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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC – SP
Rodnei Pereira
A autoanálise de coordenadores pedagógicos sobre sua atuação como formadores
de professores
Mestrado em Educação: Psicologia da Educação
São Paulo
2010
2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC – SP
Rodnei Pereira
A autoanálise de coordenadores pedagógicos sobre sua atuação como formadores
de professores
Mestrado em Educação: Psicologia da Educação
Dissertação apresentada à banca examinadora da
Pontifica Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de Mestre em Educação: Psicologia da Educação,
sob orientação do Prof. Dr. Sergio Vasconcelos de
Luna.
São Paulo
2010
3
Banca Examinadora
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_____________________________________
_____________________________________
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Dedico este trabalho ao meu avô paterno José André, que se foi antes de sua
conclusão e para quem era motivo de orgulho que eu, o primeiro da família a me
graduar, dentre seus 11 netos, tenha me formado professor. E que me ensinou a
gostar de coisas simples, como cheiro de mato e outros cheiros, jardim, animais,
comida caseira e canções.
Agradecimentos
Em primeiro lugar, preciso agradecer:
Ao meu pai, José Carlos, por tudo o que me ensinou, pelo profundo respeito
às minhas escolhas, por ter me ensinado o zelo e o cuidado, por permitir que eu seja
o homem que sou.
À minha mãe, Leonilda, por tudo o que representa na minha vida, por ter me
ensinado a sorrir.
À minha irmã Rosângela, parceira de esperanças, lutas, sonhos.
Aos meus sobrinhos Bruno, Jéssica (que me ajudou com a transcrição das
entrevistas num momento difícil da construção do trabalho), Lucas e Larissa, pelo
colorido que trazem à minha vida, por me permitirem experimentar sentimentos
paternos.
Ao Rodrigo, pelo amor incondicional, por partilhar comigo a experiência de
descobrir as singelezas do cotidiano, por estar ao meu lado em todos os momentos
dessa trajetória. “Não sei se eu saberia chegar até o final do dia sem você”.
Ao Prof. Dr. Sergio Vasconcelos de Luna, meu orientador, a quem serei
eternamente grato por tudo o que fez por mim. Pelos ensinamentos, pelo cuidado e
pelo profundo respeito com que me acompanhou durante o meu percurso no
mestrado, o meu muito obrigado.
5
Ao meu avô materno Ernesto, porque me ensinou a ser sensível e a gostar de
memórias, histórias e laços entre pessoas.
Às minhas duas avós. Sou um neto de Marias. Duas. Que me ensinaram a
amar, e a lutar.
À minha tia Zildinha, pela amizade, confiança e carinho.
Agradeço, também, aos irmãos que pude escolher:
Walkiria Rigolon, amiga, parceira de pensamentos, palavras, devaneios,
convicções e lutas.
Josenita Dias, amiga querida, por estar sempre ao meu lado, compartilhando
todos os momentos da minha vida!
Cibelle Gualda, que está sempre no meu coração.
Amanda Passerani, porto seguro, que desbravou o mundo comigo.
Márcio Vinícius, Vanessa Meira, Elaine Grava e Leia Carvalho, pela pequena
família que formamos.
Alexsandro Santos, grande amigo, companheiro de tantos projetos de
homem, mundo, sociedade. Por enxergar além das aparências, por ser a pessoa
linda que é, pela ajuda e pela confiança em mim.
Michele Cruz de Souza, pela delicadeza e pela leveza que me traz.
Andréia Guida Bisognin e Danielle Santos, gratas surpresas que a vida me
trouxe.
6
Roberto e Guacyara Guerreiro, que partilham comigo o sonho de um mundo
com pessoas mais sensíveis, mais humanas, mais atentas.
Sandra Tedeschi e Rosa Melo, por terem me presenteado, há quase uma
década, com um livro do Luiz Carlos de Freitas que definiu, de alguma forma, a
minha trajetória como pesquisador. Pela sólida amizade, amo vocês!
Daiani Minutti, que “não sai de mim, não sai”.
Soraia da Silva Rocha, que me apresentou a PUC.
Wilson Vila Bela, Claudia Giovanna, Mônica Veras e June Maria pela bonita
amizade e pelo acolhimento, genuinamente pernambucano, de sempre.
Agradeço ainda:
Às Profªas Dras. Claudia Davis e Wanda Maria Junqueira Aguiar, a Ia, por
tudo o que me ensinaram, inclusive pelo que nem imaginam.
À Profª Dra. Mitsuko Antunes, pela amizade, pelas afinidades, pelo carinho
com que sempre me tratou.
Às Profªs Bernadete Gatti, Melania Moroz, Heloisa Szymanski e Clarilza
Prado de Sousa, pelos conhecimentos construídos durante as aulas.
À Profª Dra. Laurinda Ramalho de Almeida, por ter me ajudado em vários
momentos deste percurso e pela polidez com que me ofertou valiosas contribuições,
na ocasião do exame de qualificação.
À Profª Dra. Regina Célia Almeida Rego Prandini, por ter aceitado o convite
para compor a banca examinadora e pelas contribuições feitas, que foram de grande
ajuda, sobretudo nas entrevistas.
7
Aos coordenadores pedagógicos que, tão gentilmente, aceitaram participar da
pesquisa. Este trabalho também é deles.
A todos os colegas e professores do Programa de Mestrado em Educação da
Universidade Cidade de São Paulo, pelo acolhimento caloroso durante minha
passagem por lá. Em especial, agradeço à Profª Dra. Ecleide Cunico Furlanetto,
interlocutora de tantas inquietações e à Profª Celia Maria Haas, pelo carinho e por
tantas boas ideias que construímos juntos.
Aos meus colegas da PUC-SP Victor Manuel, Norma Telles, Marília Facco,
Ângela Infante, Maria Brando, Suely Hauser, Flavia Marques, Lígia Couto, Rita
Vereda e Érika Oliveira.
À Sandra Marangoni Ferraz, pelo cuidado que teve ao me acolher, no meu
retorno a PUC-SP.
À Irene de Castro e ao Edson Aguiar, secretários do PED, por toda a sua
ajuda.
À Elizabeth Ventura Julião, que me ajudou a trilhar o caminho em busca de
mim mesmo.
Meu obrigado estende-se, ainda, para:
Valéria Batista Garrido, pelo reconhecimento, pelo respeito ao meu trabalho e
às minhas ideias e por sua amizade.
Tânia da Costa Fernandes, por confiar no meu trabalho e por me permitir
desenvolver um projeto de formação inicial de professores com base nas minhas
convicções.
Todos os companheiros do Comando de Greve da Unicastelo, em especial:
Clécio, Danilo, Ronaldo, Zilmar, Waldir, Fernanda, Maria, Simone, Majô, Solange,
8
Vânia e Patrícia, por tudo o que me ensinaram e por partilharem comigo
experiências de solidariedade e mobilização coletiva.
Todos os meus amigos e parceiros de trabalho da ONG Mais Diferenças, em
especial: Andréia de Jesus, Luciana Cury, Ester Moreira, Priscila Collet, Maria Sirley,
Ayéres Brandão, Nana Navarro, Maria da Luz, Rose Santos, Regina Panutti, Carla
Mauch e Adriana Pereira, pelas afinidades e trocas de experiências.
Por fim, agradeço:
À Leila Vidotto Destro, Francisca Cruz Severi e todos os professores e alunos
da EE Nagib Izar, onde vivi o período mais intenso da minha trajetória profissional.
`
A todos os companheiros e alunos da EE Orestes Guimarães, onde comecei
minha carreira, e que, de alguma forma, me incitaram a produzir esta pesquisa.
Ao mestre José Cardonha, o Zé Legal, por ter me ensinado tudo o que sei
sobre ser professor, por ter aberto as portas do magistério para mim.
Aos meus professores do curso de licenciatura em Filosofia da Universidade
São Francisco, que mudaram a minha vida.
A todos os professores da rede estadual de São Paulo.
Aos meus alunos das instituições Unifai, Uniararas, FMU e Unicastelo.
A todos os que contribuíram para que eu pudesse concluir esta etapa da
minha vida acadêmica.
9
SUMÁRIO
Prefácio ........................................................................................................... 13
I. BREVE CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO DO PCP ............................. 20
1. As atribuições do professor-coordenador: um breve balanço .................... 20
2. O PCP e a produção acadêmica: contribuições e debates ........................ 25
3. O Programa Ler e Escrever ........................................................................ 31
4. Considerações sobre a formulação do problema ....................................... 34
II. MÉTODO .................................................................................................... 37
1. Localização das Escolas e Seleção dos Participantes ............................... 37
2. Participantes ............................................................................................... 37
3. Procedimentos ............................................................................................ 38
III. RESULTADOS .......................................................................................... 39
1. Caracterização dos participantes a partir dos resultados do questionário . 39
2. Procedimento de análise das entrevistas ................................................... 40
3. Análise das Entrevistas ............................................................................... 40
IV. DISCUSSÃO ............................................................................................. 71
V. CONCLUSÃO ............................................................................................ 81
Referências Bibliográficas .............................................................................. 83
Anexos ............................................................................................................ 90
11
RESUMO
A formação de professores como atribuição do coordenador pedagógico
apresenta-se como uma tendência que, aos poucos, vem sendo incorporada pelas
políticas públicas referentes aos profissionais desta área, como é o caso do
Programa Ler e Escrever, destinado às séries iniciais do Ensino Fundamental da
rede estadual de São Paulo, e que esteve na base de consideração deste trabalho.
A pesquisa teve como objetivo analisar como os professores coordenadores
pedagógicos da rede estadual de São Paulo compreendem e descrevem sua
atuação como formadores de professores.
Por diferentes motivos, foram escolhidos 6 participantes que atuavam em
escolas de ensino fundamental de uma única Diretoria Regional de Ensino, situada
na região leste da Capital.
Neste trabalho, empregou-se como procedimento de coleta de informações
entrevistas individuais, cuja análise do discurso buscou fundamentação na
metodologia de pesquisa qualitativa.
Os resultados indicaram que o trabalho dos professores coordenadores
pedagógicos guarda traços de burocratização e fiscalização do trabalho docente,
que historicamente marcaram a história da sua profissionalidade. Os esforços
daqueles participantes em desenvolver a formação continuada dos professores são
fruto de conquistas empreendidas isoladamente e marcadas por interpretações
subjetivas a respeito desta tarefa, que encontram justificativa nas distorções
existentes entre a formulação das políticas de formação e as condições objetivas
que compõem o trabalho daqueles profissionais.
Palavras-chave: coordenador pedagógico; formação continuada; políticas educacionais.
12
ABSTRACT
The training of teachers like responsability of pedagogical coordinator is
presented as a trend that slowly is being built by publics politics aimed at
professionals in this area, such as Programa Ler e Escrever, for the inicial terms of
elementary school of state public network of Sao Paulo, and that was basis of
consideration of this work.
The research aimed to analyze how teachers pedagogical coordinators of the
state of São Paulo understand and describe their role as trainers of teachers.
For various reasons, we chose six participants who worked in elementary
schools of a single Diretoria Regional de Ensino, located in the east of the Capital.
In this study, we used like procedure to collect information interviews, discourse
analysis which sought grounds in qualitative research methodology.
The results indicated that the work of teachers pedagogical coordinators has
elements of bureaucratization and inspection of teaching, which marked the history of
their profession. The efforts of participantes to develop the teachers continuing
education are the result of conquests undertaken individually and marked by
subjective interpretations on this task, that find explanation in the distortions between
the formulation of continuity educational politics and the objective conditions work of
those professionals.
Keywords: pedagogical coordinator; continuity education; educational politics.
13
PREFÁCIO
Importa, pois, principiar pelo princípio, e o princípio, aqui, é o diálogo.
Georges Gusdorff
Esta pesquisa tem como objeto o professor coordenador pedagógico da rede
pública estadual paulista, doravante denominado PCP.
A atuação deste profissional veio se tornando, ao longo da última década,
uma temática privilegiada em estudos e pesquisas em educação (Christov, 2001;
Roman, 2001; Vieira, 2001; Cesca, 2003; Fernandes, 2003; Guerino, 2003; Araújo,
2006); que afirmam que a responsabilidade pela formação continuada de
professores compõe sua principal atribuição (Batista, 2001; Bruno, 1998; Christov,
1998, 2000, 2001, 2003; Clementi, 2001; Fusari, 2000; Garrido, 2000; Geglio, 2003;
Mate, 1998, 2000; Orsolon, 2001; Placco e Silva, 2000; Souza, 2001; Torres, 2001).
Dada a complexidade do tema, seu estudo exige uma delimitação cuidadosa
e, assim sendo, este trabalho tem como principal objetivo investigar a atuação de
PCPs em exercício em escolas estaduais de São Paulo.
O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu das indagações que
emergiram após 6 anos de exercício como PCP em escolas da rede estadual de
São Paulo, período em que, na tentativa de desempenhar melhor esta atividade
profissional, buscava subsídios teóricos que me oferecessem uma melhor
orientação.
Iniciei minha trajetória como professor coordenador em uma escola de ensino
fundamental - Ciclo I - em 2000. Desde o início, dentre minhas atividades, a
principal era assessorar o diretor, o que significava afogar-me em tarefas de
natureza burocrática, tais como: substituí-lo em reuniões na Diretoria de Ensino,
atender aos pais que desejavam falar com o diretor, fazendo uma triagem prévia
dos que seriam por ele atendidos, fazer licitações, organizar lista de compras
materiais escolares e preencher documentos de levantamento de informações
solicitadas pela Diretoria de Ensino, destinadas à direção.
Já as atividades de cunho pedagógico ancoravam-se basicamente no
desenvolvimento de projetos e programas de formação continuada centralizados, ou
14
seja, previamente elaborados pelos órgãos técnicos da Secretaria Estadual de
Educação do Estado de São Paulo (SEE – SP).
No que se refere às horas de trabalho pedagógico coletivo (doravante
HTPCs) destinavam-se à transmissão de recados e informes da direção escolar ou
da Diretoria de Ensino aos docentes.
No período de 2000 a 2006, os professores deviam cumprir 2 horas de
reunião coletiva semanal. No entanto, as condições de organização dos momentos
de trabalho coletivo eram bastante precárias, sobretudo porque a maioria dos
professores trabalhava em mais de uma unidade escolar, e os horários escolhidos
para estas reuniões coincidiam com o final do término do primeiro período, pois
assim era possível agrupar os professores que saíam do período da manhã com os
que entrariam no período da tarde. Além disso, esse era também o horário de
almoço.
Muitas vezes, alguns pais que buscavam ou traziam seus filhos queriam ser
atendidos pelos professores, e tais condições associadas ao período de uma hora
comprometiam a qualidade do trabalho, provocando inúmeras interrupções, entrada
e saída de professores, pessoas comendo durante a reunião. Além dessas
características, e dadas às inúmeras atribuições a mim delegadas, não era possível
ter garantidos em minha rotina momentos de estudo e preparo para o HTPC.
Ainda fazia parte da rotina do meu trabalho atendimento aos pais, aos
professores, a outros profissionais que buscavam a escola (venda de produtos e
serviços), como também o apoio à organização do trabalho dos demais funcionários
da escola e estagiários.
A forma como o meu trabalho se organizava no interior da escola gerava uma
profunda angústia, tendo em vista que, por um lado, tinha de lidar cotidianamente
com demandas trazidas pelos professores, suas dificuldades em sala de aula e as
dificuldades de aprendizagem dos alunos, principalmente por conta dos problemas
“disciplinares” que se apresentavam a todo o momento. A sensação por mim
experimentada era de despreparo para lidar com a multiplicidade de atribuições, de
incompetência diante de problemas insolúveis. No entanto, independentemente
disso, precisava multiplicar e acompanhar os conteúdos dos cursos de formação
continuada que compunham o currículo da rede, além das demandas citadas
anteriormente.
15
Em contrapartida, nesse mesmo período, a Secretaria Estadual de Educação
implementava cursos de formação continuada que deveriam ser assumidos pelos
PCPs, intensificando, ao mesmo tempo, as formas de avaliação do rendimento
escolar.
As estatísticas das avaliações externas, abaixo das metas estabelecidas,
responsabilizavam diretamente os professores e o responsável pela formação dos
mesmos: o professor coordenador pedagógico.
Nesse contexto, a cada novo índice divulgado pela Secretaria Estadual de
Educação às respectivas Diretorias de Ensino, elaborava-se toda uma lógica de
bonificação por desempenho, que configurava uma cultura de meritocracia.
Freitas, ao analisar a avaliação, no contexto da organização do trabalho
pedagógico, afirma que desde a década de 1990 Passa-se a avaliar o trabalho do
aluno, o trabalho do professor, o trabalho de uma escola, de várias escolas do
mesmo tipo, de todas as escolas de um mesmo sistema escolar. (2007, p. 2).
Instaurava-se, assim, uma cultura de performatividade competitiva1.
A cada início de ano, a expectativa acerca da bonificação dos professores, da
colocação da escola em relação às demais escolas de sua Diretoria de Ensino eram
os aspectos que mais chamavam a atenção dos professores, relegando ao segundo
plano aspectos que anteriormente definiam esse período escolar, como o
planejamento anual de atividades, por exemplo. Essa situação impactava
diretamente o meu trabalho como PCP, haja vista que se a bonificação não
correspondia às expectativas dos mesmos, toda responsabilização pelo resultado
do trabalho dos professores era a mim dirigida, que não teria sabido formar os
professores, apoiá-los em suas dificuldades, apoiá-los junto aos alunos. A direção
da escola, em contrapartida, utilizava a mesma estratégia dos professores, pois
considerava ser minha tarefa exclusiva resolver os problemas de ordem
pedagógica.
Nas reuniões de PCPs, convocadas pela Diretoria de Ensino, esta explicitava
e reforçava o desempenho das escolas, pressionando, sobretudo, os PCPs cujas
escolas tivessem obtido desempenho abaixo do esperado.
1 Termo utilizado por Stephen J. Ball para o processo de transformação do perfil institucional das instituições escolares, inspiradas em teorias econômicas recentes, que vinculam a organização ao desempenho das escolas. (2004, p. 1107)
16
E nestas ocasiões, o discurso era que caberia ao PCP, mesmo diante de
tamanha pressão, “inovar-se a si mesmo”, encontrando em si próprio as alternativas
de superação do desempenho obtido.
Com o passar dos anos, movido pela percepção dos fatos narrados
anteriormente, assumi como objetivo profissional, a partir do ano de 2003,
desenvolver minha prática cotidiana com base nas singularidades da escola onde
trabalhava.
Na tentativa de conduzir um trabalho autoral e autônomo, uma nova batalha
se iniciava. Tendo interpretado que os resultados do trabalho da escola poderiam
melhorar se os professores obtivessem supervisão e auxílio no seu trabalho,
intensifiquei meus esforços para concretizar tais tarefas. Esta decisão foi
referendada pela diretora da escola onde trabalhava e bem acolhida entre os
professores.
Procurei aprimorar meus estudos, freqüentei dois cursos de especialização,
um em Psicopedagogia e outro em Gestão Escolar, este último na Universidade
Estadual de Campinas. Freqüentei diversos cursos de aperfeiçoamento, extensão
universitária e vários cursos livres.
Paralelamente, sempre freqüentei bibliotecas e livrarias, museus, exposições
de arte, cinema, espetáculos de música e teatro. Sempre fui um leitor assíduo de
jornais e revistas, livros de literatura e outros gêneros discursivos, além da literatura
especializada da minha área de atuação profissional. Além disso, sempre freqüentei
todos os cursos e capacitações oferecidas pela Diretoria Regional de Ensino à qual
a escola pertencia.
A parceria estabelecida com a direção e com os professores trouxe outra
configuração ao meu trabalho como PCP. Podia organizar e planejar meu trabalho,
bem como as reuniões de HTPC, com melhor qualidade. Acompanhava as aulas de
todos os professores ao menos uma vez na semana, tendo como contexto as
queixas trazidas por eles. Após a observação, discutíamos juntos e planejávamos
outro percurso para suas aulas.
Porém, os impedimentos não tardaram a aparecer. As dificuldades em dar
seqüência ao planejamento do meu trabalho se evidenciavam na própria dinâmica
do sistema de ensino da rede estadual. Quando não eram as freqüentes
convocações da Diretoria de Ensino para reuniões que, por vezes, chegavam a 3
numa única semana, eram os projetos que chegavam prontos para ser executados.
17
No primeiro semestre de 2004, por exemplo, deveríamos incluir no currículo
os projetos Educação para o Trânsito, Saúde Bucal, Hora da Leitura, Agita Galera,
Educação Ambiental e Projeto Horta. Reconhecida a relevância dos projetos como
modalidade organizativa do trabalho pedagógico, a dificuldade da equipe escolar
era, na maioria das vezes, articular os projetos ao planejamento escolar e às
demandas concretas que envolviam as situações de ensino e aprendizagem.
Sendo assim, uma vez que a recusa em desenvolver os projetos era mal vista
pela Diretoria de Ensino, se criavam mecanismos artificiais que tornavam o currículo
escolar uma “colcha de retalhos” e que tomavam um tempo considerável para a
confecção de relatórios, fotografias e portifólios.
Contudo, o trabalho desenvolvido teve efeitos positivos. A escolha melhorou
seu desempenho no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo – SARESP, o que resultou num convite para atuar como formador de
professores.
Foi assim que, no período de 2004 a 2006, compus a equipe de formadores
de professores do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –
PROFA/Letra e Vida. Esse trabalho foi desenvolvido concomitantemente ao de PCP,
o que me obrigava a dedicar 20 horas semanais para este trabalho e 20 horas
semanais para o trabalho como professor coordenador. Tal experiência promoveu
não apenas um acúmulo de funções como me permitiu observar que, em nenhum
momento, o curso discutia as questões inerentes ao trabalho na coordenação
pedagógica.
Uma vez que aquele curso configurou a principal política pública voltada para
as séries iniciais do Ensino Fundamental, que esperava uma mudança na ação
docente dos professores desta modalidade de ensino, não havia nenhum tipo
acompanhamento, além dos encontros semanais de formação dos quais
participaram. E na maioria das vezes, não reconheciam seus PCPs, como pares
avançados e interlocutores.
Em estudo recente, Rigolon (2007), ao abordar a temática da formação
continuada de professores alfabetizadores, tomou o PROFA/Letra e Vida como
objeto. A pesquisadora constatou, dentre outros fatos, que a principal dificuldade
apontada pelos professores participantes do estudo foi a falta de continuidade e
acompanhamento do que aprenderam no curso, após sua conclusão, o que se
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verifica pela fala de um dos participantes da pesquisa e que conflui para o que
constatávamos, na condição de formadores:
Acho que o coordenador tem que estar preparado, ele é muito despreparado. Porque se nós não conseguimos entre os professores fazer essa troca de experiências, você busca ajuda [referindo-se ao coordenador] e vê que ele está despreparado muitas vezes. É complicado. (professora Jaquelina apud Rigolon, 2007, p. 112).
Do meu ponto de vista, me sentia impotente frente a essa situação, pois tinha
de dedicar 20 horas para o trabalho no PROFA/Letra e Vida e 20 horas para o
trabalho na escola, o que era absolutamente insuficiente e comprometia todo o
trabalho que havíamos construído coletivamente na escola.
O conjunto de questões até aqui descrito aumentou minha insatisfação com o
sistema de ensino do Estado de São Paulo, que culminou com o meu pedido de
exoneração, em 2007. Porém, meu comprometimento com os alunos e professores
da rede, fez com que continuasse a estabelecer contato com esse público.
Desde 2008, na condição de professor orientador de estágios do curso de
Pedagogia de instituição privada de ensino superior, venho acompanhando a
implementação do Programa Ler e Escrever na rede estadual de ensino.
O Programa Ler e Escrever - em vigência desde 2007 -, e em continuidade ao
PROFA/Letra e Vida, e considerando as evidências coletadas pelo seu corpo
técnico, passou a reconhecer o PCP como formador de professores.
Convém ressaltar que estas experiências me permitiram enxergar a
coordenação pedagógica pelo menos a partir de três lugares: como profissional da
coordenação na rede estadual, como formador de professores e como pesquisador
em formação.
Além disso, permitiu enxergar que ora os propósitos proclamados pela
Secretaria Estadual da Educação se encontravam com os propósitos defendidos
pela literatura especializada, ora se distanciavam completamente. Em contraponto
com minha experiência essas proximidades e cisões ficavam cada vez mais latentes.
Sendo assim, interessei-me em investigar como os PCPs analisavam sua
atuação como formadores de professores, com a implementação do Programa Ler e
Escrever.
Diante dessa problemática, dividiu-se o trabalho em duas partes.
19
A primeira parte trata da caracterização do trabalho do PCP na rede estadual
e as especificidades do trabalho nas séries iniciais do ensino fundamental, com a
explicitação das políticas públicas direcionadas a esta modalidade de ensino para,
em seguida, realizar um balanço das atribuições do PCP expressas na literatura.
A segunda parte refere-se à pesquisa que será realizada com professores
coordenadores, a análise e conclusão do estudo.
20
I. BREVE CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO DO PCP
Para compreender a análise que os PCPs fazem de sua atuação como
formadores de professores, este trabalho tomou como ponto de partida o contexto
no qual se insere sua atribuição de formar professores.
Por esta razão, apresentou-se uma breve apresentação das atribuições
destes profissionais, numa perspectiva histórica, para em seguida, apresentar uma
contextualização a respeito daquelas, vistas pela literatura. Por fim, foram abordadas
no contexto do Programa Ler e Escrever.
1. As atribuições do professor–coordenador: um breve balanço
A melhoria da qualidade do ensino vem sendo apontada como a principal
justificativa para a inserção do PCP nas escolas (Placco e Silva, 2000). Para se ter
maior clareza das suas atribuições, convém reexaminar como ocorreu o seu
surgimento nas escolas da rede pública estadual paulista. Por isso, tentou-se
sistematizar esse histórico, ainda que brevemente, considerando-se tal
condicionante fundamental para problematizar aquelas atribuições.
Esta empreitada porém, encontra empecilhos na própria nomenclatura dos
cargos ou funções de coordenação pedagógica. Por esta razão, optou-se por
contextualizar as atividades de coordenação pedagógica que se referem ao
acompanhamento pedagógico ocorrido em escolas da rede pública estadual.2
Almeida (2010), por meio de análise documental e depoimentos de
profissionais que participaram dos diversos momentos da coordenação pedagógica
na rede estadual de ensino de São Paulo, sistematizou a trajetória histórica desta
última em 3 categorias: 1. momentos de vanguarda da coordenação; 2. projetos
especiais; 3. coordenação em todas as escolas da rede.
Os momentos de vanguarda se referem as “escolas experimentais”, cujo
funcionamento encontrou amparo legal das Leis de Diretrizes e Bases 4.024/61 e
2 Contribuição trazida pela Profª Dra. Laurinda Ramalho de Almeida durante o exame de qualificação realizado em maio de 2010.
21
5.692/71 cobrindo, portanto, o período que compreende os anos de 1960 e primeira
metade dos anos 1970.
Ao destacar três experiências – a do Colégio de Aplicação da USP, dos
Ginásios Vocacionais e do Ginásio Experimental Dr. Edmundo Carvalho
(Experimental da Lapa) -, a pesquisadora relatou um conjunto de experiências bem-
sucedidas. Essas diferentes experiências demonstram confluências em ao menos
dois aspectos importantes: a construção de projetos autorais, construídos
coletivamente, a partir das demandas das escolas participantes dos projetos e a
qualidade dos mesmos, diante de ações de formação continuada do corpo docente
das escolas citadas.
Um dado relevante demonstrado pela autora é a descontinuidade das
políticas públicas deste período, que terminaram ou por extinguir os projetos
abruptamente ou pela inexistência de concursos públicos para as funções atreladas
à coordenação pedagógica.
No que se refere a esse último aspecto mencionado, convém citar o caso do
concurso para orientador educacional, ocorrido uma única vez, no ano de 19693. Ao
recuperar suas memórias como orientadora educacional neste período, a
pesquisadora relata a experiência que viveu na Coordenação de Ensino Técnico da
Secretaria Estadual de Educação.
De acordo com a mesma, havia um serviço de suporte de acompanhamento
aos orientadores educacionais que - durante as reuniões onde o suporte ocorria -,
chegaram à conclusão que o serviço de orientação educacional era importante, mas
igualmente importante era a coordenação pedagógica. Em comum acordo, aquele
grupo decidiu assumir esta dupla função. A esse respeito, Almeida (2010) esclarece
que:
...os orientadores educacionais assumiram a orientação pedagógica por direito e formação, e não como “quebra-galho”. Haviam cursado pedagogia antes da instituição das habilitações nesse curso; tinham portanto um curso de quatro anos, e depois dele é que vinham as especializações. Ao cursar orientação educacional como pós-graduação, tinham uma formação pedagógica básica, o que lhes permitia atuar com segurança na orientação pedagógica. p. 22.
A segunda categoria trazida por Almeida (2010) cobre o período que vai da
segunda metade da década de 1970 até o início da década de 1990, e se refere aos
3 Idem.
22
projetos especiais da pasta da Secretaria Estadual de Educação. A autora destacou
o Projeto para “escolas carentes”, o Ciclo Básico, o Projeto Noturno, o Projeto
CEFAM4 e o Projeto Escola-Padrão.
De acordo com a pesquisadora, o projeto para “escolas carentes”,
implementado em 1976, a partir de estudos socioeconômico-demográficos sobre as
escolas da rede estadual, teve a coordenação pedagógica como um dos serviços
previstos. Os coordenadores eram professores efetivos que foram designados para
o referido posto de trabalho por meio de um processo seletivo. No mesmo ano,
esses profissionais puderam, com a promulgação da Lei Complementar nº 201, de 9
de novembro de 1976, realizar novo exame para transformar a função em cargo.
Conforme a pesquisadora afirma, em julho de 2008, o Departamento de
Recursos Humanos do Estado de São Paulo, registrava apenas dois coordenadores
pedagógicos efetivos em toda a rede. Tal constatação é relevante, pois evidencia,
mais uma vez, a descontinuidade das políticas públicas praticadas pelo sistema ao
longo dos anos.
O Projeto Ciclo Básico, instituído pelo Decreto nº 21.833; Projeto
Reestruturação Técnico-Administrativa e Pedagógica do Ensino de 1º e 2º graus da
rede estadual – Projeto Noturno, regulamentado por meio das Resoluções nº
32/1984 e nº 54/1984; Projeto CEFAM, instituído por meio do Decreto nº
28.089/1988 e Projeto Escola-Padrão, criado pelo Decreto nº 34.035/1991
mantinham coordenadores pedagógicos em regime de designação.
O relato dos participantes destas experiências evidenciou, a exemplo dos
projetos anteriores, como pontos positivos, a construção autoral e coletiva dos
projetos pedagógicos das escolas participantes e a formação continuada dos
professores destas escolas como práticas decisivas para o sucesso dos trabalhos.
As análises de Almeida (2010) evidenciaram ainda que a criação das horas
de trabalho pedagógico (HTP), incluídas na jornada de trabalho dos professores, em
quantidade suficiente para estudo, planejamento e replanejamento dos trabalhos,
bem como para atendimento a pais e alunos, foram fundamentais para o alcance
dos resultados apontados anteriormente.
4 Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério. De acordo com Oliveira (s/d), os CEFAMs foram criados em 1988 e faziam parte de um conjunto de medidas conhecidas como “Proposta Montoro”, que visavam a ampliação do atendimento da educação básica, a valorização do magistério e a melhoria da qualidade do ensino. Essas medidas estavam pautadas no ideal de democratização do ensino, que, com o fim da ditadura militar, passou a compor o ideário educacional da época. Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302003000400017&script=sci_arttext.
23
A terceira categoria criada pela pesquisadora, Coordenação para todas as
escolas da rede estadual, cobre o período que compreende a década de 1990 até os
dias atuais.
Segundo a autora, observam-se dois momentos da coordenação pedagógica,
a partir da década de 1990: coordenação por períodos e por segmento de ensino.
Conforme afirma, a Resolução SE nº 28/1996 expandiu a coordenação para
todas as escolas e a Resolução SE nº 76/1997 fixou as atribuições para o professor-
coordenador:
(...) a principal delas atuar “no processo de articulação e mobilização escolar na construção do projeto pedagógico da unidade escolar”. A expansão se deu em termos de “postos de trabalho”, um por escola; naquelas que oferecessem no mínimo dez classes no período noturno, dois coordenadores, um para o diurno, outro para o noturno. Vale lembrar que vários estatutos do magistério (leis complementares de 1974, 1978 e 1985) previam a figura do coordenador como cargo, e a do professor-coordenador como função (ou posto de trabalho). A coordenação expandida para a toda a rede foi como professor-coordenador, portanto como função e não como cargo, embora houvesse processo de seleção, feito pelas Diretorias de Ensino com a aprovação do Conselho de Escola para o projeto apresentado pelo aspirante à função, que deveria ter mais de três anos de experiência no magistério. (Almeida, 2010, p.36).
No tocante à coordenação por segmentos, em 2007, novas alterações se
fizeram presentes no que se refere ao PCP. Levando em consideração um conjunto
de ajustes estruturais, as Resoluções SE 88, de 19 de dezembro de 2007 e SE, 10,
de 31 de agosto de 2008, instituíram que, preferencialmente, o candidato a professor
coordenador deveria ser docente efetivo da própria escola e que a experiência do
candidato deveria incluir a docência nas séries e segmentos educacionais referente
à função exercida (Ensino Fundamental Ciclo I – 1ª a 4ª séries; Ensino Fundamental
Ciclo II – 5ª a 8ª séries ou Ensino Médio).
Na impossibilidade de cumprir estas exigências, o candidato deveria
comprovar competência para atuar como professor coordenador em escolas
diversas ou em diferentes níveis e segmentos de ensino, através de indicadores
qualitativos demonstrados em trabalhos anteriores, por meio de pareceres dos
superiores imediatos.
A resolução SE 89, de 19 de dezembro de 2007 anunciou novas atribuições
24
para o trabalho dos professores coordenadores:
I - auxiliar o professor na organização de sua rotina de trabalho, subsidiando-o no planejamento das atividades semanais e mensais;
II - observar a atuação do professor em sala de aula com a finalidade de recolher subsídios para aprimorar o trabalho docente, com vistas ao avanço da aprendizagem dos alunos.
III - orientar os professores com fundamento nos atuais referenciais teóricos, relativos aos processos iniciais de ensino e aprendizagem da leitura e escrita, da matemática e outras áreas do conhecimento, bem como à didática da alfabetização;
IV - conhecer as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa, de Matemática e das demais áreas de conhecimento e outros materiais orientadores da prática pedagógica;
V - estimular os docentes na busca e na utilização de recursos tecnológicos específicos ao processo de ensino da leitura e da escrita, da matemática e de outras áreas do conhecimento. (www.educacao.sp.gov.br. Acesso em 10/01/2010).
Ao contrário dos documentos anteriores, este determinou que os saberes
dominados pelo PCP deveriam se direcionar para o segmento de ensino no qual ele
atuaria, uma vez que desde 1996 havia uma grande quantidade de professores
especialistas em outros componentes curriculares, tais como Língua Portuguesa,
Matemática, Biologia, História ou Filosofia, entre outras licenciaturas, que atuavam
como PCPs das séries iniciais, por exemplo.
Em fevereiro de 2010, a resolução 21, de 17 de fevereiro de 2010 trouxe
novas determinações para o posto de trabalho de PCP: o profissional que, sendo
contratado (não concursado), não fosse aprovado no processo de avaliação anual
de docentes, fixado pela resolução 91, de 8 de dezembro de 20095, deveria ter sua
designação cessada.
Atualmente, a carga horária dos PCPs da rede estadual compõe jornada de
40 horas semanais, com gratificação pela função exercida.
A formação e acompanhamento do trabalho do PCP nas Diretorias de Ensino,
atualmente, é feita - como ratifica Almeida (2010) - pelos PCOPs - professores
coordenadores da oficina pedagógica.
Este breve balanço das atribuições do PCP teve como objetivo oferecer um
panorama, ainda que bastante geral, do percurso histórico da coordenação
5 Cf.: www.educacao.sp.gov.br
25
pedagógica na rede estadual de São Paulo.
Uma importante evidência que este percurso demonstra é uma relativa
convicção do sistema de ensino em depositar sobre o PCP a responsabilidade pela
deflagração de mudanças e transformações na qualidade do ensino oferecido pelas
escolas.
Esta convicção, na medida em que não se concretizou, ao menos em termos
macro-estruturais, conforme atestam os atuais sistemas de avaliação em larga
escala - tais como SARESP, SAEB, ENEM, PISA6 - contextualizou a produção de
conhecimento científico sobre a coordenação pedagógica nas duas últimas décadas,
o que será apresentado a seguir.
2. O PCP e a produção acadêmica: contribuições e debates
A literatura analisada demonstra um conjunto de experiências bem-sucedidas,
bem como um conjunto de dificuldades enfrentadas pelos PCP no seu cotidiano de
trabalho.
Optou-se por buscar evidências de sucesso da atuação dos PCPs, que
pudessem proporcionar um entendimento mais completo possível da importância da
atuação destes profissionais. Optou-se ainda, ao reexaminar a literatura existente,
por tomar como objeto de estudo aquelas pesquisas que proclamaram como objetivo
a preocupação em discutir o seu papel e funções do, com a intenção de contribuir
para a sua prática.
Sendo assim, a fragmentação das políticas públicas e a indefinição das
funções do PCP foram apontadas por diversos autores como variáveis de grande
impedimento de sua atuação efetiva no espaço da escola pública.
A esse respeito, Mate afirmou que
[...] vários estilos de coordenar trabalhos nas escolas estão em construção. Torna-se claro [...] que uma certa angústia acompanha essas experiências singulares e às vezes isoladas. Sente-se, por um lado, a
6 Respectivamente Sistema de Avaliação da Educação Básica, Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, Exame Nacional do Ensino Médio e Programa Internacional de Avaliação de Alunos.
26
necessidade de “definir a identidade do PCP” cujo espaço parece não estar assegurado e, portanto, é ameaçado por outras formas de poder e necessidades. (1998. p. 18).
A autora, remetendo-se aos desvios de função e à burocratização do trabalho
do professor coordenador, bem como ao engessamento do seu trabalho pelas
relações de poder confrontadas ora com o diretor de escola, ora com o próprio
Estado enquanto instituição, representado pelos órgãos técnicos da Secretaria de
Educação, conclui que, se por um lado isso representa grande empecilho, por outro
é possível apreender um movimento criativo e inventivo que garante a este
profissional construir sua “territorialidade”. De acordo com ela, por meio da partilha
de experiências cotidianas em reuniões formais e informais, o diálogo, a fala e a
escuta são oportunidades de aprendizado.
Esse argumento também foi defendido por autores, como Almeida (1998,
2000), que afirmou que a fala e a escuta exercitadas na particularidade de cada
escola foram alavancas da ressignificação do trabalho pedagógico, apesar do
descaso das políticas públicas com os PCPs.
Afirmações como estas demonstram uma tentativa de as pesquisas
preencherem as lacunas deixadas pelas políticas governamentais, fazendo com que
cada profissional, a partir de suas experiências e particularidades do espaço em que
atua, possa planejar e redirecionar o seu trabalho, cumprindo o ideário expresso
pelo momento histórico hodierno: a democratização do ensino e, por conseqüência,
da sociedade, com vistas à emancipação dos sujeitos para a cidadania.
Nessa mesma direção, Bruno (1998) tratou dos desencontros de
expectativas dos diferentes envolvidos na construção do trabalho coletivo das
escolas, afirmando a importância de que cada um deles, em sua trama cotidiana,
torne público seus desejos, expectativas e convicções na elaboração do projeto
pedagógico de cada escola. E, ao questionar qual seria o papel do professor
coordenador, afirmou que:
Podemos pensar em três visões possíveis para o papel do coordenador: uma como representante dos objetivos e princípios da rede escolar a que pertence (...) , outra, como educador que tem a obrigação de favorecer a formação dos professores, colocando-os em contato com diversos autores e experiências que elaborem suas próprias críticas e visões de escola (ainda que sob as diretrizes da rede em que atuam) e, finalmente, como
27
alguém que tenta valer suas convicções, impondo seu modelo para o projeto pedagógico. (Bruno, 1998, p. 15)
Diante disso, aponta que a primeira e a segunda possibilidades são mais
fáceis e comuns de acontecerem. A terceira é mais complexa e exige a
compreensão dos movimentos dos indivíduos em relação ao grupo e do grupo em
relação aos indivíduos, que são sinais da cultura de cada grupo.
A pesquisadora defende que o professor coordenador, na condição de
educador, deve ser um intérprete que precisa contribuir para a formação de leitores
destes sinais, sendo necessário, para isso, tempo para se estar junto e adquirir
confiança para permitir que se expressem diferentes desejos, dúvidas e medos. Da
mesma forma, afirmou a importância do desejo subjetivo de mudança por parte
deste profissional, como condição principal para que ele consiga desencadear um
processo de mudança no espaço no qual atua (Bruno, 2003).
Na visão dos estudos até aqui apontados, conferiu-se ao professor
coordenador uma tarefa de reconhecimento e mediação de conflitos interpessoais,
os quais podem ser superados a partir da criação de um ambiente psicologicamente
mais saudável e maduro (Roman, 2001).
Outros estudos indicam como funções do PCP, trabalhar com os grupos no
exercício da diversidade (Souza, 2003), analisar a instituição na qual atua em busca
de construir estratégias que possam garantir um trabalho educativo a contento, bem
como incentivar a interdisciplinaridade, tida como alternativa à construção de
práticas educativas transformadoras (Batista e Seiffert, 2003).
Caberia ao professor coordenador, ainda, utilizar adequadamente as horas de
trabalho pedagógico coletivo para trabalhar concepções sobre dificuldades de
aprendizagem (Hashimoto, 2001) e indisciplina (Franco, 2003) bem como
proporcionar trocas entre os professores antigos e os mais experientes (Franco,
2000).
A mediação entre a escola e a família também foi apontada como tarefa do
PCP. Ele deveria intervir na concepção de família que o grupo de professores
apresenta, sendo o elemento desencadeador de uma parceria entre a escola e a
família através da sua capacidade e disponibilidade em ouvir, escutar, saber fazer,
tolerar, instigar, dialogar. (Orsolon, 2003)
28
Guimarães e Villela (1998), em sua abordagem acerca do papel do PCP,
defenderam a idéia de que ele, na busca de uma compreensão de suas funções,
deve planejar seu trabalho, bem como acompanhar as atividades em curso na
escola a partir da realização do diagnóstico de sua realidade, propondo, para isso, a
utilização dos métodos de coleta de dados, sua categorização, análise e
interpretação, que transformados em relatórios, devem ser apresentados e
discutidos com a equipe escolar.
Mas, o que é amplamente defendido pelas pesquisas, é que a função
primordial do PCP é a formação continuada dos professores, que se caracteriza em
diversos espaços, como o horário de trabalho pedagógico coletivo, participação em
cursos, congressos, seminários, orientações técnicas e estudos individuais (Christov,
1998).
Durante um levantamento das atribuições do PCP, no que se refere à
dimensão formativa, observou-se que alguns estudos sugerem que aquelas
atribuições se pautem em: promover a articulação da equipe escolar diante da
necessidade de construir o projeto pedagógico da escola (Bruno, 1998); mediar as
relações interpessoais (Almeida, 2001); atuar junto aos professores nas dificuldades
de aprendizagem dos alunos (Hashimoto, 2001); conduzir e planejar intervenções
para o grupo de professores e alunos (Souza, 2001); desenvolver um planejamento
de acompanhamento dos professores iniciantes (Franco, 2000); planejar, organizar e
conduzir as reuniões pedagógicas (Bruno e Christov, 2000); mediar os sentimentos e
emoções do grupo de professores (Vieira, 2003); enfrentar as relações de poder
desencadeadas na escola com o diretor (Mate, 2003); analisar as práticas docentes
numa postura interdisciplinar diferenciada de avaliação da aprendizagem (Batista e
Seiffert, 2003); mediar as situações de indisciplina na escola (Franco, 2003);
trabalhar com as famílias (Orsolon, 2003); desempenhar sua prática profissional
atendendo à diversidade (Souza, 2003); planejar, organizar e redimensionar as
próprias ações (André e Vieira, 2006); contribuir para a construção da autoridade e
para a formação de valores no âmbito da escola (Souza e Placco, 2006); incentivar a
participação de pais, alunos e professores nos colegiados da escola (Silva, 2006);
contribuir para a construção de práticas inclusivas na escola (Geglio, 2006); efetivar
o registro escrito como forma de construção da identidade de autoria do seu papel
na escola (Fujikawa, 2006).
29
Foi na dimensão da formação contínua dos professores no interior de cada
escola que se legitimou a visão deste profissional como transformador (Orsolon,
2001), sendo atribuído a ele o papel de desencadear novas formas de se pensar.
Além disso, os problemas da sala de aula, o relacionamento com os alunos, o
processo de aprendizagem e os conteúdos trabalhados são assuntos acerca dos
quais o professor coordenador assume o papel de mediador, de interlocutor, de
orientador, de propositor, de investigador de grupo e com o grupo (Geglio, 2003). E
se isso acende o debate a respeito dos limites da sua formação, seja ela na
dimensão inicial ou continuada, na visão dos pesquisadores esta se dá no próprio
movimento de formação dos professores (Geglio, 2003).
Fusari (2000), ao se debruçar sobre o aspecto da formação continuada,
defendeu a importância de os coordenadores a encararem como valorosa e
necessária ao trabalho dos professores, devendo ser desenvolvida de forma
sistemática e organizada na rotina escolar, ressaltando a importância de uma política
de formação que ofereça tempos e espaços necessários ao seu bom
desenvolvimento.
Para Roman, as atividades de formação docente no interior das escolas não
têm ocasionado a esperada transformação das práticas pedagógicas seja pela
desconsideração das práticas cotidianas, seja porque as atividades de formação
dentro ou fora da escola desconsideram as condições concretas de trabalho das
escolas estaduais:
As políticas de formação docente têm, reiteradamente, desconsiderado as experiências cotidianas e suas demandas, bem como tentado impor vertentes, teorias e projetos apresentados enquanto inovações educacionais. A formação docente ou educação continuada, enquanto atribuições do PCP, parece ter muito pouco de reflexão da prática cotidiana. (2001, p. 38).
Algumas pesquisas também se ocuparam do cotidiano de trabalho do
professor coordenador, com base em suas queixas de um cotidiano muito atribulado.
Na tentativa de oferecer respostas a isso, Almeida (2003) afirmou que:
(...) é impossível ter o controle de todas as situações. Tomar decisões diante de tantas solicitações, tantas emergências, tantos conflitos que representam o cotidiano escolar não é fácil. (...) É preciso ter sagacidade para definir alguns pontos e atacá-los com os recursos adequados,
30
levando em conta a situação concreta da escola, inserida num sistema escolar mais amplo, e os seus próprios limites, profissionais e pessoais. É preciso ter coragem para fazer escolhas, definir metas, aproveitar brechas, criar espaços, fazer parcerias. (p. 45)
Placco (2003), ao tratar da mesma questão, defendeu a importância de todos
os envolvidos no processo educativo lutarem pela importância do seu trabalho,
organizarem rotinas, interromperem-nas quando necessário, agirem nas urgências e
decidirem nas incertezas.
A identificação dos fatores responsáveis pela “interrupção” do trabalho do
professor coordenador indica aspectos que precisam ser analisados, trabalhados e
enfrentados por ele.
Na visão de Christov (2003), é preciso que ele busque seus pares e construa
grupos de referência, visando construir um espaço de reflexão que auxilie os
professores coordenadores com suas questões cotidianas.
A autora tratou ainda da importância dos projetos pedagógicos das escolas
analisarem o papel da coordenação pedagógica, bem como afirmou que os órgãos
técnicos deveriam cuidar do planejamento das suas funções, de forma a não desviá-
lo daquela essencial – a formação continuada dos professores (Christov, 2003).
Vieira (2003) afirmou que o processo de formação continuada, pela qual o
PCP, deve instalar mudanças, promove diversos sentimentos, muitas vezes
negativos, de medo, insegurança e frustração:
Além de lidar com os sentimentos dos professores, dos alunos e pais e dos gestores da escola, o coordenador pedagógico irá trabalhar também com os seus próprios e com o fato de que, muitas vezes, os sentimentos demonstrados por cada um dos participantes da escola são contraditórios entre si. (Vieira, 2003. p. 87)
De acordo com a autora esses sentimentos não representam uma crise
intransponível, mas apenas uma dificuldade a ser enfrentada. Identificar e trabalhar
esses sentimentos nos encontros coletivos e individuais permitiria a construção de
um clima de parceria, troca e crescimento que criariam o vínculo necessário para se
promover mudanças no processo de ensino e aprendizagem.
Geglio (2003), ao se referir aos desvios de função do professor coordenador e
à burocratização de seu trabalho, argumentou que a burocracia é algo intrínseco ao
meio escolar, sendo que isso exige o cumprimento de prazos muitas vezes
31
inflexíveis. Ainda que admitindo a hipótese que existem situações nas quais ocorre o
desvio de funções, não concorda que isso termine por fazer parte do seu trabalho.
Ao se debruçar sobre os desvios de função, Roman (2001) se contrapõe a
ideia de que as atribuições do PCP não se caracterizam pelo desenvolvimento de
atividades burocráticas. Para o pesquisador, as atribuições do PCP são marcadas
pela execução de pacotes pedagógicos “prontos”.
Em sua leitura, a função do PCP esteve o tempo todo sob controle de
aspectos institucionais que dificultavam seu trabalho. Essas dificuldades poderiam
ser explicadas, em primeiro lugar, em razão da existência destes profissionais nas
escolas, estar atrelada ao número de classes que nelas funcionavam. Outra
dificuldade encontrada pelos PCPs, residia nas relações de poder que travavam com
a direção escolar e com os órgãos técnicos do governo estadual. E a terceira
dificuldade referia-se à execução de projetos e de propostas pedagógicas
elaboradas por este último.
As considerações feitas até aqui feitas convergem para o conjunto de
inquietações que despertaram o interesse por esta pesquisa.
Diante de como se formulou o problema e, para viabilizar sua investigação,
determinou-se que a coleta das informações necessárias se daria, apenas, junto a
profissionais que atuassem nas séries iniciais do Ensino Fundamental, também em
função das razões já apresentadas no Prefácio.
Portanto, antes de apresentar o Método, julgou-se necessário discorrer a
respeito do contexto de trabalho dos PCPs daquela modalidade de ensino, que se
constitui no âmbito do Programa Ler e Escrever, a respeito do qual foram feitas
algumas breves considerações.
3. O Programa Ler e Escrever
O programa em questão representa a atual política da Secretaria Estadual de
Educação de São Paulo, destinado às séries iniciais do Ensino Fundamental:
O Programa Ler e Escrever está incluído entre as ações destinadas ao cumprimento, até 2010, das 10 metas do plano para a Educação lançado pelo governo paulista em agosto de 2007. Investir na qualidade da formação de base é essencial para que as crianças possam desenvolver, adequadamente, suas potencialidades, abrindo, assim, possibilidades de
32
construção de um futuro com perspectivas de inserção social muito mais amplas. Desta forma, ao implementar o programa, a Secretaria de Estado da Educação age efetivamente na consolidação de soluções que permitirão a melhoria das condições de ensino em toda a rede estadual. (http://lereescrever.fde.sp.gov.br/site/Programa.aspx. Acesso em 10/01/2010)
Trata-se de um programa de formação continuada de professores que,
segundo Prado (s/d), (...) interfere diretamente na gestão do pedagógico e na gestão
administrativa das Diretorias de Ensino.
(http://lereescrever.fde.sp.gov.br/Videos.aspx?idxVideo=1. Acesso em 01/06/2010).
Em continuidade ao Programa de Formação de Professores Alfabetizadores –
PROFA/Letra e Vida, que ocorria fora do ambiente de trabalho, o Programa Ler e
Escrever retomou os conhecimentos teóricos de alfabetização e os mobilizou no
planejamento da ação docente, pautando-se no desenvolvimento de situações
didáticas adequadas às necessidades de aprendizagem dos alunos.
O material planejado e organizado pela equipe das professoras Telma Weisz
e Iara Prado7 contém:
� Guia de Planejamento e Orientações Didáticas para o Professor Alfabetizador de
1ª e 2ª séries;
� Caderno de Planejamento e Avaliação do Professor Alfabetizador – 1ª série;
� Coletânea de Atividades do Aluno – 1ª série;
� Livro de Textos do Aluno – 1ª série, dentre outros materiais destinados a alunos
de outras etapas da escolarização.
A tiragem de materiais destinados aos professores, até 2008, foi de 10.500
volumes; o número de exemplares, para os alunos de 1ª série, foi de 160.000, o que
sugere um alto investimento de verbas públicas e justifica a importância de se avaliar
o alcance das políticas públicas desta natureza, intentando contribuir com as
discussões sobre a atuação do PCP.
Cabe ressaltar que não há nenhum material oficial destinado especificamente
ao professor coordenador.
Em seu desenvolvimento, o Programa Ler e Escrever privilegia 3 esferas de
formação: Gestores (diretores de escola, supervisores de ensino e professores
7 Respectivamente Doutora em Psicologia Educacional pela Universidade de São Paulo e Pós-Graduada em História Social pela Universidade de São Paulo. Atualmente coordenam o Programa Ler e Escrever.
33
coordenadores de oficinas pedagógicas das diretorias de ensino); PCPs e HTPC –
horário de trabalho pedagógico coletivo.
A formação do trio gestor tem como objetivo garantir o suporte necessário
para o bom funcionamento do programa (distribuição dos materiais e recursos;
alocação dos alunos pesquisadores em todas as classes de 1º ano; assegurar que
as orientações e diretrizes do programa são seguidas).
A esfera do horário de trabalho pedagógico coletivo – HTPC - tem como
objetivo assegurar o espaço oficial para a formação continuada dos professores, por
meio do planejamento em grupo e das discussões com o PCP, buscando priorizar
conteúdos e realizar as adequações necessárias ao contexto de cada sala de aula.
O Programa Ler e Escrever se refere ao trabalho do PCP da seguinte
maneira:
Cabe ao professor coordenador a importante tarefa de orientar os professores no uso dos materiais do Ler e Escrever e na prática didática e pedagógica de sala de aula, sempre com o objetivo de preservar a concepção de aprendizagem do programa. O profissional de coordenação deve, também, ajudar o professor a priorizar conteúdos e exercícios disponíveis no material de apoio, de acordo com as necessidades e características de cada classe, além de servir como importante elo na relação da escola com os universitários que atuam como alunos pesquisadores nas classes de 1ª série do Ciclo I do Ensino Fundamental. (http://lereescrever.fde.sp.gov.br/site/EsferaFormacao.aspx, acesso em 10/01/2010).
Com a implementação do Programa, os professores coordenadores passaram
a participar de uma formação quinzenal, que pretende orientá-los para que possam
acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos em suas escolas.
Essas formações privilegiam o acompanhamento e a supervisão do trabalho
dos professores pelo PCP, instrumentalizando este último quanto ao uso do material
proposto e quanto a estratégias de desenvolvimento do seu trabalho, como a
observação de aulas. É neste contexto que se desenvolve o trabalho dos PCPs que
foram selecionados para participar do estudo que ora se apresenta.
A seguir mostram-se algumas considerações, que têm por objetivos
sistematizar o que se abordou até aqui e esclarecer o encaminhamento dado à
investigação.
34
4. Considerações sobre a formulação do problema
Ao esboçar um percurso histórico das atribuições do coordenador pedagógico
nas escolas da rede estadual paulista, em diálogo com a literatura recente, foi
possível chegar a algumas ideias que merecem apontamentos.
Neste século XXI, diante dos discursos de denúncia da baixa qualidade da
educação básica amplamente difundida pelos meios de comunicação de massa e
atestada pelos mais diferentes sistemas de avaliação do ensino do país, muitas
pesquisas e políticas governamentais tem se ocupado da problemática da formação
deficitária de professores.
Diante desse cenário, Davis e Aguiar afirmam que:
Tem sido recorrente, no campo educacional, o reconhecimento da importância de qualificar melhor o professor para que ele possa oferecer um ensino capaz de atingir – e beneficiar – todos os seus alunos. Aprimorar as habilidades pedagógicas e os conhecimentos acadêmicos dos docentes está, portanto, na ordem do dia, fazendo com que a formação inicial e continuada passem a constituir aspecto fundamental em praticamente todas as propostas que buscam melhorar a qualidade da educação. (2010, p. 48)
A frase acima serve para ilustrar como toda a produção de conhecimento a
respeito das atribuições do PCP afina-se com esta concepção, ao afirmar que a
principal função do profissional da coordenação pedagógica é a formação
continuada dos professores.
Além desta função, caberia a ele mediar as relações interpessoais, mobilizar
a equipe escolar na construção do projeto político pedagógico, mediar as relações
escola-comunidade, intervir nas situações de fracasso escolar e na questão da
inclusão (Almeida e Placco, 2006), entre outros aspectos já mencionados ao longo
deste trabalho.
Observou-se ainda que as discussões em torno do papel do professor
coordenador ganharam fôlego desde que passou a integrar o quadro de todas as
escolas de ensino básico da rede estadual, a partir da década de 1990. Desde
então, a delimitação de suas funções tem sido tema de estudos e pesquisas,
estendendo-se também ao cotidiano das escolas, onde seu trabalho se desenvolve.
Em virtude disso, convém examinar como os PCPs em exercício nas escolas
compreendem esse papel, porque isso contribuirá com as reflexões sobre os
35
aspectos inerentes à atuação destes profissionais, bem como sobre o impacto das
políticas educacionais direcionadas aos mesmos.
O recorte desta pesquisa e o interesse por ela encontram justificativa, na
trajetória do pesquisador como PCP em escolas das séries iniciais, em que a sua
formação em Filosofia e, mesmo depois, em Pedagogia (cursadas na rede privada
de ensino), eram insuficientes para atuar na temática alfabetização.
O exercício na rede pública estadual por 10 anos, uma parte como professor
temporário e outra como professor efetivo, em escolas de regiões periféricas da
cidade de São Paulo, permitiu a vivência de toda a implementação das políticas
direcionadas ao PCP durante esse período.
A atuação como PCP foi desenvolvida, simultaneamente, com as funções de
formador de professores, nos níveis de formação inicial e continuada, o que
contribuiu para uma visão mais ampla e mais crítica do papel do profissional da
coordenação pedagógica.
Desse modo, esse trabalho se debruça sobre um conjunto de informações,
coletadas junto a professores coordenadores a respeito de:
� Seu papel como formadores de professores;
� Impacto desse papel no seu cotidiano de trabalho;
� Planejamento pessoal do trabalho dos professores coordenadores e sua
concretização;
� Atividade de observação de aulas;
� Condições de trabalho;
� Questões recorrentes que permeiam o trabalho dos participantes, tais como
inclusão, relação com as famílias e/ou mediação das relações interpessoais entre
professores.
5. Considerações Metodológicas
Ainda que o Programa Ler e Escrever não constitua o objeto central de
interesse desta pesquisa, ele está na base de consideração das análises que foram
realizadas em razão de um conjunto de motivos.
O primeiro deles refere-se ao fato de que tal programa é o mais recente e o
único voltado para as séries iniciais em vigência e de abrangência significativa,
36
atendendo a aproximadamente 444.882 alunos de 1ª a 3ª séries do Ensino
Fundamental até 30/06/2008.
(Fonte: http://lereescrever.fde.sp.gov.br/Programa.aspx?IdGrafico=1. Acesso em
10/01/2010).
O segundo motivo é que esse programa é um dos primeiros, desde a
implementação do posto de trabalho de PCP nos anos 1990, que vem planejando e
desenvolvendo ações formativas direcionadas especificamente aos professores
coordenadores.
Por fim, um outro motivo relevante são os conhecimentos que o pesquisador
detém sobre o programa e seu funcionamento, por participar dele desde o seu início
em 2006; o mesmo ocorreu em relação ao programa que o antecedeu, o
PROFA/Letra e Vida, desde 2003.
Normalmente, nas reuniões de formação com os professores coordenadores,
os assuntos abordados referem-se ao cumprimento das atividades programadas no
Caderno de Atividades do Aluno e no Guia de Planejamento do Professor, à
elaboração de um calendário tendo como objetivo o cumprimento de tais atividades,
à elaboração dos registros que atestem o percurso de aprendizagem dos alunos e a
atividade de observação de aulas dos professores.
Diante de tais informações, e com a convicção de que, num trabalho
científico, o método se refere ao conjunto de procedimentos que produzem
informações necessárias e que mediam concretamente a organização do
conhecimento produzido, que favorecerão a compreensão e apreensão do papel do
PCP, o caminho aqui traçado se dá pela intenção em aprofundar os aspectos
arrolados no objetivo, a fim de compreender a totalidade das questões que
configuram o fenômeno em estudo.
37
II. MÉTODO
1. Localização das Escolas e Seleção dos Participantes
A pesquisa foi realizada com PCPs da rede pública estadual, que atuavam em
escolas de Ensino Fundamental Ciclo I – 1º ao 5º ano, localizadas na região leste do
município de São Paulo.
Inicialmente, foi feito contato com uma Diretoria Regional de Ensino, para
explicar os objetivos da pesquisa e solicitar autorização para que o pesquisador
pudesse entrevistar os PCPs. Ao Dirigente Regional de Ensino, foi entregue uma
carta de apresentação com explicações sobre o estudo e um documento de
autorização que foi devidamente assinado e entregue ao pesquisador.
De posse dessa autorização, estabeleceu-se o contato com os PCPs e seus
respectivos diretores escolares, esclarecendo o que se esperava com o trabalho que
seria realizado no ambiente das escolas e do diálogo com os professores
coordenadores.
A cada professor coordenador considerado participante em potencial, foi
entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi lido por cada um
deles. Na medida em que concordaram em participar, o termo foi assinado em duas
vias idênticas, sendo que uma via foi entregue ao pesquisador e outra ficou de
posse do professor coordenador que aceitou participar da pesquisa.
2. Participantes
Foram selecionados 6 participantes. Cada entrevista ocorreu nas respectivas
escolas onde os profissionais atuavam.
O pesquisador explicou a cada um eles que as entrevistas tinham por
finalidade coletar um conjunto de informações, com vistas à elaboração de uma
dissertação de Mestrado em Psicologia da Educação, que investigaria como os
professores coordenadores descreviam sua atuação como formadores, no contexto
do Programa Ler e Escrever e que seria realizada a partir de entrevistas individuais
com os participantes.
3. Procedimentos
38
As entrevistas foram realizadas mediante a utilização de um gravador, o
preenchimento de um questionário (Anexo I) e de uma pauta-lembrete, que teve
como objetivo conduzir as entrevistas, contendo questões abertas (Anexo II).
Esclareceu-se que as entrevistas seriam gravadas, transcritas, analisadas
previamente e que o pesquisador retornaria à escola para realizar mais uma sessão
de entrevista recorrente, caso fosse necessário.
De início, realizou-se uma entrevista-teste, para avaliar as questões
formuladas pelo pesquisador, as instruções dadas aos participantes e o tempo
destinado a cada gravação. A primeira entrevista ocorreu em duas sessões, sendo a
segunda, uma entrevista recorrente. Uma vez que o resultado foi considerado
satisfatório, esta entrevista também foi utilizada na pesquisa.
As entrevistas recorrentes tiveram a intenção de apresentar a cada
participante a transcrição dos diálogos, seguidos das análises do conteúdo que
foram feitas pelo pesquisador, de maneira que os participantes eram convidados a
ler, fazer observações, complementar informações, solicitar alterações ou até
mesmo a retirada de quaisquer afirmações, caso se sentissem incomodados ou
discordassem das análises realizadas, em acordo com o que se explanou no Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, devidamente aprovado pelo Comitê de Ética
e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Todas as entrevistas foram realizadas num clima informal, permitindo que os
participantes pudessem fazer seus relatos de maneira que, quando fazia nova
pergunta, o pesquisador procurava contextualizá-la no próprio relato dos
participantes; o mesmo ocorria quando havia necessidade de esclarecer ou
completar alguma informação.
As primeiras entrevistas tiveram uma duração média de 50 minutos e as
sessões recorrentes, duração média de 15 minutos, variando de acordo com a
necessidade ou vontade de cada participante em discorrer sobre os assuntos
desencadeados e recorrentes.
Os relatos transcritos constituíram a principal fonte de informações.
Articulados às informações descritas em Participantes (área de formação e tempo de
experiência), ofereceram as bases para a produção da análise e discussão das
informações obtidas.
39
III. RESULTADOS
1. Caracterização dos participantes a partir dos resultados do questionário
Antes de apresentar os resultados obtidos, convém informar que todos os
participantes demonstraram muita disponibilidade em participar do estudo,
conversando abertamente e sem receios sobre o tema proposto.
A caracterização dos participantes é apresentada na Tabela 1:
Tabela 1 – Caracterização dos Participantes
Nome
Paulo8 Judite Clara Teresa Cristina Joana
Experiência como PCP 10 anos 5 anos 5 anos 14 anos 11 anos 12 anos
Tempo de Experiência no Magistério
20 anos 18 anos 18 anos 26 anos 18 anos 22 anos
Tempo de Magistério na modalidade na qual atua
0 13 anos 13 anos 12 anos 7 anos 10 anos
Experiência na Rede Estadual de São Paulo
20 anos 18 anos 18 anos 26 anos 18 anos 22 anos
Área de Licenciatura Biologia Pedagogia Pedagogia Pedagogia Pedagogia
Magistério em Nível Médio e Letras
Pós-Graduação em nível lato sensu
Não possui
Não possui
Psicomotri- cidade
Psicopeda-gogia
Psicopeda-gogia
Psicopeda-gogia,
cursando Mestrado em
Lingüística Participação no Programa Letra e Vida como formador
Não Não Sim Sim Sim Sim
Inicialmente, planejou-se selecionar os participantes com base numa relação
de proporcionalidade, que permitisse verificar se o tempo de experiência profissional,
tanto como professor das séries iniciais quanto como PCP, causava influências nos
relatos dos participantes. Entretanto, não se conseguiu encontrar 3 participantes
com mais de 10 anos de experiência na função e outros 3 com menos de 10 anos.
8 Os nomes apresentados na tabela são fictícios, procedimento que foi empregado para preservar a identidade dos participantes
40
Diante da dificuldade apontada, selecionaram-se 4 participantes com mais de
10 anos de experiência como PCP e 2 com tempo inferior a 10 anos. O tempo de
experiência dos participantes como docentes é relativamente equivalente, de modo
que apenas o professor Paulo não possuía nenhuma experiência como docente nas
séries iniciais.
Estes aspectos foram abordados na análise das entrevistas.
2. Procedimento de análise das entrevistas
A análise das entrevistas buscou fundamentação metodológica na pesquisa
qualitativa, indicada para a apreensão de processos, com maior profundidade, em
acordo com Candela, Coll e Rockwell (2009).
A cada entrevista realizada, o conteúdo era transcrito e analisado. Uma
versão impressa desse material foi disponibilizada a cada participante, que, como se
afirmou anteriormente, era convidado a lê-la e dizer se concordava integralmente
com a análise ou se gostaria de mudar, acrescentar ou até mesmo retirar algo do
conteúdo. Dentre os 6 participantes, 2 acrescentaram informações nos encontros
recorrentes; os outros 4 participantes mantiveram as falas e concordaram com as
análises prévias que haviam sido feitas.
Após inúmeras leituras do conteúdo das entrevistas, os temas recorrentes
foram organizados em agrupamentos, de modo que passaram a compor os
desdobramentos do problema de pesquisa, em acordo com o que se apresentou nas
Considerações sobre a formulação do problema.
Sendo assim, buscou-se entender o que os participantes disseram, de modo
que não apenas se descrevesse literalmente suas falas, mas também o que seus
discursos revelavam e em que princípios suas afirmações estavam assentadas.
3. Análise das Entrevistas
Toda a parte verbal de nosso comportamento (quer se trate de linguagem exterior ou interior) não pode, em nenhum caso, ser atribuída a um sujeito individual considerado isoladamente.
Mikhail Bakhtin
41
O conteúdo gerado pela transcrição das entrevistas suscitou o desafio de
decidir como se encaminharia o procedimento de análise, sobretudo porque o
pesquisador não tinha como princípio encontrar respostas engendradas em
verdades absolutas, e sim, intencionava descrever a análise que cada participante
fazia das suas próprias ações no trabalho como formador de professores, da
maneira mais fidedigna possível.
As incontáveis leituras das conversas com os PCPs indicaram que, de um
modo geral, os participantes descreveram a ação de formar de professores e o
contexto no qual ela ocorre. Assim, estes dois aspectos serviram como fio condutor
da análise que ora se apresenta.
Como se poderá observar, nem todos os participantes se manifestaram da
mesma maneira, nem na mesma seqüência, a respeito dos mesmos assuntos,
mesmo porque, como se justificou no Método, as conversas transcorreram num
clima de informalidade, pois o que se pretendeu, era criar uma clima de
confiabilidade, que pudesse revelar o que os participantes verdadeiramente
pensavam a respeito do seu trabalho.
3.1. O que dizem os professores coordenadores sobre a ação de formar
professores
Na primeira parte do trabalho, verificou-se que a formação de professores,
como política pública proclamada, se efetivou no contexto do Programa Ler e
Escrever, de forma que se buscou compreender como os participantes analisaram
esta atribuição, considerando que todos eles vivenciaram, no mínimo, duas das
mudanças legais instituídas pela Secretaria Estadual de Educação.
No que se refere ao papel do professor coordenador como formador de
professores, as entrevistas indicaram que os participantes reconhecem que houve
mudança no perfil do PCP. Quando foram convidados a descrever suas principais
atividades, a formação de professores surgiu como principal atribuição, como
exemplificado abaixo:
Minha principal atribuição é a formação de professores. Formar os professores e acompanhar as atividades que estão sendo desenvolvidas em sala de aula, gerenciar com elas a sala de aula, a gestão da sala de aula. (Clara)
42
Meu trabalho é direcionado à formação de professores e o acompanhamento do ensino e aprendizagem na sala de aula, coisa que antes a gente não fazia. (Cristina) A principal atribuição do coordenador é cuidar do lado pedagógico da escola. É cuidar do perfil pedagógico. Do plano pedagógico, estar sempre olhando as atividades que os professores estão oferecendo para os alunos, acompanhando o desenvolvimento dos alunos. Agora o professor coordenador tem o perfil de formador. (Judite) Meus HTPCs são pontuados [sic] para a formação do professor à sua atuação na sala de aula. (Joana)
As professoras Joana e Judite revelaram que a concepção de formação se
refere a um trabalho de convencimento dos professores quanto às metas de
aprendizagem e à concepção construtivista preconizadas pela Secretaria Estadual
de Educação:
...a gente faz mesmo o convencimento dos professores. (Joana) Muitas vezes a gente assume o papel de ter que convencer o professor que aquilo pode dar certo, que ele tem que tentar. (Judite)
No que se refere à formação recebida nos encontros do Ler e Escrever,
avaliam que os conteúdos abordados são positivos e auxiliam no desenvolvimento
do seu trabalho:
No último encontro, por exemplo, ela [a formadora] trouxe 3 encaminhamentos de uma professora coordenadora para uma determinada situação lá de sala de aula. E nós tínhamos que escolher qual deles era o melhor. Então, na realidade nós vimos pontos positivos nos 3 e pontos negativos nos 3 [encaminhamentos] E daí, tivemos que fazer o 4º. [encaminhamento] Então, isso é muito legal porque a gente aprende a olhar o que tem de bom em cada situação aí. Nada é descartável. É bom porque a gente traz para a realidade da escola, né? (Judite) Eu acho que está um trabalho muito legal lá. A gente percebe que está fluindo, que está pontual, realmente. (Joana)
43
Ele [o Programa Ler e Escrever] me trouxe mais informações sobre o trabalho na sala de aula, que é uma coisa que eu nunca vivi, porque eu dei aula a vida inteira no ciclo II e no Médio. De 1ª a 4ª, nunca. (Paulo) A gente vai pra diretoria para treinamento e já volta com outro olhar pra escola. Antes eu precisava descobrir o que eu ia dar, o que ia propor. Agora já venho mais ou menos com um caminho e vou me adequando, de acordo com a minha realidade. Eu aproveito muito o que as reuniões passam. (Cristina)
A participante Teresa revelou uma opinião contrária. Justifica que a
experiência de ter sido coordenadora e formadora do PROFA/Letra e Vida, bem
como os conhecimentos adquiridos no curso de mestrado freqüentado por ela,
fazem com que tenha necessidades formativas diferenciadas, que não são
contempladas nos encontros formativos do Programa Ler e Escrever:
Para mim não acrescenta nada. Até tem uma coisa ou outra que você capta ali e que dá pra usar, mas se for analisar friamente, não. Pra quem passou por todo aquele processo, é você ir até lá ouvir, palpitar, se bem que eu fico um pouco na minha, porque senão cai naquela você está fazendo mestrado e quer aparecer. (Teresa)
Ela afirmou ainda que avalia que a partir da formação recebida, muitos dos
professores coordenadores que participam dos encontros, apenas reproduzem os
conteúdos tratados pelos formadores:
Muitos fazem isso: pega e repassa. Pra outros que estão começando o ‘pega e repassa’ é pior, porque ainda nem sabem direito o que estão fazendo ali. Eles repassam com que propriedade, com que embasamento? (Teresa)
Porém, interpreta que isso não ocorre unicamente pela inexperiência dos
professores coordenadores, que estão há menos tempo na função, mas também às
condições de trabalho na rede:
Eu vou falar da coordenação quando eu comecei, em 91, no Gallicho. Eu ia, me falavam na reunião, eu ia lá e passa e repassa. Você está entendendo? Agora, alguns coordenadores mais antigos continuam no passa e repassa, você percebe nas falas e nas coisas que eles vivem pedindo emprestado. Então
44
tem coordenador e coordenador e vai continuar assim. Não vai mudar isso. Eu falo isso porque o salário não é o que deveria ser, é melhor ficar na sala de aula, porque por 40 horas, ganhando praticamente a mesma coisa, com 300 reais a mais? Em termos profissionais, até pode ser bom, mas se você quiser crescer, vai ter que correr muito, não vai poder ficar no passa e repassa. (Teresa)
A hipótese levantada pela professora Teresa fez com que se buscasse, nas
entrevistas subseqüentes, investigar o que os demais participantes descreviam a
esse respeito. Durante as conversas feitas, foi solicitado, a cada um dos
entrevistados, que desse um exemplo que especificasse as orientações que
recebiam nas reuniões do Ler e Escrever e como consideravam que tais orientações
os ajudavam a desempenhar o papel de formadores. As respostas obtidas foram:
Eu não fico repetindo coisas de lugar nenhum, eu não sou papagaio, eu tenho que saber o que estou falando. E eu vejo que tem coordenadores que só repetem, repetem o que o formador falou. Eu percebo isso quando a gente fala de pauta de HTPC. Porque nós recebemos a pauta com cola da Diretoria, é muito bacana, é carta na manga. Mas eu não posso ir pra formação na terça-feira, e depois vomitar tudo na escola. Eu tenho que selecionar, ver qual é o momento, se é o momento na minha escola, ver o que está na cabeça dos meus professores. No segundo semestre eu vou atacar a matemática, não sei se isso vai casar com a pauta da Diretoria, mas aqui a demanda é essa. E vejo, nas reuniões que o que acontece por aí é ‘Control C, Control V’ mesmo. (Clara)
De acordo com as necessidades do meu grupo de professores, eu vou filtrando tudo o que eu recebo lá e vou adaptando ao meu grupo, vou fazendo essas adequações. (Judite) Como já vem no material tudo o que o professor tem que fazer, fica mais fácil para a gente acompanhar o trabalho dele. (Paulo)
As afirmações acima permitem indicam a existência de uma tensão vivida
pelos professores coordenadores, que se esforçam em desenvolver um trabalho
autoral, ao mesmo tempo em que estão sob uma espécie de controle institucional
que podem causar impactos positivos ou negativos na atuação daqueles
profissionais.
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3.2. Dificuldades encontradas pelos participantes para exercer o papel de
formadores de professores
A contradição que se demonstrou anteriormente se explicita por meio das
diferentes interpretações que os participantes constroem acerca daquela experiência
vivida. As entrevistas realizadas revelaram que o esforço cotidiano que estes
profissionais faziam para desempenhar um trabalho que julgavam adequado, era
solitário e particular.
Os participantes revelaram ainda, que o perfil dos coordenadores como
formadores ainda não foram assimilados entre os professores e entre os gestores
escolares, de modo geral. Em outras situações, a falta de profissionais de apoio nas
escolas também surgiu como algo que dificulta a legitimação do seu papel:
Alguns diretores não consideram a função do professor coordenador ainda como uma coisa que mudou, que ele é um formador de profissionais, que é uma função extremamente acadêmica e prática também, porque vai mudar a prática do professor. Mas alguns coordenadores ainda apagam muito incêndio. Isso não quer dizer que eu também não faça isso. Tem horas que sai um pouco, porque não tem outra pessoa pra fazer aquilo. (Judite)
A dificuldade que os professores coordenadores encontravam em legitimar
seu papel de formadores apareceu na maioria das entrevistas, que revelaram que se
tratava de uma conquista que dependia dos seus próprios esforços e interpretações
pessoais:
Os professores têm dificuldade de legitimar esse novo papel, porque eles estão acostumados com uma visão do coordenador como se ele fosse uma muleta. Ele [o professor] quer que quando ele [professor] tem um problema qualquer na sala, que a gente esteja o tempo todo lá. E de fato, nós somos um pouco disso também. Nós temos a função de auxiliar o professor na sala de aula, auxiliar o trabalho dele no dia-a-dia da escola. Porém, essa função de formador traz uma coisa nova que, muitas vezes o professor não está preparado para ela, porque ele gostaria que a gente viesse com algumas coisas mais práticas, algumas coisas que ele pudesse usar no dia-a-dia e o professor coordenador tem essa função de estar cutucando, de estar desestabilizando o professor nos saberes dele. Então,
46
muitas vezes, não é uma função tranqüila, nem diante dos professores, nem diante do grupo administrativo da escola. (Judite) Os professores aqui demoraram pra aprender que a minha função é esta e não aquela. Aí eles aprenderam, né, muda o ano, muda do professor, você tem que começar tudo de novo e falar “olha, eu aqui trato disso, disso, disso.” Se o aluno está brigando com o outro, chama a vice. Se o aluno está com dificuldades para aprender, aí vocês me chamam, é diferente. Então aqui os professores sabem bem do meu papel, porque quando eu voltei aqui da Leste (Diretoria) eu falei “meu papel aqui vai ser este”. (Teresa)
A fala da professora Teresa, acima, demonstra seu esforço em impor seu
papel como formadora, para quem as questões de indisciplina não eram
pedagógicas. Para ela, seu papel de formadora se constituía, fundamentalmente, em
intervir nas situações de alunos com dificuldades na aprendizagem dos conteúdos
trabalhados pela escola.
Infere-se que a interpretação da professora Teresa tem uma relação direta
com a meta da Secretaria Estadual de Educação de alfabetizar todas as crianças,
princípio assumido pelo Programa Ler e Escrever.
Tal inferência não representa uma crítica direta à meta estabelecida, mas
convida o leitor a refletir acerca da importância de compreender a concepção da
professora a respeito daquela, a partir da qual se faz necessário questionar a
maneira como esta e outras metas são institucionalizadas no âmbito da Secretaria
Estadual de Educação e, mais que isso, é necessário refletir a respeito das
diferentes interpretações que os PCPs fazem daquelas metas estabelecidas:
A minha meta quando eu vim para cá era aumentar o índice do Saresp. Olhando [...] comecei a perceber que eu tinha que aumentar os índices da escola. E aumentou pra 120. E no ano seguinte 120 de novo. E falei pra diretora que agora temos que ir para 150 no Idesp.(Teresa)
Eu vejo muita preocupação com o índice do Saresp, com o índice do Idesp, com o bônus. É uma política de meritocracia que não é por aí. A gente tem é que investir de verdade na educação, mas eu observo nos próprios professores coordenadores, como se isso fosse um absurdo, você não vê preocupação com os alunos, mas com os índices da escola. (Clara)
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As interpretações das duas participantes, opostas, em certa medida, criam
oportunidade para que a professora Teresa, por exemplo, volte a estabelecer uma
confusão na compreensão daquilo que é ou não é pedagógico no seu trabalho. Mas,
há que se considerar que contradições como estas marcavam os esforços dos PCPs
em construir seu trabalho com autonomia.
3. 3. Algumas tentativas dos participantes em construir um trabalho autoral
Acerca dos desafios encontrados para exercer o seu trabalho, a professora
Clara afirmou que:
É o que eu digo, o que me mantém na designação de coordenadora é a formação que eu tenho. Porque, nós temos assim, muitas adversidades, tudo acaba sobrando para o coordenador. “Ai, o aluno não tem tal coisa”. “Ah, vai lá e pede pro coordenador.” “Ah, não sei quê, vai com o coordenador”. Assim, não há quem consegue trabalhar. Aqui eu consigo me colocar e me impor e dizer que a minha parte é pedagógica. Eu não sou “disciplinadora”, mas nada me impede de conversar com um aluno num caso de indisciplina, pra ele entender que esse comportamento dele tá fazendo com que ele perca tempo, que ele está perdendo o tempo dele, que é precioso, que ele não vai poder voltar mais. Alguns saberes, ele vai ter aprender na marra depois, porque ele perdeu aquela oportunidade. Mas, chamar pai e mãe, por causa de disciplina, não, esse não é o meu papel. O meu papel é pedagógico. Agora, quando acontece um caso desse, a gente chama pra conversar, pra entender, o por quê desse aluno estar indisciplinado. Porque se for uma aula muito chata, eu também vou me indisciplinar. E eu coloco isso pra elas, a gente tem que ter a vivência nas HTPCs, que são o laboratório da sala de aula. Eu falo, então, já pensou se eu trouxer uns assuntos aqui, que não têm nada a ver com o que a gente precisa saber? Não adianta dar desculpas, vocês precisam saber, gostando ou não. E motivar o aluno não é colocar nariz de palhaço e ficar pulando na frente dele, que não é esse o papel. (Clara)
Já o professor Paulo tem considerações distintas acerca da sua atuação
como formador. Quando convidado a descrever como realiza o acompanhamento do
trabalho dos professores, ele revelou que o realiza da seguinte maneira:
De acordo com o que elas vão me falando. O material já vem pronto para elas, dizendo tudo o que elas têm que fazer. Se
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bobear, diz até o que elas têm que falar. Pra que eu preciso controlar? Eu sei que algumas delas não fazem tudo do jeito que o material manda. Mas eu vou intervir? A LDB não diz que o professor tem o direito de aplicar a concepção que ele quiser? (Paulo)
O discurso acima revela que o professor Paulo não se reconhecia como
formador, ao menos na perspectiva preconizada pelo Programa, porque julgava que
o referido material não permitia que nem ele, na condição de formador, nem os
professores, eram autônomos, no que se refere à concepção pedagógica adotada.
Para ele, que afirmou ter convicções políticas divergentes da atual gestão do
Governo do Estado de São Paulo, a metodologia adotada pelo Programa Ler e
Escrever contribuía para que houvesse concorrência entre as escolas:
Eu ouço nas reuniões, nas conversas corriqueiras, coisas assim “Quantos pré-silábicos têm na sua escola”? Eu sei até de escolas que penduram o mapa da classe na sala dos professores. Isso é perigoso, porque gera competição. E tudo hoje é competição. E os meninos que não conseguem? Tem menino que fica pré-silábico, tem menino que a gente tenta, tenta, vira cambalhota e não aprende. E aí? O que eu faço? Eu que não presto? A professora que não presta? A escola que não presta? O aluno não presta? A mãe dele que não presta? É muito complicado. (Paulo)
A professora Clara expôs sua avaliação sobre as bases que sustentam sua
ação de formadora da seguinte maneira:
Tenho que apostar na mudança de postura do professor, que ele tem que pesquisar, que ele tem que ir atrás, que ele tem que trocar com seu outro par, e perceber o que eu posso oferecer pra ele avançar. (Clara)
Quando foi convidada a dar um exemplo concreto a respeito de como
colocava em prática o que afirmou anteriormente, a professora revelou que atuava
em conjunto com os professores, problematizando situações concretas da sala de
aula, e que tal postura favorecia a criação de vínculos consistentes com estes
professores:
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Aqui eu percebo que elas me vêem como parceira. Que é isso que eu sou dos professores. Se eu não for parceira dos professores, eu vou ser de quem? De direção, de vice-direção, de diretoria de ensino? Não, não sou parceira deles, sou parceira dos professores. Eu adoraria se tivesse alguém para me orientar sobre como eu faço para o meu aluno aprender, porque aluno vem pra escola pra isso, não tem outro motivo. (Clara)
E completou:
... depois do HTPC ela [uma professora] ficou para tirar uma dúvida comigo ... [de] um aluno que está na quarta série, veio de uma outra escola. Ele só tem o domínio do sistema de escrita, mas ele é alfabético. Mas pensar que ele tem domínio de coerência, coesão? Ele não tem. Então, nesse primeiro momento eu sugeri pra ela “pega uma fábula menor, leia com ele, discuta com ele, pra ele te falar. Porque enredo ele tem que ter.” Essa linguagem que se escreve ele tem que ter, né? E ela falou “eu fiz e ele não consegue”. Eu falei “então nós vamos partir para uma outra coisa”, quer dizer, é uma professora preocupada, fez com ele e não conseguiu. Falei “então se fábula ele não deu conta, nós vamos pegar uma história, um conto de fadas mesmo, que seja conhecido, e você retome com ele e você vai pedir pra ele reescrever somente a fala do lobo mau com a Chapeuzinho Vermelho. A Chapeuzinho Vermelho vai falar pra ele ‘nossa vovó, que olhos grandes’”. Ele tem poucas coisas pra pensar em termos de enredo, mas pra grafar ele tem bastante. Então, se eu não tiver toda essa formação, também, eu não saberia o que responder para essa professora. Eu não sei se este é o mais correto, mas é uma das poucas coisas que ainda me vêm à mente pra gente pensar nesse aluno e poder colocar à prova tudo o que ele sabe. (Clara)
A professora Clara retomou ainda, durante as entrevistas, a importância da
sua experiência anterior em sala de aula, como um dos elementos fundamentais que
compunham, na ocasião, o repertório necessário para desempenhar sua função de
formadora:
... hoje eu sei que o meu melhor não era o melhor. Porque eu reproduzia o que eu vivia e eu achava que aquilo ali era o correto. Eu fazia eles escreverem 10 vezes a mesma palavra, porque eu achava que era por aí. Mas, eu fiz tudo o que eu sabia, eu não tinha muita orientação como a gente tem hoje. Então, isso me mobiliza a cada vez aprender mais e discutir em alto nível com elas. Eu falo, se um dia eu achar que não tem
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nada pra tratar no HTPC, eu mesma dispenso. Me desculpo com as professoras, mas assumo isso. (Clara)
A professora coordenadora informou ainda que planejava e organizava os
HTPCs com muita atenção, pois considerava esse espaço um “laboratório da sala de
aula”:
Eu mostro pra elas que o HTPC é o laboratório da sala de aula. Não é diferente, porque quando elas estão aqui, elas se colocam na posição de alunas e isso é involuntário. Nunca foi dito “olha, vocês estão aqui pra aprender comigo”. Mas elas vêem assim, como eu sendo a professora e elas sendo as alunas. É a mesma coisa de uma sala de aula. (Clara)
Nesse sentido, a participante afirma se reconhecer como uma parceira, que
constrói, avalia e tenta buscar coletivamente novos sentidos para as práticas
pedagógicas desenvolvidas no interior da escola.
Segundo ela, a atuação da professora coordenadora que a antecedeu foi
importante para que pudesse exercer seu papel de formadora, utilizando as HTPC
como um espaço legítimo para as formações:
Já nessa escola eu tinha a minha coordenadora como formadora. [Ela] era de formação mesmo. ... Eu comecei sim, com essa questão da formação que muito me inquieta. Imagina, você ficar num lugar por duas horas e não discutir nada que se presta? Porque se eu estou com angústias com relação à aprendizagem dos meus alunos, se eu não tenho alguém pra me direcionar, pra me orientar, pelo menos, onde nós vamos buscar uma ajuda, eu acho que não serve para nada. Então, eu acho que tem que ter a formação. Agora, eu tenho que estudar muito pra estar à frente delas. (Clara)
A professora Judite também revelou que a atuação do professor coordenador
anterior foi igualmente importante para que pudesse exercer o papel de formadora,
conforme exemplifica:
Eu acho que o coordenador anterior foi um facilitador. Porque ele encarou a função de formador antes da rede exigir esse perfil. Então para mim foi mais fácil. Levei um susto menor, foi mais tranqüilo, mas a gente tem que “rebolar” bastante. Tem que estudar bastante, porque só confiar na prática.. (Judite)
51
As duas professoras ressaltaram a importância de estudar. Tal preocupação
revelou um ponto fundamental da ação formadora, que indicou seus esforços em
desenvolver ações que não ficassem restritas à experiência.
Considera-se que esta é uma condição básica para que o trabalho
pedagógico não se transforme numa transposição confusa e simplista das diferentes
concepções pedagógicas, como temos assistido, historicamente.
Parte-se do princípio de que toda ação pedagógica pressupõe a articulação
entre uma teoria e um método.
Nessa linha de pensamento, os discursos dos professores evidenciaram que
é necessário construir uma cultura de formação, bem como apontaram que
percebiam a necessidade de planejar e conduzir os próprios processos de formação
para que estivessem preparados para executar a formação continuada dos
professores em suas escolas.
3. 4. A avaliação dos participantes frente à formação recebida pelo Programa
Ler e Escrever, bem como suas contribuições para o desempenho do seu
trabalho
Os participantes concordaram que a formação recebida pelo Programa Ler e
Escrever cumpria um importante papel:
O Ler e Escrever está obrigando o camarada a olhar para o guia e perceber que não tem resposta. ... O Ler te obriga a ler encaminhamentos, como eu vou organizar, pensar nos agrupamentos, saberes, se estão próximos ou não, em que momentos eu deixo saberes tão distintos juntos, que momentos eu coloco saberes próximos. (Clara) O Ler e Escrever dá um foco pra escola enquanto metodologia, sabe, ação pedagógica. (Cristina) [A partir da participação nas formações do Ler e Escrever] ... Eu posso sugerir coisas, por exemplo, perguntar se a professora está usando letras móveis, se está dando parlendas, se está trabalhando em grupo, essas coisas. (Paulo) A gente aprende muito: a fazer as pautas, a fazer as colas das pautas. Porque você tem que prever o que o seu professor vai questionar. É como o professor em sala de aula, que tem que estar consciente, ciente dos saberes dos alunos. E nós,
52
professores coordenadores, temos que estar conscientes dos saberes do grupo de professores. Então a gente já tem que ter a carta na manga. Pra dizer, bom o grupo vai me questionar isso, isso e isso e eu vou dizer isso, isso e isso. (Judite)
De um modo geral, os participantes avaliaram que o Programa trouxe
mudanças para o seu cotidiano de trabalho, com a definição do papel do professor
coordenador como formador de professores.
As professoras Joana e Teresa ponderaram que essas mudanças teriam tido
início no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores/Letra e Vida, que
foi implementado na Diretoria de Ensino na qual atuam, no ano de 2003:
O Letra e Vida mudou muita coisa na minha vida. Começou lá. Eu acho que aquele primeiro passo como formadora já mudou muita coisa, que eu buscava algumas coisas diferentes que eu não sabia o que era. Esse convite pra trabalhar lá [como formadora do Letra e Vida] me acrescentou muita coisa, por sinal, me efetivei logo depois. Então eu acho que desde ali (sic). Eu acho que acrescentou. A minha postura com os professores não mudou tanto, porque eu acredito num trabalho com bastante fundamentação e prática. O que eu mudei foram os argumentos para o convencimento. (Joana) (...) a formação do Letra, ser formadora, mais o que eu busquei sozinha, porque senão você não dava conta de atender outras questões, foi todo o diferencial pra eu ser a coordenadora que eu sou hoje. (Teresa)
Um dos pontos que legitimavam a ação formadora do PCP, no âmbito do
Programa Ler e Escrever era a atividade de observação de aulas, que tinha como
objetivo acompanhar e subsidiar os professores no desenvolvimento das atividades
sugeridas pelo material didático sugerido.
Para tanto, o PCP tinha como função analisar o objetivo de cada atividade, o
objetivo do professor com cada atividade que desenvolvia e as intervenções feitas
pelo professor nos momentos de aplicação dessas atividades.
Os participantes foram solicitados a realizar um cálculo estimado da
freqüência com que realizaram observações de aulas. Eles revelaram a respeito
disso:
53
Bom, eu devo ter ido umas 3 vezes [em 1 mês]. ... É pouco. (Judite) [Fui] Umas 15 vezes, pra olhar atividades [em 1 semestre]. (Teresa) Olha, eu até faço, mas não como eu gostaria. (Joana) Só [consigo observar aulas] se eu programar. Marcando com antecedência, senão não dá. Mesmo assim, eu não consigo observar tudo o que eu deveria. (Cristina) Eu tô complicada, porque minha sala está em reforma e não tenho onde ficar e sistematizar meu trabalho. Mas eu tento ir uma vez por semana. Então, eu consigo ir em cada sala uma vez por mês. (Clara) Lá nas reuniões do Ler e Escrever elas orientam a gente a assistir aula de vez em quando. Mas eu não faço. Eu digo que faço, mas não faço. Primeiro porque não dá tempo, segundo porque se fosse eu, não ia gostar que o coordenador ficasse assistindo minha aula. Eu ia me sentir vigiado. (Paulo)
Todos os participantes, com exceção do professor Paulo, que afirmou que
não realiza observação das aulas, avaliaram que freqüentavam menos a sala de
aula do que gostariam. Quando convidados a descrever quais eram as variáveis que
os impedia de acompanhar as aulas, revelaram:
Não dá pra ir sempre. Tem professor que você sabe que a coisa está melhor, tem outros que eu tenho que acompanhar mais de perto. Então não dá, eu gostaria de acompanhar mais, mas não dá. Por conta que tem que digitar isso, tem que digitar aquilo, o sistema fecha. Você tem que levar pra sua casa, às vezes, pra digitar. São muitos detalhes, muitas coisas que te prendem na frente do computador, e eu não tenho computador na minha sala. Eu tenho que ficar disputando computador na secretaria, onde dá pra eu ir pra digitar o que tenho que digitar. Então, é difícil, eu teria que ir mais. (Clara) Eu acho que o tempo nos sobre carrega. É uma situação muito conflituosa, sabe? É tudo assim, pra anteontem. Então tudo que você faz tem a ver com documentação, que o registro é fundamental. Mas te cobram muita coisa no meio do caminho. (Joana) Por mais que se trabalhe 8 horas por dia aqui, você não faz só isso. Precisa de tempo pra ler, pra estudar, pra acompanhar os professores e os alunos, mais as funções que a Secretaria nos
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passa, então não dá tempo. Eu gostaria de ir mais na sala de aula, ainda não é o ideal. O número de classes, o número de professores da escola, é muito pra um coordenador só. Mas por conta das outras funções também. Há ainda o fato de que você fica 8 horas por semana fora da escola, em formação. Então sobram 4 dias. Nesses 4 dias tem HTPC. Tem 6 reuniões na semana, em que separei grupos de 1ª e 2ª séries, 3ª e 4ª e professores de Artes e Ed. Física, que eu preciso planejar com cuidado. Se você for ver, falta tempo mesmo. Depois tem que registrar, redigir ata, escrever relatório, falta tempo. (Cristina) O que eu ainda acho falho é essa coisa de que você teria que estar mais tempo com o professor, dar uma atenção maior pra ele na sala de aula. Mas isso não dá, por causa das outras coisas que a gente tem pra fazer. Você determina “quarta-feira vou pra sala tal”, vai, aí chega um pai. Ou então a professora chama pra alguma coisa, fora quando você tem Conselho. Eu faço Conselho aqui com aluno na sala e você sabe que isso demanda tempo. Então eu passo uma semana inteira fazendo Conselho, só de 3ª e 4ª. Então você tem outros entraves. Você combina e não dá pra ir. Então eu não combino o dia que eu vou. Você fala assim “hoje eu ia, mas não vai dar pra ir”. Aí amanhã não dá e você deixa pra o outro dia. Entendeu? Isso acaba prejudicando um pouco. (Teresa)
Tem que preencher planilha disso, planilha de sala de recursos, tem que assistir videoconferência, tem que isso, tem que aquilo. E muitas vezes, essa papelada burocrática, é ‘visão do futuro9’, tem que digitar. E você fica 3 semanas porque o “site dá pau” e você tem que digitar sei lá o quê, sabe? ... eu acho que deveria ser feito mais. A gente deveria entrar pelo menos uma vez por dia ... Só que assim: o processo todo, de observação de aulas, não é um processo simples, né, porque a gente tem que dar uma devolutiva. Então, não daria conta de observar todos os dias. (Judite)
Questionou-se ainda, junto aos participantes, se avaliavam que os
professores se sentiam fiscalizados com a observação de aulas. A respeito disso
afirmaram:
Eu acho que sim. Uma professora inclusive me disse que o problema não é ela. Que ela sente que os alunos acham que eu estou indo lá para fiscalizar ela, o trabalho dela. ... Ela acha que tira a autoridade dela com as crianças. Foi o que ela me passou.
9 Visão do Futuro – Programa destinado à saúde ocular de alunos de escolas públicas. Cf.: http://ensinandoeaprendendoemsaladerecursos.blogspot.com/2010/06/sp-primeiro-mutirao-do-visao-do-futuro.html
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Por mais que eu tenha dito que não, que é uma prática que a gente teve que incorporar, algumas pessoas ficam bem incomodadas. Outras eu não sei. Parece que tudo bem, elas não falam nada. (Judite)
... faz diferença, mesmo naquele professor mais resistente. Primeiro, eu não chego de surpresa, não pode. Eu acho desleal, você entrar no ofício de alguém pra fiscalizar, com a intenção de fiscalizar. A minha intenção é de melhorar. É o que falo, se o professor não me perceber como parceiro, eu estou ali pra que? Pra acabar com o trabalho dele? (Clara)
Fui nos 1ºs anos, que a preocupação maior é com eles. Fui no 2º ano, porque tem uma professora que ainda não está conseguindo. Ela fez o Letra e Vida, mas faz uma miscelânea. (Clara)
O professor Paulo assumiu uma posição diferente:
Lá nas reuniões do Ler e Escrever elas orientam a gente a assistir aula de vez em quando. Mas eu não faço. Eu digo que faço, mas não faço. Primeiro porque não dá tempo, segundo porque se fosse eu, não ia gostar que o coordenador ficasse assistindo minha aula. Eu ia me sentir vigiado. (Paulo)
A análise do discurso dos participantes quanto à atividade de observação de
aulas dos professores revelou algumas variações. Tais variações sugeriram que a
maneira como conduziam aquela atividade tinha uma relação direta com a maneira
como estavam construindo sua identidade de formadores, no período em que as
informações foram coletadas.
Nesse sentido, o conteúdo analisado permitiu inferir que a construção do
repertório que os participantes mobilizavam nos processos de formação de
professores tem suas raízes mais marcantes na experiência que possuíam como
docentes. E a formação que receberam, seja no Programa Letra e Vida, seja no
Programa Ler e Escrever cumpre o papel de sistematizar esses conhecimentos:
O Ler e Escrever me dá base para acompanhar o trabalho dela porque a gente tem que estar perto e acompanhar o desenvolvimento do aluno. Então, muitas vezes, eu também planejo atividades junto com ela, apesar de ter alfabetizado com método silábico, e aquilo era o que a gente dominava, então, o meu conhecimento também foi sendo construído junto com ela.
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Na hora de planejar essa atividade, pra quem é essa atividade, qual é o objetivo dela, qual é a melhor adequação, ela é boa para quem? Para o pré-silábico? E para o silábico com valor, qual é a adequação que a gente vai fazer nessa? E para o alfabético, o que a gente vai pedir? Então, nesse sentido, eu me sinto segura para orientar o professor, porque eu também fui construindo com elas nas HTPCs, dentro dos nossos horários de estudo. Que também é muito bom, esse lado prático, unindo isso ao lado teórico do Programa, eu procuro sempre fazer um gancho: “olha gente, vamos fazer isso”, como por exemplo, o Guia de Orientações Didáticas da 1ª série. Existe um porquê de todas aquelas orientações,né? Então, é não queimar etapas, é estudar junto com elas, aí nesse sentido eu me sinto segura para estar orientando. (Judite)
O argumento defendido anteriormente também encontrou justificativa na
entrevista com a professora Clara, que assim como a professora Judite, era uma das
que possuía menos tempo de experiência como professora coordenadora, mas que
durante todo o percurso de coleta das informações conseguia exemplificar com
detalhes como se colocava ao lado dos professores para ajudá-los a construir e
rever percursos de ensino e aprendizagem.
Para ela, a observação de aulas é um espaço privilegiado de formação e que
consegue perceber avanços na prática pedagógica dos professores:
Quando eu vou pra sala de aula eu falo “eu só vou pra gente ver qual é o movimento da sala”. Então, por exemplo, eu trabalhei muito a leitura inicial. E hoje, isso é tranqüilo na escola. Eu entrei uma vez e falei que queria pegar a leitura inicial. Ela entrou, colocou o cabeçalho na lousa, os alunos perguntaram se ela não ia ler. Ela pegou o livro, começou a ler e eu percebi que tinha uns 7 ou 8 copiando, a professora ia pra lá, ia pra cá, e eles tentando copiar. Eu fiz a mesma coisa no HTPC. Depois, eu chamei a professora, e dei uma devolutiva. Ela me falou “ai, Bel, sabe que eu não tinha reparado?”. Então, eu falei pra ela, “porque não ler primeiro, antes de colocar qualquer coisa da lousa, senão a leitura de apreciação perde o sentido”. Porque ela se queixava muito que eles não prestavam atenção quando ela estava lendo. Mas é postura de aluno, você pôs coisa na lousa, eles copiam, não interessa o que, todo mundo copia. E eu fiz isso com elas, em HTPC. E não falei em que sala que foi, não falei nada, porque eu fui em várias e a gente tem que ter essa delicadeza, você não vai expor o outro. Coloquei um monte de coisas na lousa antes. Elas entraram e eu peguei o livro e comecei a ler. Eu vi que elas estavam copiando. Peguei o apagador e apaguei tudo. Tudo intencional. Foi uma gritaria
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“você está apagando, Bel”. Aí eu falei “ninguém está prestando atenção em mim”. Eu falei “isso é familiar?” “E outra coisa, é tudo intencional, eu não vou tratar de nada disso que está na lousa com vocês hoje. Eu coloquei e vocês copiaram sem saber do que se tratava. Com o aluno é a mesma coisa. Então vamos começar a ter algumas sacadas. Vamos começar a perceber que eu ali na frente estou reproduzindo alguns comportamentos.” E foi impressionante, passei nas salas de novo e vi que isso mudou. (Clara)
O que se quer afirmar é que a observação de aulas é uma atividade de alto
nível de complexidade que requer do observador uma seleção criteriosa do que se
quer observar, do que será feito com aquilo que se observa e que intervenções
serão feitas a partir do conteúdo gerado com a realização daquela atividade.
Sendo assim, interpretou-se que existe uma linha tênue entre fiscalizar se os
professores estão cumprindo a proposta curricular no contexto da concepção
preconizada pelo Programa Ler e Escrever, e conduzir um processo de formação
que tem como compromisso auxiliar os professores no desenvolvimento de um
ensino eficiente.
Isso se manifestou no discurso da professora Judite:
... eu prefiro a resistência nua e crua do que a resistência velada. Entendeu? É assim: quando os professores falam diretamente pra você, você sabe exatamente o que fazer, como fazer. Agora, tenho é medo daquele que fala “ahã, ahã, sim, sim” e depois acaba não fazendo, não aplicando aquilo que você está passando. Por isso é que acho importante a nossa visitação em sala de aula. (Judite)
A professora Teresa informou que não registrou nenhuma das observações
feitas no 1º semestre de 2010, e confirmou a hipótese de que apenas observou se
os professores trabalhavam as atividades no contexto da proposta construtivista:
... acabo dando atenção para os que têm mais dificuldades. E elas me deixam louquinha, porque eu percebo que as práticas estão complicadas. Tem uma professora assim. (Teresa)
Porém, seu discurso revelou uma contradição importante, a respeito da
mesma professora:
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Aí quando eu vou olhar, a classe dela avançou. E aí? Aí eu disse pra elas: se na próxima sondagem tiver entraves, a gente vai rever isso para o segundo semestre. (Teresa)
Assim, constatou-se que a participante vivia um conflito, pois num outro
momento da entrevista revelou que os professores que se apropriavam de uma
concepção construtivista “davam conta”. Porém, ao mesmo tempo, começou a
perceber que, alguns professores, embora não trabalhassem no contexto dos
referenciais teóricos e metodológicos sugeridos pela Secretaria Estadual de
Educação, também apresentavam resultados positivos no trabalho que
desenvolviam.
O professor Paulo foi mais explícito diante de situações semelhantes:
Eu sei que algumas delas não fazem tudo do jeito que o material manda. Mas eu vou intervir? A LDB não diz que o professor tem o direito de aplicar a concepção que ele quiser? (Paulo)
Pode-se perceber que os professores coordenadores viviam conflitos a
respeito das diferentes concepções pedagógicas demonstradas pelos professores,
que fizeram com que corressem o perigo de realizar uma leitura maniqueísta
daqueles. Isso significa que alguns dos entrevistados pareciam ter uma convicção de
que os “bons” professores eram os construtivistas e que os demais precisavam ser
“convencidos”, retomando o que afirmou a professora Joana:
(...) a gente faz mesmo o convencimento dos professores. (Joana)
Para ela, o Programa Ler e Escrever deveria ser obrigatório para todas as
séries do Ciclo I:
Se você não mudar a concepção não muda particularmente nada, não muda. (Joana)
Quando se questionou como poderia se efetivar o que denominou mudança
de concepção dos professores, ela afirmou:
Tem que ser lá, de cima para baixo (...) . (Joana)
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O discurso da professora Teresa revelou - embora tivesse uma concepção
semelhante - seus esforços em compreender as diferentes concepções pedagógicas
dos professores:
O professor que se empenha, que se apropria dessa concepção ele dá conta. A professora dessa sala, aqui onde estamos, é a perfeita construtivista. As crianças dela avançam, produzem. ... E assim, o professor que absorve a concepção consegue dar conta maravilhosamente. Aquele que não consegue, que vai pra um lado, vai pra outro, porque não tem muita segurança, ele vai ‘daquele jeito’. Alfabetiza, dá conta, mas o que eu acho o diferencial é a utilização da leitura. A leitura, eu falo para elas, tudo bem se você não tem firmeza nisso, mas a leitura inicial é primordial todos os dias. Ela faz diferença sim para as crianças produzirem bons textos. Elas precisam dessa linguagem. Então investir nessa leitura é uma coisa que todos aqui investem. Então eu acho que isso ajuda muito. O professor pode misturar um pouco, mas em contrapartida ele investe numa questão que é necessária. Eu gosto muito da proposta, mas eu acho que tem momentos que você está na sala de aula, você tem que mostrar pra criança, isso é experiência própria, que se você não juntar ‘b’ com ‘a’ e dizer que forma ‘ba’, ela não consegue entender. (Teresa)
A professora Clara descreveu suas experiências cotidianas de trabalho de
uma maneira distinta:
[Exemplificando a devolutiva dada aos professores quando observa aulas] ... “pro, eu acho que se eu tivesse pedido aquilo pra aquele aluno, ele ia dar conta. Por que você colocou junto dois alunos que são tão briguentos?”. Isso eu posso chamar e falar. Depois, não durante. Porque o professor já fica nervoso, a gente fica, mesmo aqui. Eu tenho toda tranqüilidade com elas em HTPC, mas mesmo que venha alguém superior a mim, você sabe que tem um olhar de observação, que por mais que não queira, muda. Então eu fico lá, ouço, participo, depois eu chamo e vou apontando tudo o que tem de bacana também que ele fez. E vou puxando, e não posso falar tudo de uma vez, tem coisa que eu tenho que ir devagar. Com alguns professores, uma coisa de cada vez. Não adianta querer corrigir tudo de uma vez, despejar tudo. Ele tem que ir percebendo os pontos que precisa melhorar. Se você começa “não pode isso, não pode aquilo”, o que tem de bom na aula desse camarada? Eu detonei com ele! Quando ele entendeu bem uma coisa, na outra aula que eu combinei com ele eu retomei uma coisa, aponto outra e assim vamos caminhando. (Clara)
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Para os demais participantes, seu papel de formadores de professores ainda
não foi totalmente incorporado à cultura das escolas, seja pelas questões
burocráticas, que eles afirmaram que ainda marcava o trabalho dos professores
coordenadores, seja pela maneira como os professores e gestores escolares
compreendiam o papel daqueles no cotidiano escolar:
Por exemplo, [tem o] mapa de classe para ser digitado. Nunca o sistema está tão liberado como deveria. Então, por exemplo, cada aluno leva em média um minuto e meio para eu digitar tudo, por aluno. Quanto tempo leva isso? Muito tempo. Então são muitas questões que a gente tem que resolver, que fica na mão do professor coordenador, e de repente não seria necessário ficar centrado na figura dele, o papel não tem que ser tão burocrático, o papel dele é de formação e de subsídio para o professor. (Clara) ... [a função de formador, marcada pela implementação do Programa Ler e Escrever] chegou como uma coisa a mais no nosso trabalho. ... tem as coisas do PIC10, os outros projetos, outras coisas que fazem parte do currículo, os projetos que a gente tem que desenvolver, os índices do IDESP11, fora as coisas que eu te falei antes: as pessoas que querem falar com a gente, os professores que chamam e pedem coisas, os funcionários que pedem coisas, os pais que querem ser atendidos, agora é essa prova para a progressão funcional, que ninguém fala em outra coisa. (Paulo) Os professores têm dificuldade de legitimar esse novo papel, porque eles estão acostumados com uma visão do coordenador como se ele fosse uma muleta. Ele quer que quando ele tem um problema qualquer na sala, que a gente esteja o tempo todo lá. E de fato, nós somos um pouco disso também. Nós temos a função de auxiliar o professor na sala de aula, auxiliar o trabalho dele no dia-a-dia da escola. Porém, essa função de formador traz uma coisa nova, que muitas vezes o professor não está preparado para ela, porque ele gostaria que a gente viesse com algumas coisas mais práticas, algumas coisas que ele pudesse usar no dia-a-dia e o professor coordenador tem essa função de estar cutucando, de estar desestabilizando o professor nos saberes dele. Então, muitas vezes, não é uma função tranqüila, nem diante dos professores, nem diante do grupo administrativo da escola. (Judite)
10 PIC – Projeto Intensivo do Ciclo I. Cf.: http://lereescrever.fde.sp.gov.br.
11 IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo. Cf.: http://idesp.edunet.sp.gov.br/.
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A participante Cristina afirmou que legitimar sua função de formadora
dependia bastante dela, a partir dos limites que impunha às demandas que surgiam:
Aqui todos sabem que se eu vou para o HTPC, não pode me chamar pra atender telefone, pra atender pais. A gente vai pra lá e ninguém interrompe, mas eu tive que construir isso. Se tem que responder alguma coisa da parte burocrática fica pra depois, espera. Primeiro é a parte pedagógica. (Cristina)
A professora Clara fez afirmações semelhantes:
Eu acho até que isso você pode fazer [atividades além da formação de professores, como controlar fluxo de alunos ou servir merenda], numa emergência você pode fazer, mas esse não é o seu papel, isso não te diminui em nada. Até porque a gente está trabalhando com criança, de repente, não só na festa junina. De repente, a gente está trabalhando receita, e vamos lá, vamos picar uma fruta, vamos ajudar a servir. Tranqüilo! O que você não pode é desempenhar outras funções que não sejam as suas. (Clara)
Além disso, os participantes afirmaram que ainda havia muitas solicitações
burocráticas que permeavam o cotidiano de trabalho dos professores
coordenadores. Para a professora Cristina, isso ocorria porque, historicamente, o
PCP acumulou funções e as incorporou no seu trabalho, sem recusá-las:
Ainda vem bastante [mapas de classe e planilhas para preencher]. Até porque o coordenador acostumou a conseguir dar conta de um monte de coisas. A gente reclama, faz, mas cumpre o prazo. A gente dá conta e por isso abre espaços pra esses acontecimentos. (Cristina)
Os participantes revelaram que realizavam um planejamento semanal de
trabalho, e que procuravam segui-lo, pois compreendiam que a organização era
fundamental tanto para concretizar o trabalho quanto para obter o respeito dos
professores. Nesse sentido, a professora Judite afirmou:
Eu procuro também ter uma rotina de trabalho que eu estabeleci. Em tais momentos eu vou preparar as pautas, em tais momentos eu vou separar conteúdos, né? Têm momentos de estudo pessoal. Em outros momentos eu vou atender pais.
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Na medida do possível eu procuro ser fiel àquilo que eu estabeleci. Quando eu não consigo, às vezes foge, às vezes acontece, eu vou relaxando um pouco, mas na medida do possível eu tento seguir. E é assim: eu sinto muito que se o grupo percebe que você tem uma organização de trabalho isso também legitima sua função. (Judite)
A professora Clara, na mesma direção, revelou:
Eu procuro seguir uma rotina semanal, é lógico que é altamente flexível, porque um dia a gente é convocado para uma videoconferência de não sei o que e você tem que ir. Então o que você tem preparado, você passa para outro dia, mas eu procuro seguir uma rotina semanal de visitar as salas, de olhar para as próprias rotinas [planejadas pelos professores], de atender professores, de atender pais e atender alunos. (Clara)
No que se refere ao cumprimento do planejamento semanal do trabalho, os
participantes foram convidados a apontar, numa escala de 0 a 100%, o quanto
conseguiam cumprir do referido planejamento. Em sua maioria, os participantes
afirmaram que conseguiam cumprir mais que a metade:
Tem as coisas do dia a dia e as coisas que às vezes sai, porque a realidade é outra. Mas eu acho que uns 70%. Não dá pra cumprir tudo mesmo. Às vezes me sinto a mulher maravilha, às vezes saio frustrada. Eu penso “fiz tanta coisa e não fiz nada, nada daquilo que estava programado”. (Cristina) 50% eu já fico feliz. Já me dou por satisfeita, porque já é uma grande coisa. Porque em momento algum o professor coordenador pode dizer, “olha, agora eu não vou fazer nada”. ... Você vai priorizando. Ocorre uma situação emergencial aí você pára e vai fazer outra coisa. Por exemplo, eu procuro atender pais só num determinado horário, num determinado dia. Mas, às vezes, é aquele pai e mãe que você tem que “pegar a laço”. Às vezes ele vem e você não pode dizer “não vou te atender hoje”. Porque é tão difícil você conversar com a pessoa. (Judite) Acho que uns 80%. Em geral, tem dado certo. Mas eu “malho” muito, viu? Porque é tanta coisa pra gente fazer, que eu tenho que “dançar miudinho”. (Clara) Uns 80% eu consigo cumprir. O que eu ainda acho falho é essa coisa de que você teria que estar mais tempo com o professor, dar uma atenção maior pra ele na sala de aula. Mas isso não dá, por causa das outras coisas que a gente tem pra fazer. Você determina “quarta-feira vou pra sala tal”, vai, aí chega um pai.
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Ou então a professora chama pra alguma coisa, fora quando você tem Conselho. Eu faço Conselho aqui com aluno na sala e você sabe que isso demanda tempo. Então eu passo uma semana inteira fazendo Conselho, só de 3ª e 4ª. Então você tem outros entraves. (Teresa) 60% ou 70 % e tem semana que nem isso. Sou sincera mesmo, que é uma coisa que nos frustra, porque tem a coisa que você teria que estar lá antes do que está acontecendo. E você não consegue, porque é muita coisa ! “Ah, mas dá!”, a Silvia fala, Lilian, Ivana, “ah, mas você tem que se pontuar”. “Se tranque, estude, você tem que trancar sua porta pelo menos uma hora”. Não dá, não dá! A gente leva trabalho pra casa. (Joana)
Tem semana que a metade. Mas em geral, menos da metade. (Paulo)
As informações trazidas pelos participantes conduziram a uma investigação
sobre as condições objetivas em que os PCPs tentam desenvolver suas ações. Os
resultados são apresentados a seguir.
3.5. Algumas considerações sobre o contexto no qual o trabalho dos PCPs
ocorre
As condições de trabalho apareceram como tema recorrente entre os
participantes. Os professores coordenadores revelaram que suas condições de
trabalho eram marcadas pelo acúmulo de tarefas:
... eu procuro seguir uma rotina, mas nem sempre eu consigo. Tem coisas que eu vou deixando mesmo. Não dá pra fazer agora, não dá. (Clara) ... às terças-feiras a gente está lá no Ler e Escrever, então esquece terça-feira. Aí na segunda-feira tem HTPC com as turmas das Oficinas, porque aqui é de tempo integral, então tem a parte das oficinas que eu tenho que atender. Então na segunda-feira eu já tenho que ter mais ou menos o HTPC da segunda pronto, mas sempre tem que xerocar alguma coisa, acrescentar pra fazer o HTPC. Fora uma mãe que você atende, sempre tem alguma coisa que a Diretoria pede, na terça eu estou fora, na quarta aí... Na segunda já tenho que preparar o HTPC pra quarta, já tenho que deixar ele pronto, porque tem HTPC com a turma da manhã, PEB I. Então já é outro dia que você não consegue muito articular, porque aí eu até tento visitar
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os professores das salas que estão ‘mais assim’... Não problema, mas que os professores têm mais dificuldades com algumas crianças, eu tento dar um ‘help’. Na quinta-feira já é um dia que eu me concentro pensando o que eu vou fazer no HTPC pra tentar estudar alguma coisa, o que às vezes não dá, você acaba levando pra casa, mas devido ao mestrado também estou tentando não levar nada daqui. Quer dizer, eu sempre levei, mas agora estou tentando me organizar de uma maneira que não leve... e a rotina do dia-a-dia: olha criança, atende pai, atende criança. (Teresa) O trabalho é estressante e ao mesmo tempo gratificante.
(Joana)
O número de classes, o número de professores da escola, é muito pra um coordenador só. Mas por conta das outras funções também. Há ainda o fato de que você fica 8 horas por semana fora da escola, em formação. Então sobram 4 dias. Nesses 4 dias tem HTPC. Tem 6 reuniões na semana, em que separei grupos de 1ª e 2ª séries, 3ª e 4ª e professores de Artes e Ed. Física, que eu preciso planejar com cuidado. Se você for ver, falta tempo mesmo. Depois tem que registrar, redigir ata, escrever relatório, falta tempo. (Cristina)
Tinha que ter mais funcionários. Eu como coordenador acho que se eu tivesse um assistente, alguém que me ajudasse com coisas burocráticas, os relatórios que a Diretoria pede, que é bastante coisa, e que toma bastante tempo, ia ajudar bastante. O tempo que eu perco fazendo essas coisas eu acho que compromete, sabe? Eu tenho que ser secretário, digitador, controlador de kit escolar... (Paulo)
Para a professora Judite, o fato de as funções de professor coordenador
comporem funções, e não um cargo, prejudicava o seu trabalho:
Eu acho que isso dificulta um pouco. Eu acho que nós tínhamos que ter um cargo, ao invés de ser função. Porque só função... Porque somos avaliados duas vezes por ano. Uma vez no início do ano com prova, depois no final do ano é passado pela diretora, pela supervisora pra nos reconduzir ou não. Com tudo... Notas inclusive, ela nos dá de 0 a 10. (Judite)
Ter um cargo, para a participante, era importante para o desenvolvimento da
sua identidade profissional de coordenadora pedagógica:
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eu acho que se tivéssemos um cargo, a gente ia ser mais respeitada pelos professores, ia legitimar ainda mais. (Judite)
Já a professora Clara, afirmou que:
Cargo te dá todas as garantias legais. Por exemplo, no caso da mulher, que resolve engravidar, tem que cessar a designação dela. Porque o coordenador na rede é função, e só pode se afastar por 45 dias. Se ele sofrer um acidente, se ficar internado, cessa a designação porque não comporta substituição, enquanto que cargo, pode substituir. Mas não é interesse do governo tornar cargo, pelo menos é o que todo mundo entende, senão já teria feito. Garantias legais o coordenador não tem. Agora, isso não quer dizer que se fosse cargo, ia melhorar, principalmente pegando aqueles que se acomodam como funcionários públicos, que quer faltar, tirar licença. (Clara)
Para a professora Judite, o fato de ter que fazer uma prova anualmente para
demonstrar conhecimentos, organizada pela SEE-SP, além de outra avaliação anual
efetuada pelo supervisor de ensino e pela direção escolar, indicavam que aquele
que permanecia na função já teria demonstrado possuir os saberes necessários para
ter um cargo. Quando foi convidada a dizer quantas vezes já passou pelo processo
de avaliação, a professora relevou:
Já é o 4º ano que eu estou aqui. Pelo menos 3 vezes. Fora as provas anuais aplicadas na Diretoria, fora os trabalhos, porque somos avaliados no Ler e Escrever, porque fazemos prova com a Sílvia Ferrari, avaliação. Em todas as reuniões você pensa, repensa, reflete. Pensa, repensa, reflete, então isso tudo isso é um trabalho de construção de conhecimento. Então, daí eu acho que merecíamos ter um cargo e não uma função. Isso ia garantir um pouco das condições de trabalho. (Judite)
A professora Judite afirmou que lida tranqüilamente com todo o processo
avaliativo, mas considerou que a não existência do cargo de PCP causava impactos
no trabalho desenvolvido com os professores:
Eu acho que o professor não põe muita fé. Parece que a gente aqui é transitório. (Judite)
A professora Clara completou:
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Mas tem alguns casos que te deixa frágil. Por exemplo, em algumas situações você fica à mercê do diretor, que pode te tirar. Se um diretor te diz que a sua função é pedagógica, desde que você se forme e estude, você não fica fragilizado. Agora, se não acontece isso, fica difícil, você fica na sombra dele. Porque se o diretor e o supervisor cessarem a sua designação por ter feito um mau trabalho, você fica 2 anos sem poder concorrer ao posto de coordenador em qualquer escola, isso mancha você, porque você não foi competente. Agora, você não foi competente ou não fez o que o diretor queria? Depende, se você é bom profissional. Eu não me submeto a ‘n’ condições que colegas meus se submetem, porque eu acredito no meu trabalho e porque eu tenho os professores validando e legitimando o que eu faço. (Clara)
Além destas questões, a baixa remuneração também surgiu como fator que
interferia no desenvolvimento da profissionalidade dos professores coordenadores.
A professora Teresa acreditava que alguns coordenadores não se comprometiam
com o trabalho em razão do salário:
Eu falo isso porque o salário não é o que deveria ser, é melhor ficar na sala de aula, porque 40 horas por 40 horas, ganhando praticamente a mesma coisa, com 300 reais a mais? Em termos profissionais, até pode ser bom, mas se você quiser crescer, vai ter que correr muito, não vai poder ficar no ‘passa e repassa’. E eu vejo isso acontecer muito. Alguns poucos não, que vêm vindo, que vem estudando, muitos fizeram mestrado, outros estão fazendo, esses já tem um diferencial, porque estão buscando outras coisas, mas na maioria das vezes não é assim. (Teresa)
Para a professora Judite, esse era um ponto de insatisfação. Ela questionou
os baixos salários e a remuneração salarial por méritos implantada pelo Governo do
Estado de São Paulo:
Ah, tem também a coisa do salário. Salário é... A gente teve que fazer uma prova, eu acho até que a gente não deveria fazer, onde já se viu fazer prova pra receber salário? Na verdade a gente acaba pensando: “Pô, por R$ 200,00 a mais”, entende? Sabe, então, eu acho que o nosso trabalho devia ser bem remunerado. Mas eu tenho fé, que ainda vou chegar, no final da minha carreira ganhando bem. Porque a sociedade está exigindo isso. O mercado de trabalho está exigindo pessoas que dominem o conhecimento. Eu ainda tenho fé que um dia a gente vai conseguir ser bem remunerado e ser reconhecido pelo nosso
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trabalho. Se não for aqui, bom, eu estou fazendo pós-graduação, pra depois, tentar dar aula em faculdade, pra tentar complementar o meu salário. ... Eu tenho 18 anos de carreira, 19, estou ganhando R$ 2.200,00 agora. Pra você fazer um trabalho que você não pára o dia todo, sua cabeça não pára, nem de noite, vamos falar a verdade? Às vezes, a gente nem dorme pensando “tenho que fazer isso, fazer aquilo, o que eu vou fazer com aquilo outro?” (Judite)
Além destas questões, os participantes descreveram outras variáveis que
compunham o seu trabalho. Na coleta das informações, se procurou considerar
temas como inclusão, relação com as famílias e crianças com dificuldades no
processo de escolarização, entre outros temas que eventualmente surgiram nas
entrevistas, e que caracterizavam o cotidiano de trabalho dos professores
coordenadores participantes.
O professor Paulo afirmou que há questões a respeito das quais não se sentia
contemplado nas formações semanais que freqüentava na Diretoria de Ensino,
referentes ao Programa Ler e Escrever:
Não fala nada das crianças que tem dificuldade, dos problemas das famílias, dos deficientes. Tem os PCOPs da Diretoria específicos pra esses assuntos, mas não é suficiente. Essas coisas que são nossos maiores problemas. (Paulo)
A professora Clara afirmou que ainda que não fossem abordados de forma
direta, o Programa Ler e Escrever oferecia subsídios para o tratamento de questões
ligadas à inclusão de crianças com deficiências ou de crianças com dificuldades na
aprendizagem de alguns conteúdos:
Se eu pensar que todos têm condições de aprender, que todos os alunos podem aprender, se esse for o princípio, eu acredito que ele dê conta. (Clara)
Para a professora Cristina, os saberes necessários para tratar dessas
questões eram construídos com a experiência, mas avaliou que há aspectos que
não eram discutidos:
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O Ler e Escrever dá um foco pra escola enquanto metodologia, sabe, ação pedagógica. Mas pra lidar com esses outros tipos de problemas acho que não. Esses saberes são da sua experiência. Por exemplo, aqui nossa escola é antiga, os pais preferem ensino tradicional. A gente tem que ouvir eles falarem e depois temos que convencê-los de que a nossa forma de ensinar é a mais adequada para o momento, então, nem sempre ajuda. Com relação à inclusão, tem uma questão da política pública, que é alfabetizar todo mundo até os 8 anos. Não se leva em conta a criança que tem necessidades especiais. Em nenhum lugar tem espaço pra você colocar que ele tem alguma deficiência. Falta alguma coisa pra você colocar que o aluno não consegue escrever porque ele tem uma deficiência intelectual grave, por exemplo. E aí parece que a escola não trabalhou direito. Acho que precisa pensar nisso. (Cristina)
A respeito disso, a professora Teresa, ao tentar compreender esses casos,
pareceu buscar recursos na sua formação como especialista em Psicopedagogia:
A questão da inclusão, por exemplo, é um caso. Uma criança disléxica, por exemplo, não aprende na metodologia do Ler e Escrever. Ele só aprende foneticamente, por silabação. Não tem como. Tem casos que devagar o professor consegue. Eu tenho uma Sala de Recursos aqui e a professora tenta dar conta dessas situações e as crianças têm avançado. Tem crianças com um comprometimento muito grande, que não conseguem avançar tanto. Vai chegar uma hora que tem um limite e vai ter a terminalidade. Agora, a questão familiar, aqui é uma comunidade que pouco colabora. Você chama e não vem, não tem tempo, não pode. Mas aqui a escola que tenta incluir todos. Mas tem casos de professores que têm dificuldades em receber crianças com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem. Mas a gente vai tocando e parando pra pensar. (Teresa)
A professora Joana afirmou, que essas situações dependiam de um
atendimento psicopedagógico que não existia na rede estadual:
(...) esse assessoramento não existe ainda em termos de rede, de um atendimento dentro da escola e de um acompanhamento aos pais, de um aconselhamento mais efetivo, uma equipe preparada para, acho que isso falta muito pra gente! É meu sonho quando eu aposentar né? Eu sou psicopedagoga e eu
69
queria uma situação de trabalhar com problemas de aprendizagem, montar uma equipe. (Joana)
A professora Judite revelou não saber como agir em algumas situações que
envolviam a inclusão de alunos com deficiências ou dificuldades de aprendizagem.
Para ela, faltava formação que lhe auxiliasse a encaminhar casos como estes. Ela
afirmou que, em alguns casos de crianças com deficiências, a questão era de ordem
biológica, do campo da saúde:
O Estado tinha que fazer uma boa parceria com a Saúde. Tinha que ter psicólogo, fono, psicopedagogo. A gente leva essas coisas e parece que a Diretoria não liga. Faz de conta que não está vendo. (Judite)
A mediação da relação entre os professores foi um outro tema mencionado
pela professora Teresa. Para ela, a formação que freqüentava não a auxiliava a
intervir na articulação da equipe escolar:
As pessoas têm que desenvolver esses saberes sozinhas. E eu também não dou conta disso. Por exemplo aqui tem a Aurora que é construtivista, a Nair que mescla tudo, a Marli que faz uma bagunça. A Aurora faz a rotina, a Nair se apóia na rotina da Aurora, só que cada sala tem seu diferencial. Aí vem a Marli e diz “essa rotina eu não concordo muito”. Aí eu falo que se ela não concorda muito, tem que adequar à sala dela. Mas você percebe que por mais que elas sejam um grupo de 2ª série, há momentos que cada um vai cuidar das suas especifidades. Mas é muito pessoal o jeito que cada um dá aula, como cada um se envolve, cada um chega na criança. (Teresa)
Os participantes revelaram que temas como inclusão de crianças com
deficiências, crianças com dificuldades de aprendizagem, e relações com as
famílias, não eram abordados nas formações semanais que recebiam. E embora
alguns participantes tenham considerado que os saberes necessários para tratar
daqueles temas fossem construídos por meio da experiência, a questão que se
colocou foi: como esses saberes poderiam se traduzir em ações que contribuíssem
para a melhoria da prática pedagógica dos professores, que os PCPs deveriam
acompanhar?
70
Como se pode verificar, cada um dos participantes mobilizava os
conhecimentos e saberes que possuía, interpretando essas questões de uma
maneira particular.
Esse fenômeno pode ter efeitos variados sobre o trabalho escolar e seus
resultados, de modo que se não houver atenção sobre esses efeitos manteremos o
divórcio entre discurso e ações e continuaremos a ouvir ‘o eco’ da ineficiência da
educação pública.
71
IV. DISCUSSÃO
Com base nos dados obtidos foi possível inferir que a atuação do PCP ainda
guarda traços de burocratização e fiscalização do trabalho docente, arraigados na
própria história da profissionalidade daquele. Quando a professora Judite, por
exemplo, afirmou sentir que os professores não “botam muita fé” no seu trabalho,
porque lhe parece que está na função em caráter provisório, interpretamos que os
professores podem realmente enxergar o professor coordenador como alguém que
está na escola para fazer cobranças. O que leva o professor Paulo, por exemplo, a
não realizar a observação de aulas, por acreditar que o professor se sinta
fiscalizado. A esse respeito é importante lembrar a afirmação de Furlanetto:
... o coordenador é visto, algumas vezes, como alguém que mais dificulta do que facilita o trabalho pedagógico. Com exigências burocratizadas, tais como: entrega de planejamentos, que pouco dizem aos professores, e utilização de metodologias e estratégias não muito compreendidas pelos docentes, ele se transforma em alguém distanciado do cotidiano da sala de aula, exercendo-se mais como “tomador de conta de professor”. (2000. p. 87)
Mesmo quando demonstravam que tentavam se distanciar desse perfil,
concluiu-se que parece que poucos o conseguiam, pois revelaram que há aspectos
- como os da inclusão de crianças com pessoas com deficiências, crianças com
dificuldades de aprendizagem, indisciplina, e até mesmo alfabetização -, para os
quais não estão preparados, e que requerem a criação de formas alternativas de
coordenar o seu trabalho.
Observamos que, com exceção do professor Paulo, que declaradamente se
opõe à atual proposta da SEE-SP, os demais participantes afirmam balizar suas
ações por meio dos instrumentos ou indicadores propostos pela política educacional
da rede estadual.
Diante disso, o que se julgou importante foi analisar como os professores
coordenadores entrevistados disseram compreender a formação que receberam e,
com base naquela, como descreviam suas ações. Em função da fala do professor
Paulo, depreende-se que seu grupo de professores pode desenvolver suas práticas
da maneira como quiser.
72
Embora essa informação possa levar a pensar que se trata de uma postura
democrática, por outro pode significar que o trabalho desenvolvido por esse
professor coordenador é ‘espontaneísta’. Isso não quer dizer que ele seja um
profissional ‘melhor’ ou ‘pior’, porém as entrevistas realizadas com o mesmo
indicaram que ele utiliza os materiais do Programa Ler e Escrever porque se sente
obrigado a fazê-lo, de alguma forma, terminando por assumir uma postura baseada
na ideia que ‘se não pode ajudar, também não atrapalha’. O depoimento do
professor Paulo remete, novamente, a uma afirmação de Furlanetto:
[Alguns coordenadores] parecem pedir desculpas por estarem exercendo essa função e fazem o possível para passar despercebidos e não “atrapalhar” o trabalho do professor. Tornam-se muitas vezes, bons amigos dos docentes, mas pouco contribuem para a estruturação de uma prática pedagógica mais consistente. (2000. p. 87)
O entrevistado afirmou que não possuía nenhuma experiência nos anos
iniciais do ensino fundamental, o que provavelmente contribui para que ele assuma
a postura de amigo dos docentes. Ainda que tenha afirmado que sua participação
na formação do Ler e Escrever, ao menos lhe permite conversar com seus
professores sobre suas práticas pedagógicas, a questão que se coloca é: como
assumir a postura de formador sem conhecer as especificidades da sala de aula e
sem conhecer como os professores agem na sala de aula?
Pessoa afirma que:
Não basta, por exemplo, identificar que um determinado professor está com dificuldade para fazer com que seus alunos aprendam. É preciso detectar qual é essa dificuldade, especificamente, e propor reflexões que apontem caminhos possíveis para o avanço dos alunos no processo de aprendizagem, ou seja, é necessário que saiba realizar intervenções pontuais junto aos professores. (2010. p. 108).
A ação formadora requer um conjunto de conhecimentos necessários para
realizar intervenções, em acordo com o que afirma Pessoa:
(...) o coordenador pedagógico deve ter um olhar sensível e refinado para sua equipe; deve também dispor de um bom
73
repertório sobre o processo de alfabetização para que seja possível estabelecer relações entre aquilo que observa na atuação de um professor, os conhecimentos de que dispõe sobre o assunto e as possibilidades específicas da sala de aula. (2010. p. 108)
Os dados coletados tornaram possível, ainda, apreender que as expectativas
dos órgãos governamentais terminam por caracterizar o trabalho dos professores
coordenadores como o de cumpridores de tarefas e fiscalizadores do trabalho
docente.
Essa interpretação se justifica em virtude do que encontramos numa das
publicações oficiais da SEE-SP direcionada aos gestores escolares das escolas da
rede estadual de São Paulo:
A coordenação pedagógica constitui-se um dos pilares estruturais da atual política de melhoria da qualidade de ensino e os Professores Coordenadores devem atuar como gestores implementadores dessa política. (SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Gestão do currículo na escola: Caderno do Gestor. São Paulo: SE, 2009. Volume 1, p. 4.)
O conteúdo das entrevistas realizadas com a professora Joana, por exemplo,
revelou que ela exerce exatamente esta função de ‘agente implementador’ da
política educacional. E a questão que se coloca, mais uma vez, diz respeito aos
impactos disso no trabalho cotidiano dos PCPs.
No caso das participantes Joana e Teresa, ficou claro, por meio das
entrevistas, que elas acreditam que devem convencer os professores quanto à
proposta curricular adotada na rede estadual, de maneira que ainda terminam
julgando os professores como ‘bons’ e ‘ruins’, tomando como critério o fato de
seguirem ou não a proposta sugerida.
Mesmo que, em tese, a finalidade da Secretaria Estadual de Educação de
São Paulo não seja esta, apreendeu-se que o modelo de formação adotado está
formando exatamente executores ou agentes da atual política educacional.
Afirma-se isso, porque o atual modelo de formação ancora-se numa proposta
de formação em rede: a Secretaria Estadual “forma” as equipes das Diretorias de
Ensino, que “formam” os professores coordenadores, que “formam” os professores.
74
Constatou-se, com base nesta proposta de formação, parece que os
professores coordenadores aproximam-se muito mais de fiscais do trabalho dos
professores, uma vez que a linha entre acompanhamento do trabalho pedagógico e
fiscalização do trabalho docente pode ser tênue, se o coordenador não souber
exatamente o que quer/precisa ao realizar essa atividade. Nesse sentido,
concordamos com Clemente:
(...) é importante que [o coordenador] tenha feito acordos prévios, delimitado critérios para essa observação e que estes tenham significado para o professor. Assim, num momento posterior ao da aula, ambos poderão discutir objetivamente o que foi feito, aprofundando e relacionando as teorias estudadas com práticas atuais e futuras. (2003. p. 58).
A falta de planejamento das observações ficou evidente nas entrevistas com
as professoras Teresa e Judite. Enquanto a primeira não registrou e não discutiu o
conteúdo de nenhuma das observações de aula que realizou, a segunda revelou
que não segue nenhum roteiro específico e que observa se os professores estão
seguindo a proposta curricular.
Algo semelhante ocorreu nas entrevistas com a professora Joana. Quando se
questionou o que ela pensava da sua atuação como formadora, ela prontamente
afirmou que ‘cobrava’ dos professores o cumprimento da proposta curricular da
SEE-SP, de base construtivista.
Pode-se apreender ainda que o discurso da maioria dos participantes revela
uma compreensão equivocada acerca do trabalho dos professores que
acompanham. Quando não qualificaram os professores como bons ou ruins, como
se afirmou anteriormente, afirmaram que eles eram resistentes ou que eram livres
para acreditar na concepção que quisessem, ainda que isso significasse não
acompanhar o trabalho destes professores, como ocorreu com o professor Paulo.
É importante apontar que não basta observar se os professores cumprem ou
não cumprem uma determinada proposta, com base numa ou outra concepção
pedagógica. Apreendemos que aquilo que os participantes denominaram
construtivismo representa muito mais um fetiche que uma convicção pedagógica.
Conforme aponta Luna:
75
A tradução de uma teoria qualquer em prática pedagógica não é simples, direta e, em muitos casos, nem sequer pretendida, como é o caso típico da teoria piagetiana e dos estudos de Emília Ferreiro. Supondo-se que a teoria seja mesmo funcional para a educação, o que os responsáveis diretos pelo ensino precisam conhecer é quais os princípios desta teoria e de que forma eles podem se reverter em procedimentos aplicáveis. O que lhes tem sido passado, de um modo geral, é ou o resumo da teoria ou, pior, procedimentos dela derivados sob a forma de receitas, que acabam virando fetiches. A questão é que para corrigir esta distorção é necessário não apenas conhecer bem a teoria, como ter uma visão clara do que ensinar, como ensinar e para quem ensinar. (2000. p. 168-169).
. Outro aspecto que o modelo de formação em rede pode desencadear é a
diluição dos conteúdos abordados, no melhor estilo “telefone sem fio”. O que se
pode conseguir, com isso, ao invés de garantir a melhoria do projeto pedagógico
das escolas é aumentar o controle político do aparato escolar:
Os procedimentos de avaliação da escola estão na ordem do dia em nome do “papel avaliador do Estado” como quer Eunice Duhram (1994, p.3). Avaliador de quê? De objetivos e, portanto, do projeto político. O Estado define as grandes e importantes linhas políticas para a educação – uma espécie de neocorporativismo de Estado a serviço das elites -; com isso, como quer Guiomar Namo de Mello (1993) “aumenta-se a governabilidade” do mesmo. O efeito esperado é que o controle se dê, agora, pela via da avaliação externa e não mais burocraticamente. (Freitas, 2002. p. 258).
O controle pela avaliação externa foi mencionado nas entrevistas. A
professora Teresa, por exemplo, afirmou que define suas metas de trabalho por
meio dos índices destas avaliações, assim como as professoras Cristina e Joana, o
que pode corroborar para que estas construam uma atuação voltada muito mais
para a fiscalização do que para a parceria junto aos professores.
Outro aspecto que chamou a atenção foi a preocupação dos participantes
frente aos impactos que os índices de avaliação externa no cotidiano das escolas.
Alguns apontaram que percebem que estes índices acirram a competitividade
entre as escolas e “despersonalizam” os sujeitos, tanto alunos quanto professores.
Nesse sentido, concordamos com Fernandes (2005) quando afirma que as
reformas neoliberais dos anos 1990 terminam por olhar “o professor como objeto, a
quem cabe a regulação pelas formas burocráticas de controle e de tarefas
determinadas externamente”. (p. 7).
76
Sendo assim, é importante problematizar que a maneira como os professores
coordenadores interpretam e planejam suas ações, com base naquelas avaliações,
incide sobre a maneira como agem na formação dos professores. A exemplo do que
se afirmou em Resultados, o desenvolvimento da profissionalidade dos participantes
é marcado por um conflito que vivenciam entre a tentativa de desenvolver um
trabalho autoral e uma espécie de controle institucional.
Em relação a isso, observamos que as contingências históricas podem
auxiliar a compreender o conflito mencionado. Com base nas afirmações de
Almeida (2010), podemos perceber que a história da coordenação pedagógica na
rede estadual paulista, que remonta aos anos 1960, surgiu no contexto das
inovações educacionais, de criação e implementação de projetos pioneiros e
diferenciados. Essas experiências convocaram novas formas de conceber os
processos de ensino e aprendizagem e novos estilos de conduzir a gestão do
trabalho pedagógico. O coordenador pedagógico passou, então, a ser visto como
parceiro dos professores.
Essa concepção sobreviveu até os anos 1990, quando as reformas
neoliberais recriaram as funções do professor coordenador, que passou a ser
responsável pela regulação das tarefas e projetos propostos verticalmente pelo
Estado, como destacamos no início deste trabalho.
Consideramos, portanto, que ao se transformar num agente da política
educacional do Estado, o professor coordenador fica aprisionado aos seus limites.
Isso prejudica o desenvolvimento da sua autonomia e abre precedentes para um
conjunto de equívocos.
Como exemplo, convém revisitar a concepção da professora Teresa, que
considerou que casos de indisciplina, por exemplo, não seriam pedagógicos. Sua
afirmação foi positiva, no sentido de que compreendia que não trabalhava para
aplicar nenhum tipo de sanção aos alunos, mas sugeriu que não oferece tratamento
pedagógico frente à temática, conforme aponta Franco:
Vários fatores podem ser observados pelo PCP, com vista a constatar quais são os aspectos que estão desencadeando problemas de indisciplina na escola, entre os quais destacamos: a concepção de disciplina dos professores; a relação professor-aluno; o conhecimento dos professores sobre infância e adolescência; as propostas de trabalho desenvolvidas em sala de aula; a valorização do espaço escolar pelo aluno. (2003. p. 168-169).
77
O depoimento da professora Clara revelou que a mesma aborda a questão
em conformidade com as afirmações acima. Embora as duas participantes
freqüentassem os mesmos encontros semanais de formação, verifica-se que
construíram concepções tão díspares sobre a temática da indisciplina, dentre outros
motivos, porque este é um dos temas que não estão no contexto da formação
semanal da qual participam.
A disparidade nas análises feitas pelas duas participantes sugere ainda, que
pode existir uma dificuldade no estabelecimento de vínculos entre o grupo de PCPs,
que contribui para que o seu trabalho seja individualizado, como se pode verificar.
Esse conjunto de questões, que caracterizam a ação dos PCPs, inclusive as
condições objetivas de trabalho não podem ser desconsideradas. Como afirma
Pessoa:
(...) é preciso reconhecer que as ocorrências que permeiam o espaço escolar não estão isoladas, mas articuladas de tal modo que, ao referir-se a uma delas, é inevitável deparar com tantas outras. Isto se dá porque o PCP acompanha essa dinâmica. É como numa trama em que os fios estão entrelaçados de tal forma que para o isolamento de um deles faz-se necessária a mobilização dos demais. (2010, p. 100)
Porém, outra vez, alcançar tal feito tem sido uma conquista empreendida,
individualmente e a duras penas, por alguns coordenadores pedagógicos.
A questão das crianças que apresentam dificuldades no processo de
escolarização, por exemplo, foi apontada por todos os participantes. A esse
respeito, Bruno e Abreu afirmam que:
A ação efetiva do coordenador pedagógico no sentido da mobilização de cada ator (em particular) e da equipe escolar (em geral) na perspectiva da superação do fracasso escolar só é possível se as ações individuais são decorrentes de um projeto construído coletivamente, se estão ancoradas no acolhimento, na disponibilidade e no comprometimento pessoal e do grupo e, sobretudo, se são valorizadas, apoiadas e viabilizadas pela direção da escola. (2006. p. 105)
Seja como for, os professores coordenadores afirmam desenvolver seu
trabalho, cada um à sua maneira, como podem e conseguem, frente aos contextos
78
aos quais estão submetidos. Como afirma Furlanetto, “Cada escola tem uma história
que lhe permite ser o que é”. (2010, p. 166).
Podemos tomar como exemplo, ainda, a professora Clara, que se mostrou
parceira dos professores, mas não da direção escolar: “Se eu não for parceira dos
professores, vou ser de quem? De direção, de vice-direção, de Diretoria de
Ensino?”. A questão que se coloca é: como viabilizar o projeto político pedagógico
da escola, sem a parceria com a direção da escola?
Aguiar lembra que:
[...] o coordenador pedagógico pode contribuir com a equipe escolar atuando como mediador das reflexões que o grupo tenha necessidade de compartilhar, articulando um plano de ação que defina suas estratégias de atuação e zelando, juntamente com o gestor da escola, para cumpri-lo com o mínimo de interrupções, ou seja, promovendo uma ação pedagógica coletiva, em direção aos objetivos comuns. (2010, p. 150).
A parceria com a direção escolar mostra-se, portanto, fundamental para a
viabilização do projeto político pedagógico de cada escola, relação que a
participante Teresa afirmou ter com a diretora da escola onde trabalha.
Um outro tema que merece a devida atenção são as condições de trabalho
dos participantes. Chamou atenção, em especial, o discurso dos participantes
acerca da própria profissionalidade e do fato de terem uma função e não um cargo.
Entende-se que essa é uma questão que necessita ser investigada com
maior profundidade, no âmbito da Sociologia das Profissões. Porém, podemos
inferir que as condições de trabalho e salários dos professores coordenadores tem
impactos sobre a constituição da sua profissionalidade. Com base nisso, convém
refletir sobre as afirmações de Dejours:
Considerando o lugar dedicado ao trabalho na existência, a questão é saber que tipo de homens a sociedade fabrica através da organização do trabalho. Entretanto, o problema não é, absolutamente, criar novos homens, mas encontrar soluções que permitiriam por fim à desestruturação de um certo número deles pelo trabalho. (1987, p. 139).
Com isso, se quer chamar a atenção para o fato de que as expectativas
depositadas sobre o coordenador pedagógico são muitas e que, ao responsabilizá-
lo pela inovação na escola, corre-se o risco de negar suas condições objetivas de
79
trabalho. E isso significa, em acordo com Placco (2008) negar a realidade das
escolas brasileiras.
Bruno e Aguiar afirmam que:
Diante da realidade já constatada e da realidade que ainda teima em se anunciar como tendência, acreditamos que as possibilidades de contribuição do coordenador pedagógico estão situadas num espaço em que o refletir-junto e o construir-junto precisam ser aprendidos e vivenciados por toda a equipe. (2006, p. 107)
Contudo, soma-se ao aspecto das condições de trabalho, as outras questões
que permeiam o cotidiano de trabalho dos participantes a respeito da inclusão de
crianças com deficiências e a respeito dos alunos com dificuldades de
aprendizagem. Os resultados que se tem alcançado nesse sentido são fruto de
iniciativas isoladas, como lembrou Aguiar (2010).
Os participantes, de um modo geral, afirmaram que percebem que não há
espaço para o tratamento destes temas no âmbito do Programa Ler e Escrever e
que muitos deles não sabem como agir, concluindo que são questões que fogem do
alcance da escola, constituindo um problema da área da saúde, área com a qual
acreditam que a SEE-SP deveria firmar parcerias.
Ocorre que essa leitura revela um equívoco, pois ainda que qualquer aluno
necessite de acompanhamento por profissionais da saúde, o ensino dos conteúdos
escolares continua sendo responsabilidade da escola.
Diante do que a pesquisa apontou, a formação dos coordenadores
pedagógicos representa um grande desafio. Bruno e Almeida, alertam para o fato de
que esta formação:
Não é uma formação técnica, que se viabiliza por meio da transmissão de um receituário previamente elaborado. Não é uma formação que se pretende padronizadora de atitudes e soluções. Não é uma formação que tem seu foco na pessoa, isolada de seu contexto, de sua cultura social. Não é uma formação cujos contextos respondem a todos os gestos da pessoa. Não é formação que silencia o conflito e o desencontro. (2008. p. 97).
Isso significa, com base nas informações obtidas, que é necessário rever as
proposições que têm sido feitas acerca da formação e do acompanhamento do
80
trabalho dos PCPs, articulando a produção de conhecimento científico às políticas
públicas educacionais praticadas nos nossos dias.
81
V – CONCLUSÃO
Julgou-se importante, ao expor a presente conclusão, afirmar que as
contribuições trazidas pelo Programa Ler e Escrever ao trabalho dos PCPs da rede
estadual, foram muitas e as entrevistas evidenciaram isso.
Convém afirmar, também, que é importante analisar os impactos dessa
formação no contexto de cada escola, com suas características singulares e com o
repertório que cada PCP constrói e a maneira como cada um interpreta a formação
recebida e procura planejar suas ações.
Percebeu-se que os PCPs vivenciam muitos conflitos que decorrem da falta
de clareza a respeito de como devem agir, o que possibilita ou impossibilita a
formulação de um conjunto de intervenções.
Historicamente, delegou-se ao PCP um conjunto de atribuições que,
baseadas numa lógica de controle do Estado sobre suas ações, contribuíram para a
indefinição e o descumprimento do seu papel pedagógico e que dificultam a
construção da sua autonomia.
Para planejar um processo de formação continuada de professores eficiente,
é preciso que se defina com nitidez o comportamento que se quer ensinar ao
coordenador pedagógico, possibilitando-o planejar procedimentos funcionais. Infere-
se que o trabalho do PCP se tornará menos penoso se souber decidir como e o que
fazer para acompanhar o trabalho dos professores, bem como o que será feito para
subsidiá-los e avaliá-los, oferecendo o repertório necessário para que estes
professores, em sala de aula, consigam apresentar melhores resultados na sua
prática pedagógica. Para isso, buscou-se sustentação nas palavras de Skinner:
Apenas definindo o comportamento que queremos ensinar podemos começar a pesquisar as condições das quais ele é função e a planejar um ensino efetivo. (apud Zanotto, 2000. p. 63).
Com base nesse pensamento, defende-se a ideia que é necessário que o
PCP conheça a dinâmica da sala de aula. Esse conhecimento permitirá que este
profissional, ao tomá-lo como referência, provoque mudanças nos professores,
conduzindo-os a comportamentos mais eficientes, diferentes dos comportamentos
82
que utilizavam antes da sua intervenção, a exemplo do que afirma Zanotto (2000)
acerca da formação de professores:
Formar adequadamente um professor significa possibilitar a ele o domínio científico, isto é, dos saberes relativos às diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar, de modo a que o professor adquira a competência necessária para ensinar seus alunos aqueles conhecimentos atuais e relevantes que possibilitam uma ação eficaz na realidade. Significa, também, ensinar ao professor os princípios que permitem compreender, de modo rigoroso, o comportamento humano e os processos de ensino e aprendizagem, habilitando-o a planejar, executar e avaliar um plano eficiente de ensino. Significa, finalmente, ensinar ao professor o autogoverno, levando-o a adquirir e manter um repertório diversificado de comportamentos, a superar as condições que o mantêm trabalhando de modo mecânico e estereotipado e a construir a autonomia necessária para realizar o seu trabalho sem precisar que lhe digam, a cada semana de planejamento, a cada reunião ou a cada novo curso de formação, pelo resto de sua vida, o que deve fazer na sala de aula. (2000, p. 176-177).
Cabe ao PCP, portanto, definir os objetivos do processo de formação que ele
pretende desempenhar, o que só pode ser concretizado se dominar os
conhecimentos que constituem a ação do professor, no chão da sala de aula.
Embora este trabalho não tenha se proposto a construir soluções para a
atuação do PCP, desencadeou questões que deixam pistas para investigações
futuras, como por exemplo, mostrou a necessidade de produzir novos estudos que
possam identificar as contingências que possivelmente expliquem os
comportamentos do coordenador pedagógico. Mas este é um outro caminho que se
pretende trilhar.
A realização desta pesquisa trouxe, também, alguns desafios. Durante sua
construção, vivenciou-se um conflito marcado pelos esforços em buscar a
confluência entre as identidades de pesquisador, formador e PCP. Porém, tem-se a
convicção de que foi exatamente este conflito que possibilitou que o estudo fosse
possível de se concretizar.
A dedicação ao estudo, as reuniões de orientação, bem como o tempo de
maturação dos conhecimentos constituídos, permitiu o distanciamento necessário
que conduziu as descobertas e reflexões nunca antes feitas.
Com esse espírito, encerra-se este trabalho, convocando as palavras de
Mario Quintana: “As reticências são os três primeiros passos do pensamento que
continua por conta própria o seu caminho.”
83
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91
ANEXO I – Questionário de Seleção dos Participantes Nome:______________________________________________________
Escola:______________________________________________________
1. Tempo de Experiência do Magistério: ______________________
Nível de Ensino: ( ) Ed. Infantil ( ) Ciclo I – E.F. ( ) Ciclo II – E.F. ( ) Ensino
Médio ( ) Profissionalizante de Nível Médio ( ) Superior
2. Tempo de Magistério na Rede Estadual: ____________________
Nível de Ensino: ( ) Ciclo I – E.F. ( ) Ciclo II – E.F. ( ) Ensino Médio
3. Tempo de Experiência como PCP: _________________________
( ) Contínua ( ) Com interrupções (neste caso, especifique o tempo___________)
4. Tempo de Experiência como professor na modalidade de ensino na qual atua:
___________________________.
5. Tempo de Experiência como PCP na modalidade de ensino na qual atua:
___________________________.
6. É licenciado em Pedagogia? ( ) sim ( ) não. Se sim, sua licenciatura é: ( )
Plena ( ) Complementação Pedagógica (1.100h)
Em caso negativo, qual é a área da sua licenciatura?________________________.
a. Outras graduações: ______________________________________.
b. Pós-graduação ( ) sim ( ) não.
Em caso positivo, trata-se de curso em nível ( ) Lato Sensu ( ) Stricto
Sensu. Área_____________________.
7. Participou/Participa dos cursos oferecidos pela SEE: ( ) Sim ( ) Não.
a. PROFA/Letra e Vida ( ) Sim. Em caso positivo, quando e por quanto tempo?
____________________________. ( ) Não
b. Ler e Escrever ( ) Sim. Em caso positivo, quando e por quanto tempo?
___________________________. ( ) Não
92
ANEXO II – Pauta lembrete para a realização das entrevistas
1. Quais são suas principais atividades como PCP?
2. Como você organiza suas atividades? Para que?
3. O que o levou a concorrer ao posto de trabalho de PCP?
4. Quais são as principais demandas que os professores lhe trazem? Quais as
expectativas que você pensa que eles têm com relação ao seu posto de
trabalho?
5. Em que situações o diretor da escola costuma lhe solicitar? Que atribuições
ele costuma designar a você?
6. Você costuma participar de reuniões ou cursos oferecidos pela Diretoria de
Ensino ou pela Secretaria Estadual de Educação? Quais assuntos são
abordados? Que contribuições trazem para o exercício da sua função como
PCP?
7. Você considera que a sua formação é suficiente para atender às demandas
que surgem, cotidianamente?
8. Quais são as suas expectativas quanto ao trabalho como professor
coordenador?
9. Com relação as htpcs, como você planeja as reuniões? Que critérios você
utiliza? Quais assuntos você costuma abordar?
10. Como você costuma acompanhar os processos de ensino e aprendizagem?
Quais critérios você utiliza? Quais instrumentos você utiliza?
11. Podemos conversar um pouco a respeito do Programa Ler e Escrever?
12. Há quanto tempo o Programa Ler e Escrever está ocorrendo nesta escola?
13. Você o acompanha desde o início?
14. Você participa das reuniões de formação do Ler e Escrever?
15. Com que peridiocidade acontecem essas reuniões?
16. Quais são os assuntos abordados?
17. Você considera que o Ler e Escrever trouxe melhorias para sua atuação
como PCP? Dê algum exemplo.
18. Você considera que o Programa Ler e Escrever promoveu mudanças no
papel do professor coordenador?
19. Quais seriam?
93
20. Vamos tomar uma situação concreta, por exemplo: um dos grandes desafios
das escolas de ciclo I é intervir nos casos dos alunos que apresentam
dificuldades na alfabetização, enfim, na apropriação do sistema de escrita. A
esse respeito, o Programa mudou alguma coisa na sua forma de acompanhar
o trabalho dos professores? Como? Dê um exemplo.
94
Anexo III – Entrevistas
Entrevista – Professora Judite
Entrevistador: Eu vou começar, então, pedindo pra você contar um pouquinho das
suas atividades como coordenadora.
PCP: Tá bom. A principal atividade do coordenador é cuidar do lado pedagógico da
escola. É cuidar do perfil pedagógico da escola. Do plano pedagógico, estar sempre
olhando as atividades que os professores estão oferecendo para os alunos,
acompanhando o desenvolvimento dos alunos e agora, o professor coordenador tem
o perfil de formador. Depois do Ler e Escrever nós recebemos essas orientações
sistematicamente da Diretoria de Ensino, uma vez por semana. E nós temos a
função de estar repassando às colegas todas essas orientações dos estudos
mesmo.
Entrevistador: De quanto em quanto tempo você vai à Diretoria?
PCP: Quantas vezes nós vamos à Diretoria? Toda semana, às terças-feiras, são 8
horas de trabalho. E de acordo com as necessidades do meu grupo de professores,
eu vou filtrando tudo o que eu recebo lá e vou adaptando ao meu grupo, vou
fazendo essas adequações. E aí eu já preparo htpcs, Eu tenho um htpc que é
coletivo, na quarta-feira, onde eu abordo os assuntos que englobem toda a unidade
escolar. Os outros assuntos eu coloco de quinta-feira. E às segundas, a gente faz a
recuperação paralela. E também tem esse outro lado, né, você sabe...
Entrevistador: Sei.
PCP: ... a gente tá envolvida na recuperação paralela, onde a gente tem que estar
olhando o desenvolvimento, o progresso desses alunos em recuperação paralela.
Então tem tudo isso.
95
Entrevistador: Essa formação que você recebe quem desenvolve são os PCOPs,
certo? E o pessoal da CENP vem de quanto em quanto tempo?
PCP: O pessoal da CENP vem a cada quinze dias, que é a Profª Sílvia Ferrari. As
PCOPs continuam o trabalho da Sílvia. Elas fazem um gancho entre um assunto e
outro e também estão dando matemática.
Entrevistador: Você pode dar um exemplo? Que especifique essas orientações que
vocês recebem? Pode ser uma situação muito pontual. O que é dado lá que você
considera que te ajuda nesse papel de formadora?
PCP: Por exemplo, trazem pra nós exemplos de escritas, que temos que analisar as
hipóteses, conhecer, investigar os saberes deste aluno e fazer as adequações às
atividades que são dadas para eles. É apresentada uma atividade e elas perguntam:
“você acha que essa atividade serve para quem”? “Por quê”? Tudo com justificativa.
“O que você mudaria nessa atividade?” Às vezes nos é apresentada uma atividade
que não está, assim, tão legal. Elas tem coisas boas, mas também tem pontos que
precisam ser sanados. No último encontro, por exemplo, ela trouxe 3
encaminhamentos de uma professora coordenadora para uma determinada situação
lá de sala de aula. E nós tínhamos que escolher qual deles era o melhor. Então, na
realidade nós vimos pontos positivos nos 3 e pontos negativos nos 3. E daí, fazer o
4º. Então, isso é muito legal porque a gente aprende a olhar o que tem de bom em
cada situação aí. Nada é descartável. É bom porque a gente traz para a realidade da
escola, né? Quando você pega qual vai ser a devolutiva que você vai dar pra uma
aula de um professor que você assiste. Então, isso a gente vai aprendendo esses
macetes. A gente aprende muito a fazer as pautas, a fazer as colas das pautas.
Porque você tem que prever o que o seu professor vai questionar. É como o
professor em sala de aula, que tem que estar consciente, ciente dos saberes dos
alunos. E nós, professores coordenadores, temos que estar conscientes dos saberes
do grupo de professores. Então a gente já tem que ter a carta na manga. Pra dizer,
bom o grupo vai me questionar isso, isso e isso e eu vou dizer isso, isso e isso.
Entrevistador: Então, você está me dizendo que faz uma antecipação das possíveis
perguntas que virão? E aí, você já vai mais ou menos preparada para responder
96
essas perguntas. Essas colas, gostei do nome, você costuma fazer sozinha ou já
vêm indicadas da reunião de formação?
PCP: A gente faz em grupo e depois a PCP registra e passa pra nós, tudo por email.
E nós vamos usando conforme a necessidade do grupo que a gente tem. Porque o
que serve pra mim, pode não servir para o Amadeu, para a Ereni, ou para o
coordenador do Duque de Caxias. Então a gente vai filtrando isso.
Entrevistador: Ótimo. Então, continuando. Esse papel de formador é novo, como
você mesma disse. Como você vê esse novo papel diante das atribuições que já
existiam antes. Você acha que essa passagem já foi feita, foi feita tranqüilamente?
PCP: Não. Não foi feita e ainda não existe. Os professores têm dificuldade de
legitimar esse novo papel, porque eles estão acostumados com uma visão do
coordenador como se ele fosse uma muleta. Ele quer que quando ele tem um
problema qualquer na sala, que a gente esteja o tempo todo lá. E de fato, nós somos
um pouco disso também. Nós temos a função de auxiliar o professor na sala de aula,
auxiliar o trabalho dele no dia-a-dia da escola. Porém, essa função de formador traz
uma coisa nova, que muitas vezes o professor não está preparado para ela, porque
ele gostaria que a gente viesse com algumas coisas mais práticas, algumas coisas
que ele pudesse usar no dia-a-dia e o professor coordenador tem essa função de
estar cutucando, de estar desestabilizando o professor nos saberes dele. Então,
muitas vezes, não é uma função tranqüila, nem diante dos professores, nem diante
do grupo administrativo da escola. Não tenho esse problema aqui, mas tem, sei que
têm colegas com esse problema, porque alguns diretores não consideram a função
do professor coordenador ainda como uma coisa que mudou, que ele é um formador
de profissionais, que é uma função extremamente acadêmica e prática também,
porque vai mudar a prática do professor. Mas alguns coordenadores ainda apagam
muito incêndio. Isso não quer dizer que eu também não faça isso. Tem horas que sai
um pouco, porque não tem outra pessoa pra fazer aquilo. Mas tanto as gestoras
aqui, quanto eu, estamos cientes da minha função, que muitas vezes não é essa, é
uma outra. Isso é legal o professor coordenador ter em mente, ter bem claro porque
muitas vezes você prepara um “baita” de um htpc, uma “baita” de uma pauta, e você
chega pensando que vai arrasar. Aí você chega no grupo e o grupo diz “Ah, outra
97
vez isso? Você não traz nada de novo?” E não é isso. Você está indo um pouco
mais a fundo naquela questão. Então, se você, como professor coordenador não
estiver bem ciente da sua função, você “se enrola”.
Entrevistador: Certo. Você disse, num dado momento, que para assumir essa função
formadora, você tem que ter uma clareza de que esse é o seu papel. Do ponto de
vista prático, de segunda a sexta, como você consegue se organizar para ser
formadora? Para fugir da característica de apagar incêndio?
PCP: Eu procuro também ter uma rotina de trabalho que eu estabeleci. Em tais
momentos eu vou preparar as pautas, em tais momentos eu vou separar conteúdos,
né? Têm momentos de estudo pessoal. Em outros momentos eu vou atender pais.
Na medida do possível eu procuro ser fiel àquilo que eu estabeleci. Quando eu não
consigo, às vezes foge, às vezes acontece, e eu vou relaxando um pouco, mas na
medida do possível eu tento seguir. E é assim: eu sinto muito que se o grupo
percebe que você tem uma organização de trabalho isso também legitima sua
função.
Entrevistador: Vamos pensar assim: de 0 a 100% quanto você acha que consegue
cumprir seu planejamento? Porque você disse que às vezes não dá pra cumprir...
PCP: Olha, 50% Rodnei. 50% eu já fico feliz. Já me dou por satisfeita, porque já é
uma grande coisa. Porque em momento algum o professor coordenador pode dizer,
“olha, agora eu não vou fazer nada”.
Entrevistador: Ou senão, se o professor coordenador tem uma demanda
emergencial e você diz “Não, agora não posso”...
PCP: Isso mesmo. Então, você vai priorizando. Ocorre uma situação emergencial aí
você pára e vai fazer outra coisa. Por exemplo, eu procuro atender pais só num
determinado horário, num determinado dia. Mas, às vezes, é aquele pai e mãe que
você tem que “pegar a laço”. Às vezes ele vem e você não pode dizer “não vou te
atender hoje”. Porque é tão difícil você conversar com a pessoa...
98
Entrevistador: E nesses casos, considerando o número de alunos que a escola tem
e que você é sozinha...
PCP: É. São 510 alunos...
Entrevistador: 510? Então... A ocorrência de situações onde você não consegue
falar com os pais, você avalia que é alta ou baixa?
PCP: Eu acho baixa, Rodnei. Na realidade, eu acho que nós conseguimos um
grande avanço na parceria com a família. Os pais já foram bem menos
participativos. Aqueles casos que você chama e não vêm são mínimos. Se a gente
chama eles acabam vindo.
Entrevistador: Ok. E... você acha, vou voltar um pouquinho na dimensão da
formação, tudo bem? Assim... você diz que a sua função de formadora é legitimada
pelas gestoras, então eu estou interpretando que isso não é um problema pra você,
como 50% do seu planejamento vem dando certo. Nessa mesma linha eu entendi
que você afirma que a formação que você vem recebendo da Diretoria tem dado
conta de te ajudar a desempenhar o seu papel de formadora, estou certo?
PCP: Sim, é isso mesmo. Eu acho que essa formação tem muita valia. Eu acho
super importantes as 8 horas que a gente passa lá. Muito importantes mesmo. E não
é só de formador. Muitas vezes a gente assume o papel de ter que convencer o
professor que aquilo pode dar certo, que aquilo ele tem que tentar...
Entrevistador: Isso você diz, com relação à proposta curricular, a que o Ler e
Escrever preconiza?
PCP: Isso mesmo.
Entrevistador: Você acha que os professores resistem à ela, de algum jeito?
PCP: Não. Mas aí também tem um outro problema. Porque eu prefiro a resistência
nua e crua do que a resistência velada. Entendeu? É assim, quando os professores
99
falam diretamente pra você, você sabe exatamente o que fazer, como fazer. Agora,
tenho é medo daquele que fala “ahã, ahã, sim, sim” e depois acaba não fazendo,
não aplicando aquilo que você está passando. Por isso é que acho importante a
nossa visitação em sala de aula. Esse é outro ponto. Existem professores que ainda
se sentem extremamente incomodados com a nossa presença na sala de aula. E
muitas vezes a gente não tem o tempo que gostaria para ir à sala de aula. E isso até
pela demanda de trabalho burocrático, mandado pela Diretoria de Ensino. Que você
sabe quanto é, né? Pedem papelada pra ontem.
Entrevistador: Por exemplo?
PCP: É... muitas coisas pra preencher. Tem que preencher planilha disso, planilha
de sala de recursos, tem que assistir videoconferência, tem que isso, tem que aquilo.
E muitas vezes, essa papelada burocrática é... Visão do futuro, tem que digitar. E
você fica 3 semanas porque o “site dá pau” e você tem que digitar sei lá o quê,
sabe?
Entrevistador: Sei.
PCP: Esse tipo de coisa. A gente tinha que ter um pouco mais de tempo pra ficar
mais em sala de aula.
Entrevistador: A observação de aulas é um ponto fundamental no Ler e Escrever,
certo? Quanto tempo você consegue assistir aulas, do ponto de vista de prático? Por
exemplo, quantas vezes você assistiu aulas, nos primeiros anos, onde há um
trabalho intenso, você entrou nessas salas quantas vezes neste mês?
PCP: Bom, eu devo ter ido umas 3 vezes.
Entrevistador: Em cada sala? Você tem 5 primeiros anos, certo?
PCP: Isso mesmo. É pouco.
Entrevistador: E quanto tempo você permanece em cada uma?
100
PCP: Eu permaneço mais ou menos 40 minutos.
Entrevistador: O equivalente a...
PCP: A uma atividade.
Entrevistador: Uma atividade?
PCP: É. Mas eu sinto que tem professor que se sente muito incomodado.
Entrevistador: Você acha que eles se sentem fiscalizados?
PCP: Eu acho que sim. Uma professora inclusive me disse que o problema não é
ela. Que ela sente que os alunos acham que eu estou indo lá para fiscalizar ela, o
trabalho dela...
Entrevistador: Em que ano foi isso?
PCP: 3ª série. Ela acha que tira a autoridade dela com as crianças. Foi o que ela me
passou. Por mais que eu tenha dito que não, que é uma prática que a gente teve
que incorporar, algumas pessoas ficam bem incomodadas. Outras eu não sei.
Parece que tudo bem, elas não falam nada.
Entrevistador: Você, nessa posição de observadora, considera que essa atividade
tem trazido avanços?
PCP: Eu tanto acho, que eu acho que deveria ser feito mais. A gente deveria entrar
pelo menos uma vez por dia, Rodnei, entendeu? Só que assim: o processo todo, de
observação de aulas, não é um processo simples, né, porque a gente tem que dar
uma devolutiva. Então, não daria conta de observar todos os dias.
Entrevistador: Você tem um roteiro pra observação de aulas?
101
PCP: Olha, tem um roteiro, mas eu acabo, mais ou menos, seguindo o meu próprio
ritmo, né?
Entrevistador: Mas, assim, há um roteiro institucional sugerido?
PCP: Não.
Entrevistador: Foi construído em grupo, nas formações na DE?
PCP: Não. Foi dado como sugestão, não é institucional, não.
Entrevistador: Sei, entendi. Mas, por exemplo, quando você vai para a sala de aula
você observa o quê, especificamente?
PCP: Por exemplo, observar qual é o objetivo da atividade, o objetivo do professor
com aquela atividade e quais são as intervenções que ele faz.
Entrevistador: São essas duas categorias que você observa, então? Você registra
para discutir com o professor?
PCP: Isso mesmo.
Entrevistador: E você olha exatamente o que quando verifica o objetivo da atividade
e as intervenções que o professor faz?
PCP: Se ele está seguindo a proposta.
Entrevistador: Entendi. Acho que do Ler e Escrever já está bom. Vou mudar um
pouco o rumo da nossa conversa, tudo bem? Você veio para a coordenação como
ou movida pelo quê?
PCP: (Risos) “Caí de pára-quedas”. Eu vim para a coordenação para substituir outro
coordenador por uns tempos. Ele não pôde voltar e eu fiquei. Eu ganhei um
“abacaxi”, “um presentão de grego”. Não, foi muito importante pra minha vida
102
profissional. Porque quando a gente está na sala de aula, a gente não tem noção,
Rodnei, do que é o trabalho “aqui embaixo”. Quando a gente está em sala de aula,
eu muitas vezes, pensei assim: “ah, o pessoal da direção e da coordenação não
fazem nada, é fácil, é manha, a gente é que fica aqui com as crianças”. E eu te digo,
do fundo do meu coração, era muito mais fácil cuidar de criança. Quando “eu vim
aqui para baixo” eu pensei que o trabalho era uma coisa e foi outra, completamente
diferente. Porque quando eu vim, aconteceram todas as mudanças na rede, teve
essa mudança de foco na função do coordenador. E eu acabei vestindo a camisa.
Eu entrei achando que era temporário e acabou ficando. E eu \cresci junto com o
processo. E no começo, a gente assusta muito. Porque lidar com as pessoas é muito
diferente. Lidar com adulto, com professores, com o pessoal da direção, pessoal da
Diretoria, com pais. É muito diferente do que lidar com alunos. Embora, possa
parecer “ah, ela está falando isso, porque não é verdade”. Quem ouvir isso eu quero
que saiba que o trabalho de sala de aula, apesar de ser muito difícil, é muito mais
fácil, é muito mais tranqüilo, do que de um coordenador, de um diretor, porque você
coordena uma escola inteira. E liderar não é fácil, liderar exige sabedoria. Liderar um
grupo bom eu acho tão difícil quanto liderar um grupo ruim, porque você tem que
convencer o seu grupo, você tem que conquistá-los. Apesar de eu já ser professora
da casa, e tudo isso, quando você assume a posição de liderança, você passa a ser
vista de um jeito diferente. Porque é difícil. Mas foi uma coisa que só trouxe
benefícios pra minha vida profissional. Eu cresci muito profissionalmente, muito em
relação ao meu próprio conhecimento. Meu conhecimento cresceu muito. A gente
abre muito a mente, pra muitas coisas que em sala de aula a gente não tem
condições de enxergar. E acho que essa é um pouco a minha função. Tenho que
mostras pra elas que elas têm que ampliar um pouco o horizonte. Não é só o
horizonte de 4 paredes, da sala de aula.
Entrevistador: Quando você veio para a coordenação, nos primeiros momentos,
agora, com o passar dos anos, você considera que a sua formação era suficiente
para exercer a função?
PCP: No começo sim. Eu acho que o coordenador anterior foi um facilitador. Porque
ele encarou a função de formador antes da rede exigir esse perfil. Então para mim
103
foi mais fácil. Levei um susto menor, foi mais tranqüilo, mas a gente tem que
“rebolar” bastante. Tem que estudar bastante, porque só confiar na prática...
Entrevistador: Logo que eu cheguei, conversando informalmente, você me disse que
quando você alfabetizava, porque você também disse que ficou muitos anos
trabalhando com 3ª e 4ª série, quando você efetivamente alfabetizou, ainda vigorava
uma proposta de alfabetização pelo que costumamos chamar de método fônico...
PCP: Tradicional.
Entrevistador: Por famílias silábicas e tal. E aí, vamos considerar que, nesse
processo, a sua identidade de coordenadora, ela se constituiu num momento de
mudança de foco na concepção de alfabetização, proposta pela Secretaria de
Educação, você cursou o Letra e Vida e depois, veio acompanhando o Ler e
Escrever. Pensando na sua experiência, que é pautada numa proposta que você
chamou de tradicional e depois, já coordenadora, você vem participando do Ler e
Escrever. Como você avalia tudo isso? Por exemplo, pra facilitar, vamos tomar uma
situação concreta. Logo que eu cheguei e estava te explicando a finalidade da minha
pesquisa e você me contou que chegou uma professora nova de Goiânia, que não
conhecia nada, que veio de outro Estado, que não teve a formação que os outros
tiveram, que você considera que ela não dá conta de trabalhar dentro da proposta.
Como você acha que a sua trajetória te dá base para atuar como formadora dessa
professora?
PCP: O Ler e Escrever me dá base para acompanhar o trabalho dela porque a gente
tem que estar perto e acompanhar o desenvolvimento do aluno. Então, muitas
vezes, eu também planejo atividades junto com ela, apesar de ter alfabetizado com
método silábico, e aquilo era o que a gente dominava, então, o meu conhecimento
também foi sendo construído junto com ela, na hora de planejar essa atividade, pra
quem é essa atividade, qual é o objetivo dela, qual é a melhor adequação, ela é boa
para quem? Para o pré-silábico? E pro silábico com valor, qual é a adequação que a
gente vai fazer nessa? E pro alfabético, o que a gente vai pedir? Então, nesse
sentido, eu me sinto segura para orientar o professor, porque eu também fui
construindo com elas nas htpcs, dentro dos nossos horários de estudo. Que também
104
é muito bom, esse lado prático, unindo isso ao lado teórico do Programa, eu procuro
sempre fazer um gancho: “olha gente, vamos fazer isso”, como por exemplo, o Guia
de Orientações Didáticas da 1ª série. Existe um porquê de todas aquelas
orientações,né? Então, é não queimar etapas, é estudar junto com elas, aí nesse
sentido eu me sinto segura para estar orientando. Isso não quer dizer que eu sei
tudo. Tem hora que eu fico com um nó na cabeça e tenho que pedir socorro. Aí eu
peço socorro lá, pras meninas da Diretoria, levo pra Sílvia Ferrari, e nesse sentido,
eu acho que nós nos constituímos um grupo mesmo. Porque não tem esse negócio,
sabe, “na minha escola não tem problema”. Não, todo mundo compartilha: “na minha
escola tem isso, isso e isso. O que nós vamos fazer? Quero uma luz!”. Nós
coordenadores trocamos atividades por email, a gente passa de uma escola pra
outra, trocamos pauta de htpc: “olha, com meu grupo foi legal, eu fiz isso, isso e
isso”. Aí eu faço as minhas adequações, o que eu faço aqui eu acabo passando pra
outros colegas. Isso é muito legal. Eu acho que o trabalho em equipe é fundamental
para o Programa Ler e Escrever.
Entrevistador: Mudando um pouco. Na verdade tem uma relação com isso que você
está dizendo. E isso tudo diante das condições de trabalho? Como você avalia as
condições de trabalho nesse contexto de implementação do Ler e Escrever?
PCP: Condições de Trabalho. Vou tocar primeiro na questão de ser função e não ser
cargo. Eu acho que isso dificulta um pouco. Eu acho que nós tínhamos que ter um
cargo, ao invés de ser função. Porque só função... Porque somos avaliados duas
vezes por ano. Uma vez no início do ano com prova, depois no final do ano é
passado pela diretora, pela supervisora pra nos reconduzir ou não. Com todo...
notas inclusive, ela nos dá, de 0 a 10.
Entrevistador: As duas, diretora e supervisora, dão notas?
PCP: Isso. Tanta... de tanta seleção, eu acho que todo mundo já provou que tem
condições de ficar num cargo e não numa função.
Entrevistador: Quantas vezes você já passou por esse processo?
105
PCP: Ah, todo final de ano. Já é o 4º ano que eu estou aqui. Pelo menos 3 vezes.
Fora as provas anuais aplicadas na Diretoria, fora os trabalhos, porque somos
avaliados no Ler e Escrever, porque fazemos prova com a Sílvia Ferrari, avaliação.
Em todas as reuniões você pensa, repensa, reflete. Pensa, repensa, reflete, então
isso tudo isso é um trabalho de construção de conhecimento. Então, daí eu acho
que merecíamos ter um cargo e não uma função. Isso ia garantir um pouco das
condições de trabalho.
Entrevistador: Como você se sente em relação a isso?
PCP: Eu acho que o professor não põe muita fé. Parece que a gente aqui é
transitório.
Entrevistador: E como você se sente diante das avaliações.
PCP: Como eu me sinto em ser avaliada? Eu não ligo, não. Eu levo na boa. Pra mim
a avaliação não é um bicho de sete cabeças, mas existem pessoas que pra elas, a
avaliação é uma coisa muito doída.
Entrevistador: Eu acho que te cortei e você ia falar dos professores. Eles te avaliam
em algum momento, nesse processo?
PCP: Não. Mas eu sou avaliada por todos. Você sabe que eu sou, você sabe que a
gente é. Mas eu acho que se tivéssemos um cargo a gente ia ser mais respeitada
pelos professores, ia legitimar ainda mais. Ah, tem também a coisa do salário.
Salário é... A gente teve que fazer uma prova, eu acho até que a gente não deveria
fazer, onde já se viu fazer prova pra receber salário? Na verdade a gente acaba
pensando: “Pô, por R$ 200,00 a mais, entende? Sabe, então, eu acho que o nosso
trabalho devia ser bem remunerado. Mas eu tenho fé, que ainda vou chegar, no final
da minha carreira ganhando bem. Porque a sociedade está exigindo isso. O
mercado de trabalho está exigindo pessoas que dominem o conhecimento. Eu ainda
tenho fé que um dia a gente vai conseguir ser bem remunerado e ser reconhecido
pelo nosso trabalho. Se não for aqui, bom, eu estou fazendo pós-graduação, pra
depois, tentar dar aula em faculdade, pra tentar complementar o meu salário.
106
Entrevistador: Só aqui é insuficiente?
PCP: É. Sem dúvida. Eu tenho 18 anos de carreira, 19, estou ganhando R$ 2.200,00
agora. Pra você fazer um trabalho que você não pára o dia todo, sua cabeça não
pára, nem de noite, vamos falar a verdade. Às vezes, a gente nem dorme pensando
“tenho que fazer isso, fazer aquilo, o que eu vou fazer com aquilo outro?” Professor
devia ter ajuda de custo pra fazer análise, por exemplo. Né?
Entrevistador: Enfim, acho que é isso. Tem mais alguma coisa que você queira
comentar?
PCP: Não. Ah, tem sim. Por exemplo, a gente se esforça muito, mas tem coisas que
o Ler e Escrever não dá conta.
Entrevistador: Como o quê?
PCP: Ah, coisas de família, por exemplo. Tem crianças que toda a família estudou
aqui e dá problema, não aprende.
Entrevistador: E você atribui isso a quê? A questões sociais, por exemplo, que dada
a sua abrangência, a escola tem pouco a fazer?
PCP: Não, às vezes é biológico, mesmo. Tem mãe que se encheu de drogas e a
criança nasce com deficiência.
Entrevistador: E você acha que essa é uma questão de ordem biológica?
PCP: É. O Estado tinha que fazer uma boa parceria com a Saúde. Tinha que ter
psicólogo, fono, psicopedagogo. A gente leva essas coisas e parece que a Diretoria
não liga. Faz de conta que não está vendo.
107
Entrevistador: No Ler e Escrever isso não aparece mesmo, porque ele não discute
especificamente a situação de crianças com deficiências. Você considera isso
importante pra sua atuação como formadora?
PCP: Claro! Mas nisso eu não sei o que fazer!
Entrevistador: Só com relação à inclusão de pessoas com deficiências? Há mais
coisas?
PCP: Tem, tem sim. Mas tudo gira em torno da escrita, da matemática, do currículo.
Entrevistador: O que por exemplo?
PCP: Nas questões de dificuldades de aprendizagem. Eu sei a situação de cada
criança assim. São poucas, mas sinceramente, eu às vezes não sei o que fazer.
Entrevistador: Nisso então, você acha que falta formação?
PCP: Falta, falta sim.
Entrevistador: A gente pode continuar, tomei muito seu tempo?
PCP: Eu tenho uma mãe me esperando para ser atendida...
Entrevistador: Tudo bem, então paramos por aqui. Agradeço muito e se precisar eu
volto outro dia, como combinamos.
PCP: Claro, pode voltar se precisar.
Gravação encerrada em 39min47s.
108
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Judite
Entrevistador: Bom, vou pedir pra você reler nossa primeira sessão de entrevistas e
análise prévia que eu fiz, tudo bem? Fique à vontade para acrescentar, mudar,
completar ou até mesmo se você quiser que eu tire ou mude alguma coisa, fique à
vontade.
PCP: Tudo bem.
(Leitura durou aproximadamente 10 minutos)
PCP: É tão esquisito ver o que a gente falou assim, escrito. (risos)
Entrevistador: Como assim, você se sente como? É algo ruim? Você pode desistir de
participar se quiser.
PCP: Não, imagina, de jeito nenhum. É muito bom. Me ajuda a pensar no meu
trabalho... Ah, Rodnei, eu confirmo tudo. Acho que não quero mudar nada. Acho que
está bom assim, não está?
Entrevistador: Para mim, está (risos). Mas é você quem tem me dizer.
PCP: Pra mim, também. Eu fiquei é com vontade de fazer mestrado, também.
Entrevistador: Então, posso usar, do jeito que está aí?
PCP: Pode, claro!
Entrevistador: Então, está certo, obrigado!
PCP: De nada, o que é isso. Eu quero ir no dia em que você for apresentar.
Entrevistador: Claro, vou te convidar. Gravação encerrada em 14”35’.
109
Entrevista – Professora Teresa
Entrevistador: Então, vou pedir pra você falar da sua rotina como coordenadora.
PCP: Minha rotina dentro da escola é assim: eu tento articular de uma maneira que
eu possa estar vendo as salas de aula, acompanhando um pouco a aula do
professor, o que às vezes fica um pouco difícil, pelo movimento que a gente tem.
Porque às terças-feiras a gente ta lá no Ler e Escrever, então esquece terça-feira. Aí
na segunda-feira tem htpc com as turmas das Oficinas, porque aqui é de tempo
integral, então tem a parte das oficinas que eu tenho que atender. Então na
segunda-feira eu já tenho que ter mais ou menos o htpc da segunda pronto, mas
sempre tem que xerocar alguma coisa, acrescentar pra fazer o htpc. Fora que uma
mãe que você atende, sempre tem alguma coisa que a Diretoria pede, na terça eu
estou fora, na quarta aí, na segunda já tenho que preparar o htpc pra quarta, já
tenho que deixar ele pronto, porque tem htpc com a turma da manhã, PEB I. Então
já é outro dia que você não consegue muito articular, porque aí eu até tento visitar
os professores das salas que estão mais assim... Não problema, mas que os
professores têm mais dificuldades com algumas crianças, eu tento dar um help. Na
quinta-feira já é um dia que eu me concentro pensando o que eu vou fazer no htpc
pra tentar estudar alguma coisa, o que às vezes não dá, você acaba levando pra
casa, mas devido ao mestrado também estou tentando não levar nada daqui. Quer
dizer, eu sempre levei, mas agora estou tentando me organizar de uma maneira que
não leve... e a rotina do dia-a-dia: olha criança, atende pai, atende criança. Eu
atendo criança e pai só quando for assim, problema pedagógico, problema
indisciplinar eu não atendo, quem atende é a vice. Os professores aqui demoraram
pra aprender que a minha função é esta e não aquela. Aí eles aprenderam, né,
muda o ano, muda do professor, você tem que começar tudo de novo e falar “olha,
eu aqui trato disso, disso, disso.” Se o aluno está brigando com o outro, chama a
vice. Se o aluno está com dificuldades para aprender, aí vocês me chamam, é
diferente. Então aqui os professores sabem bem do meu papel, porque quando eu
voltei aqui da Leste (Diretoria) eu falei “meu papel aqui vai ser este”. Estou sempre
correndo, assessorando professor assim, no sentido de se está precisando de algum
material, está com algum conteúdo que precisa assim de uma coisa mais, vou me
informar, vou buscar, vou procurar ajudar, principalmente as 4ªs séries com esse
110
negócio de Saresp. Quando eu cheguei aqui corri atrás de Relato, porque eu sabia
que esses Relatos de Experiências vividas as crianças aqui não sabiam produzir
esse texto, corri com as professoras, até porque fiz um curso sobre isso e eu tenho
todo esse material. Trouxe toda uma seqüência ali pra seguir, então hoje as
professoras trabalham maravilhosamente bem, porque já pegaram todo o meu
esquema. Então minha rotina na semana é assim, senta com a direção e com a vice
pra gente tratar de algumas coisas, mais geral da escola...
Entrevistador: Do planejamento que você faz pra semana, você acha que consegue
cumprir quanto? Há muitas intercorrências? Numa escala de 0 a 100%.
PCP: Uns 80% eu consigo cumprir. O que eu ainda acho falho é essa coisa de que
você teria que estar mais tempo com o professor, dar uma atenção maior pra ele na
sala de aula. Mas isso não dá, por causa das outras coisas que a gente tem pra
fazer. Você determina “quarta-feira vou pra sala tal”, vai, aí chega um pai. Ou então
a professora chama pra alguma coisa, fora quando você tem Conselho. Eu faço
Conselho aqui com aluno na sala e você sabe que isso demanda tempo. Então eu
passo uma semana inteira fazendo Conselho, só de 3ª e 4ª. Então você tem outros
entraves. Você combina e não dá pra ir. Então eu não combino o dia que eu vou.
Você fala assim “hoje eu ia, mas não vai dar pra ir”. Aí amanhã não dá e você deixa
pra o outro dia. Entendeu? Isso acaba prejudicando um pouco.
Entrevistador: Essa questão da observação de aulas ela é uma marca do Ler e
Escrever, que define que os coordenadores façam isso. O que mais atrapalha essa
atividade? O que mais impede que você dê conta de observar aulas?
PCP: As coisas que vêm com urgência que você tem que entregar, da Diretoria.
Entrevistador:: E costuma ser o que?
PCP: Ah, tudo bem, você tem lá um Mapa de Sondagem que você tem que alimentar
todo dia. Agora, inventaram outro Mapa no site. Então eu tive que cadastrar todos os
professores, ensinar todo o caminho das pedras, pra cada um deles, fazer junto com
cada um primeiro, pra depois eles começarem a dar conta do segundo. Quando
111
entrou o segundo, tinha professor que ainda não sabia fazer direito. Aí senta com o
professor e vai fazer. Então tem coisas burocráticas que acabam dificultando isso. E
não é só isso. A gente tem o projeto da USP, que a gente está com esse projeto aí.
A gente tem as Oficinas que tem que tentar articular com os professores da manhã.
A gente não tem o reforço, mas a gente monta um reforço paralelo e cria momentos
alternativos. Por exemplo, a professora dessa sala pega 10 crianças com
dificuldades e vai pra biblioteca e divide as outras. Então você tem que ir lá, dar uma
assessoria. Às vezes tem que ajudar um pouco no trabalho. Então você acaba
deixando a sala de aula, que devia ser prioridade. Até por conta que às vezes o
professor está dando uma atividade e você não quer atrapalhar. Eu não gosto de
dizer assim “vou na sua sala agora”. Acho que precisa combinar. Quando a gente
combina antes, prepara junto, é melhor. Esse ano está meio...
Entrevistador: Quantas vezes você foi à sala de aula esse ano? Você consegue
lembrar disto?
PCP: Fui nos 1ºs anos, que a preocupação maior é com eles. Fui no 2º ano, porque
tem uma professora que ainda não está conseguindo. Ela fez o Letra e Vida, mas
faz uma miscelânea. Nós temos só dois htpcs esse ano, que um morreu também.
Antes tinha 6 e dava pra preparar melhor. Só com com 2 htpcs com todo mundo
junto você não consegue ter conteúdos específicos. Por exemplo, você pensa hoje
eu vou focar em alfabetização para os 1ºs e 2ºs anos e não dá. Você tem que focar
um tema e até falar de alfabetização, mas de um jeito mais geral. Você não fica
especificando. Quando tinha 3 htpcs aí sim, trabalhava as atividades que eles tem
que dar. Não que eu não faça isso, mas é esporádico, porque não dá. Então acabo
dando atenção para os que tem mais dificuldades. E elas me deixam louquinha,
porque eu percebo que as práticas estão complicadas. Tem uma professora assim.
Aí quando eu vou olhar a classe dela avançou. E aí? Aí eu disse pra elas: se na
próxima sondagem tiver entraves, a gente vai rever isso pro segundo semestre.
Agora quantas vezes eu fui no 1º semestre? Umas 15 vezes pra olhar atividades.
Entrevistador: Você tem o registro dessas observações?
PCP: Não, não fiz. Devia ter feito.
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Entrevistador: Esses htpcs que você comentou agora são só dois, ou melhor, 2
horas por semana?
PCP: É 2 horas de 1ª a 4ª, que eu faço às quartas-feiras das 11:30 às 13:30h. E 2
horas de segunda-feira com o pessoal das Oficinas.
Entrevistador: Então o grupo todo só se reúne 2 horas por semana?
PCP: 2 horas. E os professores da manhã separados dos da tarde.
Entrevistador: O que você pensa da definição do PC como formador, defendida pelo
Ler e Escrever?
PCP: Eu sempre acreditei nisso. Fui coordenadora do Letra e Vida, fui formadora. É
uma coisa que eu acredito. O professor que se empenha, que se apropria dessa
concepção ele dá conta. A professora dessa sala aqui onde estamos é a perfeita
construtivista. As crianças dela avançam, produzem. As rotinas dela são impecáveis.
Até levei na Diretoria e os outros pegaram de exemplo, ficaram encantados, pediram
emprestado. E com os outros professores aqui eu também usei. Falei assim “vamos
olhar a da Aurora”. Então hoje rotina aqui é uma coisa que todo mundo faz direito. E
assim, professor que absorve a concepção consegue dar conta maravilhosamente.
Aquele que não consegue, que vai pra um lado, vai pra outro, porque não tem muita
segurança, ele vai daquele jeito. Alfabetiza, dá conta, mas o que eu acho o
diferencial é a utilização da leitura. A leitura, eu falo para elas, tudo bem se você não
tem firmeza nisso, mas a leitura inicial é primordial todos os dias. Ela faz diferença
sim para as crianças produzirem bons textos. Elas precisam dessa linguagem. Então
investir nessa leitura é uma coisa que todos aqui investem. Então eu acho que isso
ajuda muito. O professor pode misturar um pouco, mas em contrapartida ele investe
numa questão que é necessária. Eu gosto muito da proposta, mas eu acho que tem
momentos que você está na sala de aula, você tem que mostrar pra criança, isso é
experiência própria, que se você não juntar b com a a e dizer que forma ba, ela não
consegue entender. Quando eu voltei pra sala de aula aqui, eu juntei uma lista com
as crianças, de times de futebol. E comecei a questionar e chamar pra Ler. Era 1º
113
ano. Chegou um e disse pra mim e leu “B,O,T,A,F,” que era Botafogo. Aí eu falei “tá
bom, b o e aí?” Me deu um negócio. Foi o primeiro dia que eu voltei. Me deu um
negócio, Rodnei, e quando eu comecei a investigar e comecei a trabalhar aqui na
coordenação percebi que é o que pega mesmo. Consciência fonológica! Se a gente
não intervir...
Entrevistador: Você fala com uma propriedade da concepção assumida pela rede,
por conta da sua vivência, você não apenas foi formadora, como coordenou todo o
projeto na Diretoria de Ensino, e tem uma experiência diferente dos outros
coordenadores. Então pensando quando você foi coordenadora antes dessa
vivência toda e agora como você avalia que ela foi importante pra sua atuação como
coordenadora atualmente?
PCP: Foi tudo. Diferença total. Porque olhando Orestes Guimarães, olhando
Gallicho, até porque não tinha nada disso. Teve Circuito Gestão, mas era voltado
para a parte administrativa mesmo, então, não tinha um foco específico em
formação. Quando fui pra Diretoria e comecei ali do nada, vai, a experiência que eu
tinha com coordenação e alfabetização era aquela. A gente sabia muitas coisas, até
por conta das salas do Projeto de Aceleração, mas é aquela coisa da transposição
didática, você não conseguia ver aquilo ali no dia a dia. E então, a formação do
Letra, ser formadora, mais o que eu busquei sozinha, porque senão você não dava
conta de atender outras questões, foi todo o diferencial pra eu ser a coordenadora
que eu sou hoje. Então assim, hoje eu chego aqui e ninguém tira farinha. Eu falo,
está falado. Não gosta, muda de escola. É bem assim, abaixa a cabeça e fica quieto.
A diretora aqui me apóia muito nesse sentido. Aliás, ela não interfere em nada no
meu pedagógico. O que eu faço eu faço, porque ela sabe que eu dou conta. Eu
cheguei aqui em julho de 2008 e corri com os professores em função do Saresp,
porque a escola estava abandonada no sentido de coordenação. A coordenadora
que tinha antes ficou doente, depois faleceu. Aí eu peguei e conversei com os
professores: o que vocês têm de concreto? Tinha muita coisa. A Aurora já estava
aqui, era um professora que já tinha um foco construtivista, já trabalhva bem as
questões do Saresp, então eu peguei ela junto comigo e vamos dar conta do
Saresp, principalmente com os professores de 4ª. A minha meta quando eu vim pra
cá era aumentar o índice do Saresp. No sentido assim, quando o Martins me
114
entrevistou ele me perguntou “por que sair de uma Diretoria e voltar pra escola, é um
retrocesso?”. Eu falei “eu não vejo como retrocesso. Eu vejo que tudo aquilo que eu
aprendi na teoria eu vou olhar na prática. Eu preciso disso. Eu vou olhar”. Porque
você fica muito na teoria. Mas e aí, a prática? Olhando a prática eu comecei a ver
mais coisas e comecei a perceber que eu tinha que aumentar os índices da escola.
E aumentou pra 120. No ano seguinte 120 de novo. E falei pra diretora que agora
temos que ir pra 150 no Idesp. Você vê a melhora. O professor agora já tem uma
noção melhor de como trabalhar aquilo e as coisas vão se encaminhando de uma
forma diferente. Você olhar a prática e alinhar com a teoria te dá um suporte maior
muito grande na hora de trabalhar com o professor. Quando o professor fala pra mim
“não dá certo”, eu pergunto “não dá certo por quê?”. Tem que provar porque não dá
certo. Por que eu vejo e o índice mostrou que melhora. Então pergunto o que está
acontecendo com você, que você está dizendo que não dá certo? Então acho que
eu tenho todo um diferencial e dou graças à Leste 5 por ter passado por toda aquela
experiência, por toda aquela formação e lógico, ter voltado e estar olhando o outro
lado.
Entrevistador: Agora, com o Ler e Escrever, você acha que a formação que você
recebe tem te ajudado a exercer seu trabalho de coordenadora?
PCP: Hoje pra mim, o Ler e Escrever lá na Leste, não. Porque é tudo repetição. Pra
mim não acrescenta nada. Até tem uma coisa ou outra que você capta ali e que dá
pra usar, mas se for analisar friamente não. Pra quem passou por todo aquele
processo, é você ir até lá ouvir, palpitar, se bem que eu fico um pouco na minha,
porque senão cai naquela você está fazendo mestrado e quer aparecer. Então eu
procuro dosar e assim, eu sinto que tem um pessoal que está lá, a mocinha que está
lá responsável pela parte de alfabetização, ela tem aquela visão do Letra, aquela
coisa fechadinha. Outro dia apareceu uma questão de Gêneros do Discurso e elas
trabalharam de um jeito basicão. Não conseguiram sair das entrelinhas e jogaram
pro grupo analisar. Lógico, eu comecei a falar de gênero primário, secundário e
comecei a querer dar aula. Eu não gosto de fazer isso, mas naquele momento era
necessário, porque o pessoal não tinha entendido o texto e nem elas tinham
entendido direito o que elas estavam falando. Então, eu estou me aprofundando
cada vez mais, e quando eu trago essas coisas aqui, que eu aprendo no mestrado e
115
se dá pra encaixar aqui, eu encaixo e as professoras acham bárbaro, porque elas
começam a entender uma questão pra chegar na outra. Uma coisa é você falar que
vai dar história em quadrinhos pras crianças. Mas você trabalhar de onde veio a HQ,
como começou, quem lê mais HQ, então vamos fazendo um percurso pra chegar na
HQ. Falei dessa experiência na formação do Ler e elas socializaram. Isso foi legal no
Letra. Ele incentivava a gente a buscar coisas além. Eu não fiquei só na caixinha,
fechadinha. Eu acho que se todos os coordenadores tivessem essa oportunidade de
sair dessa caixa, dessa coisa pronta, procurando adequar as questões de cada
escola, de acordo com as possibilidades dele e das coisas que ele acredita, ia ser
melhor.
Entrevistador: E para os outros coordenadores, com uma experiência diferente da
sua, você acha que a formação faz sentido?
PCP: Olha, pra muitos sim. No sentido de eles pegarem aquilo que está sendo dado
e repassar daquela forma, muitos fazem isso: pega e repassa. Pra outros que estão
começando o pega e repassa é pior, porque ainda nem sabem direito o que estão
fazendo ali. Eles repassam com que propriedade, com que embasamento? É pobre.
Eu vou falar da coordenação quando eu comecei, em 91, no Gallicho. Eu ia, me
falavam na reunião, eu ia lá e passa e repassa. Você está entendendo? Agora,
alguns coordenadores mais antigos continuam no passa e repassa, você percebe
nas falas e nas coisas que eles vivem pedindo emprestado. Então tem coordenador
e coordenador e vai continuar assim. Não vai mudar isso, Rodnei. Eu falo isso
porque o salário não é o que deveria ser, é melhor ficar na sala de aula, porque 40
horas por 40 horas, ganhando praticamente a mesma coisa, com 300 reais a mais.
Em termos profissionais, até pode ser bom, mas se você quiser crescer, vai ter que
correr muito, não vai poder ficar no passa e repassa. E eu vejo isso acontecer muito.
Alguns poucos não, que vêm vindo, que vem estudando, muitos fizeram mestrado,
outros estão fazendo, esses já tem um diferencial, porque estão buscando outras
coisas, mas na maioria das vezes não é assim.
Entrevistador: Tem coisas na rotina da coordenação que estão um pouco
descoladas da proposta do Ler e Escrever. Por exemplo, a relação com a família, a
questão da inclusão são outras temáticas que também são consideradas
116
pedagógicas e que atravessam o cotidiano da escola e que o coordenador tem que
dar conta. Como você vê isso no meio do Ler e Escrever?
PCP: A questão da inclusão, por exemplo, é um caso. Uma criança disléxica, por
exemplo, não aprende na metodologia do Ler e Escrever. Ele só aprende
foneticamente, por silabação. Não tem como. Tem casos que devagar o professor
consegue. Eu tenho uma Sala de Recursos aqui e a professora tenta dar conta
dessas situações e as crianças têm avançado. Tem crianças com um
comprometimento muito grande, que não conseguem avançar tanto. Vai chegar uma
hora que tem um limite e vai ter a terminalidade. Agora, a questão familiar, aqui é
uma comunidade que pouco colabora. Você chama e não vem, não tem tempo, não
pode. Mas aqui a escola que tenta incluir todos. Mas tem casos de professores que
têm dificuldades em receber crianças com deficiência ou com dificuldades de
aprendizagem. Mas a gente vai tocando e parando pra pensar.
Entrevistador: Lidar com essas situações exige saberes e traquejos do coordenador.
Por exemplo, a articulação da equipe de professores, a relação entre eles, os
conflitos, você acha que o Ler e Escrever ajuda?
PCP: Não. As pessoas têm que desenvolver esses saberes sozinhas. E eu também
não dou conta disso. Por exemplo aqui tem a Aurora que é construtivista, a Nair que
mescla tudo, a Marli que faz uma bagunça. A Aurora faz a rotina, a Nair se apóia na
rotina da Aurora, só que cada sala tem seu diferencial. Aí vem a Marli e diz “essa
rotina eu não concordo muito”. Aí eu falo que se ela não concorda muito, tem que
adequar à sala dela. Mas você percebe que por mais que elas sejam um grupo de 2ª
série, há momentos que cada um vai cuidar das suas especifidades. Mas é muito
pessoal o jeito que cada um dá aula, como cada um se envolve, cada um chega na
criança.
Entrevistador: E como coordenadora como você intervém nisso?
PCP: Eu trabalho assim, eu sou da paz, você sabe. Com jeitinho brasileiro eu vou
tentando administrar o grupo. Por exemplo, no htpc elas queriam sentar todo mundo
junto, com seus amigos, que nem sempre trabalham na mesma série. E elas
117
precisam sim conversar coisas profissionais coletivamente. Então, separei grupos
por mesas: 1ª, 2ª, 3ª e 4ª. Isso quebrou um pouco as proteções por amizade. Instituí
aqui o registro reflexivo do htpc. Cada semana é uma professora diferente que faz e
lê pro grupo na semana seguinte. Isso veio do Letra. No começo não queriam, agora
já se adaptaram.
Entrevistador: Acho que do que eu precisava perguntar deu conta. Você quer falar
mais alguma coisa?
PCP: Não. O que eu acho eu já falei na Diretoria. Eu acho que deviam dividir o grupo
na formação do Ler e Escrever, porque está muito chato e não está me ajudando
muito como coordenadora.
Entrevistador: Está certo. Muito obrigado!
PCP: De nada, o que é isso.
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Teresa
Entrevistador: Bom, Iara, estou voltando para pedir pra você ler a entrevista que fiz
com você na segunda-feira, e a análise prévia que eu fiz dela. Vou pedir que você
veja se quer mudar, tirar, completar ou esclarecer alguma coisa, pode ser?
PCP: Claro, vamos lá.
(Leitura durou aproximadamente 12 minutos)
PCP: Aqui, quando você perguntou das outras coisas que envolvem o meu trabalho,
tipo o relacionamento dos professores, eu fiquei pensando agora no que eu disse,
que o Ler e Escrever não ajuda nisso...
118
Entrevistador: Você quer mudar isso? Você acha que ajuda?
PCP: Não, continuo achando que não ajuda. Na verdade eu fiquei pensando se o
Programa tem que dar conta disso. Afinal de contas, o grande problema da escola
hoje não é o monte de crianças que vão passando de uma série pra outra sem
aprender a ler e escrever? Então, o foco tem que ser esse mesmo. Sei lá, desculpa,
mas o resto, a gente vai tocando do jeito que dá. Assim, sozinha, eu não consigo
pensar e fazer tantas coisas. Eu sou uma só.
Entrevistador: E você acha que isso de assumir uma proposta construtivista te
transforma numa espécie de fiscal do trabalho do professor?
PCP: Você é terrível! (risos).
Entrevistador: Não, não há nenhuma questão ideológica nisso. Na verdade, eu
penso que há um perigo de o coordenador cair numa espécie de fiscalização do
trabalho do professor, entendeu, do tipo “deixa eu ver se ele está seguindo a
proposta à risca” e aí se você passa a separar os professores, botando de um lado
os que seguem a proposta, de outros os que não seguem, de um jeito maniqueísta.
Aí o papel de formação se perde, entendeu?
PCP: Ah, tá. Olha, nisso eu concordo com você. Acho que pode acontecer, mesmo.
E acho até que acontece. Dependendo do jeito que o coordenador entende,
acontece isso, principalmente se ele só pega e repassa o que foi passado na
formação. E isso acontece, como eu te falei.
Entrevistador: Certo. Tem mais alguma coisa?
PCP: Não, acho que é só isso, mesmo. Eu vendo isso aqui, fico desesperada. Logo
sou eu que tenho que sair pra fazer entrevistas...
(risos)
Entrevistador: Então, está ótimo, I. Muito obrigado pela ajuda.
119
PCP: De nada, o que é isso. Me chama pra defesa, hein?
ENT: Vou chamar sim.
Gravação encerrada em 19m.
120
Entrevista – Professora Cristina
Entrevistador: Você podia falar um pouco sobre a sua rotina, seu trabalho como
coordenadora?
PCP: Vou falar das ações mais importantes, ta? De uns anos pra cá, a coordenação
passou a ter uma outra, não é função, um outro enfoque, diferenciado daquele que a
gente vivia. Meu trabalho é direcionado à formação de professores e o
acompanhamento do ensino e aprendizagem na sala de aula, coisa que antes a
gente não fazia. Antes a gente era auxiliar de diretor e não coordenador pedagógico.
Entrevistador: O que você acha que contribuiu pra essa mudança de foco?
PCP: De uns 4 anos pra cá, a partir do Letra e Vida e depois com o Ler e Escrever
mudou muito. Até a Secretaria enxerga o coordenador diferente. Eu gosto porque o
meu trabalho fica mais legitimado. Parece que você tem uma função importante
dentro da escola. Você não é um faz tudo, você tem um norte, você tem que
trabalhar para aquilo, para a aprendizagem, para as metas, então para mim é muito
bom. Eu estou aqui há 11 anos.
Entrevistador: Como você acha que a escola, de um modo geral, recebeu essa
mudança?
PCP: Aqui tem um grupo muito bom. Os professores perceberam que o meu
trabalho melhorou, não tenho muitos problemas. A gente senta no htpc pra estudar.
Antes ela perguntavam se o que ia ser tratado no htpc era importante. Agora não
elas sabem que tudo o que trataremos naquele espaço é importante e que todos vão
aprender e trocar experiências, e até ensinar.
Entrevistador: Essa nova função mudou seu jeito de planejar a sua rotina?
PCP: A gente vai pra diretoria para treinamento e já volta com outro olhar pra escola.
Antes eu precisava descobrir o que eu ia dar, o que ia propor. Agora já venho mais
121
ou menos com um caminho e vou me adequando, de acordo com a minha realidade.
Eu aproveito muito o que as reuniões passam.
Entrevistador: Você sente que há muitas interferências? Porque esse enfoque do
trabalho do PC é novo. Você sente que esse planejamento que você traz das
reuniões sofre interferências burocráticas, por exemplo?
PCP: Interferências assim, que atrapalham? Aqui no meu caso, não. Mas aqui na
escola, que todos respeitam o meu trabalho não. Mas eu sei que em outras escolas
sim. Aqui todos sabem que se eu vou para o htpc, não pode me chamar pra atender
telefone, pra atender pais. A gente vai pra lá e ninguém interrompe, mas eu tive que
construir isso. Se tem que responder alguma coisa da parte burocrática fica pra
depois, espera. Primeiro é a parte pedagógica.
Entrevistador: E coisas que vêm da própria diretoria, como mapas de classe,
planilhas pra preencher?
PCP: Ainda vem bastante. Até porque coordenador acostumou a conseguir dar
conta de um monte de coisas. A gente reclama, faz, mas cumpre o prazo. A gente
dá conta e por isso abre espaços pra esses acontecimentos.
Entrevistador: Do seu planejamento semanal, o quanto você consegue dar conta de
cumprir?
PCP: Tem as coisas do dia a dia e as coisas que às vezes sai, porque a realidade é
outra. Mas eu acho que uns 70%. Não dá pra cumprir tudo mesmo. Às vezes me
sinto a mulher maravilha, às vezes saio frustrada. Eu penso “fiz tanta coisa e não fiz
nada, nada daquilo qu estava programado”.
Entrevistador: Voltando no papel do formador, um aspecto forte no Ler e Escrever é
a observação de aulas. Diante de uma rotina de trabalho atribulada você consegue
fazer essa atividade?
122
PCP: Só se eu programar. Marcando com antecedência, senão não dá. Mesmo
assim, eu não consigo observar tudo o que eu deveria.
Entrevistador: Por que?
PCP: Por mais que se trabalhe 8 horas por dia aqui, você não faz só isso. Precisa de
tempo pra ler, pra estudar, pra acompanhar os professores e os alunos, mais as
funções que a Secretaria nos passa, então não dá tempo. Eu gostaria de ir mais na
sala de aula, ainda não é o ideal.
Entrevistador: Você acha que o tempo fica curto. Quais são as razões que você
consegue enxergar que atrapalham essa atividade?
PCP: O número de classes, o número de professores da escola, é muito pra um
coordenador só. Mas por conta das outras funções também. Há ainda o fato de que
você fica 8 horas por semana fora da escola, em formação. Então sobram 4 dias.
Nesses 4 dias tem htpc. Tem 6 reuniões na semana, em que separei grupos de 1ª e
2ª séries, 3ª e 4ª e professores de Artes e Ed. Física, que eu preciso planejar com
cuidado. Se você for ver, falta tempo mesmo. Depois que registrar, redigir ata,
escrever relatório, falta tempo.
Entrevistador: Que avaliação você faz dessas mudanças no papel do PC?
PCP: Acho que o trabalho do coordenador mudou pra melhor. E no processo de
ensino e aprendizagem também melhorou. Porque antes cada escola tinha a sua
proposta pedagógica, cada um caminhando do jeito que queria. Agora não. Agora
você tem uma proposta a seguir, é claro, quando você acredita, quando seu grupo
acredita, também tem isso, o trabalho flui muito melhor. Porque você tem um foco,
você vai fazer isso, pra isso, isso e isso, entendeu? Acho que melhorou. Vejo isso
nas produções de texto das crianças, antes era uma reprodução da fala, não era
texto. Agora não. Você observa que melhorou. Eu sou suspeita. Eu gosto do
programa, acredito. Mas acho que a maioria das pessoas concorda comigo, pelos
resultados que a gente tem visto.
123
Entrevistador: Para além do foco na leitura e na escrita, o trabalho da coordenação
tem outras coisas que o atravessam, como por exemplo, a inclusão, eventualmente
uma questão de como administrar o grupo, os conflitos entre os professores, as
famílias e se a gente for enumerando, vai lembrar de um montão. Você acha que o
Ler e Escrever dá suporte pra essas outras coisas?
PCP: O Ler e Escrever dá um foco pra escola enquanto metodologia, sabe ação
pedagógica. Mas pra lidar com esses outros tipos de problemas acho que não.
Esses saberes são da sua experiência. Por exemplo, aqui nossa escola é antiga, os
pais preferem ensino tradicional. A gente tem que ouvir eles falarem e depois temos
que convencê-los de que a nossa forma de ensinar é a mais adequada para o
momento, então, nem sempre ajuda. Com relação à inclusão, tem uma questão da
política pública, que é alfabetizar todo mundo até os 8 anos. Não leva-se em conta a
criança que tem necessidades especiais. Em nenhum lugar tem espaço pra você
colocar que ele tem alguma deficiência. Falta alguma coisa pra você colocar que o
aluno não consegue escrever porque ele tem uma deficiência intelectual grave, por
exemplo. E aí parece que a escola não trabalhou direito. Acho que precisa pensar
nisso.
Entrevistador: Você julga que muitas coisas melhoraram. Pra melhorar mais precisa
do que?
PCP: Precisa valorização profissional, mais investimentos nas escolas, infra-
estrutura. Salários melhores e mais formação para todos, inclusive os outros
funcionários que atendem secretaria, olham o recreio, fazem a merenda. Falta muita
coisa. Acho que é valorização social, também.
Entrevistador: Acho que é isso. Você quer falar alguma coisa mais?
PCP: Não,não. Espero que tenha ajudado.
Entrevistador: Ajudou muito. Obrigado!
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Cristina
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Entrevistador: Bom, R., eu estou aqui outra vez para pedir que você leia a
transcrição do nosso primeiro encontro e a análise prévia que eu fiz. Você pode
mudar, completar o que quiser. Se quiser que eu tire alguma coisa, também fique à
vontade.
PCP: Tá. Vamos lá.
(Pausa para leitura totalizou 8 minutos, aproximadamente).
Entrevistador: E então? O que achou?
PCP: Achei super interessante. Nunca tinha participado de nada desse tipo.
Entrevistador: Não quer mudar ou acrescentar alguma coisa?
PCP: Hummm, não, não, acho que não. Na verdade, espero ter te ajudado.
Entrevistador: Nossa, e como ajudou! Posso usar na minha pesquisa?
PCP: Claro, claro.
Entrevistador: Então está certo, obrigado!
PCP: Por nada!
Gravação encerrada em 12m52s
125
Entrevista – Professora Clara
Entrevistador: Qual é sua principal atribuição?
Entrevistada: Formação de professores. Formar os professores e acompanhar as
atividades que estão sendo desenvolvidas em sala de aula, gerenciar com elas a
sala de aula, a gestão da sala de aula, orientar para uma melhor gestão na sala de
aula para elas conseguirem diferenciar uma atividade de uma boa situação de
aprendizagem.
Entrevistador: Como é que você... Você tem 40 horas?! Como é que organiza essa
semana?
Entrevistada : Eu procuro seguir uma rotina semanal é lógico que é altamente
flexível, porque um dia a gente é convocado para uma videoconferência de não sei o
que e você tem que ir , então o que você tem preparado você passa para outro dia
mais eu procuro seguir uma rotina semanal de visitar as salas, de olhar para as
próprias rotinas, de atender professores, de atender pais e atender alunos até para
verificar algumas sondagens que são postas ali e eu tenho alguma desconfiança que
eu acho que não está batendo, eu quero confrontar até pra ver porque as vezes o
professor fez em um determinado contexto e o aluno comigo de uma outra maneira,
se for mais direcionada, se eu intervir mais de entrevir mais, ele consegue olhar
aquilo e pensar sobre o que esta sendo solicitado, até confrontar mesmo.
Entrevistador : E aí, depois conversa com a professor?
Entrevistada : Com a professora !
Entrevistada: Exatamente... e falar Pro ! isso aqui com você ele fez isso tal coisa...
Quais foram as condições ? A sala tava muito ruidosa? Que tipo de atividade você
deu pro restante da turma pra conseguir fazer? Você tava com o tempo contado?
Porque tudo isso, a gente sabe, muitas vezes elas fazem porque tem que entregar
pro coordenador, o coordenador fica no pé tem que entrega papel, a gente sabe de
126
tudo isso, mas tem hora que não dá eu tenho que abrir mão de algumas coisas ou
então olhar pra aquela criança e ver o que ele sabe realmente.
Entrevistador : E a organização disso tudo? Considerando que as demandas que
são muitas, né? Inclusive você me disse agora que, às vezes você para até para
ajudar professora, enfim numa extensão do trabalho dela . Por exemplo, no que o
aluno sabe, sobre o sistema de escrita e ai como é que você, concretamente, pensa
nisso?
Entrevistada : Então... eu procuro seguir uma rotina mais nem sempre eu consigo.
Tem coisas que eu vou deixando mesmo não da pra fazer agora! Não Dá! .
Eu sei que já recebi uma planilha para responder até segunda feira.
Entrevistador : Da diretoria?
Entrevistada : Da diretoria, sobre demanda de livro é visão do futuro são projetos e a
gente tem que responder todos eles, digitar mapa de classe, fazer não sei o que
mais então são muitas coisas para você pensar, mas eu vejo o que é prioridade
nesse momento , porque é ver como esse aluno ta aprendendo , eu tenho que largar
o resto para atender essa professora.
Entrevistador : E você acha que isso interfere muito ? Por exemplo esse chamados
da diretoria, “responde isso, faz a planilha de visão de futuro”, isso prejudica?
Entrevistada : Prejudica, porque por exemplo nos temos então que digitar a planilha,
hoje o mapa de classe não vai só para diretoria, tem que digitar o mapa de classe
aluno por aluno, tudo bem que isso é para o professor fazer, mas nem sempre tem
computador para todos os professores estarem acessando nem todos os
professores efetivamente dão conta de um computador que parece uma coisa de
outro mundo, mas um acho que não dá considerar não porque muitos professores
não estão na era digital, mesmo, não sentiram importância ainda de ter que usar um
computador e só usam porque são obrigados.
127
Entrevistador: E tem uma questão, hoje na sala dos professores só tem um
computador né?
Entrevistada: Um único computador é desde que foi implantado por exemplo esse
mapa de classe para ser digitado, nunca sistema está tão liberado como deveria,
então por exemplo cada aluno leva em média um minuto e meio para eu digitar tudo,
por aluno.
Quanto tempo leva isso? Muito tempo. Então são muitas questões que a gente tem
que resolver, que fica na mão “ do “ professor coordenador e de repente não seria
necessário ficar centrado na figura dele, o papel não tem que ser tão burocrático, o
papel, o papel dele é de formação e de subsídio para o professor. Porque se o
professor tem uma dúvida, depois do HTPC ela ficou para tirar uma duvida comigo,
por exemplo um aluno que está na quarta série, veio de uma outra escola ele só tem
o domínio o sistema de escrita mas ele é alfabético, mas pensar que ele tem
domínio de coerência, coesão ele não tem. Então nesse primeiro momento eu sugeri
pra ela pega um fábula menor, leia com ele, discuta com ele, pra ele te falar. Porque
enredo ele tem que ter.Essa linguagem que se escreve ele tem que ter, né. E ela
falou “eu fiz e ele não consegue”. Eu falei então nós vamos partir para uma outra
coisa, quer dizer é uma professora preocupada, fez com ele é não conseguiu,falei
então se fabula ele não deu conta, nós vamos pegar uma historia um conto de fadas
mesmo seja conhecido ou você retome com ele é você e você vai pedir pra ele
reescrever somente a fala do lobo mau com a chapeuzinho vermelho , A
chapeuzinho Vermelho vai falar pra ele nossa vovó que olhos grandes, ele tem
poucas coisas pra pensar em termo de enredo, mas pra grafar ele tem bastante,
então se eu não tiver toda essa formação também eu não saberia o que responder
para essa professora, eu não sei se este é o mais correto, mas é uma das poucas
coisas que ainda me vem a mente pra gente pensar nesse aluno e poder colocar a
prova tudo que ele sabe.
Entrevistador : E você fala assim, você acabou de falar isso é possível diante de
uma formação que eu tenho recebido né?! Essa formação que você se refere é a
formação dadas nos encontros do ler e escrever ?
Entrevistada : Encontros do ler e escrever.
128
Entrevistador : De quanto em quanto tempo, as reuniões , são semanais ?
Entrevistada : Semanais de oito horas, e a cada 15 dias com formadoras.
Entrevistador:Sim. E você veio para a coordenação em que ano?
Entrevistada: 2005.
Entrevistador:Então você tem um tempo em que o Ler e Escrever não estava
acontecendo, e até... o perfil da coordenação era outro, era aquele perfil voltado
para as atividades de recuperação e reforço...
Entrevistada: E até burocrática, porque ela era uma extensão da direção. Dizia
“auxiliar o diretor, auxiliar o diretor, auxiliar o diretor, abrir portão e mais um pouco
você servia merenda. Eu acho até que isso você pode fazer, numa emergência você
pode fazer, mas esse não é o seu papel, isso não te diminui em nada. Até porque a
gente está trabalhando com criança, de repente, não só na festa junina. De repente
a gente está trabalhando receita, e vamos lá, vamos picar uma fruta, vamos ajudar a
servir. Tranqüilo! O que você não pode é desempenhar outras funções que não
sejam as suas.
Entrevistador: Que diferença você enxerga na passagem? Quando o Ler e Escrever
chega e diz que a atribuição de você é a formação de professores? A partir do
momento em que o Ler e Escrever começa o perfil do coordenador muda e passa a
ser um perfil de formador. Que impressões você tem dessa passagem?
Entrevistada: Já nessa escola eu tinha a minha coordenadora como formadora. De
uma maneira assim, não tão clara, porque a gente conversa com outros formadores,
outros profissionais e eles falam “ah! Não, a minha coordenadora, não, a gente faz
isso, isso, isso.” Já a minha, não a minha era de formação mesmo, de obrigar a
estudar a questão teórica, ela já era assim. E aí, ela saiu, assumiu uma outra pessoa
por um ano e pouco e depois eu entrei. Quando eu entrei eu já tinha saído do Letra
e Vida. Mas eu comecei sim, com essa questão da formação que muito me inquieta.
Imagina, você ficar num lugar por duas horas e não discutir nada que se presta?
129
Porque se eu estou com angústias com relação à aprendizagem dos meus alunos,
se eu tenho alguém pra me direcionar, pra me orientar pelo menos onde nós vamos
buscar uma ajuda, eu acho que não serve para nada. Então, eu acho que tem que
ter a formação. Agora, eu tenho que estudar muito pra estar à frente delas.
Entrevistador: Me parece que a principal demanda formativa que os professores te
trazem é com relação à aprendizagem das crianças.
Entrevistado: Sem sombra de dúvida!
Entrevistador: Que são aqueles que não conseguem aprender?
Entrevistado: É o que mais aparece. É lógico, eu tenho outras também preocupadas
em como trabalhar determinado conteúdo. Porque, é lógico, eu também estou
tratando essa questão dos conteúdos, mas eu também tenho que pensar em todos.
Eu tenho que efetivamente pensar em todos. Porque ensinar pra quem sabe, eu
também sei. Eu quero ver você ensinar pra quem não sabe. E é esse o papel da
escola. Quando começam a culpabilizar a família eu já entro na história dizendo que
não, porque eu não posso achar que o aluno só vai aprender se o pai e a mãe
estiverem em casa, e todos os dias olharem o caderno. Agora, ter alguém, um
cuidador que seja participativo é muito bacana. Se não tem, eu tenho que dar conta
em sala de aula. O aluno tem que aprender! Se ele não tem nenhum
comprometimento, não é um aluno que freqüenta a sala de recursos, não tem
nenhum outro déficit, não tem nada, como é que ele não aprende? Aí a gente fala é
problema de aprendizagem ou é problema de ensinagem? Eu acho que é problema
de ensinagem. Quando eu penso eu ensinei pra vocês, vocês não aprenderam, me
desculpe. Quem é errado são vocês que não aprendem direito. Eu mostro pra elas
que o htpc é o laboratório da sala de aula. Não é diferente, porque quando elas
estão aqui, elas se colocam na posição de alunas e isso é involuntário. Nunca foi
dito “olha, vocês estão aqui pra aprender comigo”. Mas elas vêem assim, como eu
sendo a professora e elas sendo as alunas. É a mesma coisa de uma sala de aula.
Entrevistador: Você me disse agora a pouco que pra além da demanda cotidiana,
das questões de aprendizagem, tem gente que vem trocar algumas informações,
130
perguntando “como é que eu posso trabalhar o conteúdo ou outro”. Isso é uma
demanda de todos ou é mais dos iniciantes, considerando que houve concurso há
pouco tempo?
Entrevistado: Se eu disser que são apenas os iniciantes eu vou ser injusta. Hoje já
não são tanto eles. São quase todas. O Ler e Escrever está cutucando. O Ler e
Escrever está obrigando o camarada a olhar para o guia e perceber que não tem
resposta. E no PNLD, os professores se matam ainda, pra achar o livro do professor,
porque tem todas as respostas ali. Eu não estou falando que não seja bom. Lógico
que é bom, facilita algumas questões. Mas, o Ler te obriga a ler encaminhamentos ,
como eu vou organizar, pensar nos agrupamentos, saberes se estão próximos ou
não, em que momentos eu deixo saberes tão distintos juntos, que momentos eu
coloco saberes próximos. E aí, dá trabalho. Então eu percebo que hoje já não tem
só as novas. As mais antigas, são obrigadas, de uma maneira ou de outra a ir por
esse caminho. Porque hoje a cobrança é maior. Hoje o supervisor cobra se você
trabalha o Ler e Escrever, hoje o diretor cobre se você trabalha o Ler e Escrever.
Então como você não vai trabalhar? E pra que ele surta efeito, você tem que ler,
você tem que estudar. Aí, eu vou perguntar pra quem? Pro coordenador. Só que
nem sempre o coordenador sabe. Porque eu não posso, humanamente, ficar lendo
todos os guias e saber todas as respostas. Mas eu me antecipo, e digo, isso eu já li,
vamos ver direitinho, pra direcionar. Então, se eu quero trabalhar produção de texto,
eu já busco qual é o texto que eu vou trabalhar com elas.
Entrevistador: Tem uma questão importante que você mostra na sua fala, que você
diz que mostra como o Ler e Escrever é positivo, no sentido que efetivamente ele
trata das demandas do cotidiano escolar, enfim, realmente aborda questões de
ensino e aprendizagem, situação didática, tudo amarradinho, pelo que eu consigo
entender da sua fala. Vamos dizer assim, tem algumas crianças, que mesmo diante
desse trabalho todo, ainda têm dificuldades, que são sua principal demanda, que
gera mais angústia nos professores, que eles te procuram mais. E aí você trouxe um
exemplo bem concreto que eu gostei que você fala assim “ah, se ele me falar que a
criança não aprende porque a família não olha o caderno ou porque a família isso ou
aquilo, eu vou logo dizendo, não é problema da família, é aqui”. Você acha que o Ler
e Escrever dá conta dessa dimensão?
131
Entrevistado: Se eu pensar que todos têm condições de aprender, que todos os
alunos podem aprender, se esse for o princípio eu acredito que ele dê conta. Mas,
eu tenho que apostar na mudança de postura do professor, que ele tem que
pesquisar, que ele tem que ir atrás, que ele tem que trocar com seu outro par, e
perceber o que eu posso oferecer pra ele avançar. Que eu tirar um aluno de um pré-
silábico e ele ficar patinando num silábico com valor, também não vai me levar a
nada. E isso acontece às vezes. O professor fica todo feliz que o aluno saiu do pré-
silábico e veio pro silábico com valor e o que nós vamos fazer agora pra ele avançar.
E isso muitas vezes não acontece. A gente olha um mapa de classe e percebe, meu
Deus do céu, o que acontece? Você que uma professora está dando conta e uma
outra professora o número continua grande de alunos silábicos com valor. Por que
na outra tem menos? É claro que os alunos são diferentes, mas quais são as
intervenções que ela está fazendo? No que essa professora está avançando mais?
Ela não está contando que o pai está olhando o caderno e cantando musiquinha pra
criança. Quem tem que fazer isso é o professor. E aí eu tenho que chamar e falar,
“Prô, o que está acontecendo pra esses alunos não avançarem?” Será que não é
melhor a gente avançar numa outra postura? E se a gente pegar essas letras
móveis, mas não para brincar? Que eles não estão brincando. Você pode falar ‘Ah,
eu vou dar pra brincar”, eles não estão brincando. É uma coisa lúdica, a letra móvel,
o legal, é que ela é provisória. Então o aluno que já está com um certo fracasso na
escrita, ele não precisa ficar apagando, o professor vai ver. Então ele muda, ele tira,
eu tenho essa condição de fazer isso. Mas será que eu tenho olhos para isso? Então
aqui eu percebo que elas me vêem como parceira. Que é isso que eu sou dos
professores. Se eu não for parceira dos professores, eu vou ser de quem? De
direção, de vice-direção, de diretoria de ensino? Não, não sou parceira deles, sou
parceira dos professores. Eu adoraria se tivesse alguém para me orientar sobre
como eu faço para o meu aluno aprender, porque aluno vem pra escola pra isso,
não tem outro motivo. Eu não posso estar numa escola... pra fazer o que? Eu vou lá
porque eu sou coordenadora? Grande coisa! Coordenadora de quem não aprende?
Eu tenho que coordenar quem aprende, não é? É uma coisa que me emociona,
quando eu falo com elas, é desse jeito mesmo. Eu só estou aqui pra fazer com que
meus alunos aprendam. Se eles não têm as mesmas oportunidades, eles têm que
ter, no mercado de trabalho, eles tem que aprender. Eu falo, eu sou oriunda de
132
escola pública. E eu fui até mais longe do que eu almejaria, pensaria e tal. Mas eu
fui e dá pra ir mais longe ainda, que depende de mim também. Não depende só das
oportunidades que eu tenho. Mas se a escola já nega algumas oportunidades, se ela
tem negado o mundo letrado, aqui ela tem que ter. A escola tem que oferecer isso. A
gente que dar um jeito, Rodnei, senão a gente vai continuar fazendo escola de pobre
pra pobre e de rico pra rico. Quer dizer, aqui eu sou uma professora mediana porque
eu estou no Estado, aí eu trabalho meio período no particular, lá eu pesquiso, lá eu
estudo, lá eu vejo novas formas da criança aprender, aqui não? Aqui ele é menos?
Menos onde? Aqui ele é tão igual quanto o outro. Aqui ainda precisa mais.
Entrevistador: Esse olhar, parece que é muito seu. Quando eu ouço você falar, eu
ouço uns saberes que você construiu, parece que o Ler e Escrever só agregou. Me
parece que ele te dá algumas condições. Você tem condições concretas pra
algumas coisas. Conectando os seus saberes com os que você aprendeu ou está
aprendendo no Ler e Escrever, você acha que tem espaço nas reuniões de
formação, por exemplo, aparece esses assuntos, do tipo “eu tenho uma criança que
é da família tal, que sempre passa por aqui, ninguém nunca aprende, que eu faço”?
Entrevistada: Você diz, nas reuniões de Diretoria? Aparece sim, mas eu não vejo
essa preocupação. Eu vejo muita preocupação com o índice do Saresp, com o
índice do Idesp, com o bônus, isso que você está falando eu não vejo. É uma
política de meritocracia, que não é por aí. A gente tem é que investir de verdade na
educação, mas eu observo nos próprios professores coordenadores, como se isso
fosse um absurdo, você não vê uma preocupação com os alunos, mas com o índice
da escola. “Porque na minha escola tem tantos alunos pré-silábicos, ai meu Deus,
vai baixar o Idesp, vai baixar o bônus”. Ta bom! Mas o que aquela criança
representa para você? Nada? Então essas coisas aparecem, sim, mas eu não vejo
isso como uma preocupação para que eles aprendam. Eu vejo como se fosse um
estorvo, olha eu tenho, estou constatando para você, eu tenho esses alunos que o
pai está preso, que a mãe é pobre, que a mãe é viciada, ele não tem jeito de
aprender. Nossa, é pior do que praga de mãe, né? Eu já falei que ele não vai
aprender. Quem sou eu pra ter esse direito de afirmar que ele não vai aprender? É
muito sério. E as pessoas eu vejo que lidam com essa questão como se fosse
133
mesmo, mais um número, como se a escola pública estivesse fazendo um favor pra
você. Eu escolhi a escola pública e estadual, para trabalhar. E eu quero continuar
vendo os alunos aprendendo. Eu tenho alunos que saíram daqui muito bacanas. E
entraram em medicina, e entraram em jornalismo, nas ditas profissões tão almejadas
e estudaram aqui. E vem aqui, abraçam e dizem “Ai, pro, até hoje eu lembro do que
você ensinou.” É lógico que, na época, eu fiz o meu melhor. Mas hoje eu sei que o
meu melhor não era o melhor. Porque eu reproduzia ou que eu vivia e eu achava
que aquilo ali era o correto, eu fazia eles escreverem 10 vezes a mesma palavra,
porque eu achava que era por aí. Mas, eu fiz tudo o que eu sabia, eu não tinha muita
orientação como a gente tem hoje. Então, isso me mobiliza a cada vez aprender
mais e discutir em alto nível com elas. Eu vou falar, se um dia eu achar que não tem
nada pra tratar no htpc, eu mesma dispenso. Me desculpo com as professoras, mas
assumo isso. Mas a gente tem muitas propostas hoje, Rodnei. Aqui nós registramos
as formações semanalmente. Cada semana é uma que faz, e lê para as outras o seu
registro. E também tenho falado muito sobre expectativas de aprendizagem, que é o
que mantém o Ler e Escrever, e as expectativas de aprendizagem vieram dos PCNs.
No primeiro registro, quando a professora leu, ela tremia tanto, tanto, tanto, e me
disse que ficava nervosa. Eu disse, então, você vê, essa prática de desenvolver a
linguagem desse jeito é uma prática de poucos anos para cá. A linguagem oral,
então, se praticava muito pouco. Antigamente a gente dizia assim “ah, o aluno falou
muito”. Eu tenho que direcionar isso e dizer “agora, não, agora nós estamos em
outra coisa”, na mesma forma de conversa e tal. Porque a gente coloca no
planejamento que quer um aluno crítico e participativo, aí eu mando ele calar a boca
e não aceito a fala dele. Aonde ele é crítico e participativo, se eu não deixo ele
participar de nada? Agora, ele tem que saber como participar. Que pra uma festa eu
vou vestido de um jeito e pra um velório eu vou vestido de outro. Que pra o carnaval
eu me visto de um jeito e pra igreja de outro. Eu falei assim, pro você não está sendo
julgada, nem analisada pelo que você fez. Você está colocando o seu registro
reflexivo, você está trazendo à tona, tudo o que nós vivenciamos, que era não ter a
oportunidade da fala. Quando a gente ia falar, quando o aluno ia falar a gente dizia
“agora, não, cala a boca!”. Ninguém nunca tinha direito a dar opinião a falar nada.
Hoje a gente faz ele falar direitinho, ensina como fala. Aí a gente acha lindo um
político, que tem o poder da oratória. Ele não nasceu com aquilo, ele foi ensinado.
Não tem essa de dom. Eu não acredito em dom. Eu acredito em treino, persistência,
134
paciência, disciplina. É nisso que eu acredito. Ah, eu não desenho bem. Eu não
desenho bem, porque eu não pratiquei, não tive paciência, mas eu tenho paciência
que se eu me disciplinar eu vou desenhar bem. Não vejo de outra forma.
Entrevistador: Eu vou te perguntar uma coisa bem concreta. Essa política, que
assume esse perfil de formador, que relações você faz com as suas condições de
trabalho?
Entrevistada: É o que eu digo, o que mantém na designação de coordenadora é a
formação que eu tenho. Porque, nós temos assim, muitas adversidades, tudo acaba
sobrando para o coordenador. Ai, o aluno não tem tal coisa. Ah, vai lá e pede pro
coordenador. Ah, não sei quê, vai com o coordenador. Assim, não há que não
consegue trabalhar. Aqui eu consigo me colocar e me impor e dizer que a minha
parte é pedagógica. Eu não sou “disciplinadora”, mas nada me impede de conversar
com um aluno num caso de indisciplina, pra ele entender que esse comportamento
dele ta fazendo com que ele perca tempo, que ele está perdendo o tempo dele, que
é precioso, que ele não vai poder voltar mais. Alguns saberes, ele vai ter aprender
na marra depois, porque ele perdeu aquela oportunidade. Mas, chamar pai e mãe,
por causa de disciplina, não, esse não é o meu papel. O meu papel é pedagógico.
Agora, quando acontece um caso desse, a gente chama pra conversar, pra
entender, o por quê desse aluno estar indisciplinado. Porque se for uma aula muito
chata, eu também vou me indisciplinar. E eu coloco isso pra elas, a gente tem que
ter a vivência nas htpcs, que são o laboratório da sala de aula. Eu falo, então, já
pensou se eu trouxer uns assuntos aqui, que não têm nada a ver com o que a gente
precisa saber? Não adianta dar desculpas, vocês precisam saber, gostando ou não.
E motivar o aluno não é colocar nariz de palhaço e ficar pulando na frente dele, que
não é esse o papel. Mas o papel é de quem sabe e faz com aquele conhecimento
seja bacana, que mostre onde a gente vai usar. Eu escrevo bilhete pra quem? Eu
escrevo bilhete e coloco dentro da mochila e vou guardar? Não, eu vou fazer um
bilhete porque eu tenho que avisar a mãe dele que não vai ter aula em tal período.
Tem que fazer sentido. Porque senão, aquele mesmo aluno que olha pra professora,
olha pra lousa, tem lá um problema que não faz o menor sentido, e o aluno não
consegue fazer, porque tem que fazer o arme e efetue, tem que dizer sobraram
tantas maçãs. Só que na rua, esse mesmo menino toma conta de carro. E ele cobra,
135
por hora, porque não é bobo, cobra 5 reais. E vem alguém e diz “nossa, eu só fiquei
meia hora.” E a criança diz “então, é 2,50”. Como é que eu desconsidero o que esse
moleque sabe na rua e digo que ele não sabe nada. Será que ele não sabe nada ou
eu que não estou sabendo o que ele já sabe, pra aproveitar? Nossa, se ele sabe que
a metade de 5 é 2,50, ele está na frente de muitos alunos. E aí eu não aproveito
isso? A aula ficou chata mesmo. Sabe onde a gente vê todo mundo interessado? Na
jornada de matemática. Todos querem fazer, porque são desafios, são jogos, trocam
uns com os outros e aprendem. Eu não posso transformar toda aula em jogo, mas
eu posso fazer alguma coisa para que as crianças fiquem mais interessadas e
percebam para que estão aprendendo aquilo. Eu acho que é isso que falta ainda,
falta mostrar pra eles. Eles lêem gibi? Gente vamos escrever uma cartinha pro
Maurício de Souza. Eu tenho essa opinião. Eles entram no Orkut, entram no email,
entram no Twitter, entram em tudo quanto é coisa e não vai escrever pra mim? Esse
tipo de coisa tem que estar no chão da sala de aula. Qual de nós hoje que recebe,
isso é comum, um cartão do banco, cartão de crédito que não quer receber? Eu
coloquei já isso pra eles. Como é que vocês vão responder? Vocês vão escrever
Mano, vocês vão escrever Vossa Excelência, entendeu? Então, muitos não sabem
como se referem ao diretor do banco, porque muitos não foram ensinados. Isso é
diferente, é carta comercial. Carta comercial, e você vê lá, XXXX, o corpo todo em X,
quer dizer, a estrutura. E depois a finalização tudo em X. Isso não é verdadeiro.
Verdadeiro é a gente escrever mesmo um abaixo assinado pra não cortarem as
árvores do bairro, isso faz sentido. Eu falo pra elas, então, receberam a carta do
banco, porque não escrever pro diretor do banco? “Ah, não, não gosto de escrever!”.
Professor, você tem que saber escrever, sim. Lógico, que você não vai escrever
Eminência, porque você sabe que o cara não é o papa, você não vai chamar de
mano, porque ele não é seu coleguinha, não vai chamar comadre, porque ela não é
sua comadre, então eu tenho que buscar isso, porque as crianças tem que aprender,
com que eles estão falando, pra quem é, quem vai ler. E não era assim quando a
gente fazia redação, redação, que o professor não lia, só corrigia. Eu fiz isso, corrigi,
corrigi, me matei de levar pra casa, virava o sábado corrigindo, na melhor das boas
intenções, devolvia e eles enfiavam na mochila. E se eu fizer correção coletiva.
Então, assim, aqui eu tinha um modelo de coordenadora, que eu tentei perpetuar.
Mesmo porque as pessoas vão comparar. Tem uma alta rotatividade de professores
na escola, mas mesmo assim eu quero fazer o melhor, eu tento fazer o melhor.
136
Agora, pra quem não tem o modelo, hoje está sendo investido. Mesmo a formação, a
Mara, a Silvia, e o pessoal que lá trabalhou, e eu me pego falando aqui, porque
aquilo faz sentido. Você quer que os outros avancem. Eu não consigo pensar que
intencionalmente alguém vem pra escola pra ferrar aluno. Não quer. Você vem pra
fazer o melhor. E o melhor da gente não é tão melhor. E a gente está batendo
cabeça e não está acertando. Às vezes, a gente que parar um pouco e olhar.
Quando eu vou pra sala de aula eu falo, eu só vou pra gente ver qual é o movimento
da sala. Então, por exemplo, eu trabalhei muito a leitura inicial. E hoje, isso é
tranqüilo na escola. Eu entrei uma vez e falei que queria pegar a leitura inicial. Ela
entrou, colocou o cabeçalho na lousa, os alunos perguntaram se ela não ia ler. Ela
pegou o livro, começou a ler e eu percebi que tinha uns 7 ou 8 copiando, a
professora ia pra lá, ia pra cá, e eles tentando copiar. Eu fiz a mesma coisa no htpc.
Depois, eu chamei a professora, e dei uma devolutiva. Ela me falou “ai, Bel, sabe
que eu não tinha reparado?”. Então, eu falei pra ela, porque não ler primeiro, antes
de colocar qualquer coisa da lousa, senão a leitura de apreciação perde o sentido”.
Porque ela se queixava muito que eles não prestavam atenção quando ela estava
lendo. Mas é postura de aluno, você pôs coisa na lousa, eles copiam, não interessa
o que, todo mundo copia. E eu fiz isso com elas, em htpc. E não falei em que sala
que foi, não falei nada, porque eu fui em várias e a gente tem que ter essa
delicadeza, você não vai expor o outro. Coloquei um monte de coisas na lousa
antes. Elas entraram e eu peguei o livro e comecei a ler. Eu vi que elas estavam
copiando. Peguei o apagador e apaguei tudo. Tudo intencional. Foi uma gritaria
“você está apagando, Bel”. Aí eu falei “ninguém está prestando atenção em mim”. Eu
falei “isso é familiar? E outra coisa, é tudo intencional, eu não vou tratar de nada
disso que está na lousa com você hoje. Eu coloquei e você copiaram sem saber do
que se tratava. Com o aluno é a mesma coisa. Então vamos começar a ter algumas
sacadas. Vamos começar a perceber que eu ali na frente estou reproduzindo alguns
comportamentos.” E foi impressionante, passei nas salas de novo e vi que isso
mudou.
Entrevistador: A observação de aulas é uma das atividades recomendadas a vocês.
Você vai a sala de aula de quanto em quanto tempo?
137
Entrevistado: Eu to complicada, porque minha sala está em reforma e não tenho
onde ficar e sistematizar meu trabalho. Mas eu tento ir uma vez por semana. Então,
eu consigo ir em cada sala uma vez por mês. Não dá pra ir sempre. Tem professor
que você sabe que a coisa está melhor, tem outros que eu tenho que acompanhar
mais de perto. Então não dá, eu gostaria de acompanhar mais, mas não dá. Por
conta que tem que digitar isso, tem que digitar aquilo, o sistema fecha. Você tem que
levar pra sua casa, às vezes, pra digitar. São muitos detalhes, muitas coisas que te
prendem na frente do computador, e eu não tenho computador na minha sala. Eu
tenho que ficar disputando computador na secretaria, onde dá pra eu ir pra digitar o
que tenho que digitar. Então, é difícil, eu teria que ir mais. E faz diferença, mesmo
naquele professor mais resistente. Primeiro, eu não chego de surpresa, não pode.
Eu acho desleal, você entrar no ofício de alguém pra fiscalizar, com a intenção de
fiscalizar. A minha intenção é de melhorar. É o que falo, se o professor não me
perceber como parceiro, eu estou ali pra que? Pra acabar com o trabalho dele? Não,
mas eu posso falar “pro, eu acho que se eu tivesse pedido aquilo pra aquele aluno,
ele ia dar conta. Por que você colocou junto dois alunos que são tão briguentos?”.
Isso eu posso chamar e falar. Depois, não durante. Porque o professor já fica
nervoso, a gente fica, mesmo aqui. Eu tenho toda tranqüilidade com elas em htpc,
mas mesmo que venha alguém superior a mim, você sabe que tem um olhar de
observação, que por mais que não queira, muda. Então eu fico lá, ouço, participo,
depois eu chamo e vou apontando tudo o que tem de bacana também que ele fez. E
vou puxando, e não posso falar tudo de uma vez, tem coisa que eu tenho que ir
devagar. Com alguns professores, uma coisa de cada vez. Não adianta querer
corrigir tudo de uma vez, despejar tudo. Ele tem que ir percebendo os pontos que
precisa melhorar. Se você começa não pode isso, não pode aquilo, o que tem de
bom na aula desse camarada? Eu detonei com ele. Quando ele entendeu bem uma
coisa, na outra aula que eu combinei com ele eu retomei uma coisa, aponto outra e
assim vamos caminhando. Se ela me diz que tem um aluno encapetado, eu aponto,
“e se colocar mais desafio pra ele? Se ele já é alfabético, dá letras móveis pra ele.
Prepara antes. Ele precisa de mais desafio, está encapetado porque já sabe o que
você está dando”. É a mesma coisa que eu pegar alguém que já é habilitado, já
sabe dirigir e ponho do meu lado e digo “põe primeira e segunda”, ele vai rir da
minha cara. O aluno só não ri da nossa cara porque é obrigado a estar na escola.
Veja o que o aluno se interessa e manda ele pesquisar. O professor tem que ter
138
esse feeling. Eu tenho que querer o melhor pro meu aluno. Eu não quero aluno
medíocre, professor medíocre. Ninguém quer um amigo meia-boca. Eu quero o
melhor, eu tenho que achar que a minha escola é a melhor. Porque a melhor escola
é sempre a do outro? Independente das condições físicas, a minha é a melhor,
porque eu estou aqui. Eu tenho que marcar meu nome na escola. As crianças tem
que sentir isso. A gente não sabe quem vai sair daqui. Pode sair daqui um grande
escritor, um grande cientista, um grande padeiro, um grande sapateiro, por que não?
E eu quero que ele diga “estudei lá”. Eu quero ter esse orgulho. Quero fazer parte
dessa equipe. Eu posso não ter dinheiro, mas glamour eu tenho... (risos). A gente
brinca, mas é sério. Quero escola pública boa pra todo mundo. A minha história foi
assim, acordei cedo, andei de ônibus, não tinha dinheiro, chegava tarde e acordava
cedo. Por que o outro é melhor do que eu?
Entrevistador: Está certo. Uma última coisa: o que você acha na distinção entre
função e cargo de coordenador?
Entrevistado: Cargo te dá todas as garantias legais. Por exemplo, no caso da
mulher, que resolve engravidar, tem que cessar a designação dela. Porque o
coordenador na rede é função, e só pode se afastar por 45 dias. Se ele sofrer um
acidente, se ficar internado, cessa a designação porque não comporta substituição,
enquanto que cargo, pode substituir. Mas não é interesse do governo tornar cargo,
pelo menos é o que todo mundo entende, senão já teria feito. Garantias legais o
coordenador não tem. Agora, isso não quer dizer que se fosse cargo, ia melhorar,
principalmente pegando aqueles que se acomodam como funcionários públicos, que
quer faltar, tirar licença. Mas tem alguns casos que te deixa frágil, por exemplo, em
algumas situações você fica à mercê do diretor, que pode te tirar. Se um diretor te
diz que a sua função é pedagógica, desde que você se forme e estude, você não
fica fragilizado. Agora, se não acontece isso, fica difícil, você fica na sombra dele.
Porque se o diretor e o supervisor cessarem a sua designação por ter feito um
trabalho mau, você fica 2 anos sem poder concorrer ao posto de coordenador em
qualquer escola, isso mancha você, porque você não foi competente. Agora, você
não foi competente, ou não fez o que o diretor queria? Depende, se você é bom
profissional. Eu não me submeto a n condições que colegas meus se submetem,
porque eu acredito no meu trabalho e porque eu tenho os professores validando e
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legitimando o que eu faço. A grande maioria aqui está comigo no trabalho. E não é
porque eu sou amiguinha delas. Eu falo que não estou aqui pra beijar a boca de
ninguém. Estou aqui pra estudar e pra trabalhar.Tenho que ser educada, profissional
e competente, e os professores também. Fora isso, a amizade pode vir. Eu tenho
amigas aqui, mas trabalho é trabalho. Tem que levar com seriedade. Eu me esforço
muito. É lógico que eu escorrego, dou umas derrapadas, mas eu estudo muito, me
preparo. Eu não fico repetindo coisas de lugar nenhum, eu não sou papagaio, eu
tenho que saber o que estou falando. E eu vejo que tem coordenadores que só
repetem, repetem o que o formador falou. Eu percebo isso quando a gente fala de
pauta de htpc. Porque nós recebemos a pauta com cola da Diretoria, é muito
bacana, é carta na manga. Mas eu não posso ir pra formação na terça-feira, e
depois vomitar tudo na escola. Eu tenho que selecionar, ver qual é o momento, se é
o momento na minha escola, ver o que está na cabeça dos meus professores. No
segundo semestre eu vou atacar a matemática, não sei se isso vai casar com a
pauta da Diretoria, mas aqui a demanda é essa. E vejo, nas reuniões que o que
acontece por aí é Ctrl C, Ctrl V mesmo. E tem que tomar cuidado, porque a relação
que a gente estabelece com elas, tem impacto na ação com as crianças. Com elas,
também tem que filtrar o que vamos trabalhar. Não adianta simplesmente seguir o
material que o governo dá. Eu não sou menina de recados. Se for pra ser isso,
qualquer um pode fazer. Como formadora, eu tenho que saber o que elas precisam.
Entrevistador: Ótimo, B.! Foi muito bacana, muito obrigado.
Entrevistada: De nada, também adorei o papo. (risos)
Gravação finalizada em 1:08:20.
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Clara
Entrevistador: B., estou voltando pra pedir que você leia a transcrição do nosso
primeiro encontro, a pré-análise que eu fiz, e ver se você quer acrescentar ou mudar
alguma coisa. Se quiser tirar algo, também fique à vontade.
140
PCP: Tá.
(Leitura levou 11 minutos, aproximadamente).
PCP: Olha, Rodnei, acho que não tenho nada pra dizer. Assino embaixo. (risos)
Entrevistador: Tem certeza?
PCP: Tenho. Desde que você não diga coisa que eu não disse, que eu xinguei
alguém, mas se for assim, do jeito que está aqui, está ótimo. (risos) Esse trabalho
vai ficar muito legal. Pode ir em frente.
Entrevistador: Está certo. B., já que você não quer acrescentar nada, posso te
perguntar uma coisa que eu esqueci no outro dia?
PCP: Pode, claro.
Entrevistador: Lembra quando conversamos sobre o seu planejamento semanal de
trabalho? Tem até aqui escrito. Aqui, logo no começo, “eu procuro seguir uma rotina
semanal, altamente flexível”...
PCP: Ah, sei.
Entrevistador: Então, dessa rotina que você planeja, o quanto você consegue
cumprir, numa escala de 0 a 100%?
PCP: Acho que uns 80%. Em geral, tem dado certo. Mas eu “malho” muito, viu?
Porque é tanta coisa pra gente fazer, que eu tenho que “dançar miudinho”.
Entrevistador: Lembra também que a gente conversou sobre a observação de
aulas?
PCP: Lembro.
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Entrevistador: Isso está computado nos 80% do seu planejamento?
PCP: Está. Mas sinceramente, se a gente fosse ver bem, o coordenador tinha que
fazer só isso pra fazer bem feito. Com o monte de relatórios e coisas que acontecem
na escola todos os dias, fica inviável. A gente ainda não faz isso do jeito ideal.
Entrevistador: Certo. Acho que o você já disse antes, mostra bem os porquês disso.
PCP: É, né?
Entrevistador: Sim, mas quando você fala que tem muitas outras coisas que você
tem que fazer, você consegue dar exemplos concretos?
PCP: Sim, vários. Por exemplo, tem que atender os pais, tem que cuidar dos casos
de inclusão, tem outros projetos da Secretaria que a gente tem que estar atenta, tem
os professores especialistas, de Artes e Ed. Física que também tem que
acompanhar, e que acabam ficando bem abandonados. Enfim, você vê, a gente tem
que fazer opções. A opção agora é cuidar de ensinar todo mundo a ler e a escrever,
mas tem milhões de outras coisas acontecendo ao mesmo tempo. Por um lado, acho
isso bom. Mas por outro, a gente está vendo só a ponta do iceberg.
Entrevistador: Ótimo. Tem mais alguma coisa que você queira falar?
PCP: Não, pelo amor de Deus! Eu falo muito!
Entrevistador: Para mim é ótimo, quanto mais você falar, melhor! (risos)
PCP: Não, está bom já. E daqui a pouco é hora do htpc.
Entrevistador: Então está certo. Não vou mais ocupar seu tempo. Muitíssimo
obrigado, B.!
PCP: De nada.
Encerrado em 22 m.
142
Entrevista – Professora Joana
Entrevistador: Bom, E., eu gostaria de começar recuperando o seu cotidiano como
coordenadora.
Entrevistada: Bom! O trabalho é bem estressante e ao mesmo tempo gratificante. Eu
acho que têm os dois lados, né?! Quando a gente gosta
a gente faz mesmo, o convencimento dos professores é impressionante. Como aqui
na escola eu já to há 14 anos na coordenação com um grupo fixo, com algumas
alternâncias mas, muito poucas. Então o convencimento devido ao que eu já
conheço deles profissionalmente e particularmente é mais difícil em certos aspectos
porque os professores misturam algumas coisas né?! Então tem horas em que você
tem que ser mais profissional do que amigo, eles misturam um pouquinho a
situação, então você tem que estar bem atento a esse detalhe. Agora, convencer o
professor na área do profissionalismo, que as coisas têm que mudar e que nós
estamos em uma época que não dá pra ser mais como antigamente é complicado. E
desde quando eu comecei no Letra e vida em 2004, houve mudanças, mas eu ainda
tenho muitas resistências. Porque tem que mudar muita coisa, muda concepção,
muda hábitos. Principalmente os conceitos, muda não só profissional como o
particular. Tem que mudar o particular, particular também as visões né?! Mas eu
acho que ainda dá (risos). A gente acredita, tem que acreditar. Eu tenho um grupo
de professores assim com uma média de 60%, que eles acreditam na proposta. Eles
quiseram e eu fiz com que eles entrassem no programa letra e vida. Mesmo os
eventuais na época, que estão com sala agora. Então teve um aceitamento (sic).
Teve um trabalho aqui de formiguinha, mas que foi a diferença porque deu a base.
Como formadora que fui na época, penso que agora o que acrescentou foi muito foi
a continuidade da capacitação. Eu acho que isso a gente não pode pagar nunca e
eu acredito que o grupo de coordenadores está mais fortalecido. Agora. Demora né?
São 6 anos desde o início! É muito tempo! Mas ao mesmo tempo pra mudança, eu
acredito que é pouco tempo, vai demorar um pouquinho mais pra ter uma visão
maior. Agora o que me perco aí? Mudou-se muita coisa, reivindicamos a hora de
capacitação com os professores e estamos conseguindo. Só que ao mesmo tempo
que eles estão nos dando isso, eles estão tirando de outra forma. Porque o
coordenador tem a capacitação, nós temos um programa onde é opcional pros
143
professores entrarem ou não na capacitação do ler e escrever. São 4 horas de
trabalho. Contudo, essas 4 horas principalmente nesse ano eles retiraram 2 pra ficar
com recuperação. Tanto que os professores que fazem parte dessa capacitação
estão se dedicando, que seria 4 horas de capacitação para um trabalho de
recuperação. E na maioria não são alunos deles, são alunos de outros. Então isso
que eu achei que se perdeu um pouco no propósito porque ano passado garantiu
muito mais. Quem começou ano passado, retrasado e nesse, as 4 horas nos
fortalecia e nesse momento ele se perdeu um pouco. Mesmo assim ficou como
obrigatoriedade todos os professores, tanto o opcional e todas as séries, onde o que
nos pensaríamos que seriam professores de 3ª e 4ª série, 4° e 5° ano, não
participam. Porque que são aqueles que não acreditam muito na proposta, ainda.
Então fica difícil esse trabalho com a gente, então eu acho que se perdeu um
pouco. Se garantiu uma coisa e se perdeu a outra. Eu acho que seria uma coisa que
todos deveriam participar. Agora quem está no programa desde o inicio, lá desde o
inicio do letra e vida, deu continuidade com essa opção de capacitação em serviço
tem uma visão diferente. Eu tenho uma professora inclusive que está com uma 4ª
serie esse ano, começou com uma 1ª, fez o letra e vida, trabalhou com o ler e
escrever e já enxerga mais coisas lá no 5° ano. Coisa que outros ainda não
percebem essa continuidade.
Entrevistador: No 1° ano todo mundo participa?
Entrevistada :Todos né? É só nas subseqüentes que é opcional?
Entrevistada:Só! Esse ano nós garantimos, além dos primeiros anos, os 2º anos e
tenho 2 de 4ª. Mas são aqueles que acreditam na proposta. E esse ano eu ainda
tinha um grupo de ofas muito pontuado, que fizeram prova de mérito, que
enxergaram alguma coisa dentro da capacitação que a gente faz. Então cresceram e
perceberam esse crescimento profissional. Acho que isso é muito importante
também.
Entrevistado: E aí, com o ler e escrever, se legitima a função do coordenador como
formador. Como é que você está enxergando isso, assim na sua prática?
144
Entrevistada: Eu tenho, você sabe, um ritmo, em que eu sou chata comigo mesma,
exigente. Meus HTPC’s são pontuados para a formação do professor a essa atuação
na sala de aula, eu cobro sim. Com essa passagem, com o que nós aprendemos,
com a experiência de vida, então se soma. E eu acho fundamental a parte teórica
fazendo amarração com a prática. Que não adianta só dizer que é a pratica. Não,
pra mudança de pratica, se você não fundamentar, eles não garantem essa
atuação efetiva com os alunos. Então, esse enxergamento (sic) que a mudança na
prática é importante, se você não fundamentar, então não fica mais naquele
achismo, né? A gente sabe o porquê a criança ainda não chegou na hipótese
alfabética ou é recém alfabética. Então, o que eu tenho que partir dali, mas porque
tem que partir dali? Houve uma concepção, tem toda uma fundamentação que existe
e garante que aquilo vai dar certo. Então, existem professores que são muito
imediatistas, professores que querem mudanças na sala de aula. Modéstia à parte a
nossa escola tem um índice bom de não alfabéticos, a gente quase não tem. A
maioria é alfabético. Mas também tem aquele probleminha: em uma sala de 40
alunos de 3ª e 4ª serie tem 2 , 3 não alfabéticos, os professores ainda tem aquela
coisa “o que fazer com eles?”.
Então eles não percebem que esse trabalho deve ser mais atuado em sala de aula,
tem que ser uma coisa mais profunda, mais pontuada, então vai um tempinho pra
que a gente resgate essas coisas. Então tem coisas que a gente tem que mudar
muito!
Entrevistador: O que por exemplo?
Entrevistada: Uma coisa. Garantiu-se para nós eventuais na escola, que tivessem
uma hora todos os dias conosco, nós não temos neste ano, mas quem pegou essa
situação de eventuais, que esporadicamente pegam as licenças em si, né, e que
estão substituindo os professores faltosos, eles não são da categoria F e sim
categoria L. Essa parte burocrática atrapalha também. Porque seria um trabalho que
a gente poderia pontuar com as crianças. Então dá pra gente fazer um trabalho
diferenciado. E aqui a gente tem uma situação: alguns professores “adotam” alguns
alunos. Como seria? Alguma criança que estaria numa 3° ou numa 4° e ainda, por
algumas situações de aprendizagem, retornam à sala de 1° ano e 2º ano e a
professora trabalha com ele pra garantir uma aprendizagem. Mas ainda são poucos
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que se dispõem a esse trabalho. Mas a gente ainda consegue alguns milagres, e é
gratificante. Pra quem pega é muito gratificante. Mesmo ele tendo 30 dele com mais
1 que não é dele, e ele garantindo um trabalho, é muito gostoso !
Entrevistador : E eles pegam todos os dias ?
Entrevistada : É, fica direto! Já que eles não vão garantir na sala deles uma situação
de aprendizagem, a gente faz isso para garantir pelo menos a alfabetização. São
crianças que são comprometidas mesmo, de uma família que também não tem
condições culturais e econômicas de manter um tratamento externo, que é também
o que falta pra gente, né? É muito um psicopedagogo dentro da escola, tanto pra
orientação do professor como do aluno.
Entrevistador :Já que você tocou nesse assunto, você acha que o ler e escrever tem
garantido esses outros espaços formativos? Por exemplo, pra essa criança que tem
mais dificuldade pra aprender, enfim uma outra situação que envolve uma situação
de inclusão...
Entrevistada: Eu acho que fica mais fácil o aspecto de enxergar que essa criança
precisa de um atendimento diferenciado. Eu acho que o ler e escrever nos garante
isso e no dá ferramentas, né? Porque o professor sabe o que o aluno precisa, mas
ele tem que garantir uma coisa que ele saiba que vai dar certo. E o ler e escrever
garante! Alguns anos atrás eu tive um pessoal que falava assim aqui, “isso é balela,
isso não vai chegar a lugar nenhum, isso é política!” Pode até ser uma política, mas
garante um processo e a gente só vai ter um reflexo efetivo em 2012, né, que é
aquele pessoal que iniciou, tanto os professores como os alunos, que a gente chega
no fim no 5° ano. Então o reflexo mesmo do ler e escrever só vai aparecer mesmo
pontuado no Saresp, vai ser em 2012. Que eu acredito que lá que a gente vai
mostrar que houve continuidade no ciclo. Então a gente fala em ciclo, mas não é
ciclo, né, a gente compartimenta em série, que é o que está errado, ainda, muito.
Então esse ir e vir da criança, eu acho que tem que ser mais acentuado.
Entrevistador: Tem que ter uma flexibilidade?
146
Entrevistada: Tem que ter um ajuste, em termos de aprendizagem, onde ele garanta
aquelas expectativas, porque não retornar? Porque aquele professor que talvez
esteja com ele mais 29 não está dando conta dele ali. Me angustia também, e é
uma forma de dizer que não dá certo exatamente porque eu não consigo garantir
aquele. Então eu também não faço, eu acho que fazendo igual aos outros eu to
dando conta e talvez a criança estacione. E é a grande preocupação que eu tenho,
de não deixar a criança na mesmice. Nós temos ainda muitos casos assim. Então
quando pegamos o mapa de classe onde eu tenho 2,3 a nível (sic) de 6 salas e você
vê que aquilo não caminha. Por quê? Então a culpa é de quem? A culpa é de todos.
Só que a culpa é de ninguém, né. Então fica difícil esse trabalho também. Mas eu
acredito, acredito que dá certo, porque a gente tem todas as ferramentas e talvez
esse assessoramento não existe ainda em termos de rede, de um atendimento
dentro da escola e de um acompanhamento aos pais, de um aconselhamento mais
efetivo, uma equipe preparada para, acho que isso falta muito pra gente! É meu
sonho quando eu aposentar né? Eu sou psicopedagoga e eu queria uma situação
de trabalhar com problemas de aprendizagem, montar uma equipe, inicialmente
voluntária, mas com alguma parceria, não sei daqui a quanto tempo. Se a gente
conseguir, porque eu ainda sou idealista, com a rede que a gente faça um trabalho.
Não da criança ir, de nós irmos. Mas de ser um trabalho pontuado, não a cada mês,
de 15 em 15 dias, de acompanhamento. Porque nós recebemos muitos pais.
Quando você tem um problema, você não quer mostrar que tem esse problema.
Então, se você não sabe como trabalhar, então você se omite. Até você convencer o
pai, nos temos uma associação beneficiente, que é o CEAP, pra onde nós
mandamos, mas até convencer o pai que precisa de um auxilio. Que nós não
damos conta, nem eles lá, nem nós aqui, que precisa de alguém no meio pra nos
ajudar, a criança. Tem pai que acorda quando a criança está saindo do ciclo e é
frustrante.
Entrevistador: Então voltando só um pouquinho na sua atuação como coordenação
Você acha que o ler e escrever mudou bastante coisa na sua atuação como
coordenadora?
Entrevistada: O Letra e Vida mudou muita coisa na minha vida. Começou lá. Eu
acho que aquele primeiro passo como formadora já mudou muita coisa, que eu
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buscava algumas coisas diferentes que eu não sabia o que era. E esse convite pra
trabalhar lá me acrescentou muita coisa, por sinal, me efetivei, longo depois. Então
eu acho que desde dali. Eu acho que acrescentou. A minha postura com os
professores não mudou tanto, porque eu acredito num trabalho com bastante
fundamentação e prática. O que eu mudei foram os argumentos para o
convencimento.
Entrevistador: Certo. Umas das coisas que o Ler e Escrever os orienta, é fazer a
observação de aulas. Como é que você vê isso?
Entrevistada:Olha eu até faço, mas não como eu gostaria.
Entrevistador: Porque?
Entrevistada: Eu acho que o tempo nos sobre carrega. É uma situação muito
conflituosa, sabe? É tudo assim, pra anteontem. Então tudo que você faz tem a ver
com a documentação, que o registro é fundamental, mas te cobram muita coisa no
meio do caminho. Então tem momentos que você precisa até de um tempo maior pra
essa situação, claro que a gente tem que se organizar, em uma rotina de 8 horas de
trabalho, a gente acredita tá! Mas a gente atende muitos pais com esse
convencimento de algumas coisas. Você tem que fazer um trabalho coletivo, mas ao
mesmo tempo tem que fazer um trabalho pontual com alguns professores, que não
te dá esse tempo. A capacitação seria o momento ideal, que você garante. Eu tenho
12 professores que acreditam, mas eu tenho 26, 30 com os 4 especialistas. Então
uma parte deles eu não tenho essas 4 horas. Que agora não são 4, são 2h porque
2h é pra recuperação. Então me tirou 2 horas que eu tinha que pontuar uma
pontuação maior, e com esses que não estão eu só tenho duas horas por semana e
o que se garante com isso? Nada !
Entrevistador: Esse Planejamento que você falou, essa rotina de trabalho, de 100%,
você consegue cumprir quanto?
Entrevistada : 60% ou 70 % e tem semana que nem isso. Sou sincera mesmo que é
uma coisa que nos frustra, porque tem a coisa que você teria que estar lá antes do
148
que está acontecendo. E você não consegue, porque é muita coisa ! “Ah, mas dá!”,
a Silvia fala, Lilian, Ivana, “ah, mas você tem que se pontuar”. “Se tranque, estude,
você tem que trancar sua porta pelo menos uma hora”. Não dá, não dá! A gente leva
trabalho pra casa.
Entrevistador: Pensando então, nas formações do Ler e Escrever. Você considera
que a formação recebida lá nas reuniões da Diretoria te dá instrumentos para
desenvolver o trabalho de formação dos professores?
Entrevistada: Sim, ele agrega e ajuda bastante, porque traz muitas situações
práticas. Dá pra fazer um acompanhamento bem pontuado.
Entrevistador: E quanto aos outros temas que permeiam o seu trabalho, como
inclusão, relação com as famílias, a relação entre os professores.
Entrevistada: De algum jeito, sim. Mas, pensando bem, não diretamente. E também
isso não é responsabilidade da escola. O governo tinha que garantir essa rede de
apoio que eu te falei antes, com psicopedagogo, com psicólogo, que estivessem
dentro da escola.
Entrevistador: Certo, Ereni. Acho que é isso. Você quer falar mais alguma coisa?
Entrevistada: Deixa eu ver, eu acho que não. Ajudei você?
Entrevistador: Claro que sim. Agradeço muito!
Entrevistada: De nada.
Transcrição da Entrevista Recorrente – Professora Joana
Entrevistador: E., estou aqui outra vez para pedir que você leia a transcrição da
entrevista que fiz com você na semana passada. Na verdade, eu fiz uma análise que
eu também peço que você leia e veja se quer mudar, acrescentar, se quer que eu
tire alguma coisa.
149
Entrevistada: Ah, tudo bem.
(Leitura durou 12m)
Entrevistada: Por mim está bom. Você quer que eu fale alguma coisa?
(risos)
Entrevistador: Não, a ideia aqui é que você veja se concorda, se discorda, se quer
completar alguma coisa...
Entrevistada: Por mim, não.
Entrevistador: Então posso usar no meu trabalho?
Entrevistada: Claro que pode.
Entrevistador: Então está ótimo. Muito obrigado pela sua ajuda.
Entrevistada: O que é isso!
Gravação encerrada em 16m41s.
150
Entrevista- Professor Paulo
Entrevistador – A., fale um pouco sobre a sua rotina de trabalho. Quais são suas
principais atribuições?
Entrevistado – De acordo com a lei eu devo ajudar o diretor no acompanhamento do
processo ensino-aprendizagem. Mas eu faço um pouco de tudo, principalmente
quando o diretor e a vice não estão, o pessoal aqui da escola me procura pra tudo:
pra resolver o problema do gás que acabou, da pessoa que está pedindo vaga no
guichê da secretaria, dos alunos que brigaram, da professora que quer folha de
sulfite, da outra que manda te chamar urgente na sala porque está com um
problema de disciplina... É uma loucura! Além de tudo têm as coisas que o pessoal
da Diretoria pede pra gente fazer e entregar, é um monte de relatório, um monte de
projetos...
Entrevistador – O que, por exemplo?
Entrevistado – Ah, veja bem: agora que é começo de ano, tem as coisas do
planejamento pra organizar, o pessoal da Diretoria costuma visitar as escolas nesse
período...
Entrevistador – Para quê?
Entrevistado – Eles dizem que é pra ajudar a gente, mas está na cara que é pra ver
se a gente está fazendo e o que a gente está fazendo. Por isso, quando dizem que
vem alguém da Diretoria, a gente sempre fica tenso, porque a gente se sente
avaliado, eu acho, sabe? E não é só aqui, os outros coordenadores com quem eu
converso têm a mesma impressão. Pra ser bem sincero a gente não gosta quando
eles vêm. Se não vem ajudar, também não atrapalha. Ninguém está aqui pra
brincadeira. A gente erra, é lógico, mas não é de propósito. Pra mim a presença
deles mais atrapalha, me sinto vigiado.
151
Entrevistador – Entendo. Você estava falando que há muitos relatórios pra
preencher. Que outros exemplos você poderia dar?
Entrevistado – Se eu falar tudo, você não sai daqui hoje (risos), ainda mais porque
não é toda hora que a gente pode falar essas coisas. Mas, por exemplo, daqui a
pouco chega a época do reforço e aí é aquela loucura de montar projeto, organizar
turmas, encontrar professor pra dar as aulas, mandar autorização para os pais.
Agora, são as coisas do início do ano, tem que controlar a distribuição dos kits de
material escolar, a distribuição dos livros didáticos que chegaram do PNLD. Eu não
tenho feito outra coisa...
Entrevistador – Como foi o planejamento? Você organizou a pauta?
Entrevistado – Mais ou menos. Nós tivemos capacitação na Diretoria e eles
disseram o que a gente tinha que fazer.
Entrevistador – E qual foi a recomendação da equipe da DE (Diretoria de Ensino)?
Entrevistado – Acompanhar as sondagens, orientar os professores a fazerem o
mapa da classe e a gente tem que recolher pra acompanhar o trabalho deles.
Entrevistador – O mapa da classe é aquela relação da quantidade de crianças em
cada hipótese de escrita, pré-silábica, silábica sem valor, com valor... e tal?
Entrevistado – Essa mesma.
Entrevistador – Já que você mencionou o mapa da classe, você participa do Ler e
Escrever desde o início?
Entrevistado – Sim.
Entrevistador – Você acha que ele te ajuda a organizar o seu trabalho?
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Entrevistado – Ah, ajuda. Ajuda bastante, porque como já vem no material tudo o
que o professor tem que fazer, fica mais fácil pra gente acompanhar o trabalho dele.
Entrevistador – Como você acompanha o trabalho dos professores?
Entrevistado – Nas htpcs a gente conversa e eles vão me contando o que vão
fazendo ou mesmo no dia a dia. Lá nas reuniões do Ler e Escrever elas orientam a
gente a assistir aula de vez em quando. Mas eu não faço. Eu digo que faço, mas
não faço. Primeiro porque não dá tempo, segundo porque se fosse eu, não ia gostar
que o coordenador ficasse assistindo minha aula. Eu ia me sentir vigiado.
Entrevistador – E o acompanhamento das atividades do Ler e Escrever você faz
como, então?
Entrevistado – De acordo com o que elas vão me falando. O material já vem pronto
pra elas, dizendo tudo o que elas têm que fazer... Se bobear, diz até o que elas têm
que falar... Pra que eu preciso controlar? Eu sei que algumas delas não fazem tudo
do jeito que o material manda. Mas eu vou intervir? A LDB não diz que o professor
tem direito de aplicar a concepção que ele quiser?
Entrevistador – Esse material que você diz que os professores tem, você também
tem? Há alguma dessas publicações direcionada para o coordenador?
Entrevistador – Tenho um monte, quer levar um pouco? (risos). Agora, material
oficial pra nós, não tem, não.
Entrevistador – E as orientações que vocês recebem são feitas como?
Entrevistado – Nós temos reunião a cada quinze dias. As meninas da Diretoria nos
acompanham, e de vez em quando vem a formadora da Secretaria de Educação. O
que a gente recebe de material são elas que preparam. E quando é pra falar do
material a gente usa o guia de planejamento do professor, pra saber como vai fazer
a orientação para os professores depois.
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Entrevistador – Você considera que o Ler e Escrever te ajudou a desempenhar
melhor o seu trabalho como coordenador?
Entrevistado – Acho que sim, com certeza. Ele me trouxe mais informações sobre o
trabalho na sala de aula, que é uma coisa que eu nunca vivi, porque eu dei aula a
vida inteira no ciclo II e no Médio, de 1ª a 4ª, nunca. Agora, ele chegou como uma
coisa a mais no nosso trabalho. Diante de tudo o que a gente já fazia, veio uma
coisa a mais, você está entendendo? Quando começou a nova proposta curricular,
em 2007, a gente também recebeu formações sobre como organizar o nosso tempo,
mas o dia-a-dia não é assim, entende? As coisas aparecem e não dá pra deixar pra
depois. Por exemplo, o professor me pede uma coisa, e eu vou dizer pra ele, “olha
amanhã eu faço isso, porque hoje é dia de planejar reunião”?
Entrevistador – Que outras coisas mais você tem que fazer, além do
acompanhamento do Ler e Escrever?
Entrevistado – Ah, tem as coisas do PIC, os outros projetos, outras coisas que
fazem parte do currículo, os projetos que a gente tem que desenvolver, os índices
do IDESP, fora as coisas que eu te falei antes: as pessoas que querem falar com a
gente, os professores que chamam e pedem coisas, os funcionários que pedem
coisas, os pais que querem ser atendidos, agora é essa prova para a progressão
funcional, que ninguém fala em outra coisa.
Entrevistador – Agora voltando um pouco, você acha que o Ler Escrever mudou
alguma coisa na sua atuação como coordenador?
Entrevistado – Sendo bem sincero, mudou sim. Por exemplo, eu consigo conversar
com os professores sobre as dificuldades dos alunos. Mas eu acho que acrescentou
mais no meu conhecimento pessoal do que no profissional, sabe? Porque tem
coisas que eu nunca vou ter: a experiência de 1ª a 4ª, por exemplo. E mesmo
assim, tem muita professora que sabe essas coisas melhor do que eu.
Entrevistador – Antes do Ler e Escrever você fez algum outro curso sobre
alfabetização?
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Entrevistado – Fiz o Letra e Vida, que foi ótimo pra mim, que não sabia nada sobre
alfabetização.
Entrevistador – E naquele momento, ele te ajudou no seu trabalho de coordenador?
Entrevistado – Ajudou bastante, mas tenho dúvidas. Eu sabia a mesma coisa ou até
a mesma coisa que os professores.
Entrevistador – O Letra e Vida teve algum direcionamento para vocês
coordenadores?
Entrevistado – Olha, que eu me lembre, em nenhum momento, até porque as vagas
não eram pra nós, era só para os professores. Eu, por exemplo, fiz porque naquela
época que vocês ainda eram formadores, vocês colocaram os coordenadores que
estavam interessados.
Entrevistador – Voltando ao Ler e Escrever, você acha que agora tem mais
condições de ajudar um professor que pede auxílio quando uma criança do 1º ano,
por exemplo, está com dificuldade em aprender a ler e escrever?
Entrevistado – Ah, sim. Pelo menos eu posso sugerir coisas, por exemplo, perguntar
se a professora está usando letras móveis, se está dando parlendas, se está
trabalhando em grupo, essas coisas. Acho que melhorou sim.
Entrevistador – Então, quando as professoras falam sobre o percurso de
aprendizagem dos alunos, você consegue analisar junto com elas se aquilo que foi
planejado está dando certo ou não, e então vocês fazem ajustes?
Entrevistado – Ah, sim. Isso ficou bem melhor.
Entrevistador – E se ainda assim, vocês tiverem dúvidas?
Entrevistado – Ah, aí elas olham o livro do Ler e Escrever pra procurar sugestões de
atividades.
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Entrevistador – Quando você vai às reuniões de formação do Ler e Escrever, que
tipo de orientação recebe?
Entrevistado – Deixa eu ver. Ah, dizem pra gente assistir as aulas dos professores
de vez em quando, acompanhar a evolução dos alunos pelo mapa da classe, falam
de gêneros textuais, de trabalho com leitura, essas coisas.
Entrevistador – E essas orientações ajudam?
Entrevistado – Algumas ajudam, outras a gente não agüenta mais ouvir falar.
Porque o que acontece todo dia na escola é diferente. Por mais que a gente queira,
tem criança que ainda não aprende e por conta de coisas que a gente não tem
controle. Por mais que o Ler e Escrever seja bom, tem outras coisas, da vida das
crianças, que a gente não tem controle. Por exemplo, a criança falta muito, a gente
chama o Conselho Tutelar e eles não fazem nada. Aí vem o Saresp, eles vão mal e
aí já viu, né?
Entrevistador – Já viu o que (risos)?
Entrevistado – Ué, a responsabilidade é nossa e sempre parece que a gente é que
não trabalhou direito.
Entrevistador – Acho que por enquanto é só, A. Com certeza eu ainda vou te
incomodar por um tempo. Muito obrigado por tudo!
Entrevistado – Imagina, querido. As portas estão sempre abertas pra você aqui.
Entrevista Recorrente – Professor Paulo
Entrevistador: Da última vez que conversamos, faz bastante tempo, eu transcrevi a
nossa conversa e fiz uma análise. É sobre essa análise que eu queria conversar
com você hoje. Está aqui, caso você queira ler. Se não concordar com alguma coisa,
você pode mudar. Fique à vontade, tudo bem?
156
Entrevistado: Tudo.
Entrevistador: Então, uma coisa que você me disse foi que o seu trabalho sofre
muitas interferências burocráticas ainda. Você afirmou que ainda há muitas coisas
que te atrapalham. Que você tem que resolver o problema do gás, professores
pedindo material...
Entrevistado: É isso mesmo. Eu falei pouco ainda. Digam o que quiserem, mas se
querem que a gente trabalhe como coordenadores, de verdade, ainda tem muita
coisa pra melhorar. Falta muito funcionário, a escola é muito, muito grande, é muita
coisa acontecendo aqui ao mesmo tempo.
Entrevistador: E como você acha que isso poderia melhorar?
Entrevistado: Tinha que ter mais funcionários, eu como coordenador acho que se eu
tivesse um assistente, alguém que me ajudasse com coisas burocráticas, os
relatórios que a Diretoria pede, que é bastante coisa, e que toma bastante tempo, ia
ajudar bastante. O tempo que eu perco fazendo essas coisas eu acho que
compromete, sabe? Eu tenho que ser secretário, digitador, controlador de kit escolar,
essas coisas que você conhece bem.
Entrevistador: Certo. Outra coisa que você me disse foi que você se sente vigiado
pela Diretoria de Ensino. È isso mesmo? Você pode explicar melhor isso?
Entrevistado: É isso sim. Na verdade, isso diminuiu bastante nos últimos anos. Mas
ainda existe.
Entrevistador: Você pode dar um exemplo?
Entrevistado: Deixa eu ver. Por exemplo, por mais que digam que não, eu acho que
existe sim. Antes era mais explícito. O problema é que agora é velado.
Entrevistador: O que?
157
Entrevistado: Ah, antes eles faziam isso bem diretamente. Agora, eu sinto que é
politicamente incorreto fiscalizar, vigiar. Então, quando divulgam o resultado do
Saresp, agora vêm com uma conversa de que cada escola é respeitada, cada escola
vai pensar as suas próprias metas e trabalhar dentro do seu ritmo. Eu acho
hipocrisia! Tem escolas aqui nessa Diretoria que são paparicadas, como o Blanca, e
que tudo o que eles fazem é lindo. Eles tratam as escolas diferente sim. As escolas
“boas” de um lado e as “mais ou menos” de outro. Eu sinto isso desde que eu estou
na coordenação.
Entrevistador: E você acha que há uma espécie de competitividade entre as
escolas?
Entrevistado: Você sabe que tem. Pode não ser explícita agora como foi em outro
tempo, mas ainda tem sim. Nas reuniões, sempre a escola “X” quer ser mais verde
que a “Y”.
Entrevistador: E você acha que isso se deve a que?
Entrevistado: Bom, acho que isso é reflexo do jeito como as coisas são no Estado.
Tem uma coisa de competição no ar, que foi amenizando, que está ficando cada vez
mais sutil, mas que existe.
Entrevistador: Você poderia explicar melhor? Fique à vontade para dizer que não
também...
Entrevistado: Não, não tem problema.
Entrevistador: Vamos tomar uma situação concreta. Na outra entrevista, você disse
que achava que nas formações do Ler e Escrever, essa coisa da fiscalização
aparece, quando orientam vocês a assistir as aulas dos professores. Seria isso?
Entrevistado: Essa é uma das coisas. Uma só. Eu diria que é a “ponta do iceberg”. O
discurso é “macio”. Dizem que é pra ajudar o professor avançar, pra gente ser
parceiro dele. Mas olha, eu já passei dos 40 e não tenho ilusão. Essa conversinha
158
não me serve mais. Agora é ano eleitoral, começam as propagandas apelativas. É
Serra dizendo que melhorou a educação, que tem dois professores na sala, que o
salário melhorou, que todo mundo na educação é feliz. Tudo isso é conversa! Lá na
reunião do Ler e Escrever dizem que não é isso, que tudo é pelo aluno, pra todo
aprender, que todo mundo pode, que cidadão isso, cidadão aquilo. Cidadão quem?
Quem é cidadão? Os pobres aqui da minha escola são cidadãos? As professoras
que nem sabem escrever direito e falam errado são cidadãs? Que nada! Tudo é
pensado pela lei do mínimo...
Entrevistador: Da última vez você disse que não assistia as aulas dos professores
porque o material do Ler e Escrever já vem dizendo tudo o que elas teriam que
fazer. É isso mesmo? Você acha que isso é um bom exemplo do que você está
chamando de “lei do mínimo”?
Entrevistado: Isso mesmo. O Estado não definiu o mínimo? Por acaso aqui na
escola a gente pode fazer de outro jeito? Querer fazer diferente eu quero. Mas será
que eu posso? Será que a minha professora que não quer usar o Ler e Escrever
pode não querer usar? Aí vêm com aquele discurso que esse país é democrático e
não sei mais o que, mas é tudo balela. Duvido que alguém tenha coragem de dizer
que não concorda. Eu mesmo, estou tão cansado que quando eu vou na reunião eu
digo amém, amém, amém, falo o que eles querem ouvir, volto pra escola e faço do
meu jeito.
Entrevistador: E como seria esse seu jeito?
Entrevistado: Hummm. Assim, eu prefiro apostar na conversa. Elas me dizem o que
está acontecendo e a gente vai trabalhando juntos, tentando encontrar alternativas
juntos. Mas eu respeito o tempo de cada uma. Isso aqui é uma escola pública. Tem
professora experiente, que sabe mais do que eu, mas tem professora que tem mais
dificuldade. O que eu vou fazer? Vou matar pra ver se nasce de novo? Pra não
enlouquecer e nem infernizar a vida dela eu tenho que respeitar o tempo dela, o que
eu vou fazer? E eu também não sou expert em alfabetização, não tenho experiência
nisso. Então, peço a ajuda das outras que sabem mais e a gente vai trabalhando
assim.
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Entrevistador: O Ler e Escrever te ajuda nisso?
Entrevistado: Ajuda sim. Ajuda bastante, aproveito algumas coisas, mas tem coisas
que eu discordo
Entrevistador: Além da observação de aulas, do que mais você discorda?
Entrevistado: Do mapa da classe, por exemplo.
Entrevistador: Por que?
Entrevistado: Por que eu acho que é outro jeito mansinho de controlar as coisas.
Você fica contando quantas crianças pré-silábicas, silábicas ou alfabéticas tem na
escola. Isso não dá certo?
Entrevistador: Por que? Você acha que Isso não é importante?
Entrevistado: Importante é. Mas depende do jeito que você usa. Eu acho que
mesmo que digam que não, esse negócio gera uma competição. Eu ouço nas
reuniões, nas conversas corriqueiras, coisas assim “Quantos pré-silábicos têm na
sua escola”? Eu sei até de escolas que penduram o mapa da classe na sala dos
professores. Isso é perigoso, porque gera competição. E tudo hoje é competição. E
os meninos que não conseguem? Tem menino que fica pré-silábico, tem menino que
a gente tenta, tenta, vira cambalhota e não aprende. E aí? O que eu faço? Eu que
não presto? A professora que não presta? A escola que não presta? O aluno não
presta? A mãe dele que não presta? É muito complicado. Quando eu falo essas
coisas, me chamam de “petista”. Petista por que? Porque eu falo o que ninguém tem
coragem de falar? Porque eu não vou no jantar do PSDB, que a dirigente e o
pessoal da Diretoria começa a convidar agora que está chegando a eleição? Não
vou! Não vou, mesmo. E não é porque eu sou petista ou outra coisa. Petista eu era,
eu era. Agora, PT, PSDB é tudo a mesma coisa. Não tem diferença.
160
Entrevistador: Então, você está me dizendo que todo o trabalho desenvolvido,
inclusive o do Ler e Escrever, fica comprometido pelos interesses político-
partidários?
Entrevistado: Eu acho. Isso mesmo. Eles vêm com esse discurso de educação para
todos, todos quem? No fundo, ficam é pressionando a gente pra melhorar resultado.
Mas eu não me engano, não.
Entrevistador: Mas, da outra vez, você disse que o Ler e Escrever te ajudou a
desempenhar melhor o seu trabalho...
Entrevistado: E ajudou mesmo. Só que nas coisas específicas da alfabetização.
Outras coisas ele passa bem longe.
Entrevistador: Do que por exemplo?
Entrevistado: Não fala nada das crianças que tem dificuldade, dos problemas das
famílias, dos deficientes. Tem os PCOPs da Diretoria específicos pra esses
assuntos, mas não é suficiente. Essas coisas que são nossos maiores problemas. E
ninguém fala nada, nadinha. Eu me sinto numa novela às vezes. As reuniões da
Diretoria até me irritam. Porque parece que as pessoas vivem num outro mundo
diferente do meu. Parece que não assistiram “Alice no País das Maravilhas”. É um
tal de “na minha escola isso”, “a minha escola aquilo”. Às vezes eu penso “será que
eu sou tão amargurado assim”? Aí eu penso, penso e vejo que não. Eu sou realista
mesmo. E prefiro continuar assim do que acreditar em “conto da Carochinha”, como
aquelas pessoas. Mas é difícil! Porque a gente vira peixe fora d’água. Mas não estou
nem aí. Faço o meu trabalho e vou embora de consciência limpa. Eu faço o que
posso e o que consigo.
Entrevistador: Mudando um pouquinho de assunto, da outra vez você disse que
recebia orientações de como organizar o seu tempo, mas que você tinha dificuldade
de planejar o seu trabalho como formador porque outras demandas atrapalhavam.
Você pode falar mais a respeito?
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Entrevistado: Ah, sim. Bom é isso mesmo. Organizar eu tento. Organizar eu
organizo. Toda semana eu faço uma pauta, para as 40 horas que eu vou ficar aqui.
Entrevistador: E você prioriza suas atividades como formador: os htpcs, as
observações de aulas, o acompanhamento do trabalho dos professores?
Entrevistado: No papel sim... Mas na prática é bem diferente!
Entrevistador: Por que?
Entrevistado: Ué, porque a escola é uma panela de pressão. É aluno que briga, que
se machuca, que xinga a professora, é pai de aluno querendo conversar, é festa
junina, é reforço, é Ler e Escrever, é professora chamando, é mapa da classe, é
htpc, é diretor chamando, é Diretoria pedindo relatório, é criança doente, é criança
que apanha, é criança que trabalha, pai e mãe drogado. Quer mais ou ta bom?
Entrevistador: Mas você consegue cumprir um pouco do seu planejamento?
Entrevistado: Um pouquinho.
Entrevistador: Um pouquinho quanto?
Entrevistado: Tem semana que a metade. Mas em geral, menos da metade.
Entrevistador: Bom, acho que falta só uma coisa. Você tem todo o direito de ficar
bravo comigo. Vamos lá. Da última vez, eu perguntei se o Ler e Escrever tinha
trazido contribuições para sua atuação como formador e você me disse que sim, que
agora você consegue conversar com os professores, que você pode sugerir coisas,
como usar letras móveis, parlendas, trabalho em grupo. Eu fiz uma interpretação de
que essa sua fala revela uma fragilidade teórico-metodológica, pois esses saberes
são saberes muito básicos do Ler e Escrever e que, de alguma forma, o trabalho das
professoras fica desconectado do seu. O que você acha disso? Pode ficar bravo
comigo, mas em respeito à você, diante da sua disponibilidade em me ajudar com a
162
minha pesquisa, seria anti-ético da minha parte omitir isso. Enfim, o que você acha
disso?
Entrevistado: Eu não me incomodo, não. Você falou mentira? Você sabe que eu não
fico bravo. Fico bravo com mentira. Você não falou mentira. Eu tenho limitações
mesmo. Eu sou biólogo. Eu caí nessa escola de pára-quedas. Eu me esforço, mas
tem coisas que escapam.
Entrevistador: Aliás, eu gostaria de dizer que o seu trabalho precisa ser valorizado e
a sua franqueza muito elogiada. Então, acho que é isso. Muito obrigado mesmo, e
eu quero te ver na minha defesa, hein?
Entrevistado: Eu estarei lá, com certeza!