no desenvolvimento

do seu trabalho:

No último encontro, por exemplo, ela [a formadora] trouxe 3 encaminhamentos de uma professora coordenadora para uma determinada situação lá de sala de aula. E nós tínhamos que escolher qual deles era o melhor. Então, na realidade nós vimos pontos positivos nos 3 e pontos negativos nos 3 [encaminhamentos] E daí, tivemos que fazer o 4º. [encaminhamento] Então, isso é muito legal porque a gente aprende a olhar o que tem de bom em cada situação aí. Nada é descartável. É bom porque a gente traz para a realidade da escola, né? (Judite) Eu acho que está um trabalho muito legal lá. A gente percebe que está fluindo, que está pontual, realmente. (Joana)

43

Ele [o Programa Ler e Escrever] me trouxe mais informações sobre o trabalho na sala de aula, que é uma coisa que eu nunca vivi, porque eu dei aula a vida inteira no ciclo II e no Médio. De 1ª a 4ª, nunca. (Paulo) A gente vai pra diretoria para treinamento e já volta com outro olhar pra escola. Antes eu precisava descobrir o que eu ia dar, o que ia propor. Agora já venho mais ou menos com um caminho e vou me adequando, de acordo com a minha realidade. Eu aproveito muito o que as reuniões passam. (Cristina)

A participante Teresa revelou uma opinião contrária. Justifica que a

experiência de ter sido coordenadora e formadora do PROFA/Letra e Vida, bem

como os conhecimentos adquiridos no curso de mestrado freqüentado por ela,

fazem com que tenha necessidades formativas diferenciadas, que não são

contempladas nos encontros formativos do Programa Ler e Escrever:

Para mim não acrescenta nada. Até tem uma coisa ou outra que você capta ali e que dá pra usar, mas se for analisar friamente, não. Pra quem passou por todo aquele processo, é você ir até lá ouvir, palpitar, se bem que eu fico um pouco na minha, porque senão cai naquela você está fazendo mestrado e quer aparecer. (Teresa)

Ela afirmou ainda que avalia que a partir da formação recebida, muitos dos

professores coordenadores que participam dos encontros, apenas reproduzem os

conteúdos tratados pelos formadores:

Muitos fazem isso: pega e repassa. Pra outros que estão começando o ‘pega e repassa’ é pior, porque ainda nem sabem direito o que estão fazendo ali. Eles repassam com que propriedade, com que embasamento? (Teresa)

Porém, interpreta que isso não ocorre unicamente pela inexperiência dos

professores coordenadores, que estão há menos tempo na função, mas também às

condições de trabalho na rede:

Eu vou falar da coordenação quando eu comecei, em 91, no Gallicho. Eu ia, me falavam na reunião, eu ia lá e passa e repassa. Você está entendendo? Agora, alguns coordenadores mais antigos continuam no passa e repassa, você percebe nas falas e nas coisas que eles vivem pedindo emprestado. Então

44

tem coordenador e coordenador e vai continuar assim. Não vai mudar isso. Eu falo isso porque o salário não é o que deveria ser, é melhor ficar na sala de aula, porque por 40 horas, ganhando praticamente a mesma coisa, com 300 reais a mais? Em termos profissionais, até pode ser bom, mas se você quiser crescer, vai ter que correr muito, não vai poder ficar no passa e repassa. (Teresa)

A hipótese levantada pela professora Teresa fez com que se buscasse, nas

entrevistas subseqüentes, investigar o que os demais participantes descreviam a

esse respeito. Durante as conversas feitas, foi solicitado, a cada um dos

entrevistados, que desse um exemplo que especificasse as orientações que

recebiam nas reuniões do Ler e Escrever e como consideravam que tais orientações

os ajudavam a desempenhar o papel de formadores. As respostas obtidas foram:

Eu não fico repetindo coisas de lugar nenhum, eu não sou papagaio, eu tenho que saber o que estou falando. E eu vejo que tem coordenadores que só repetem, repetem o que o formador falou. Eu percebo isso quando a gente fala de pauta de HTPC. Porque nós recebemos a pauta com cola da Diretoria, é muito bacana, é carta na manga. Mas eu não posso ir pra formação na terça-feira, e depois vomitar tudo na escola. Eu tenho que selecionar, ver qual é o momento, se é o momento na minha escola, ver o que está na cabeça dos meus professores. No segundo semestre eu vou atacar a matemática, não sei se isso vai casar com a pauta da Diretoria, mas aqui a demanda é essa. E vejo, nas reuniões que o que acontece por aí é ‘Control C, Control V’ mesmo. (Clara)

De acordo com as necessidades do meu grupo de professores, eu vou filtrando tudo o que eu recebo lá e vou adaptando ao meu grupo, vou fazendo essas adequações. (Judite) Como já vem no material tudo o que o professor tem que fazer, fica mais fácil para a gente acompanhar o trabalho dele. (Paulo)

As afirmações acima permitem indicam a existência de uma tensão vivida

pelos professores coordenadores, que se esforçam em desenvolver um trabalho

autoral, ao mesmo tempo em que estão sob uma espécie de controle institucional

que podem causar impactos positivos ou negativos na atuação daqueles

profissionais.

45

3.2. Dificuldades encontradas pelos participantes para exercer o papel de

formadores de professores

A contradição que se demonstrou anteriormente se explicita por meio das

diferentes interpretações que os participantes constroem acerca daquela experiência

vivida. As entrevistas realizadas revelaram que o esforço cotidiano que estes

profissionais faziam para desempenhar um trabalho que julgavam adequado, era

solitário e particular.

Os participantes revelaram ainda, que o perfil dos coordenadores como

formadores ainda não foram assimilados entre os professores e entre os gestores

escolares, de modo geral. Em outras situações, a falta de profissionais de apoio nas

escolas também surgiu como algo que dificulta a legitimação do seu papel:

Alguns diretores não consideram a função do professor coordenador ainda como uma coisa que mudou, que ele é um formador de profissionais, que é uma função extremamente acadêmica e prática também, porque vai mudar a prática do professor. Mas alguns coordenadores ainda apagam muito incêndio. Isso não quer dizer que eu também não faça isso. Tem horas que sai um pouco, porque não tem outra pessoa pra fazer aquilo. (Judite)

A dificuldade que os professores coordenadores encontravam em legitimar

seu papel de formadores apareceu na maioria das entrevistas, que revelaram que se

tratava de uma conquista que dependia dos seus próprios esforços e interpretações

pessoais:

Os professores têm dificuldade de legitimar esse novo papel, porque eles estão acostumados com uma visão do coordenador como se ele fosse uma muleta. Ele [o professor] quer que quando ele [professor] tem um problema qualquer na sala, que a gente esteja o tempo todo lá. E de fato, nós somos um pouco disso também. Nós temos a função de auxiliar o professor na sala de aula, auxiliar o trabalho dele no dia-a-dia da escola. Porém, essa função de formador traz uma coisa nova que, muitas vezes o professor não está preparado para ela, porque ele gostaria que a gente viesse com algumas coisas mais práticas, algumas coisas que ele pudesse usar no dia-a-dia e o professor coordenador tem essa função de estar cutucando, de estar desestabilizando o professor nos saberes dele. Então,

46

muitas vezes, não é uma função tranqüila, nem diante dos professores, nem diante do grupo administrativo da escola. (Judite) Os professores aqui demoraram pra aprender que a minha função é esta e não aquela. Aí eles aprenderam, né, muda o ano, muda do professor, você tem que começar tudo de novo e falar “olha, eu aqui trato disso, disso, disso.” Se o aluno está brigando com o outro, chama a vice. Se o aluno está com dificuldades para aprender, aí vocês me chamam, é diferente. Então aqui os professores sabem bem do meu papel, porque quando eu voltei aqui da Leste (Diretoria) eu falei “meu papel aqui vai ser este”. (Teresa)

A fala da professora Teresa, acima, demonstra seu esforço em impor seu

papel como formadora, para quem as questões de indisciplina não eram

pedagógicas. Para ela, seu papel de formadora se constituía, fundamentalmente, em

intervir nas situações de alunos com dificuldades na aprendizagem dos conteúdos

trabalhados pela escola.

Infere-se que a interpretação da professora Teresa tem uma relação direta

com a meta da Secretaria Estadual de Educação de alfabetizar todas as crianças,

princípio assumido pelo Programa Ler e Escrever.

Tal inferência não representa uma crítica direta à meta estabelecida, mas

convida o leitor a refletir acerca da importância de compreender a concepção da

professora a respeito daquela, a partir da qual se faz necessário questionar a

maneira como esta e outras metas são institucionalizadas no âmbito da Secretaria

Estadual de Educação e, mais que isso, é necessário refletir a respeito das

diferentes interpretações que os PCPs fazem daquelas metas estabelecidas:

A minha meta quando eu vim para cá era aumentar o índice do Saresp. Olhando [...] comecei a perceber que eu tinha que aumentar os índices da escola. E aumentou pra 120. E no ano seguinte 120 de novo. E falei pra diretora que agora temos que ir para 150 no Idesp.(Teresa)

Eu vejo muita preocupação com o índice do Saresp, com o índice do Idesp, com o bônus. É uma política de meritocracia que não é por aí. A gente tem é que investir de verdade na educação, mas eu observo nos próprios professores coordenadores, como se isso fosse um absurdo, você não vê preocupação com os alunos, mas com os índices da escola. (Clara)

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As interpretações das duas participantes, opostas, em certa medida, criam

oportunidade para que a professora Teresa, por exemplo, volte a estabelecer uma

confusão na compreensão daquilo que é ou não é pedagógico no seu trabalho. Mas,

há que se considerar que contradições como estas marcavam os esforços dos PCPs

em construir seu trabalho com autonomia.

3. 3. Algumas tentativas dos participantes em construir um trabalho autoral

Acerca dos desafios encontrados para exercer o seu trabalho, a professora

Clara afirmou que:

É o que eu digo, o que me mantém na designação de coordenadora é a formação que eu tenho. Porque, nós temos assim, muitas adversidades, tudo acaba sobrando para o coordenador. “Ai, o aluno não tem tal coisa”. “Ah, vai lá e pede pro coordenador.” “Ah, não sei quê, vai com o coordenador”. Assim, não há quem consegue trabalhar. Aqui eu consigo me colocar e me impor e dizer que a minha parte é pedagógica. Eu não sou “disciplinadora”, mas nada me impede de conversar com um aluno num caso de indisciplina, pra ele entender que esse comportamento dele tá fazendo com que ele perca tempo, que ele está perdendo o tempo dele, que é precioso, que ele não vai poder voltar mais. Alguns saberes, ele vai ter aprender na marra depois, porque ele perdeu aquela oportunidade. Mas, chamar pai e mãe, por causa de disciplina, não, esse não é o meu papel. O meu papel é pedagógico. Agora, quando acontece um caso desse, a gente chama pra conversar, pra entender, o por quê desse aluno estar indisciplinado. Porque se for uma aula muito chata, eu também vou me indisciplinar. E eu coloco isso pra elas, a gente tem que ter a vivência nas HTPCs, que são o laboratório da sala de aula. Eu falo, então, já pensou se eu trouxer uns assuntos aqui, que não têm nada a ver com o que a gente precisa saber? Não adianta dar desculpas, vocês precisam saber, gostando ou não. E motivar o aluno não é colocar nariz de palhaço e ficar pulando na frente dele, que não é esse o papel. (Clara)

Já o professor Paulo tem considerações distintas acerca da sua atuação

como formador. Quando convidado a descrever como realiza o acompanhamento do

trabalho dos professores, ele revelou que o realiza da seguinte maneira:

De acordo com o que elas vão me falando. O material já vem pronto para elas, dizendo tudo o que elas têm que fazer. Se

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bobear, diz até o que elas têm que falar. Pra que eu preciso controlar? Eu sei que algumas delas não fazem tudo do jeito que o material manda. Mas eu vou intervir? A LDB não diz que o professor tem o direito de aplicar a concepção que ele quiser? (Paulo)

O discurso acima revela que o professor Paulo não se reconhecia como

formador, ao menos na perspectiva preconizada pelo Programa, porque julgava que

o referido material não permitia que nem ele, na condição de formador, nem os

professores, eram autônomos, no que se refere à concepção pedagógica adotada.

Para ele, que afirmou ter convicções políticas divergentes da atual gestão do

Governo do Estado de São Paulo, a metodologia adotada pelo Programa Ler e

Escrever contribuía para que houvesse concorrência entre as escolas:

Eu ouço nas reuniões, nas conversas corriqueiras, coisas assim “Quantos pré-silábicos têm na sua escola”? Eu sei até de escolas que penduram o mapa da classe na sala dos professores. Isso é perigoso, porque gera competição. E tudo hoje é competição. E os meninos que não conseguem? Tem menino que fica pré-silábico, tem menino que a gente tenta, tenta, vira cambalhota e não aprende. E aí? O que eu faço? Eu que não presto? A professora que não presta? A escola que não presta? O aluno não presta? A mãe dele que não presta? É muito complicado. (Paulo)

A professora Clara expôs sua avaliação sobre as bases que sustentam sua

ação de formadora da seguinte maneira:

Tenho que apostar na mudança de postura do professor, que ele tem que pesquisar, que ele tem que ir atrás, que ele tem que trocar com seu outro par, e perceber o que eu posso oferecer pra ele avançar. (Clara)

Quando foi convidada a dar um exemplo concreto a respeito de como

colocava em prática o que afirmou anteriormente, a professora revelou que atuava

em conjunto com os professores, problematizando situações concretas da sala de

aula, e que tal postura favorecia a criação de vínculos consistentes com estes

professores:

49

Aqui eu percebo que elas me vêem como parceira. Que é isso que eu sou dos professores. Se eu não for parceira dos professores, eu vou ser de quem? De direção, de vice-direção, de diretoria de ensino? Não, não sou parceira deles, sou parceira dos professores. Eu adoraria se tivesse alguém para me orientar sobre como eu faço para o meu aluno aprender, porque aluno vem pra escola pra isso, não tem outro motivo. (Clara)

E completou:

... depois do HTPC ela [uma professora] ficou para tirar uma dúvida comigo ... [de] um aluno que está na quarta série, veio de uma outra escola. Ele só tem o domínio do sistema de escrita, mas ele é alfabético. Mas pensar que ele tem domínio de coerência, coesão? Ele não tem. Então, nesse primeiro momento eu sugeri pra ela “pega uma fábula menor, leia com ele, discuta com ele, pra ele te falar. Porque enredo ele tem que ter.” Essa linguagem que se escreve ele tem que ter, né? E ela falou “eu fiz e ele não consegue”. Eu falei “então nós vamos partir para uma outra coisa”, quer dizer, é uma professora preocupada, fez com ele e não conseguiu. Falei “então se fábula ele não deu conta, nós vamos pegar uma história, um conto de fadas mesmo, que seja conhecido, e você retome com ele e você vai pedir pra ele reescrever somente a fala do lobo mau com a Chapeuzinho Vermelho. A Chapeuzinho Vermelho vai falar pra ele ‘nossa vovó, que olhos grandes’”. Ele tem poucas coisas pra pensar em termos de enredo, mas pra grafar ele tem bastante. Então, se eu não tiver toda essa formação, também, eu não saberia o que responder para essa professora. Eu não sei se este é o mais correto, mas é uma das poucas coisas que ainda me vêm à mente pra gente pensar nesse aluno e poder colocar à prova tudo o que ele sabe. (Clara)

A professora Clara retomou ainda, durante as entrevistas, a importância da

sua experiência anterior em sala de aula, como um dos elementos fundamentais que

compunham, na ocasião, o repertório necessário para desempenhar sua função de

formadora:

... hoje eu sei que o meu melhor não era o melhor. Porque eu reproduzia o que eu vivia e eu achava que aquilo ali era o correto. Eu fazia eles escreverem 10 vezes a mesma palavra, porque eu achava que era por aí. Mas, eu fiz tudo o que eu sabia, eu não tinha muita orientação como a gente tem hoje. Então, isso me mobiliza a cada vez aprender mais e discutir em alto nível com elas. Eu falo, se um dia eu achar que não tem

50

nada pra tratar no HTPC, eu mesma dispenso. Me desculpo com as professoras, mas assumo isso. (Clara)

A professora coordenadora informou ainda que planejava e organizava os

HTPCs com muita atenção, pois considerava esse espaço um “laboratório da sala de

aula”:

Eu mostro pra elas que o HTPC é o laboratório da sala de aula. Não é diferente, porque quando elas estão aqui, elas se colocam na posição de alunas e isso é involuntário. Nunca foi dito “olha, vocês estão aqui pra aprender comigo”. Mas elas vêem assim, como eu sendo a professora e elas sendo as alunas. É a mesma coisa de uma sala de aula. (Clara)

Nesse sentido, a participante afirma se reconhecer como uma parceira, que

constrói, avalia e tenta buscar coletivamente novos sentidos para as práticas

pedagógicas desenvolvidas no interior da escola.

Segundo ela, a atuação da professora coordenadora que a antecedeu foi

importante para que pudesse exercer seu papel de formadora, utilizando as HTPC

como um espaço legítimo para as formações:

Já nessa escola eu tinha a minha coordenadora como formadora. [Ela] era de formação mesmo. ... Eu comecei sim, com essa questão da formação que muito me inquieta. Imagina, você ficar num lugar por duas horas e não discutir nada que se presta? Porque se eu estou com angústias com relação à aprendizagem dos meus alunos, se eu não tenho alguém pra me direcionar, pra me orientar, pelo menos, onde nós vamos buscar uma ajuda, eu acho que não serve para nada. Então, eu acho que tem que ter a formação. Agora, eu tenho que estudar muito pra estar à frente delas. (Clara)

A professora Judite também revelou que a atuação do professor coordenador

anterior foi igualmente importante para que pudesse exercer o papel de formadora,

conforme exemplifica:

Eu acho que o coordenador anterior foi um facilitador. Porque ele encarou a função de formador antes da rede exigir esse perfil. Então para mim foi mais fácil. Levei um susto menor, foi mais tranqüilo, mas a gente tem que “rebolar” bastante. Tem que estudar bastante, porque só confiar na prática.. (Judite)

51

As duas professoras ressaltaram a importância de estudar. Tal preocupação

revelou um ponto fundamental da ação formadora, que indicou seus esforços em

desenvolver ações que não ficassem restritas à experiência.

Considera-se que esta é uma condição básica para que o trabalho

pedagógico não se transforme numa transposição confusa e simplista das diferentes

concepções pedagógicas, como temos assistido, historicamente.

Parte-se do princípio de que toda ação pedagógica pressupõe a articulação

entre uma teoria e um método.

Nessa linha de pensamento, os discursos dos professores evidenciaram que

é necessário construir uma cultura de formação, bem como apontaram que

percebiam a necessidade de planejar e conduzir os próprios processos de formação

para que estivessem preparados para executar a formação continuada dos

professores em suas escolas.

3. 4. A avaliação dos participantes frente à formação recebida pelo Programa

Ler e Escrever, bem como suas contribuições para o desempenho do seu

trabalho

Os participantes concordaram que a formação recebida pelo Programa Ler e

Escrever cumpria um importante papel:

O Ler e Escrever está obrigando o camarada a olhar para o guia e perceber que não tem resposta. ... O Ler te obriga a ler encaminhamentos, como eu vou organizar, pensar nos agrupamentos, saberes, se estão próximos ou não, em que momentos eu deixo saberes tão distintos juntos, que momentos eu coloco saberes próximos. (Clara) O Ler e Escrever dá um foco pra escola enquanto metodologia, sabe, ação pedagógica. (Cristina) [A partir da participação nas formações do Ler e Escrever] ... Eu posso sugerir coisas, por exemplo, perguntar se a professora está usando letras móveis, se está dando parlendas, se está trabalhando em grupo, essas coisas. (Paulo) A gente aprende muito: a fazer as pautas, a fazer as colas das pautas. Porque você tem que prever o que o seu professor vai questionar. É como o professor em sala de aula, que tem que estar consciente, ciente dos saberes dos alunos. E nós,

52

professores coordenadores, temos que estar conscientes dos saberes do grupo de professores. Então a gente já tem que ter a carta na manga. Pra dizer, bom o grupo vai me questionar isso, isso e isso e eu vou dizer isso, isso e isso. (Judite)

De um modo geral, os participantes avaliaram que o Programa trouxe

mudanças para o seu cotidiano de trabalho, com a definição do papel do professor

coordenador como formador de professores.

As professoras Joana e Teresa ponderaram que essas mudanças teriam tido

início no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores/Letra e Vida, que

foi implementado na Diretoria de Ensino na qual atuam, no ano de 2003:

O Letra e Vida mudou muita coisa na minha vida. Começou lá. Eu acho que aquele primeiro passo como formadora já mudou muita coisa, que eu buscava algumas coisas diferentes que eu não sabia o que era. Esse convite pra trabalhar lá [como formadora do Letra e Vida] me acrescentou muita coisa, por sinal, me efetivei logo depois. Então eu acho que desde ali (sic). Eu acho que acrescentou. A minha postura com os professores não mudou tanto, porque eu acredito num trabalho com bastante fundamentação e prática. O que eu mudei foram os argumentos para o convencimento. (Joana) (...) a formação do Letra, ser formadora, mais o que eu busquei sozinha, porque senão você não dava conta de atender outras questões, foi todo o diferencial pra eu ser a coordenadora que eu sou hoje. (Teresa)

Um dos pontos que legitimavam a ação formadora do PCP, no âmbito do

Programa Ler e Escrever era a atividade de observação de aulas, que tinha como

objetivo acompanhar e subsidiar os professores no desenvolvimento das atividades

sugeridas pelo material didático sugerido.

Para tanto, o PCP tinha como função analisar o objetivo de cada atividade, o

objetivo do professor com cada atividade que desenvolvia e as intervenções feitas

pelo professor nos momentos de aplicação dessas atividades.

Os participantes foram solicitados a realizar um cálculo estimado da

freqüência com que realizaram observações de aulas. Eles revelaram a respeito

disso:

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Bom, eu devo ter ido umas 3 vezes [em 1 mês]. ... É pouco. (Judite) [Fui] Umas 15 vezes, pra olhar atividades [em 1 semestre]. (Teresa) Olha, eu até faço, mas não como eu gostaria. (Joana) Só [consigo observar aulas] se eu programar. Marcando com antecedência, senão não dá. Mesmo assim, eu não consigo observar tudo o que eu deveria. (Cristina) Eu tô complicada, porque minha sala está em reforma e não tenho onde ficar e sistematizar meu trabalho. Mas eu tento ir uma vez por semana. Então, eu consigo ir em cada sala uma vez por mês. (Clara) Lá nas reuniões do Ler e Escrever elas orientam a gente a assistir aula de vez em quando. Mas eu não faço. Eu digo que faço, mas não faço. Primeiro porque não dá tempo, segundo porque se fosse eu, não ia gostar que o coordenador ficasse assistindo minha aula. Eu ia me sentir vigiado. (Paulo)

Todos os participantes, com exceção do professor Paulo, que afirmou que

não realiza observação das aulas, avaliaram que freqüentavam menos a sala de

aula do que gostariam. Quando convidados a descrever quais eram as variáveis que

os impedia de acompanhar as aulas, revelaram:

Não dá pra ir sempre. Tem professor que você sabe que a coisa está melhor, tem outros que eu tenho que acompanhar mais de perto. Então não dá, eu gostaria de acompanhar mais, mas não dá. Por conta que tem que digitar isso, tem que digitar aquilo, o sistema fecha. Você tem que levar pra sua casa, às vezes, pra digitar. São muitos detalhes, muitas coisas que te prendem na frente do computador, e eu não tenho computador na minha sala. Eu tenho que ficar disputando computador na secretaria, onde dá pra eu ir pra digitar o que tenho que digitar. Então, é difícil, eu teria que ir mais. (Clara) Eu acho que o tempo nos sobre carrega. É uma situação muito conflituosa, sabe? É tudo assim, pra anteontem. Então tudo que você faz tem a ver com documentação, que o registro é fundamental. Mas te cobram muita coisa no meio do caminho. (Joana) Por mais que se trabalhe 8 horas por dia aqui, você não faz só isso. Precisa de tempo pra ler, pra estudar, pra acompanhar os professores e os alunos, mais as funções que a Secretaria nos

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passa, então não dá tempo. Eu gostaria de ir mais na sala de aula, ainda não é o ideal. O número de classes, o número de professores da escola, é muito pra um coordenador só. Mas por conta das outras funções também. Há ainda o fato de que você fica 8 horas por semana fora da escola, em formação. Então sobram 4 dias. Nesses 4 dias tem HTPC. Tem 6 reuniões na semana, em que separei grupos de 1ª e 2ª séries, 3ª e 4ª e professores de Artes e Ed. Física, que eu preciso planejar com cuidado. Se você for ver, falta tempo mesmo. Depois tem que registrar, redigir ata, escrever relatório, falta tempo. (Cristina) O que eu ainda acho falho é essa coisa de que você teria que estar mais tempo com o professor, dar uma atenção maior pra ele na sala de aula. Mas isso não dá, por causa das outras coisas que a gente tem pra fazer. Você determina “quarta-feira vou pra sala tal”, vai, aí chega um pai. Ou então a professora chama pra alguma coisa, fora quando você tem Conselho. Eu faço Conselho aqui com aluno na sala e você sabe que isso demanda tempo. Então eu passo uma semana inteira fazendo Conselho, só de 3ª e 4ª. Então você tem outros entraves. Você combina e não dá pra ir. Então eu não combino o dia que eu vou. Você fala assim “hoje eu ia, mas não vai dar pra ir”. Aí amanhã não dá e você deixa pra o outro dia. Entendeu? Isso acaba prejudicando um pouco. (Teresa)

Tem que preencher planilha disso, planilha de sala de recursos, tem que assistir videoconferência, tem que isso, tem que aquilo. E muitas vezes, essa papelada burocrática, é ‘visão do futuro9’, tem que digitar. E você fica 3 semanas porque o “site dá pau” e você tem que digitar sei lá o quê, sabe? ... eu acho que deveria ser feito mais. A gente deveria entrar pelo menos uma vez por dia ... Só que assim: o processo todo, de observação de aulas, não é um processo simples, né, porque a gente tem que dar uma devolutiva. Então, não daria conta de observar todos os dias. (Judite)

Questionou-se ainda, junto aos participantes, se avaliavam que os

professores se sentiam fiscalizados com a observação de aulas. A respeito disso

afirmaram:

Eu acho que sim. Uma professora inclusive me disse que o problema não é ela. Que ela sente que os alunos acham que eu estou indo lá para fiscalizar ela, o trabalho dela. ... Ela acha que tira a autoridade dela com as crianças. Foi o que ela me passou.

9 Visão do Futuro – Programa destinado à saúde ocular de alunos de escolas públicas. Cf.: http://ensinandoeaprendendoemsaladerecursos.blogspot.com/2010/06/sp-primeiro-mutirao-do-visao-do-futuro.html

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Por mais que eu tenha dito que não, que é uma prática que a gente teve que incorporar, algumas pessoas ficam bem incomodadas. Outras eu não sei. Parece que tudo bem, elas não falam nada. (Judite)

... faz diferença, mesmo naquele professor mais resistente. Primeiro, eu não chego de surpresa, não pode. Eu acho desleal, você entrar no ofício de alguém pra fiscalizar, com a intenção de fiscalizar. A minha intenção é de melhorar. É o que falo, se o professor não me perceber como parceiro, eu estou ali pra que? Pra acabar com o trabalho dele? (Clara)

Fui nos 1ºs anos, que a preocupação maior é com eles. Fui no 2º ano, porque tem uma professora que ainda não está conseguindo. Ela fez o Letra e Vida, mas faz uma miscelânea. (Clara)

O professor Paulo assumiu uma posição diferente:

Lá nas reuniões do Ler e Escrever elas orientam a gente a assistir aula de vez em quando. Mas eu não faço. Eu digo que faço, mas não faço. Primeiro porque não dá tempo, segundo porque se fosse eu, não ia gostar que o coordenador ficasse assistindo minha aula. Eu ia me sentir vigiado. (Paulo)

A análise do discurso dos participantes quanto à atividade de observação de

aulas dos professores revelou algumas variações. Tais variações sugeriram que a

maneira como conduziam aquela atividade tinha uma relação direta com a maneira

como estavam construindo sua identidade de formadores, no período em que as

informações foram coletadas.

Nesse sentido, o conteúdo analisado permitiu inferir que a construção do

repertório que os participantes mobilizavam nos processos de formação de

professores tem suas raízes mais marcantes na experiência que possuíam como

docentes. E a formação que receberam, seja no Programa Letra e Vida, seja no

Programa Ler e Escrever cumpre o papel de sistematizar esses conhecimentos:

O Ler e Escrever me dá base para acompanhar o trabalho dela porque a gente tem que estar perto e acompanhar o desenvolvimento do aluno. Então, muitas vezes, eu também planejo atividades junto com ela, apesar de ter alfabetizado com método silábico, e aquilo era o que a gente dominava, então, o meu conhecimento também foi sendo construído junto com ela.

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Na hora de planejar essa atividade, pra quem é essa atividade, qual é o objetivo dela, qual é a melhor adequação, ela é boa para quem? Para o pré-silábico? E para o silábico com valor, qual é a adequação que a gente vai fazer nessa? E para o alfabético, o que a gente vai pedir? Então, nesse sentido, eu me sinto segura para orientar o professor, porque eu também fui construindo com elas nas HTPCs, dentro dos nossos horários de estudo. Que também é muito bom, esse lado prático, unindo isso ao lado teórico do Programa, eu procuro sempre fazer um gancho: “olha gente, vamos fazer isso”, como por exemplo, o Guia de Orientações Didáticas da 1ª série. Existe um porquê de todas aquelas orientações,né? Então, é não queimar etapas, é estudar junto com elas, aí nesse sentido eu me sinto segura para estar orientando. (Judite)

O argumento defendido anteriormente também encontrou justificativa na

entrevista com a professora Clara, que assim como a professora Judite, era uma das

que possuía menos tempo de experiência como professora coordenadora, mas que

durante todo o percurso de coleta das informações conseguia exemplificar com

detalhes como se colocava ao lado dos professores para ajudá-los a construir e

rever percursos de ensino e aprendizagem.

Para ela, a observação de aulas é um espaço privilegiado de formação e que

consegue perceber avanços na prática pedagógica dos professores:

Quando eu vou pra sala de aula eu falo “eu só vou pra gente ver qual é o movimento da sala”. Então, por exemplo, eu trabalhei muito a leitura inicial. E hoje, isso é tranqüilo na escola. Eu entrei uma vez e falei que queria pegar a leitura inicial. Ela entrou, colocou o cabeçalho na lousa, os alunos perguntaram se ela não ia ler. Ela pegou o livro, começou a ler e eu percebi que tinha uns 7 ou 8 copiando, a professora ia pra lá, ia pra cá, e eles tentando copiar. Eu fiz a mesma coisa no HTPC. Depois, eu chamei a professora, e dei uma devolutiva. Ela me falou “ai, Bel, sabe que eu não tinha reparado?”. Então, eu falei pra ela, “porque não ler primeiro, antes de colocar qualquer coisa da lousa, senão a leitura de apreciação perde o sentido”. Porque ela se queixava muito que eles não prestavam atenção quando ela estava lendo. Mas é postura de aluno, você pôs coisa na lousa, eles copiam, não interessa o que, todo mundo copia. E eu fiz isso com elas, em HTPC. E não falei em que sala que foi, não falei nada, porque eu fui em várias e a gente tem que ter essa delicadeza, você não vai expor o outro. Coloquei um monte de coisas na lousa antes. Elas entraram e eu peguei o livro e comecei a ler. Eu vi que elas estavam copiando. Peguei o apagador e apaguei tudo. Tudo intencional. Foi uma gritaria

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“você está apagando, Bel”. Aí eu falei “ninguém está prestando atenção em mim”. Eu falei “isso é familiar?” “E outra coisa, é tudo intencional, eu não vou tratar de nada disso que está na lousa com vocês hoje. Eu coloquei e vocês copiaram sem saber do que se tratava. Com o aluno é a mesma coisa. Então vamos começar a ter algumas sacadas. Vamos começar a perceber que eu ali na frente estou reproduzindo alguns comportamentos.” E foi impressionante, passei nas salas de novo e vi que isso mudou. (Clara)

O que se quer afirmar é que a observação de aulas é uma atividade de alto

nível de complexidade que requer do observador uma seleção criteriosa do que se

quer observar, do que será feito com aquilo que se observa e que intervenções

serão feitas a partir do conteúdo gerado com a realização daquela atividade.

Sendo assim, interpretou-se que existe uma linha tênue entre fiscalizar se os

professores estão cumprindo a proposta curricular no contexto da concepção

preconizada pelo Programa Ler e Escrever, e conduzir um processo de formação

que tem como compromisso auxiliar os professores no desenvolvimento de um

ensino eficiente.

Isso se manifestou no discurso da professora Judite:

... eu prefiro a resistência nua e crua do que a resistência velada. Entendeu? É assim: quando os professores falam diretamente pra você, você sabe exatamente o que fazer, como fazer. Agora, tenho é medo daquele que fala “ahã, ahã, sim, sim” e depois acaba não fazendo, não aplicando aquilo que você está passando. Por isso é que acho importante a nossa visitação em sala de aula. (Judite)

A professora Teresa informou que não registrou nenhuma das observações

feitas no 1º semestre de 2010, e confirmou a hipótese de que apenas observou se

os professores trabalhavam as atividades no contexto da proposta construtivista:

... acabo dando atenção para os que têm mais dificuldades. E elas me deixam louquinha, porque eu percebo que as práticas estão complicadas. Tem uma professora assim. (Teresa)

Porém, seu discurso revelou uma contradição importante, a respeito da

mesma professora:

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Aí quando eu vou olhar, a classe dela avançou. E aí? Aí eu disse pra elas: se na próxima sondagem tiver entraves, a gente vai rever isso para o segundo semestre. (Teresa)

Assim, constatou-se que a participante vivia um conflito, pois num outro

momento da entrevista revelou que os professores que se apropriavam de uma

concepção construtivista “davam conta”. Porém, ao mesmo tempo, começou a

perceber que, alguns professores, embora não trabalhassem no contexto dos

referenciais teóricos e metodológicos sugeridos pela Secretaria Estadual de

Educação, também apresentavam resultados positivos no trabalho que

desenvolviam.

O professor Paulo foi mais explícito diante de situações semelhantes:

Eu sei que algumas delas não fazem tudo do jeito que o material manda. Mas eu vou intervir? A LDB não diz que o professor tem o direito de aplicar a concepção que ele quiser? (Paulo)

Pode-se perceber que os professores coordenadores viviam conflitos a

respeito das diferentes concepções pedagógicas demonstradas pelos professores,

que fizeram com que corressem o perigo de realizar uma leitura maniqueísta

daqueles. Isso significa que alguns dos entrevistados pareciam ter uma convicção de

que os “bons” professores eram os construtivistas e que os demais precisavam ser

“convencidos”, retomando o que afirmou a professora Joana:

(...) a gente faz mesmo o convencimento dos professores. (Joana)

Para ela, o Programa Ler e Escrever deveria ser obrigatório para todas as

séries do Ciclo I:

Se você não mudar a concepção não muda particularmente nada, não muda. (Joana)

Quando se questionou como poderia se efetivar o que denominou mudança

de concepção dos professores, ela afirmou:

Tem que ser lá, de cima para baixo (...) . (Joana)

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O discurso da professora Teresa revelou - embora tivesse uma concepção

semelhante - seus esforços em compreender as diferentes concepções pedagógicas

dos professores:

O professor que se empenha, que se apropria dessa concepção ele dá conta. A professora dessa sala, aqui onde estamos, é a perfeita construtivista. As crianças dela avançam, produzem. ... E assim, o professor que absorve a concepção consegue dar conta maravilhosamente. Aquele que não consegue, que vai pra um lado, vai pra outro, porque não tem muita segurança, ele vai ‘daquele jeito’. Alfabetiza, dá conta, mas o que eu acho o diferencial é a utilização da leitura. A leitura, eu falo para elas, tudo bem se você não tem firmeza nisso, mas a leitura inicial é primordial todos os dias. Ela faz diferença sim para as crianças produzirem bons textos. Elas precisam dessa linguagem. Então investir nessa leitura é uma coisa que todos aqui investem. Então eu acho que isso ajuda muito. O professor pode misturar um pouco, mas em contrapartida ele investe numa questão que é necessária. Eu gosto muito da proposta, mas eu acho que tem momentos que você está na sala de aula, você tem que mostrar pra criança, isso é experiência própria, que se você não juntar ‘b’ com ‘a’ e dizer que forma ‘ba’, ela não consegue entender. (Teresa)

A professora Clara descreveu suas experiências cotidianas de trabalho de

uma maneira distinta:

[Exemplificando a devolutiva dada aos professores quando observa aulas] ... “pro, eu acho que se eu tivesse pedido aquilo pra aquele aluno, ele ia dar conta. Por que você colocou junto dois alunos que são tão briguentos?”. Isso eu posso chamar e falar. Depois, não durante. Porque o professor já fica nervoso, a gente fica, mesmo aqui. Eu tenho toda tranqüilidade com elas em HTPC, mas mesmo que venha alguém superior a mim, você sabe que tem um olhar de observação, que por mais que não queira, muda. Então eu fico lá, ouço, participo, depois eu chamo e vou apontando tudo o que tem de bacana também que ele fez. E vou puxando, e não posso falar tudo de uma vez, tem coisa que eu tenho que ir devagar. Com alguns professores, uma coisa de cada vez. Não adianta querer corrigir tudo de uma vez, despejar tudo. Ele tem que ir percebendo os pontos que precisa melhorar. Se você começa “não pode isso, não pode aquilo”, o que tem de bom na aula desse camarada? Eu detonei com ele! Quando ele entendeu bem uma coisa, na outra aula que eu combinei com ele eu retomei uma coisa, aponto outra e assim vamos caminhando. (Clara)

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Para os demais participantes, seu papel de formadores de professores ainda

não foi totalmente incorporado à cultura das escolas, seja pelas questões

burocráticas, que eles afirmaram que ainda marcava o trabalho dos professores

coordenadores, seja pela maneira como os professores e gestores escolares

compreendiam o papel daqueles no cotidiano escolar:

Por exemplo, [tem o] mapa de classe para ser digitado. Nunca o sistema está tão liberado como deveria. Então, por exemplo, cada aluno leva em média um minuto e meio para eu digitar tudo, por aluno. Quanto tempo leva isso? Muito tempo. Então são muitas questões que a gente tem que resolver, que fica na mão do professor coordenador, e de repente não seria necessário ficar centrado na figura dele, o papel não tem que ser tão burocrático, o papel dele é de formação e de subsídio para o professor. (Clara) ... [a função de formador, marcada pela implementação do Programa Ler e Escrever] chegou como uma coisa a mais no nosso trabalho. ... tem as coisas do PIC10, os outros projetos, outras coisas que fazem parte do currículo, os projetos que a gente tem que desenvolver, os índices do IDESP11, fora as coisas que eu te falei antes: as pessoas que querem falar com a gente, os professores que chamam e pedem coisas, os funcionários que pedem coisas, os pais que querem ser atendidos, agora é essa prova para a progressão funcional, que ninguém fala em outra coisa. (Paulo) Os professores têm dificuldade de legitimar esse novo papel, porque eles estão acostumados com uma visão do coordenador como se ele fosse uma muleta. Ele quer que quando ele tem um problema qualquer na sala, que a gente esteja o tempo todo lá. E de fato, nós somos um pouco disso também. Nós temos a função de auxiliar o professor na sala de aula, auxiliar o trabalho dele no dia-a-dia da escola. Porém, essa função de formador traz uma coisa nova, que muitas vezes o professor não está preparado para ela, porque ele gostaria que a gente viesse com algumas coisas mais práticas, algumas coisas que ele pudesse usar no dia-a-dia e o professor coordenador tem essa função de estar cutucando, de estar desestabilizando o professor nos saberes dele. Então, muitas vezes, não é uma função tranqüila, nem diante dos professores, nem diante do grupo administrativo da escola. (Judite)

10 PIC – Projeto Intensivo do Ciclo I. Cf.: http://lereescrever.fde.sp.gov.br.

11 IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo. Cf.: http://idesp.edunet.sp.gov.br/.

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A participante Cristina afirmou que legitimar sua função de formadora

dependia bastante dela, a partir dos limites que impunha às demandas que surgiam:

Aqui todos sabem que se eu vou para o HTPC, não pode me chamar pra atender telefone, pra atender pais. A gente vai pra lá e ninguém interrompe, mas eu tive que construir isso. Se tem que responder alguma coisa da parte burocrática fica pra depois, espera. Primeiro é a parte pedagógica. (Cristina)

A professora Clara fez afirmações semelhantes:

Eu acho até que isso você pode fazer [atividades além da formação de professores, como controlar fluxo de alunos ou servir merenda], numa emergência você pode fazer, mas esse não é o seu papel, isso não te diminui em nada. Até porque a gente está trabalhando com criança, de repente, não só na festa junina. De repente, a gente está trabalhando receita, e vamos lá, vamos picar uma fruta, vamos ajudar a servir. Tranqüilo! O que você não pode é desempenhar outras funções que não sejam as suas. (Clara)

Além disso, os participantes afirmaram que ainda havia muitas solicitações

burocráticas que permeavam o cotidiano de trabalho dos professores

coordenadores. Para a professora Cristina, isso ocorria porque, historicamente, o

PCP acumulou funções e as incorporou no seu trabalho, sem recusá-las:

Ainda vem bastante [mapas de classe e planilhas para preencher]. Até porque o coordenador acostumou a conseguir dar conta de um monte de coisas. A gente reclama, faz, mas cumpre o prazo. A gente dá conta e por isso abre espaços pra esses acontecimentos. (Cristina)

Os participantes revelaram que realizavam um planejamento semanal de

trabalho, e que procuravam segui-lo, pois compreendiam que a organização era

fundamental tanto para concretizar o trabalho quanto para obter o respeito dos

professores. Nesse sentido, a professora Judite afirmou:

Eu procuro também ter uma rotina de trabalho que eu estabeleci. Em tais momentos eu vou preparar as pautas, em tais momentos eu vou separar conteúdos, né? Têm momentos de estudo pessoal. Em outros momentos eu vou atender pais.

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Na medida do possível eu procuro ser fiel àquilo que eu estabeleci. Quando eu não consigo, às vezes foge, às vezes acontece, eu vou relaxando um pouco, mas na medida do possível eu tento seguir. E é assim: eu sinto muito que se o grupo percebe que você tem uma organização de trabalho isso também legitima sua função. (Judite)

A professora Clara, na mesma direção, revelou:

Eu procuro seguir uma rotina semanal, é lógico que é altamente flexível, porque um dia a gente é convocado para uma videoconferência de não sei o que e você tem que ir. Então o que você tem preparado, você passa para outro dia, mas eu procuro seguir uma rotina semanal de visitar as salas, de olhar para as próprias rotinas [planejadas pelos professores], de atender professores, de atender pais e atender alunos. (Clara)

No que se refere ao cumprimento do planejamento semanal do trabalho, os

participantes foram convidados a apontar, numa escala de 0 a 100%, o quanto

conseguiam cumprir do referido planejamento. Em sua maioria, os participantes

afirmaram que conseguiam cumprir mais que a metade:

Tem as coisas do dia a dia e as coisas que às vezes sai, porque a realidade é outra. Mas eu acho que uns 70%. Não dá pra cumprir tudo mesmo. Às vezes me sinto a mulher maravilha, às vezes saio frustrada. Eu penso “fiz tanta coisa e não fiz nada, nada daquilo que estava programado”. (Cristina) 50% eu já fico feliz. Já me dou por satisfeita, porque já é uma grande coisa. Porque em momento algum o professor coordenador pode dizer, “olha, agora eu não vou fazer nada”. ... Você vai priorizando. Ocorre uma situação emergencial aí você pára e vai fazer outra coisa. Por exemplo, eu procuro atender pais só num determinado horário, num determinado dia. Mas, às vezes, é aquele pai e mãe que você tem que “pegar a laço”. Às vezes ele vem e você não pode dizer “não vou te atender hoje”. Porque é tão difícil você conversar com a pessoa. (Judite) Acho que uns 80%. Em geral, tem dado certo. Mas eu “malho” muito, viu? Porque é tanta coisa pra gente fazer, que eu tenho que “dançar miudinho”. (Clara) Uns 80% eu consigo cumprir. O que eu ainda acho falho é essa coisa de que você teria que estar mais tempo com o professor, dar uma atenção maior pra ele na sala de aula. Mas isso não dá, por causa das outras coisas que a gente tem pra fazer. Você determina “quarta-feira vou pra sala tal”, vai, aí chega um pai.

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Ou então a professora chama pra alguma coisa, fora quando você tem Conselho. Eu faço Conselho aqui com aluno na sala e você sabe que isso demanda tempo. Então eu passo uma semana inteira fazendo Conselho, só de 3ª e 4ª. Então você tem outros entraves. (Teresa) 60% ou 70 % e tem semana que nem isso. Sou sincera mesmo, que é uma coisa que nos frustra, porque tem a coisa que você teria que estar lá antes do que está acontecendo. E você não consegue, porque é muita coisa ! “Ah, mas dá!”, a Silvia fala, Lilian, Ivana, “ah, mas você tem que se pontuar”. “Se tranque, estude, você tem que trancar sua porta pelo menos uma hora”. Não dá, não dá! A gente leva trabalho pra casa. (Joana)

Tem semana que a metade. Mas em geral, menos da metade. (Paulo)

As informações trazidas pelos participantes conduziram a uma investigação

sobre as condições objetivas em que os PCPs tentam desenvolver suas ações. Os

resultados são apresentados a seguir.

3.5. Algumas considerações sobre o contexto no qual o trabalho dos PCPs

ocorre

As condições de trabalho apareceram como tema recorrente entre os

participantes. Os professores coordenadores revelaram que suas condições de

trabalho eram marcadas pelo acúmulo de tarefas:

... eu procuro seguir uma rotina, mas nem sempre eu consigo. Tem coisas que eu vou deixando mesmo. Não dá pra fazer agora, não dá. (Clara) ... às terças-feiras a gente está lá no Ler e Escrever, então esquece terça-feira. Aí na segunda-feira tem HTPC com as turmas das Oficinas, porque aqui é de tempo integral, então tem a parte das oficinas que eu tenho que atender. Então na segunda-feira eu já tenho que ter mais ou menos o HTPC da segunda pronto, mas sempre tem que xerocar alguma coisa, acrescentar pra fazer o HTPC. Fora uma mãe que você atende, sempre tem alguma coisa que a Diretoria pede, na terça eu estou fora, na quarta aí... Na segunda já tenho que preparar o HTPC pra quarta, já tenho que deixar ele pronto, porque tem HTPC com a turma da manhã, PEB I. Então já é outro dia que você não consegue muito articular, porque aí eu até tento visitar

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os professores das salas que estão ‘mais assim’... Não problema, mas que os professores têm mais dificuldades com algumas crianças, eu tento dar um ‘help’. Na quinta-feira já é um dia que eu me concentro pensando o que eu vou fazer no HTPC pra tentar estudar alguma coisa, o que às vezes não dá, você acaba levando pra casa, mas devido ao mestrado também estou tentando não levar nada daqui. Quer dizer, eu sempre levei, mas agora estou tentando me organizar de uma maneira que não leve... e a rotina do dia-a-dia: olha criança, atende pai, atende criança. (Teresa) O trabalho é estressante e ao mesmo tempo gratificante.

(Joana)

O número de classes, o número de professores da escola, é muito pra um coordenador só. Mas por conta das outras funções também. Há ainda o fato de que você fica 8 horas por semana fora da escola, em formação. Então sobram 4 dias. Nesses 4 dias tem HTPC. Tem 6 reuniões na semana, em que separei grupos de 1ª e 2ª séries, 3ª e 4ª e professores de Artes e Ed. Física, que eu preciso planejar com cuidado. Se você for ver, falta tempo mesmo. Depois tem que registrar, redigir ata, escrever relatório, falta tempo. (Cristina)

Tinha que ter mais funcionários. Eu como coordenador acho que se eu tivesse um assistente, alguém que me ajudasse com coisas burocráticas, os relatórios que a Diretoria pede, que é bastante coisa, e que toma bastante tempo, ia ajudar bastante. O tempo que eu perco fazendo essas coisas eu acho que compromete, sabe? Eu tenho que ser secretário, digitador, controlador de kit escolar... (Paulo)

Para a professora Judite, o fato de as funções de professor coordenador

comporem funções, e não um cargo, prejudicava o seu trabalho:

Eu acho que isso dificulta um pouco. Eu acho que nós tínhamos que ter um cargo, ao invés de ser função. Porque só função... Porque somos avaliados duas vezes por ano. Uma vez no início do ano com prova, depois no final do ano é passado pela diretora, pela supervisora pra nos reconduzir ou não. Com tudo... Notas inclusive, ela nos dá de 0 a 10. (Judite)

Ter um cargo, para a participante, era importante para o desenvolvimento da

sua identidade profissional de coordenadora pedagógica:

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eu acho que se tivéssemos um cargo, a gente ia ser mais respeitada pelos professores, ia legitimar ainda mais. (Judite)

Já a professora Clara, afirmou que:

Cargo te dá todas as garantias legais. Por exemplo, no caso da mulher, que resolve engravidar, tem que cessar a designação dela. Porque o coordenador na rede é função, e só pode se afastar por 45 dias. Se ele sofrer um acidente, se ficar internado, cessa a designação porque não comporta substituição, enquanto que cargo, pode substituir. Mas não é interesse do governo tornar cargo, pelo menos é o que todo mundo entende, senão já teria feito. Garantias legais o coordenador não tem. Agora, isso não quer dizer que se fosse cargo, ia melhorar, principalmente pegando aqueles que se acomodam como funcionários públicos, que quer faltar, tirar licença. (Clara)

Para a professora Judite, o fato de ter que fazer uma prova anualmente para

demonstrar conhecimentos, organizada pela SEE-SP, além de outra avaliação anual

efetuada pelo supervisor de ensino e pela direção escolar, indicavam que aquele

que permanecia na função já teria demonstrado possuir os saberes necessários para

ter um cargo. Quando foi convidada a dizer quantas vezes já passou pelo processo

de avaliação, a professora relevou:

Já é o 4º ano que eu estou aqui. Pelo menos 3 vezes. Fora as provas anuais aplicadas na Diretoria, fora os trabalhos, porque somos avaliados no Ler e Escrever, porque fazemos prova com a Sílvia Ferrari, avaliação. Em todas as reuniões você pensa, repensa, reflete. Pensa, repensa, reflete, então isso tudo isso é um trabalho de construção de conhecimento. Então, daí eu acho que merecíamos ter um cargo e não uma função. Isso ia garantir um pouco das condições de trabalho. (Judite)

A professora Judite afirmou que lida tranqüilamente com todo o processo

avaliativo, mas considerou que a não existência do cargo de PCP causava impactos

no trabalho desenvolvido com os professores:

Eu acho que o professor não põe muita fé. Parece que a gente aqui é transitório. (Judite)

A professora Clara completou:

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Mas tem alguns casos que te deixa frágil. Por exemplo, em algumas situações você fica à mercê do diretor, que pode te tirar. Se um diretor te diz que a sua função é pedagógica, desde que você se forme e estude, você não fica fragilizado. Agora, se não acontece isso, fica difícil, você fica na sombra dele. Porque se o diretor e o supervisor cessarem a sua designação por ter feito um mau trabalho, você fica 2 anos sem poder concorrer ao posto de coordenador em qualquer escola, isso mancha você, porque você não foi competente. Agora, você não foi competente ou não fez o que o diretor queria? Depende, se você é bom profissional. Eu não me submeto a ‘n’ condições que colegas meus se submetem, porque eu acredito no meu trabalho e porque eu tenho os professores validando e legitimando o que eu faço. (Clara)

Além destas questões, a baixa remuneração também surgiu como fator que

interferia no desenvolvimento da profissionalidade dos professores coordenadores.

A professora Teresa acreditava que alguns coordenadores não se comprometiam

com o trabalho em razão do salário:

Eu falo isso porque o salário não é o que deveria ser, é melhor ficar na sala de aula, porque 40 horas por 40 horas, ganhando praticamente a mesma coisa, com 300 reais a mais? Em termos profissionais, até pode ser bom, mas se você quiser crescer, vai ter que correr muito, não vai poder ficar no ‘passa e repassa’. E eu vejo isso acontecer muito. Alguns poucos não, que vêm vindo, que vem estudando, muitos fizeram mestrado, outros estão fazendo, esses já tem um diferencial, porque estão buscando outras coisas, mas na maioria das vezes não é assim. (Teresa)

Para a professora Judite, esse era um ponto de insatisfação. Ela questionou

os baixos salários e a remuneração salarial por méritos implantada pelo Governo do

Estado de São Paulo:

Ah, tem também a coisa do salário. Salário é... A gente teve que fazer uma prova, eu acho até que a gente não deveria fazer, onde já se viu fazer prova pra receber salário? Na verdade a gente acaba pensando: “Pô, por R$ 200,00 a mais”, entende? Sabe, então, eu acho que o nosso trabalho devia ser bem remunerado. Mas eu tenho fé, que ainda vou chegar, no final da minha carreira ganhando bem. Porque a sociedade está exigindo isso. O mercado de trabalho está exigindo pessoas que dominem o conhecimento. Eu ainda tenho fé que um dia a gente vai conseguir ser bem remunerado e ser reconhecido pelo nosso

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trabalho. Se não for aqui, bom, eu estou fazendo pós-graduação, pra depois, tentar dar aula em faculdade, pra tentar complementar o meu salário. ... Eu tenho 18 anos de carreira, 19, estou ganhando R$ 2.200,00 agora. Pra você fazer um trabalho que você não pára o dia todo, sua cabeça não pára, nem de noite, vamos falar a verdade? Às vezes, a gente nem dorme pensando “tenho que fazer isso, fazer aquilo, o que eu vou fazer com aquilo outro?” (Judite)

Além destas questões, os participantes descreveram outras variáveis que

compunham o seu trabalho. Na coleta das informações, se procurou considerar

temas como inclusão, relação com as famílias e crianças com dificuldades no

processo de escolarização, entre outros temas que eventualmente surgiram nas

entrevistas, e que caracterizavam o cotidiano de trabalho dos professores

coordenadores participantes.

O professor Paulo afirmou que há questões a respeito das quais não se sentia

contemplado nas formações semanais que freqüentava na Diretoria de Ensino,

referentes ao Programa Ler e Escrever:

Não fala nada das crianças que tem dificuldade, dos problemas das famílias, dos deficientes. Tem os PCOPs da Diretoria específicos pra esses assuntos, mas não é suficiente. Essas coisas que são nossos maiores problemas. (Paulo)

A professora Clara afirmou que ainda que não fossem abordados de forma

direta, o Programa Ler e Escrever oferecia subsídios para o tratamento de questões

ligadas à inclusão de crianças com deficiências ou de crianças com dificuldades na

aprendizagem de alguns conteúdos:

Se eu pensar que todos têm condições de aprender, que todos os alunos podem aprender, se esse for o princípio, eu acredito que ele dê conta. (Clara)

Para a professora Cristina, os saberes necessários para tratar dessas

questões eram construídos com a experiência, mas avaliou que há aspectos que

não eram discutidos:

68

O Ler e Escrever dá um foco pra escola enquanto metodologia, sabe, ação pedagógica. Mas pra lidar com esses outros tipos de problemas acho que não. Esses saberes são da sua experiência. Por exemplo, aqui nossa escola é antiga, os pais preferem ensino tradicional. A gente tem que ouvir eles falarem e depois temos que convencê-los de que a nossa forma de ensinar é a mais adequada para o momento, então, nem sempre ajuda. Com relação à inclusão, tem uma questão da política pública, que é alfabetizar todo mundo até os 8 anos. Não se leva em conta a criança que tem necessidades especiais. Em nenhum lugar tem espaço pra você colocar que ele tem alguma deficiência. Falta alguma coisa pra você colocar que o aluno não consegue escrever porque ele tem uma deficiência intelectual grave, por exemplo. E aí parece que a escola não trabalhou direito. Acho que precisa pensar nisso. (Cristina)

A respeito disso, a professora Teresa, ao tentar compreender esses casos,

pareceu buscar recursos na sua formação como especialista em Psicopedagogia:

A questão da inclusão, por exemplo, é um caso. Uma criança disléxica, por exemplo, não aprende na metodologia do Ler e Escrever. Ele só aprende foneticamente, por silabação. Não tem como. Tem casos que devagar o professor consegue. Eu tenho uma Sala de Recursos aqui e a professora tenta dar conta dessas situações e as crianças têm avançado. Tem crianças com um comprometimento muito grande, que não conseguem avançar tanto. Vai chegar uma hora que tem um limite e vai ter a terminalidade. Agora, a questão familiar, aqui é uma comunidade que pouco colabora. Você chama e não vem, não tem tempo, não pode. Mas aqui a escola que tenta incluir todos. Mas tem casos de professores que têm dificuldades em receber crianças com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem. Mas a gente vai tocando e parando pra pensar. (Teresa)

A professora Joana afirmou, que essas situações dependiam de um

atendimento psicopedagógico que não existia na rede estadual:

(...) esse assessoramento não existe ainda em termos de rede, de um atendimento dentro da escola e de um acompanhamento aos pais, de um aconselhamento mais efetivo, uma equipe preparada para, acho que isso falta muito pra gente! É meu sonho quando eu aposentar né? Eu sou psicopedagoga e eu

69

queria uma situação de trabalhar com problemas de aprendizagem, montar uma equipe. (Joana)

A professora Judite revelou não saber como agir em algumas situações que

envolviam a inclusão de alunos com deficiências ou dificuldades de aprendizagem.

Para ela, faltava formação que lhe auxiliasse a encaminhar casos como estes. Ela

afirmou que, em alguns casos de crianças com deficiências, a questão era de ordem

biológica, do campo da saúde:

O Estado tinha que fazer uma boa parceria com a Saúde. Tinha que ter psicólogo, fono, psicopedagogo. A gente leva essas coisas e parece que a Diretoria não liga. Faz de conta que não está vendo. (Judite)

A mediação da relação entre os professores foi um outro tema mencionado

pela professora Teresa. Para ela, a formação que freqüentava não a auxiliava a

intervir na articulação da equipe escolar:

As pessoas têm que desenvolver esses saberes sozinhas. E eu também não dou conta disso. Por exemplo aqui tem a Aurora que é construtivista, a Nair que mescla tudo, a Marli que faz uma bagunça. A Aurora faz a rotina, a Nair se apóia na rotina da Aurora, só que cada sala tem seu diferencial. Aí vem a Marli e diz “essa rotina eu não concordo muito”. Aí eu falo que se ela não concorda muito, tem que adequar à sala dela. Mas você percebe que por mais que elas sejam um grupo de 2ª série, há momentos que cada um vai cuidar das suas especifidades. Mas é muito pessoal o jeito que cada um dá aula, como cada um se envolve, cada um chega na criança. (Teresa)

Os participantes revelaram que temas como inclusão de crianças com

deficiências, crianças com dificuldades de aprendizagem, e relações com as

famílias, não eram abordados nas formações semanais que recebiam. E embora

alguns participantes tenham considerado que os saberes necessários para tratar

daqueles temas fossem construídos por meio da experiência, a questão que se

colocou foi: como esses saberes poderiam se traduzir em ações que contribuíssem

para a melhoria da prática pedagógica dos professores, que os PCPs deveriam

acompanhar?

70

Como se pode verificar, cada um dos participantes mobilizava os

conhecimentos e saberes que possuía, interpretando essas questões de uma

maneira particular.

Esse fenômeno pode ter efeitos variados sobre o trabalho escolar e seus

resultados, de modo que se não houver atenção sobre esses efeitos manteremos o

divórcio entre discurso e ações e continuaremos a ouvir ‘o eco’ da ineficiência da

educação pública.

71

IV. DISCUSSÃO

Com base nos dados obtidos foi possível inferir que a atuação do PCP ainda

guarda traços de burocratização e fiscalização do trabalho docente, arraigados na

própria história da profissionalidade daquele. Quando a professora Judite, por

exemplo, afirmou sentir que os professores não “botam muita fé” no seu trabalho,

porque lhe parece que está na função em caráter provisório, interpretamos que os

professores podem realmente enxergar o professor coordenador como alguém que

está na escola para fazer cobranças. O que leva o professor Paulo, por exemplo, a

não realizar a observação de aulas, por acreditar que o professor se sinta

fiscalizado. A esse respeito é importante lembrar a afirmação de Furlanetto:

... o coordenador é visto, algumas vezes, como alguém que mais dificulta do que facilita o trabalho pedagógico. Com exigências burocratizadas, tais como: entrega de planejamentos, que pouco dizem aos professores, e utilização de metodologias e estratégias não muito compreendidas pelos docentes, ele se transforma em alguém distanciado do cotidiano da sala de aula, exercendo-se mais como “tomador de conta de professor”. (2000. p. 87)

Mesmo quando demonstravam que tentavam se distanciar desse perfil,

concluiu-se que parece que poucos o conseguiam, pois revelaram que há aspectos

- como os da inclusão de crianças com pessoas com deficiências, crianças com

dificuldades de aprendizagem, indisciplina, e até mesmo alfabetização -, para os

quais não estão preparados, e que requerem a criação de formas alternativas de

coordenar o seu trabalho.

Observamos que, com exceção do professor Paulo, que declaradamente se

opõe à atual proposta da SEE-SP, os demais participantes afirmam balizar suas

ações por meio dos instrumentos ou indicadores propostos pela política educacional

da rede estadual.

Diante disso, o que se julgou importante foi analisar como os professores

coordenadores entrevistados disseram compreender a formação que receberam e,

com base naquela, como descreviam suas ações. Em função da fala do professor

Paulo, depreende-se que seu grupo de professores pode desenvolver suas práticas

da maneira como quiser.

72

Embora essa informação possa levar a pensar que se trata de uma postura

democrática, por outro pode significar que o trabalho desenvolvido por esse

professor coordenador é ‘espontaneísta’. Isso não quer dizer que ele seja um

profissional ‘melhor’ ou ‘pior’, porém as entrevistas realizadas com o mesmo

indicaram que ele utiliza os materiais do Programa Ler e Escrever porque se sente

obrigado a fazê-lo, de alguma forma, terminando por assumir uma postura baseada

na ideia que ‘se não pode ajudar, também não atrapalha’. O depoimento do

professor Paulo remete, novamente, a uma afirmação de Furlanetto:

[Alguns coordenadores] parecem pedir desculpas por estarem exercendo essa função e fazem o possível para passar despercebidos e não “atrapalhar” o trabalho do professor. Tornam-se muitas vezes, bons amigos dos docentes, mas pouco contribuem para a estruturação de uma prática pedagógica mais consistente. (2000. p. 87)

O entrevistado afirmou que não possuía nenhuma experiência nos anos

iniciais do ensino fundamental, o que provavelmente contribui para que ele assuma

a postura de amigo dos docentes. Ainda que tenha afirmado que sua participação

na formação do Ler e Escrever, ao menos lhe permite conversar com seus

professores sobre suas práticas pedagógicas, a questão que se coloca é: como

assumir a postura de formador sem conhecer as especificidades da sala de aula e

sem conhecer como os professores agem na sala de aula?

Pessoa afirma que:

Não basta, por exemplo, identificar que um determinado professor está com dificuldade para fazer com que seus alunos aprendam. É preciso detectar qual é essa dificuldade, especificamente, e propor reflexões que apontem caminhos possíveis para o avanço dos alunos no processo de aprendizagem, ou seja, é necessário que saiba realizar intervenções pontuais junto aos professores. (2010. p. 108).

A ação formadora requer um conjunto de conhecimentos necessários para

realizar intervenções, em acordo com o que afirma Pessoa:

(...) o coordenador pedagógico deve ter um olhar sensível e refinado para sua equipe; deve também dispor de um bom

73

repertório sobre o processo de alfabetização para que seja possível estabelecer relações entre aquilo que observa na atuação de um professor, os conhecimentos de que dispõe sobre o assunto e as possibilidades específicas da sala de aula. (2010. p. 108)

Os dados coletados tornaram possível, ainda, apreender que as expectativas

dos órgãos governamentais terminam por caracterizar o trabalho dos professores

coordenadores como o de cumpridores de tarefas e fiscalizadores do trabalho

docente.

Essa interpretação se justifica em virtude do que encontramos numa das

publicações oficiais da SEE-SP direcionada aos gestores escolares das escolas da

rede estadual de São Paulo:

A coordenação pedagógica constitui-se um dos pilares estruturais da atual política de melhoria da qualidade de ensino e os Professores Coordenadores devem atuar como gestores implementadores dessa política. (SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Gestão do currículo na escola: Caderno do Gestor. São Paulo: SE, 2009. Volume 1, p. 4.)

O conteúdo das entrevistas realizadas com a professora Joana, por exemplo,

revelou que ela exerce exatamente esta função de ‘agente implementador’ da

política educacional. E a questão que se coloca, mais uma vez, diz respeito aos

impactos disso no trabalho cotidiano dos PCPs.

No caso das participantes Joana e Teresa, ficou claro, por meio das

entrevistas, que elas acreditam que devem convencer os professores quanto à

proposta curricular adotada na rede estadual, de maneira que ainda terminam

julgando os professores como ‘bons’ e ‘ruins’, tomando como critério o fato de

seguirem ou não a proposta sugerida.

Mesmo que, em tese, a finalidade da Secretaria Estadual de Educação de

São Paulo não seja esta, apreendeu-se que o modelo de formação adotado está

formando exatamente executores ou agentes da atual política educacional.

Afirma-se isso, porque o atual modelo de formação ancora-se numa proposta

de formação em rede: a Secretaria Estadual “forma” as equipes das Diretorias de

Ensino, que “formam” os professores coordenadores, que “formam” os professores.

74

Constatou-se, com base nesta proposta de formação, parece que os

professores coordenadores aproximam-se muito mais de fiscais do trabalho dos

professores, uma vez que a linha entre acompanhamento do trabalho pedagógico e

fiscalização do trabalho docente pode ser tênue, se o coordenador não souber

exatamente o que quer/precisa ao realizar essa atividade. Nesse sentido,

concordamos com Clemente:

(...) é importante que [o coordenador] tenha feito acordos prévios, delimitado critérios para essa observação e que estes tenham significado para o professor. Assim, num momento posterior ao da aula, ambos poderão discutir objetivamente o que foi feito, aprofundando e relacionando as teorias estudadas com práticas atuais e futuras. (2003. p. 58).

A falta de planejamento das observações ficou evidente nas entrevistas com

as professoras Teresa e Judite. Enquanto a primeira não registrou e não discutiu o

conteúdo de nenhuma das observações de aula que realizou, a segunda revelou

que não segue nenhum roteiro específico e que observa se os professores estão

seguindo a proposta curricular.

Algo semelhante ocorreu nas entrevistas com a professora Joana. Quando se

questionou o que ela pensava da sua atuação como formadora, ela prontamente

afirmou que ‘cobrava’ dos professores o cumprimento da proposta curricular da

SEE-SP, de base construtivista.

Pode-se apreender ainda que o discurso da maioria dos participantes revela

uma compreensão equivocada acerca do trabalho dos professores que

acompanham. Quando não qualificaram os professores como bons ou ruins, como

se afirmou anteriormente, afirmaram que eles eram resistentes ou que eram livres

para acreditar na concepção que quisessem, ainda que isso significasse não

acompanhar o trabalho destes professores, como ocorreu com o professor Paulo.

É importante apontar que não basta observar se os professores cumprem ou

não cumprem uma determinada proposta, com base numa ou outra concepção

pedagógica. Apreendemos que aquilo que os participantes denominaram

construtivismo representa muito mais um fetiche que uma convicção pedagógica.

Conforme aponta Luna:

75

A tradução de uma teoria qualquer em prática pedagógica não é simples, direta e, em muitos casos, nem sequer pretendida, como é o caso típico da teoria piagetiana e dos estudos de Emília Ferreiro. Supondo-se que a teoria seja mesmo funcional para a educação, o que os responsáveis diretos pelo ensino precisam conhecer é quais os princípios desta teoria e de que forma eles podem se reverter em procedimentos aplicáveis. O que lhes tem sido passado, de um modo geral, é ou o resumo da teoria ou, pior, procedimentos dela derivados sob a forma de receitas, que acabam virando fetiches. A questão é que para corrigir esta distorção é necessário não apenas conhecer bem a teoria, como ter uma visão clara do que ensinar, como ensinar e para quem ensinar. (2000. p. 168-169).

. Outro aspecto que o modelo de formação em rede pode desencadear é a

diluição dos conteúdos abordados, no melhor estilo “telefone sem fio”. O que se

pode conseguir, com isso, ao invés de garantir a melhoria do projeto pedagógico

das escolas é aumentar o controle político do aparato escolar:

Os procedimentos de avaliação da escola estão na ordem do dia em nome do “papel avaliador do Estado” como quer Eunice Duhram (1994, p.3). Avaliador de quê? De objetivos e, portanto, do projeto político. O Estado define as grandes e importantes linhas políticas para a educação – uma espécie de neocorporativismo de Estado a serviço das elites -; com isso, como quer Guiomar Namo de Mello (1993) “aumenta-se a governabilidade” do mesmo. O efeito esperado é que o controle se dê, agora, pela via da avaliação externa e não mais burocraticamente. (Freitas, 2002. p. 258).

O controle pela avaliação externa foi mencionado nas entrevistas. A

professora Teresa, por exemplo, afirmou que define suas metas de trabalho por

meio dos índices destas avaliações, assim como as professoras Cristina e Joana, o

que pode corroborar para que estas construam uma atuação voltada muito mais

para a fiscalização do que para a parceria junto aos professores.

Outro aspecto que chamou a atenção foi a preocupação dos participantes

frente aos impactos que os índices de avaliação externa no cotidiano das escolas.

Alguns apontaram que percebem que estes índices acirram a competitividade

entre as escolas e “despersonalizam” os sujeitos, tanto alunos quanto professores.

Nesse sentido, concordamos com Fernandes (2005) quando afirma que as

reformas neoliberais dos anos 1990 terminam por olhar “o professor como objeto, a

quem cabe a regulação pelas formas burocráticas de controle e de tarefas

determinadas externamente”. (p. 7).

76

Sendo assim, é importante problematizar que a maneira como os professores

coordenadores interpretam e planejam suas ações, com base naquelas avaliações,

incide sobre a maneira como agem na formação dos professores. A exemplo do que

se afirmou em Resultados, o desenvolvimento da profissionalidade dos participantes

é marcado por um conflito que vivenciam entre a tentativa de desenvolver um

trabalho autoral e uma espécie de controle institucional.

Em relação a isso, observamos que as contingências históricas podem

auxiliar a compreender o conflito mencionado. Com base nas afirmações de

Almeida (2010), podemos perceber que a história da coordenação pedagógica na

rede estadual paulista, que remonta aos anos 1960, surgiu no contexto das

inovações educacionais, de criação e implementação de projetos pioneiros e

diferenciados. Essas experiências convocaram novas formas de conceber os

processos de ensino e aprendizagem e novos estilos de conduzir a gestão do

trabalho pedagógico. O coordenador pedagógico passou, então, a ser visto como

parceiro dos professores.

Essa concepção sobreviveu até os anos 1990, quando as reformas

neoliberais recriaram as funções do professor coordenador, que passou a ser

responsável pela regulação das tarefas e projetos propostos verticalmente pelo

Estado, como destacamos no início deste trabalho.

Consideramos, portanto, que ao se transformar num agente da política

educacional do Estado, o professor coordenador fica aprisionado aos seus limites.

Isso prejudica o desenvolvimento da sua autonomia e abre precedentes para um

conjunto de equívocos.

Como exemplo, convém revisitar a concepção da professora Teresa, que

considerou que casos de indisciplina, por exemplo, não seriam pedagógicos. Sua

afirmação foi positiva, no sentido de que compreendia que não trabalhava para

aplicar nenhum tipo de sanção aos alunos, mas sugeriu que não oferece tratamento

pedagógico frente à temática, conforme aponta Franco:

Vários fatores podem ser observados pelo PCP, com vista a constatar quais são os aspectos que estão desencadeando problemas de indisciplina na escola, entre os quais destacamos: a concepção de disciplina dos professores; a relação professor-aluno; o conhecimento dos professores sobre infância e adolescência; as propostas de trabalho desenvolvidas em sala de aula; a valorização do espaço escolar pelo aluno. (2003. p. 168-169).

77

O depoimento da professora Clara revelou que a mesma aborda a questão

em conformidade com as afirmações acima. Embora as duas participantes

freqüentassem os mesmos encontros semanais de formação, verifica-se que

construíram concepções tão díspares sobre a temática da indisciplina, dentre outros

motivos, porque este é um dos temas que não estão no contexto da formação

semanal da qual participam.

A disparidade nas análises feitas pelas duas participantes sugere ainda, que

pode existir uma dificuldade no estabelecimento de vínculos entre o grupo de PCPs,

que contribui para que o seu trabalho seja individualizado, como se pode verificar.

Esse conjunto de questões, que caracterizam a ação dos PCPs, inclusive as

condições objetivas de trabalho não podem ser desconsideradas. Como afirma

Pessoa:

(...) é preciso reconhecer que as ocorrências que permeiam o espaço escolar não estão isoladas, mas articuladas de tal modo que, ao referir-se a uma delas, é inevitável deparar com tantas outras. Isto se dá porque o PCP acompanha essa dinâmica. É como numa trama em que os fios estão entrelaçados de tal forma que para o isolamento de um deles faz-se necessária a mobilização dos demais. (2010, p. 100)

Porém, outra vez, alcançar tal feito tem sido uma conquista empreendida,

individualmente e a duras penas, por alguns coordenadores pedagógicos.

A questão das crianças que apresentam dificuldades no processo de

escolarização, por exemplo, foi apontada por todos os participantes. A esse

respeito, Bruno e Abreu afirmam que:

A ação efetiva do coordenador pedagógico no sentido da mobilização de cada ator (em particular) e da equipe escolar (em geral) na perspectiva da superação do fracasso escolar só é possível se as ações individuais são decorrentes de um projeto construído coletivamente, se estão ancoradas no acolhimento, na disponibilidade e no comprometimento pessoal e do grupo e, sobretudo, se são valorizadas, apoiadas e viabilizadas pela direção da escola. (2006. p. 105)

Seja como for, os professores coordenadores afirmam desenvolver seu

trabalho, cada um à sua maneira, como podem e conseguem, frente aos contextos

78

aos quais estão submetidos. Como afirma Furlanetto, “Cada escola tem uma história

que lhe permite ser o que é”. (2010, p. 166).

Podemos tomar como exemplo, ainda, a professora Clara, que se mostrou

parceira dos professores, mas não da direção escolar: “Se eu não for parceira dos

professores, vou ser de quem? De direção, de vice-direção, de Diretoria de

Ensino?”. A questão que se coloca é: como viabilizar o projeto político pedagógico

da escola, sem a parceria com a direção da escola?

Aguiar lembra que:

[...] o coordenador pedagógico pode contribuir com a equipe escolar atuando como mediador das reflexões que o grupo tenha necessidade de compartilhar, articulando um plano de ação que defina suas estratégias de atuação e zelando, juntamente com o gestor da escola, para cumpri-lo com o mínimo de interrupções, ou seja, promovendo uma ação pedagógica coletiva, em direção aos objetivos comuns. (2010, p. 150).

A parceria com a direção escolar mostra-se, portanto, fundamental para a

viabilização do projeto político pedagógico de cada escola, relação que a

participante Teresa afirmou ter com a diretora da escola onde trabalha.

Um outro tema que merece a devida atenção são as condições de trabalho

dos participantes. Chamou atenção, em especial, o discurso dos participantes

acerca da própria profissionalidade e do fato de terem uma função e não um cargo.

Entende-se que essa é uma questão que necessita ser investigada com

maior profundidade, no âmbito da Sociologia das Profissões. Porém, podemos

inferir que as condições de trabalho e salários dos professores coordenadores tem

impactos sobre a constituição da sua profissionalidade. Com base nisso, convém

refletir sobre as afirmações de Dejours:

Considerando o lugar dedicado ao trabalho na existência, a questão é saber que tipo de homens a sociedade fabrica através da organização do trabalho. Entretanto, o problema não é, absolutamente, criar novos homens, mas encontrar soluções que permitiriam por fim à desestruturação de um certo número deles pelo trabalho. (1987, p. 139).

Com isso, se quer chamar a atenção para o fato de que as expectativas

depositadas sobre o coordenador pedagógico são muitas e que, ao responsabilizá-

lo pela inovação na escola, corre-se o risco de negar suas condições objetivas de

79

trabalho. E isso significa, em acordo com Placco (2008) negar a realidade das

escolas brasileiras.

Bruno e Aguiar afirmam que:

Diante da realidade já constatada e da realidade que ainda teima em se anunciar como tendência, acreditamos que as possibilidades de contribuição do coordenador pedagógico estão situadas num espaço em que o refletir-junto e o construir-junto precisam ser aprendidos e vivenciados por toda a equipe. (2006, p. 107)

Contudo, soma-se ao aspecto das condições de trabalho, as outras questões

que permeiam o cotidiano de trabalho dos participantes a respeito da inclusão de

crianças com deficiências e a respeito dos alunos com dificuldades de

aprendizagem. Os resultados que se tem alcançado nesse sentido são fruto de

iniciativas isoladas, como lembrou Aguiar (2010).

Os participantes, de um modo geral, afirmaram que percebem que não há

espaço para o tratamento destes temas no âmbito do Programa Ler e Escrever e

que muitos deles não sabem como agir, concluindo que são questões que fogem do

alcance da escola, constituindo um problema da área da saúde, área com a qual

acreditam que a SEE-SP deveria firmar parcerias.

Ocorre que essa leitura revela um equívoco, pois ainda que qualquer aluno

necessite de acompanhamento por profissionais da saúde, o ensino dos conteúdos

escolares continua sendo responsabilidade da escola.

Diante do que a pesquisa apontou, a formação dos coordenadores

pedagógicos representa um grande desafio. Bruno e Almeida, alertam para o fato de

que esta formação:

Não é uma formação técnica, que se viabiliza por meio da transmissão de um receituário previamente elaborado. Não é uma formação que se pretende padronizadora de atitudes e soluções. Não é uma formação que tem seu foco na pessoa, isolada de seu contexto, de sua cultura social. Não é uma formação cujos contextos respondem a todos os gestos da pessoa. Não é formação que silencia o conflito e o desencontro. (2008. p. 97).

Isso significa, com base nas informações obtidas, que é necessário rever as

proposições que têm sido feitas acerca da formação e do acompanhamento do

80

trabalho dos PCPs, articulando a produção de conhecimento científico às políticas

públicas educacionais praticadas nos nossos dias.

81

V – CONCLUSÃO

Julgou-se importante, ao expor a presente conclusão, afirmar que as

contribuições trazidas pelo Programa Ler e Escrever ao trabalho dos PCPs da rede

estadual, foram muitas e as entrevistas evidenciaram isso.

Convém afirmar, também, que é importante analisar os impactos dessa

formação no contexto de cada escola, com suas características singulares e com o

repertório que cada PCP constrói e a maneira como cada um interpreta a formação

recebida e procura planejar suas ações.

Percebeu-se que os PCPs vivenciam muitos conflitos que decorrem da falta

de clareza a respeito de como devem agir, o que possibilita ou impossibilita a

formulação de um conjunto de intervenções.

Historicamente, delegou-se ao PCP um conjunto de atribuições que,

baseadas numa lógica de controle do Estado sobre suas ações, contribuíram para a

indefinição e o descumprimento do seu papel pedagógico e que dificultam a

construção da sua autonomia.

Para planejar um processo de formação continuada de professores eficiente,

é preciso que se defina com nitidez o comportamento que se quer ensinar ao

coordenador pedagógico, possibilitando-o planejar procedimentos funcionais. Infere-

se que o trabalho do PCP se tornará menos penoso se souber decidir como e o que

fazer para acompanhar o trabalho dos professores, bem como o que será feito para

subsidiá-los e avaliá-los, oferecendo o repertório necessário para que estes

professores, em sala de aula, consigam apresentar melhores resultados na sua

prática pedagógica. Para isso, buscou-se sustentação nas palavras de Skinner:

Apenas definindo o comportamento que queremos ensinar podemos começar a pesquisar as condições das quais ele é função e a planejar um ensino efetivo. (apud Zanotto, 2000. p. 63).

Com base nesse pensamento, defende-se a ideia que é necessário que o

PCP conheça a dinâmica da sala de aula. Esse conhecimento permitirá que este

profissional, ao tomá-lo como referência, provoque mudanças nos professores,

conduzindo-os a comportamentos mais eficientes, diferentes dos comportamentos

82

que utilizavam antes da sua intervenção, a exemplo do que afirma Zanotto (2000)

acerca da formação de professores:

Formar adequadamente um professor significa possibilitar a ele o domínio científico, isto é, dos saberes relativos às diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar, de modo a que o professor adquira a competência necessária para ensinar seus alunos aqueles conhecimentos atuais e relevantes que possibilitam uma ação eficaz na realidade. Significa, também, ensinar ao professor os princípios que permitem compreender, de modo rigoroso, o comportamento humano e os processos de ensino e aprendizagem, habilitando-o a planejar, executar e avaliar um plano eficiente de ensino. Significa, finalmente, ensinar ao professor o autogoverno, levando-o a adquirir e manter um repertório diversificado de comportamentos, a superar as condições que o mantêm trabalhando de modo mecânico e estereotipado e a construir a autonomia necessária para realizar o seu trabalho sem precisar que lhe digam, a cada semana de planejamento, a cada reunião ou a cada novo curso de formação, pelo resto de sua vida, o que deve fazer na sala de aula. (2000, p. 176-177).

Cabe ao PCP, portanto, definir os objetivos do processo de formação que ele

pretende desempenhar, o que só pode ser concretizado se dominar os

conhecimentos que constituem a ação do professor, no chão da sala de aula.

Embora este trabalho não tenha se proposto a construir soluções para a

atuação do PCP, desencadeou questões que deixam pistas para investigações

futuras, como por exemplo, mostrou a necessidade de produzir novos estudos que

possam identificar as contingências que possivelmente expliquem os

comportamentos do coordenador pedagógico. Mas este é um outro caminho que se

pretende trilhar.

A realização desta pesquisa trouxe, também, alguns desafios. Durante sua

construção, vivenciou-se um conflito marcado pelos esforços em buscar a

confluência entre as identidades de pesquisador, formador e PCP. Porém, tem-se a

convicção de que foi exatamente este conflito que possibilitou que o estudo fosse

possível de se concretizar.

A dedicação ao estudo, as reuniões de orientação, bem como o tempo de

maturação dos conhecimentos constituídos, permitiu o distanciamento necessário

que conduziu as descobertas e reflexões nunca antes feitas.

Com esse espírito, encerra-se este trabalho, convocando as palavras de

Mario Quintana: “As reticências são os três primeiros passos do pensamento que

continua por conta própria o seu caminho.”

83

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90

ANEXOS

91

ANEXO I – Questionário de Seleção dos Participantes Nome:______________________________________________________

Escola:______________________________________________________

1. Tempo de Experiência do Magistério: ______________________

Nível de Ensino: ( ) Ed. Infantil ( ) Ciclo I – E.F. ( ) Ciclo II – E.F. ( ) Ensino

Médio ( ) Profissionalizante de Nível Médio ( ) Superior

2. Tempo de Magistério na Rede Estadual: ____________________

Nível de Ensino: ( ) Ciclo I – E.F. ( ) Ciclo II – E.F. ( ) Ensino Médio

3. Tempo de Experiência como PCP: _________________________

( ) Contínua ( ) Com interrupções (neste caso, especifique o tempo___________)

4. Tempo de Experiência como professor na modalidade de ensino na qual atua:

___________________________.

5. Tempo de Experiência como PCP na modalidade de ensino na qual atua:

___________________________.

6. É licenciado em Pedagogia? ( ) sim ( ) não. Se sim, sua licenciatura é: ( )

Plena ( ) Complementação Pedagógica (1.100h)

Em caso negativo, qual é a área da sua licenciatura?________________________.

a. Outras graduações: ______________________________________.

b. Pós-graduação ( ) sim ( ) não.

Em caso positivo, trata-se de curso em nível ( ) Lato Sensu ( ) Stricto

Sensu. Área_____________________.

7. Participou/Participa dos cursos oferecidos pela SEE: ( ) Sim ( ) Não.

a. PROFA/Letra e Vida ( ) Sim. Em caso positivo, quando e por quanto tempo?

____________________________. ( ) Não

b. Ler e Escrever ( ) Sim. Em caso positivo, quando e por quanto tempo?

___________________________. ( ) Não

92

ANEXO II – Pauta lembrete para a realização das entrevistas

1. Quais são suas principais atividades como PCP?

2. Como você organiza suas atividades? Para que?

3. O que o levou a concorrer ao posto de trabalho de PCP?

4. Quais são as principais demandas que os professores lhe trazem? Quais as

expectativas que você pensa que eles têm com relação ao seu posto de

trabalho?

5. Em que situações o diretor da escola costuma lhe solicitar? Que atribuições

ele costuma designar a você?

6. Você costuma participar de reuniões ou cursos oferecidos pela Diretoria de

Ensino ou pela Secretaria Estadual de Educação? Quais assuntos são

abordados? Que contribuições trazem para o exercício da sua função como

PCP?

7. Você considera que a sua formação é suficiente para atender às demandas

que surgem, cotidianamente?

8. Quais são as suas expectativas quanto ao trabalho como professor

coordenador?

9. Com relação as htpcs, como você planeja as reuniões? Que critérios você

utiliza? Quais assuntos você costuma abordar?

10. Como você costuma acompanhar os processos de ensino e aprendizagem?

Quais critérios você utiliza? Quais instrumentos você utiliza?

11. Podemos conversar um pouco a respeito do Programa Ler e Escrever?

12. Há quanto tempo o Programa Ler e Escrever está ocorrendo nesta escola?

13. Você o acompanha desde o início?

14. Você participa das reuniões de formação do Ler e Escrever?

15. Com que peridiocidade acontecem essas reuniões?

16. Quais são os assuntos abordados?

17. Você considera que o Ler e Escrever trouxe melhorias para sua atuação

como PCP? Dê algum exemplo.

18. Você considera que o Programa Ler e Escrever promoveu mudanças no

papel do professor coordenador?

19. Quais seriam?

93

20. Vamos tomar uma situação concreta, por exemplo: um dos grandes desafios

das escolas de ciclo I é intervir nos casos dos alunos que apresentam

dificuldades na alfabetização, enfim, na apropriação do sistema de escrita. A

esse respeito, o Programa mudou alguma coisa na sua forma de acompanhar

o trabalho dos professores? Como? Dê um exemplo.

94

Anexo III – Entrevistas

Entrevista – Professora Judite

Entrevistador: Eu vou começar, então, pedindo pra você contar um pouquinho das

suas atividades como coordenadora.

PCP: Tá bom. A principal atividade do coordenador é cuidar do lado pedagógico da

escola. É cuidar do perfil pedagógico da escola. Do plano pedagógico, estar sempre

olhando as atividades que os professores estão oferecendo para os alunos,

acompanhando o desenvolvimento dos alunos e agora, o professor coordenador tem

o perfil de formador. Depois do Ler e Escrever nós recebemos essas orientações

sistematicamente da Diretoria de Ensino, uma vez por semana. E nós temos a

função de estar repassando às colegas todas essas orientações dos estudos

mesmo.

Entrevistador: De quanto em quanto tempo você vai à Diretoria?

PCP: Quantas vezes nós vamos à Diretoria? Toda semana, às terças-feiras, são 8

horas de trabalho. E de acordo com as necessidades do meu grupo de professores,

eu vou filtrando tudo o que eu recebo lá e vou adaptando ao meu grupo, vou

fazendo essas adequações. E aí eu já preparo htpcs, Eu tenho um htpc que é

coletivo, na quarta-feira, onde eu abordo os assuntos que englobem toda a unidade

escolar. Os outros assuntos eu coloco de quinta-feira. E às segundas, a gente faz a

recuperação paralela. E também tem esse outro lado, né, você sabe...

Entrevistador: Sei.

PCP: ... a gente tá envolvida na recuperação paralela, onde a gente tem que estar

olhando o desenvolvimento, o progresso desses alunos em recuperação paralela.

Então tem tudo isso.

95

Entrevistador: Essa formação que você recebe quem desenvolve são os PCOPs,

certo? E o pessoal da CENP vem de quanto em quanto tempo?

PCP: O pessoal da CENP vem a cada quinze dias, que é a Profª Sílvia Ferrari. As

PCOPs continuam o trabalho da Sílvia. Elas fazem um gancho entre um assunto e

outro e também estão dando matemática.

Entrevistador: Você pode dar um exemplo? Que especifique essas orientações que

vocês recebem? Pode ser uma situação muito pontual. O que é dado lá que você

considera que te ajuda nesse papel de formadora?

PCP: Por exemplo, trazem pra nós exemplos de escritas, que temos que analisar as

hipóteses, conhecer, investigar os saberes deste aluno e fazer as adequações às

atividades que são dadas para eles. É apresentada uma atividade e elas perguntam:

“você acha que essa atividade serve para quem”? “Por quê”? Tudo com justificativa.

“O que você mudaria nessa atividade?” Às vezes nos é apresentada uma atividade

que não está, assim, tão legal. Elas tem coisas boas, mas também tem pontos que

precisam ser sanados. No último encontro, por exemplo, ela trouxe 3

encaminhamentos de uma professora coordenadora para uma determinada situação

lá de sala de aula. E nós tínhamos que escolher qual deles era o melhor. Então, na

realidade nós vimos pontos positivos nos 3 e pontos negativos nos 3. E daí, fazer o

4º. Então, isso é muito legal porque a gente aprende a olhar o que tem de bom em

cada situação aí. Nada é descartável. É bom porque a gente traz para a realidade da

escola, né? Quando você pega qual vai ser a devolutiva que você vai dar pra uma

aula de um professor que você assiste. Então, isso a gente vai aprendendo esses

macetes. A gente aprende muito a fazer as pautas, a fazer as colas das pautas.

Porque você tem que prever o que o seu professor vai questionar. É como o

professor em sala de aula, que tem que estar consciente, ciente dos saberes dos

alunos. E nós, professores coordenadores, temos que estar conscientes dos saberes

do grupo de professores. Então a gente já tem que ter a carta na manga. Pra dizer,

bom o grupo vai me questionar isso, isso e isso e eu vou dizer isso, isso e isso.

Entrevistador: Então, você está me dizendo que faz uma antecipação das possíveis

perguntas que virão? E aí, você já vai mais ou menos preparada para responder

96

essas perguntas. Essas colas, gostei do nome, você costuma fazer sozinha ou já

vêm indicadas da reunião de formação?

PCP: A gente faz em grupo e depois a PCP registra e passa pra nós, tudo por email.

E nós vamos usando conforme a necessidade do grupo que a gente tem. Porque o

que serve pra mim, pode não servir para o Amadeu, para a Ereni, ou para o

coordenador do Duque de Caxias. Então a gente vai filtrando isso.

Entrevistador: Ótimo. Então, continuando. Esse papel de formador é novo, como

você mesma disse. Como você vê esse novo papel diante das atribuições que já

existiam antes. Você acha que essa passagem já foi feita, foi feita tranqüilamente?

PCP: Não. Não foi feita e ainda não existe. Os professores têm dificuldade de

legitimar esse novo papel, porque eles estão acostumados com uma visão do

coordenador como se ele fosse uma muleta. Ele quer que quando ele tem um

problema qualquer na sala, que a gente esteja o tempo todo lá. E de fato, nós somos

um pouco disso também. Nós temos a função de auxiliar o professor na sala de aula,

auxiliar o trabalho dele no dia-a-dia da escola. Porém, essa função de formador traz

uma coisa nova, que muitas vezes o professor não está preparado para ela, porque

ele gostaria que a gente viesse com algumas coisas mais práticas, algumas coisas

que ele pudesse usar no dia-a-dia e o professor coordenador tem essa função de

estar cutucando, de estar desestabilizando o professor nos saberes dele. Então,

muitas vezes, não é uma função tranqüila, nem diante dos professores, nem diante

do grupo administrativo da escola. Não tenho esse problema aqui, mas tem, sei que

têm colegas com esse problema, porque alguns diretores não consideram a função

do professor coordenador ainda como uma coisa que mudou, que ele é um formador

de profissionais, que é uma função extremamente acadêmica e prática também,

porque vai mudar a prática do professor. Mas alguns coordenadores ainda apagam

muito incêndio. Isso não quer dizer que eu também não faça isso. Tem horas que sai

um pouco, porque não tem outra pessoa pra fazer aquilo. Mas tanto as gestoras

aqui, quanto eu, estamos cientes da minha função, que muitas vezes não é essa, é

uma outra. Isso é legal o professor coordenador ter em mente, ter bem claro porque

muitas vezes você prepara um “baita” de um htpc, uma “baita” de uma pauta, e você

chega pensando que vai arrasar. Aí você chega no grupo e o grupo diz “Ah, outra

97

vez isso? Você não traz nada de novo?” E não é isso. Você está indo um pouco

mais a fundo naquela questão. Então, se você, como professor coordenador não

estiver bem ciente da sua função, você “se enrola”.

Entrevistador: Certo. Você disse, num dado momento, que para assumir essa função

formadora, você tem que ter uma clareza de que esse é o seu papel. Do ponto de

vista prático, de segunda a sexta, como você consegue se organizar para ser

formadora? Para fugir da característica de apagar incêndio?

PCP: Eu procuro também ter uma rotina de trabalho que eu estabeleci. Em tais

momentos eu vou preparar as pautas, em tais momentos eu vou separar conteúdos,

né? Têm momentos de estudo pessoal. Em outros momentos eu vou atender pais.

Na medida do possível eu procuro ser fiel àquilo que eu estabeleci. Quando eu não

consigo, às vezes foge, às vezes acontece, e eu vou relaxando um pouco, mas na

medida do possível eu tento seguir. E é assim: eu sinto muito que se o grupo

percebe que você tem uma organização de trabalho isso também legitima sua

função.

Entrevistador: Vamos pensar assim: de 0 a 100% quanto você acha que consegue

cumprir seu planejamento? Porque você disse que às vezes não dá pra cumprir...

PCP: Olha, 50% Rodnei. 50% eu já fico feliz. Já me dou por satisfeita, porque já é

uma grande coisa. Porque em momento algum o professor coordenador pode dizer,

“olha, agora eu não vou fazer nada”.

Entrevistador: Ou senão, se o professor coordenador tem uma demanda

emergencial e você diz “Não, agora não posso”...

PCP: Isso mesmo. Então, você vai priorizando. Ocorre uma situação emergencial aí

você pára e vai fazer outra coisa. Por exemplo, eu procuro atender pais só num

determinado horário, num determinado dia. Mas, às vezes, é aquele pai e mãe que

você tem que “pegar a laço”. Às vezes ele vem e você não pode dizer “não vou te

atender hoje”. Porque é tão difícil você conversar com a pessoa...

98

Entrevistador: E nesses casos, considerando o número de alunos que a escola tem

e que você é sozinha...

PCP: É. São 510 alunos...

Entrevistador: 510? Então... A ocorrência de situações onde você não consegue

falar com os pais, você avalia que é alta ou baixa?

PCP: Eu acho baixa, Rodnei. Na realidade, eu acho que nós conseguimos um

grande avanço na parceria com a família. Os pais já foram bem menos

participativos. Aqueles casos que você chama e não vêm são mínimos. Se a gente

chama eles acabam vindo.

Entrevistador: Ok. E... você acha, vou voltar um pouquinho na dimensão da

formação, tudo bem? Assim... você diz que a sua função de formadora é legitimada

pelas gestoras, então eu estou interpretando que isso não é um problema pra você,

como 50% do seu planejamento vem dando certo. Nessa mesma linha eu entendi

que você afirma que a formação que você vem recebendo da Diretoria tem dado

conta de te ajudar a desempenhar o seu papel de formadora, estou certo?

PCP: Sim, é isso mesmo. Eu acho que essa formação tem muita valia. Eu acho

super importantes as 8 horas que a gente passa lá. Muito importantes mesmo. E não

é só de formador. Muitas vezes a gente assume o papel de ter que convencer o

professor que aquilo pode dar certo, que aquilo ele tem que tentar...

Entrevistador: Isso você diz, com relação à proposta curricular, a que o Ler e

Escrever preconiza?

PCP: Isso mesmo.

Entrevistador: Você acha que os professores resistem à ela, de algum jeito?

PCP: Não. Mas aí também tem um outro problema. Porque eu prefiro a resistência

nua e crua do que a resistência velada. Entendeu? É assim, quando os professores

99

falam diretamente pra você, você sabe exatamente o que fazer, como fazer. Agora,

tenho é medo daquele que fala “ahã, ahã, sim, sim” e depois acaba não fazendo,

não aplicando aquilo que você está passando. Por isso é que acho importante a

nossa visitação em sala de aula. Esse é outro ponto. Existem professores que ainda

se sentem extremamente incomodados com a nossa presença na sala de aula. E

muitas vezes a gente não tem o tempo que gostaria para ir à sala de aula. E isso até

pela demanda de trabalho burocrático, mandado pela Diretoria de Ensino. Que você

sabe quanto é, né? Pedem papelada pra ontem.

Entrevistador: Por exemplo?

PCP: É... muitas coisas pra preencher. Tem que preencher planilha disso, planilha

de sala de recursos, tem que assistir videoconferência, tem que isso, tem que aquilo.

E muitas vezes, essa papelada burocrática é... Visão do futuro, tem que digitar. E

você fica 3 semanas porque o “site dá pau” e você tem que digitar sei lá o quê,

sabe?

Entrevistador: Sei.

PCP: Esse tipo de coisa. A gente tinha que ter um pouco mais de tempo pra ficar

mais em sala de aula.

Entrevistador: A observação de aulas é um ponto fundamental no Ler e Escrever,

certo? Quanto tempo você consegue assistir aulas, do ponto de vista de prático? Por

exemplo, quantas vezes você assistiu aulas, nos primeiros anos, onde há um

trabalho intenso, você entrou nessas salas quantas vezes neste mês?

PCP: Bom, eu devo ter ido umas 3 vezes.

Entrevistador: Em cada sala? Você tem 5 primeiros anos, certo?

PCP: Isso mesmo. É pouco.

Entrevistador: E quanto tempo você permanece em cada uma?

100

PCP: Eu permaneço mais ou menos 40 minutos.

Entrevistador: O equivalente a...

PCP: A uma atividade.

Entrevistador: Uma atividade?

PCP: É. Mas eu sinto que tem professor que se sente muito incomodado.

Entrevistador: Você acha que eles se sentem fiscalizados?

PCP: Eu acho que sim. Uma professora inclusive me disse que o problema não é

ela. Que ela sente que os alunos acham que eu estou indo lá para fiscalizar ela, o

trabalho dela...

Entrevistador: Em que ano foi isso?

PCP: 3ª série. Ela acha que tira a autoridade dela com as crianças. Foi o que ela me

passou. Por mais que eu tenha dito que não, que é uma prática que a gente teve

que incorporar, algumas pessoas ficam bem incomodadas. Outras eu não sei.

Parece que tudo bem, elas não falam nada.

Entrevistador: Você, nessa posição de observadora, considera que essa atividade

tem trazido avanços?

PCP: Eu tanto acho, que eu acho que deveria ser feito mais. A gente deveria entrar

pelo menos uma vez por dia, Rodnei, entendeu? Só que assim: o processo todo, de

observação de aulas, não é um processo simples, né, porque a gente tem que dar

uma devolutiva. Então, não daria conta de observar todos os dias.

Entrevistador: Você tem um roteiro pra observação de aulas?

101

PCP: Olha, tem um roteiro, mas eu acabo, mais ou menos, seguindo o meu próprio

ritmo, né?

Entrevistador: Mas, assim, há um roteiro institucional sugerido?

PCP: Não.

Entrevistador: Foi construído em grupo, nas formações na DE?

PCP: Não. Foi dado como sugestão, não é institucional, não.

Entrevistador: Sei, entendi. Mas, por exemplo, quando você vai para a sala de aula

você observa o quê, especificamente?

PCP: Por exemplo, observar qual é o objetivo da atividade, o objetivo do professor

com aquela atividade e quais são as intervenções que ele faz.

Entrevistador: São essas duas categorias que você observa, então? Você registra

para discutir com o professor?

PCP: Isso mesmo.

Entrevistador: E você olha exatamente o que quando verifica o objetivo da atividade

e as intervenções que o professor faz?

PCP: Se ele está seguindo a proposta.

Entrevistador: Entendi. Acho que do Ler e Escrever já está bom. Vou mudar um

pouco o rumo da nossa conversa, tudo bem? Você veio para a coordenação como

ou movida pelo quê?

PCP: (Risos) “Caí de pára-quedas”. Eu vim para a coordenação para substituir outro

coordenador por uns tempos. Ele não pôde voltar e eu fiquei. Eu ganhei um

“abacaxi”, “um presentão de grego”. Não, foi muito importante pra minha vida

102

profissional. Porque quando a gente está na sala de aula, a gente não tem noção,

Rodnei, do que é o trabalho “aqui embaixo”. Quando a gente está em sala de aula,

eu muitas vezes, pensei assim: “ah, o pessoal da direção e da coordenação não

fazem nada, é fácil, é manha, a gente é que fica aqui com as crianças”. E eu te digo,

do fundo do meu coração, era muito mais fácil cuidar de criança. Quando “eu vim

aqui para baixo” eu pensei que o trabalho era uma coisa e foi outra, completamente

diferente. Porque quando eu vim, aconteceram todas as mudanças na rede, teve

essa mudança de foco na função do coordenador. E eu acabei vestindo a camisa.

Eu entrei achando que era temporário e acabou ficando. E eu \cresci junto com o

processo. E no começo, a gente assusta muito. Porque lidar com as pessoas é muito

diferente. Lidar com adulto, com professores, com o pessoal da direção, pessoal da

Diretoria, com pais. É muito diferente do que lidar com alunos. Embora, possa

parecer “ah, ela está falando isso, porque não é verdade”. Quem ouvir isso eu quero

que saiba que o trabalho de sala de aula, apesar de ser muito difícil, é muito mais

fácil, é muito mais tranqüilo, do que de um coordenador, de um diretor, porque você

coordena uma escola inteira. E liderar não é fácil, liderar exige sabedoria. Liderar um

grupo bom eu acho tão difícil quanto liderar um grupo ruim, porque você tem que

convencer o seu grupo, você tem que conquistá-los. Apesar de eu já ser professora

da casa, e tudo isso, quando você assume a posição de liderança, você passa a ser

vista de um jeito diferente. Porque é difícil. Mas foi uma coisa que só trouxe

benefícios pra minha vida profissional. Eu cresci muito profissionalmente, muito em

relação ao meu próprio conhecimento. Meu conhecimento cresceu muito. A gente

abre muito a mente, pra muitas coisas que em sala de aula a gente não tem

condições de enxergar. E acho que essa é um pouco a minha função. Tenho que

mostras pra elas que elas têm que ampliar um pouco o horizonte. Não é só o

horizonte de 4 paredes, da sala de aula.

Entrevistador: Quando você veio para a coordenação, nos primeiros momentos,

agora, com o passar dos anos, você considera que a sua formação era suficiente

para exercer a função?

PCP: No começo sim. Eu acho que o coordenador anterior foi um facilitador. Porque

ele encarou a função de formador antes da rede exigir esse perfil. Então para mim

103

foi mais fácil. Levei um susto menor, foi mais tranqüilo, mas a gente tem que

“rebolar” bastante. Tem que estudar bastante, porque só confiar na prática...

Entrevistador: Logo que eu cheguei, conversando informalmente, você me disse que

quando você alfabetizava, porque você também disse que ficou muitos anos

trabalhando com 3ª e 4ª série, quando você efetivamente alfabetizou, ainda vigorava

uma proposta de alfabetização pelo que costumamos chamar de método fônico...

PCP: Tradicional.

Entrevistador: Por famílias silábicas e tal. E aí, vamos considerar que, nesse

processo, a sua identidade de coordenadora, ela se constituiu num momento de

mudança de foco na concepção de alfabetização, proposta pela Secretaria de

Educação, você cursou o Letra e Vida e depois, veio acompanhando o Ler e

Escrever. Pensando na sua experiência, que é pautada numa proposta que você

chamou de tradicional e depois, já coordenadora, você vem participando do Ler e

Escrever. Como você avalia tudo isso? Por exemplo, pra facilitar, vamos tomar uma

situação concreta. Logo que eu cheguei e estava te explicando a finalidade da minha

pesquisa e você me contou que chegou uma professora nova de Goiânia, que não

conhecia nada, que veio de outro Estado, que não teve a formação que os outros

tiveram, que você considera que ela não dá conta de trabalhar dentro da proposta.

Como você acha que a sua trajetória te dá base para atuar como formadora dessa

professora?

PCP: O Ler e Escrever me dá base para acompanhar o trabalho dela porque a gente

tem que estar perto e acompanhar o desenvolvimento do aluno. Então, muitas

vezes, eu também planejo atividades junto com ela, apesar de ter alfabetizado com

método silábico, e aquilo era o que a gente dominava, então, o meu conhecimento

também foi sendo construído junto com ela, na hora de planejar essa atividade, pra

quem é essa atividade, qual é o objetivo dela, qual é a melhor adequação, ela é boa

para quem? Para o pré-silábico? E pro silábico com valor, qual é a adequação que a

gente vai fazer nessa? E pro alfabético, o que a gente vai pedir? Então, nesse

sentido, eu me sinto segura para orientar o professor, porque eu também fui

construindo com elas nas htpcs, dentro dos nossos horários de estudo. Que também

104

é muito bom, esse lado prático, unindo isso ao lado teórico do Programa, eu procuro

sempre fazer um gancho: “olha gente, vamos fazer isso”, como por exemplo, o Guia

de Orientações Didáticas da 1ª série. Existe um porquê de todas aquelas

orientações,né? Então, é não queimar etapas, é estudar junto com elas, aí nesse

sentido eu me sinto segura para estar orientando. Isso não quer dizer que eu sei

tudo. Tem hora que eu fico com um nó na cabeça e tenho que pedir socorro. Aí eu

peço socorro lá, pras meninas da Diretoria, levo pra Sílvia Ferrari, e nesse sentido,

eu acho que nós nos constituímos um grupo mesmo. Porque não tem esse negócio,

sabe, “na minha escola não tem problema”. Não, todo mundo compartilha: “na minha

escola tem isso, isso e isso. O que nós vamos fazer? Quero uma luz!”. Nós

coordenadores trocamos atividades por email, a gente passa de uma escola pra

outra, trocamos pauta de htpc: “olha, com meu grupo foi legal, eu fiz isso, isso e

isso”. Aí eu faço as minhas adequações, o que eu faço aqui eu acabo passando pra

outros colegas. Isso é muito legal. Eu acho que o trabalho em equipe é fundamental

para o Programa Ler e Escrever.

Entrevistador: Mudando um pouco. Na verdade tem uma relação com isso que você

está dizendo. E isso tudo diante das condições de trabalho? Como você avalia as

condições de trabalho nesse contexto de implementação do Ler e Escrever?

PCP: Condições de Trabalho. Vou tocar primeiro na questão de ser função e não ser

cargo. Eu acho que isso dificulta um pouco. Eu acho que nós tínhamos que ter um

cargo, ao invés de ser função. Porque só função... Porque somos avaliados duas

vezes por ano. Uma vez no início do ano com prova, depois no final do ano é

passado pela diretora, pela supervisora pra nos reconduzir ou não. Com todo...

notas inclusive, ela nos dá, de 0 a 10.

Entrevistador: As duas, diretora e supervisora, dão notas?

PCP: Isso. Tanta... de tanta seleção, eu acho que todo mundo já provou que tem

condições de ficar num cargo e não numa função.

Entrevistador: Quantas vezes você já passou por esse processo?

105

PCP: Ah, todo final de ano. Já é o 4º ano que eu estou aqui. Pelo menos 3 vezes.

Fora as provas anuais aplicadas na Diretoria, fora os trabalhos, porque somos

avaliados no Ler e Escrever, porque fazemos prova com a Sílvia Ferrari, avaliação.

Em todas as reuniões você pensa, repensa, reflete. Pensa, repensa, reflete, então

isso tudo isso é um trabalho de construção de conhecimento. Então, daí eu acho

que merecíamos ter um cargo e não uma função. Isso ia garantir um pouco das

condições de trabalho.

Entrevistador: Como você se sente em relação a isso?

PCP: Eu acho que o professor não põe muita fé. Parece que a gente aqui é

transitório.

Entrevistador: E como você se sente diante das avaliações.

PCP: Como eu me sinto em ser avaliada? Eu não ligo, não. Eu levo na boa. Pra mim

a avaliação não é um bicho de sete cabeças, mas existem pessoas que pra elas, a

avaliação é uma coisa muito doída.

Entrevistador: Eu acho que te cortei e você ia falar dos professores. Eles te avaliam

em algum momento, nesse processo?

PCP: Não. Mas eu sou avaliada por todos. Você sabe que eu sou, você sabe que a

gente é. Mas eu acho que se tivéssemos um cargo a gente ia ser mais respeitada

pelos professores, ia legitimar ainda mais. Ah, tem também a coisa do salário.

Salário é... A gente teve que fazer uma prova, eu acho até que a gente não deveria

fazer, onde já se viu fazer prova pra receber salário? Na verdade a gente acaba

pensando: “Pô, por R$ 200,00 a mais, entende? Sabe, então, eu acho que o nosso

trabalho devia ser bem remunerado. Mas eu tenho fé, que ainda vou chegar, no final

da minha carreira ganhando bem. Porque a sociedade está exigindo isso. O

mercado de trabalho está exigindo pessoas que dominem o conhecimento. Eu ainda

tenho fé que um dia a gente vai conseguir ser bem remunerado e ser reconhecido

pelo nosso trabalho. Se não for aqui, bom, eu estou fazendo pós-graduação, pra

depois, tentar dar aula em faculdade, pra tentar complementar o meu salário.

106

Entrevistador: Só aqui é insuficiente?

PCP: É. Sem dúvida. Eu tenho 18 anos de carreira, 19, estou ganhando R$ 2.200,00

agora. Pra você fazer um trabalho que você não pára o dia todo, sua cabeça não

pára, nem de noite, vamos falar a verdade. Às vezes, a gente nem dorme pensando

“tenho que fazer isso, fazer aquilo, o que eu vou fazer com aquilo outro?” Professor

devia ter ajuda de custo pra fazer análise, por exemplo. Né?

Entrevistador: Enfim, acho que é isso. Tem mais alguma coisa que você queira

comentar?

PCP: Não. Ah, tem sim. Por exemplo, a gente se esforça muito, mas tem coisas que

o Ler e Escrever não dá conta.

Entrevistador: Como o quê?

PCP: Ah, coisas de família, por exemplo. Tem crianças que toda a família estudou

aqui e dá problema, não aprende.

Entrevistador: E você atribui isso a quê? A questões sociais, por exemplo, que dada

a sua abrangência, a escola tem pouco a fazer?

PCP: Não, às vezes é biológico, mesmo. Tem mãe que se encheu de drogas e a

criança nasce com deficiência.

Entrevistador: E você acha que essa é uma questão de ordem biológica?

PCP: É. O Estado tinha que fazer uma boa parceria com a Saúde. Tinha que ter

psicólogo, fono, psicopedagogo. A gente leva essas coisas e parece que a Diretoria

não liga. Faz de conta que não está vendo.

107

Entrevistador: No Ler e Escrever isso não aparece mesmo, porque ele não discute

especificamente a situação de crianças com deficiências. Você considera isso

importante pra sua atuação como formadora?

PCP: Claro! Mas nisso eu não sei o que fazer!

Entrevistador: Só com relação à inclusão de pessoas com deficiências? Há mais

coisas?

PCP: Tem, tem sim. Mas tudo gira em torno da escrita, da matemática, do currículo.

Entrevistador: O que por exemplo?

PCP: Nas questões de dificuldades de aprendizagem. Eu sei a situação de cada

criança assim. São poucas, mas sinceramente, eu às vezes não sei o que fazer.

Entrevistador: Nisso então, você acha que falta formação?

PCP: Falta, falta sim.

Entrevistador: A gente pode continuar, tomei muito seu tempo?

PCP: Eu tenho uma mãe me esperando para ser atendida...

Entrevistador: Tudo bem, então paramos por aqui. Agradeço muito e se precisar eu

volto outro dia, como combinamos.

PCP: Claro, pode voltar se precisar.

Gravação encerrada em 39min47s.

108

Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Judite

Entrevistador: Bom, vou pedir pra você reler nossa primeira sessão de entrevistas e

análise prévia que eu fiz, tudo bem? Fique à vontade para acrescentar, mudar,

completar ou até mesmo se você quiser que eu tire ou mude alguma coisa, fique à

vontade.

PCP: Tudo bem.

(Leitura durou aproximadamente 10 minutos)

PCP: É tão esquisito ver o que a gente falou assim, escrito. (risos)

Entrevistador: Como assim, você se sente como? É algo ruim? Você pode desistir de

participar se quiser.

PCP: Não, imagina, de jeito nenhum. É muito bom. Me ajuda a pensar no meu

trabalho... Ah, Rodnei, eu confirmo tudo. Acho que não quero mudar nada. Acho que

está bom assim, não está?

Entrevistador: Para mim, está (risos). Mas é você quem tem me dizer.

PCP: Pra mim, também. Eu fiquei é com vontade de fazer mestrado, também.

Entrevistador: Então, posso usar, do jeito que está aí?

PCP: Pode, claro!

Entrevistador: Então, está certo, obrigado!

PCP: De nada, o que é isso. Eu quero ir no dia em que você for apresentar.

Entrevistador: Claro, vou te convidar. Gravação encerrada em 14”35’.

109

Entrevista – Professora Teresa

Entrevistador: Então, vou pedir pra você falar da sua rotina como coordenadora.

PCP: Minha rotina dentro da escola é assim: eu tento articular de uma maneira que

eu possa estar vendo as salas de aula, acompanhando um pouco a aula do

professor, o que às vezes fica um pouco difícil, pelo movimento que a gente tem.

Porque às terças-feiras a gente ta lá no Ler e Escrever, então esquece terça-feira. Aí

na segunda-feira tem htpc com as turmas das Oficinas, porque aqui é de tempo

integral, então tem a parte das oficinas que eu tenho que atender. Então na

segunda-feira eu já tenho que ter mais ou menos o htpc da segunda pronto, mas

sempre tem que xerocar alguma coisa, acrescentar pra fazer o htpc. Fora que uma

mãe que você atende, sempre tem alguma coisa que a Diretoria pede, na terça eu

estou fora, na quarta aí, na segunda já tenho que preparar o htpc pra quarta, já

tenho que deixar ele pronto, porque tem htpc com a turma da manhã, PEB I. Então

já é outro dia que você não consegue muito articular, porque aí eu até tento visitar

os professores das salas que estão mais assim... Não problema, mas que os

professores têm mais dificuldades com algumas crianças, eu tento dar um help. Na

quinta-feira já é um dia que eu me concentro pensando o que eu vou fazer no htpc

pra tentar estudar alguma coisa, o que às vezes não dá, você acaba levando pra

casa, mas devido ao mestrado também estou tentando não levar nada daqui. Quer

dizer, eu sempre levei, mas agora estou tentando me organizar de uma maneira que

não leve... e a rotina do dia-a-dia: olha criança, atende pai, atende criança. Eu

atendo criança e pai só quando for assim, problema pedagógico, problema

indisciplinar eu não atendo, quem atende é a vice. Os professores aqui demoraram

pra aprender que a minha função é esta e não aquela. Aí eles aprenderam, né,

muda o ano, muda do professor, você tem que começar tudo de novo e falar “olha,

eu aqui trato disso, disso, disso.” Se o aluno está brigando com o outro, chama a

vice. Se o aluno está com dificuldades para aprender, aí vocês me chamam, é

diferente. Então aqui os professores sabem bem do meu papel, porque quando eu

voltei aqui da Leste (Diretoria) eu falei “meu papel aqui vai ser este”. Estou sempre

correndo, assessorando professor assim, no sentido de se está precisando de algum

material, está com algum conteúdo que precisa assim de uma coisa mais, vou me

informar, vou buscar, vou procurar ajudar, principalmente as 4ªs séries com esse

110

negócio de Saresp. Quando eu cheguei aqui corri atrás de Relato, porque eu sabia

que esses Relatos de Experiências vividas as crianças aqui não sabiam produzir

esse texto, corri com as professoras, até porque fiz um curso sobre isso e eu tenho

todo esse material. Trouxe toda uma seqüência ali pra seguir, então hoje as

professoras trabalham maravilhosamente bem, porque já pegaram todo o meu

esquema. Então minha rotina na semana é assim, senta com a direção e com a vice

pra gente tratar de algumas coisas, mais geral da escola...

Entrevistador: Do planejamento que você faz pra semana, você acha que consegue

cumprir quanto? Há muitas intercorrências? Numa escala de 0 a 100%.

PCP: Uns 80% eu consigo cumprir. O que eu ainda acho falho é essa coisa de que

você teria que estar mais tempo com o professor, dar uma atenção maior pra ele na

sala de aula. Mas isso não dá, por causa das outras coisas que a gente tem pra

fazer. Você determina “quarta-feira vou pra sala tal”, vai, aí chega um pai. Ou então

a professora chama pra alguma coisa, fora quando você tem Conselho. Eu faço

Conselho aqui com aluno na sala e você sabe que isso demanda tempo. Então eu

passo uma semana inteira fazendo Conselho, só de 3ª e 4ª. Então você tem outros

entraves. Você combina e não dá pra ir. Então eu não combino o dia que eu vou.

Você fala assim “hoje eu ia, mas não vai dar pra ir”. Aí amanhã não dá e você deixa

pra o outro dia. Entendeu? Isso acaba prejudicando um pouco.

Entrevistador: Essa questão da observação de aulas ela é uma marca do Ler e

Escrever, que define que os coordenadores façam isso. O que mais atrapalha essa

atividade? O que mais impede que você dê conta de observar aulas?

PCP: As coisas que vêm com urgência que você tem que entregar, da Diretoria.

Entrevistador:: E costuma ser o que?

PCP: Ah, tudo bem, você tem lá um Mapa de Sondagem que você tem que alimentar

todo dia. Agora, inventaram outro Mapa no site. Então eu tive que cadastrar todos os

professores, ensinar todo o caminho das pedras, pra cada um deles, fazer junto com

cada um primeiro, pra depois eles começarem a dar conta do segundo. Quando

111

entrou o segundo, tinha professor que ainda não sabia fazer direito. Aí senta com o

professor e vai fazer. Então tem coisas burocráticas que acabam dificultando isso. E

não é só isso. A gente tem o projeto da USP, que a gente está com esse projeto aí.

A gente tem as Oficinas que tem que tentar articular com os professores da manhã.

A gente não tem o reforço, mas a gente monta um reforço paralelo e cria momentos

alternativos. Por exemplo, a professora dessa sala pega 10 crianças com

dificuldades e vai pra biblioteca e divide as outras. Então você tem que ir lá, dar uma

assessoria. Às vezes tem que ajudar um pouco no trabalho. Então você acaba

deixando a sala de aula, que devia ser prioridade. Até por conta que às vezes o

professor está dando uma atividade e você não quer atrapalhar. Eu não gosto de

dizer assim “vou na sua sala agora”. Acho que precisa combinar. Quando a gente

combina antes, prepara junto, é melhor. Esse ano está meio...

Entrevistador: Quantas vezes você foi à sala de aula esse ano? Você consegue

lembrar disto?

PCP: Fui nos 1ºs anos, que a preocupação maior é com eles. Fui no 2º ano, porque

tem uma professora que ainda não está conseguindo. Ela fez o Letra e Vida, mas

faz uma miscelânea. Nós temos só dois htpcs esse ano, que um morreu também.

Antes tinha 6 e dava pra preparar melhor. Só com com 2 htpcs com todo mundo

junto você não consegue ter conteúdos específicos. Por exemplo, você pensa hoje

eu vou focar em alfabetização para os 1ºs e 2ºs anos e não dá. Você tem que focar

um tema e até falar de alfabetização, mas de um jeito mais geral. Você não fica

especificando. Quando tinha 3 htpcs aí sim, trabalhava as atividades que eles tem

que dar. Não que eu não faça isso, mas é esporádico, porque não dá. Então acabo

dando atenção para os que tem mais dificuldades. E elas me deixam louquinha,

porque eu percebo que as práticas estão complicadas. Tem uma professora assim.

Aí quando eu vou olhar a classe dela avançou. E aí? Aí eu disse pra elas: se na

próxima sondagem tiver entraves, a gente vai rever isso pro segundo semestre.

Agora quantas vezes eu fui no 1º semestre? Umas 15 vezes pra olhar atividades.

Entrevistador: Você tem o registro dessas observações?

PCP: Não, não fiz. Devia ter feito.

112

Entrevistador: Esses htpcs que você comentou agora são só dois, ou melhor, 2

horas por semana?

PCP: É 2 horas de 1ª a 4ª, que eu faço às quartas-feiras das 11:30 às 13:30h. E 2

horas de segunda-feira com o pessoal das Oficinas.

Entrevistador: Então o grupo todo só se reúne 2 horas por semana?

PCP: 2 horas. E os professores da manhã separados dos da tarde.

Entrevistador: O que você pensa da definição do PC como formador, defendida pelo

Ler e Escrever?

PCP: Eu sempre acreditei nisso. Fui coordenadora do Letra e Vida, fui formadora. É

uma coisa que eu acredito. O professor que se empenha, que se apropria dessa

concepção ele dá conta. A professora dessa sala aqui onde estamos é a perfeita

construtivista. As crianças dela avançam, produzem. As rotinas dela são impecáveis.

Até levei na Diretoria e os outros pegaram de exemplo, ficaram encantados, pediram

emprestado. E com os outros professores aqui eu também usei. Falei assim “vamos

olhar a da Aurora”. Então hoje rotina aqui é uma coisa que todo mundo faz direito. E

assim, professor que absorve a concepção consegue dar conta maravilhosamente.

Aquele que não consegue, que vai pra um lado, vai pra outro, porque não tem muita

segurança, ele vai daquele jeito. Alfabetiza, dá conta, mas o que eu acho o

diferencial é a utilização da leitura. A leitura, eu falo para elas, tudo bem se você não

tem firmeza nisso, mas a leitura inicial é primordial todos os dias. Ela faz diferença

sim para as crianças produzirem bons textos. Elas precisam dessa linguagem. Então

investir nessa leitura é uma coisa que todos aqui investem. Então eu acho que isso

ajuda muito. O professor pode misturar um pouco, mas em contrapartida ele investe

numa questão que é necessária. Eu gosto muito da proposta, mas eu acho que tem

momentos que você está na sala de aula, você tem que mostrar pra criança, isso é

experiência própria, que se você não juntar b com a a e dizer que forma ba, ela não

consegue entender. Quando eu voltei pra sala de aula aqui, eu juntei uma lista com

as crianças, de times de futebol. E comecei a questionar e chamar pra Ler. Era 1º

113

ano. Chegou um e disse pra mim e leu “B,O,T,A,F,” que era Botafogo. Aí eu falei “tá

bom, b o e aí?” Me deu um negócio. Foi o primeiro dia que eu voltei. Me deu um

negócio, Rodnei, e quando eu comecei a investigar e comecei a trabalhar aqui na

coordenação percebi que é o que pega mesmo. Consciência fonológica! Se a gente

não intervir...

Entrevistador: Você fala com uma propriedade da concepção assumida pela rede,

por conta da sua vivência, você não apenas foi formadora, como coordenou todo o

projeto na Diretoria de Ensino, e tem uma experiência diferente dos outros

coordenadores. Então pensando quando você foi coordenadora antes dessa

vivência toda e agora como você avalia que ela foi importante pra sua atuação como

coordenadora atualmente?

PCP: Foi tudo. Diferença total. Porque olhando Orestes Guimarães, olhando

Gallicho, até porque não tinha nada disso. Teve Circuito Gestão, mas era voltado

para a parte administrativa mesmo, então, não tinha um foco específico em

formação. Quando fui pra Diretoria e comecei ali do nada, vai, a experiência que eu

tinha com coordenação e alfabetização era aquela. A gente sabia muitas coisas, até

por conta das salas do Projeto de Aceleração, mas é aquela coisa da transposição

didática, você não conseguia ver aquilo ali no dia a dia. E então, a formação do

Letra, ser formadora, mais o que eu busquei sozinha, porque senão você não dava

conta de atender outras questões, foi todo o diferencial pra eu ser a coordenadora

que eu sou hoje. Então assim, hoje eu chego aqui e ninguém tira farinha. Eu falo,

está falado. Não gosta, muda de escola. É bem assim, abaixa a cabeça e fica quieto.

A diretora aqui me apóia muito nesse sentido. Aliás, ela não interfere em nada no

meu pedagógico. O que eu faço eu faço, porque ela sabe que eu dou conta. Eu

cheguei aqui em julho de 2008 e corri com os professores em função do Saresp,

porque a escola estava abandonada no sentido de coordenação. A coordenadora

que tinha antes ficou doente, depois faleceu. Aí eu peguei e conversei com os

professores: o que vocês têm de concreto? Tinha muita coisa. A Aurora já estava

aqui, era um professora que já tinha um foco construtivista, já trabalhva bem as

questões do Saresp, então eu peguei ela junto comigo e vamos dar conta do

Saresp, principalmente com os professores de 4ª. A minha meta quando eu vim pra

cá era aumentar o índice do Saresp. No sentido assim, quando o Martins me

114

entrevistou ele me perguntou “por que sair de uma Diretoria e voltar pra escola, é um

retrocesso?”. Eu falei “eu não vejo como retrocesso. Eu vejo que tudo aquilo que eu

aprendi na teoria eu vou olhar na prática. Eu preciso disso. Eu vou olhar”. Porque

você fica muito na teoria. Mas e aí, a prática? Olhando a prática eu comecei a ver

mais coisas e comecei a perceber que eu tinha que aumentar os índices da escola.

E aumentou pra 120. No ano seguinte 120 de novo. E falei pra diretora que agora

temos que ir pra 150 no Idesp. Você vê a melhora. O professor agora já tem uma

noção melhor de como trabalhar aquilo e as coisas vão se encaminhando de uma

forma diferente. Você olhar a prática e alinhar com a teoria te dá um suporte maior

muito grande na hora de trabalhar com o professor. Quando o professor fala pra mim

“não dá certo”, eu pergunto “não dá certo por quê?”. Tem que provar porque não dá

certo. Por que eu vejo e o índice mostrou que melhora. Então pergunto o que está

acontecendo com você, que você está dizendo que não dá certo? Então acho que

eu tenho todo um diferencial e dou graças à Leste 5 por ter passado por toda aquela

experiência, por toda aquela formação e lógico, ter voltado e estar olhando o outro

lado.

Entrevistador: Agora, com o Ler e Escrever, você acha que a formação que você

recebe tem te ajudado a exercer seu trabalho de coordenadora?

PCP: Hoje pra mim, o Ler e Escrever lá na Leste, não. Porque é tudo repetição. Pra

mim não acrescenta nada. Até tem uma coisa ou outra que você capta ali e que dá

pra usar, mas se for analisar friamente não. Pra quem passou por todo aquele

processo, é você ir até lá ouvir, palpitar, se bem que eu fico um pouco na minha,

porque senão cai naquela você está fazendo mestrado e quer aparecer. Então eu

procuro dosar e assim, eu sinto que tem um pessoal que está lá, a mocinha que está

lá responsável pela parte de alfabetização, ela tem aquela visão do Letra, aquela

coisa fechadinha. Outro dia apareceu uma questão de Gêneros do Discurso e elas

trabalharam de um jeito basicão. Não conseguiram sair das entrelinhas e jogaram

pro grupo analisar. Lógico, eu comecei a falar de gênero primário, secundário e

comecei a querer dar aula. Eu não gosto de fazer isso, mas naquele momento era

necessário, porque o pessoal não tinha entendido o texto e nem elas tinham

entendido direito o que elas estavam falando. Então, eu estou me aprofundando

cada vez mais, e quando eu trago essas coisas aqui, que eu aprendo no mestrado e

115

se dá pra encaixar aqui, eu encaixo e as professoras acham bárbaro, porque elas

começam a entender uma questão pra chegar na outra. Uma coisa é você falar que

vai dar história em quadrinhos pras crianças. Mas você trabalhar de onde veio a HQ,

como começou, quem lê mais HQ, então vamos fazendo um percurso pra chegar na

HQ. Falei dessa experiência na formação do Ler e elas socializaram. Isso foi legal no

Letra. Ele incentivava a gente a buscar coisas além. Eu não fiquei só na caixinha,

fechadinha. Eu acho que se todos os coordenadores tivessem essa oportunidade de

sair dessa caixa, dessa coisa pronta, procurando adequar as questões de cada

escola, de acordo com as possibilidades dele e das coisas que ele acredita, ia ser

melhor.

Entrevistador: E para os outros coordenadores, com uma experiência diferente da

sua, você acha que a formação faz sentido?

PCP: Olha, pra muitos sim. No sentido de eles pegarem aquilo que está sendo dado

e repassar daquela forma, muitos fazem isso: pega e repassa. Pra outros que estão

começando o pega e repassa é pior, porque ainda nem sabem direito o que estão

fazendo ali. Eles repassam com que propriedade, com que embasamento? É pobre.

Eu vou falar da coordenação quando eu comecei, em 91, no Gallicho. Eu ia, me

falavam na reunião, eu ia lá e passa e repassa. Você está entendendo? Agora,

alguns coordenadores mais antigos continuam no passa e repassa, você percebe

nas falas e nas coisas que eles vivem pedindo emprestado. Então tem coordenador

e coordenador e vai continuar assim. Não vai mudar isso, Rodnei. Eu falo isso

porque o salário não é o que deveria ser, é melhor ficar na sala de aula, porque 40

horas por 40 horas, ganhando praticamente a mesma coisa, com 300 reais a mais.

Em termos profissionais, até pode ser bom, mas se você quiser crescer, vai ter que

correr muito, não vai poder ficar no passa e repassa. E eu vejo isso acontecer muito.

Alguns poucos não, que vêm vindo, que vem estudando, muitos fizeram mestrado,

outros estão fazendo, esses já tem um diferencial, porque estão buscando outras

coisas, mas na maioria das vezes não é assim.

Entrevistador: Tem coisas na rotina da coordenação que estão um pouco

descoladas da proposta do Ler e Escrever. Por exemplo, a relação com a família, a

questão da inclusão são outras temáticas que também são consideradas

116

pedagógicas e que atravessam o cotidiano da escola e que o coordenador tem que

dar conta. Como você vê isso no meio do Ler e Escrever?

PCP: A questão da inclusão, por exemplo, é um caso. Uma criança disléxica, por

exemplo, não aprende na metodologia do Ler e Escrever. Ele só aprende

foneticamente, por silabação. Não tem como. Tem casos que devagar o professor

consegue. Eu tenho uma Sala de Recursos aqui e a professora tenta dar conta

dessas situações e as crianças têm avançado. Tem crianças com um

comprometimento muito grande, que não conseguem avançar tanto. Vai chegar uma

hora que tem um limite e vai ter a terminalidade. Agora, a questão familiar, aqui é

uma comunidade que pouco colabora. Você chama e não vem, não tem tempo, não

pode. Mas aqui a escola que tenta incluir todos. Mas tem casos de professores que

têm dificuldades em receber crianças com deficiência ou com dificuldades de

aprendizagem. Mas a gente vai tocando e parando pra pensar.

Entrevistador: Lidar com essas situações exige saberes e traquejos do coordenador.

Por exemplo, a articulação da equipe de professores, a relação entre eles, os

conflitos, você acha que o Ler e Escrever ajuda?

PCP: Não. As pessoas têm que desenvolver esses saberes sozinhas. E eu também

não dou conta disso. Por exemplo aqui tem a Aurora que é construtivista, a Nair que

mescla tudo, a Marli que faz uma bagunça. A Aurora faz a rotina, a Nair se apóia na

rotina da Aurora, só que cada sala tem seu diferencial. Aí vem a Marli e diz “essa

rotina eu não concordo muito”. Aí eu falo que se ela não concorda muito, tem que

adequar à sala dela. Mas você percebe que por mais que elas sejam um grupo de 2ª

série, há momentos que cada um vai cuidar das suas especifidades. Mas é muito

pessoal o jeito que cada um dá aula, como cada um se envolve, cada um chega na

criança.

Entrevistador: E como coordenadora como você intervém nisso?

PCP: Eu trabalho assim, eu sou da paz, você sabe. Com jeitinho brasileiro eu vou

tentando administrar o grupo. Por exemplo, no htpc elas queriam sentar todo mundo

junto, com seus amigos, que nem sempre trabalham na mesma série. E elas

117

precisam sim conversar coisas profissionais coletivamente. Então, separei grupos

por mesas: 1ª, 2ª, 3ª e 4ª. Isso quebrou um pouco as proteções por amizade. Instituí

aqui o registro reflexivo do htpc. Cada semana é uma professora diferente que faz e

lê pro grupo na semana seguinte. Isso veio do Letra. No começo não queriam, agora

já se adaptaram.

Entrevistador: Acho que do que eu precisava perguntar deu conta. Você quer falar

mais alguma coisa?

PCP: Não. O que eu acho eu já falei na Diretoria. Eu acho que deviam dividir o grupo

na formação do Ler e Escrever, porque está muito chato e não está me ajudando

muito como coordenadora.

Entrevistador: Está certo. Muito obrigado!

PCP: De nada, o que é isso.

Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Teresa

Entrevistador: Bom, Iara, estou voltando para pedir pra você ler a entrevista que fiz

com você na segunda-feira, e a análise prévia que eu fiz dela. Vou pedir que você

veja se quer mudar, tirar, completar ou esclarecer alguma coisa, pode ser?

PCP: Claro, vamos lá.

(Leitura durou aproximadamente 12 minutos)

PCP: Aqui, quando você perguntou das outras coisas que envolvem o meu trabalho,

tipo o relacionamento dos professores, eu fiquei pensando agora no que eu disse,

que o Ler e Escrever não ajuda nisso...

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Entrevistador: Você quer mudar isso? Você acha que ajuda?

PCP: Não, continuo achando que não ajuda. Na verdade eu fiquei pensando se o

Programa tem que dar conta disso. Afinal de contas, o grande problema da escola

hoje não é o monte de crianças que vão passando de uma série pra outra sem

aprender a ler e escrever? Então, o foco tem que ser esse mesmo. Sei lá, desculpa,

mas o resto, a gente vai tocando do jeito que dá. Assim, sozinha, eu não consigo

pensar e fazer tantas coisas. Eu sou uma só.

Entrevistador: E você acha que isso de assumir uma proposta construtivista te

transforma numa espécie de fiscal do trabalho do professor?

PCP: Você é terrível! (risos).

Entrevistador: Não, não há nenhuma questão ideológica nisso. Na verdade, eu

penso que há um perigo de o coordenador cair numa espécie de fiscalização do

trabalho do professor, entendeu, do tipo “deixa eu ver se ele está seguindo a

proposta à risca” e aí se você passa a separar os professores, botando de um lado

os que seguem a proposta, de outros os que não seguem, de um jeito maniqueísta.

Aí o papel de formação se perde, entendeu?

PCP: Ah, tá. Olha, nisso eu concordo com você. Acho que pode acontecer, mesmo.

E acho até que acontece. Dependendo do jeito que o coordenador entende,

acontece isso, principalmente se ele só pega e repassa o que foi passado na

formação. E isso acontece, como eu te falei.

Entrevistador: Certo. Tem mais alguma coisa?

PCP: Não, acho que é só isso, mesmo. Eu vendo isso aqui, fico desesperada. Logo

sou eu que tenho que sair pra fazer entrevistas...

(risos)

Entrevistador: Então, está ótimo, I. Muito obrigado pela ajuda.

119

PCP: De nada, o que é isso. Me chama pra defesa, hein?

ENT: Vou chamar sim.

Gravação encerrada em 19m.

120

Entrevista – Professora Cristina

Entrevistador: Você podia falar um pouco sobre a sua rotina, seu trabalho como

coordenadora?

PCP: Vou falar das ações mais importantes, ta? De uns anos pra cá, a coordenação

passou a ter uma outra, não é função, um outro enfoque, diferenciado daquele que a

gente vivia. Meu trabalho é direcionado à formação de professores e o

acompanhamento do ensino e aprendizagem na sala de aula, coisa que antes a

gente não fazia. Antes a gente era auxiliar de diretor e não coordenador pedagógico.

Entrevistador: O que você acha que contribuiu pra essa mudança de foco?

PCP: De uns 4 anos pra cá, a partir do Letra e Vida e depois com o Ler e Escrever

mudou muito. Até a Secretaria enxerga o coordenador diferente. Eu gosto porque o

meu trabalho fica mais legitimado. Parece que você tem uma função importante

dentro da escola. Você não é um faz tudo, você tem um norte, você tem que

trabalhar para aquilo, para a aprendizagem, para as metas, então para mim é muito

bom. Eu estou aqui há 11 anos.

Entrevistador: Como você acha que a escola, de um modo geral, recebeu essa

mudança?

PCP: Aqui tem um grupo muito bom. Os professores perceberam que o meu

trabalho melhorou, não tenho muitos problemas. A gente senta no htpc pra estudar.

Antes ela perguntavam se o que ia ser tratado no htpc era importante. Agora não

elas sabem que tudo o que trataremos naquele espaço é importante e que todos vão

aprender e trocar experiências, e até ensinar.

Entrevistador: Essa nova função mudou seu jeito de planejar a sua rotina?

PCP: A gente vai pra diretoria para treinamento e já volta com outro olhar pra escola.

Antes eu precisava descobrir o que eu ia dar, o que ia propor. Agora já venho mais

121

ou menos com um caminho e vou me adequando, de acordo com a minha realidade.

Eu aproveito muito o que as reuniões passam.

Entrevistador: Você sente que há muitas interferências? Porque esse enfoque do

trabalho do PC é novo. Você sente que esse planejamento que você traz das

reuniões sofre interferências burocráticas, por exemplo?

PCP: Interferências assim, que atrapalham? Aqui no meu caso, não. Mas aqui na

escola, que todos respeitam o meu trabalho não. Mas eu sei que em outras escolas

sim. Aqui todos sabem que se eu vou para o htpc, não pode me chamar pra atender

telefone, pra atender pais. A gente vai pra lá e ninguém interrompe, mas eu tive que

construir isso. Se tem que responder alguma coisa da parte burocrática fica pra

depois, espera. Primeiro é a parte pedagógica.

Entrevistador: E coisas que vêm da própria diretoria, como mapas de classe,

planilhas pra preencher?

PCP: Ainda vem bastante. Até porque coordenador acostumou a conseguir dar

conta de um monte de coisas. A gente reclama, faz, mas cumpre o prazo. A gente

dá conta e por isso abre espaços pra esses acontecimentos.

Entrevistador: Do seu planejamento semanal, o quanto você consegue dar conta de

cumprir?

PCP: Tem as coisas do dia a dia e as coisas que às vezes sai, porque a realidade é

outra. Mas eu acho que uns 70%. Não dá pra cumprir tudo mesmo. Às vezes me

sinto a mulher maravilha, às vezes saio frustrada. Eu penso “fiz tanta coisa e não fiz

nada, nada daquilo qu estava programado”.

Entrevistador: Voltando no papel do formador, um aspecto forte no Ler e Escrever é

a observação de aulas. Diante de uma rotina de trabalho atribulada você consegue

fazer essa atividade?

122

PCP: Só se eu programar. Marcando com antecedência, senão não dá. Mesmo

assim, eu não consigo observar tudo o que eu deveria.

Entrevistador: Por que?

PCP: Por mais que se trabalhe 8 horas por dia aqui, você não faz só isso. Precisa de

tempo pra ler, pra estudar, pra acompanhar os professores e os alunos, mais as

funções que a Secretaria nos passa, então não dá tempo. Eu gostaria de ir mais na

sala de aula, ainda não é o ideal.

Entrevistador: Você acha que o tempo fica curto. Quais são as razões que você

consegue enxergar que atrapalham essa atividade?

PCP: O número de classes, o número de professores da escola, é muito pra um

coordenador só. Mas por conta das outras funções também. Há ainda o fato de que

você fica 8 horas por semana fora da escola, em formação. Então sobram 4 dias.

Nesses 4 dias tem htpc. Tem 6 reuniões na semana, em que separei grupos de 1ª e

2ª séries, 3ª e 4ª e professores de Artes e Ed. Física, que eu preciso planejar com

cuidado. Se você for ver, falta tempo mesmo. Depois que registrar, redigir ata,

escrever relatório, falta tempo.

Entrevistador: Que avaliação você faz dessas mudanças no papel do PC?

PCP: Acho que o trabalho do coordenador mudou pra melhor. E no processo de

ensino e aprendizagem também melhorou. Porque antes cada escola tinha a sua

proposta pedagógica, cada um caminhando do jeito que queria. Agora não. Agora

você tem uma proposta a seguir, é claro, quando você acredita, quando seu grupo

acredita, também tem isso, o trabalho flui muito melhor. Porque você tem um foco,

você vai fazer isso, pra isso, isso e isso, entendeu? Acho que melhorou. Vejo isso

nas produções de texto das crianças, antes era uma reprodução da fala, não era

texto. Agora não. Você observa que melhorou. Eu sou suspeita. Eu gosto do

programa, acredito. Mas acho que a maioria das pessoas concorda comigo, pelos

resultados que a gente tem visto.

123

Entrevistador: Para além do foco na leitura e na escrita, o trabalho da coordenação

tem outras coisas que o atravessam, como por exemplo, a inclusão, eventualmente

uma questão de como administrar o grupo, os conflitos entre os professores, as

famílias e se a gente for enumerando, vai lembrar de um montão. Você acha que o

Ler e Escrever dá suporte pra essas outras coisas?

PCP: O Ler e Escrever dá um foco pra escola enquanto metodologia, sabe ação

pedagógica. Mas pra lidar com esses outros tipos de problemas acho que não.

Esses saberes são da sua experiência. Por exemplo, aqui nossa escola é antiga, os

pais preferem ensino tradicional. A gente tem que ouvir eles falarem e depois temos

que convencê-los de que a nossa forma de ensinar é a mais adequada para o

momento, então, nem sempre ajuda. Com relação à inclusão, tem uma questão da

política pública, que é alfabetizar todo mundo até os 8 anos. Não leva-se em conta a

criança que tem necessidades especiais. Em nenhum lugar tem espaço pra você

colocar que ele tem alguma deficiência. Falta alguma coisa pra você colocar que o

aluno não consegue escrever porque ele tem uma deficiência intelectual grave, por

exemplo. E aí parece que a escola não trabalhou direito. Acho que precisa pensar

nisso.

Entrevistador: Você julga que muitas coisas melhoraram. Pra melhorar mais precisa

do que?

PCP: Precisa valorização profissional, mais investimentos nas escolas, infra-

estrutura. Salários melhores e mais formação para todos, inclusive os outros

funcionários que atendem secretaria, olham o recreio, fazem a merenda. Falta muita

coisa. Acho que é valorização social, também.

Entrevistador: Acho que é isso. Você quer falar alguma coisa mais?

PCP: Não,não. Espero que tenha ajudado.

Entrevistador: Ajudou muito. Obrigado!

Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Cristina

124

Entrevistador: Bom, R., eu estou aqui outra vez para pedir que você leia a

transcrição do nosso primeiro encontro e a análise prévia que eu fiz. Você pode

mudar, completar o que quiser. Se quiser que eu tire alguma coisa, também fique à

vontade.

PCP: Tá. Vamos lá.

(Pausa para leitura totalizou 8 minutos, aproximadamente).

Entrevistador: E então? O que achou?

PCP: Achei super interessante. Nunca tinha participado de nada desse tipo.

Entrevistador: Não quer mudar ou acrescentar alguma coisa?

PCP: Hummm, não, não, acho que não. Na verdade, espero ter te ajudado.

Entrevistador: Nossa, e como ajudou! Posso usar na minha pesquisa?

PCP: Claro, claro.

Entrevistador: Então está certo, obrigado!

PCP: Por nada!

Gravação encerrada em 12m52s

125

Entrevista – Professora Clara

Entrevistador: Qual é sua principal atribuição?

Entrevistada: Formação de professores. Formar os professores e acompanhar as

atividades que estão sendo desenvolvidas em sala de aula, gerenciar com elas a

sala de aula, a gestão da sala de aula, orientar para uma melhor gestão na sala de

aula para elas conseguirem diferenciar uma atividade de uma boa situação de

aprendizagem.

Entrevistador: Como é que você... Você tem 40 horas?! Como é que organiza essa

semana?

Entrevistada : Eu procuro seguir uma rotina semanal é lógico que é altamente

flexível, porque um dia a gente é convocado para uma videoconferência de não sei o

que e você tem que ir , então o que você tem preparado você passa para outro dia

mais eu procuro seguir uma rotina semanal de visitar as salas, de olhar para as

próprias rotinas, de atender professores, de atender pais e atender alunos até para

verificar algumas sondagens que são postas ali e eu tenho alguma desconfiança que

eu acho que não está batendo, eu quero confrontar até pra ver porque as vezes o

professor fez em um determinado contexto e o aluno comigo de uma outra maneira,

se for mais direcionada, se eu intervir mais de entrevir mais, ele consegue olhar

aquilo e pensar sobre o que esta sendo solicitado, até confrontar mesmo.

Entrevistador : E aí, depois conversa com a professor?

Entrevistada : Com a professora !

Entrevistada: Exatamente... e falar Pro ! isso aqui com você ele fez isso tal coisa...

Quais foram as condições ? A sala tava muito ruidosa? Que tipo de atividade você

deu pro restante da turma pra conseguir fazer? Você tava com o tempo contado?

Porque tudo isso, a gente sabe, muitas vezes elas fazem porque tem que entregar

pro coordenador, o coordenador fica no pé tem que entrega papel, a gente sabe de

126

tudo isso, mas tem hora que não dá eu tenho que abrir mão de algumas coisas ou

então olhar pra aquela criança e ver o que ele sabe realmente.

Entrevistador : E a organização disso tudo? Considerando que as demandas que

são muitas, né? Inclusive você me disse agora que, às vezes você para até para

ajudar professora, enfim numa extensão do trabalho dela . Por exemplo, no que o

aluno sabe, sobre o sistema de escrita e ai como é que você, concretamente, pensa

nisso?

Entrevistada : Então... eu procuro seguir uma rotina mais nem sempre eu consigo.

Tem coisas que eu vou deixando mesmo não da pra fazer agora! Não Dá! .

Eu sei que já recebi uma planilha para responder até segunda feira.

Entrevistador : Da diretoria?

Entrevistada : Da diretoria, sobre demanda de livro é visão do futuro são projetos e a

gente tem que responder todos eles, digitar mapa de classe, fazer não sei o que

mais então são muitas coisas para você pensar, mas eu vejo o que é prioridade

nesse momento , porque é ver como esse aluno ta aprendendo , eu tenho que largar

o resto para atender essa professora.

Entrevistador : E você acha que isso interfere muito ? Por exemplo esse chamados

da diretoria, “responde isso, faz a planilha de visão de futuro”, isso prejudica?

Entrevistada : Prejudica, porque por exemplo nos temos então que digitar a planilha,

hoje o mapa de classe não vai só para diretoria, tem que digitar o mapa de classe

aluno por aluno, tudo bem que isso é para o professor fazer, mas nem sempre tem

computador para todos os professores estarem acessando nem todos os

professores efetivamente dão conta de um computador que parece uma coisa de

outro mundo, mas um acho que não dá considerar não porque muitos professores

não estão na era digital, mesmo, não sentiram importância ainda de ter que usar um

computador e só usam porque são obrigados.

127

Entrevistador: E tem uma questão, hoje na sala dos professores só tem um

computador né?

Entrevistada: Um único computador é desde que foi implantado por exemplo esse

mapa de classe para ser digitado, nunca sistema está tão liberado como deveria,

então por exemplo cada aluno leva em média um minuto e meio para eu digitar tudo,

por aluno.

Quanto tempo leva isso? Muito tempo. Então são muitas questões que a gente tem

que resolver, que fica na mão “ do “ professor coordenador e de repente não seria

necessário ficar centrado na figura dele, o papel não tem que ser tão burocrático, o

papel, o papel dele é de formação e de subsídio para o professor. Porque se o

professor tem uma dúvida, depois do HTPC ela ficou para tirar uma duvida comigo,

por exemplo um aluno que está na quarta série, veio de uma outra escola ele só tem

o domínio o sistema de escrita mas ele é alfabético, mas pensar que ele tem

domínio de coerência, coesão ele não tem. Então nesse primeiro momento eu sugeri

pra ela pega um fábula menor, leia com ele, discuta com ele, pra ele te falar. Porque

enredo ele tem que ter.Essa linguagem que se escreve ele tem que ter, né. E ela

falou “eu fiz e ele não consegue”. Eu falei então nós vamos partir para uma outra

coisa, quer dizer é uma professora preocupada, fez com ele é não conseguiu,falei

então se fabula ele não deu conta, nós vamos pegar uma historia um conto de fadas

mesmo seja conhecido ou você retome com ele é você e você vai pedir pra ele

reescrever somente a fala do lobo mau com a chapeuzinho vermelho , A

chapeuzinho Vermelho vai falar pra ele nossa vovó que olhos grandes, ele tem

poucas coisas pra pensar em termo de enredo, mas pra grafar ele tem bastante,

então se eu não tiver toda essa formação também eu não saberia o que responder

para essa professora, eu não sei se este é o mais correto, mas é uma das poucas

coisas que ainda me vem a mente pra gente pensar nesse aluno e poder colocar a

prova tudo que ele sabe.

Entrevistador : E você fala assim, você acabou de falar isso é possível diante de

uma formação que eu tenho recebido né?! Essa formação que você se refere é a

formação dadas nos encontros do ler e escrever ?

Entrevistada : Encontros do ler e escrever.

128

Entrevistador : De quanto em quanto tempo, as reuniões , são semanais ?

Entrevistada : Semanais de oito horas, e a cada 15 dias com formadoras.

Entrevistador:Sim. E você veio para a coordenação em que ano?

Entrevistada: 2005.

Entrevistador:Então você tem um tempo em que o Ler e Escrever não estava

acontecendo, e até... o perfil da coordenação era outro, era aquele perfil voltado

para as atividades de recuperação e reforço...

Entrevistada: E até burocrática, porque ela era uma extensão da direção. Dizia

“auxiliar o diretor, auxiliar o diretor, auxiliar o diretor, abrir portão e mais um pouco

você servia merenda. Eu acho até que isso você pode fazer, numa emergência você

pode fazer, mas esse não é o seu papel, isso não te diminui em nada. Até porque a

gente está trabalhando com criança, de repente, não só na festa junina. De repente

a gente está trabalhando receita, e vamos lá, vamos picar uma fruta, vamos ajudar a

servir. Tranqüilo! O que você não pode é desempenhar outras funções que não

sejam as suas.

Entrevistador: Que diferença você enxerga na passagem? Quando o Ler e Escrever

chega e diz que a atribuição de você é a formação de professores? A partir do

momento em que o Ler e Escrever começa o perfil do coordenador muda e passa a

ser um perfil de formador. Que impressões você tem dessa passagem?

Entrevistada: Já nessa escola eu tinha a minha coordenadora como formadora. De

uma maneira assim, não tão clara, porque a gente conversa com outros formadores,

outros profissionais e eles falam “ah! Não, a minha coordenadora, não, a gente faz

isso, isso, isso.” Já a minha, não a minha era de formação mesmo, de obrigar a

estudar a questão teórica, ela já era assim. E aí, ela saiu, assumiu uma outra pessoa

por um ano e pouco e depois eu entrei. Quando eu entrei eu já tinha saído do Letra

e Vida. Mas eu comecei sim, com essa questão da formação que muito me inquieta.

Imagina, você ficar num lugar por duas horas e não discutir nada que se presta?

129

Porque se eu estou com angústias com relação à aprendizagem dos meus alunos,

se eu tenho alguém pra me direcionar, pra me orientar pelo menos onde nós vamos

buscar uma ajuda, eu acho que não serve para nada. Então, eu acho que tem que

ter a formação. Agora, eu tenho que estudar muito pra estar à frente delas.

Entrevistador: Me parece que a principal demanda formativa que os professores te

trazem é com relação à aprendizagem das crianças.

Entrevistado: Sem sombra de dúvida!

Entrevistador: Que são aqueles que não conseguem aprender?

Entrevistado: É o que mais aparece. É lógico, eu tenho outras também preocupadas

em como trabalhar determinado conteúdo. Porque, é lógico, eu também estou

tratando essa questão dos conteúdos, mas eu também tenho que pensar em todos.

Eu tenho que efetivamente pensar em todos. Porque ensinar pra quem sabe, eu

também sei. Eu quero ver você ensinar pra quem não sabe. E é esse o papel da

escola. Quando começam a culpabilizar a família eu já entro na história dizendo que

não, porque eu não posso achar que o aluno só vai aprender se o pai e a mãe

estiverem em casa, e todos os dias olharem o caderno. Agora, ter alguém, um

cuidador que seja participativo é muito bacana. Se não tem, eu tenho que dar conta

em sala de aula. O aluno tem que aprender! Se ele não tem nenhum

comprometimento, não é um aluno que freqüenta a sala de recursos, não tem

nenhum outro déficit, não tem nada, como é que ele não aprende? Aí a gente fala é

problema de aprendizagem ou é problema de ensinagem? Eu acho que é problema

de ensinagem. Quando eu penso eu ensinei pra vocês, vocês não aprenderam, me

desculpe. Quem é errado são vocês que não aprendem direito. Eu mostro pra elas

que o htpc é o laboratório da sala de aula. Não é diferente, porque quando elas

estão aqui, elas se colocam na posição de alunas e isso é involuntário. Nunca foi

dito “olha, vocês estão aqui pra aprender comigo”. Mas elas vêem assim, como eu

sendo a professora e elas sendo as alunas. É a mesma coisa de uma sala de aula.

Entrevistador: Você me disse agora a pouco que pra além da demanda cotidiana,

das questões de aprendizagem, tem gente que vem trocar algumas informações,

130

perguntando “como é que eu posso trabalhar o conteúdo ou outro”. Isso é uma

demanda de todos ou é mais dos iniciantes, considerando que houve concurso há

pouco tempo?

Entrevistado: Se eu disser que são apenas os iniciantes eu vou ser injusta. Hoje já

não são tanto eles. São quase todas. O Ler e Escrever está cutucando. O Ler e

Escrever está obrigando o camarada a olhar para o guia e perceber que não tem

resposta. E no PNLD, os professores se matam ainda, pra achar o livro do professor,

porque tem todas as respostas ali. Eu não estou falando que não seja bom. Lógico

que é bom, facilita algumas questões. Mas, o Ler te obriga a ler encaminhamentos ,

como eu vou organizar, pensar nos agrupamentos, saberes se estão próximos ou

não, em que momentos eu deixo saberes tão distintos juntos, que momentos eu

coloco saberes próximos. E aí, dá trabalho. Então eu percebo que hoje já não tem

só as novas. As mais antigas, são obrigadas, de uma maneira ou de outra a ir por

esse caminho. Porque hoje a cobrança é maior. Hoje o supervisor cobra se você

trabalha o Ler e Escrever, hoje o diretor cobre se você trabalha o Ler e Escrever.

Então como você não vai trabalhar? E pra que ele surta efeito, você tem que ler,

você tem que estudar. Aí, eu vou perguntar pra quem? Pro coordenador. Só que

nem sempre o coordenador sabe. Porque eu não posso, humanamente, ficar lendo

todos os guias e saber todas as respostas. Mas eu me antecipo, e digo, isso eu já li,

vamos ver direitinho, pra direcionar. Então, se eu quero trabalhar produção de texto,

eu já busco qual é o texto que eu vou trabalhar com elas.

Entrevistador: Tem uma questão importante que você mostra na sua fala, que você

diz que mostra como o Ler e Escrever é positivo, no sentido que efetivamente ele

trata das demandas do cotidiano escolar, enfim, realmente aborda questões de

ensino e aprendizagem, situação didática, tudo amarradinho, pelo que eu consigo

entender da sua fala. Vamos dizer assim, tem algumas crianças, que mesmo diante

desse trabalho todo, ainda têm dificuldades, que são sua principal demanda, que

gera mais angústia nos professores, que eles te procuram mais. E aí você trouxe um

exemplo bem concreto que eu gostei que você fala assim “ah, se ele me falar que a

criança não aprende porque a família não olha o caderno ou porque a família isso ou

aquilo, eu vou logo dizendo, não é problema da família, é aqui”. Você acha que o Ler

e Escrever dá conta dessa dimensão?

131

Entrevistado: Se eu pensar que todos têm condições de aprender, que todos os

alunos podem aprender, se esse for o princípio eu acredito que ele dê conta. Mas,

eu tenho que apostar na mudança de postura do professor, que ele tem que

pesquisar, que ele tem que ir atrás, que ele tem que trocar com seu outro par, e

perceber o que eu posso oferecer pra ele avançar. Que eu tirar um aluno de um pré-

silábico e ele ficar patinando num silábico com valor, também não vai me levar a

nada. E isso acontece às vezes. O professor fica todo feliz que o aluno saiu do pré-

silábico e veio pro silábico com valor e o que nós vamos fazer agora pra ele avançar.

E isso muitas vezes não acontece. A gente olha um mapa de classe e percebe, meu

Deus do céu, o que acontece? Você que uma professora está dando conta e uma

outra professora o número continua grande de alunos silábicos com valor. Por que

na outra tem menos? É claro que os alunos são diferentes, mas quais são as

intervenções que ela está fazendo? No que essa professora está avançando mais?

Ela não está contando que o pai está olhando o caderno e cantando musiquinha pra

criança. Quem tem que fazer isso é o professor. E aí eu tenho que chamar e falar,

“Prô, o que está acontecendo pra esses alunos não avançarem?” Será que não é

melhor a gente avançar numa outra postura? E se a gente pegar essas letras

móveis, mas não para brincar? Que eles não estão brincando. Você pode falar ‘Ah,

eu vou dar pra brincar”, eles não estão brincando. É uma coisa lúdica, a letra móvel,

o legal, é que ela é provisória. Então o aluno que já está com um certo fracasso na

escrita, ele não precisa ficar apagando, o professor vai ver. Então ele muda, ele tira,

eu tenho essa condição de fazer isso. Mas será que eu tenho olhos para isso? Então

aqui eu percebo que elas me vêem como parceira. Que é isso que eu sou dos

professores. Se eu não for parceira dos professores, eu vou ser de quem? De

direção, de vice-direção, de diretoria de ensino? Não, não sou parceira deles, sou

parceira dos professores. Eu adoraria se tivesse alguém para me orientar sobre

como eu faço para o meu aluno aprender, porque aluno vem pra escola pra isso,

não tem outro motivo. Eu não posso estar numa escola... pra fazer o que? Eu vou lá

porque eu sou coordenadora? Grande coisa! Coordenadora de quem não aprende?

Eu tenho que coordenar quem aprende, não é? É uma coisa que me emociona,

quando eu falo com elas, é desse jeito mesmo. Eu só estou aqui pra fazer com que

meus alunos aprendam. Se eles não têm as mesmas oportunidades, eles têm que

ter, no mercado de trabalho, eles tem que aprender. Eu falo, eu sou oriunda de

132

escola pública. E eu fui até mais longe do que eu almejaria, pensaria e tal. Mas eu

fui e dá pra ir mais longe ainda, que depende de mim também. Não depende só das

oportunidades que eu tenho. Mas se a escola já nega algumas oportunidades, se ela

tem negado o mundo letrado, aqui ela tem que ter. A escola tem que oferecer isso. A

gente que dar um jeito, Rodnei, senão a gente vai continuar fazendo escola de pobre

pra pobre e de rico pra rico. Quer dizer, aqui eu sou uma professora mediana porque

eu estou no Estado, aí eu trabalho meio período no particular, lá eu pesquiso, lá eu

estudo, lá eu vejo novas formas da criança aprender, aqui não? Aqui ele é menos?

Menos onde? Aqui ele é tão igual quanto o outro. Aqui ainda precisa mais.

Entrevistador: Esse olhar, parece que é muito seu. Quando eu ouço você falar, eu

ouço uns saberes que você construiu, parece que o Ler e Escrever só agregou. Me

parece que ele te dá algumas condições. Você tem condições concretas pra

algumas coisas. Conectando os seus saberes com os que você aprendeu ou está

aprendendo no Ler e Escrever, você acha que tem espaço nas reuniões de

formação, por exemplo, aparece esses assuntos, do tipo “eu tenho uma criança que

é da família tal, que sempre passa por aqui, ninguém nunca aprende, que eu faço”?

Entrevistada: Você diz, nas reuniões de Diretoria? Aparece sim, mas eu não vejo

essa preocupação. Eu vejo muita preocupação com o índice do Saresp, com o

índice do Idesp, com o bônus, isso que você está falando eu não vejo. É uma

política de meritocracia, que não é por aí. A gente tem é que investir de verdade na

educação, mas eu observo nos próprios professores coordenadores, como se isso

fosse um absurdo, você não vê uma preocupação com os alunos, mas com o índice

da escola. “Porque na minha escola tem tantos alunos pré-silábicos, ai meu Deus,

vai baixar o Idesp, vai baixar o bônus”. Ta bom! Mas o que aquela criança

representa para você? Nada? Então essas coisas aparecem, sim, mas eu não vejo

isso como uma preocupação para que eles aprendam. Eu vejo como se fosse um

estorvo, olha eu tenho, estou constatando para você, eu tenho esses alunos que o

pai está preso, que a mãe é pobre, que a mãe é viciada, ele não tem jeito de

aprender. Nossa, é pior do que praga de mãe, né? Eu já falei que ele não vai

aprender. Quem sou eu pra ter esse direito de afirmar que ele não vai aprender? É

muito sério. E as pessoas eu vejo que lidam com essa questão como se fosse

133

mesmo, mais um número, como se a escola pública estivesse fazendo um favor pra

você. Eu escolhi a escola pública e estadual, para trabalhar. E eu quero continuar

vendo os alunos aprendendo. Eu tenho alunos que saíram daqui muito bacanas. E

entraram em medicina, e entraram em jornalismo, nas ditas profissões tão almejadas

e estudaram aqui. E vem aqui, abraçam e dizem “Ai, pro, até hoje eu lembro do que

você ensinou.” É lógico que, na época, eu fiz o meu melhor. Mas hoje eu sei que o

meu melhor não era o melhor. Porque eu reproduzia ou que eu vivia e eu achava

que aquilo ali era o correto, eu fazia eles escreverem 10 vezes a mesma palavra,

porque eu achava que era por aí. Mas, eu fiz tudo o que eu sabia, eu não tinha muita

orientação como a gente tem hoje. Então, isso me mobiliza a cada vez aprender

mais e discutir em alto nível com elas. Eu vou falar, se um dia eu achar que não tem

nada pra tratar no htpc, eu mesma dispenso. Me desculpo com as professoras, mas

assumo isso. Mas a gente tem muitas propostas hoje, Rodnei. Aqui nós registramos

as formações semanalmente. Cada semana é uma que faz, e lê para as outras o seu

registro. E também tenho falado muito sobre expectativas de aprendizagem, que é o

que mantém o Ler e Escrever, e as expectativas de aprendizagem vieram dos PCNs.

No primeiro registro, quando a professora leu, ela tremia tanto, tanto, tanto, e me

disse que ficava nervosa. Eu disse, então, você vê, essa prática de desenvolver a

linguagem desse jeito é uma prática de poucos anos para cá. A linguagem oral,

então, se praticava muito pouco. Antigamente a gente dizia assim “ah, o aluno falou

muito”. Eu tenho que direcionar isso e dizer “agora, não, agora nós estamos em

outra coisa”, na mesma forma de conversa e tal. Porque a gente coloca no

planejamento que quer um aluno crítico e participativo, aí eu mando ele calar a boca

e não aceito a fala dele. Aonde ele é crítico e participativo, se eu não deixo ele

participar de nada? Agora, ele tem que saber como participar. Que pra uma festa eu

vou vestido de um jeito e pra um velório eu vou vestido de outro. Que pra o carnaval

eu me visto de um jeito e pra igreja de outro. Eu falei assim, pro você não está sendo

julgada, nem analisada pelo que você fez. Você está colocando o seu registro

reflexivo, você está trazendo à tona, tudo o que nós vivenciamos, que era não ter a

oportunidade da fala. Quando a gente ia falar, quando o aluno ia falar a gente dizia

“agora, não, cala a boca!”. Ninguém nunca tinha direito a dar opinião a falar nada.

Hoje a gente faz ele falar direitinho, ensina como fala. Aí a gente acha lindo um

político, que tem o poder da oratória. Ele não nasceu com aquilo, ele foi ensinado.

Não tem essa de dom. Eu não acredito em dom. Eu acredito em treino, persistência,

134

paciência, disciplina. É nisso que eu acredito. Ah, eu não desenho bem. Eu não

desenho bem, porque eu não pratiquei, não tive paciência, mas eu tenho paciência

que se eu me disciplinar eu vou desenhar bem. Não vejo de outra forma.

Entrevistador: Eu vou te perguntar uma coisa bem concreta. Essa política, que

assume esse perfil de formador, que relações você faz com as suas condições de

trabalho?

Entrevistada: É o que eu digo, o que mantém na designação de coordenadora é a

formação que eu tenho. Porque, nós temos assim, muitas adversidades, tudo acaba

sobrando para o coordenador. Ai, o aluno não tem tal coisa. Ah, vai lá e pede pro

coordenador. Ah, não sei quê, vai com o coordenador. Assim, não há que não

consegue trabalhar. Aqui eu consigo me colocar e me impor e dizer que a minha

parte é pedagógica. Eu não sou “disciplinadora”, mas nada me impede de conversar

com um aluno num caso de indisciplina, pra ele entender que esse comportamento

dele ta fazendo com que ele perca tempo, que ele está perdendo o tempo dele, que

é precioso, que ele não vai poder voltar mais. Alguns saberes, ele vai ter aprender

na marra depois, porque ele perdeu aquela oportunidade. Mas, chamar pai e mãe,

por causa de disciplina, não, esse não é o meu papel. O meu papel é pedagógico.

Agora, quando acontece um caso desse, a gente chama pra conversar, pra

entender, o por quê desse aluno estar indisciplinado. Porque se for uma aula muito

chata, eu também vou me indisciplinar. E eu coloco isso pra elas, a gente tem que

ter a vivência nas htpcs, que são o laboratório da sala de aula. Eu falo, então, já

pensou se eu trouxer uns assuntos aqui, que não têm nada a ver com o que a gente

precisa saber? Não adianta dar desculpas, vocês precisam saber, gostando ou não.

E motivar o aluno não é colocar nariz de palhaço e ficar pulando na frente dele, que

não é esse o papel. Mas o papel é de quem sabe e faz com aquele conhecimento

seja bacana, que mostre onde a gente vai usar. Eu escrevo bilhete pra quem? Eu

escrevo bilhete e coloco dentro da mochila e vou guardar? Não, eu vou fazer um

bilhete porque eu tenho que avisar a mãe dele que não vai ter aula em tal período.

Tem que fazer sentido. Porque senão, aquele mesmo aluno que olha pra professora,

olha pra lousa, tem lá um problema que não faz o menor sentido, e o aluno não

consegue fazer, porque tem que fazer o arme e efetue, tem que dizer sobraram

tantas maçãs. Só que na rua, esse mesmo menino toma conta de carro. E ele cobra,

135

por hora, porque não é bobo, cobra 5 reais. E vem alguém e diz “nossa, eu só fiquei

meia hora.” E a criança diz “então, é 2,50”. Como é que eu desconsidero o que esse

moleque sabe na rua e digo que ele não sabe nada. Será que ele não sabe nada ou

eu que não estou sabendo o que ele já sabe, pra aproveitar? Nossa, se ele sabe que

a metade de 5 é 2,50, ele está na frente de muitos alunos. E aí eu não aproveito

isso? A aula ficou chata mesmo. Sabe onde a gente vê todo mundo interessado? Na

jornada de matemática. Todos querem fazer, porque são desafios, são jogos, trocam

uns com os outros e aprendem. Eu não posso transformar toda aula em jogo, mas

eu posso fazer alguma coisa para que as crianças fiquem mais interessadas e

percebam para que estão aprendendo aquilo. Eu acho que é isso que falta ainda,

falta mostrar pra eles. Eles lêem gibi? Gente vamos escrever uma cartinha pro

Maurício de Souza. Eu tenho essa opinião. Eles entram no Orkut, entram no email,

entram no Twitter, entram em tudo quanto é coisa e não vai escrever pra mim? Esse

tipo de coisa tem que estar no chão da sala de aula. Qual de nós hoje que recebe,

isso é comum, um cartão do banco, cartão de crédito que não quer receber? Eu

coloquei já isso pra eles. Como é que vocês vão responder? Vocês vão escrever

Mano, vocês vão escrever Vossa Excelência, entendeu? Então, muitos não sabem

como se referem ao diretor do banco, porque muitos não foram ensinados. Isso é

diferente, é carta comercial. Carta comercial, e você vê lá, XXXX, o corpo todo em X,

quer dizer, a estrutura. E depois a finalização tudo em X. Isso não é verdadeiro.

Verdadeiro é a gente escrever mesmo um abaixo assinado pra não cortarem as

árvores do bairro, isso faz sentido. Eu falo pra elas, então, receberam a carta do

banco, porque não escrever pro diretor do banco? “Ah, não, não gosto de escrever!”.

Professor, você tem que saber escrever, sim. Lógico, que você não vai escrever

Eminência, porque você sabe que o cara não é o papa, você não vai chamar de

mano, porque ele não é seu coleguinha, não vai chamar comadre, porque ela não é

sua comadre, então eu tenho que buscar isso, porque as crianças tem que aprender,

com que eles estão falando, pra quem é, quem vai ler. E não era assim quando a

gente fazia redação, redação, que o professor não lia, só corrigia. Eu fiz isso, corrigi,

corrigi, me matei de levar pra casa, virava o sábado corrigindo, na melhor das boas

intenções, devolvia e eles enfiavam na mochila. E se eu fizer correção coletiva.

Então, assim, aqui eu tinha um modelo de coordenadora, que eu tentei perpetuar.

Mesmo porque as pessoas vão comparar. Tem uma alta rotatividade de professores

na escola, mas mesmo assim eu quero fazer o melhor, eu tento fazer o melhor.

136

Agora, pra quem não tem o modelo, hoje está sendo investido. Mesmo a formação, a

Mara, a Silvia, e o pessoal que lá trabalhou, e eu me pego falando aqui, porque

aquilo faz sentido. Você quer que os outros avancem. Eu não consigo pensar que

intencionalmente alguém vem pra escola pra ferrar aluno. Não quer. Você vem pra

fazer o melhor. E o melhor da gente não é tão melhor. E a gente está batendo

cabeça e não está acertando. Às vezes, a gente que parar um pouco e olhar.

Quando eu vou pra sala de aula eu falo, eu só vou pra gente ver qual é o movimento

da sala. Então, por exemplo, eu trabalhei muito a leitura inicial. E hoje, isso é

tranqüilo na escola. Eu entrei uma vez e falei que queria pegar a leitura inicial. Ela

entrou, colocou o cabeçalho na lousa, os alunos perguntaram se ela não ia ler. Ela

pegou o livro, começou a ler e eu percebi que tinha uns 7 ou 8 copiando, a

professora ia pra lá, ia pra cá, e eles tentando copiar. Eu fiz a mesma coisa no htpc.

Depois, eu chamei a professora, e dei uma devolutiva. Ela me falou “ai, Bel, sabe

que eu não tinha reparado?”. Então, eu falei pra ela, porque não ler primeiro, antes

de colocar qualquer coisa da lousa, senão a leitura de apreciação perde o sentido”.

Porque ela se queixava muito que eles não prestavam atenção quando ela estava

lendo. Mas é postura de aluno, você pôs coisa na lousa, eles copiam, não interessa

o que, todo mundo copia. E eu fiz isso com elas, em htpc. E não falei em que sala

que foi, não falei nada, porque eu fui em várias e a gente tem que ter essa

delicadeza, você não vai expor o outro. Coloquei um monte de coisas na lousa

antes. Elas entraram e eu peguei o livro e comecei a ler. Eu vi que elas estavam

copiando. Peguei o apagador e apaguei tudo. Tudo intencional. Foi uma gritaria

“você está apagando, Bel”. Aí eu falei “ninguém está prestando atenção em mim”. Eu

falei “isso é familiar? E outra coisa, é tudo intencional, eu não vou tratar de nada

disso que está na lousa com você hoje. Eu coloquei e você copiaram sem saber do

que se tratava. Com o aluno é a mesma coisa. Então vamos começar a ter algumas

sacadas. Vamos começar a perceber que eu ali na frente estou reproduzindo alguns

comportamentos.” E foi impressionante, passei nas salas de novo e vi que isso

mudou.

Entrevistador: A observação de aulas é uma das atividades recomendadas a vocês.

Você vai a sala de aula de quanto em quanto tempo?

137

Entrevistado: Eu to complicada, porque minha sala está em reforma e não tenho

onde ficar e sistematizar meu trabalho. Mas eu tento ir uma vez por semana. Então,

eu consigo ir em cada sala uma vez por mês. Não dá pra ir sempre. Tem professor

que você sabe que a coisa está melhor, tem outros que eu tenho que acompanhar

mais de perto. Então não dá, eu gostaria de acompanhar mais, mas não dá. Por

conta que tem que digitar isso, tem que digitar aquilo, o sistema fecha. Você tem que

levar pra sua casa, às vezes, pra digitar. São muitos detalhes, muitas coisas que te

prendem na frente do computador, e eu não tenho computador na minha sala. Eu

tenho que ficar disputando computador na secretaria, onde dá pra eu ir pra digitar o

que tenho que digitar. Então, é difícil, eu teria que ir mais. E faz diferença, mesmo

naquele professor mais resistente. Primeiro, eu não chego de surpresa, não pode.

Eu acho desleal, você entrar no ofício de alguém pra fiscalizar, com a intenção de

fiscalizar. A minha intenção é de melhorar. É o que falo, se o professor não me

perceber como parceiro, eu estou ali pra que? Pra acabar com o trabalho dele? Não,

mas eu posso falar “pro, eu acho que se eu tivesse pedido aquilo pra aquele aluno,

ele ia dar conta. Por que você colocou junto dois alunos que são tão briguentos?”.

Isso eu posso chamar e falar. Depois, não durante. Porque o professor já fica

nervoso, a gente fica, mesmo aqui. Eu tenho toda tranqüilidade com elas em htpc,

mas mesmo que venha alguém superior a mim, você sabe que tem um olhar de

observação, que por mais que não queira, muda. Então eu fico lá, ouço, participo,

depois eu chamo e vou apontando tudo o que tem de bacana também que ele fez. E

vou puxando, e não posso falar tudo de uma vez, tem coisa que eu tenho que ir

devagar. Com alguns professores, uma coisa de cada vez. Não adianta querer

corrigir tudo de uma vez, despejar tudo. Ele tem que ir percebendo os pontos que

precisa melhorar. Se você começa não pode isso, não pode aquilo, o que tem de

bom na aula desse camarada? Eu detonei com ele. Quando ele entendeu bem uma

coisa, na outra aula que eu combinei com ele eu retomei uma coisa, aponto outra e

assim vamos caminhando. Se ela me diz que tem um aluno encapetado, eu aponto,

“e se colocar mais desafio pra ele? Se ele já é alfabético, dá letras móveis pra ele.

Prepara antes. Ele precisa de mais desafio, está encapetado porque já sabe o que

você está dando”. É a mesma coisa que eu pegar alguém que já é habilitado, já

sabe dirigir e ponho do meu lado e digo “põe primeira e segunda”, ele vai rir da

minha cara. O aluno só não ri da nossa cara porque é obrigado a estar na escola.

Veja o que o aluno se interessa e manda ele pesquisar. O professor tem que ter

138

esse feeling. Eu tenho que querer o melhor pro meu aluno. Eu não quero aluno

medíocre, professor medíocre. Ninguém quer um amigo meia-boca. Eu quero o

melhor, eu tenho que achar que a minha escola é a melhor. Porque a melhor escola

é sempre a do outro? Independente das condições físicas, a minha é a melhor,

porque eu estou aqui. Eu tenho que marcar meu nome na escola. As crianças tem

que sentir isso. A gente não sabe quem vai sair daqui. Pode sair daqui um grande

escritor, um grande cientista, um grande padeiro, um grande sapateiro, por que não?

E eu quero que ele diga “estudei lá”. Eu quero ter esse orgulho. Quero fazer parte

dessa equipe. Eu posso não ter dinheiro, mas glamour eu tenho... (risos). A gente

brinca, mas é sério. Quero escola pública boa pra todo mundo. A minha história foi

assim, acordei cedo, andei de ônibus, não tinha dinheiro, chegava tarde e acordava

cedo. Por que o outro é melhor do que eu?

Entrevistador: Está certo. Uma última coisa: o que você acha na distinção entre

função e cargo de coordenador?

Entrevistado: Cargo te dá todas as garantias legais. Por exemplo, no caso da

mulher, que resolve engravidar, tem que cessar a designação dela. Porque o

coordenador na rede é função, e só pode se afastar por 45 dias. Se ele sofrer um

acidente, se ficar internado, cessa a designação porque não comporta substituição,

enquanto que cargo, pode substituir. Mas não é interesse do governo tornar cargo,

pelo menos é o que todo mundo entende, senão já teria feito. Garantias legais o

coordenador não tem. Agora, isso não quer dizer que se fosse cargo, ia melhorar,

principalmente pegando aqueles que se acomodam como funcionários públicos, que

quer faltar, tirar licença. Mas tem alguns casos que te deixa frágil, por exemplo, em

algumas situações você fica à mercê do diretor, que pode te tirar. Se um diretor te

diz que a sua função é pedagógica, desde que você se forme e estude, você não

fica fragilizado. Agora, se não acontece isso, fica difícil, você fica na sombra dele.

Porque se o diretor e o supervisor cessarem a sua designação por ter feito um

trabalho mau, você fica 2 anos sem poder concorrer ao posto de coordenador em

qualquer escola, isso mancha você, porque você não foi competente. Agora, você

não foi competente, ou não fez o que o diretor queria? Depende, se você é bom

profissional. Eu não me submeto a n condições que colegas meus se submetem,

porque eu acredito no meu trabalho e porque eu tenho os professores validando e

139

legitimando o que eu faço. A grande maioria aqui está comigo no trabalho. E não é

porque eu sou amiguinha delas. Eu falo que não estou aqui pra beijar a boca de

ninguém. Estou aqui pra estudar e pra trabalhar.Tenho que ser educada, profissional

e competente, e os professores também. Fora isso, a amizade pode vir. Eu tenho

amigas aqui, mas trabalho é trabalho. Tem que levar com seriedade. Eu me esforço

muito. É lógico que eu escorrego, dou umas derrapadas, mas eu estudo muito, me

preparo. Eu não fico repetindo coisas de lugar nenhum, eu não sou papagaio, eu

tenho que saber o que estou falando. E eu vejo que tem coordenadores que só

repetem, repetem o que o formador falou. Eu percebo isso quando a gente fala de

pauta de htpc. Porque nós recebemos a pauta com cola da Diretoria, é muito

bacana, é carta na manga. Mas eu não posso ir pra formação na terça-feira, e

depois vomitar tudo na escola. Eu tenho que selecionar, ver qual é o momento, se é

o momento na minha escola, ver o que está na cabeça dos meus professores. No

segundo semestre eu vou atacar a matemática, não sei se isso vai casar com a

pauta da Diretoria, mas aqui a demanda é essa. E vejo, nas reuniões que o que

acontece por aí é Ctrl C, Ctrl V mesmo. E tem que tomar cuidado, porque a relação

que a gente estabelece com elas, tem impacto na ação com as crianças. Com elas,

também tem que filtrar o que vamos trabalhar. Não adianta simplesmente seguir o

material que o governo dá. Eu não sou menina de recados. Se for pra ser isso,

qualquer um pode fazer. Como formadora, eu tenho que saber o que elas precisam.

Entrevistador: Ótimo, B.! Foi muito bacana, muito obrigado.

Entrevistada: De nada, também adorei o papo. (risos)

Gravação finalizada em 1:08:20.

Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Clara

Entrevistador: B., estou voltando pra pedir que você leia a transcrição do nosso

primeiro encontro, a pré-análise que eu fiz, e ver se você quer acrescentar ou mudar

alguma coisa. Se quiser tirar algo, também fique à vontade.

140

PCP: Tá.

(Leitura levou 11 minutos, aproximadamente).

PCP: Olha, Rodnei, acho que não tenho nada pra dizer. Assino embaixo. (risos)

Entrevistador: Tem certeza?

PCP: Tenho. Desde que você não diga coisa que eu não disse, que eu xinguei

alguém, mas se for assim, do jeito que está aqui, está ótimo. (risos) Esse trabalho

vai ficar muito legal. Pode ir em frente.

Entrevistador: Está certo. B., já que você não quer acrescentar nada, posso te

perguntar uma coisa que eu esqueci no outro dia?

PCP: Pode, claro.

Entrevistador: Lembra quando conversamos sobre o seu planejamento semanal de

trabalho? Tem até aqui escrito. Aqui, logo no começo, “eu procuro seguir uma rotina

semanal, altamente flexível”...

PCP: Ah, sei.

Entrevistador: Então, dessa rotina que você planeja, o quanto você consegue

cumprir, numa escala de 0 a 100%?

PCP: Acho que uns 80%. Em geral, tem dado certo. Mas eu “malho” muito, viu?

Porque é tanta coisa pra gente fazer, que eu tenho que “dançar miudinho”.

Entrevistador: Lembra também que a gente conversou sobre a observação de

aulas?

PCP: Lembro.

141

Entrevistador: Isso está computado nos 80% do seu planejamento?

PCP: Está. Mas sinceramente, se a gente fosse ver bem, o coordenador tinha que

fazer só isso pra fazer bem feito. Com o monte de relatórios e coisas que acontecem

na escola todos os dias, fica inviável. A gente ainda não faz isso do jeito ideal.

Entrevistador: Certo. Acho que o você já disse antes, mostra bem os porquês disso.

PCP: É, né?

Entrevistador: Sim, mas quando você fala que tem muitas outras coisas que você

tem que fazer, você consegue dar exemplos concretos?

PCP: Sim, vários. Por exemplo, tem que atender os pais, tem que cuidar dos casos

de inclusão, tem outros projetos da Secretaria que a gente tem que estar atenta, tem

os professores especialistas, de Artes e Ed. Física que também tem que

acompanhar, e que acabam ficando bem abandonados. Enfim, você vê, a gente tem

que fazer opções. A opção agora é cuidar de ensinar todo mundo a ler e a escrever,

mas tem milhões de outras coisas acontecendo ao mesmo tempo. Por um lado, acho

isso bom. Mas por outro, a gente está vendo só a ponta do iceberg.

Entrevistador: Ótimo. Tem mais alguma coisa que você queira falar?

PCP: Não, pelo amor de Deus! Eu falo muito!

Entrevistador: Para mim é ótimo, quanto mais você falar, melhor! (risos)

PCP: Não, está bom já. E daqui a pouco é hora do htpc.

Entrevistador: Então está certo. Não vou mais ocupar seu tempo. Muitíssimo

obrigado, B.!

PCP: De nada.

Encerrado em 22 m.

142

Entrevista – Professora Joana

Entrevistador: Bom, E., eu gostaria de começar recuperando o seu cotidiano como

coordenadora.

Entrevistada: Bom! O trabalho é bem estressante e ao mesmo tempo gratificante. Eu

acho que têm os dois lados, né?! Quando a gente gosta

a gente faz mesmo, o convencimento dos professores é impressionante. Como aqui

na escola eu já to há 14 anos na coordenação com um grupo fixo, com algumas

alternâncias mas, muito poucas. Então o convencimento devido ao que eu já

conheço deles profissionalmente e particularmente é mais difícil em certos aspectos

porque os professores misturam algumas coisas né?! Então tem horas em que você

tem que ser mais profissional do que amigo, eles misturam um pouquinho a

situação, então você tem que estar bem atento a esse detalhe. Agora, convencer o

professor na área do profissionalismo, que as coisas têm que mudar e que nós

estamos em uma época que não dá pra ser mais como antigamente é complicado. E

desde quando eu comecei no Letra e vida em 2004, houve mudanças, mas eu ainda

tenho muitas resistências. Porque tem que mudar muita coisa, muda concepção,

muda hábitos. Principalmente os conceitos, muda não só profissional como o

particular. Tem que mudar o particular, particular também as visões né?! Mas eu

acho que ainda dá (risos). A gente acredita, tem que acreditar. Eu tenho um grupo

de professores assim com uma média de 60%, que eles acreditam na proposta. Eles

quiseram e eu fiz com que eles entrassem no programa letra e vida. Mesmo os

eventuais na época, que estão com sala agora. Então teve um aceitamento (sic).

Teve um trabalho aqui de formiguinha, mas que foi a diferença porque deu a base.

Como formadora que fui na época, penso que agora o que acrescentou foi muito foi

a continuidade da capacitação. Eu acho que isso a gente não pode pagar nunca e

eu acredito que o grupo de coordenadores está mais fortalecido. Agora. Demora né?

São 6 anos desde o início! É muito tempo! Mas ao mesmo tempo pra mudança, eu

acredito que é pouco tempo, vai demorar um pouquinho mais pra ter uma visão

maior. Agora o que me perco aí? Mudou-se muita coisa, reivindicamos a hora de

capacitação com os professores e estamos conseguindo. Só que ao mesmo tempo

que eles estão nos dando isso, eles estão tirando de outra forma. Porque o

coordenador tem a capacitação, nós temos um programa onde é opcional pros

143

professores entrarem ou não na capacitação do ler e escrever. São 4 horas de

trabalho. Contudo, essas 4 horas principalmente nesse ano eles retiraram 2 pra ficar

com recuperação. Tanto que os professores que fazem parte dessa capacitação

estão se dedicando, que seria 4 horas de capacitação para um trabalho de

recuperação. E na maioria não são alunos deles, são alunos de outros. Então isso

que eu achei que se perdeu um pouco no propósito porque ano passado garantiu

muito mais. Quem começou ano passado, retrasado e nesse, as 4 horas nos

fortalecia e nesse momento ele se perdeu um pouco. Mesmo assim ficou como

obrigatoriedade todos os professores, tanto o opcional e todas as séries, onde o que

nos pensaríamos que seriam professores de 3ª e 4ª série, 4° e 5° ano, não

participam. Porque que são aqueles que não acreditam muito na proposta, ainda.

Então fica difícil esse trabalho com a gente, então eu acho que se perdeu um

pouco. Se garantiu uma coisa e se perdeu a outra. Eu acho que seria uma coisa que

todos deveriam participar. Agora quem está no programa desde o inicio, lá desde o

inicio do letra e vida, deu continuidade com essa opção de capacitação em serviço

tem uma visão diferente. Eu tenho uma professora inclusive que está com uma 4ª

serie esse ano, começou com uma 1ª, fez o letra e vida, trabalhou com o ler e

escrever e já enxerga mais coisas lá no 5° ano. Coisa que outros ainda não

percebem essa continuidade.

Entrevistador: No 1° ano todo mundo participa?

Entrevistada :Todos né? É só nas subseqüentes que é opcional?

Entrevistada:Só! Esse ano nós garantimos, além dos primeiros anos, os 2º anos e

tenho 2 de 4ª. Mas são aqueles que acreditam na proposta. E esse ano eu ainda

tinha um grupo de ofas muito pontuado, que fizeram prova de mérito, que

enxergaram alguma coisa dentro da capacitação que a gente faz. Então cresceram e

perceberam esse crescimento profissional. Acho que isso é muito importante

também.

Entrevistado: E aí, com o ler e escrever, se legitima a função do coordenador como

formador. Como é que você está enxergando isso, assim na sua prática?

144

Entrevistada: Eu tenho, você sabe, um ritmo, em que eu sou chata comigo mesma,

exigente. Meus HTPC’s são pontuados para a formação do professor a essa atuação

na sala de aula, eu cobro sim. Com essa passagem, com o que nós aprendemos,

com a experiência de vida, então se soma. E eu acho fundamental a parte teórica

fazendo amarração com a prática. Que não adianta só dizer que é a pratica. Não,

pra mudança de pratica, se você não fundamentar, eles não garantem essa

atuação efetiva com os alunos. Então, esse enxergamento (sic) que a mudança na

prática é importante, se você não fundamentar, então não fica mais naquele

achismo, né? A gente sabe o porquê a criança ainda não chegou na hipótese

alfabética ou é recém alfabética. Então, o que eu tenho que partir dali, mas porque

tem que partir dali? Houve uma concepção, tem toda uma fundamentação que existe

e garante que aquilo vai dar certo. Então, existem professores que são muito

imediatistas, professores que querem mudanças na sala de aula. Modéstia à parte a

nossa escola tem um índice bom de não alfabéticos, a gente quase não tem. A

maioria é alfabético. Mas também tem aquele probleminha: em uma sala de 40

alunos de 3ª e 4ª serie tem 2 , 3 não alfabéticos, os professores ainda tem aquela

coisa “o que fazer com eles?”.

Então eles não percebem que esse trabalho deve ser mais atuado em sala de aula,

tem que ser uma coisa mais profunda, mais pontuada, então vai um tempinho pra

que a gente resgate essas coisas. Então tem coisas que a gente tem que mudar

muito!

Entrevistador: O que por exemplo?

Entrevistada: Uma coisa. Garantiu-se para nós eventuais na escola, que tivessem

uma hora todos os dias conosco, nós não temos neste ano, mas quem pegou essa

situação de eventuais, que esporadicamente pegam as licenças em si, né, e que

estão substituindo os professores faltosos, eles não são da categoria F e sim

categoria L. Essa parte burocrática atrapalha também. Porque seria um trabalho que

a gente poderia pontuar com as crianças. Então dá pra gente fazer um trabalho

diferenciado. E aqui a gente tem uma situação: alguns professores “adotam” alguns

alunos. Como seria? Alguma criança que estaria numa 3° ou numa 4° e ainda, por

algumas situações de aprendizagem, retornam à sala de 1° ano e 2º ano e a

professora trabalha com ele pra garantir uma aprendizagem. Mas ainda são poucos

145

que se dispõem a esse trabalho. Mas a gente ainda consegue alguns milagres, e é

gratificante. Pra quem pega é muito gratificante. Mesmo ele tendo 30 dele com mais

1 que não é dele, e ele garantindo um trabalho, é muito gostoso !

Entrevistador : E eles pegam todos os dias ?

Entrevistada : É, fica direto! Já que eles não vão garantir na sala deles uma situação

de aprendizagem, a gente faz isso para garantir pelo menos a alfabetização. São

crianças que são comprometidas mesmo, de uma família que também não tem

condições culturais e econômicas de manter um tratamento externo, que é também

o que falta pra gente, né? É muito um psicopedagogo dentro da escola, tanto pra

orientação do professor como do aluno.

Entrevistador :Já que você tocou nesse assunto, você acha que o ler e escrever tem

garantido esses outros espaços formativos? Por exemplo, pra essa criança que tem

mais dificuldade pra aprender, enfim uma outra situação que envolve uma situação

de inclusão...

Entrevistada: Eu acho que fica mais fácil o aspecto de enxergar que essa criança

precisa de um atendimento diferenciado. Eu acho que o ler e escrever nos garante

isso e no dá ferramentas, né? Porque o professor sabe o que o aluno precisa, mas

ele tem que garantir uma coisa que ele saiba que vai dar certo. E o ler e escrever

garante! Alguns anos atrás eu tive um pessoal que falava assim aqui, “isso é balela,

isso não vai chegar a lugar nenhum, isso é política!” Pode até ser uma política, mas

garante um processo e a gente só vai ter um reflexo efetivo em 2012, né, que é

aquele pessoal que iniciou, tanto os professores como os alunos, que a gente chega

no fim no 5° ano. Então o reflexo mesmo do ler e escrever só vai aparecer mesmo

pontuado no Saresp, vai ser em 2012. Que eu acredito que lá que a gente vai

mostrar que houve continuidade no ciclo. Então a gente fala em ciclo, mas não é

ciclo, né, a gente compartimenta em série, que é o que está errado, ainda, muito.

Então esse ir e vir da criança, eu acho que tem que ser mais acentuado.

Entrevistador: Tem que ter uma flexibilidade?

146

Entrevistada: Tem que ter um ajuste, em termos de aprendizagem, onde ele garanta

aquelas expectativas, porque não retornar? Porque aquele professor que talvez

esteja com ele mais 29 não está dando conta dele ali. Me angustia também, e é

uma forma de dizer que não dá certo exatamente porque eu não consigo garantir

aquele. Então eu também não faço, eu acho que fazendo igual aos outros eu to

dando conta e talvez a criança estacione. E é a grande preocupação que eu tenho,

de não deixar a criança na mesmice. Nós temos ainda muitos casos assim. Então

quando pegamos o mapa de classe onde eu tenho 2,3 a nível (sic) de 6 salas e você

vê que aquilo não caminha. Por quê? Então a culpa é de quem? A culpa é de todos.

Só que a culpa é de ninguém, né. Então fica difícil esse trabalho também. Mas eu

acredito, acredito que dá certo, porque a gente tem todas as ferramentas e talvez

esse assessoramento não existe ainda em termos de rede, de um atendimento

dentro da escola e de um acompanhamento aos pais, de um aconselhamento mais

efetivo, uma equipe preparada para, acho que isso falta muito pra gente! É meu

sonho quando eu aposentar né? Eu sou psicopedagoga e eu queria uma situação

de trabalhar com problemas de aprendizagem, montar uma equipe, inicialmente

voluntária, mas com alguma parceria, não sei daqui a quanto tempo. Se a gente

conseguir, porque eu ainda sou idealista, com a rede que a gente faça um trabalho.

Não da criança ir, de nós irmos. Mas de ser um trabalho pontuado, não a cada mês,

de 15 em 15 dias, de acompanhamento. Porque nós recebemos muitos pais.

Quando você tem um problema, você não quer mostrar que tem esse problema.

Então, se você não sabe como trabalhar, então você se omite. Até você convencer o

pai, nos temos uma associação beneficiente, que é o CEAP, pra onde nós

mandamos, mas até convencer o pai que precisa de um auxilio. Que nós não

damos conta, nem eles lá, nem nós aqui, que precisa de alguém no meio pra nos

ajudar, a criança. Tem pai que acorda quando a criança está saindo do ciclo e é

frustrante.

Entrevistador: Então voltando só um pouquinho na sua atuação como coordenação

Você acha que o ler e escrever mudou bastante coisa na sua atuação como

coordenadora?

Entrevistada: O Letra e Vida mudou muita coisa na minha vida. Começou lá. Eu

acho que aquele primeiro passo como formadora já mudou muita coisa, que eu

147

buscava algumas coisas diferentes que eu não sabia o que era. E esse convite pra

trabalhar lá me acrescentou muita coisa, por sinal, me efetivei, longo depois. Então

eu acho que desde dali. Eu acho que acrescentou. A minha postura com os

professores não mudou tanto, porque eu acredito num trabalho com bastante

fundamentação e prática. O que eu mudei foram os argumentos para o

convencimento.

Entrevistador: Certo. Umas das coisas que o Ler e Escrever os orienta, é fazer a

observação de aulas. Como é que você vê isso?

Entrevistada:Olha eu até faço, mas não como eu gostaria.

Entrevistador: Porque?

Entrevistada: Eu acho que o tempo nos sobre carrega. É uma situação muito

conflituosa, sabe? É tudo assim, pra anteontem. Então tudo que você faz tem a ver

com a documentação, que o registro é fundamental, mas te cobram muita coisa no

meio do caminho. Então tem momentos que você precisa até de um tempo maior pra

essa situação, claro que a gente tem que se organizar, em uma rotina de 8 horas de

trabalho, a gente acredita tá! Mas a gente atende muitos pais com esse

convencimento de algumas coisas. Você tem que fazer um trabalho coletivo, mas ao

mesmo tempo tem que fazer um trabalho pontual com alguns professores, que não

te dá esse tempo. A capacitação seria o momento ideal, que você garante. Eu tenho

12 professores que acreditam, mas eu tenho 26, 30 com os 4 especialistas. Então

uma parte deles eu não tenho essas 4 horas. Que agora não são 4, são 2h porque

2h é pra recuperação. Então me tirou 2 horas que eu tinha que pontuar uma

pontuação maior, e com esses que não estão eu só tenho duas horas por semana e

o que se garante com isso? Nada !

Entrevistador: Esse Planejamento que você falou, essa rotina de trabalho, de 100%,

você consegue cumprir quanto?

Entrevistada : 60% ou 70 % e tem semana que nem isso. Sou sincera mesmo que é

uma coisa que nos frustra, porque tem a coisa que você teria que estar lá antes do

148

que está acontecendo. E você não consegue, porque é muita coisa ! “Ah, mas dá!”,

a Silvia fala, Lilian, Ivana, “ah, mas você tem que se pontuar”. “Se tranque, estude,

você tem que trancar sua porta pelo menos uma hora”. Não dá, não dá! A gente leva

trabalho pra casa.

Entrevistador: Pensando então, nas formações do Ler e Escrever. Você considera

que a formação recebida lá nas reuniões da Diretoria te dá instrumentos para

desenvolver o trabalho de formação dos professores?

Entrevistada: Sim, ele agrega e ajuda bastante, porque traz muitas situações

práticas. Dá pra fazer um acompanhamento bem pontuado.

Entrevistador: E quanto aos outros temas que permeiam o seu trabalho, como

inclusão, relação com as famílias, a relação entre os professores.

Entrevistada: De algum jeito, sim. Mas, pensando bem, não diretamente. E também

isso não é responsabilidade da escola. O governo tinha que garantir essa rede de

apoio que eu te falei antes, com psicopedagogo, com psicólogo, que estivessem

dentro da escola.

Entrevistador: Certo, Ereni. Acho que é isso. Você quer falar mais alguma coisa?

Entrevistada: Deixa eu ver, eu acho que não. Ajudei você?

Entrevistador: Claro que sim. Agradeço muito!

Entrevistada: De nada.

Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Joana

Entrevistador: E., estou aqui outra vez para pedir que você leia a transcrição da

entrevista que fiz com você na semana passada. Na verdade, eu fiz uma análise que

eu também peço que você leia e veja se quer mudar, acrescentar, se quer que eu

tire alguma coisa.

149

Entrevistada: Ah, tudo bem.

(Leitura durou 12m)

Entrevistada: Por mim está bom. Você quer que eu fale alguma coisa?

(risos)

Entrevistador: Não, a ideia aqui é que você veja se concorda, se discorda, se quer

completar alguma coisa...

Entrevistada: Por mim, não.

Entrevistador: Então posso usar no meu trabalho?

Entrevistada: Claro que pode.

Entrevistador: Então está ótimo. Muito obrigado pela sua ajuda.

Entrevistada: O que é isso!

Gravação encerrada em 16m41s.

150

Entrevista- Professor Paulo

Entrevistador – A., fale um pouco sobre a sua rotina de trabalho. Quais são suas

principais atribuições?

Entrevistado – De acordo com a lei eu devo ajudar o diretor no acompanhamento do

processo ensino-aprendizagem. Mas eu faço um pouco de tudo, principalmente

quando o diretor e a vice não estão, o pessoal aqui da escola me procura pra tudo:

pra resolver o problema do gás que acabou, da pessoa que está pedindo vaga no

guichê da secretaria, dos alunos que brigaram, da professora que quer folha de

sulfite, da outra que manda te chamar urgente na sala porque está com um

problema de disciplina... É uma loucura! Além de tudo têm as coisas que o pessoal

da Diretoria pede pra gente fazer e entregar, é um monte de relatório, um monte de

projetos...

Entrevistador – O que, por exemplo?

Entrevistado – Ah, veja bem: agora que é começo de ano, tem as coisas do

planejamento pra organizar, o pessoal da Diretoria costuma visitar as escolas nesse

período...

Entrevistador – Para quê?

Entrevistado – Eles dizem que é pra ajudar a gente, mas está na cara que é pra ver

se a gente está fazendo e o que a gente está fazendo. Por isso, quando dizem que

vem alguém da Diretoria, a gente sempre fica tenso, porque a gente se sente

avaliado, eu acho, sabe? E não é só aqui, os outros coordenadores com quem eu

converso têm a mesma impressão. Pra ser bem sincero a gente não gosta quando

eles vêm. Se não vem ajudar, também não atrapalha. Ninguém está aqui pra

brincadeira. A gente erra, é lógico, mas não é de propósito. Pra mim a presença

deles mais atrapalha, me sinto vigiado.

151

Entrevistador – Entendo. Você estava falando que há muitos relatórios pra

preencher. Que outros exemplos você poderia dar?

Entrevistado – Se eu falar tudo, você não sai daqui hoje (risos), ainda mais porque

não é toda hora que a gente pode falar essas coisas. Mas, por exemplo, daqui a

pouco chega a época do reforço e aí é aquela loucura de montar projeto, organizar

turmas, encontrar professor pra dar as aulas, mandar autorização para os pais.

Agora, são as coisas do início do ano, tem que controlar a distribuição dos kits de

material escolar, a distribuição dos livros didáticos que chegaram do PNLD. Eu não

tenho feito outra coisa...

Entrevistador – Como foi o planejamento? Você organizou a pauta?

Entrevistado – Mais ou menos. Nós tivemos capacitação na Diretoria e eles

disseram o que a gente tinha que fazer.

Entrevistador – E qual foi a recomendação da equipe da DE (Diretoria de Ensino)?

Entrevistado – Acompanhar as sondagens, orientar os professores a fazerem o

mapa da classe e a gente tem que recolher pra acompanhar o trabalho deles.

Entrevistador – O mapa da classe é aquela relação da quantidade de crianças em

cada hipótese de escrita, pré-silábica, silábica sem valor, com valor... e tal?

Entrevistado – Essa mesma.

Entrevistador – Já que você mencionou o mapa da classe, você participa do Ler e

Escrever desde o início?

Entrevistado – Sim.

Entrevistador – Você acha que ele te ajuda a organizar o seu trabalho?

152

Entrevistado – Ah, ajuda. Ajuda bastante, porque como já vem no material tudo o

que o professor tem que fazer, fica mais fácil pra gente acompanhar o trabalho dele.

Entrevistador – Como você acompanha o trabalho dos professores?

Entrevistado – Nas htpcs a gente conversa e eles vão me contando o que vão

fazendo ou mesmo no dia a dia. Lá nas reuniões do Ler e Escrever elas orientam a

gente a assistir aula de vez em quando. Mas eu não faço. Eu digo que faço, mas

não faço. Primeiro porque não dá tempo, segundo porque se fosse eu, não ia gostar

que o coordenador ficasse assistindo minha aula. Eu ia me sentir vigiado.

Entrevistador – E o acompanhamento das atividades do Ler e Escrever você faz

como, então?

Entrevistado – De acordo com o que elas vão me falando. O material já vem pronto

pra elas, dizendo tudo o que elas têm que fazer... Se bobear, diz até o que elas têm

que falar... Pra que eu preciso controlar? Eu sei que algumas delas não fazem tudo

do jeito que o material manda. Mas eu vou intervir? A LDB não diz que o professor

tem direito de aplicar a concepção que ele quiser?

Entrevistador – Esse material que você diz que os professores tem, você também

tem? Há alguma dessas publicações direcionada para o coordenador?

Entrevistador – Tenho um monte, quer levar um pouco? (risos). Agora, material

oficial pra nós, não tem, não.

Entrevistador – E as orientações que vocês recebem são feitas como?

Entrevistado – Nós temos reunião a cada quinze dias. As meninas da Diretoria nos

acompanham, e de vez em quando vem a formadora da Secretaria de Educação. O

que a gente recebe de material são elas que preparam. E quando é pra falar do

material a gente usa o guia de planejamento do professor, pra saber como vai fazer

a orientação para os professores depois.

153

Entrevistador – Você considera que o Ler e Escrever te ajudou a desempenhar

melhor o seu trabalho como coordenador?

Entrevistado – Acho que sim, com certeza. Ele me trouxe mais informações sobre o

trabalho na sala de aula, que é uma coisa que eu nunca vivi, porque eu dei aula a

vida inteira no ciclo II e no Médio, de 1ª a 4ª, nunca. Agora, ele chegou como uma

coisa a mais no nosso trabalho. Diante de tudo o que a gente já fazia, veio uma

coisa a mais, você está entendendo? Quando começou a nova proposta curricular,

em 2007, a gente também recebeu formações sobre como organizar o nosso tempo,

mas o dia-a-dia não é assim, entende? As coisas aparecem e não dá pra deixar pra

depois. Por exemplo, o professor me pede uma coisa, e eu vou dizer pra ele, “olha

amanhã eu faço isso, porque hoje é dia de planejar reunião”?

Entrevistador – Que outras coisas mais você tem que fazer, além do

acompanhamento do Ler e Escrever?

Entrevistado – Ah, tem as coisas do PIC, os outros projetos, outras coisas que

fazem parte do currículo, os projetos que a gente tem que desenvolver, os índices

do IDESP, fora as coisas que eu te falei antes: as pessoas que querem falar com a

gente, os professores que chamam e pedem coisas, os funcionários que pedem

coisas, os pais que querem ser atendidos, agora é essa prova para a progressão

funcional, que ninguém fala em outra coisa.

Entrevistador – Agora voltando um pouco, você acha que o Ler Escrever mudou

alguma coisa na sua atuação como coordenador?

Entrevistado – Sendo bem sincero, mudou sim. Por exemplo, eu consigo conversar

com os professores sobre as dificuldades dos alunos. Mas eu acho que acrescentou

mais no meu conhecimento pessoal do que no profissional, sabe? Porque tem

coisas que eu nunca vou ter: a experiência de 1ª a 4ª, por exemplo. E mesmo

assim, tem muita professora que sabe essas coisas melhor do que eu.

Entrevistador – Antes do Ler e Escrever você fez algum outro curso sobre

alfabetização?

154

Entrevistado – Fiz o Letra e Vida, que foi ótimo pra mim, que não sabia nada sobre

alfabetização.

Entrevistador – E naquele momento, ele te ajudou no seu trabalho de coordenador?

Entrevistado – Ajudou bastante, mas tenho dúvidas. Eu sabia a mesma coisa ou até

a mesma coisa que os professores.

Entrevistador – O Letra e Vida teve algum direcionamento para vocês

coordenadores?

Entrevistado – Olha, que eu me lembre, em nenhum momento, até porque as vagas

não eram pra nós, era só para os professores. Eu, por exemplo, fiz porque naquela

época que vocês ainda eram formadores, vocês colocaram os coordenadores que

estavam interessados.

Entrevistador – Voltando ao Ler e Escrever, você acha que agora tem mais

condições de ajudar um professor que pede auxílio quando uma criança do 1º ano,

por exemplo, está com dificuldade em aprender a ler e escrever?

Entrevistado – Ah, sim. Pelo menos eu posso sugerir coisas, por exemplo, perguntar

se a professora está usando letras móveis, se está dando parlendas, se está

trabalhando em grupo, essas coisas. Acho que melhorou sim.

Entrevistador – Então, quando as professoras falam sobre o percurso de

aprendizagem dos alunos, você consegue analisar junto com elas se aquilo que foi

planejado está dando certo ou não, e então vocês fazem ajustes?

Entrevistado – Ah, sim. Isso ficou bem melhor.

Entrevistador – E se ainda assim, vocês tiverem dúvidas?

Entrevistado – Ah, aí elas olham o livro do Ler e Escrever pra procurar sugestões de

atividades.

155

Entrevistador – Quando você vai às reuniões de formação do Ler e Escrever, que

tipo de orientação recebe?

Entrevistado – Deixa eu ver. Ah, dizem pra gente assistir as aulas dos professores

de vez em quando, acompanhar a evolução dos alunos pelo mapa da classe, falam

de gêneros textuais, de trabalho com leitura, essas coisas.

Entrevistador – E essas orientações ajudam?

Entrevistado – Algumas ajudam, outras a gente não agüenta mais ouvir falar.

Porque o que acontece todo dia na escola é diferente. Por mais que a gente queira,

tem criança que ainda não aprende e por conta de coisas que a gente não tem

controle. Por mais que o Ler e Escrever seja bom, tem outras coisas, da vida das

crianças, que a gente não tem controle. Por exemplo, a criança falta muito, a gente

chama o Conselho Tutelar e eles não fazem nada. Aí vem o Saresp, eles vão mal e

aí já viu, né?

Entrevistador – Já viu o que (risos)?

Entrevistado – Ué, a responsabilidade é nossa e sempre parece que a gente é que

não trabalhou direito.

Entrevistador – Acho que por enquanto é só, A. Com certeza eu ainda vou te

incomodar por um tempo. Muito obrigado por tudo!

Entrevistado – Imagina, querido. As portas estão sempre abertas pra você aqui.

Entrevista Recorrente – Professor Paulo

Entrevistador: Da última vez que conversamos, faz bastante tempo, eu transcrevi a

nossa conversa e fiz uma análise. É sobre essa análise que eu queria conversar

com você hoje. Está aqui, caso você queira ler. Se não concordar com alguma coisa,

você pode mudar. Fique à vontade, tudo bem?

156

Entrevistado: Tudo.

Entrevistador: Então, uma coisa que você me disse foi que o seu trabalho sofre

muitas interferências burocráticas ainda. Você afirmou que ainda há muitas coisas

que te atrapalham. Que você tem que resolver o problema do gás, professores

pedindo material...

Entrevistado: É isso mesmo. Eu falei pouco ainda. Digam o que quiserem, mas se

querem que a gente trabalhe como coordenadores, de verdade, ainda tem muita

coisa pra melhorar. Falta muito funcionário, a escola é muito, muito grande, é muita

coisa acontecendo aqui ao mesmo tempo.

Entrevistador: E como você acha que isso poderia melhorar?

Entrevistado: Tinha que ter mais funcionários, eu como coordenador acho que se eu

tivesse um assistente, alguém que me ajudasse com coisas burocráticas, os

relatórios que a Diretoria pede, que é bastante coisa, e que toma bastante tempo, ia

ajudar bastante. O tempo que eu perco fazendo essas coisas eu acho que

compromete, sabe? Eu tenho que ser secretário, digitador, controlador de kit escolar,

essas coisas que você conhece bem.

Entrevistador: Certo. Outra coisa que você me disse foi que você se sente vigiado

pela Diretoria de Ensino. È isso mesmo? Você pode explicar melhor isso?

Entrevistado: É isso sim. Na verdade, isso diminuiu bastante nos últimos anos. Mas

ainda existe.

Entrevistador: Você pode dar um exemplo?

Entrevistado: Deixa eu ver. Por exemplo, por mais que digam que não, eu acho que

existe sim. Antes era mais explícito. O problema é que agora é velado.

Entrevistador: O que?

157

Entrevistado: Ah, antes eles faziam isso bem diretamente. Agora, eu sinto que é

politicamente incorreto fiscalizar, vigiar. Então, quando divulgam o resultado do

Saresp, agora vêm com uma conversa de que cada escola é respeitada, cada escola

vai pensar as suas próprias metas e trabalhar dentro do seu ritmo. Eu acho

hipocrisia! Tem escolas aqui nessa Diretoria que são paparicadas, como o Blanca, e

que tudo o que eles fazem é lindo. Eles tratam as escolas diferente sim. As escolas

“boas” de um lado e as “mais ou menos” de outro. Eu sinto isso desde que eu estou

na coordenação.

Entrevistador: E você acha que há uma espécie de competitividade entre as

escolas?

Entrevistado: Você sabe que tem. Pode não ser explícita agora como foi em outro

tempo, mas ainda tem sim. Nas reuniões, sempre a escola “X” quer ser mais verde

que a “Y”.

Entrevistador: E você acha que isso se deve a que?

Entrevistado: Bom, acho que isso é reflexo do jeito como as coisas são no Estado.

Tem uma coisa de competição no ar, que foi amenizando, que está ficando cada vez

mais sutil, mas que existe.

Entrevistador: Você poderia explicar melhor? Fique à vontade para dizer que não

também...

Entrevistado: Não, não tem problema.

Entrevistador: Vamos tomar uma situação concreta. Na outra entrevista, você disse

que achava que nas formações do Ler e Escrever, essa coisa da fiscalização

aparece, quando orientam vocês a assistir as aulas dos professores. Seria isso?

Entrevistado: Essa é uma das coisas. Uma só. Eu diria que é a “ponta do iceberg”. O

discurso é “macio”. Dizem que é pra ajudar o professor avançar, pra gente ser

parceiro dele. Mas olha, eu já passei dos 40 e não tenho ilusão. Essa conversinha

158

não me serve mais. Agora é ano eleitoral, começam as propagandas apelativas. É

Serra dizendo que melhorou a educação, que tem dois professores na sala, que o

salário melhorou, que todo mundo na educação é feliz. Tudo isso é conversa! Lá na

reunião do Ler e Escrever dizem que não é isso, que tudo é pelo aluno, pra todo

aprender, que todo mundo pode, que cidadão isso, cidadão aquilo. Cidadão quem?

Quem é cidadão? Os pobres aqui da minha escola são cidadãos? As professoras

que nem sabem escrever direito e falam errado são cidadãs? Que nada! Tudo é

pensado pela lei do mínimo...

Entrevistador: Da última vez você disse que não assistia as aulas dos professores

porque o material do Ler e Escrever já vem dizendo tudo o que elas teriam que

fazer. É isso mesmo? Você acha que isso é um bom exemplo do que você está

chamando de “lei do mínimo”?

Entrevistado: Isso mesmo. O Estado não definiu o mínimo? Por acaso aqui na

escola a gente pode fazer de outro jeito? Querer fazer diferente eu quero. Mas será

que eu posso? Será que a minha professora que não quer usar o Ler e Escrever

pode não querer usar? Aí vêm com aquele discurso que esse país é democrático e

não sei mais o que, mas é tudo balela. Duvido que alguém tenha coragem de dizer

que não concorda. Eu mesmo, estou tão cansado que quando eu vou na reunião eu

digo amém, amém, amém, falo o que eles querem ouvir, volto pra escola e faço do

meu jeito.

Entrevistador: E como seria esse seu jeito?

Entrevistado: Hummm. Assim, eu prefiro apostar na conversa. Elas me dizem o que

está acontecendo e a gente vai trabalhando juntos, tentando encontrar alternativas

juntos. Mas eu respeito o tempo de cada uma. Isso aqui é uma escola pública. Tem

professora experiente, que sabe mais do que eu, mas tem professora que tem mais

dificuldade. O que eu vou fazer? Vou matar pra ver se nasce de novo? Pra não

enlouquecer e nem infernizar a vida dela eu tenho que respeitar o tempo dela, o que

eu vou fazer? E eu também não sou expert em alfabetização, não tenho experiência

nisso. Então, peço a ajuda das outras que sabem mais e a gente vai trabalhando

assim.

159

Entrevistador: O Ler e Escrever te ajuda nisso?

Entrevistado: Ajuda sim. Ajuda bastante, aproveito algumas coisas, mas tem coisas

que eu discordo

Entrevistador: Além da observação de aulas, do que mais você discorda?

Entrevistado: Do mapa da classe, por exemplo.

Entrevistador: Por que?

Entrevistado: Por que eu acho que é outro jeito mansinho de controlar as coisas.

Você fica contando quantas crianças pré-silábicas, silábicas ou alfabéticas tem na

escola. Isso não dá certo?

Entrevistador: Por que? Você acha que Isso não é importante?

Entrevistado: Importante é. Mas depende do jeito que você usa. Eu acho que

mesmo que digam que não, esse negócio gera uma competição. Eu ouço nas

reuniões, nas conversas corriqueiras, coisas assim “Quantos pré-silábicos têm na

sua escola”? Eu sei até de escolas que penduram o mapa da classe na sala dos

professores. Isso é perigoso, porque gera competição. E tudo hoje é competição. E

os meninos que não conseguem? Tem menino que fica pré-silábico, tem menino que

a gente tenta, tenta, vira cambalhota e não aprende. E aí? O que eu faço? Eu que

não presto? A professora que não presta? A escola que não presta? O aluno não

presta? A mãe dele que não presta? É muito complicado. Quando eu falo essas

coisas, me chamam de “petista”. Petista por que? Porque eu falo o que ninguém tem

coragem de falar? Porque eu não vou no jantar do PSDB, que a dirigente e o

pessoal da Diretoria começa a convidar agora que está chegando a eleição? Não

vou! Não vou, mesmo. E não é porque eu sou petista ou outra coisa. Petista eu era,

eu era. Agora, PT, PSDB é tudo a mesma coisa. Não tem diferença.

160

Entrevistador: Então, você está me dizendo que todo o trabalho desenvolvido,

inclusive o do Ler e Escrever, fica comprometido pelos interesses político-

partidários?

Entrevistado: Eu acho. Isso mesmo. Eles vêm com esse discurso de educação para

todos, todos quem? No fundo, ficam é pressionando a gente pra melhorar resultado.

Mas eu não me engano, não.

Entrevistador: Mas, da outra vez, você disse que o Ler e Escrever te ajudou a

desempenhar melhor o seu trabalho...

Entrevistado: E ajudou mesmo. Só que nas coisas específicas da alfabetização.

Outras coisas ele passa bem longe.

Entrevistador: Do que por exemplo?

Entrevistado: Não fala nada das crianças que tem dificuldade, dos problemas das

famílias, dos deficientes. Tem os PCOPs da Diretoria específicos pra esses

assuntos, mas não é suficiente. Essas coisas que são nossos maiores problemas. E

ninguém fala nada, nadinha. Eu me sinto numa novela às vezes. As reuniões da

Diretoria até me irritam. Porque parece que as pessoas vivem num outro mundo

diferente do meu. Parece que não assistiram “Alice no País das Maravilhas”. É um

tal de “na minha escola isso”, “a minha escola aquilo”. Às vezes eu penso “será que

eu sou tão amargurado assim”? Aí eu penso, penso e vejo que não. Eu sou realista

mesmo. E prefiro continuar assim do que acreditar em “conto da Carochinha”, como

aquelas pessoas. Mas é difícil! Porque a gente vira peixe fora d’água. Mas não estou

nem aí. Faço o meu trabalho e vou embora de consciência limpa. Eu faço o que

posso e o que consigo.

Entrevistador: Mudando um pouquinho de assunto, da outra vez você disse que

recebia orientações de como organizar o seu tempo, mas que você tinha dificuldade

de planejar o seu trabalho como formador porque outras demandas atrapalhavam.

Você pode falar mais a respeito?

161

Entrevistado: Ah, sim. Bom é isso mesmo. Organizar eu tento. Organizar eu

organizo. Toda semana eu faço uma pauta, para as 40 horas que eu vou ficar aqui.

Entrevistador: E você prioriza suas atividades como formador: os htpcs, as

observações de aulas, o acompanhamento do trabalho dos professores?

Entrevistado: No papel sim... Mas na prática é bem diferente!

Entrevistador: Por que?

Entrevistado: Ué, porque a escola é uma panela de pressão. É aluno que briga, que

se machuca, que xinga a professora, é pai de aluno querendo conversar, é festa

junina, é reforço, é Ler e Escrever, é professora chamando, é mapa da classe, é

htpc, é diretor chamando, é Diretoria pedindo relatório, é criança doente, é criança

que apanha, é criança que trabalha, pai e mãe drogado. Quer mais ou ta bom?

Entrevistador: Mas você consegue cumprir um pouco do seu planejamento?

Entrevistado: Um pouquinho.

Entrevistador: Um pouquinho quanto?

Entrevistado: Tem semana que a metade. Mas em geral, menos da metade.

Entrevistador: Bom, acho que falta só uma coisa. Você tem todo o direito de ficar

bravo comigo. Vamos lá. Da última vez, eu perguntei se o Ler e Escrever tinha

trazido contribuições para sua atuação como formador e você me disse que sim, que

agora você consegue conversar com os professores, que você pode sugerir coisas,

como usar letras móveis, parlendas, trabalho em grupo. Eu fiz uma interpretação de

que essa sua fala revela uma fragilidade teórico-metodológica, pois esses saberes

são saberes muito básicos do Ler e Escrever e que, de alguma forma, o trabalho das

professoras fica desconectado do seu. O que você acha disso? Pode ficar bravo

comigo, mas em respeito à você, diante da sua disponibilidade em me ajudar com a

162

minha pesquisa, seria anti-ético da minha parte omitir isso. Enfim, o que você acha

disso?

Entrevistado: Eu não me incomodo, não. Você falou mentira? Você sabe que eu não

fico bravo. Fico bravo com mentira. Você não falou mentira. Eu tenho limitações

mesmo. Eu sou biólogo. Eu caí nessa escola de pára-quedas. Eu me esforço, mas

tem coisas que escapam.

Entrevistador: Aliás, eu gostaria de dizer que o seu trabalho precisa ser valorizado e

a sua franqueza muito elogiada. Então, acho que é isso. Muito obrigado mesmo, e

eu quero te ver na minha defesa, hein?

Entrevistado: Eu estarei lá, com certeza!