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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de Toledo Soares A Manifestação do Sublime em Manoel de Barros Mestrado em Literatura e Crítica Literária São Paulo 2015

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Page 1: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Ana Paula de Toledo Soares

A Manifestação do Sublime em Manoel de Barros

Mestrado em Literatura e Crítica Literária

São Paulo

2015

Page 2: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Ana Paula de Toledo Soares

A Manifestação do Sublime em Manoel de Barros

Mestrado em Literatura e Crítica Literária

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Mestre em Literatura e Crítica

Literária, sob a orientação da Profª Drª Vera

Bastazin.

São Paulo

2015

Page 3: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

Banca Examinadora

_________________________________

_________________________________

_________________________________

Page 4: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

Agradecimentos

À Profª Drª Vera Bastazin, por acreditar no meu trabalho, por ampliar meu olhar

sobre as artes e pelo crescimento pessoal e profissional que me proporcionou.

Aos professores do Programa de Literatura e Crítica Literária: Annita Costa

Malufe, Jonnefer Barbosa e Maria Aparecida Junqueira, pela indicação de

textos, orientação na pesquisa e ampliação do meu conhecimento. Agradeço

também à Ana Albertina, pela paciência e ajuda com as questões

administrativas.

Aos colegas do Programa de LCL, pelas constantes conversas em torno da

poesia e indicações de textos que certamente engrandeceram minha pesquisa.

Aos amigos que me ajudaram com as traduções para o inglês e para o francês:

Lucas Grosso, Laura Alencar, Danilo Guarda, Juliana Schiavoni, Kelvin Osako

e Carlos Pinotti.

Ao Grupo de Pesquisa Estudos de Poética, que aprimorou meus estudos sobre

poesia e contribuiu para reflexões mais profundas.

Aos amigos de sempre para sempre, principalmente à Iracema, que me

apresentou Manoel de Barros.

À minha família querida, principalmente Danilo Guarda, pela ajuda com a

formatação, pelas discussões sobre pesquisa acadêmica e por me ouvir e

socorrer nos momentos mais difíceis, Maria Toledo, pela paciência, apoio e

carinho de todos os dias, e Luiz Carlos Soares, pela vibração com as minhas

conquistas, por acreditar no meu trabalho e pelo incentivo intenso. Vocês que

me dão o suporte essencial e me encorajam a caminhar com meus próprios

passos.

À FAPESP, pelo auxílio essencial para a pesquisa.

Page 5: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

Eu bem sabia que a nossa visão é um ato poético do olhar.

Manoel de Barros

Page 6: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

SOARES, Ana Paula de Toledo. A manifestação do sublime em Manoel de

Barros. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em

Literatura e Crítica Literária. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP,

2015.

Resumo

A dissertação apresenta uma abordagem da estética do sublime na natureza, a

partir da leitura de poemas de Manoel de Barros, presentes nos livros “O

Guardador de Águas” (1989) e “Menino do mato” (2010). O estudo realiza

reflexão acerca do sentimento sublime, assim como amplia a área de

conhecimento sobre a poética do autor. A pesquisa propõe um recorte teórico

do sublime numa vertente histórico-conceitual, para melhor compreensão da

sua transformação no decorrer do tempo, assim como da estetização da

natureza e da imagem poética criada nos textos, a fim de fornecer bases para

pensarmos o sublime na poesia. O corpus selecionado nos mostra que a

estética do sublime ainda é presente nos textos e que suas bases são as

mesmas – faculdade da imaginação e faculdade da razão – o que muda é a

forma de composição dos cenários, transformando a forma de sentir. Em

Manoel de Barros, o sentimento é despertado com o estímulo da faculdade da

imaginação, gerando o estranhamento seguido do alumbramento, que produz o

prazer negativo do sublime.

Palavras-chave: Manoel de Barros; sublime; natureza; sublime na poesia.

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SOARES, Ana Paula de Toledo. The manifestation of the sublime in Manoel

de Barros. Master’s degree dissertation. Program of Pos-Graduate Studies on

Literature and Literary criticism. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

SP, Brazil, 2015.

Abstract

The dissertation presents an approach of sublime aesthetics in nature, with

reading of the Manoel de Barros poems presents in the books “O Guardador de

Águas” (1989) e “Menino do mato” (2010). The study performs reflection about

the sublime feeling, as well as expands the area of knowledge about the poetics

of the author. The research proposes a theoretical approach of the sublime in a

historical and conceptual aspects, for a better understanding of its

transformation over time, as well as the aesthetization of the nature and poetic

image created in the texts to provide basis for thinking the sublime in the poetry.

The corpus selected shows that the aesthetics of the sublime is still present in

the texts and its basis are the same – faculty of imagination and faculty of

reason – what changes is the form of scenarios composition, transforming the

way of feeling. Reading Manoel de Barros, the feeling is awakened with the

stimulus of the faculty of imagination, generating estrangement followed by

delight, which produces the negative pleasure of the sublime.

Keywords: Manoel de Barros; sublime; nature; sublime in the poetry.

Page 8: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ana Paula de

Sumário

Introdução __________________________________________________ p.08

1. O sublime – principais teorias__________________________________ p.11

2. A estetização da Natureza: transformações do olhar________________ p.38

3. A Imagem poética___________________________________________ p.56

4. O sublime na natureza em Manoel de Barros _____________________ p.72

Considerações Finais__________________________________________ p.85

Referências__________________________________________________ p.88

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Introdução

Esta dissertação apresenta um estudo do sublime na natureza, a partir

de uma proposta de leitura da obra de Manoel de Barros, com o objetivo de

refletir a respeito da transformação do olhar sobre o cenário natural e suas

repercussões na estética sublime. Elegemos como corpus de investigação

alguns poemas de dois livros de momentos distintos: O Guardador de Águas

(1989) e Menino do mato (2010), os quais destacam, com intensidade, a

relação entre homem e ambiente natural.

Manoel de Barros introduz o leitor em uma poética marcada pelo cenário

natural, explorando os pequenos detalhes que tornam a natureza ainda mais

rica. Sua poesia volta-se ao ínfimo que se transforma em grandioso, numa

constante transfiguração do homem em coisa e da coisa em homem. Estas

questões nos despertam para pensar sobre a estética do sublime na natureza,

pois mexem com os sentimentos e as sensações do leitor e estimulam a

criação de novas imagens, o que, muitas vezes, pode gerar uma sensação de

vazio pela falha do imaginário na produção de uma imagem concreta. Dessa

forma, investigamos o sentimento sublime, na poesia de Manoel de Barros, a

partir do estímulo da faculdade da imaginação, estudando a maneira como a

formação de imagens poéticas contribui para o sentimento.

A partir de pesquisas e leituras da fortuna crítica de Manoel de Barros,

não encontramos estudos que tratassem da questão do sublime na natureza.

Algumas teses e dissertações foram analisadas e pôde-se observar que a

poética de Manoel de Barros é estudada por várias vertentes, sendo as mais

recorrentes: a representação e influência da natureza; o espaço mítico; o

cenário do Pantanal; e, principalmente, o retorno à infância. Como exemplo,

temos o trabalho de pesquisa “Entre Guimarães Rosa, Manoel de Barros e

Bartolomeu Campos Queirós: a criação de uma infância da escrita”, de Rosane

da Silva Gomes (UFMG), que trata do tema da infância presente na poética dos

três escritores; e “Uma poética da modernidade: leitura comparativa entre

Alberto Caeiro e Manoel de Barros”, de Isaac Newton Almeida e Ramos (USP)

que, além de tratar do tema da infância, busca diálogo entre o heterônimo

português e o poeta brasileiro pela forma diferenciada de ambos representarem

a natureza, todavia, essa pesquisa não se refere à estética do sublime.

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Realizamos também pesquisas em teses e dissertações da Universidade

Federal do Mato Grosso, local onde o poeta nasceu. Encontramos algumas

dissertações, como “A prosa poética de Manoel de Barros - lirismo, mitos e

memórias”, de Renata Beatriz Brandespin Rolon; e “A educação ambiental e

Manoel de Barros: diálogos poéticos”, de Maria Elizabete Nascimento de

Oliveira. A primeira dissertação centra-se no tema da linguagem imagética de

Manoel de Barros, abordando o homem e o cenário do Pantanal, e a presença

dos mitos em sua poética; já a segunda, busca um paralelo entre educação e

arte, procurando mostrar a educação ambiental construída com o auxílio da

poética pantaneira de Manoel de Barros. Desta forma, esta pesquisa pode

contribuir para os estudos da poética de Manoel de Barros no que diz respeito

à estética do sublime na natureza.

Iniciamos a dissertação com um recorte teórico do sublime pela vertente

histórico-conceitual, para melhor compreensão do seu desenvolvimento no

transcorrer do tempo, a fim de construir bases para a reflexão dessa estética

na poesia de Manoel de Barros. O sublime nas artes exigiu aprofundamento e,

em consequência disso, dedicamos o primeiro capítulo da dissertação somente

para o estudo da teoria, no qual procuramos abordar a primeira discussão

sobre o tema. Esta se inicia com Longino, no século I, tem seu ápice com

Edmund Burke, Immanuel Kant, Friedrich Schiller, nos séculos XVIII-XIX e

aparece no século XX com a leitura do sublime a partir das vanguardas

artísticas, com Jean-François Lyotard. O recorte teórico priorizou os filósofos

que despertam indagações sobre o tema até os tempos atuais, fornecendo-nos

suporte para pensarmos a poética do Manoel de Barros.

Para melhor embasar a questão da natureza nas artes e no sentimento

sublime, dedicamos o segundo capítulo à relação entre homem e ambiente

natural, sob a perspectiva da estetização do cenário. Procuramos refletir sobre

as transformações dessa relação na obra de Manoel de Barros, o qual propõe

uma nova vivência do cenário, em que o homem se funde com a natureza.

Para isso, nosso foco de estudo apoia-se nas reflexões de Gerd Bornheim,

Deleuze, Jean-Jacques Rousseau, Fichte e Schelling. Além do corpus literário

proposto, também selecionamos poemas de Walt Whitman e Alberto Caeiro,

visando uma abordagem complementar, e telas de Caspar David Friedrich,

para melhor entendimento da questão.

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Nos estudos sobre o sublime, notamos que a faculdade da imaginação é

referência constante para o sentimento, é com o seu estímulo que o sentimento

sublime pode ser gerado. A leitura dos poemas de Manoel de Barros pode

gerar, inicialmente, um estranhamento causado por imagens insólitas, seguido

de um alumbramento, pela compreensão do fenômeno. Este sentimento seria o

que os filósofos chamam de prazer negativo, pois é um prazer gerado pelo

desprazer. Então, para melhor compreendermos a relação da imaginação com

o sublime na poesia e, em seguida, relacionarmos com os poemas de Manoel

de Barros, recorremos, no terceiro capítulo, a alguns recortes teóricos sobre

imagem poética, abordando Maurice Blanchot, Octavio Paz, Gaston Bachelard

e Joseph Addison. Com este estudo, pudemos unir, no último capítulo, a

questão da estética do sublime e da natureza, com foco na faculdade da

imaginação, buscando compreender de que forma poderíamos refletir sobre o

sentimento na poesia de Manoel de Barros.

As análises dos poemas de Manoel de Barros cumprem testar a

hipótese de que o sentimento estético pode ser despertado com o estímulo da

faculdade da imaginação, a partir do trabalho intenso do poeta com as

palavras, com suas desconstruções gramaticais, e construções poéticas

inusitadas, trazendo-nos novos universos e gerando diferentes sensações e

sentidos. Além disso, procuramos mostrar que a estética sublime teve muita

força no século XIX e ainda está presente na poesia contemporânea, apesar de

suas diferentes formas e abordagens. Afinal, considerando que a nossa

contemporaneidade é altamente influenciada pelas mudanças do século XIX, a

estética pode estar presente, mesmo que indiretamente, numa poesia que

ressalta os seres ínfimos e conduz o leitor a vivenciar novos cenários naturais.

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1. O Sublime – principais teorias

Nosso estudo sobre o sublime se inicia com o livro A poética clássica,

que traz o texto “Do Sublime” (século I) – primeira obra sobre o tema a qual se

tem acesso na cultura ocidental. É interessante notar que desde o século I,

encontramos estudos sobre o sublime, tornando-o um conceito bastante antigo

no âmbito do literário. O autor, Longino, trabalha o sublime pela vertente da

arte retórica, direcionando o sentimento ao arrebatamento dos ouvintes e

mostrando que o sublime é a melhor forma de obter um discurso de excelência,

pois eleva os sentimentos dos homens: “[...] é o ponto mais alto e a excelência,

por assim dizer, do discurso e que, por nenhuma outra razão senão essa,

primaram e cercaram de eternidade a sua glória os maiores poetas e

escritores.” (LONGINO, 1997, p.71). O filósofo defende que não é somente a

persuasão que subjuga os ouvintes frente ao discurso, mas principalmente o

arrebatamento, sendo o sublime o alto grau de grandeza do discurso.

Apesar de Longino iniciar os estudos no século I, a temática passa a ter

visibilidade somente em 1674, quando é publicada a tradução francesa de

Nicolas Boileau. Posteriormente, surgem teorias que destacam o conceito e o

colocam no centro das discussões filosóficas, levando-o para diversas áreas de

conhecimento. Edmund Burke (1729-1797) é o filósofo que inicia a

problemática do sublime em seu livro “Uma investigação filosófica sobre a

origem de nossas ideias do sublime e do belo”. Na segunda edição da obra,

Burke introduz a discussão com o texto sobre o gosto: “[...] é provável que o

padrão da razão e do gosto sejam os mesmos para todo o gênero humano.”

(2013, p.27). Burke ainda acrescenta:

[...] quando se diz que o gosto não se discute, isso significa apenas que não se poderia dar uma resposta precisa quanto ao prazer ou à dor que um homem em particular pode encontrar no gosto de uma determinada coisa. (2013, p.31)

Afirmação relevante pois, ao mesmo tempo que Burke generaliza o gosto, ele

também o delimita a partir do prazer ou desprazer que cada homem sente

diante dos objetos exteriores. Assim, observamos a importância de conhecer

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as teorias sobre o gosto para estudarmos a estética do sublime, já que o

sentimento é uma união do desprazer com o prazer.

O prazer e o desprazer que sentimos diante dos objetos podem ser

explicados, segundo Burke, pela imaginação, a qual chama de “faculdade

criativa própria”: “[...] a imaginação constitui a mais ampla esfera do prazer e da

dor” (2013, p.34). Segundo o autor, a imaginação faz variar as ideias recebidas

pelos sentidos. O prazer gerado pela imaginação advém das propriedades dos

objetos naturais, mas também “[...] da semelhança da imitação com o original

[...]” (2013, p.34). Isto se explica, segundo Burke, pelo fato dos seres humanos

encontrarem mais prazer em achar semelhanças do que diferenças, porque, ao

encontrar semelhanças,

[...] produzimos novas imagens unimos, criamos, ampliamos nossa reserva de ideias, ao passo que, ao estabelecermos distinções, não alimentamos absolutamente a imaginação: a tarefa em si é mais rigorosa e maçante e o prazer que dela obtemos tem uma natureza um tanto negativa e indireta. (BURKE, 2013, p.35)

Além do gosto comum a todos os homens, Burke também explica que

existe a “diferença de gosto”. Esta consiste em distintas formas de

conhecimento que dependem da experiência e da observação de cada um:

O princípio desse conhecimento é extremamente circunstancial, uma vez que depende da experiência e da observação, e não da força ou da deficiência de uma capacidade inata, e é dessa diferença no conhecimento que advém aquilo que chamamos, embora sem muita exatidão, uma diferença de gosto. (2013, p.36)

Para melhor compreensão, observemos o exemplo:

Um homem pouco familiarizado com a arte da escultura vê um manequim para peruca ou alguma peça comum de estatuária; fica imediatamente impressionado, porque está diante de algo semelhante a uma figura humana e, inteiramente atraído por essa semelhança, não percebe seus defeitos. Ninguém o faz, creio eu, quando vê pela primeira vez uma obra de imitação. Suponhamos que algum tempo depois esse noviço depare com uma obra mais elaborada da mesma natureza; agora, ele começa a olhar com desprezo para aquela que anteriormente o maravilhara, ainda que então sua admiração não se devesse a sua dessemelhança com um homem, mas à semelhança geral, embora inexata, que ela apresentava com a figura humana.

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Aquilo que o impressionou nessas figuras tão diferentes, em diversas ocasiões, é precisamente a mesma coisa, e, embora seu conhecimento tenha se aperfeiçoado, seu gosto não se alterou. Até então, seu engano deveu-se ao escasso conhecimento da arte, provindo da inexperiência [...]. (BURKE, 2013, p.36)

O sentimento diante de uma obra de arte, ou qualquer outro objeto, ao

mesmo tempo em que desperta os mesmos sentidos nos homens, pode

também ser distinto pois depende da observação e da experiência de cada um,

como no exemplo citado. Então, podemos pensar no sentimento sublime, que,

sendo um sentimento estético1, faz-se necessário considerar essas distinções.

Burke conclui:

[...] no que diz respeito à imaginação, o princípio do gosto é o mesmo para todos os homens: não há diferença nem quanto à maneira como são afetados nem quanto às origens da impressão; contudo, no que tange ao grau, existe uma diferença que provém de duas causas, principalmente: de uma sensibilidade inata maior ou de uma observação mais atenta e prolongada do objeto. (2013, p.38)

Assim, o gosto é comum a todos os seres humanos quando a imaginação é

afetada, mas é distinto com relação ao grau, este relacionado à experiência,

sensibilidade e observação de cada pessoa, as quais podem ser mais ou

menos acentuadas, afetando o gosto.

Aqui, entramos na esfera do juízo: “[...] os princípios são os mesmos em

todos os homens e [...] não há divergência senão quando somos levados a

verificar a superioridade ou a diferença das coisas, o que nos traz para a esfera

do juízo.” (BURKE, 2013, p.39). O juízo, juntamente com a imaginação e os

sentidos, também faz parte do gosto e sua função é dar o veredito diante do

objeto, como podemos observar no exemplo da estátua em que, o homem,

diante da segunda estátua, mais elaborada do que a primeira, julga esta com

desprezo. Vejamos as palavras síntese de Burke:

Em suma, parece-me que o denominado gosto, na sua acepção mais geral, não é uma ideia simples, e sim algo

1 Veremos, na sequência dessa dissertação, que Kant irá trabalhar com o conceito de

disposição de ânimo, para explicar que o sentimento sublime não é gerado pelo simples contato com um objeto, mas que depende da disposição de cada pessoa. Com isso, observamos que Kant segue a mesma linha de Burke.

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composto em parte de uma percepção dos prazeres primários dos sentidos e dos prazeres secundários da imaginação, e em parte dos vereditos da faculdade do juízo [...]. São esses elementos constituintes do gosto, e o fundamento de todos eles é o mesmo no espírito humano, pois, como os sentidos são as grandes fontes de nossas ideias e, por conseguinte, de todos os nossos prazeres, quando eles não são vagos e arbitrários, a base inteira do gosto é comum a todos os homens [...]. (2013, p.40)

Como podemos observar, Burke não considera o gosto como algo que

nos afeta à primeira vista sem raciocínio prévio. Ele introduz, para essa

questão, a faculdade do juízo2, que racionaliza os nossos sentimentos diante

de um objeto. O filósofo justifica a sua abordagem, diferenciando-a das

anteriores:

Antes de encerrar este assunto, não posso deixar de mencionar uma opinião muito difundida, a de que o gosto é uma faculdade do espírito independente e distinta do juízo e da imaginação, uma espécie de instinto mediante o qual somos afetados, de modo natural e à primeira vista, sem qualquer raciocínio prévio, pelas excelências ou defeitos de uma obra. No que concerne à imaginação e às paixões, creio ser verdade que a razão seja pouco consultada, mas, no que diz respeito à disposição, ao decoro, à coerência, enfim, toda vez que o bom gosto diverge do mau, estou convencido de que apenas o entendimento atua e de que sua ação, na realidade, quase nunca é súbita, ou, quando o é, muitas vezes está longe de ser correta. [...] Sabe-se que o gosto (seja ele qual for) é aperfeiçoado exatamente do mesmo modo que o nosso juízo, pela ampliação de nosso conhecimento, por uma observação atenta do nosso objeto e pela prática constante. (2013, p.43)

Burke, assim, traz novas abordagens, tanto para o gosto, quanto para os

sentimentos estéticos, pois ele inaugura duas fases: do meramente físico para

o moral.

Agora que temos um pouco de conhecimento sobre a questão do gosto,

podemos retomar o sublime:

Tudo que seja de algum modo capaz de incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma maneira terrível ou relacionado a objetos terríveis, ou que atue de um modo

2 Aqui, vemos novamente outra questão relevante na obra de Kant: a faculdade do juízo.

Portanto, é inegável as influências de Burke para o desenvolvimento da obra kantiana.

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análogo ao terror, constitui uma fonte do sublime, isto é, produz a mais forte emoção de que o espírito é capaz. (BURKE, 2013, p.59)

Então, o sublime está relacionado às fortes emoções, às ideias de dor e perigo,

é um sentimento que tira a pessoa do seu lugar-comum. Segundo Burke, os

sentidos de dor e perigo são muito mais poderosos do que os que provêm do

prazer. Porém, não podem ser efetivos, pois não gerariam nenhuma espécie de

deleite3 ou de sublime:

Quando o perigo ou a dor se apresentam como uma ameaça decididamente iminente, não podem proporcionar nenhum deleite e são meramente terríveis; mas quando são menos prováveis e de certo modo atenuados, podem ser – e são – deliciosos [...]. (BURKE, 2013, p.60)

Para Burke, a paixão que o sublime na natureza dá origem chama-se

assombro (sendo este o seu mais alto grau): “Nesse caso, o espírito sente-se

tão pleno de seu objeto que não pode admitir nenhum outro nem,

consequentemente, raciocinar sobre aquele objeto que é alvo de sua atenção.”

(2013, p.81). Esta é a origem do sentimento sublime. Porém, apesar do ser

humano não conseguir raciocinar diante do objeto, após o assombro são

geradas a reverência, a admiração e o respeito: “O assombro [...] é o efeito do

sublime em seu mais alto grau; os efeitos secundários são a admiração, a

reverência e o respeito.” Assim, pode-se afirmar que o assombro gerado não

chega a um estado de pavor, pois, se assim fosse, não geraria os efeitos

secundários e não seria sublime.

Burke considera o terror o efeito primordial do sublime. Tudo o que é

terrível à visão é igualmente sublime, quer a causa de terror seja dotada de

grandes dimensões ou não, pois é impossível considerar algo que possa ser

perigoso como sendo insignificante ou desprezível. Para algo ser terrível, é

necessária a obscuridade, afinal, explica Burke, tudo o que é nítido aos nossos

olhos não gera o terror, somente o que é confuso, misterioso e obscuro.

Também é interessante notar que Burke relaciona o terror com a máxima

pequenez:

3 É importante explicar que deleite, para Burke, é “(...) a sensação que acompanha a

eliminação da dor ou do perigo (...).” (2013, p.57)

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[...] assim como a dimensão extremamente grande é sublime, também o é a máxima pequenez; quando atentamos para a divisibilidade infinita da matéria, quando seguimos a vida animal até os seres extremamente pequenos e contudo organizados, que escapam à mais minuciosa investigação dos sentidos, quando levamos nossas pesquisas mais longe ainda e refletimos sobre aquelas criaturas tão ínfimas e a escala continuamente decrescente da existência, onde se perdem tanto a imaginação quanto os sentidos, ficamos pasmos e atônitos ante as maravilhas do infinitamente pequeno e não podemos distinguir o efeito desse máximo de pequenez da própria vastidão. (BURKE, 2013, p.97)

Este trecho é importante, pois o autor propõe novos olhares para o sublime,

relacionados à divisibilidade infinita da matéria, a qual, por ser infinita, não nos

permite atingir uma unidade perfeita. Assim, a infinitude é outra fonte para o

sublime.

Além dos aspectos apresentados, outro fator importante na teoria de

Burke é a relação do conceito de sublime com as palavras:

[...] quanto às palavras, elas me parecem afetar-nos de uma maneira muito diferente do que fazem os objetos naturais ou a pintura e a arquitetura; contudo, as palavras são tão capazes de incitar as ideias de beleza e do sublime quanto aqueles objetos e às vezes um poder muito maior do que qualquer um deles [...]. (2013, p.199)

O filósofo trabalha com o sublime dentro da arte da linguagem, principalmente

com a poesia4. Os efeitos que as palavras produzem no “espírito do ouvinte”

são três, segundo Burke: som, imagem e afecção da alma, esta “[...] causada

por um dos dois anteriores ou por ambos”. (2013, p.203). Burke também

defende que as palavras causam efeitos, na maioria das vezes, sem formar

imagens:

[...] o efeito mais geral que até mesmo essas palavras podem produzir não nasce do fato de formarem imagens das várias coisas que representam na imaginação, como se deseja crer; porque, ao inquirir meu próprio espírito ou persuadir outras pessoas a examinar os seus, verifico que nem mesmo uma vez em 20 qualquer imagem se forma e, quando o faz, na grande maioria das vezes necessita-se de um esforço especial da imaginação.

4 Podemos até supor que essas ideias são repercussões e/ou influências da teoria de Longino.

De qualquer forma, observamos que Longino e Burke trabalham com a linguagem capaz de gerar o efeito sublime.

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No decorrer de uma conversação e/ou de um texto, os efeitos das palavras

estão mais próximos do som e da afecção da alma que elas causam, e menos

das imagens e ideias que formam. Para melhor compreensão, Burke oferece

alguns exemplos:

Se digo: “Irei à Itália no próximo verão”, todos me entenderão perfeitamente. No entanto, não creio que alguém represente na imaginação a figura nítida do falante viajando por terra ou por mar, ou então por ambos [...]. Muito menos concebe ele alguma ideia da Itália, [...] ou do verdor dos campos, das frutas maduras e da tepidez do ar na mudança para aquela estação [...]; mas, sobretudo, ele não forma qualquer imagem da palavra próximo [...]. (2013, p.206)

Burke também afirma que a poesia perderia muito do seu efeito se as imagens

sempre fossem incitadas:

[...] o efeito da poesia depende tão pouco da capacidade de produzir imagens sensíveis que estou convencido de que ela perderia uma parte bastante considerável de sua veemência se ele fosse o resultado necessário de toda descrição. Porque aquela reunião de palavras comovedoras que constitui o mais poderoso de todos os recursos poéticos muitas vezes perderia sua força junto com sua propriedade e consistência, se as imagens sensíveis fossem sempre incitadas.

As ideias de Burke nos despertam para pensar na produção poética de

Manoel de Barros. Vejamos algumas possíveis relações a partir do poema que

se segue (2013a, p.31):

A água passa por uma frase e por mim. Macerações de sílabas, inflexões, elipses, refegos. A boca desarruma os vocábulos na hora de falar E os deixa em lanhos na beira da voz.

Seria possível, a partir do poema, formar alguma imagem sensível? Se por um

lado, parece difícil imaginar o que poderia significar “a água passa por uma

frase e por mim”, ou a “boca desarruma vocábulos”, por outro, sabemos que,

apesar da poesia não formar imagens descritivas, o seu efeito sensitivo é alto.

Então, segundo Burke, o que constrói um bom poema, podendo até mesmo

causar um sentimento sublime, são as sintaxes inovadoras:

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[...] se a poesia nos oferece um conjunto de palavras, correspondendo a muitas ideias nobres que são ligadas por circunstâncias de tempo ou de lugar, ou relacionadas umas às outras, como causa e efeito, ou associadas de um modo natural, podemos reuni-las e moldá-las segundo uma forma qualquer que corresponda a sua finalidade. A conexão de imagens não é necessária, uma vez que nenhuma figura se forma, e nem por isso o efeito da descrição é absolutamente menor. (2013, p.208)

O autor conclui que o objetivo da poesia é “[...] impressionar mais pela simpatia

do que pela imitação5, antes reforçar o efeito das coisas sobre o espírito do

orador ou dos ouvintes do que lhes apresentar uma ideia clara das próprias

coisas.”

Com Burke, observamos que a imaginação é decisiva no efeito sublime,

afetando nossas faculdades e sentidos. Assim, a partir dessas ideias, podemos

nos questionar sobre as formas possíveis de um texto atingir o efeito sublime.

O filósofo ampliou a teoria de Longino sobre o sublime, relacionando-o,

também, à pequenez. Além disso, ele estuda o sentimento numa vertente

fisiológica. Porém, Immanuel Kant (1724-1804), também no século XVIII, irá

abordar o sentimento ligado ao transcendental, a partir da faculdade do juízo:

[...] em geral é a faculdade de pensar o particular como contido num universal. No caso de este (a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele subsume o particular, é determinante [...]. Porém, se só o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simplesmente reflexiva. (KANT, 2012, p.11)

O juízo estético possui caráter reflexivo, pois o sujeito reflete diante de um

objeto já constituído a fim de construir uma unidade subjetiva. Essa unidade,

contudo, não gera um conhecimento, afinal, a contemplação estética não é

definida por conceito, mas pelo sentimento que um sujeito tem diante de um

objeto.

Podemos notar que tanto a investigação de Burke, quanto a de Kant

possuem como objetivo discutir o conceito de gosto, abordando os sentimentos

do belo e do sublime e relacionando-os, principalmente, à faculdade da

imaginação e do juízo. Observamos que a faculdade da imaginação é peça 5 Com relação à imitação, Burke afirma que: “Não há imitação senão quando existe uma

semelhança entre as duas coisas, e as palavras, indiscutivelmente, não têm nenhuma semelhança com as ideias que elas simbolizam.” (2013, p.210)

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chave para a compreensão dos sentimentos estéticos, assim como para

discutirmos o corpus desse trabalho. Kant afirma, no final da “Analítica do

belo”, que a faculdade da imaginação é “produtiva e espontânea” e que ela só

é estimulada num jogo livre:

Se se extrai o resultado das análises precedentes, descobre-se que tudo decorre do conceito de gosto; que ele é uma faculdade de ajuizamento de um objeto em referência à livre conformidade a leis da faculdade da imaginação. Ora, se no juízo de gosto tiver que ser considerada a faculdade da imaginação em sua liberdade, então ela será tomada primeiro não reprodutivamente, como ela é submetida à leis de associação, mas como produtiva e espontânea (como autora de formas arbitrárias de intuições possíveis). (2012, p.84)

O juízo estético, segundo Kant, relaciona a faculdade da imaginação ao

modo de disposição de ânimo do sujeito. Além disso, ao julgar esteticamente, o

sujeito faz uso do gosto, proporcionando prazer:

O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento; por conseguinte, não é lógico e sim estético, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser senão subjetivo. Toda referência das representações, mesmo a das sensações, pode, porém, ser objetiva (e ela significa então o real de uma representação empírica); somente não pode sê-lo a referência ao sentimento de prazer e desprazer, pelo qual não é designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si próprio do modo como ele é afetado pela sensação. (KANT, 2012, p.38)

Uma contemplação estética é livre de conceitos prévios, ou seja, acho uma

paisagem bela porque sinto o sentimento do belo e não porque já possuo o

conceito de beleza pré-definido. Ao contrário, seria um juízo determinante. Para

que uma contemplação estética gere o prazer, é necessário que a

“conformidade a fins”, ou seja, o julgamento de um objeto da natureza a partir

da faculdade do juízo, seja subjetiva:

Num objeto dado numa experiência a conformidade a fins pode ser representada, quer a partir de um princípio simplesmente subjetivo, como concordância da sua forma com as faculdades do conhecimento na apreensão (apprehensio) do mesmo, antes de qualquer conceito, para unir a intuição com conceitos a favor de um conhecimento em geral, quer a partir de um princípio objetivo, enquanto concordância da sua forma com a possibilidade da própria coisa, segundo um conceito deste que

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antecede e contém o fundamento desta forma. [...] a representação da conformidade a fins da primeira espécie assenta no prazer imediato, na forma do objeto, na simples reflexão sobre ela; por isso a representação da conformidade a fins da segunda espécie, já que relaciona a forma do objeto, não com as faculdades de conhecimento do sujeito na apreensão do mesmo, mas sim com um conhecimento determinado do objeto sob um conceito dado, nada tem a ver com um sentimento de prazer nas coisas, mas sim com o entendimento no ajuizamento das mesmas. (KANT, 2012, p.25)

Neste trecho, observam-se duas “conformidade a fins”: a primeira ligada ao

subjetivo, a segunda ao objetivo, ou seja, a primeira que une “intuição com

conceitos” e a segunda com um “conceito que antecede e contém o

fundamento”. Para entendermos a conformidade a fins dentro do juízo estético,

observemos outro trecho de Kant, relacionando a conformidade a fins à

natureza:

Ainda que o nosso conceito de uma conformidade a fins subjetiva da natureza, nas suas formas segundo leis empíricas, não seja de modo nenhum um conceito do objeto, mas sim somente um princípio da faculdade do juízo para arranjarmos conceitos nesta multiplicidade desmedida (para nos podermos orientar nela), nós atribuímos, todavia, à natureza como que uma consideração das nossas faculdades de conhecimento segundo a analogia de um fim; e assim nos é possível considerar a beleza da natureza como apresentação do conceito de conformidade a fins formal (simplesmente subjetiva) e os fins da natureza como apresentação do conceito de conformidade a fins real (objetiva). Uma delas nós ajuizamos mediante o gosto (esteticamente, mediante o sentimento do prazer) e a outra, mediante o entendimento e a razão (logicamente, segundo conceitos). (2012, p.26)

Kant ainda afirma que a conformidade a fins formal na natureza é

transcendental, pois é objeto do nosso conhecimento. Como podemos

observar, o filósofo estuda os sentimentos estéticos de forma subjetiva, afinal,

são gerados pelo contato do sujeito com o objeto, a partir da faculdade do

juízo: “[...] faculdade de ajuizar a conformidade a fins formal (também chamada

subjetiva) mediante o sentimento de prazer ou desprazer [...]” (KANT, 2012,

p.27).

O sentimento do sublime contém um misto de prazer e desprazer, sendo

predominante um prazer negativo:

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[...] enquanto o belo comporta diretamente um sentimento de promoção da vida, e por isso é vinculável a atrativos e a uma faculdade de imaginação lúdica, o sentimento do sublime é um prazer que surge só indiretamente, ou seja, ele é produzido pelo sentimento de uma momentânea inibição das forças vitais e pela efusão imediatamente consecutiva e tanto mais forte das mesmas; por conseguinte, enquanto comoção, não parece ser nenhum jogo, mas seriedade na ocupação da faculdade da imaginação. Por isso, também é incompatível com atrativos, e enquanto o ânimo não é simplesmente atraído pelo objeto, mas alternadamente também sempre de novo repelido por ele, a complacência do sublime contém não tanto prazer positivo, quanto muito mais admiração ou respeito, isto é, merece ser chamada de prazer negativo. (KANT, 2012, p.89)

Já podemos perceber que a abordagem de Kant é diferente das outras. Aqui, o

sentimento sublime é transcendental, ligado ao ajuizamento do objeto, estando

unicamente em nossas ideias. Também observamos que é um sentimento

paradoxal, unindo inibição e efusão das forças vitais e o ânimo atraído e

repelido pelo objeto.

Em “Analítica do sublime”, Kant não relaciona o sublime ao ramo das

artes, mas à natureza. Porém, após estudar o gênio, o filósofo refere-se às

artes com os sentimentos estéticos:

[...] a poesia e a retórica também tiram o espírito, que vivifica suas obras, unicamente dos atributos estéticos dos objetos que acompanham os atributos lógicos e impulsionam a faculdade da imaginação para nesse caso pensar, embora de modo não desenvolvido, mais do que se deixa compreender um conceito, por conseguinte uma expressão linguística determinada. (KANT, 2012, p.173)

Observa-se o jogo livre da imaginação com os sentimentos estéticos, sendo ela

que coloca em movimento a razão: “[...] a faculdade da imaginação é criadora e

põe em movimento a faculdade de ideias intelectuais (a razão), ou seja, põe a

pensar, por ocasião de uma representação [...]” (KANT, 2012, p.172).

Para os estudos do sublime, a natureza tem de ser bruta e conter

grandeza:

[...] se o juízo estético deve ser puro [...], não se tem de apresentar o sublime em produtos da arte (por exemplo, edifícios, colunas etc.), onde um fim humano determina tanto a forma como a grandeza, nem em coisas da natureza, cujo conceito já comporta um fim determinado (por exemplo,

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animais de conhecida determinação natural), mas na natureza bruta (e nesta inclusive somente enquanto ela não comporta nenhum atrativo ou comoção por perigo efetivo), simplesmente enquanto ela contém grandeza. (KANT, 2012, p.99)

Apesar de Kant não aproximar o sublime às artes, em seu livro anterior à

“Crítica da Faculdade do Juízo”, “Observações sobre o sentimento do belo e do

sublime”, o filósofo remete algumas manifestações artísticas ao sublime (e

também ao belo), como a tragédia:

A amizade possui em si, sobretudo, o traço do sublime, o amor pelo outro sexo, porém, o traço do belo. Ternura e profundo respeito dão a este último certa dignidade e sublimidade, enquanto o gracejo encantador e a intimidade elevam, nesse sentimento, o colorido do belo. Em minha opinião, a tragédia distingue-se da comédia principalmente nisto, que na primeira o sentimento é suscitado pelo sublime, na segunda pelo belo. (KANT, 1993, p.26)

Como podemos observar, nessa obra, Kant desenvolve a ideia de que

certas relações humanas são sublimes, outras, belas. O filósofo também

analisa alguns estados ligados ao sentimento sublime:

Aquele cujo sentimento pertence ao melancólico não é assim chamado por privar-se das alegrias da vida, por afligir-se numa sombria melancolia, mas porque seus sentimentos, caso ultrapassem um determinado grau ou tomem uma direção equivocada em função de certas razões, se reportam mais facilmente àquele estado que a outros. Ele possui sobretudo um sentimento do sublime. (KANT, 1993, p.36)

Apesar de Kant relacionar, no seu primeiro livro, o sublime às artes, ele já

afirma que o sentimento se manifesta em contato com a natureza bruta e

grandiosa e também a questão da necessidade de estarmos aptos ao

sentimento: “A vista de uma cordilheira, cujos cumes nevados se elevam acima

das nuvens, a descrição de uma tempestade furiosa ou a caracterização do

inferno, em Milton, provocam satisfação, porém com assombro [...]”, e conclui

para que essa “[...] impressão possa se produzir em nós com a devida

intensidade, precisamos ter um sentimento do sublime” (1993, p.21). Em

“Observações sobre o sentimento do belo e do sublime”, Kant trabalha com os

conceitos de belo e sublime tratando-os como sentimentos humanos, mas

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ainda não os estuda a partir das faculdades. Ele pontua diversas ações,

sentimentos, relações e qualidades humanas, estados de espírito,

relacionando-os ao sentimento do sublime e do belo, mas não explica de que

forma acontecem esses sentimentos. É esta questão que se desenvolve em

“Analítica do sublime”.

Voltando à “Analítica”, Kant afirma que “denominamos sublime o que é

absolutamente grande.” (2012, p.93). A grandeza, aqui, está fora de termos

comparativos, encontrando-se no juízo reflexivo. Ou seja, para um objeto gerar

o sentimento sublime, a grandeza tem que estar em nossas ideias e acima de

qualquer comparação:

Se [...] denominamos algo não somente grande, mas simplesmente, absolutamente e em todos os sentidos (acima de toda a comparação) grande, isto é, sublime, então se tem a imediata perspiciência de que não permitimos procurar para o mesmo nenhum padrão de medida adequado a ele fora, mas simplesmente nele. Disso segue-se, portanto, que o sublime não deve ser procurado nas coisas da natureza, mas unicamente em nossas ideias [...]. (KANT, 2012, p.95)

Mais uma vez, podemos observar a constante afirmação kantiana de que o

sentimento sublime, assim como o do belo, está em nós mesmos e não fora de

nós: “O belo concorda com o sublime no fato de que ambos aprazem por si

próprios; ulteriormente, no fato de que ambos não pressupõem nenhum juízo

dos sentidos, nem um juízo lógico-determinante, mas um juízo de reflexão [...]”

(KANT, 2012, p.88). Ou seja, não é uma grande composição ou objeto natural

que determina o sentimento, mas a disposição de ânimo do sujeito: “[...]

sublime é o que somente pelo fato de poder também pensá-lo prova uma

faculdade do ânimo que ultrapassa todo padrão de medida dos sentidos.”

(KANT, 2012, p.96). Como podemos observar, ambos os sentimentos são

reflexivos, porém, Kant afirma que para o sublime, mais que para o belo, é

necessária a cultura, caso contrário, representará apenas o terrificante:

[...] aquilo que nós, preparados pela cultura, chamamos sublime, sem desenvolvimento de ideias morais, apresentar-se-á ao homem inculto simplesmente de modo terrificante. Ele verá, nas demonstrações de violência da natureza em sua destruição e na grande medida de seu poder, contra a qual é anulado, puro sofrimento, perigo e privação, que envolveria o homem que fosse banido para lá. (2012, p.114)

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Kant divide o sublime em dois tipos: matemático-sublime e dinâmico-

sublime: “A avaliação das grandezas através de conceitos numéricos (ou seus

sinais na álgebra) é matemática, mas a sua avaliação na simples intuição

(segundo a medida ocular) é estética.” (KANT, 2012, p.96). Ele afirma, ainda,

que toda avaliação da grandeza é estética, pois:

[...] a avaliação da grandeza da medida fundamental tem de consistir simplesmente no fato de que se pode captá-la imediatamente em uma intuição e utilizá-la pela faculdade da imaginação para a apresentação de conceitos numéricos, isto é, toda avaliação das grandezas dos objetos da natureza é por fim estética (isto é, determinada subjetivamente e não objetivamente). (2012, p.97)

À medida estética existe um máximo, até mesmo para compreensão, a partir

da faculdade do juízo; já à avaliação matemática das grandezas não existe um

máximo, afinal, os números são infinitos:

[...] para a avaliação matemática das grandezas, na verdade não existe nenhum máximo (pois o poder dos números vai até o infinito); mas para a avaliação estética das grandezas certamente existe um máximo; e acerca deste digo que, se ele é ajuizado como medida absoluta, acima da qual não é subjetivamente [...] possível medida maior, então ele comporta a ideia do sublime e produz aquela comoção que nenhuma avaliação matemática das grandezas pode efetuar através de números [...]. (KANT, 2012, p.96)

Pode-se observar que o sentimento sublime é gerado partindo de conceitos

totalmente subjetivos, ou seja, se a faculdade do juízo de um sujeito considera

o objeto como grande o suficiente e livre de comparações com outros

grandiosos, o sentimento do sublime é efetivo: “[...] a verdadeira sublimidade

tenha de ser procurada só no ânimo daquele que julga e não no objeto da

natureza cujo ajuizamento enseja essa disposição de ânimo.” (KANT, 2012,

p.103).

A natureza, como fenômeno estético, comporta a ideia de “infinitude

compreendida”, pois a faculdade do juízo, para o ajuizamento estético, faz uso

da faculdade da imaginação juntamente com a razão para compreensão do

fenômeno. A faculdade da imaginação é ilimitada na compreensão do objeto,

por isso se faz necessário o uso da razão para “[...] captar uma medida

fundamental apta à avaliação da grandeza [...]”:

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[...] tem de ser na avaliação estética da grandeza que o esforço de compreensão – que ultrapassa a faculdade da imaginação de conceber a apreensão progressiva em um todo das intuições – é sentido e onde ao mesmo tempo é percebida a inadequação desta faculdade, ilimitada no progredir, para com o mínimo de esforço do entendimento captar uma medida fundamental apta à avaliação da grandeza e usá-la para a avaliação da grandeza. Ora, a verdadeira e invariável medida fundamental da natureza é o todo absoluto da mesma, o qual é nela, como fenômeno, infinitude compreendida. (KANT, 2012, p.102)

Com todas as questões trazidas, podemos observar que o sublime é um

sentimento paradoxal:

O sentimento do sublime é [...] um sentimento do desprazer a partir da inadequação da faculdade da imaginação, na avaliação estética da grandeza, à avaliação da razão e, neste caso, ao mesmo tempo um prazer despertado a partir da concordância precisamente deste juízo da inadequação da máxima faculdade sensível, com ideias racionais [...]. (KANT, 2012, p.105)

O sublime dinâmico pode ocorrer quando a natureza, ajuizada pela

nossa faculdade do juízo estético, não possui nenhuma força sobre nós: “A

natureza, considerada no juízo estético como poder que não possui nenhuma

força sobre nós, é dinamicamente-sublime.” (KANT, 2012, p.108). Kant

distingue o belo e o sublime também no que diz respeito à natureza: enquanto

o belo da natureza refere-se à forma do objeto, consistindo na limitação, o

sublime pode ser encontrado no objeto sem forma, “na medida em que seja

representada ou que o objeto enseje representar nele uma ilimitação” (2012,

p.88).

Ao entrarmos em contato com a natureza grandiosa e arrebatadora, faz-

se necessária uma resistência diante dela, seguida de segurança, a partir da

qual criamos uma espécie de onipotência equivalente à da própria natureza.

Para melhor compreensão, observemos o seguinte trecho da “Analítica do

sublime”, no qual Kant também cita exemplos da natureza bruta:

Rochedos audazes sobressaindo-se, por assim dizer, ameaçadores, nuvens carregadas acumulando-se no céu, avançando com relâmpagos e estampidos, vulcões em sua inteira força destruidora, furações com a devastação deixada para trás, o ilimitado oceano revolto, uma alta queda d’água de

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um rio poderoso etc. tornam a nossa capacidade de resistência de uma pequenez insignificante em comparação com o seu poder. Mas o seu espetáculo só se torna tanto mais atraente quanto mais terrível ele é, contanto que, somente, nos encontremos em segurança; e de bom grado denominamos estes objetos sublimes, porque eles elevam a fortaleza da alma acima de seu nível médio e permitem descobrir em nós uma faculdade de resistência de espécie totalmente diversa, a qual nos encoraja a medir-nos com a aparente onipotência da natureza. (KANT, 2012, p.109)

A partir desta citação, podemos afirmar que o sentimento do sublime gera um

certo conforto no sujeito, pois faz com que nos equiparemos à grandiosidade

da natureza. Mas, conforme Kant, somente se o sujeito se encontrar em

segurança. Ou seja, somente se a nossa capacidade de ajuizamento do objeto

for efetiva e tivermos resistência diante dele. Esta, segundo Kant, é gerada a

partir do medo:

Se a natureza deve ser julgada por nós dinamicamente como sublime, então ela tem de ser representada como suscitando medo [...]. Pois no ajuizamento estético (sem conceito) a superioridade sobre obstáculos pode ser ajuizada somente segundo a grandeza da resistência. (2012, p.108)

Diante dessas observações, podemos colocar a seguinte conclusão de

Kant: “[...] a sublimidade não está contida em nenhuma coisa da natureza, mas

só em nosso ânimo, na medida em que podemos ser conscientes de ser

superiores à natureza em nós e através disso também à natureza fora de nós

[...].”(2012, p.113). O sentimento sublime é, de certa forma, uma contemplação

livre do objeto, na qual o sujeito pode igualar-se a ele. Além disso, o sentimento

sublime, como já mostrado, está na inadequação da faculdade da imaginação

para alcançar um fenômeno, sendo que “o sentimento da inadequação de

nossa faculdade para alcançar uma ideia, que é lei para nós, é respeito.”

(KANT, 2012, p.104). Ou seja, o sentimento do sublime também gera o respeito

do sujeito diante do objeto. Por fim, uma última definição kantiana do

sentimento sublime: “[...] ele é um objeto (da natureza), cuja representação

determina o ânimo a imaginar a inacessibilidade da natureza como

apresentação de ideias.” (2012, p.117).

Podemos afirmar que o grande diferencial de Kant está na teorização

sobre o que o sublime causa em nossas faculdades, pois ele explica o conceito

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a partir do transcendental e da distinção sujeito-objeto. Burke já estudava o

sublime sob duas vertentes: do físico para o moral, mas Kant amplia o conceito

e o abre para novas reflexões estéticas. Em “Analítica do sublime”, Kant cita

Burke:

Pode-se agora comparar com a recém-concluída exposição transcendental dos juízos estéticos também a fisiológica, como um Burke e muitos homens perspicazes, entre nós, a elaboraram, para ver aonde leva uma exposição meramente empírica do sublime e do belo. Burke, que nesta espécie de abordagem merece ser considerado como o autor mais importante, descobre por esta via [...] “que o sentimento do sublime fundamenta-se sobre o instinto de autoconservação e sobre o medo, isto é, sobre uma dor que, pelo fato de ela não chegar ao efetivo desmantelamento das partes do corpo, produz movimentos que, pelo fato de purificarem os vasos mais finos ou mais grossos de obstruções perigosas e incômodas, são capazes de provocar sensações agradáveis, na verdade não um prazer, mas uma espécie de calafrio complacente, uma certa calma que é mesclada com terror.” (1993b, p.123)

Observa-se que Kant possui como base, para a teorização do sublime, as

reflexões de Burke, afinal, Kant não desconstrói as ideias. Diante de todas

essas observações, podemos afirmar que Kant foi um dos mais complexos e

completos filósofos do sublime. Apesar de sua teoria não estar ligada às artes,

veremos que ele influenciou e ainda influencia filósofos que se propõem a

discutir a questão no âmbito das linguagens artísticas, sendo um deles

Friedrich Schiller (1759-1805).

A principal obra desse filósofo é de 1790 e se intitula: “Do sublime ao

trágico”. No texto em referência, fica evidente que Schiller inspirou-se nas

teorias de Kant para conceituar o sublime - o primeiro capítulo do livro se

chama “Do sublime (Para uma exposição ulterior de algumas ideias

kantianas)”. Pelo título, podemos indagar se o teórico coloca o conceito,

novamente, no panorama das artes, e realmente o faz. Em Schiller, o conceito

de sublime é relacionado com a tragédia. Vejamos os pontos principais dessa

teoria.

Schiller inicia o primeiro capítulo afirmando,

Sublime denominamos um objeto frente a cuja representação nossa natureza sensível sente suas limitações, enquanto nossa natureza racional sente sua superioridade, sua liberdade de limitações; portanto, um objeto contra o qual levamos a pior

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fisicamente, mas sobre o qual nos elevamos moralmente, [...] por meio das ideias. (2011, p.21)

A partir desta citação, já podemos observar um processo de releitura da teoria

kantiana, temos também o sublime trabalhado como um sentimento paradoxal.

Schiller defende que, no plano sensível, somos seres dependentes, já no plano

racional, somos seres livres; afinal, nossas ideias não contêm limitações. O

sentimento sublime afeta essas duas vertentes (sensível e racional), por isso

que “levamos a pior fisicamente, mas [...] nos elevamos moralmente”. Além

disso, Schiller afirma que os seres humanos possuem dois impulsos: o de

representação (conhecimento) e o de autoconservação. A partir desses

impulsos, ele divide o sublime em dois tipos: teórico e prático:

No sublime teórico, a natureza se encontra, enquanto objeto de conhecimento, em contradição com o impulso de representação. No sublime prático, ela se encontra, enquanto objeto da sensação, em contradição com o impulso de conservação. Lá ela foi considerada meramente como um objeto que deveria ampliar nosso conhecimento; aqui, ela é representada como um poder capaz de determinar nosso próprio estado. (2011, p.23)

Assim, o sublime teórico está em conflito com as nossas condições de

conhecimento, já o prático, com as condições de nossa existência. Por este

fator, Schiller, assim como Kant, coloca o sublime prático como superior ao

sublime teórico6, pois

[...] um objeto que está em conflito com as condições de nossa existência, que despertaria dor na sensação imediata, desperta terror na representação [...]. Nossa sensibilidade é, assim, interessada frente ao objeto temível de modo bem diverso do que ocorre com o objeto infinito, pois o impulso de autoconservação eleva uma voz bem mais alta do que o impulso de representação. (SCHILLER, 2011, p.27)

Dessa forma, podemos afirmar que o objeto é mais sublime quando atinge o

nosso impulso de autoconservação e não o nosso conhecimento.

Um objeto desperta o sentimento sublime quando é temível, ao mesmo

tempo em que deixa de ser sublime quando é obra do homem, ou seja, quando

6 Em Kant, esses termos são definidos por sublime dinâmico e sublime matemático.

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a natureza deixa de ser selvagem por si mesma e o homem, por meio do seu

entendimento, a torna submissa: “[...] podemos nos demorar com notável

deleite na contemplação da habilidade humana que soube submeter as mais

selvagens forças naturais. Mas a fonte desse deleite é lógica, e não estética;

ela é efeito do refletir e não é instilada pela representação imediata.”

(SCHILLER, 2011, p.31). Para melhor compreensão, observemos o exemplo

que Schiller oferece:

Um cavalo que corre sem destino nas florestas ainda livre e indomado é, enquanto força natural que nos supera, temível para nós, e pode fornecer um objeto para uma descrição sublime. O mesmo cavalo, domesticado, atrelado ao jugo e à carroça, perde sua temibilidade, e com ela também todo o sublime. Se esse cavalo domado agora rompe suas rédeas, se ele se empina exasperado sob seu cavaleiro, se ele dá a si mesmo de volta, de modo violento, sua liberdade, então sua temibilidade está novamente ali, e ele se torna outra vez sublime.

Schiller defende que o objeto não pode gerar o temor efetivo:

[...] o objeto sublime tem de ser temível, mas o temor efetivo ele não pode despertar. O temor é um estado de sofrimento e violência; o sublime só pode agradar na contemplação livre e por meio do sentimento da atividade interna. (2011, p.32)

Sendo que a contemplação livre está, principalmente, em observar o poder do

objeto temível, mas sabendo que estamos em segurança:

[...] o objeto temível nos permite ver seu poder mas não o direciona contra nós, quando sabemos estar seguros contra ele. Então, é apenas na imaginação que nos colocamos no caso em que esse poder seria capaz de atingir a nós mesmos, e em que toda resistência seria vã. O terrível está, assim, apenas na representação. (SCHILLER, 2011, p.32)

Observa-se, assim como em Kant, o destaque para a imaginação no

sentimento estético. É ela, com seu jogo livre, que desperta o sublime

conduzindo-o ao ajuizamento da razão.

Quanto à segurança, Schiller a divide (2011, p.33) em dois tipos:

segurança física interna, a qual, diante dos males, podemos escapar por meio

da nossa condição física, sem relação com o nosso estado moral; e segurança

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interna ou moral: “[...] contra aqueles males aos quais não estamos em

condições de resistir ou dos quais não podemos nos esquivar por um caminho

natural [...]”, com essa tranquilizamos a nossa sensibilidade por meio da

moralidade. Esses dois tipos de segurança são importantes para o sentimento

sublime, pois é com eles que afastamos o sentimento do temor efetivo e

podemos ter o sentimento. Para este, portanto, é necessária, como afirma

Schiller, uma segurança ideal, que se estende para todos os casos e que faz

nos superarmos:

A segurança de que nos tornamos conscientes na representação do sublime não é, portanto, uma segurança material que se aplica a apenas um único caso, mas antes uma segurança ideal que se estende por todos os casos possíveis. Assim, o sublime não se funda de modo algum no sobrepujamento ou na suspensão de um perigo que nos ameaça, mas antes na remoção das condições últimas sob as quais o perigo pode se dar para nós – na medida em que o sublime nos ensina a considerar a parte sensível de nosso ser [...] como uma coisa da natureza que é externa e não diz respeito de modo algum a nossa verdadeira pessoa, a nosso eu moral. (2011, p.39)

Em suma, Schiller afirma (2011, p.40) que o sublime prático7 contém três

aspectos em sua representação: 1. “um objeto da natureza como poder”; 2.

“uma relação desse poder com a nossa faculdade de resistência física”; 3.

“uma relação do mesmo poder com a nossa pessoa moral”. O sublime é,

portanto, o efeito de três representações consecutivas: “I. a representação de

um poder físico objetivo; II. a representação de nossa impotência física

subjetiva; III. a representação de nossa supremacia moral subjetiva.” Como

podemos observar, Schiller, assim como Kant, trabalha com nossas

faculdades, em que o homem é priorizado como ser racional, cujas

experiências no mundo sensível passam pelas faculdades cognitivas, como

Kant afirma: “Experiência é percepção compreendida.” (2007).

Além do sublime prático e teórico, Schiller define outros dois: o sublime

contemplativo do poder e o sublime patético. O primeiro define-se pelo

julgamento do sujeito acerca do quão o objeto é temível: “[...] é o sujeito que

julga aquele que gera em si mesmo a representação do sofrimento, e que

7 Em seu texto, Schiller dedica-se ao sublime prático, ele apenas cita o sublime teórico.

Portanto, as definições do sublime estão relacionadas ao modo prático.

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transforma o objeto dado em objeto de temor através da relação com o impulso

de conservação [...]” (SCHILLER, 2011, p.40). No sublime contemplativo, o

objeto não é temível por si próprio, mas apresenta um poder da natureza

superior ao nosso: “Para o sublime contemplativo, a natureza não fornece mais

do que um objeto como poder, do qual resta à faculdade de imaginação fazer

algo temível para a humanidade.” (SCHILLER, 2011, p.41). É interessante

notar que também nesse tipo de sublime a atuação da faculdade da

imaginação é intensa, é ela que decide se o objeto será ou não sublime. Assim,

não somente no sublime contemplativo, mas nos outros tipos, podemos

ressaltar a imaginação como determinante para o sentimento.

Já o sublime patético é: “A representação do sofrimento alheio, ligada ao

afeto e à consciência de nossa liberdade moral interna [...].” (SCHILLER, 2011,

p.48). O sublime patético ocorre quando nos colocamos, de modo solidário, no

sofrimento efetivo de outra pessoa, numa situação em que o objeto é realmente

temível para o outro, mostrando todo o seu poder. Se sentíssemos temor

efetivo, não poderíamos ter nenhum juízo estético, pois ele suspende a

liberdade do espírito. Caso contrário, quando nos projetamos num sentimento

alheio, podemos julgar esteticamente, pois não sentimos, de fato, o temor:

O sofrimento só pode se tornar estético e despertar um sentimento do sublime quando é mera ilusão [...] ou criação poética, ou – caso tivesse ocorrido na realidade – quando é representado não de modo imediato para os sentidos, mas antes para a faculdade de imaginação. (SCHILLER, 2011, p.48)

Com isso, Schiller conclui (2011, p.51) que para o sublime patético são

necessárias duas condições: “uma representação vivaz do sofrimento”, para

despertar o afeto compassivo, e “uma representação da resistência contra o

sofrimento”, a fim de despertar a nossa liberdade interna. Com a primeira,

temos o patético, já com a segunda, o sublime. Por fim, o filósofo destaca a

arte trágica como propícia a esse tipo de sublime:

[...] seguem as suas leis fundamentais de toda arte trágica. Estas são: em primeiro lugar, a apresentação da natureza que sofre; em segundo lugar, a apresentação da autonomia moral do sofrimento. (2011, p.51)

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Afinal, a “apresentação da natureza que sofre”, seguida da “apresentação da

autonomia moral do sofrimento”, é o que define o sublime de modo patético.

Como podemos observar, Schiller defende o ramo das artes como

propício ao sentimento sublime, pois é inteiramente livre. A arte tira todas as

limitações reais do objeto, assim como liberta o observador, pois imita o objeto

real em aparência e não em sua realidade:

A natureza sofre violência em suas belas imagens orgânicas, seja pela falta de individualidade da matéria, seja pela atuação de forças heterogêneas; exerce violência em suas cenas grandiosas e patéticas, atuando como um poder sobre o homem, uma vez que só pode tornar-se estética como objeto da contemplação livre. Já a sua imitadora, a arte imagética, é inteiramente livre, porque ela dissocia de seu objeto todas as limitações causais e deixa também o ânimo do observador livre, porque imita apenas a aparência, e não a realidade. (SCHILLER, 2011, p.74)

A arte concede uma nova liberdade ao espírito do observador para além do

mundo sensível. A experiência estética amplia a capacidade de sentir do

coração humano:

A capacidade de sentir do sublime é, assim, uma das mais esplêndidas aptidões da natureza humana, que merece tanto a nossa atenção, por sua origem na faculdade autônoma do pensamento e da vontade, quanto o mais perfeito desenvolvimento, por sua influência sobre o homem moral. O belo tem seu mérito apenas no que diz respeito ao homem, o sublime, no que diz respeito ao puro demônio que o habita. Como é nossa destinação, mesmo com todas as limitações sensíveis, que nos orientemos pelo guia dos espíritos puros, o sublime tem de ser acrescentado ao belo para fazer da educação estética um todo perfeito, ampliando a capacidade de sentir do coração humano segundo a amplitude completa de nossa destinação, e para além do mundo sensível. (SCHILLER, 2011, p.73)

É interessante destacar a explicação do tradutor sobre o termo “puro demônio”:

“Demoníaco, aqui, tem o sentido de “espiritual”, daquilo que não está

submetido à necessidade física” (2011, p.65). Então, o sentimento sublime é

ligado a algo que nos eleva além do sensível e nos faz ampliar nossas

faculdades e sentimentos. Afinal, diante de um fenômeno grandioso, que incita

o sublime, as nossas faculdades ordenam o caótico, conduzindo-nos ao

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deleite. Com os sentimentos estéticos, o homem descobre em si próprio o

poder do fenômeno grandioso.

Observa-se até aqui que Schiller propõe novas abordagens para o

sentimento sublime, relacionando-o com a arte (no caso, a arte trágica). O

filósofo relê o sublime kantiano e o vincula a manifestações artísticas, não mais

o relacionando a fenômenos da natureza. Para isso, ele cria o sublime patético,

nos oferecendo novas reflexões e abrindo para pensarmos sobre a arte

contemporânea. Com esse tipo de sublime, o filósofo irá propor que o

sentimento pode surgir diante do próprio sofrimento e não somente diante do

objeto atemorizante. Süssekind (2011) considera Schiller o precursor das

reflexões contemporâneas sobre o sublime, influenciando Jean-François

Lyotard, o qual também propõe uma transposição do sublime da natureza para

o sublime na arte. Por esse motivo, Schiller é considerado referência central

em nossa discussão sobre o sublime.

No século XX, as teorias do filósofo Jean-François Lyotard (1924-1998),

sobre o conceito de sublime nas artes, passam a ser uma referência para a sua

contemporaneidade. O autor desenvolve a questão discutindo a obra de

Barnett Baruch Newman (1905-1970), quando este escreve o ensaio “The

Sublime is Now” (1958). É a partir desse texto que Lyotard vai levantar a

questão: “Como entender que o sublime, digamos provisoriamente o objeto do

sublime, exista aqui e agora?”:

Num curto texto inacabado e datado do fim de 1949, Prologue for a New Esthetic, Newman escreve que, nos seus quadros, não se dedica “à manipulação do espaço, nem à imagem, mas sim a uma sensação de tempo”. Não se trata, acrescenta, do tempo repleto de sentimentos de nostalgia, de grandes dramas, de associações e de história, o qual foi o objecto constante da pintura. (LYOTARD, 1997, p.95)

Observemos que o sublime é abordado de outra forma, ou seja, no instante, no

momento do acontecimento, no agora. O agora de Lyotard não é uma questão

do tempo presente, mas está relacionado a algo que “escapa à consciência,

justamente algo que ela não consegue pensar.” (SÜSSEKIND, 2011, p.113):

O now de Newman, now puro e simples, é desconhecido pela consciência, esta não o pode constituir. O now desampara e destitui a consciência, representa o que ela não consegue

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pensar, talvez mesmo o que esquece para ela própria se constituir. O que não conseguimos pensar, é algo que ocorre. Ou, melhor dito e de forma mais simples: que ocorre... (LYOTARD, 1997, p.96)

Com isso, o instante de vivência da obra nos tira a consciência, é

quando o sentimento sublime pode ser despertado. Observemos um quadro de

Barnett Baruch Newman, exemplo do próprio Lyotard:

Vir Heroicus Sublimis (1950-51)

A produção de Newman instiga, arrebata, propõe uma vivência imediata da

obra. Se olharmos fixamente, durante algum tempo, ela pode nos hipnotizar,

tirar-nos de nós mesmos. Mas, podemos nos questionar: será que essa obra é

capaz de gerar um sentimento sublime? Lyotard afirma:

Aqui, agora, acontece que..., e eis o quadro. O que é sublime é que exista esse quadro, em vez do nada. O desapossar da inteligência que comove, o seu desarmamento, a confissão de que isso, essa ocorrência de pintura, não era necessária, nem mesmo previsível a privação diante do Ocorrerá?, a espera da ocorrência <<antes>> de qualquer defesa, ilustração ou comentário, a espera <<antes>> de se ter cuidado, e de se olhar, sob a égide do now, eis o rigor da vanguarda. (1997, p.98)

É no momento da “ocorrência da pintura” que o observador se espanta e tenta

afastar a ameaça de nada ocorrer, a falta de direção frente à obra. A alma,

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segundo Lyotard, “fica estúpida, imobilizada, como se estivesse morta.” (1997,

p.104). Ao afastar essa ameaça, a arte proporciona um “prazer de alívio” ao

espectador, o que consiste no sentimento sublime.

O sublime está, segundo Lyotard, presente nas artes contemporâneas,

principalmente as artes de vanguarda, mesmo que indiretamente:

A predominância da ideia de technè colocava as obras sob uma regulamentação múltipla, a do modelo ensinado nos estúdios de artistas, nas Escolas, nas Academias, a do gosto partilhado pelos públicos aristocráticos e, por fim, a regulamentação de uma finalidade da arte que consistia em ilustrar a glória de um nome, divino ou humano, ao qual estava ligada a perfeição de tal virtude cardeal. A noção de sublime desregra esta harmonia. [...] O artista deixa de ser guiado por uma cultura que fazia dele o destinatário e o mestre de uma inspiração que o invadia e que vinha de um “não sei quê”. O público já não julga a partir de um gosto subordinado à tradição de um prazer partilhado [...]. A questão não está em agradar-lhes [...], mas sim, de os surpreender. “O sublime, escreve Boileau, não é propriamente algo que se prova e se demonstra, mas é uma maravilha que comove, que choca e provoca sentimentos.” (1997, p.101)

Nesta citação, temos trechos importantes sobre a questão sublime e as artes.

Primeiramente, o filósofo explica que o sublime desregra a arte baseada na

técnica, a arte padronizada das Academias, das Escolas de arte. Afinal, uma

arte sublime propõe combinações insólitas, inesperadas, que chocam o

espectador e o faça sentir diferentes emoções diante da composição. Lyotard

critica também o termo “inspiração”, tão ressaltado nas artes românticas. Aqui,

a inspiração não é a chave principal à construção artística. A arte, agora, é

trabalhada para a produção de combinações que surpreendam, que

provoquem fortes sentimentos. Então, para Lyotard: “A questão já não é: como

fazer arte, mas sim: o que é sentir a arte?” (1997, p.102).

Observemos o deslocamento que Lyotard faz com o sentimento sublime.

Este é colocado como peça-chave na transformação das artes, não somente

no que diz respeito à estética, mas, principalmente, às transformações nas

produções. O roteiro clássico de “como fazer arte” já não é mais válido, o que

importa são quais sentimentos serão despertados diante de uma produção.

Lyotard faz outra afirmação importante para a questão: “O vanguardismo

germina [...] na estética kantiana do sublime.” (1997, p.103). Ele explica que a

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estética sublime não exerce uma influência direta nas artes, mas que “aponta

para um mundo de possibilidades de experimentações artísticas” (1997, p.105).

Com isso, as novas artes, principalmente as vanguardas, irão despertar para o

inesperado:

[...] no despertar do romantismo, a elaboração da estética do sublime por Burke e, num menor grau, por Kant, aponta para um mundo de possibilidades de experimentações artísticas, no qual os Vanguardistas vão traçar seu rumo. Não se trata, em geral, de influências directas, observáveis do ponto de vista empírico. Manet, Cézanne, Braque e Picasso, não leram, por certo, nem Kant nem Burke. Trata-se, de preferência, de um destino irreversível na destinação das obras, o qual afecta todas as valências da condição artística. O artista experimenta combinações que permitem o acontecimento. [...] A obra não depende de modelos, tenta apresentar o que não é apresentável; não imita a natureza, é um artefacto, um simulacro.

Como podemos observar, é o sublime que irá lançar novas

possibilidades às artes, não se tratando somente de um sentimento estético,

mas de uma modificação na criação artística:

Impelidos pela estética do sublime, em busca de efeitos intensos, as artes, qualquer que seja o seu material, podem, e devem, desprezar a imitação dos modelos apenas belos, e experimentar combinações surpreendentes, insólitas, chocantes. O choque supremo, é que Ocorra (algo) em vez do nada, a privação suspensa. (LYOTARD, 1997, p.105)

As artes contemporâneas abrem para inúmeros questionamentos sobre o que

é uma arte sublime e quando ela se manifesta. Como vimos, Lyotard mostra

que a estética do sublime não exerceu uma influência direta nos artistas, mas

modificou todo o panorama das artes com suas novas propostas de

composição.

O sublime de Lyotard é um tipo de sentimento ligado ao “ocorrerá”, à

suspensão da consciência no “agora”, não sendo um sentimento ligado a uma

elevação espiritual. Portanto, hoje o que encontramos são as portas abertas

pelas teorias estéticas do século XIX e, para nossos estudos, centramos na

questão do “prazer negativo” que o sentimento gera, ou seja, na confusão de

nossas faculdades diante de um fenômeno que foge à compreensão da

imaginação. Esta questão que surge com Burke, é aprimorada por Kant,

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relacionada às artes por Schiller e pensada na contemporaneidade por Lyotard.

Assim, o ponto recorrente de todos os filósofos é a faculdade da imaginação,

sendo ela fundamental para nossos estudos sobre o sublime, ainda mais

quando diz respeito às artes. Para tanto, o próximo capítulo abordará a questão

estética da natureza, a qual incita a nossa imaginação, a fim de melhor

compreensão da produção de Manoel de Barros, assim como para

aprofundamento do sentimento sublime na natureza.

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2. A estetização da Natureza: transformações do olhar

No Século das Luzes, o foco era a razão, todas as coisas do mundo

deviam ser racionalizadas. O conceito kantiano de Aufklaerung8

(esclarecimento) afirma que o homem só atinge a maioridade quando é capaz

de servir-se de seu próprio entendimento sem o auxílio de outro. A minoridade

é, para Kant, um estado de tutela, no qual o homem não faz uso de seu próprio

entendimento:

O que é a Aufklaerung? A emancipação do homem de sua minoridade, pela qual é responsável. Minoridade, isto é, incapacidade de servir-se de seu entendimento sem a direção de outro [...]. Sapere aude! Ousa usar o teu próprio entendimento: eis a divisa da Aufklaerung. (KANT apud BORNHEIM, 1985, p.78)

Para Kant, saber fazer uso da razão é o que define a Aufklaerung, colocando o

homem entre maioridade e minoridade. Fazer uso de sua própria razão, sem a

intervenção e/ou auxílio de outro, é, portanto, atingir o esclarecimento. As

ideias kantianas, com base na razão, irão influenciar toda a filosofia do

Romantismo. Com isso, já começamos a entender a essência da época

romântica, partindo de teorias que valorizam o ser racional.

Como podemos observar, a razão era colocada como essência do ser:

O homem atingiria [...] o máximo de sua humanidade, se racionalista. [...] A realidade, em si mesmo, suscita dúvida, e o homem só se deveria prender àquilo sobre o qual pode alcançar certeza racional. Tudo é, assim, subordinado à razão. Não valem mais as coisas, e sim os objetos pensados [...]. (BORNHEIM, 1985, p.79)

O homem do século XVIII, portanto, propõe uma nova visão sobre a realidade à

partir da razão. Porém, o excesso de racionalismo reduziu a natureza a um

objeto do pensamento racional, o que acarretou o afastamento do ambiente

natural devido aos extremos da intelectualização. A essa onda racional,

tivemos muitos filósofos se opondo. Um deles, considerado precursor do

movimento romântico, foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

8 Para saber mais, ver Kant: “O que é Esclarecimento?” (“Was ist Aufklärung ?”), 1783.

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Rousseau parte da subjetividade e defende que a interioridade, ou seja,

o voltar-se para si mesmo, é “[...] sinômino de sentimento, e este é considerado

superior à razão.” (apud BORNHEIM, 1985, p.80). O homem é visto como um

ser dotado de sentimentos, sendo que estes traduzem a sua verdadeira

interioridade. Nesse momento, a razão depende do sentimento: “Só através

dos sentimentos é que as idéias e o mundo racional podem adquirir sentido,

podem de fato ser apreciados, porque o sentimento é a medida da interioridade

do homem.” (BORNHEIM, 1985, p.80). A essa interioridade, Rousseau chama

de natureza. Em sua obra “Os devaneios do caminhante solitário”,

encontramos passagens que explicitam a necessidade do olhar para si próprio:

Tendo portanto formado o projeto de descrever o estado habitual de minha alma na mais estranha situação em que possa jamais encontrar-se um mortal, não vi nenhuma maneira mais simples e mais segura de executar essa empresa do que a de manter um registro fiel de minhas caminhadas solitárias e dos devaneios que as preenchem, quando deixo minha cabeça inteiramente livre e minhas idéias seguirem sua inclinação, sem resistência e sem embaraços. Estas horas de solidão e de meditação são as únicas do dia em que sou plenamente eu mesmo e em que me pertenço sem distração, sem obstáculos e em que posso verdadeiramente dizer que sou o que desejou a natureza. (ROUSSEAU, 1995, p.31)

Com Rousseau, temos o ser humano em contato interior com o seu próprio

“eu” e com a natureza. É um olhar-se para dentro. A natureza não era mais

vista como algo exterior, objetivo e racional, mas como um ambiente que

permitiria o contato com a própria essência humana: “[...] essa interiorização da

natureza permite, segundo Rousseau, um mergulho na própria interioridade

humana, um alargamento da humanidade do homem.” (BORNHEIM, 1985,

p.81). As ideias de Rousseau repercutiram nos primeiros românticos alemães,

os quais estudaram e se inspiraram nas suas obras para a configuração do

novo movimento: o Romantismo.

Outro filósofo importante para o estudo do Romatismo é Fichte (1762-

1814), que, segundo Bornheim (1985, p.85), não se propôs a criar o movimento

romântico, mas pode ser considerado como um dos seus fundadores, pois

suas ideias repercutiram durante todo o movimento. Para entendermos Fichte,

faz-se necessário compreendermos as ideias kantianas sobre o mundo

sensível e o mundo espiritual. Kant opõe esses dois mundos: o mundo sensível

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é “[...] objeto da ciência. Nele não existe liberdade: tudo acontece dentro de um

rigoroso encadeamento de causas e efeitos perfeitamente previsíveis. Um

mundo [...] no qual rege o determinismo [...]” (BORNHEIM, 1985, p.85); já o

mundo espiritual, é o da liberdade, dos valores morais, da moralidade. Este é o

mundo incondicionado, enquanto o primeiro é condicionado.

Inspirado pela teoria de Kant, Fichte irá propor uma nova visão sobre

esses mundos, não mais os opondo, mas os unindo. A obra-prima desse

filósofo, Doutrina da Ciência, procura explicar a realidade a partir de um

conceito de unidade. O foco, mais uma vez, é a interioridade do ser: “O circuito

de comunicação entre o interior e o exterior depende agora do sujeito, que

transcende, assim avultado, a Natureza física, eis que somente exprimindo,

nas palavras de Fichte, “em toda parte relações de mim mesmo para mim

mesmo” (NUNES, 1985, p.57).

Fichte procura unificar os mundos de Kant e, para isso, propõe um

princípio metafísico: o Eu. Este é entendido como “[...] autoconsciência pura.

Não se trata do eu particular de uma pessoa determinada, de um eu empírico,

mas de um princípio supra-individual, um Eu puro” (BORNHEIM, 1985, p.86), a

partir do qual, segundo Fichte, é possível compreender a realidade. Além da

teoria de Fichte denunciar uma das formas mais radicais do idealismo,

podemos afirmar, também, que é uma das teorias que mais supervalorizam a

interioridade do ser humano, assim como o mundo exterior configurado a partir

do Eu.

Na filosofia de Fichte, o caráter mais profundo do Eu é a sua infinitude.

Porém, sendo uma realidade dinâmica e infinita, não conhece limites. E, tendo

consciência disso, o filósofo desenvolve a ideia do Não-eu: “[...] essa atividade

limitadora do Não-eu é uma função do próprio Eu, visto que o Não-eu não tem

consistência própria, não é por si mas pelo Eu.” (BORNHEIM, 1985, p.88). Com

a filosofia de Fichte, podemos pensar que o Eu é um indivíduo isolado do

mundo, que está em contato somente com sua própria interioridade. Porém,

Bornheim (1985, p.90) explica que a “[...] consciência do eu individual, pessoal,

implica a afirmação da consciência do outro, do eu alheio.” O teórico também

afirma que, segundo Fichte, o Eu estabelece um rede de relações entre

consciências, de um espírito com outro espírito:

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O outro me incita desde dentro, desde minha interioridade, e não há, propriamente, um afetar desde fora, como uma coisa. A liberdade do outro não me toca como se fosse algo de puramente exterior a mim, mas é uma incitação externa, uma solicitação ao diálogo, um interrogar a minha espontaneidade a fim de que possa responder livremente. O eu individual, portanto, não é uma realidade isolada, e sim um diálogo que se encontra perfeitamente em casa dentro da comunidade dos espíritos.

Ao termos contato com a filosofia de Fichte, torna-se impossível não

lembrar dos românticos, das poesias subjetivas, da busca pela interioridade, da

reflexão constante sobre si próprio e tantos outros aspectos recorrentes. Assim,

é notável que a filosofia de Fichte repercutiu em muitos artistas e teóricos no

início do Romantismo, como afirma Bornheim (1985, p.91): “[...] no início, o que

importa salientar é a adesão quase irrestrita a Fichte.”

A busca pela unidade no movimento romântico também é, de certa

forma, repercussão das ideias de Fichte. Os românticos estão em constante

busca por um Todo e, com isso, surge a nostalgia de um infinito inalcançável:

“[...] a nostalgia não é, como pretendem certos autores, um fenômeno primeiro

do Romantismo. Primeiro, é o sentido do infinito, do absoluto interior à alma

humana condenada à sua finitude, e que se extravasa no romântico sob forma

de nostalgia, de Sehnsucht.” (BORNHEIM, 1985, p.92).

Schleiermacher (apud BORNHEIM, 1985, p.95), outro filósofo do

Romantismo, afirmou: “Sinto, logo sou.” Logo lembramos de Descartes:

“Penso, logo existo.”, nesta observa-se uma nítida valorização da razão em

contraponto à frase de Schleiermacher, a qual faz, de certa forma, uma

transposição do objeto. Com isso, podemos nos questionar: será, então, que os

românticos desprezavam a razão?

Não é justo asseverar que os românticos desprezavam a razão: no máximo, a menosprezavam; o descaso completo à razão é incompatível com o seu sentido de totalidade, de integração harmonizadora. Mas, sem dúvida, o sentimento ocupa um lugar privilegiado na postura romântica. (BORNHEIM, 1985, p.95)

Assim, podemos afirmar que o Romantismo não propõe a negação da razão,

mas o deslocamento para a valorização do sentimento.

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Diante das questões trazidas até agora, caberia a pergunta: o que tudo

isso tem a ver com a Natureza? Como já colocado, a fixação pela unidade, pelo

Todo, é a principal característica, a essência, do movimento romântico. Sendo

que a Natureza era vista como um cenário propício desse contexto:

[...] a Natureza, que não foi para o Romantismo apenas a mais abrangente de suas tematizações, mas o foco precípuo sob o qual a imaginação intuitiva se afirmou e se exerceu, voltou a ser contemplada pelos românticos através da perspectiva de coesão mágica, de envolvimento análogo entre palavras e coisas, da compreensão pré-clássica do mundo. (NUNES, 1985, p.67)

É importante ressaltar que todas as transformações históricas também

acarretaram o retorno do homem ao ambiente natural, afinal, os séculos XVIII e

XIX foram de grandes transformações no cenário mundial. Segundo Nunes, o

culto da Natureza começou com o “afastamento desencantado” do homem

diante da sociedade em transformação: “[...] por trás desses aspectos do culto

da Natureza [...] está silhuetada a tácita insatisfação com o todo da cultura,

misto de afastamento desencantado e de reprovação à sociedade [...].” (1985,

p.69).

A partir do momento em que o homem se vê fora do ambiente natural, a

natureza assume a qualidade de paisagem, transformando-o em observador.

Como afirma Pignatari:

O Romantismo, manifestação ideológica do mundo burguês e seu individualismo em formação, é fruto da Revolução Industrial. [...] a nostalgia lamartiniana da paisagem “natural” (1820) é uma reação contra a locomotiva a vapor de Stephenson (1814) e uma defesa preventiva contra a mudança da paisagem urbana: chaminés superando árvores e as torres das igrejas. É a partir desse momento [...] que natureza começa a se transformar em paisagem: o homem se desloca da natureza, transformando-se em observador dela. (1974, p.73)

Como paisagem, a natureza passa a propiciar uma experiência estética,

tornando-se elemento de contemplação. Temos, então, a estetização da

natureza, como nos aponta Caspar David Friedrich (2004, p.109): “Quem é

leviano o bastante para afirmar que um fenômeno da natureza é indigno das

artes plásticas não merece atenção [...]. Mas todo fenômeno da natureza,

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compreendido correta, digna e sensivelmente, pode tornar-se objeto da arte.”

Sendo que a natureza abre para a experiência do sublime, na qual a

capacidade imaginativa tem suas forças limitadas diante de um cenário

propício ao sentimento.

Para os românticos, o contato com a natureza favorecia a passagem

para um sentimento mais elevado, com o espiritual, assim como proporcionava

uma experiência estética, na qual homem e natureza estariam em constante

harmonia. Observa-se, nas obras de Caspar David Friedrich, o destaque à

experiência do sublime, com paisagens que integram uma reflexão espiritual e

com a forma diferenciada de abordagem da natureza, destacando a relação

entre homem e ambiente natural. Como vimos, todas as questões filosóficas

despertadas com as transformações do século repercutiram nas obras de arte

do período. Se refletirmos sobre essas questões, considerando uma tela de

Friedrich, podemos compreender melhor a natureza em seu aspecto místico e

sublime:

Casal contemplando a lua (1830)

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Com a obra em referência, “Casal contemplando a lua”, temos uma paisagem

que se expressa no limiar entre luz e sombra. A partir do fundo da tela, a lua se

destaca como ponto de fuga. Do lado esquerdo da obra, tem-se uma árvore

que sugere a ideia de vida pela contraposição de sua sugestiva folhagem com

os galhos secos da árvore à direita, cujas raízes se desprendem do solo,

passando a sensação de fragilidade e até de morte, como se a vida já

inexistisse. No lado esquerdo da tela, encontramos a presença de um casal

numa composição de ser humano e natureza, integrados à paisagem. O céu da

composição se apresenta grandioso e sublime, no qual a nossa imaginação se

perde diante da profundidade e da imensidão; já a terra, permanece estática,

escura e misteriosa, onde a luz da lua não incide. Assim, é possível observar

que o duplo é uma realidade que se multiplica na obra: claro e escuro; homem

e mulher; céu e terra; vida e morte. Estes contrapontos podem trazer a estética

sublime à composição. Afinal, mesmo com um cenário pouco nítido, o fundo

traz a sensação de exuberância e a vida se abre diante do espectador.

Em relação à tela, nós, espectadores, temos uma perspectiva que vai do

escuro para a luz e o casal posicionado de costas para nós parece nos

convidar à contemplação da paisagem, à experiência do fenômeno da

natureza. No ambiente escuro, o que traz claridade e calma para a cena é a luz

da lua, sendo também ela que amplia a composição fechada pelas árvores,

pedras e raízes, sugerindo a ideia de imensidão. Friedrich sugere também a

sensação de profundidade da cena quando pinta pequenas árvores, no

segundo plano, iluminadas pela luz da lua. A perspectiva do lugar que o casal

se encontra, também ressalta o aspecto grandioso da composição. Podemos

observar, ainda, que o casal se deslocou para observar a lua, a qual tem sua

visão dificultada por se encontrar entre pedras e árvores. Assim, além de

despertar para o mistério do desconhecido, a paisagem também ressalta a

relevância dos fenômenos naturais.

A concepção de Natureza como um organismo vivo é largamente

desenvolvida no período romântico, principalmente por F.W.J. von Schelling

(1775-1854), o qual, inicialmente, critica a filosofia de Fichte, argumentando

que este não trabalhou com a filosofia da natureza. O que Schelling propõe é

uma junção do Eu transcendental, de Fichte, com a questão da natureza, como

nos explica Bornheim:

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Para Fichte, explicado o espírito, encerra-se a filosofia. Para Schelling, é preciso explicitar o espírito e a natureza, o que só é possível a partir do Sujeito absoluto; e se a filosofia do espírito de Fichte, que consegue explicar a subjetividade, é fundamentalmente correta, urge complementá-la com uma filosofia da natureza. Não basta saber apenas qual é a estrutura da subjetividade e elucidar tudo por suas exigências morais; é preciso perguntar também pela estrutura do mundo dos objetos, pela natureza, procurar saber qual é o ser da natureza, da qual o eu tem consciência e com o qual não se pode confundir. Não podemos fugir ao problema da natureza – anterior e condicionante da consciência -, impondo-se, por isso, uma “interpretação física do idealismo”. (1985, p.99)

Como podemos observar, a Natureza adquire alto valor para os românticos, tal

como uma espécie de retorno às origens. Schelling espiritualiza a Natureza

numa perspectiva idealista.

O filósofo vai mais além e estuda a Natureza como um ser inconsciente.

Um ser que também busca o Absoluto: “[...] o Espírito absoluto que habita o

homem torna-se, nele, consciência e liberdade; o mesmo Espírito também

habita a natureza, mas nela permanece cego e em estado de inconsciência,

sem liberdade.” (BORNHEIM, 1985, p.100). A Natureza não é mais vista como

um objeto estático, mas como um organismo dinâmico, em constante

transformação, ela também procura integrar-se ao Absoluto. Observa-se que a

busca pelo Absoluto foi, numa perspectiva idealista dos românticos, a meta

final, mas impossível de ser atingida.

O idealismo de Schelling sobre a natureza influenciou todo o movimento

romântico e pode, muitas vezes, ser observado nas obras de arte:

Na produção da obra de arte podemos compreender, concretamente, a unidade entre natureza e espírito, entre inteligência inconsciente e cega e inteligência consciente e livre, e assim, o que a filosofia nos ensina abstratamente, a arte realiza numa dimensão prática. (BORNHEIM, 1985, p.102)

A arte, na época romântica, era considerada superior pois, a partir dela o ser

humano conseguia concretizar uma Ideia: “[...] é na obra de arte que o Eu

alcança a intuição de si mesmo como Absoluto [...], e que a individualidade

orgânica da Natureza [...] se revela como operação artística, produto do

entendimento [...]” (NUNES, 1985, p.61).

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É importante ressaltar que os românticos também irão buscar uma base

religiosa para a concepção do movimento. Sendo que essa base foi o

catolicismo, o qual os inspirou com as ideias sobre simbolismo e unidade,

espiritualizando o mundo sensível:

[...] a razão mais profunda da aproximação dos românticos à Igreja de Roma foi, mais uma vez, aquela insopitável exigência de unidade, elemento básico de todo o Romantismo, e que levava a ver na Idade Média um índice seguro da possibilidade de união entre o espiritual e o natural, extensível a todos os povos. (BORNHEIM, 1985, p.109)

Porém, o que os românticos pretendiam era um novo catolicismo, no qual a

unidade entre mundo espiritual e natural seria ainda mais acentuada. Em

Schelling, por exemplo, na obra Filosofia da arte, Deus é colocado como o

símbolo do Absoluto.

As paisagens românticas, em obras de arte, representam, também, um

estado de espírito, como afirma o próprio Caspar David Friedrich: “o artista

devia não só pintar o que vê diante de si, mas também o que vê dentro de si”.

O olhar romântico diante da natureza é um “olhar espiritual”:

[...] na obra de Caspar David Friedrich e sobretudo na sua dimensão paisagística, está a principal mensagem do contexto. É com o “olho espiritual” e não com o “olho do corpo” que dialoga com o exterior, nele encarnando-se como numa espécie de processo mediúnico. Uma atmosfera brumosa e sentimentos ternos e nostálgicos envolvem todos os seus componentes espaciais – pedras, nuvens, árvores, homem, corpos celestes, etc. – elaborados com recursos parcimoniosos – tarefa de reorganização da natureza como revelação exclusiva de suas intuições. (ZANINI, 1985, p.203)

Friedrich não somente observava a paisagem e a representava nos quadros,

mas colocava seu espírito e sentimento diante do cenário para construir sua

obra. Assim, a paisagem não revela, somente, o fenômeno natural, mas

também a própria renovação e contato espiritual do ser diante da paisagem.

Schelling afirma: “Por toda a pintura de paisagem só é possível exposição

subjetiva, pois a paisagem só tem realidade no olho daquele que a contempla.”

(2001, p.192). Observemos outra tela de Friedrich:

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Nascer da lua sobre o mar (1822)

Em “Nascer da lua sobre o mar”, também encontramos figuras humanas

contemplando um fenômeno natural. Os últimos raios de sol trazem o claro-

escuro à composição. Na cena, testemunhamos o momento em que o sol se

põe e a lua nasce, eliminando a luminosidade da paisagem. Os seres humanos

estão num lugar de ligeira elevação, buscando melhor contemplar o fenômeno,

em experiência silenciosa diante do cenário. As suas posturas direcionam o

nosso olhar, pois eles estão ligeiramente de perfil. Quando observamos o céu

da composição, também vemos o destaque para a profundidade, atingida pela

gradação das cores. Este movimento permite que a luz existente na tela seja o

principal foco, potencializando a experiência do fenômeno da natureza. Na tela,

a existência de duas velas no mar sugerem estaticidade, ausência de

movimento marítimo. A cena é tranquila e sugere a imensidão do espaço.

Porém, é misteriosa, pois Friedrich trabalha com um jogo de luz e sombra que

não traz nitidez à composição. O tom das roupas das figuras humanas se

confunde com a paisagem, como se fossem uma extensão das rochas. Pode-

se observar ainda que a estética sublime, no período romântico, proporcionou a

mudança na forma de representar a natureza, a partir do momento em que os

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artistas passaram a buscar uma composição que levasse o espectador a uma

experiência estética com fortes sentimentos, como nas telas de Friedrich.

Assim, o sublime não somente abriu para mudanças na relação entre artista e

obra, mas também entre espectador e obra.

A partir da visão romântica sobre a natureza, podemos pensar na nossa

visão contemporânea. Todos sabemos que a relação religiosa do homem com

o ambiente natural, assim como a visão deste como um organismo vivo, já não

é tão presente na contemporaneidade. Mas não podemos, de forma alguma,

afirmar que não existam estas relações. Afinal, a natureza ainda é vista como

um lugar de fuga do espaço urbano, que é próprio à contemplação e

meditação, um ambiente que propicia o contato com as origens. Porém, será

ainda possível falar em unidade, de um Todo?

Nossa contemporaneidade é feita de fragmentos, ela é, por si mesma, a

fragmentação: “O mundo como mostruário: as amostras (“espécimes”) são

precisamente singulares, partes notáveis e não-totalizáveis que se destacam

de uma série de partes ordinárias.” (DELEUZE, 1997, p.68). O curioso é que,

muito antes de nós, na mesma época em que se desenvolve o movimento

romântico na Europa, aparece um poeta na América que não segue as

concepções românticas, pelo contrário, propõe uma nova percepção da

natureza, a partir da fragmentação. Esse poeta é Walt Whitman (1819-1892).

Whitman, segundo Deleuze, sugere a construção de uma ideia do Todo,

mas não o totaliza. A poesia americana, segundo Whitman, deve ser escrita em

fragmentos, pois, afinal, a ideia de fragmento já é inerente aos americanos; ao

contrário dos europeus, que possuem a ideia de totalidade, conforme mostra

Deleuze (1997, p.76). Assim, o poeta escreve por fragmentos e constrói

relações não-preexistentes:

Se as partes são fragmentos que não podem ser totalizados, pode-se ao menos inventar entre elas relações não-preexistentes, dando testemunho de um progresso na História tanto quanto de uma evolução na Natureza. O poema de Whitman oferece tantos sentidos quantas são as relações que ele entretém com interlocutores diversos [...]. (DELEUZE, 1997, p.70)

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Portanto, em Whitman, a Natureza não é um Todo, assim como seus poemas

não formam um Todo, mas ambos são uma reunião de partes fragmentárias

que formam um “tecido de relações moventes” (DELEUZE, 1985, p.71):

A Natureza não é forma, mas processos de correlação: ela inventa uma polifonia, ela não é totalidade, mas reunião, “conclave”, “assembléia plenária”. A Natureza é inseparável de todos os processos de comensalidade, convivialidade, que não são dados preexistentes, porém se elaboram entre viventes heterogêneos de modo a criar um tecido de relações moventes que fazem com que a melodia de uma parte intervenha como motivo na melodia de uma outra (a abelha e a flor). As relações não são interiores a um Todo, é antes do todo que decorre das relações exteriores em tal momento e que com elas varia.

A poesia de Whitman, se comparada a dos românticos europeus,

estabelece diferentes relações entre homem e natureza. Em sua poesia, o

homem não se funde, nem se confunde com ela, mas algo se passa entre eles

como uma espécie de troca, afirma Deleuze:

Whitman instaura uma relação ginástica com os carvalhos de tenra idade, um corpo-a-corpo: não se funde neles nem se confunde com eles, mas faz com que algo passe entre eles, entre corpo humano e a árvore, nos dois sentidos, o corpo recebendo “um pouco de seiva clara e de fibra elástica”, mas a árvore por sua vez recebendo um pouco de consciência [...]. (1997, p.71)

Observemos o poema de Whitman:

To the Garden the World To the garden, the world, anew ascending, Potent mates, daughters, sons, preluding, The love, the life of their bodies, meaning and being, Curious, here behold my resurrection, after slumber; The revolving cycles, in their wide sweep, have brought me again, Amorous, mature—all beautiful to me—all wondrous; My limbs, and the quivering fire that ever plays through them, for reasons, most wondrous; Existing, I peer and penetrate still, Content with the present—content with the past, By my side, or back of me, Eve following, Or in front, and I following her just the same.

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Ao jardim, o mundo (trad. Adriano Scandolara) Ao jardim, o mundo, renovado em ascensão, Parceiros potentes, filhas, filhos, em prelúdio, O amor, a vida de seus corpos, ser e sentido, Curioso, contemple aqui minha ressurreição, após o sono; Os ciclos em revolução, em seu amplo movimento, aqui me trouxeram outra vez, Amoroso, maduro – tudo belo para mim – tudo maravilhoso; Meus membros, e o fogo trêmulo que folga neles, pelos mais maravilhosos motivos; Existindo, eu perscruto e penetro ainda, Contente com o presente – contente com o passado, Ao meu lado, ou atrás de mim, Eva me seguindo, Ou à frente, e eu a segui-la do mesmo jeito.

Com o poema, podemos notar a profusão de sensações e sentimentos e o jogo

das palavras (num sentido aleatório), todos ao mesmo tempo, sem uma

unidade definida. Whitman integra homem e natureza não como uma unidade,

mas como um fluxo de inter-relações, assim como todos os outros objetos do

mundo; é notável que algo se passe entre o ser humano, objetos, e natureza.

Encontramos várias pessoas, ações, objetos, tempos, numa espécie de

condensação atemporal e frenética de todos os acontecimentos, em fluxo

constante.

Dessa forma, com Whitman, temos outra maneira de pensar a natureza

que nos traz motivação a novas reflexões. Passando para o século XX,

encontramos outro poeta que, podemos dizer, se dedica ao estudo e,

principalmente, à contemplação da natureza por ela mesma: Alberto Caeiro

(2001, p.64):

Li hoje quase duas páginas Do livro dum poeta místico E ri como quem tem chorado muito. Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar. Mas as flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente;

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E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes. É preciso não saber o que são flores e pedras e rios Para falar dos sentimentos deles. Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos. Graças a Deus que as pedras são só pedras, E que os rios não são senão rios, E que as flores são apenas flores. Por mim, escrevo a prosa dos meus versos E fico contente, Porque sei que compreendo a Natureza por fora; E não a compreendo por dentro Porque a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza.

Neste poema podemos observar, além de outros aspectos, a negação da

natureza como um organismo vivo com interioridade, tão exaltado e reafirmado

pelos românticos. “[...] a Natureza não tem dentro”: esta frase contrapõem-se a

tudo o que já vimos. Alberto Caeiro satiriza os “poetas místicos”, negando a

afirmação de que pedras têm alma, de que as flores sentem e que os rios têm

êxtase, ou seja, nega a visão da natureza como algo místico. Além disso,

Caeiro ri “como tem chorado muito” quando lê um livro desses poetas. Toda a

filosofia romântica é negada ou contraposta por Caeiro ao defender a natureza

como ela é, sem fantasias humanas que, segundo ele, colocam uma falsa

impressão e somente a definem segundo princípios humanos e não naturais.

Afinal, “falar da alma das pedras, das flores, dos rios, é falar de si próprio e dos

seus falsos pensamentos”. Agora, o ambiente natural, segundo Caeiro, precisa

ser visto sem interferência de pensamentos humanos, ele deve ser visto como

ele é: “[...] os rios não são senão rios, / [...] as flores são apenas flores.” É

preciso olhar para ele com uma certa liberdade no olhar, livre de “falsos

pensamentos”.

Observemos outro poema de Caeiro (2001, p.86), que também coloca

em xeque a filosofia romântica:

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Num dia excessivamente nítido, Dia em que dava a vontade de ter trabalhado muito Para nele não trabalhar nada, Entrevi, como uma estrada por entre as árvores, O que talvez seja o Grande Segredo, Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam. Vi que não há Natureza, Que Natureza não existe, Que há montes, vales, planícies, Que há árvores, flores, ervas, Que há rios e pedras, Mas que não há um todo a que isso pertença, Que um conjunto real e verdadeiro É uma doença das nossas ideias. A Natureza é partes sem um todo. Isto é talvez o tal mistério de que falam. Foi isto o que sem pensar nem parar, Acertei que devia ser a verdade Que todos andam a achar e que não acham, E que só eu, porque a não fui achar, achei.

Neste poema, encontramos outra negação da filosofia romântica: o Todo.

Como vimos, a busca incessante do Romantismo é por essa ideia da unidade,

mas Caeiro nega que ela exista. O poeta afirma que “A Natureza é partes sem

um todo.” Ela é feita por montes, vales, planícies, árvores, flores etc, mas “não

há um todo a que isso pertença”. Caeiro afirma: “[...] um conjunto real e

verdadeiro/ É uma doença das nossas ideias.” Doença pois, como vimos no

poema anterior, essa busca por uma unidade nos tira a oportunidade de ver a

Natureza como ela é, como ela aparece diante de nossos olhos. Caeiro

desenvolve a questão de que, se toda vez que olharmos para a natureza,

buscarmos um Todo ou buscarmos sentimentos equivalentes aos humanos,

estaremos falando de nós próprios, projetaríamos o humano para o natural e

não o natural para o humano. Ou seja, não falaríamos de natureza, mas de

nós. Portanto, para Caeiro, devemos olhar para a natureza com olhos livres

para realmente enxergá-la como ela é.

Em uma entrevista, em 1914, Caeiro afirma:

Sou mesmo o primeiro poeta que se lembrou de que a Natureza existe. Os outros poetas têm cantado a Natureza subordinando-a a eles, como se eles fossem Deus; eu canto a

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Natureza subordinando-me a ela, porque nada indica que eu sou superior a ela, visto que ela me inclui, que eu nasço dela [...]. (2001, p.202)

Este texto de Caeiro ressalta, de certa forma, as explicações anteriores. O

poeta se coloca como subordinado à natureza e não ao contrário. Porém, não

podemos generalizar e colocar os românticos como homens que se viam

superiores a natureza, afinal, eles também a consideravam um organismo tão

vivo quanto nós, em constante transformação.

Além de Alberto Caeiro, no século XX também temos outro poeta que

rompe com as hierarquias entre homem e natureza, objeto de nosso estudo:

Manoel de Barros (1916-2014). O poeta não vê diferenças entre uma montanha

e uma lesma, entre uma mosca e uma árvore, e muito menos entre homem e

natureza, ambos estão integrados. O homem faz parte do ambiente natural e

vice-versa. Mas devemos ressaltar que essa integração não é como a dos

românticos, que buscam um Todo, e veem a natureza como uma organicidade.

É uma integração na qual a natureza está em constante transformação,

influenciando o homem. Este faz parte da vida natural, não está à parte.

Manoel de Barros realiza uma fusão com o ambiente natural, na qual a energia

da natureza se encontra no próprio homem.

Essa relação entre homem e natureza também pode ser explicada pela

própria cultura do Pantanal ser conduzida pelos fatores naturais. A integração

entre homem e natureza, presente nos poemas, não é somente uma forma de

representação própria do poeta, mas vem de uma cultura em que os homens

observam constantemente o ambiente. Fator que se explica pela população

pantaneira viver do trabalho rural e da vida mudar junto com a natureza (como

exemplo, nos períodos da vazante e da cheia), em que até mesmo os animais

ajudam a prever as mudanças climáticas, principalmente com suas migrações.

O homem do Pantanal possui uma enorme capacidade em guiar-se por sinais

da natureza, sendo esta inerente em sua vida. Observemos o poema (2013a,

p.40):

Chove torto no vão das árvores. Chove nos pássaros e nas pedras. O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.

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Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados. Crianças fugindo das águas Se esconderam na casa. Baratas passeiam nas fôrmas de bolo... A casa tem um dono em letras. Agora ele está pensando – no silêncio líquido com que as águas escurecem as pedras... Um tordo avisou que é março.

Neste poema, tem-se a transformação da natureza influindo na vida dos

homens, ela está em constante transformação, afetando a vida humana:

“Crianças fugindo das águas / Se esconderam na casa.” Podemos até supor

que o poeta representa a época das cheias no Pantanal, em que o “rio ficou de

pé e me olha pelos vidros”, ou seja, o rio encheu, transbordou, e a água atingiu

o nível das casas. Assim, nota-se que a natureza faz parte da vida humana, ela

está integralmente presente. Temos, aqui, outra visão da natureza e podemos,

até mesmo afirmar que é uma visão do homem do campo, de um homem que

convive com/no ambiente natural, no caso, Manoel de Barros com o Pantanal

mato-grossense. Afinal, nós, seres urbanos do século XXI, não temos a mesma

relação com o ambiente natural que o homem do campo, vivenciamos a troca

de estação somente com a mudança climática e muito pouco observando o

canto dos pássaros, ou a troca de folhas das árvores, ou a mudança do solo,

ou o período das chuvas. Assim, com o homem urbano e o do campo, também

estabelecemos relações diferentes com a natureza.

Como podemos constatar, nossa relação com a natureza não é a

mesma dos românticos, mas também não é a relação estabelecida por Alberto

Caeiro. Muitos de nós temos, sim, uma necessidade de entrar em contato com

o ambiente natural, de contemplar a natureza, talvez por uma busca pelas

origens, ou para simplesmente se sentir em paz. Mas também não estamos

buscando na natureza uma questão religiosa, uma transcendência mística.

Possivelmente nos encontramos entre essas duas visões, entre diferentes

filosofias da natureza. A visão romântica está presente na nossa

contemporaneidade, não com a mesma força no século XIX, claro, mas sua

filosofia está em nosso pensamento, configurando até o nosso presente:

A sublimação da conduta espiritual, voltada para as altas esferas, foi um processo inerente à visão romântica, como

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visão de época. Limiar da nossa experiência literária e artística, essa visão se interrompeu sem perder a sua influência incessante (haverá sempre românticos entre nós), por um processo inverso de dessublimação, cujos sinais precursores efetivos, mais do que no romance realista, foram as rupturas dos lineamentos expressivista e transcendentalista [...]. (NUNES, 1985, p.73)

Portanto, é possível que o nosso olhar sobre a natureza esteja mais próximo de

uma visão fragmentária da natureza feita de partes sem um Todo. Ao mesmo

tempo, cada parte tem uma vida própria e, juntas, trazem experiências

sensoriais e sentimentais, influenciando o nosso estado de espírito, como

podemos observar nos poemas de Manoel de Barros.

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3. A Imagem poética

Em “O espaço literário”, Maurice Blanchot afirma que para “ver” uma

imagem, é necessária a quebra, a “rasgadura” com o mundo empírico:

A imagem pede a neutralidade e a supressão do mundo, quer que tudo reentre no fundo indiferente onde nada se afirma, tende para a intimidade do que ainda subsiste no vazio: está aí sua verdade. (BLANCHOT, 2011, p.277)

A neutralidade e supressão do mundo são aspectos essenciais às imagens,

afinal, com a supressão do mundo, temos a supressão dos objetos sensíveis.

Com isso, entramos na “intimidade do que ainda subsiste no vazio”, em que as

imagens reafirmam os objetos em sua ausência. Blanchot coloca, ainda, outra

questão interessante:

[...] quando estamos diante das próprias coisas, se fixamos um rosto, um canto de parede, não nos acontece também abandonarmo-nos ao que vemos, estar à sua mercê, sem poder algum diante dessa presença, de súbito estranhamente muda e passiva? É verdade, mas é que então a coisa que fixamos mergulhou na sua imagem, é que a imagem uniu-se a esse fundo de impotência onde tudo recai. (2011, p.279)

Neste trecho, percebemos que as imagens não são um reflexo do mundo

sensível, pois diante da situação apontada, quando nos deparamos com um

objeto e formamos sua imagem, saímos do empirismo, ficamos como que

hipnotizados. É o momento da produção imagética, no qual tudo se dissolve, se

apaga e temos uma sensação de iluminação. As imagens, então, produzem

essa retirada, ou seja, um distanciamento do objeto sensível, ou melhor: a

presença do objeto em sua ausência.

A imagem é, ainda segundo Blanchot, o objeto convertido em

inapreensível:

A imagem, segundo a análise comum, está depois do objeto: ela é a sua continuação; vemos, depois imaginamos. Depois do objeto viria a imagem. “Depois” significa que cumpre, em primeiro lugar, que a coisa se distancie para deixar-se recapturar. Mas esse distanciamento não é a simples mudança de lugar de um móvel que continuaria, entretanto, sendo o mesmo. O distanciamento está aqui no âmago da coisa. A coisa estava aí, que nós apreenderíamos no momento vivo de uma ação compreensiva e, tornada imagem, ei-la

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instantaneamente convertida no inapreensível, inatual, impassível, não a mesma coisa distanciada mas essa coisa como distanciamento, a coisa presente em sua ausência, a apreensível porque inapreensível, aparecendo na qualidade de desaparecida [...]. (2011, p.279)

É interessante atentar para a afirmação de Blanchot: “A imagem está [...]

depois do objeto”. A imagem não é aquilo que vemos de um objeto sensível,

mas o que imaginamos após o contato. Quando o objeto está distanciado,

formarmos uma imagem, tornando-o inapreensível, é “a coisa presente em sua

ausência”. Assim, o distanciamento é essencial à produção de imagens, ele

está no “âmago da coisa”.

Com as afirmações de Blanchot, podemos pensar sobre a imagem nas

artes, pois a arte tem o potencial de fazer com que os objetos sensíveis

“apareçam”. Ou seja, fazer com que notemos sua presença e reflitamos sobre

eles:

[...] o utensílio, não mais desaparecendo no seu uso, aparece. Essa aparência do objeto é a da semelhança e do reflexo: se se preferir, o seu duplo. A categoria da arte está ligada a essa possibilidade para os objetos de “aparecer”, isto é, de se abandonar à pura e simples semelhança por trás da qual nada existe – exceto o ser. Só aparece o que se entregou à imagem, e tudo o que aparece é, nesse sentido, imaginário. (BLANCHOT, 2011, p.283)

Podemos dizer que temos, então, com a arte, “experiências imaginárias”, com

as quais nossa imaginação é estimulada a formar novas imagens. Para melhor

pensar a questão, observemos a obra de Marcel Duchamp (1887-1968)

A Fonte (1917)

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Se este urinol não tivesse sido escolhido por Duchamp para se tornar uma

obra, não o perceberíamos, pois é um objeto que faz parte do nosso cotidiano,

não possuindo nenhum tipo de significado profundo, é apenas utilitário. Porém,

quando ele é retirado de seu espaço habitual e colocado em uma exposição de

arte, com a assinatura da fábrica que o produziu (“R.Mutt”), ele se desloca para

outro universo: para o nosso imaginário. O objeto comum transformado em arte

nos desperta para inúmeros questionamentos sobre o que realmente é artístico

e qual é o sentido dessa obra. O artista nos alerta para coisas nunca antes

percebidas e nos abre para refletir sobre a própria arte. Assim como explora os

limites da nossa capacidade imaginativa quando nos coloca diante de um

instrumento inusitado para as artes e, faz com que, a princípio, fiquemos

confusos com a produção. A arte de Duchamp, podemos dizer, é uma arte que

choca e nos convida à reflexão.

Blanchot também afirma que apesar da imagem vir depois do objeto, de

ser produção do nosso imaginário, ela não é o seu sentido, nem ajuda na sua

compreensão:

A imagem nada tem a ver com a significação, o sentido, tal como a existência do mundo, o esforço da verdade, a lei e a claridade do dia implicam. A imagem de um objeto não somente não é o sentido desse objeto e não ajuda a sua compreensão, mas tende a subtraí-los na medida em que o mantém na imobilidade de uma semelhança que nada tem com que se assemelhar. (2011, p.285)

Então, as imagens subtraem o objeto, no sentido de que a partir do momento

em que as formamos, temos uma produção imagética que não se assemelha

ao objeto, é outra coisa, e, por isso, não é o seu sentido, nem sua significação.

Assim, observamos, com Blanchot, uma duplicidade: a imagem nos ajuda a

recuperar o objeto, mas também nos distancia dele. Ou seja, ao mesmo tempo

em que conseguimos o recuperar por meio das imagens, não podemos afirmar

que elas são a própria coisa, pelo contrário: como já afirmado, elas distanciam

o objeto sensível na medida em que dissipam o mundo empírico.

Aquilo a que chamamos as duas versões do imaginário, o fato de que a imagem pode, certamente, ajudar-nos a recuperar idealmente a coisa, de que ela é então a sua negação vivificante, mas que, ao nível para onde nos arrasta o peso que lhe é próprio, corre também o constante risco de nos devolver, não mais à coisa ausente, mas à ausência como presença, ao

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duplo neutro do objeto em que a pertença ao mundo se dissipou [...]. (BLANCHOT, 2011, p.287)

Octavio Paz (1914-1998) também afirma que “as imagens são produtos

imaginários” e que as imagens poéticas não aspiram à verdade: “O poema não

diz o que é e sim o que poderia ser.” (2012, p.38). Além disso, Paz também

coloca que:

Épica, dramática ou lírica, condensada em uma frase ou desenvolvida em mil páginas, toda imagem aproxima ou conjuga realidades opostas, indiferentes ou distanciadas entre si. Isto é, submete à unidade a pluralidade do real.

Com estas afirmações, podemos pensar melhor nas imagens poéticas, pois

elas podem conjugar diferentes sensações e transformar realidades empíricas.

Retomando um exemplo do próprio Paz (2012, p.38), no “mundo real”, uma

pedra é uma pedra e uma pluma é uma pluma (o contrário é impensável), já em

um poema, uma pedra pode ser pluma e vice-versa, podemos ter uma pedra

leve e uma pluma pesada, sem retirar a característica do objeto sensível.

Quando o poeta faz um jogo com as palavras, sugere novas relações e nos

leva a produzir imagens por um processo dialético:

No processo dialético pedras e plumas desaparecem em favor de uma terceira realidade, que já não é nem pedras nem plumas, mas outra coisa. Mas em algumas imagens – precisamente as mais altas – continuam sendo o que são: isto é isto e aquilo é aquilo; e ao mesmo tempo, isto é aquilo: as pedras são plumas, sem deixar de ser pedras. (PAZ, 2012, p.39)

As imagens são, então, capazes de dizer o que muitas vezes a

linguagem parece ser incapaz. Conforme o poeta ordena suas ideias nas

frases, as imagens são produzidas e ninguém se espanta com elas, as quais

são, muitas vezes, insólitas. Elas se tornam uma realidade à parte, mas tão

real quanto os objetos do mundo empírico. Então, as imagens de um poema

possuem sentido e este é, segundo Paz (2012), de diversos níveis:

Em primeiro lugar, possuem autenticidade: o poeta as viu ou ouviu, são a expressão genuína de sua visão e experiência do mundo. [...] Em segundo lugar, essas imagens constituem uma realidade objetiva, válida por si mesma: são obras. Uma paisagem de Góngora não é a mesma coisa que uma

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paisagem natural, mas ambas possuem realidade e consistência, embora vivam em esferas distintas. São duas ordens de realidades paralelas e autônomas. [...] o poeta faz algo mais do que dizer a verdade; cria realidades que possuem uma verdade: a de sua própria existência. As imagens poéticas tem a sua própria lógica e ninguém se escandaliza de que o poeta diga que a água é cristal ou que “el pirú es primo del sauce” [...]. (PAZ, 2012, p.45)

As imagens poéticas, como afirma Paz, constituem uma realidade e são obras.

O poeta cria realidades que são “verdades” tanto quanto o mundo empírico.

Elas são uma criação a partir do trabalho livre com a palavra, por isso são

obras. Com isso, um poema traz universos imaginários inusitados e sensações

nunca antes apreendidas. Ele nos tira do mundo empírico e nos oferece

realidades singulares.

Paz também afirma:

[...] a imagem reproduz o momento de percepção e força o leitor a suscitar dentro de si o objeto um dia percebido. O verso, a frase-ritmo, evoca, ressuscita, desperta, recria. Ou, como dizia Machado: não representa, mas apresenta. Recria, revive nossa experiência do real. (2012, p.46)

Quando lemos um poema, podemos formar imagens de objetos esquecidos,

guardados no fundo de nossa memória, ou podemos criar novos, possíveis

somente em nosso imaginário, os quais não dizem respeito ao significado

convencional que a palavra remete, ou, ainda, podemos não formar imagens,

ficar no campo dos sentidos. Num poema, as palavras se tornam plurais e,

portanto, como afirma Paz (2012, p.47), voltam à sua primeira natureza, ou

seja, à ampla possibilidade de significados. Com a poesia, também podemos

relembrar momentos de nossas vidas que não repercutem no presente, mas

que, ao termos contato com o poema, podem nos trazer sensações já

vivenciadas ou acrescidas de outras mais. Esse é um dos potenciais da arte:

sugerir novos horizontes, criar outros mundos, fazer sentir de maneira diferente

e, principalmente, despertar para o sensível.

Paz, assim como Blanchot, também fala sobre o sentido das imagens.

Porém, os dois se colocam sob diferentes perspectivas: Blanchot afirma que a

imagem de um objeto não é o seu sentido, na medida em que temos o objeto

em sua ausência; já Paz, relaciona o sentido às frases poéticas, dizendo que

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as imagens formadas numa frase são dotadas de sentido por meio da

produção imagética. Paz, ao contrário de Blanchot, não se refere aos objetos,

mas às palavras. O sentido da imagem de um poema é a sua própria imagem,

não é possível fazermos uso de palavras para retratar, representar, explicar o

mundo imaginário. As imagens valem por si, pois tiram a mobilidade das

palavras, “os vocábulos se tornam insubstituíveis, irreparáveis. Deixaram de

ser instrumentos. A linguagem deixa de ser um utensílio.” (PAZ, 2012, p.48).

Quando lemos um texto em prosa, podemos reproduzi-lo em detalhes, com

diferentes palavras, mas quando lemos um poema, o texto se torna

intraduzível.

A experiência poética só ocorre no momento do contato com o texto,

momento este em que o sentido é a própria imagem, a qual pode ser insólita,

sem relação com o mundo empírico e completamente abstrata. O sentido de

um poema torna-se, então, algo indizível e inexplicável, exceto por si mesmo, o

que não significa um “sem-sentido” ou “contra-sentido” (PAZ, 2012, p.49).

Vejamos um poema de Manoel de Barros (2013, p.30):

Ilhota de pedra no meio de um corixo é de nome sarã. Amanhecer de um sarã tem gala! Eu assisto: Martim-pescador, de repente, no alto da água, arregaça o cuzinho e solta sua isca de guspe. Peixe vai ver o que foi aquele guspe: antepara! De veloz arrojo martim-pescador frecha na água, e num átimo sobe – O peixe atravessado no bico! As águas remansam e rezam. Que esse martim-pescador é fela.

Neste poema, não estranhamos quando o poeta coloca as águas rezando, nem

quando diz que um amanhecer “tem gala”, muito menos quando afirma que as

águas “pensam” que o martim-pescador é “fela”. As imagens, juntamente com

a construção do poema, permitem que essas frases tenham um sentido distinto

do convencional, um sentido poético. Além disso, um poema tem liberdade na

linguagem, ele a transcende e desperta para um mundo imaginário. Aqui, não é

mais o martim-pescador que caça para a sua alimentação: o ato cotidiano de

caçar, adquire um significado-outro, dotado de uma magia. A imaginação entra

em contato com outro universo e tenta formar imagens do desconhecido,

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tornando-as intraduzíveis. Podemos até dizer como um martim-pescador caça,

mas a magia do poema é indizível, pois as imagens estão muito além da

linguagem.

Paz também coloca outro elemento poético ligado às imagens e ao

sentido: o ritmo

O ritmo é inseparável da frase; não é composto só de palavras soltas, nem é só medida ou quantidade silábica, acentos e pausas: é imagem e sentido. Ritmo, imagem e significado se apresentam simultaneamente em uma unidade indivisível e compacta: a frase poética, o verso. (2012, p.13)

Com isso, temos outro elemento essencial para as imagens. No poema acima,

encontramos a frase: “As águas remansam e rezam”. Esta pode ser um

exemplo de frase rítmica, pois a escolha pelos verbos “remansar” e “rezar”

passa o próprio movimento da água dentro da construção do poema. Cada

verso é uma unidade de ritmo, de imagem e de sentido, assim como o ritmo

contém a imagem. Paz também afirma que no verso livre contemporâneo, cada

verso é uma imagem pois

[...] o verso livre é uma unidade e quase sempre se pronuncia de uma só vez. [...] cada verso é uma imagem e não é necessário suspender a respiração para dizê-los. Por isso, muitas vezes é desnecessária a pontuação. As vírgulas e os pontos sobram: o poema é um fluxo e refluxo rítmico de palavras. (2012, p.15)

Lessing também trabalha com imagens poéticas e aborda outro conceito

importante para o estudo: o de “pintura poética”. Ele afirma que a “pintura

poética” ocorre quando o poeta coloca diante de nós, em nossa imaginação, o

objeto sensível, fazendo-nos mais conscientes deste objeto do que das

palavras do poeta: “[...] o poeta torna seu objeto tão sensível que nós nos

tornamos mais distintamente conscientes desse objeto do que das suas

palavras, isso é o que significa o pictórico [...].” (2011, p.187). O filósofo nos

mostra que é com a pintura poética que podemos nos aproximar do pictórico,

ou seja, do que é uma pintura, seu “grau de ilusão” e seus efeitos no

espectador. O poeta, segundo Lessing, não quer apenas ser compreendido, ele

quer

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[...] tornar tão vivazes as ideias que ele desperta em nós, de modo que, na velocidade, nós acreditemos sentir as impressões sensíveis dos seus objetos e deixemos de ter consciência, nesse momento de ilusão, do meio que ele utilizou para isso, ou seja, das suas palavras. (2011, p.205)

O poeta, trabalhando com as palavras, estimula a imaginação a construir

imagens que podem se confundir com os objetos sensíveis. Com a leitura, a

realidade do poema torna-se verdadeira tanto quanto a empírica, ela é uma

obra do poeta, como nos mostrou Paz.

Outro filósofo que se dedicou ao estudo das imagens na poesia foi

Gaston Bachelard (1884-1962), que as estudou por uma vertente

fenomenológica. Ao termos contato com sua obra, “A Poética do Espaço”,

percebemos que Bachelard parte do aspecto simbólico das imagens. Quando

estuda a questão da “imensidão”, afirma:

[...] a imensidão se institui como valor primordial, como valor íntimo primordial. Quando vive realmente a palavra imenso, o sonhador se vê libertado de suas preocupações, de seus pensamentos, libertado de seus sonhos. Já não está enclausurado em seu peso. Já não é prisioneiro de seu próprio ser. (1993, p.200)

A imensidão se relacionaria com a libertação do próprio ser humano, tornando-

se íntima. Temos outro exemplo quando o filósofo afirma:

Reunimos em nosso livro L’eau et les rêves muitas outras imagens literárias que dizem que o lago é o próprio olho da paisagem, que o reflexo sobre as águas é a primeira visão que o universo tem de si mesmo [...]. (1993, p.213)

Assim, Bachelard adota outra abordagem sobre as imagens. O autor coloca as

imagens como símbolo de algo, que podem despertar, no leitor, uma sensação,

como a de liberdade.

Bachelard aponta aspectos importantes para o estudo das imagens.

Dentre eles, a questão de que “a imagem vem antes do pensamento” (1993,

p.4), o que permite afirmar que as imagens são autônomas e que possuem um

dinamismo próprio, fatores que coincidem com as teorias de Blanchot e Paz.

Ao virem antes do pensamento, elas se tornam mais puras ao mesmo tempo

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em que quebram com o mundo empírico. Outra questão importante é a imagem

internalizada, enraizada em nós mesmos:

[...] a imagem atingiu as profundezas antes de emocionar a superfície. E isso é verdade numa simples experiência de leitura. Essa imagem que a leitura do poema nos oferece torna-se realmente nossa. Enraíza-se em nós mesmos. (1993, p.7)

Um poema pode modificar, acrescentar, transformar a nossa visão de mundo

formando novas imagens. Temos imagens de diversos lugares e objetos,

imagens muitas vezes comuns, mas com a leitura de um poema, o nosso

mundo sensível adquire magia. Observemos outro poema de Manoel de Barros

(2010, p.303):

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa. Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa. Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem.

Apesar de o poeta desconstruir a imagem da “cobra de vidro”, o leitor, ao ter

contato com ela, adquire nova visão sobre o que seria uma simples enseada. É

quase concreta a imagem da cobra de vidro. Com isso, ao vermos uma

enseada, já a veremos com outros olhos, não necessariamente como uma

“cobra de vidro”, mas com outras possibilidades imaginativas. O poema

desperta para novas imagens, assim como trabalha e desenvolve a nossa

imaginação e sensibilidade. Ele, então, pode despertar imagens apagadas e

tornar a palavra imprevisível:

Um grande verso pode ter grande influência na alma de uma língua. Ele desperta imagens apagadas. E ao mesmo tempo sanciona a imprevisibilidade da palavra. Tornar imprevisível a palavra não será uma aprendizagem de liberdade? Que encanto a imaginação poética encontra em zombar de censuras! (BACHELARD, 1993, p.11)

Como observamos, um poema, além de despertar para o sensível, pode nos

trazer novas imagens a partir do trabalho com a linguagem. Esta é uma das

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funções da poesia: tirar a palavra do seu lugar-comum e, como afirma

Bachelard, “zombar de censuras”. Observemos outro poema de Manoel de

Barros (2010, p.263)

Não tenho bens de acontecimentos. O que não sei fazer desconto nas palavras. Entesouro frases. Por exemplo: - Imagens são palavras que nos faltaram. - Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem. - Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser. Ai frases de pensar! Pensar é uma pedreira. Estou sendo. Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo) Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos. Outras de palavras. Poetas e tontos se compõem com palavras.

O poeta “entesoura” as frases e coloca três pontos sobre as imagens: “são

palavras que nos faltaram”, “poesia é a ocupação da palavra pela imagem” e

“poesia é a ocupação da imagem pelo ser”. Estes versos são abertos para

diversos sentidos, mas nos apontam para a questão de que as imagens são,

antes de qualquer definição, a essência da poesia, na qual as palavras cedem

lugar às imagens e estas ao ser. Também podemos destacar outra frase de

Manoel de Barros (2012, p.358): “Os jardins se borboletam.”, que é diferente de

dizer: “Os jardins têm borboletas”. A primeira afirmativa engrandece os jardins,

coloca magia no ambiente e oferece sensações diversas. O trabalho com as

palavras gera imagens ricas de sentidos, trazendo novas percepções.

Manoel de Barros é um poeta que explicita a questão das imagens na

poesia como fator essencial. Em uma de suas entrevistas, quando o jornalista

lhe pergunta “quem é o verdadeiro Manoel de Barros?”, ele responde:

[...] somos dois. Um é biológico, outro é letral. Ambos somos verdadeiros. Um é de sangue. Outro é de palavras. O de sangue é comum: come, bebe água e até quebra copos. O ser letral gosta de fazer imagens pra confundir as palavras. E gosta de usar palavras pra destroncar as imagens. Tipo assim: eu vi um passarinho pousado no muro da tarde. As palavras servem para me enganar e para enganar os outros. Quem escreve sobre si mesmo procura sua própria glória, disse Cristo. Eu procuro. Não sei me pular. (2009)

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Percebe-se que, na poesia, as imagens estão intimamente ligadas às palavras.

O poeta inventa imagens para confundir as palavras, mas também as usa para

“destroncar” as imagens. Ou seja, ao mesmo tempo em que o poeta

desconstrói imagens pré-estabelecidas, ele confunde as palavras com novas

imagens. Quando ele nos oferece o exemplo, “eu vi um passarinho pousado no

muro da tarde”, o trabalho com imagens e palavras fica evidente. Afinal, não é

um passarinho sentado num muro no período da tarde, mas ele sentado no

“muro da tarde”. A preposição “da” coloca a tarde como possuidora do muro,

como algo que determina as condições do muro. Esse verso surpreende o

leitor pois, como afirma o poeta, o engana. Ele é inesperado, nos desloca do

comum e estimula nossa imaginação a produzir novas imagens. É também

interessante notar a concretude e autonomia com que Manoel de Barros trata

as palavras, ele se refere a elas como seres independentes, aptos às

transformações.

Em outra entrevista, Manoel de Barros afirma que é o transver que forma

a imagem poética e não o ver:

Temos de desver a natureza para inventar outra. Assim, hoje eu vi uma garça com olhar de oceano. Por tudo isso e por isso que o poeta tem que se conformar que é um tonto ou um parvo! Por fim: o que forma a imagem poética não é O ver, mas o transver. (2012)

É preciso ver além dos limites da visão, colocar a nossa imaginação em cena.

Além disso, o poeta afirma que é necessário “desver” a natureza, ou seja,

temos que limpar a nossa mente dos conhecimentos pré-estabelecidos e

olharmos com olhos inocentes, inventando novas formas de olhar e ver “uma

garça com olhar de oceano”.

Com as questões sobre imagem, podemos notar que a experiência

estética nas artes está intimamente ligada à faculdade da imaginação, sendo

também ela o ponto inicial para o sentimento sublime. Na leitura de um poema,

a nossa imaginação é despertada, podendo nos trazer sensações e quebrar

com a necessidade da formação imagética. Os teóricos acima trabalham com a

formação de imagens como obras, já no sentimento sublime, vimos que há um

fracasso por parte da faculdade da imaginação para compreensão de um

fenômeno. Porém, mesmo com a falha da imaginação no sublime,

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consideramos que um poema, ao nos incitar à formação de imagens, pode nos

conduzir a sentimentos mais elevados, como o do sublime. Ou seja, nós

também podemos fracassar ao tentar formar imagens poéticas e, com isso,

pedir auxílio à razão para compreensão do fenômeno. Assim, sendo o sublime

um sentimento subjetivo, cada pessoa pode ou não formar imagens, pode ou

não desenvolver o sublime.

Vimos, no primeiro capítulo, que Burke (2013) já falava que as palavras

não precisam, necessariamente, formar imagens e que a poesia perderia muito

do efeito se as imagens fossem incitadas sempre. Fator que contrapõe as

teorias que vimos sobre imagem. O efeito da poesia, segundo o filósofo, está

mais relacionado ao som e a afecção da alma do que às imagens, o que nos

conduz ao sublime. Manoel de Barros nos envolve numa linguagem propensa a

produzir novos sentidos e despertar o desconhecido. A forma como ele

reconstrói a natureza é intensa, focalizando os seres mais ínfimos e os

detalhes, que muitas vezes passam despercebidos, para elevá-los e nos fazer

sentir de forma inesperada. Como afirma Joseph Addison (2002, p.73), quando

se refere ao potencial das palavras de criar ideias vivas:

[...] o poeta parece levar a melhor sobre a natureza; ele imita-a, de facto, na descrição de uma paisagem, mas dá-lhe toques mais vigorosos, realça a sua beleza e anima de tal modo todo o passo que as imagens que fluem dos próprios objectos parecem frouxas e desmaiadas em comparação com as que recebemos das expressões verbais.

Nos poemas de Manoel de Barros, a nossa imaginação é incitada a

produzir imagens, o que pode causar, muitas vezes, a sensação de fracasso.

Afinal, nem sempre a nossa faculdade da imaginação obtém sucesso na

produção das imagens poéticas. Como afirma Lyotard (1993, p.56):

O que desperta o “sentimento do espírito, o Geistesgefühl” que é o sentimento sublime, não é a natureza, artista em formas e obra das formas, mas a grandeza, a forma, a quantidade em estado puro, uma “presença” que excede o que o pensamento imaginante pode apreender, de um só golpe, numa forma – o que ela pode formar.

Considerando que o pensamento imaginante não pode apreender a “presença”,

como afirma Lyotard, o sublime está configurado no disforme, num objeto que

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não traz uma imagem concreta, fazendo com que a nossa faculdade da

imaginação entre em colapso e conduzindo-a a pedir auxílio à razão. Fator que

faz com que tenhamos a sensação de deleite, pois percebemos que temos a

capacidade de nos equipararmos ao fenômeno onipotente para nossa

imaginação.

Com essas observações, vejamos outro poema de Manoel de Barros

(2013a, p.32):

Uma chuva é íntima Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas; Se aparecem besouros nas folhagens; Se as lagartixas se fixam nos espelhos; Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores; E o escuro se umedeça em nosso corpo.

Podemos nos questionar se o sublime pode ser encontrado também numa

poesia que fala sobre moscas, besouros, lagartixas e cigarras, ao mesmo

tempo em que coloca características-outras para esses seres: “as cigarras se

perdem de amor pelas árvores”. Podemos ainda investigar se a forma de

construção poética de Manoel de Barros, com suas desconstruções sintáticas,

poderia trazer um sentimento sublime. Afinal, o verso “o escuro se umedeça

em nosso corpo” não seria uma obscuridade, um mistério à imaginação? Além

disso, o poema mostra uma intensificação dos fenômenos naturais, trazendo-

os para o nosso íntimo, até fazer parte do nosso próprio corpo. O poeta possui

a capacidade de ir a fundo no que é ínfimo, no caso, a umidade da chuva, e

elevá-la a fenômenos grandiosos, mexendo com todos os nosso sentidos e

com nossa imaginação.

Joseph Addison nos explica que a imaginação gosta de formar imagens

concretas, mas também de ser desafiada por imagens que vão além de sua

capacidade, fator que gera prazer:

A nossa imaginação gosta de ser preenchida por um objecto, tal como gosta de abarcar algo que seja demasiado grande para a sua capacidade. Perante tais visões majestosas, mergulhamos num assombro aprazível, sentimos uma quietude deleitosa e um encantamento na alma. (ADDISON, 2002, p.49)

Assim, as imagens poéticas possuem o potencial para o sublime a partir do

momento em que fazem a nossa faculdade de imaginação entrar em colapso,

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em que nos trazem imagens insólitas, as quais também geram prazer, como no

poema acima, que não forma uma cena concreta, mas estimula a nossa

imaginação a novas possibilidades imaginativas. Essas questões também

tornam claro o motivo pelo qual o sentimento que o sublime gera ser chamado

de “prazer negativo”, afinal, é um sentimento gerado pelo desprazer da

incapacidade de formar imagens, pela confusão das nossas faculdades diante

do fenômeno, como afirma Kant:

[...] o sentimento do sublime é um prazer que surge só indiretamente, ou seja, ele é produzido pelo sentimento de uma momentânea inibição das forças vitais e pela efusão imediatamente consecutiva e tanto mais forte das mesmas [...]. (2012, p.89)

Em “Ensaio sobre “Maçã”, Davi Arrigucci (1990) retoma a expressão

usada por Lessing, “pintura na poesia”, a qual é composta por “partes que se

encaixam” e formam um todo final. Este todo, segundo Arrigucci, é o momento

da “iluminação”, em que as imagens produzidas na frase, ou parte do poema,

se conjugam. Um poema oferece movimento aos olhos do leitor, o qual incita a

imaginação. A sensação de alumbramento, segundo Arrigucci (1990, p.24) é o

foco de interpretação, é quando a “poesia dá a ver”. Assim, podemos relacionar

o alumbramento com o sublime, pois ambos são sentimentos estéticos que

podem surgir quando o leitor ordena as ideias de um poema, elevando as

faculdades. Observemos Manoel de Barros (2013b, p.25):

Eu bem sabia que a nossa visão é um ato poético do olhar. Assim aquele dia eu vi a tarde desaberta nas margens do rio. Como um pássaro desaberto em cima de uma pedra na beira do rio. Depois eu quisera também que a minha palavra fosse desaberta na margem do rio. Eu queria mesmo que as minhas palavras fizessem parte do chão como os lagartos fazem. Eu queria que minhas palavras de joelhos no chão pudessem ouvir as origens da terra.

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Neste poema, a palavra “desaberta” desautomatiza a nossa percepção e

possibilita novos significados, assim como novas formações de imagens. Ela

sugere a comunhão com a terra num movimento de fechamento do poeta com

o ambiente natural, tornando-se uma coisa só. Quando o poeta coloca que a

“nossa visão é um ato poético do olhar”, já aponta para atuação da imaginação

diante do cenário, no qual a tarde aparece “desaberta nas margens do rio”. Ele

vai nos incitando às imagens e penetrando gradualmente no ambiente de

desejo: a comunhão com a terra. O poeta necessita fundir-se a ela, deseja que

sua própria palavra fique “desaberta na margem do rio”, ou seja, que ela se una

com o rio e possa falar a sua linguagem. O leitor, então, é conduzido a esse

movimento de comunhão, possibilitando a sensação de alumbramento, assim

como o sentimento do sublime. É como se o poeta o chamasse para vivenciar

uma nova linguagem, na qual as palavras ficam de joelhos e podem ouvir as

origens da terra. Manoel de Barros desperta novos cenários numa linguagem

instigante, que atiça a imaginação. Esta vai em busca das imagens, mas

muitas vezes o que temos é um vazio, o qual, ao mesmo tempo em que

procura significações, é preenchido pelas sensações despertadas com a leitura

do poema.

Observamos no poema de Manoel de Barros a necessidade do contato

com a natureza de uma forma muito intensa, afinal, ele não deseja somente a

aproximação com ambiente natural, mas a fusão nele. Esta fusão aponta para

a mudança da estetização da natureza e as repercussões da estética sublime

na forma poética do cenário natural. Com isso, podemos afirmar que a leitura

de um poema incita a nossa imaginação, mas não necessariamente produz

imagens. Para estas reflexões, unimos a questão da imagem na estética do

sublime e as teorias sobre imagem poética, trabalhadas nesse capítulo.

As imagens podem aparecer para nós, na maior parte das vezes,

insólitas e inexplicáveis, ficando concentradas mais no campo dos sentidos do

que numa visão de um objeto concreto. Por outro lado, o poeta pode construir

cenários imagéticos tão reais quanto o mundo empírico, também nos trazendo

sensações diversas, mas não nos conduzindo ao sublime. Com Manoel de

Barros, podemos ter o deleite por meio do despertar da nossa imaginação,

seguido de fortes sentimentos. É importante ressaltar que o sublime está na

disposição de ânimo do sujeito, ou seja, está somente em nossas ideias, como

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vimos no primeiro capítulo. Todas essas questões serão ainda trabalhadas no

a seguir, com foco na poesia de Manoel de Barros.

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4. O sublime na natureza em Manoel de Barros

Nos capítulos anteriores, vimos que a imaginação é inseparável da

questão estética, na qual observamos o poder de uma produção artística incitar

imagens, criando diferentes sensações. O poder de um sentimento estético é

maior do que qualquer explicação conceitual sobre uma obra, assim, ao

trabalharmos com ideias estéticas, entramos no âmbito do sentimento, como

afirma Lebrun:

Enquanto for animada por uma Idéia estética, a representação nunca será dominada conceitualmente: é portanto impossível que um comentário ou uma explicação técnica dêem conta do impacto que a obra produz em mim. (2006, p.329)

Com isso, podemos pensar se é possível os poemas de Manoel de Barros,

com seus cenários insólitos, desconstruções gramaticais, imagens abstratas

etc, gerarem o sentimento sublime a partir do estímulo da faculdade da

imaginação.

Vimos que o período romântico foi marcado pelo conceito de

transcendência, cuja relação se estabelece diretamente com a valorização do

Eu, com foco na interioridade; pelo olhar-se para si; e pela espiritualização do

mundo sensível. O olhar para a natureza não era mais um olhar empírico, mas

um olhar espiritual, o qual transformava tanto o homem, quanto a própria

natureza. Além disso, houve a secularização da igreja católica, gerando

questionamentos espirituais e existenciais. Com ela, temos a transposição do

divino para a natureza bruta, pois, segundo Weiskel, esta era dotada de

imensidão, relacionando-se, assim, com a Divindade:

O primeiro passo, no século XVII, foi a identificação dos atributos tradicionais da Divindade – infinitude, imensidão, coexistência – com a vastidão do espaço recém-descoberto por uma astronomia emergente. As emoções tradicionalmente religiosas foram deslocadas da Divindade e associaram-se primeiro à imensidão do espaço e, segundo, aos fenômenos naturais (oceanos, montanhas) que pareciam aproximar-se daquela imensidão. Logo, um sentido de divindade era difundido por todos os grandiosos aspectos da natureza. O resultado mental foi o de promover enormemente o prestígio da imaginação sensível como faculdade que mediava a presença divina sentida de forma imanente na natureza, ou ao menos passível de ser evocada pelo aspecto grandioso da natureza.

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Na verdade, a imaginação tornava-se o guia e o recurso mais adequado ao senso moral. (1994, p.31)

Observa-se, novamente, o destaque à imaginação, à interioridade do ser

humano e uma espécie de fuga para o ambiente natural, este propício ao

contato com o divino e com o seu próprio Eu. Diante disso, notamos um ser

humano em crise diante das transformações do século XIX, que, ao buscar o

contato com a natureza, reflete as repercussões das mudanças desses

séculos.

A filosofia romântica possuía, então, como foco a relação estética do

homem com a natureza, na qual se buscava o suprassensível, relacionado à

compreensão de mundo e do próprio Eu, ambos em transformação. O sublime

de Kant foi o que mais influenciou as artes do período, sendo que, após a

publicação de “Crítica da faculdade do juízo”, a questão sublime tornou-se um

ponto central para a discussão estética, o que fez surgir novas teorias, como a

de Schiller, o qual faz uma releitura do sublime kantiano, integrando-o às artes.

Essas questões do movimento romântico são importantes para pensarmos na

produção de Manoel de Barros, pois perpassam nos tempos atuais, como

exemplo, a transformação da natureza em paisagem e sua contemplação.

A transformação do olhar humano sobre o cenário natural e a influência

que o romantismo exerce sobre a nossa visão contemporânea também

repercutem na transformação da estética sublime na contemporaneidade,

fazendo-nos questionar a relação das artes atuais com essa estética. Segundo

Weiskel, perdemos a obsessão romântica por espaços infinitos naturais, os

quais poderiam interligar os seres humanos com o espiritual e despertar o

sentimento sublime: “Os espaços infinitos não mais são assombrosos; ainda

menos nos atemorizam. Excitam a nossa curiosidade; no entanto, perdemos a

obsessão, tão fundamental ao sublime romântico, da infinitude natural.” (1994,

p.21). Além disso, as obras de arte modernas, do começo do século XX, nos

convidam a uma percepção ativa diante da produção, em que o

leitor/espectador necessita analisar suas sensações e sentimentos diante do

desconhecido e gerar formas de compreensão, como afirma Lebrun:

A obra de arte [...] não convidava mais o seu receptor a sonhar com base nela, mas a analisar a sua percepção a partir das

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indicações que ela lhe oferecia. Assim, o olho, que aprendera somente a ser espectador passivo, achava-se em presença de uma arte cujo objetivo não era mais mostrar o mundo, porém balizar a minha construção do mundo. O olho fora educado para olhar, e propunham-lhe que escutasse. (2006, p.338)

Na contemporaneidade, também podemos notar que os “moldes” da

poética clássica, do belo artístico, já não estão presentes nas composições,

sendo estas transformações repercussões da estética sublime. Afinal, a

produção poética, hoje, busca composições surpreendentes, inusitadas, a partir

do trabalho com a palavra. Vejamos um poema do Manoel de Barros (2013a,

p.29):

Gravata de urubu não tem cor. Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce. Luar em cima de casa exorta cachorro. Em perna de mosca salobra as águas cristalizam. Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes. Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina. No osso da fala dos loucos há lírios.

Podemos formar imagens harmônicas com a leitura deste poema? Sabemos

que sentimos algo novo a partir das combinações que o poeta oferece,

despertando a imaginação e a fazendo entrar em colapso com tantas

construções inusitadas. Manoel de Barros quebra com a automatização

sintática da língua e oferece novas estruturas, como “gravata de urubu”, o

verbo “ocupar” para “asas”, o verbo “lamber” para “palavras” etc. Portanto,

vemos as transformações de sentidos e significados que, mesmo

indiretamente, são repercussões do século XIX, com o desenvolvimento e

concretização teórica da estética sublime. Afinal, esta permitiu que os artistas

propusessem novas formas artísticas, cujo foco está no inusitado, no

surpreendente, não mais na harmonia. Com as vanguardas, vimos que as

artes, também influenciadas pelo sublime, voltam-se para a sensação diante de

uma obra, fator também presente na poesia contemporânea. Essas questões

nos guiam a uma reflexão mais profunda sobre as relações da estética sublime

com as artes contemporâneas, principalmente no que diz respeito à estetização

da natureza.

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Como vimos, os artistas do século XX, ao trabalharem com a natureza,

não mais a relacionam aos aspectos místico e espiritual como os românticos o

faziam. Porém, ainda podemos estabelecer relações com esse período no que

diz respeito a uma busca pelo Eu e pela natureza como paisagem e

experiência estética. Com isso, podemos pensar sobre uma estética sublime

nas produções contemporâneas, afinal, se temos influências românticas em

nossas produções contemporâneas, a estética sublime também repercute,

mesmo que indiretamente. A poesia de Manoel de Barros nos sugere uma

releitura do espaço natural, vejamos (2013b, p.31):

Eu queria fazer parte das árvores como os pássaros fazem. Eu queria fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Eu só não queria significar. Porque significar limita a imaginação. E com pouca imaginação eu não poderia fazer parte de uma árvore. Como os pássaros fazem. Então a razão me falou: o homem não pode fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Porque o homem não se transfigura senão pelas palavras. E isso era mesmo.

Observamos, neste poema, uma nova abordagem da natureza, em que a

relação estabelecida entre homem e ambiente natural é de uma fusão. É um

homem que sente necessidade não somente de pertencer à natureza, de

estabelecer trocas, mas de ser ela própria. Ele deseja “não significar”, pois

“significar” limita a imaginação e sem ela é impossível fazer parte de uma

árvore. Para Manoel de Barros, são as palavras que permitem imaginar e se

transfigurar e, assim, entrar em comunhão com o ambiente natural. Com a arte,

ele é livre para ser o que quiser, pois ela é aberta às inúmeras possibilidades

significativas por meio do trabalho com a imaginação. Quando significamos

algo, não podemos ir além da nossa condição, caso contrário, podemos nos

transformar no que quisermos.

Também observamos, no poema, o contraponto entre imaginação e

razão, tendo como intermediário o verbo “significar”, o qual está próximo à

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razão ao mesmo tempo em que limita a imaginação. No universo imaginário,

esse verbo não é usual pois quebra com as possibilidades infinitas de sentidos,

já na razão, “significar” estabelece a base dos sentidos. Ao tratarmos de

poesia, o significado de um poema também não é relevante, pois o foco são os

sentidos. Não podemos afirmar que o poeta “quis dizer isso”, pois ele não quer

dizer nada. Assim como no sentimento sublime, o trabalho poético também é

centrado no contraponto entre razão e imaginação, pois o que permite ao

homem se transfigurar é o trabalho com as palavras, atingindo o ilimitado

universo imaginário, distante da finitude da razão, como nos mostra Manoel de

Barros. É importante ressaltar que, nos sentimentos estéticos, a imaginação

não atua na concretização de uma imagem, mas a transforma todo o tempo e

faz com que olhemos para ela própria, ou seja, que a sentido da imagem seja a

própria imagem: “A imaginação não signifca, aqui, que a pessoa coloca

qualquer coisa em imagem. Mas ela significa: a imagem se formando, não

como figura de outra coisa, mas como forma se formando [...]” (NANCY, 1988,

p.43, tradução nossa).9 Por essa razão que o sentimento sublime se dá com o

“livre jogo” da imaginação.

Na poesia de Manoel de Barros há o trabalho intenso com as palavras,

ele refaz o mundo empírico ao mesmo tempo em que intensifica o universo

imaginário. Como ele mesmo afirma (2013a, p.42):

O sentido normal das palavras não faz bem ao poema. Há que se dar um gosto incasto aos termos. Haver com eles um relacionamento voluptoso. Talvez corrompê-los até a quimera. Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los. Não existir mais rei nem regências. Uma certa liberdade com a luxúria convém.

O poeta altera a lógica sintática e semântica das estruturas linguísticas e,

assim, cria uma lógica própria, única. Em sua poética, observa-se o desejo de

retorno ao estado inicial das palavras, livre de significados fechados, em busca

da amplitude semântica. Em entrevista, o poeta afirma que gosta da linguagem

das crianças, pois ainda não está presa a estruturas formais, elas “usam” as

palavras em sua liberdade e trabalham intensamente com a imaginação,

9 “L’imagination ne signifie pas ici le sujet qui met quelque chose en image. Mais elle signifie:

l’image s’imageant, non comme figure d’autre chose, mais comme forme se formant [...]”

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criando “desconstruções” gramaticais: “Eu moro na raiz das palavras. Eu acho

que infância é a raiz das palavras. Minhas palavras há de aparecer misturadas

ao tronco, às folhas e às flores. A infância seria então minhas raízes.”

(BARROS, 2012). Na linguagem infantil, as palavras possuem sua liberdade

característica, livres de significados fixos e fechados, estes presentes na

linguagem adulta. As crianças fazem construções lúdicas inusitadas que

trazem magia ao mundo empírico, despertam o onírico e nos fazem sentir em

essência:

[...] iluminado pela luz da linguagem infantil, o signo reassume sua dimensão múltipla, plural. Os signos se abrem e revelam a poesia da descoberta, do devaneio. Em Manoel de Barros, a linguagem é minuciosamente perscrutada e remanejada, de forma a causar um sublime estado de estranhamento em seus leitores. A magia da linguagem infantil na obra de Barros demonstra que o entendimento do mundo não se dá somente por meio de conceitos e informações logicamente organizados pelos adultos, demonstra que o conhecimento pode se dar em forma de experimentações linguísticas lúdicas e oníricas, tal como ocorre com as crianças. (MARINHO, 2009, p.25)

Manoel de Barros constrói uma realidade própria que não faz referência

ao mundo empírico, vale por si mesma, mostrando-nos que existem outras

possibilidades de linguagem, as quais fogem da rotina de significados fechados

e, dessa forma, abrem os horizontes e estimulam a faculdade da imaginação.

O poeta consegue desconstruir para construir um universo próprio, que foge do

senso-comum. Ele atrai os olhares para a própria palavra e não para o mundo

exterior a ela, como afirma Blanchot, ao se referir à palavra poética:

[...] ela própria se torna uma coisa, um corpo, uma potência encarnada. Presença real e afirmação material da linguagem lhe dão o poder de suspender e despedir o mundo. (1997, p.43)

Com o poder de “suspender e despedir” o mundo, o poeta exercita nossa

capacidade imaginativa, o que pode resultar, como anteriormente afirmado,

num vazio, pois o estranhamento dos cenários é presente, fator que reflete o

livre jogo da imaginação. Este vazio traz a sensação da falha na produção de

imagens, ao mesmo tempo em que nos enriquece de sensações, ampliando a

nossa visão de mundo, como Manoel de Barros afirma (2013b, p.11): “A gente

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não gostava de explicar as imagens porque explicar afasta as falas da

imaginação.” A imagem, em estética, não é uma imagem representativa do

objeto, ela é a “forma se formando”: “A imagem, aqui, não é a imagem

representativa, ou ainda ela não é o objeto. Ela não é a forma de outra coisa,

mas ela é a forma se formando [...]” (NANCY, 1988, p.43, tradução nossa).10

Assim, o poeta nos conduz ao tempo da abstração e permite que o sentimento

do sublime seja despertado, pois, ao mesmo tempo em que estimula a

imaginação, faz com que nossas faculdades busquem a compreensão do novo

universo sugerido, despertando a razão.

A forma como Manoel de Barros constrói seus cenários é a partir da

quebra com hierarquias entre seres humanos e natureza, como ele mesmo

afirma (2007): “você repara que meus versos, quase todos, ou são

humanização de uma coisa, de qualquer coisa, ou então a coisificação do

homem.” Essa característica também propicia a retirada do lugar-comum e o

estímulo à imaginação, pois transforma o mundo sensível, como podemos

observar nas frases: “Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra!” (BARROS,

2013b, p.9) / “Um dia chegou em casa árvore. Deitou-se na raiz do muro, do

mesmo jeito que um rio fizesse para estar encostado em alguma pedra.”

(BARROS, 2013a, p.10). Na primeira frase, observa-se o emprego de uma

característica própria dos seres humanos – ajoelhar – para formigas, já na

segunda, a transformação do homem em elemento da natureza – árvore. Como

o poeta afirma (2013b, p.11), ele gosta de fazer “vadiações” com as palavras:

[...] A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais. Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram. A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste. A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala. Esses meninos faziam parte do arrebol como os passarinhos.

10

“Le Bild, ici, n’est pas l’image représentative, ou encore il n’est pas l’objet. Il n’est pas la mise-en-forme d’autre chose, mais il est la forme se formant [...]”

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Neste poema também se observam as inversões que nos trazem novos

universos e fazem com que pensemos nas “coisas” e nos “seres” de forma

diferenciada, estimulando construções inusitadas, que provocam

estranhamento, mas também alumbramento. As frases quebram com o senso-

comum, pois colocam características novas para as palavras, mostrando que

elas são livres para inúmeras combinações, com a possibilidade de “encostar

na tarde” como se fosse um poste e os meninos fazerem parte do arrebol, tal

como os passarinhos.

Com as questões levantadas sobre a poética de Manoel de Barros,

observamos um aspecto essencial: o estranhamento seguido do

alumbramento. No primeiro contato com a obra, as inversões gramaticais, os

cenários insólitos, as imagens abstratas, a coisificação do homem e a

humanização das coisas causam um colapso na imaginação do leitor, fator que

gera um “sublime estado de estranhamento”, como afirma Marinho (2009,

p.25). Porém, após o primeiro contato com o novo universo, o leitor se depara

com a magia da escrita: novos universos são verdadeiras obras, ampliam a

nossa visão de mundo e trazem sensações, talvez nunca sentidas: é o

momento do alumbramento, como o poeta afirma (2013b, p.22): “Eu gosto do

absurdo divino das imagens.” Suas imagens são “absurdos divinos” pois

causam, ao mesmo tempo, estranheza e maravilhamento. Podemos afirmar,

então, que o sublime em Manoel de Barros possui suas bases nesse aspecto

essencial, causado pela capacidade artística que o poeta tem de intensificar os

cenários ínfimos, elevando-os à grandiosidade e, assim, trazendo-nos

sentimentos estéticos ligados ao arrebatamento e não à harmonia do belo

artístico. O sublime, em Manoel de Barros, é relacionado ao ilimitado, ao que

distende os limites da nossa experiência cotidiana, fazendo com que a

imaginação transborde: “A imaginação transborda, eis o sublime.” (NANCY,

1988, p.58, tradução nossa).11 Esses fatores tornam a obra de Manoel de

Barros única, assim como refletem a transformação da estética sublime do

século XIX para a contemporaneidade.

Para melhor pensarmos sobre o sublime, vejamos dois autores que

trabalham com o sentimento na poesia: Arrigucci e Weiskel. Arrigucci (1990)

11

“L’imagination se déborde, violà le sublime.”

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nos traz o “sublime oculto”, o qual está relacionado ao alumbramento, ao

momento em que a poesia “dá a ver”. A construção poética sugere cenários

insólitos que, após o contato inicial, trazem o seu próprio sentido, revelando o

oculto. Segundo Arrigucci, nos objetos mais simples ou mais irrelevantes, o

sublime pode ser despertado: “[...] os objetos humildemente cotidianos podem

trazer consigo o sublime, do mesmo modo que os mais altos mistérios podem

habitar as palavras mais singelas [...].” (1990, p.38). Como vimos, na poesia de

Manoel de Barros encontramos lugares e seres ínfimos que se tornam

grandiosos devido a sua poética rica e sua capacidade de intensificação dos

cenários, o que pode conduzir ao sentimento sublime, ao que também

podemos chamar de sublime oculto da poesia. O poeta nos conduz à sensação

de alumbramento, sendo este o momento em que nossas faculdades ordenam

a confusão instalada na imaginação e trazem o prazer negativo do sublime, o

alumbramento ou, como afirma Burke, o deleite.

Weiskel (1994) trabalha com o “sublime do leitor”. Ele afirma que esse

sublime é o metafórico, pois o leitor, diante da ausência de sentido no texto,

busca compreensão por substituição: “De certa forma, todos os trabalhos de

literatura que nos provocam pelo pensamento vão participar, mesmo que

momentaneamente, do sublime “do leitor”.” (1994, p.48). Destacamos esta

parte, pois diz respeito a nossa discussão sobre o sublime relacionado ao

estímulo às imagens, juntamente com diferentes sensações, que muitas vezes

são impensáveis. Afinal, “provocar pelo pensamento” também se relaciona ao

despertar para a questão imagética, como afirma Kant:

O poeta [...] promete pouco e anuncia um simples jogo de ideias, porém realiza algo que é digno de um ofício, ou seja, proporcionar ludicamente alimento para o entendimento e mediante a faculdade da imaginação dar vida a seus conceitos [...]. (2012, p.180)

Observamos, tanto em Arrigucci, quanto em Weiskel, uma transposição do

sublime romântico para a contemporaneidade, agora estimulado por poéticas

que instigam a investigação de sentidos por meio das imagens, como vemos

em Manoel de Barros.

O sublime na natureza, na poesia de Manoel de Barros, está ligado ao

estímulo do imaginário, no momento do estranhamento, e à busca da razão

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para se compreender o fenômeno, o que gera o alumbramento. Esta

característica do sublime possui suas bases na filosofia romântica de Kant,

Burke e Schiller, porém, é importante considerar que os cenários naturais são

distintos, trazendo o sentimento de forma diferenciada. Afinal, vimos que a

natureza de Manoel de Barros não é grandiosa, mas têm suas bases na

intensificação do ínfimo, ou seja, na elevação do que é banal à grandiosidade,

transformando universos. Vejamos mais uma vez Manoel de Barros (2013b,

p.21):

Eu queria ser banhado por um rio como um sítio é. Como as árvores são. Como as pedras são. Eu fosse inventado de ter uma garça e outros pássaros em minhas árvores. Eu fosse inventado como as pedrinhas e as rãs em minhas areias. Eu escorresse desembestado sobre as grotas e pelos cerrados como os rios. Sem conhecer nem os rumos como os andarilhos. Livre, livre é quem não tem rumo.

Neste poema, observamos novamente a fusão entre homem e natureza. O

homem necessita vivenciar com tanta intensidade o ambiente natural que

deseja ser a própria natureza. Ele quer a experiência de ser banhado por um

rio, fluente, sem limitações; de ser uma árvore com suas garças, aberta a todos

que quiserem habitá-la; de ser areia com pedrinhas e rãs; e não conhecer os

rumos, traçando o caminho no ato de caminhar. Não temos mais separação

entre homem e ambiente natural, eles são um só. Manoel de Barros trabalha

com a nossa imaginação ao trazer nova visão sobre o ambiente, nos colocando

para vivenciar a sensação de ser um rio, de ser areia e, a partir disso, conhecer

melhor a natureza com os olhos dela própria e não com o olhar dos homens.

Observa-se, de certa forma, repercussões da natureza romântica na obra de

Barros, afinal, a questão de ela ser um organismo vivo ainda é muito presente.

Porém, encontramos no romantismo a distinção entre homem e natureza, como

dois corpos separados, o que não ocorre na poesia de Barros, pois eles se

unem, fazendo parte de um mesmo universo. Fator que nos traz sentimentos

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estéticos intensos e diferenciados da época romântica, pois estabelece

relações distintas com o cenário.

A estética sublime faz parte dessa nova relação com o ambiente natural

também quando o poeta se transfigura para vivenciar o cenário, trabalhando

intensamente com a nossa imaginação e despertando para novos sentidos.

Manoel de Barros, ao transformar o homem na própria natureza e vice-versa,

faz com que o leitor vivencie novas experiências estéticas, as quais, mesmo

que indiretamente, repercutem a filosofia do sublime na natureza. Afinal, a

intensidade da estética ainda é presente, com poemas que abrem para

experiências que confundem o leitor, pois ao mesmo tempo em que o repelem,

o hipnotizam. Diante da obra de Manoel de Barros, não se encontra uma

harmonia, o leitor não fica em paz; o que encontramos é uma estética que

mexe com os nossos sentidos e sentimentos, colocando-nos diante de um

turbilhão de sensações. Sua poesia trabalha intensamente com a nossa

faculdade da imaginação, colocando-a em liberdade, como já apontado por

Kant sobre a arte da poesia:

Entre todas as artes, a poesia [...] ocupa a posição mais alta. Ela alarga o ânimo pelo fato de ela pôr em liberdade a faculdade da imaginação e de oferecer, dentro dos limites de um conceito dado sob a multiplicidade ilimitada de formas possíveis concordantes com ele aquela que conecta a sua apresentação com uma profusão de pensamentos, à qual nenhuma expressão linguística é inteiramente adequada, e, portanto, elevar-se esteticamente a ideias. (2012, p.183)

Com diferentes abordagens do sublime, desde Kant até as mais

contemporâneas, podemos perceber que o essencial dessa estética não

mudou e que, principalmente, o sublime foi e ainda é muito discutido a fim de

maior compreensão das artes. Adorno é outro teórico que trabalha com a

questão do sublime nas artes contemporâneas, nas quais encontramos uma

espécie de “fuga para o sublime”:

Quanto mais densamente a realidade empírica se fecha contra ele, mais a arte se concentra no momento sublime. Suavemente entendido, depois do colapso da beleza formal, a modernidade sempre contou, dentre as idéias estéticas tradicionais, apenas com ele. (ADORNO apud DUARTE, 2008, p.29)

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Vimos, com Lyotard, as artes de vanguarda trazendo não somente uma

composição inovadora, mas também uma nova relação com o espectador, fator

que reflete nas produções do século XXI. A sublimidade tornou-se um propósito

de criação, “como aquilo que [...] distingue a arte dos construtos estéticos

destinados ao entretenimento [...]. O sublime se firma como uma espécie

antítese ao que é banal [...]” (DUARTE, 2008, p.29). Na contemporaneidade,

podemos observar que a poesia trabalha enfaticamente com a imaginação do

leitor, tornando-se cada vez mais abstrata. O despertar das sensações se deu

não só com a teorização estética, mas, especialmente, com a estética do

sublime. Com essas questões, observemos mais um poema do Manoel de

Barros (2013b, p.30):

Naquele dia eu estava um rio. O próprio. Achei em minhas areias uma concha. A concha trazia clamores do rio. Mas o que eu queria mesmo era de me aperfeiçoar quanto um rio. Queria que os passarinhos do lugar escolhessem minhas margens para pousar. E escolhessem minhas árvores para cantar. Eu queria aprender a harmonia dos gorjeios.

Neste poema, observa-se o poeta transfigurado em natureza e mesmo em rio.

Mas seu desejo de integração é maior: ele quer aperfeiçoar-se em rio. O

primeiro verso do poema já surpreende o leitor: ele “estava um rio”; é como se

as águas passassem por seu corpo, transformando-o em estado líquido. O

leitor sente a transfiguração que o torna íntimo da natureza. Lendo os poemas

de Manoel de Barros, observamos que o poeta deseja não somente

compreender e contemplar a natureza, mas pensar e viver como se fosse ela

própria, sentindo-a em profundidade. Assim, o trabalho com as sensações é

intenso. Manoel de Barros mostra a necessidade de penetrar nos interstícios

do ambiente natural e, com isso, também propõe uma nova poética da

natureza, influenciada pelo romantismo, mas diferente em sua representação.

Como se pode observar, no sublime na natureza, de Manoel de Barros,

o que está em jogo são as sensações e as imagens que o poema incita, as

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quais estimulam nossa imaginação a partir do trabalho com as palavras, com

suas desconstruções gramaticais, e construção dos cenários naturais, os quais

nos tiram do mundo empírico e nos levam para outros universos, que vão além

do sensível. É este movimento que traz vivacidade ao poema. Aqui, podemos

mais uma vez lembrar Octavio Paz, pois os poemas de Manoel de Barros

ressaltam a questão de que o ritmo é imagem. Sem ela, não encontramos

sentido na leitura. Seus poemas nos dizem algo que se torna intraduzível, não

tem explicações, eles são, como afirma Manoel de Barros, “uma visão que a

imaginação construiu.”

O estudo do sublime está, portanto, intimamente relacionado à questão

do estímulo da imaginação e à sensação estética. No caso da poética de

Manoel de Barros, o sentimento se dá com o deslocamento da sensação inicial

de estranhamento para o alumbramento. Desde o romantismo, uma obra de

arte é feita para gerar alguma sensação no leitor/espectador e com o

surgimento da estética do sublime, as sensações foram intensificadas e

passaram a ser motivo para estudos de arte. Vimos que a estética sublime

sofreu diversas alterações sob diferentes abordagens, mas percebemos que

sua essência, vinda do século XVIII para a contemporaneidade, continua a

mesma: sentimentos desarmônicos seguidos de uma sensação de

deleite/alumbramento diante de uma obra de arte. Mais do que um sentimento,

o sublime se tornou motivo para produção e discussões artísticas, pois trouxe

liberdade para pensar e produzir arte.

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Considerações Finais

Nesta dissertação, propusemos uma abordagem sobre o sublime na

natureza, como forma de enriquecer a leitura dos poemas do Manoel de

Barros, os quais nos motivam para pensar a estetização da natureza, além de

questões ligadas à imagem poética e ao sentimento sublime. A pesquisa em

dissertações e teses não resultou em estudos ligados a essa temática,

somente em aspectos relacionados à natureza. Fator este que ressalta a

relevância do estudo da estética do sublime, proporcionando novas leituras e

ampliando a área de conhecimento sobre a poética de Manoel de Barros.

Vimos que as imagens poéticas vão além da linguagem, sendo capazes

de dizer o indizível do verbal, por isso, são obras do poeta. Desta forma, o

sentido da imagem de um poema torna-se ela própria. Na poética de Manoel

de Barros, a desconstrução gramatical cria cenários que estimulam a faculdade

da imaginação, tornando-a livre para produzir o que quiser, proporcionando,

assim, experiências intensas e inesperadas. O poeta engana o leitor, tira-o do

lugar-comum e trabalha com sua imaginação, que colocada em liberdade,

transborda, gerando o sentimento sublime. Assim, as imagens poéticas

possuem potencial para o sublime a partir do momento em que estimulam a

faculdade da imaginação a produzir imagens insólitas. O sublime, então,

configura-se no disforme.

A transformação do olhar sobre a natureza repercute, por sua vez, na

estética do sublime, pois diante de cenários diferenciados, desperta

sentimentos estéticos distintos. Vimos que, nas obras do século XX-XXI, uma

percepção ativa do leitor/espectador é exigida como condição para a análise de

sentimentos e sensações. Este é um fator de distinção nas relações com o

século XIX, pois, apesar das aberturas artísticas e novas propostas de

produção, o foco se localizava na contemplação da obra. Essa questão

também muda nossa relação com o sentimento sublime, já que a construção

da obra não se dá somente pelo artista, mas principalmente pelo

leitor/observador. Em poesia, como afirma Manoel de Barros, o que permite ao

homem se transfigurar é a imaginação, sem ela não temos nenhum sentimento

estético e nenhuma obra produzida.

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Com a poesia de Manoel de Barros, nossa imaginação é estimulada a

formar imagens, sendo que estas não são concretas, mas “formas se

formando”, o tempo todo, o que pode dar a sensação de um vazio pelo fato da

faculdade da imaginação entrar em colapso. É importante ressaltar que esse

vazio não significa o nada, mas está ligado à falha na produção de imagens

concretas, o que faz com que a nossa imaginação se desloque do lugar-

comum e trabalhe com o disforme. Com isso, buscamos auxílio na razão para

compreender e ordenar os fenômenos excêntricos, que nos tiram da rotina.

O sublime, na poesia de Manoel de Barros, está relacionado ao

estranhamento seguido do alumbramento. O sentimento é resultado de um

trabalho intenso com as palavras, além de inversões gramaticais, retorno à

linguagem infantil, cenários insólitos, imagens abstratas, coisificação do

homem e humanização da coisa. Além disso, podemos afirmar que o ponto

central do sublime na natureza da poética de Manoel de Barros está na

intensificação dos cenários ínfimos, retratando-os em sua profundidade. O

poeta vai a fundo nos seres mais diminutos, que passam despercebidos e os

eleva à grandiosidade.

No Romantismo, a grandiosidade estava em montanhas enormes, em

cachoeiras esplêndidas e incomensuráveis, já na poética de Manoel de Barros,

nos deparamos com a grandiosidade em lesmas, caracóis, orvalhos,

passarinhos etc. Em Manoel de Barros, algo se passa entre homem e natureza

numa espécie de troca, o que faz com que ambos sejam iguais, sem

hierarquias. O homem enriquece o ambiente natural e vice-versa, é um corpo-

a-corpo, a coisificação do homem e a humanização da coisa. Com isso, como o

poeta afirma (2013b, p.11), ele “perturba os sentidos normais da fala” e traz

sentimentos novos para os leitores.

Nossa dissertação destacou que o essencial da estética sublime não

mudou, pois o sentimento ainda tem suas bases no contraponto entre

faculdade da imaginação e razão, em sentimentos desarmônicos que, após o

contato inicial, proporcionam o deleite/alumbramento, gerando o prazer

negativo. Afinal, é um prazer gerado pelo desprazer da falha da imaginação na

produção de imagens concretas. O que mudou, realmente, é a forma de

vermos o sentimento nas poéticas do nosso século, pois estamos diante de

contextos diferentes, o que também transforma a estética. O sentimento é

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abordado a partir de poéticas que propõem nova vivência dos cenários,

trabalhando com nossa imaginação e nos conduzindo a descobrir o quão livres

somos diante de ambientes que nos desafiam, pois, o homem, ao se dar conta

de que é capaz de ordenar um fenômeno que desafia suas faculdades, sente-

se em segurança e se vê livre para enfrentar o desconhecido. Por esta razão

que o sublime, como vimos com Schiller, diz respeito ao puro demônio que nos

habita, conduzindo-nos além do sensível e ampliando nossa faculdades e

sentimentos.

O sentimento sublime é ainda muito vivo nas obras de arte da nossa

contemporaneidade, influenciando não somente o sentir diante de uma

produção, mas também a forma artística, o modo como os artistas pensam a

sua composição, modificando, assim, as criações artísticas. Se hoje

encontramos composições tão exóticas e insólitas e os artistas com liberdade

para a criação, podemos afirmar que a causa é a força que a estética sublime

teve no século XIX, quebrando paradigmas artísticos e formas engessadas. O

sublime também modificou a relação do espectador/leitor com uma obra de

arte, pois ele exige um movimento ativo diante da produção e não somente a

contemplação. Assim, o leitor/espectador produz a obra de arte tanto quanto o

artista e este pode conduzi-lo, como vimos com Schiller, a “uma das mais

esplêndidas aptidões da natureza humana”: a capacidade de sentir do sublime.

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