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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luís Henrique São João Oliveira
A Ideia de Revolução Científica na Obra de John Desmond Bernal
MESTRADO EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA
SÃO PAULO
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luís Henrique São João Oliveira
A Ideia de Revolução Científica na Obra de John Desmond Bernal
MESTRADO EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em História da Ciência sob a
orientação da Profa. Dra. Maria Helena Roxo
Beltran.
SÃO PAULO
2017
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
___________________________________
___________________________________
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio
financeiro via bolsa de estudos (Modalidade CAPES-PROSUSP)
Agradecimentos
Agradeço a minha companheira, Beatriz, por toda sua solidariedade e,
principalmente, pela paciência. Aos familiares e amigos, que me ajudaram, direta ou
indiretamente, no desenvolvimento dessa pesquisa, em especial a Ana Flavia que me
apresentou à História da Ciência.
Aos meus colegas do mestrado que muito me ajudaram compartilhando saberes,
alegrias e angustias, em especial à Joana, Mariana, Raíssa e Selma. À Adriana e Leonardo pelas
revisões das traduções em inglês. À Sônia pelo seu minucioso trabalho de revisão.
Às Professoras Dra. Márcia H. M. Ferraz e Silvia Waisse que compartilharam muitos
de seus saberes sem os quais essa dissertação não seria possível. Ao Professor Dr. José Luiz
Goldfarb que tanto me ajudou para poder ingressar no programa, mas também com suas
ótimas aulas e debates e, ainda, junto do Professor Dr. Thomás Haddad contribuíram
enormemente para minha dissertação.
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES,
pela bolsa concedida.
À minha mãe, Neusa, e meu pai, Claudecir, e minha irmã, Aline, por toda a força que
me deram e os esforços que fizeram mesmo à distância e entenderem as ausências que foram
necessárias nesse último período.
À Profa. Dra. Maria Helena Roxo Beltran, a quem sou especialmente grato por tudo
que me ensinou, sua paciência, seu exemplo enquanto historiadora da ciência e educadora,
por toda a sua contribuição em cada parte desse trabalho.
Resumo
Esta dissertação aborda a ideia de Revolução Cientifica no pensamento de John
Desmond Bernal (1901-1971), destacado cientista britânico que desenvolveu estudos em
história da ciência baseado em concepções marxistas. O primeiro capítulo mostra a existência
de múltiplas possibilidades de abordagens historiográficas sobre a Revolução Cientifica, bem
como a concepção que Bernal elaborou e como ela está estabelecida dentro das visões de sua
época, os anos 1950 e 1960. O segundo capítulo focaliza a produção teórica de Bernal, sua
visão sobre ciência num período em que as discussões sobre o papel que o Estado deveria
cumprir na sociedade, bem como as responsabilidades sociais das instituições estavam na
ordem do dia. Trata, também, de suas perspectivas e seu papel naquele momento histórico,
desde a defesa de Bernal da União Soviética enquanto modelo social ideal para o
desenvolvimento da ciência e o marxismo enquanto o método para compreender o fazer
científico. Ainda, como suas posturas geraram um forte debate com intelectuais e cientistas
de sua época com diversas posições políticas diferentes em relação ao papel que a ciência
deveria cumprir e a partir de que princípios deveria ser estudada e posta em prática. O terceiro
capítulo trata em maior detalhe sobre a concepção de Revolução Científica expressa na obra
Ciência na História e suas relações com a ideia de produção na teoria de Marx. A primeira
parte deste capítulo analisa a importância dada por Bernal à ideia de produção em Marx para
desenvolver a seus estudos sobre história da ciência. A segunda parte aborda a tentativa de
Bernal de trazer um novo significado à Revolução Científica, como um momento especial no
qual as ciências naturais passam a não ser apenas determinadas pelos modos de produção
social, mas passam a ser uma força produtiva fundamental que possibilitaria mudanças no
campo social.
Palavras Chaves: História da Ciência, J. D. Bernal, Revolução Científica, Marxismo, Produção.
Abstract
This dissertation focuses on the idea of Scientific Revolution according to John
Desmond Bernal (1901-1971), remarkable British scientist who started the studies about
science based on Marxist concepts. The first chapter is about the existence of multiple
possibilities for historical approaches about the Scientific Revolution, as well as the concepts
Bernal came up with and how it is stablished within his own time, the 1950’s and 1960’s. The
second chapter focuses on the production of Bernal’s theory, his view of science in a time
when the discussions about which role should the State play in the society, and the social
responsibilities of the institutions. It also discusses Bernal’s perspectives and role at that
historical moment, from his defense of the Soviet Union as the ideal social model for the
development of science and Marxism as a way to understand science itself. It is also about
how his beliefs brought up a great debate with intellectuals and scientists of that time with
many divergent political beliefs concerning the role science should play, and from which
standpoint it should be put into practice. The third chapter is about the concept of Scientific
Revolution found in Science in History and how it is connected to the ideas of production
according to Marx’s theory. The first part of this chapter analyses the importance Bernal gives
to Marx’s idea of production to develop his own studies about history of science. The second
part addresses the way Bernal tried to bring a new meaning to the Scientific Revolution, as a
special moment in which the natural sciences are no longer determined just by social
production, but also seen as a fundamental productive power to make social changes possible.
Keywords: History of Science, J. D. Bernal, Scientific Revolution, Marxism, Production.
Sumário
Introdução .................................................................................................................. 1
Capítulo 1 .................................................................................................................... 4
As Revoluções Cientificas ............................................................................................ 4
Capítulo 2 .................................................................................................................. 22
Bernal e o Conflituoso Século XX .............................................................................. 22
Capítulo 3 .................................................................................................................. 44
A Ideia de Revolução Científica em John Desmond Bernal e sua Relação com a Ideia
de Produção no Marxismo ........................................................................................ 44
Considerações Finais ................................................................................................. 67
Referências Bibliografias: .......................................................................................... 71
1
Introdução
Este trabalho aborda a ideia de Revolução Científica, no pensamento de John
Desmond Bernal (1901-1971), destacada cientista britânico que, entre os anos 1930 e 1960,
desenvolveu estudos em História da Ciência baseados em concepções marxistas.
A Revolução Científica constitui um tema de destaque dentro da História da Ciência,
e se refere, de modo geral, a um movimento europeu nos estudos sobre a natureza e as artes,
no período que vai do século XV ao XVII. Em que pese as diversas abordagens que trataram
desse tema, a ideia de uma revolução passou a ganhar força durante os anos 1950, a partir
dos trabalhos publicados por Hebert Butterfield (1900-1979) e Rupert Hall (1920-2009). Esses
autores defendiam a ideia de que a Revolução Científica foi o processo pelo qual se construiu
o modelo moderno de ciência.
A análise de Bernal sobre esse tema também é apresentada naquela mesma década,
porém não em uma publicação exclusiva, mas como parte do livro Ciência na História que é
constituído de uma cronologia da História da Ciência e de uma análise sociológica da ciência
de seu tempo.
Assim, o primeiro capítulo desta dissertação mostra a existência de múltiplas
possibilidades de abordagens historiográficas sobre a Revolução Científica, bem como a
concepção que John Desmond Bernal elaborou e como ela está estabelecida dentro das visões
de sua época, ou seja, as décadas de 1950 e 1960, quando a Guerra Fria dominava as
preocupações mundiais.
2
O segundo capítulo focaliza a produção teórica de Bernal, sua visão sobre ciência e a
ideia de Revolução Científica, num período em que as discussões sobre o papel que o Estado
deve cumprir na sociedade, bem como quais as responsabilidades sociais das instituições
estavam na ordem do dia. Esse capítulo pretende mostrar como sua linha historiográfica
estava relacionada com o seu pensamento ideológico, e este com seu contexto. Desde seus
primeiros contatos com grupos de esquerda, em Cambridge, nos anos 1920 até sua adesão ao
comunismo no início dos anos 1930, Bernal foi impactado por importantes acontecimentos
históricos como a crise de 1929 e a ascensão do fascismo. Um episódio relevante, o qual
também que é abordado, a realização do 2º Congresso de História da Ciência, em Londres, em
1931, que trouxe para Bernal um novo olhar para a ciência, a partir dos trabalhos
apresentados pela delegação soviética.
Em relação à fase de maturidade intelectual de Bernal, este trabalho versará sobre
suas perspectivas e seu papel naquele momento histórico, desde a defesa de Bernal da União
Soviética, enquanto modelo social ideal para o desenvolvimento da ciência, e o marxismo,
enquanto o método para compreender o fazer científico tanto no passado como no presente.
Suas posições geraram um forte debate com intelectuais e cientistas de sua época, com
diversas posições políticas diferentes em relação ao papel que a ciência deveria cumprir e a
partir de que princípios deveria ser estudada e posta em prática.
O terceiro capítulo debruça-se sobre a concepção de Revolução Científica expressa
na obra Ciência na História e suas relações com a ideia de produção na teoria de Marx. A
primeira parte analisa a importância dada por Bernal à ideia de produção em Marx para
desenvolver a seus estudos sobre História da Ciência. Nesse sentido, é recuperado o conceito
3
marxiano1 de produção, enquanto elemento fundamental para a compreensão da história.
Para Bernal era preciso compreender os mecanismos sociais e econômicos envolvidos na
produção para se compreender o fazer científico de uma época. Assim, os fatores econômicos
e sociais são o pano de fundo para os elementos os quais busca ressaltar em seu discurso
sobre a Revolução Científica. Entretanto o fator de destaque do fazer científico repousa na
sua visão sobre os “grandes homens de ciência” entre eles, Leonardo da Vinci, Copérnico,
Galileu e Newton. Pretende-se mostrar como Bernal tenta ressaltar as características de
ruptura destes homens com o modelo aristotélico vigente. Além disso, essa dissertação busca
aprofundar a ideia de que no decorrer de seu texto a ruptura, que desde a introdução era
apresentada como radical em todos os sentidos, passa a ser mostrada como entremeada de
permanências, inclusive algumas julgadas nocivas e responsáveis pela visão idealista de
ciência em sua época.
Por fim, este trabalho aborda a tentativa de Bernal de trazer um novo significado a
Revolução Científica, como um momento especial no qual as ciências naturais passam a não
ser apenas determinadas pelos modos de produção social, mas sim, uma força produtiva
fundamental que possibilitaria mudanças no campo social.
Dessa forma, pretende-se, para este estudo, aprofundar as discussões sobre as
origens e a construção da obra de Bernal, uma das mais relevantes expressões do chamado
“Externalismo” enquanto, abordagem historiográfica na História da Ciência.
1 É adotado nessa dissertação uma diferenciação entre as concepções que são atribuídas ao próprio
Marx, como marxianas e as interpretações sobre as teorias de Marx e proposições a partir delas, como
marxismo.
4
Capítulo 1
As Revoluções Cientificas
As elaborações, sobre o que veio a ser chamado em História da Ciência de Revolução
Científica, constituem um aspecto especial dentro dessa área do conhecimento. A
complexidade que abarca esse tema se relaciona com os diversos modelos historiográficos
que o buscaram compreender. Alfonso-Goldfarb, Ferraz e Beltran, no artigo A Historiografia
Contemporânea e as Ciências da Matéria, apontam como a ideia de Revolução Científica foi
fortemente debatida e revista sob diferentes perspectivas, desde os anos 1950. Assim, um
importante debate, em 1957, que reuniu relevantes pesquisadores tais como Thomas Kuhn
(1922-1996) e Rupert Hall (1920-2009), foi organizado por Marshall Clagget (1916-2005) que,
mais tarde, registrou os debates no livro Critical Problems in the History of Science.2
Naquele período, a ideia de uma Revolução Científica, ou seja, de que haveria uma
descontinuidade no percurso histórico da ciência, passa a ser posta enquanto uma nova
perspectiva que a diferenciava da visão hegemônica de até então, o continuísmo de Sarton.
Também, nesse período, uma outra abordagem historiográfica, a qual ressaltava a ênfase na
análise de elementos externos à ciência para explicar o fazer científico, passava a se consolidar
. O trabalho de Boris Hessen As Raízes Socioeconômicas da Mecânica de Newton tem sido
considerado um marco dessa nova corrente em história da ciência que ficou conhecida por
Externalismo, à qual John Desmond Bernal (datas) logo veio a se alinhar. Interessante notar
2 Alfonso-Goldfarb & Beltran, “A Historiografia Contemporânea e as Ciências da Matéria”, 49-53; Clagget, Critical
Problems in the History of Sciennce.
5
que, apesar de não se referir à ocorrência de uma Revolução Científica, a obra de Hessen
tratou de um tema que seria mais tarde relacionado a essa ideia.3
Os debates desenvolvidos naquele período se estenderam até o presente com a
publicação de muitas obras sobre a Revolução Científica. Nos anos 1960 e 1970 são
apresentadas algumas teorias e narrativas que aprofundavam a ideia descontinuísta como
Kuhn, em seu livro Estrutura das Revoluções Científicas e Richard Westfall (1924-1996), em
seu A Construção da Ciência moderna. Mas, também àquela época foram apresentadas outras
propostas de abordagens, como as de Allen Debus (1926-2009) e Pyio Rattansi, que
propunham compreender o passado em seus próprios termos, partindo do contexto local
estabelecido pelo objeto, para depois relacioná-lo com o contexto mais geral.5
Publicações coletivas editadas a partir de então, buscaram problematizar diferentes
visões acerca do que fosse a Revolução Científica. Muitos estudiosos atuais ainda consideram
esse tema como o principal objeto de estudo em História da Ciência, como é o caso de
Margaret J. Osler. No livro Rethinking the Scientific Revolution, de 2000, do qual Osler é
organizadora, afirma em seu artigoThe Canonical Imperative que:
A Revolução Científica é provavelmente o único conceito unificador e
mais importante na história da ciência. (...) Não sendo ela própria um conceito
explicativo, a Revolução Científica tornou-se o ponto de referência para as
perguntas que orientam os historiadores da ciência, perguntas sobre o que era,
o que exatamente aconteceu, por que aconteceu e por que aconteceu nesse
momento e onde aconteceu.6
3 Alfonso-Goldfarb & Beltran, “A Historiografia Contemporânea e as Ciências da Matéria”, 51-52.
5 Ibid., 52-54.
6 Osler, “The Canonical Imperative”, 3.
6
Margaret C. Jacob, no artigo The Truth of Newton’s Science, publicado na mesma obra
organizada por Osler, criticou as análises centradas em figuras heroicas que teriam dado novos
rumos à ciência. Para essa autora, as cultuadas personalidades de homens de ciência seriam
na verdade construções sociais.
Os julgamentos históricos sobre canonicidade e estatura dependem de
longos processos de mudança e ponderação de acumulação, das notícias sendo
avaliadas e assimiladas, de valores e criatividade sendo definidos, reconhecidos
e depois consagrados. O suposto rei da Dinamarca foi imortalizado em Hamlet
e o rapaz de Lincolnshire se tornou um dos heróis da ciência moderna como
resultado de um processo histórico. Os heróis não nascem, eles foram criados.
Por mais brilhantes que fossem Kepler ou Newton, suas contribuições
inovadoras permaneceriam relativamente desconhecidas, ou esotéricas,
possivelmente até banidas, sem uma transformação maior na forma como os
ocidentais alfabetizados conceberam a natureza e a história.7
No caso específico da construção da figura de Newton como um herói da ciência
moderna, segundo Jacob, esta teria sido feita durante o século XVIII por John Dalton
A ciência moderna da mecânica, bem como a matemática, tinha seus
heróis únicos, seus fundadores e criadores. Dalton colocou-os em uma simples
narrativa histórica: Galileu "que viveu cerca de dois séculos atrás", seguido de
Newton, Leibniz e Bernouillis. Houve muitos outros contribuidores, mas apenas
alguns, diz Dalton, vale a pena nomear.8
A obra ainda apresenta o artigo de Westfall intitulado The Sientific Revolution
Reasserted, que fez em resposta ao artigo Newton as Final Cause and First Mover de Betty Jo
Teeter Dobbs (1930-1994). Westfall defende que os seus estudos sobre Newton
demonstraram que sua abordagem descontinuista estava correta. O que de fato é relevante
7 Jacob, “The Truth of Newton’s Science”, 319.
8 Ibid., 320.
7
em sua narrativa foi a busca em demonstrar o processo pelo qual Newton se tornou uma
referência para a ciência e afirma que Newton, ao se mudar para Londres, deixaria seus
estudos alquímicos de lado e passaria a se dedicar a suas obras mais “científicas”.
Se Newton dedicou uma grande atenção à alquimia, ele também era
um matemático da ordem mais distinta e o autor dos Principia e da Optiks.
Embora ele tenha abandonado a alquimia ao tempo em que se mudou para
Londres, de modo que não encontramos quase nenhum manuscrito alquímico
que compôs depois de 1696 (...) Ele publicou as suas segundas e terceiras
edições da Opticks, organizou a sua tradução para o latim para assegurar sua
circulação além da Grã-Bretanha, e cooperou em uma tradução francesa. Ele
participou de duas edições adicionais dos Principia, dedicando imensa energia a
primeira, que introduziu uma série de revisões substanciais no texto.9
Em seu artigo, Dobbs afirma que a figura de Newton foi elevada a um nível tão alto
na ciência do século XIX e XX, que pode ser considerado uma causa final ou um primeiro
motor, no sentido aristotélico, das obras em história da ciência.
Não importa o que se opte por enfatizar a partir dos séculos XVI e XVII ao
contar a história, é preciso, ao que parece, levar a ação a um clímax dramático
com o trabalho de Isaac Newton. (...) Newton é o fim oculto para o qual toda a
narrativa é inexoravelmente desenhada, a Causa Final da Revolução Científica.
Se ele realmente não existisse naquele momento e naquele lugar, talvez
tivéssemos que inventá-lo. Talvez, em certo sentido, o inventássemos, pois a
periodização e a ideologia progressiva da Revolução da Ciência criaram
problemas de interpretação intransponíveis e suspeitas associados a Newton,
que se pode razoavelmente argumentar que nossa "Causa Final de Newton" é
uma construção histórica que tem pouca semelhança com o histórico.10
9 Westfall, “The Scientific Revolution Reasserted”, 52.
10 Dobbs, “Newton as Final Cause and First Mover”, 29.
8
Nesse sentido, segundo Dobbs, a própria ideia de Revolução Científica é uma
metáfora que não corresponde muito bem à ideia original da qual advém. Essa seria a de
revolução em sua acepção moderna enquanto uma revolução política. Para sua análise, parte
das definições de Bernard Cohen como uma “uma mudança repentina, radical e completa” e
de Arthur Marwick (1936-2006) como “uma mudança significativa na estrutura política
realizada dentro de um curto espaço de tempo”11. Nesse sentido, para Dobbs a ideia não cabe
como uma metáfora para a Revolução Científica, haja vista o longo período em que essa teria
se desenvolvido, e o quanto é perigoso aplicar um conceito moderno como o de revolução, a
um período tão distinto.12
Outra importante obra que traz as colaborações de diversos historiadores da ciência
acerca, da Revolução Científica é Reappraisals of Scientific Revolution, organizado por David
C. Lindberg (1935-2015) e publicada em 1990. Em seu artigo Conceptions of the Scientific
Revolution from Bacon to Butterfield, esse autor analisou algumas diferentes abordagens
sobre as concepções do fazer científico. As concepções trazidas por Lindberg abordam,
inclusive, pensadores antes de Bacon, sendo que um dos pensadores que apresenta, ainda do
período do medievo, é Francesco Petrarca e, ao retomar o estudo de Mommsen sobre
Petrarca, apresenta a aparição da ideia de “Era da Trevas” para representar o pensamento
medieval. Avançando, apresenta a visão de Francis Bacon no séc. XVII, bem como a de Voltaire
no séc. XVIII, expondo brevemente as concepções desse pensador a partir e de sua história do
espírito humano. Nessa narrativa de Voltaire, a figura de Galileu aparece como um herói na
criação da nova ciência.
11 Ibid., 25.
12 Ibid., 25-26.
9
No século XVI, Copérnico em fim “descobriu o verdadeiro sistema do
mundo”. Mas não “foi até o fim deste século glorioso [o décimo sexto] que a
verdadeira filosofia começou a irradiar sobre a humanidade; Galileu foi o
primeiro que fez a filosofia natural falar o idioma da verdade e da razão”.17
Ainda que não necessariamente esses pensadores tivessem cunhando a ideia de uma
Revolução Científica, perpassam por seus escritos ideias que são retomadas ao longo do
século XX para tal concepção, e também para a ideia da construção da ciência moderna.
No entanto, como dito acima, foi durante os anos 1950 que a ideia de Revolução
Científica passou a ganhar força como elemento explicativo da construção da ciência
moderna, com as publicações de Alexandre Koyré (1892-1964), Hebert Butterfield (1900-
1979) e Rupert Hall. E é nesse período que Bernal irá publicar seu livro Ciência na História, no
qual dedica um longo capítulo para explicar sua concepção de Revolução Científica. Esse livro
teve forte circulação entre os anos 1950 e 1970, tendo tido três reedições, sendo que a última,
de 1969, não alterou os textos de Bernal, mas foi responsável pela adição das imagens e
ilustrações, foi, também, publicado e traduzido para mais de dez idioma em diversos países
como, Espanha, Portugal, Japão, Itália, Turquia, Grécia, entre outros18. I. Bernard Cohen (1914-
2003) em seu Revolution in Science discute o tema dentro das publicações de Bernal.
Cohen afirma que, antes de Butterfield e dos demais autores dos anos 1950 terem
trabalhado a ideia de Revolução Científica, esse tema tinha pouca importância na obra de
Bernal. Porém, após essas publicações, o novo trabalho de Bernal passou a apresentar uma
importante dedicação para o conceito de Revolução. No entanto, Cohen não cita nem analisa
o capítulo de Bernal sobre a Revolução Científica.
17 Lindberg, “Conceptions of the Scientific Revolution”, 7.
18 World Cat.
10
Bernal não desenvolveu seriamente o tema das revoluções na ciência -
passado, presente e futuro - e, embora tenha escrito a respeito da natureza e
dos efeitos da Revolução Científica, ele não fez muito do conceito de uma
revolução geral no século XVII. Este tema aparece apenas no início de um único
parágrafo com o subtítulo "A Revolução Científica: O Papel do Capitalismo". Mas
quando Bernal expandiu, revisou e reescreveu completamente este trabalho no
período pós-Butterfield na década de 1950, ele usou tão amplamente o conceito
de Revolução (e do próprio mundo) que o leitor não pode deixar de ter a
impressão de que as revoluções na ciência se tornaram parte do tecido essencial
de seu pensamento histórico (Bernal 1954; 1969);19
Um elemento que é preciso retificar, sobre o exposto por Bernard Cohen, é que se
trata de uma nova obra e não de uma reescrita de Social Function of Science como Cohen
coloca. Porém, é fato que a ideia de revoluções na ciência e na técnica nas obras de Bernal
passam a adquirir força a partir dos anos 1950. A sua discussão acerca da Revolução Científica
foi feita em seu livro Ciência na História de 1954. Entretanto, já em Ciencia e industria en el
Siglo XIX, de 1953 pode-se ver a aparição da ideia de revolução na obra de Bernal. Essa ideia
aparece como o processo de grande transformação em alguma área do conhecimento
científico ou técnico. Em química, coloca ênfase sobre a revolução pneumática considerando
que através dela “os estudos de Lavoisier sobre os experimentos de Priestley, Scheele e
Cavendish levou à teoria da combustão do oxigênio”20. Em relação a transformações nas
técnicas, Bernal discute o papel da revolução industrial admitindo que “antes de (a) produzir
(...) a ciência era patrimônio exclusivo das cortes, a nobreza e os eruditos, e a exceção das
artes da navegação e da guerra, dificilmente afeta a vida cotidiana”21. Ainda na questão das
19 Cohen, Revolution in Science, 396.
20 Bernal, Ciencia e Industria em el Siglo XIX, 29.
21 Ibid., 25.
11
técnicas, aborda o papel da revolução nos transportes, porém advoga que o processo no qual
se produziu a indústria férrea dependeu muito pouco da ciência e que ela fora produzida por
homens autodidatas23.
Em Ciência na História, o termo revolução também aparece várias vezes para indicar
as transformações no modo como os homens de ciência se relacionavam com as mudanças
dos saberes. Isso pode ser visto na retomada da discussão da Revolução Industrial, na qual
Bernal busca explicar os caminhos que levaram à sua constituição e suas implicações para a
sociedade e para o fazer científico. Para Bernal, a Revolução Industrial estava vinculada à
Revolução Científica.
Os novos métodos da ciência experimental, elaborados pela revolução do
século XVII, iriam ser alargados a toda a variedade da experiência humana e, ao
mesmo tempo, as suas aplicações iriam manter-se a par com a grande
transformação dos meios de produção a que chamamos Revolução Industrial.24
Bernal afirmava ainda, que a Revolução Industrial, embora pudesse ser vista quase
como uma consequência lógica da Revolução Científica, elas se diferenciariam em uma
questão qualitativa, pois enquanto a Revolução Científica é vista como uma transformação na
compreensão, a Industrial tem um caráter prático25.
Em seu artigo After Twenty-five Years, publicado nos anos 60, justamente 25 anos
após a publicação de The Social Function of Science, Bernal recoloca a questão, admitindo
23 Ibid., 36-37.
24 Bernal, Ciência na História, 505.
25 Ibid., 509.
12
uma revolução científica no século XX como um processo muito dinâmico e rápido, que coloca
uma nova dinâmica que precisa ser o tempo todo avaliada.
A própria revolução científica entrou em uma nova fase - tornou-se auto-
consciente. Isso agora é reconhecido não só entre cientistas ou entre homens de
educação geral, mas no mundo dos negócios privados e dos financiamentos estatais:
a pesquisa em si é o novo campo de ouro.26
Se em suas obras Bernal apresenta em diversos momentos, a ideia de transformações
e revoluções na ciência, a ideia de uma Revolução Científica, enquanto o período que deu
origem à ciência moderna, não só faz parte da construção de sua narrativa, como ocupa um
papel de destaque. Se em The Social Function in Science, Bernal havia dedicado apenas um
parágrafo para tratar da Revolução Científica, em Ciência na História, no entanto, é dedicado
todo um longo capítulo para abordar esse episódio.
A concepção de Bernal se coloca próxima das abordagens sobre a Revolução
Científica nos anos 1950, na medida em que também vê, nesse processo, o momento da
construção da ciência moderna.
Tratava-se realmente de uma verdadeira revolução científica, em que
todo sistema de pressupostos intelectuais herdado dos Gregos e canonizado
pelos teólogos (tanto islâmicos como cristãos) seria demolido e substituído por
outro, radicalmente novo.27
Essa passagem vem logo após Bernal trazer uma citação de Butterfield sobre a
importância da Revolução Científica, ainda que de, imediato, afirme não concordar com o
modelo de análise trabalhado pelo autor. No livro The Origins of Modern Science, de H.
26 Bernal, “After Twenty-Five Years”, 209-210.
27 Bernal, Ciência na História, 373.
13
Butterfield, publicado em 1949, ele apresenta a tese de que a revolução científica foi o
principal acontecimento na história da humanidade.
Uma vez que subverteu a autoridade científica, tanto da Idade Média,
como do mundo antigo – já que conduziu não apenas ao eclipse da filosofia
escolástica, mas também à destruição da física aristotélica – tal revolução
excede em brilho tudo o que tinha acontecido desde o aparecimento do
Cristianismo e reduz o Renascimento e a Reforma à categoria de simples
episódios, meras mudanças internas, no contexto da cristandade medieval. Uma
vez que essa revolução mudou o caráter das operações mentais habituais ao
homem, mesmo no que diz respeito às ciências não materiais, ao mesmo tempo
que transformou todo o diagrama do universo material e a própria textura da
vida humana...28
A abordagem de Butterfield propõe um período um pouco mais longo a ser estudado
para compreender os acontecimentos da Revolução Científica no século XVII. É feito um
resgate dos desdobramentos teóricos desde o século XIII com a escolástica, passando por uma
visão negativa de Copérnico, em contraste com uma visão muito positiva de Galileu e o
desenvolvimento do método experimental, bem como das teorias de Bacon e Descartes, para
então tratar do homem que foi capaz de resolver os dois grandes problemas que se postulava
entender à época da criação da ciência moderna: a dinâmica e a gravidade.
Estes problemas constituíam as questões mais críticas do séc. XVII e
apenas encontrariam a sua solução em 1687, na grande síntese produzida por
Sir Isaac Newton na sua obra Principia, síntese que representou o culminar da
revolução científica e estabeleceu as bases da ciência moderna.29
Para H. Floris Cohen, a narrativa de Butterfield se caracteriza por ser muito ampla e
por não adentrar em conceitos científicos específicos, uma vez que o autor não era um
28 Butterfield, As Origens da Ciência Moderna, 9-10.
29 Ibid., 140.
14
historiador da ciência. Floris Cohen também ressaltava a ideia de Butterfield de que houvera
uma Revolução Científica inserida dentro de uma Revolução Científica, no sentido de que o
processo maior que abrange o século XIII até o século XVIII é visto como a Revolução Científica,
porém este abarcaria o processo no qual o livro se centra, que é o período que vai de
Copérnico a Newton. Outra questão ressaltada por Floris Cohen é o fato de Butterfield
estender sua análise até o século XVIII, como forma de abordar Lavoisier a quem via como um
homem da Revolução Científica um pouco tardia.30
Bernal coloca sua análise sobre a revolução científica sob uma perspectiva menos
ampla que a de Butterfield, pois em sua visão o processo que deu início a Revolução Científica
é o Renascimento, o qual ele data da metade do século XV. De forma diferente de Butterfield,
Bernal considera que o processo se encerra com a publicação de Newton dos Principia na
metade no século XVII.31
Através de uma narrativa linear, Bernal buscou explicar a construção da ciência
moderna e os papeis de destaque dos inúmeros homens de ciência que contribuíram para a
construção do fazer científico moderno. Sua análise divide a Revolução Científica em três
partes, nas quais, cada uma delas teria um grande pensador por trás, o qual sintetizaria uma
importante função no sentido da criação da ciência moderna. Porém, esse indivíduo que
produzia a síntese, no sentido dialético, desse período, estava acompanhado por diversas
proposições de outros pensadores que teriam possibilitado esse processo.
30 Cohen, The Scientifc Revolution, 112-113.
31 Bernal, Ciência na História, 367-374.
15
A primeira fase da Revolução Científica é vista por Bernal como aquela que passa a
destruir as ideias vindas do medievo, como a escolástica e a importância das autoridades por
um avanço em trabalho, na maior parte dos casos, descritivos.
O Renascimento deu-nos uma abundância de grandes trabalhos descritivos que,
entre si, cobrem todo o campo da experiência humana. (...) Os maiores triunfos da era
são a clara afirmação de um sistema celeste heliocêntrico, sistema que Copérnico
expôs na sua obra De Revoluionibus Orbium Coelestium...32
Bernal ainda menciona o papel de Leonardo da Vinci, que é por ele discutido em
capítulo posterior, bem como os trabalhos Versalius, Biriguccio, Agricola, Gesner, Rondelet e
Belon. No entanto, não se aprofunda na relevância específica desses trabalhos e nem mesmo
nas ideias colocadas por esses pensadores. A ideia de Bernal parece muito mais em colocar
Copérnico dentro desse conjunto de homens de ciência e mostrar que o seu modo de pensar
estava vinculado ao de sua época. Entretanto, de uma forma um tanto quanto mecânica, uma
vez que seu trabalho não traz as possíveis interlocuções de Copérnico com seus
contemporâneos.
Na fase seguinte Bernal ainda passou a se dedicar mais ainda a expor sobre
pensadores como Kepler, Harvey, Bacon e Descartes. Centra muito mais sua análise em
questões de descobertas técnicas e, principalmente, na figura de Galileu como o pensador
que fundamentou as teorias capazes de destruir o sistema aristotélico vigente até então.
A obra de Galileu aparece como a culminação do ataque à velha cosmologia. Daí
por diante esta desaparece sem alarde e todos os astrónomos passam a utilizar o
modelo Copérnico-kepleriano do sistema solar. Quarenta anos mais tarde as leis
32 Ibid., 382.
16
observadas por Kepler iriam ser combinadas com a dinâmica de Galileu na teoria
newtoniana da gravitação universal.33
As bases de sua análise sobre Galileu são retiradas da obra de Koyré Estudos
Galilaicos de 1939, na qual é exposta a importância da matemática, principalmente da
matemática platônica para a construção das teorias de Galileu, bem como dos pensadores
matemáticos do Renascimento. Conforme Koyré: “para a época galilaica, matematismo
significa platonismo”34. Inclusive, para o autor, a importância a influência do pensamento
platônico era tão forte que era representada na forma de escrita da época.
Com efeito, as alusões a Platão, as evocações do método socrático – da
maiêutica – do parto dos espíritos, as evocações da doutrina da intelecção-
reminiscência não são de maneira nenhuma elementos supérfluos (des hors-d’oeuvre),
floreados literários saídos de um pasmo superficial pela obra de Platão, pasmo que,
ele mesmo, não seria mais do que um reflexo do “platonismo” da Renascença
florentina.35
Rupert Hall (1920-2009), historiador da ciência que dedicou a maior parte de seus
estudos e publicações para tratar sobre a Revolução Científica, também se apropria dos
estudos de Koyré para colocar a importância do papel do platonismo para as ciências no
Renascimento. A primeira edição de seu livro The Scientific Revolution, 1500-1800, em 1954,
mesmo ano da publicação de Bernal de Ciência na História, trazia também uma discussão
sobre a técnica, e a produção de instrumentos durante a Revolução Científica. Hall retoma
Galileu para afirmar sobre a admiração desse pensador pelos estudos práticos.
33 Ibid., 430.
34 Koyré, Estudos Galilaicos, 353.
35 Ibid., 357.
17
Seu intelecto prático, quase materialista, tirando da filosofia natural dos
vestígios de suas conotações metafísicas, levou-o a admirar as conquistas tecnológicas
de seu tempo e a aprofundar os problemas científicos sugeridos por eles.36
A importância da Revolução Científica com as questões dos conhecimentos práticos
e a união do conhecimento técnico com o conhecimento científico é umas das principais
questões defendidas por Bernal em sua narrativa, ainda que veja nessa relação um processo
muito inicial.
Esta elevação da posição social dos artífices tornou possível reatar os elos entre
as suas tradições profissionais e as dos estudiosos, que haviam andado desligados
quase desde o início das mais antigas civilizações. (...) A combinação destas duas vias
levou tempo a processar-se e, de início, só muito gradualmente se difundiu através
dos vários domínios do conhecimento e da ação.37
Mas, se durante os anos 1950 as posições de ambos tendiam para a importância da
técnica durante a Revolução Científica, Hall revê sua concepção mais tardiamente, junto com
todo um reexame documental que o levou a reeditar seu livro e, inclusive, modificar o título
para The Revolution in Science 1500-1750. Nessa obra publicada em 1962, Hall retira seu
capítulo sobre técnica e esclarece que mudou seu ponto de vista a respeito desse assunto em
decorrência de seus novos estudos.
E onde a arremetida da mudança científica parece mais enérgica, os que
a originaram parecem (pelo que sabemos agora) ter tido pouca visão para
qualquer espécie a aplicação a ofício ou indústria. O desejo de resolver velhos
problemas intelectuais nota-se mais frequentemente que o desejo de resolver
novos problemas técnicos. (...) muitos filósofos naturais, sem excluir Newton,
36 Hall, The Scientific Revolution 1500-1800, 217-218.
37 Bernal, Ciência na História, 382.
18
viam-se a recuperar uma sabedoria que estivera durante muito tempo perdida,
e não a descobrir algo de fundamentalmente novo.38
Por outro lado, Hall segue firme em sua recusa por abordar e conferir a aspectos
considerados não racionais alguma importância em estudos, pois, como observa Floris Cohen,
o discurso de Hall é marcado pela ênfase na racionalidade como o elemento que guia a
Revolução Científica.39 Na sua reedição ainda deixa claro seu posicionamento.
... ao escrever sobre a revolução científica pouco direi da visão total ou
parcialmente mágica da natureza, nem me debruçarei sobre “pseudociências”
como a astrologia ou a alquimia que a revolução científica tendeu a pôr de lado
ou desvalorizar.40
Para Bernal, mesmo não ocupando um papel de destaque em sua apreciação, os
elementos vistos como místico, mágicos, ou sobrenaturais, não são em todos os momentos
criticados. Pelo contrário, em momentos de sua narrativa são ressaltados como elementos
que possibilitaram o desenvolvimento da ciência. Sua abordagem sobre Paracelso é um
exemplo disso.
Paracelso, embora rejeitasse Galeno, foi ainda mais livre na sua adopção
dos conceitos de espíritos. Imaginava os espíritos – archaei, como os pequenos
elfos que assombravam as minas – a presidir aos vários órgãos internos –
estômago, fígado e coração – exactamente na altura em que os anjos motores
estavam a ser banidos das esferas celestes. Não obstante, dada a complexidade
intrínseca da química, esta aproximação intuitiva e mística contribuiu mais para
o seu progresso que a atitude racional e mecânica, pelo menos até à grande
38 Hall, A Revolução na Ciência, 31.
39 Cohen, The Scientific Revolution, 116.
40 Hall, A Revolução na Ciência, 14.
19
revolução que, no século XVIII, a renovou, e Paracelso gozou de uma reputação
incontestada como fundador da química moderna.41
A discussão que se coloca nesse trecho é que seria justamente o caráter místico que
levaria ao progresso da química. Assim, é possível destacar que se tem em Bernal uma
concepção positiva sobre o que era considerado mágico ou místico. Bernal afirmava, baseado
nos estudos de pensadores como Thorndike, que “... nessa altura, a magia natural era muito
difícil de distinguir da ciência”42. Porém, essa questão era vista a partir de uma ideia de
progresso, no sentido de que a intuição e os elementos místicos, trabalhados por Paracelso,
foram apenas um estágio necessário para o desenvolvimento da química. Pois em sua visão,
a química é tão complexa que o modelo de racionalidade da época, a mecânica, não dava
conta de conseguir compreender suas particularidades.
Essa interpretação de Bernal, sobre a relação entre o mítico e o científico não ser
necessariamente negativa em determinados tempos históricos, mas que ainda seja necessária
uma superação, rumo a uma ciência pura, fica clara ao se analisar sua conclusão sobre a
Revolução Científica. Para ele, a ciência moderna criada no século XVII, carregava ainda
resquícios das formas de conhecer do passado não racional e não moderno. Assim, para que
houvesse um verdadeiro avanço da ciência, no presente, seria preciso uma nova Revolução
Científica que retirasse do fazer científico todos os seus elementos idealistas vindos das
tradições passadas.
... os próprios sucessos desse método científico inicial traziam em si
sementes perigosas. O método ainda incorporava inevitavelmente muitas das
velhas ideias, que exageravam o pensamento dos primeiros cientistas, que
41 Bernal, Ciência na História, 396.
42 Ibid., 381.
20
assim as perpetuavam, juntamente com novos conceitos derivados da
experiência, na nova filosofia da ciência. São essas relíquias inconscientes do
passado que hoje nos aparecem em muitas teorias científicas idealistas; e pode
bem acontecer que a principal tarefa da ciência do século XX seja a de
desmembrar o sistema de Newton, exactamente como o século XVII
desmembrou o de Aristóteles.43
Essa passagem também remete a uma outra questão que diferencia o pensamento
de Bernal do de Hall e também do de Butterfield. Isso porque, enquanto ambos afirmavam a
importância e a superioridade inquestionável da Revolução Científica como uma ruptura total
com o passado, Bernal concluiu que há uma certa relativização da profundidade da Revolução
Científica, pois ainda que tenha havido importantes e radicais transformações, houve também
permanências.
Na fase inicial, a nova ciência experimental era, necessariamente, crítica
e destrutiva; nas fases ulteriores procurava encontrar já nova base para uma
filosofia mais consentânea com as necessidades da época. A ruptura nunca foi
completa; a força da religião, tanto a força intima como a imposta pela
sociedade, era ainda grande demais para permitir largos desvios do esquema
geral de criação e salvação aceites tanto por Católicos como por Protestantes.
No entanto, tomavam-se já grandes liberdades com o esquema da governação
divina do mundo: já explicitamente, em Bacon e Descartes, já, implícita com
mais cautelas, na filosofia de Galileu e Newton.44
Interessante notar que, apesar de sua discussão acompanhar as publicações feitas
em sua época, as reedições que a obra teve nos anos 1960, em que Bernal alterou diversas
passagens de sua análise sobre a ciência contemporânea, não alterou sua análise sobre a
43 Ibid., 495.
44 Ibid., 494.
21
Revolução Científica45. Ele não reafirmou ou respondeu às mudanças de posicionamento de
Hall a respeito da importância dada à técnica, ou mesmo a questões relacionadas aos
elementos místicos, pois o debate que Bernal buscou enfrentar foi dentro de seu escopo
contemporâneo acerca do que deveria ser o fazer científico no presente e a serviço do que e
quem deveria estar a ciência, debate esse que ele já desenvolvia desde 1930 com intelectuais
e cientistas que se colocavam politicamente sobre os modelos sociais em disputa no século
XX, o socialismo e o capitalismo, como será visto no próximo capítulo.
Porém, ainda que Bernal não tenha dado continuidade a reflexões sobre a Revolução
Científica, diversos estudos, como os mencionados acima, ainda vêm propondo novas
interpretações e novas problemáticas a serem pensadas sobre a chamada Revolução
Científica.
45 Bernal, “AfterTwenty-Five Years”, 209.
22
Capítulo 2
Bernal e o Conflituoso Século XX
As produções teóricas e científicas de John Desmond Bernal estão vinculadas a um
período em que as discussões sobre o papel que o Estado deveria cumprir na sociedade, bem
como às responsabilidades sociais das instituições as quais estavam na ordem do dia. Esse
período foi marcado por fortes tensões de interesses econômicos, políticos e ideológicos que
levou o mundo ao terror das duas Grandes Guerras Mundiais e à apreensão frente a Guerra
Fria.
Bernal formou-se em Cambridge, no início dos anos 1920, quando as universidades
britânicas ainda estavam abaladas pela 1ª Guerra Mundial. Segundo o historiador Eric
Hobsbawm, cerca de ¼ dos alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25, anos que serviam
o exército, em 1914, morreram na 1ª Guerra.46
O início dos anos 1920 também é marcado pelo impacto político da Revolução Russa.
A Universidade de Cambridge abrigava jovens cientistas politizados e que passaram a ter
diante da recente revolução de 1917, o ideal de uma nova possibilidade de sociedade. Desde
seus primeiros anos na Universidade, Bernal manteve contato com colegas ligados ao Partido
Comunista da Grã-Bretanha (PCGB), porém, ainda sem se vincular politicamente ao grupo.
Naquele período, suas experiências, em diferentes grupos políticos de esquerda, foram
46 Hobsbawm, A Era dos Extremos, 34.
23
marcadas por uma preocupação maior com a causa dos direitos dos trabalhadores que com o
método e a prática marxista.47
Após se formar em Cambridge, Bernal retorna à universidade como pesquisador e,
mais tarde, em 1938, mudou-se para Londres onde exerceu o cargo de professor de física do
Birbeck College. Os trabalhos que desenvolveu, enquanto pesquisador nessas importantes
instituições britânicas, tiveram enfoque em diversas áreas das ciências naturais, com destaque
para suas pesquisas em cristalografia por difração de raios X. Foi membro da Royal Society e
ainda que não tenha ganho um Nobel por seus trabalhos, muitos de seus alunos e parceiros
de pesquisa que receberam tal honraria, reconheceram a importância de Bernal para o
desenvolvimento de suas pesquisas, como é o caso de Dorothy Hodgkin. 48
As reflexões e pesquisas de Bernal não ficaram apenas no escopo do fazer científico.
Sua vida acadêmica era compartilhada com sua prática política, e a síntese desses dois fatores
o levou a publicar muitas análises e estudos de sociologia e história da ciência. Para Bernal a
história da ciência demonstraria os fundamentos para suas análises e proposições sobre a
ciência no presente. Algumas dessas proposições são importantes de serem destacadas, pois
expressam as características gerais de como a ciência deveria ser pensada em seu tempo. A
ideia talvez mais polêmica, desenvolvida por Bernal, era a de que a ciência deveria ser pensada
e organizada como uma indústria e, desde uma perspectiva marxista sobre a indústria, ele
apontava a necessidade de uma planificação da mesma.
47 Steward, “Political Formation”, 37-75.
48 Gonçalves-Maia, Bernal; Roberts, “From the History of Science to the Science of History”, 529-558. e Brown, J.
D. Bernal.
24
A oposição à ideia do planejamento da ciência é um resquício das
doutrinas da livre empresa na indústria. De facto, é um problema de há muito
ultrapassado, porque a ciência já está planificada em muitos domínios, embora
de maneira insatisfatória e deprimente. Quando a ciência se tornou um
empreendimento em larga escala, o sistema de planejamento dominante
consistia na existência de um projecto e na obtenção dos fundos necessários
para o levar a cabo.49
Para essa organização e planificação da ciência, a História da Ciência seria um recurso
indispensável, na medida em que seria utilizada para que se verificasse quais foram os erros
e acertos, bem como os motivos pelos quais estes ocorreram ou poderiam não ter ocorrido,
para estabelecer os melhores caminhos para o progresso da ciência. A História da Ciência teria
o aspecto do que Bernal veio chamar de uma ciência da ciência.
O enorme esforço que neste momento se faz em todo o mundo para o
desenvolvimento e a utilização da ciência e a quantidade de informações de que
já dispomos sobre o que aconteceu nos primeiros dois terços do século XX
fornecem já informações em número suficiente para construir sobre esses
fundamentos uma ciência respeitável. Isto significa tratarmos a história da
ciência, o que fazemos no presente, como um memorial dedicado aos grandes
homens ou como um exemplo das influências da sociedade, mas considerá-la
de maneira crítica, com os bons e maus resultados conseguidos na descoberta
de coisas novas e com a utilização dada às descobertas. Devemos perguntar, não
só como foi feita a descoberta, mas porque não foi feita antes e qual teria sido
o curso da história se as coisas tivessem passado de maneira diferente.50
Outra proposta de Bernal estava na relação entre ciência e educação. Para Bernal, o
conhecimento aprendido durante a formação universitária tendia a se tornar obsoleto muito
rapidamente e necessitaria, assim, de um estudo constante, inclusive nas idades mais
49 Bernal, Ciência na História, 1349.
50 Ibid., 1350-1351.
25
avançadas, para que as pessoas pudessem acompanhar as novas descobertas científicas e
técnicas, o que chamou de educação permanente.
Um dos aspectos do ritmo de desenvolvimento é a sua relação com a
educação. É agora bem evidente que, para aqueles que deixaram a universidade
há dez anos, existe muito pouca esperança de se manterem a par do progresso
científico geral, condição essencial de uma efectiva compreensão e prática da
ciência. A nossa educação tem de ser reformada em profundidade. É evidente
que necessitamos de uma educação mais longa e mais profunda, o que se
tornará possível com a liberdade de mão-de-obra pela automatização, mesmo
dos sectores administrativos. É assim introduzido um novo conceito – o de
educação permanente.51
Por fim, sua preocupação com as tensões sociais, em um mundo envolvido em
guerras constantes, implicava a necessidade de que a preocupação com a ciência não ficasse
relegada a cientistas e políticos.
Graças à utilização que tem sido dada à ciência, primeiro pelo capitalismo
desregrado da Revolução Industrial e agora pelo capitalismo monopolista, a
situação de toda a humanidade está a se tornar extremamente insegura. O
mundo encontra-se ameaçado, como nunca esteve antes, pelos perigos da
guerra e da fome.52
Frente a esse problema, propunha que a preocupação com a ciência fosse
compartilhada por toda a população.
A conclusão mais importante a tirar do estudo do lugar do
desenvolvimento da ciência na nossa sociedade é a de que a ciência se tornou
51 Ibid., 1348.
52 Ibid., 1353.
26
demasiado importante para ser deixada entregue apenas aos cientistas e aos
políticos, devendo, pelo contrário, ser uma preocupação de todo o povo.53
Essas proposições estavam vinculadas a uma ideia de que a ciência poderia ser, se
bem conduzida, propulsora da melhoria de vida das pessoas. Visão essa que apresentava forte
conotação política da ideologia comunista que tinha como o modelo, entre os anos 1930 e
1950, a União Soviética54. Ainda que tenha tido contato com as ideias comunistas desde sua
juventude universitária, a transição de Bernal, de um jovem politizado alinhado às questões
populares, para um defensor dos ideais comunistas, foi marcada por acontecimentos
importantes.
Em primeiro lugar, a crise de 1929 e suas consequências no sistema econômico
capitalista. Essa crise foi muito profunda e atingiu elementos estruturais da economia tendo
perdurado até 1933, com uma forte depressão. A estagnação dos mercados mundiais que vai
crescendo a partir do final da 1ª Guerra, segundo Hobsbawm, é o principal fator que leva à
crise. Toda a economia capitalista foi atingida nesse período, o que levou a um
questionamento do modelo como os países capitalistas vinham conduzindo suas economias,
em que as ideias liberais que vinham sendo o norte da condução das políticas econômicas de
até então, perdem força e dão lugar a posições mais intervencionistas.55 Se Bernal até o
período anterior à crise acreditava que os discursos dos comunistas eram muito radicais, a
53 Ibid., 1352-1353.
54 Roberts, “From the History of Science to the Science of History”, 529-558.
55 Hobsbawm, Era dos Extremos, 90-112.
27
intensidade dos problemas econômicos o fizeram repensar, e começar a ver no comunismo
uma saída possível.56
A crítica ao liberalismo econômico não fortaleceu apenas as ideias e os grupos
políticos de extrema esquerda, mas também, os da extrema direita. A ascensão do fascismo,
principalmente o nazismo alemão, compõe o segundo elemento que leva Bernal a ideologia
comunista. Os fascistas propunham a ação de um Estado forte e controlador, alinhado a uma
sociedade disciplinada e com a defesa de uma moral conservadora e nacionalista. No caso
alemão, essa posição se somava ao antissemitismo e uma prática ainda mais totalitária, em
que se pregava a supremacia ariana.57 Hitler subiu ao poder na Alemanha em 1933, até esse
momento os grupos comunistas atuavam com uma política isolada que via no fortalecimento
dos partidos comunistas uma força mais que suficiente para a contenção da ascensão fascista.
Porém, a vitória de Hitler fez com que os Partidos Comunistas, seguindo os desígnios do
Partido Comunista Soviético, mudassem suas políticas para a construção de Frentes Populares
contra o fascismo.58 Essa nova estratégia propunha aliança com setores democráticos,
inclusive partidos burgueses, para lutar contra o avanço do fascismo na Europa e no mundo.
Foram muitos os intelectuais que viram nessa política, uma forma de se posicionarem frente
ao avanço de políticas julgadas como irracionais e se uniram como militantes ou simpatizantes
dos Partidos Comunistas; entre eles estava John Desmond Bernal.59
56 Steward, “Political Formation”, 37-77.
57 Arendt, Origens do Totalitarismo.
58 Trotsky, Revolução e Contra-Revolução na Alemanha.
59 Hobsbawm, “Intelectuais e o Antifacismo”, 257-314. e Roberts, “From the History of Science to the Science of
History”, 529.
28
O terceiro elemento, que marca essa trajetória de Bernal, foram os trabalhos
apresentados pela delegação soviética, liderada por Nikolai Bukharin no 2º Congresso de
História da Ciência em Londres, no ano de 1931. O grande impacto da delegação russa se deu
por conta da nova proposta historiográfica de fazer História da Ciência, buscando explicações
para os saberes e fazeres científicos, nas estruturas e relações econômicas e sociais de uma
dada sociedade. Trabalho de maior destaque da delegação soviética, The Social and Economic
Roots of Newton's Principia, de Boris Hessen, se tornou referência como modelo
historiográfico e levou essa perspectiva ser adotada por diversos teóricos e a constituir uma
corrente dentro da História da Ciência da qual Bernal fez parte, corrente essa que ficou
conhecida por externalismo. Nesse momento Bernal escreve um artigo intitulado What is an
Intellectual? em que busca refletir sobre o marxismo, o comunismo e o papel dos
intelectuais.60
O efeito mais fundamental que o entendimento do Marxismo traz para o
indivíduo é fazê-lo ver e vivenciar seu lugar não apenas na sociedade
contemporânea, mas como uma parte ativa de um processo histórico definido
(...) há um ganho complementar na apreciação da função individual nas
mudanças sociais.61
Esse período da década de 1930, ainda veria o nascimento das ideias Keynesianas,
que passaram a substituir as teorias liberais nos Estados capitalistas democráticos. Keynes
defendia a ideia de um estado atuante junto à economia como forma de buscar garantir o
60 Bukharin, Science at the Crossroads.; Ceruti, “O Materialismo Dialético e a Ciência nos Anos 30”, 315-386.;
Steward, “Political Formation”, 37-77.; Roberts, “From the History of Science to the Science of History”, 529-558.
61 Bernal, What is an Intellectual? Apud Stewarda, “Political Formation”, 62.
29
bem-estar social. Essa nova doutrina econômica que se consolidava naquele período vai
permanecer como modelo hegemônico, até o final dos de 1960.62
Isso mostra o quanto o período em que Bernal está escrevendo sobre o papel da
ciência, estava atrelado a um forte debate social, no qual o papel do Estado era muito
importante, e que caberia a ele zelar para que as instituições sociais melhorassem a vida das
pessoas. Bernal não apenas reflete essa característica do pensamento social construído na
década de 1930, como também, pelos demais elementos que elencamos, se envolve política
e ideologicamente na defesa do comunismo. A partir de 1931, após o II Congresso de História
da Ciência, Bernal e outros cientistas britânicos, como o biólogo John Burdon Sunderson
Haldane (1892-1964), o matemático Hyman Levy (1889-1975), o químico e embriologista
Joseph Needham (1900-1995) e Lancelot Hogben (1895-1975) iniciam o movimento SRS
(Social Relations in Science) em que seus trabalhos e análises tiveram muita repercussão
durante as década de 1930 e 1940. Esse grupo de estudiosos ficou conhecido por Cientistas
Vermelhos.63
O movimento SRS não mantinha uma mesma interpretação do marxismo, mas todos
buscavam as bases epistemológicas da ciência na dialética materialista de Marx e Engels.
Hogben ilustrou bem o pensamento do grupo sobre o papel do cientista visto pelos membros
da SRS, em seu artigo Our Social Herittage.
Atualmente, os cientistas observam o recrudescimento de uma reação
anticientífica em países onde os monopólios capitalistas estão abandonando a
criatividade de um período anterior. O Coletivismo Soviético reavivou Heads of
Enquires into Agriculture and Physick e está planejando o desenvolvimento da
62 Navarro, “Welfare e ‘keynesianismo militarista’ na era Reagan”, 189-210.
63 Roberts, “From the History of Science to the Science of History”, 529-558.
30
pesquisa em uma escala sem precedentes na história do capitalismo.
Inevitavelmente, os trabalhadores de ciência mais jovens são forçados a
reexaminar sua orientação para a luta política da qual a União Soviética emergiu
recentemente. Inevitavelmente, também, aqueles que avançarão as
reivindicações da ciência na vida social e, assim, avançando as oportunidades
para uma descoberta científica adicional, estarão comprometidos com o
partidarismo. A questão vital não é se o homem da ciência deve ou não ser
partidário. É a forma que deve assumir o seu partidarismo. Parte de sua tarefa
cultural é criar uma nova consciência do contexto social das perspectivas
científicas. Parte de sua responsabilidade é educar seus concidadãos para
perceber o potencial do bem-estar social inerente ao conhecimento que
possuímos e o conhecimento que ainda estamos adquirindo.64
Como expresso em Hogben, os cientistas da SRS tinham a União Soviética como
modelo social necessário para o melhor desenvolvimento da ciência. Segundo Roberts, foram
muitas as publicações de Haldane em defesa das produções científicas soviéticas, bem como
sua defesa frente a produção científica nazista. O fato de terem cientistas muito respeitados,
nos círculos da época,foi elemento fundamental para que essa abordagem sobre a ciência
passasse a estar no centro de muitos debates na época.65 De fato, Bernal, por exemplo, era
chamado entre os amigos e colegas de profissão como Sábio (Sage) e junto com Haldane eram
considerados por um forte adversário dos cientistas vermelhos, John Randal Baker (1900-
1984), como dois dos principais cientistas do século XX.
As publicações de Bernal nesses debates se deram em diversos periódicos, mas
principalmente, nos de viés marxista, Science and Society fundada em 1936 e The Morden
Quartely, fundada em 1938, pelo próprio Bernal apoiado pelo Partido Comunista da Grã-
64 Hogben, “Our Social Heritage”, 147.
65 Roberts, “From the History of Science to the Science of History”, 529-558.
31
Bretanha. Essas publicações de Bernal se relacionavam tanto com a história da ciência quanto
com a sociologia da ciência. Um desses debates foi com o crítico literário e jornalista
estadunidense Edmund Wilson, que se deu a partir da publicação do artigo Dialectical
Materialism and Modern Science para a Science and Society em 1937 e a resposta de Wilson
no artigo The Myth of the Marxist Dialectic em 1938, na revista Partisan Review. No artigo,
Bernal apresenta uma caracterização da importância do materialismo dialético de Marx para
a compreensão do fazer científico
Agora, o marxismo não é um método científico, nem é de modo algum
um método alternativo; é ao mesmo tempo mais abrangente e mais avançado.
Tanto o método da ciência como até então compreendido e o conteúdo da
descoberta científica podem ser incorporados no esquema marxista. O
marxismo não substitui a ciência, mas, devido ao seu alcance mais amplo, pode
ver as limitações dos métodos existentes e indicar onde, no passado, eles foram
usados em campos em que não têm competência.66
Relacionava, também, a importância do método marxista com a dialética de Hegel e
via ainda muito preconceito na compreensão do mesmo.
A nova direção que Marx deu à filosofia hegeliana e a base material sólida
que ele estabeleceu para ela não são entendidas nem apreciadas por aqueles
que estão assustados com as frases da "transformação da quantidade em
qualidade" ou "negação da negação".67
Em resposta à posição de Bernal na defesa da dialética como fator fundamental do
êxito da teoria marxista, Edmund Wilson colocou que “desde o momento em que (Marx e
66 Bernal, “Dialectical Materialism and Modern Science”, 58-59.
67 Ibid., 58.
32
Engels) admitiram a Dialética no seu sistema semi-materialista, eles admitiram um elemento
de misticismo”.68
Wilson entende que o desenvolvimento da teoria marxiana se deu por dentro da
tradição da filosofia alemã de base idealista com exemplos como Kant e Hegel. E que, ao
absorver a dialética como elemento base de sua análise, Marx – mas também, Engels – acabou
por incorporar elementos místicos milenares. Esses elementos idealistas eram o fator
limitador da teoria desenvolvida pelos autores do Manifesto Comunista, e foi passado como
um dogma para os que seguiram o pensamento marxista.
Ele (Marx) ainda acreditava na tríade de Hegel: Tese, Antítese e Síntese; E essa
tríade era, simplesmente, a antiga Trindade tomada de Platão. Era um triângulo
mítico e mágico que desde o tempo de Pitágoras e antes tinha sido um símbolo de
certeza e poder e que provavelmente derivou seu significado de sua referência aos
órgãos sexuais masculinos. (...) Certamente, o um-em-três, três-em-um da Tese,
Antítese e Síntese teve sobre os marxistas um efeito convincente que seria
impossível justificar através da razão.69
No entanto, a crítica à dialética como parte do método de Marx e Engels, não vinha
em um sentido de retirar todo o crédito da teoria, mas de buscar encontrar esses problemas
e falhas para superá-los. Wilson, inclusive, afirma que Marx estava longe da ideia de que a
relação estrutura e superestrutura eram as bases para explicar tudo. Segundo Wilson, ele já
reconhecia que essa possibilidade não era tão imediata assim e cita como exemplo uma
passagem de Crítica da Economia Política, na qual Marx explica as dificuldades de fazer uma
relação entre os avanços econômicos e o desenvolvimento das artes, baseado no exemplo da
68 Wilson, “The Myth of the Marxist Dialectic”, 73.
69 Ibid., 74.
33
Grécia antiga. Cita também, a partir da continuidade de sua análise da mesma obra, um
exemplo em relação a ciência.
No prefácio de Marx (um diferente trabalho do mesmo fragmento já
mencionado) para sua Crítica da Economia Política ele diz que, ao estudar as
transformações resultantes das revoluções sociais, "deve ser sempre feita a distinção
entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser
determinada com a precisão das ciências naturais e as questões jurídicas, políticas,
religiosas, estética ou filosófica - em suma, formas ideológicas, nas quais os homens
tornam-se conscientes desse conflito e o combatem". A ciência natural, então, não
deve estar presente entre os superpostos ideológicos da superestrutura, mas tem uma
precisão da qual ele são incapazes; e a ciência social pode compartilhar dessa
precisão.70
A partir dessas considerações, Wilson critica as posições desenvolvidas por Bernal e
Haldane de defenderem a dialética marxista como uma forma de se compreender a ciência.
J. D. Bernal e J. B. S. Haldane têm tentado mostrar o funcionamento da dialética
na física, química e biologia, respectivamente. A atitude de alguém em relação a esse
tipo de pensamento é naturalmente determinada por um apetite pela metafísica
pura.71
Wilson então conclui sua visão sobre Bernal, de que ele, assim como Engels, vê a
dialética onde ela não existe:
Depois de tudo, as várias descobertas invocadas por Bernal chegaram sem a
intervenção do pensamento dialético - assim como a Tabela Periódica de Mendeleyev,
que tanto impressionou Engels como uma instância de qualidade determinada pela
quantidade, não devia nada à antítese e à síntese; e é difícil ver como eles são
melhorados ao serem unidos à Dialética. No caso de uma delas, a Teoria da
Relatividade de Einsten, o próprio autor deixou registrado a opinião que os escritos de
70 Ibid., 71.
71 Ibid., 75.
34
Engels não tiveram "qualquer interesse em especial no ponto de vista da física atual
ou na forma da história da física".72
A publicação do livro de Bernal The Social Function of Science, em 1939, também
levou a um forte debate com outros cientistas e teóricos. Em seu livro argumentava que:
Na ciência, os homens aprenderam conscientemente a se subordinarem a um
propósito comum sem perder a individualidade de suas realizações. Cada um sabe que
seu trabalho depende daquele de seus predecessores e colegas, e que ele só pode se
concretizar através do trabalho de seus sucessores. Na ciência, os homens não
colaboram porque são obrigados por uma autoridade superior ou porque seguem
cegamente algum líder escolhido, mas porque eles percebem que só nessa
colaboração voluntária cada homem pode encontrar o objetivo. Não há pedidos, mas
o conselho determina a ação. Cada um sabe que só por conselhos, honestamente e
desinteressados, pode ser bem-sucedido, porque tais pareceres expressam tão perto
quanto muitos a lógica inexorável do mundo material, fato teimoso. Os fatos não
podem ser forçados a nossos desejos e cúpulas de liberdade, admitindo essa
necessidade e não fingindo ignorá-la.73
O biólogo John Randal Baker (1900-1984) escreveu um artigo intitulado Counterblast
to Bernalism na revista The New Statesman and NationaI criticando as posições desenvolvidas
por Bernal em seu livro. De acordo com esse autor:
O Bernalismo é a doutrina daqueles que professam que os únicos objetos
próprios da pesquisa científica são para alimentar as pessoas e protegê-las dos
elementos, que os pesquisadores devem ser organizados em gangues e ditos o que
devem descobrir, e que essa perseguição do conhecimento por si mesmo é tão
importante quanto solucionar palavras cruzadas.74
72 Ibid., 73.
73 Bernal, The Social Function of Science, 415-416.
74 Baker, “Counterblast to Bernalism”, 174.
35
O filósofo e cientista Michael Polanyi (1891-1976) também criticou as posições de
Bernal. Ele era um veemente crítico da União Soviética e afirmou que “o marxismo é uma
filosofia de opressão mais inteligente e mais completa do que o Fascismo italiano ou
alemão”75. Para Polanyi, a ciência deveria ser pensada, assim como para Bernal, por um viés
econômico. Porém enquanto Bernal a pensava à luz do marxismo, Polanyi a pensava sob a luz
do liberalismo de Adam Smith.
Foi, na verdade, com isso em mente que eu falei de "a mão invisível" orientando
a coordenação de iniciativas independentes para um avanço máximo da ciência, assim
como Adam Smith invocou a "mão invisível" para descrever a conquista da maior e
mais satisfatória articulação conjunta de material que se dá quando os produtores
independentes e os consumidores são guiados pelos preços dos bens em um
mercado.76
Baker e Polanyi formam, nesse momento, como uma resposta à SRS, a Society for
Freedom in Science, dedicada a se posicionar politicamente através de uma visão liberal para
ciência. Em uma carta para a revista Nature, Polanyi reafirmou suas ideias e argumentou
fortemente contra qualquer tipo de controle sobre a ciência, como via proposto por Bernal e
demais autores da SRS77. Em sua visão, esse era um princípio inegociável:
A ciência existe apenas na medida em que a busca da verdade não é controlada
socialmente. E aí está o propósito do desapego científico. É do mesmo caráter que a
independência da testemunha, do júri, do juiz, do político e eleitor, do escritor e do
professor e seu público, faz parte das liberdades para as quais todos os homens com
75 Polanyi, “The Contempt of Freedom”, 42.
76 Polanyi, “The Republic of Science”, 60.
77 Roberts, “From the History of Science to the Science of History” e Reinisch, The Society for Freedom in Science,
1940-1965.
36
uma ideia de verdade e com orgulho na dignidade de sua alma lutaram desde o início
da sociedade.78
A resposta de Bernal às posições desse cientista veio no último volume de Ciência na
História, em que crítica a visão liberal de ciência como um elemento do século passado (o
século XIX) e que o pensamento coletivo não limitaria as ações individuais, mas apresentaria
uma noção de responsabilidade:
Duas grandes controvérsias agitam presentemente o mundo científico. Será a
organização da ciência compatível com a liberdade, condição necessária para que a
ciência possa progredir? Serão os cientistas responsáveis, e em que grau, pelas
consequências de seu trabalho na vida da sociedade? São, efetivamente, dois aspectos
do mesmo problema, tendo os argumentos aduzidos conseguido dividir os cientistas
em dois campos bastante bem demarcados. De um lado, temos a velha escola saudosa
do século XIX – a idade de ouro da ciência –, desejosa de reduzir a organização ao
mínimo indispensável e permitindo o esforço individual, livre e espontâneo do
cientista devotado. Pretendem ainda esses cientistas dissociar-se tanto possível de
qualquer responsabilidade sobre os efeitos da ciência, que pretendem imputar aos
industriais e aos políticos, embora também aconteça que, na sua maioria, deplorem
tais efeitos. Do outro lado, temos os cientistas, na maioria jovens, que veem na
organização o único meio de assegurar o progresso científico e a sua utilização para
benefício da sociedade. Estes cientistas pensam dever compartilhar das
responsabilidades sobre a utilização da ciência na sociedade, como parte de um
processo de responsabilização democrática mais vasto.79
Importante ressaltar que as tensões sociais do período levaram, como exposto acima,
a uma tendência dos cientistas, intelectuais e artistas de diversas áreas se posicionarem
politicamente. Muitos deles se tornaram militantes ou se aproximaram dos Partidos
78 Letter to the Editor, Nature 25th January 1941, p.119. Citado em Reinisch, The Society for Freedom in Science,
1940-1965.
79 Bernal, Ciência na História, 1335.
37
Comunistas como aconteceu na Grã-Bretanha com os cientistas vermelhos e, também, em
França, como Paul Langevin (1872-1946) e Henri Wallon (1879-1962). Outros desenvolveram
um pensamento crítico à ortodoxia comunista seja com um posicionamento ainda de
esquerda, mas crítico aos Partidos Comunistas e ao stalinismo. Tal foi o caso de Edmund
Wilson e Max Eastman nos E.U.A. Também havia aqueles que se colocavam no campo da
defesa do capitalismo com uma visão mais liberal ou conservadora, como os já mencionados
Baker e Polanyi. 80
Durante a década de 1940, os chamados cientistas vermelhos se mantiveram fortes
na defesa de suas convicções, mas Bernal cumpriu um papel importante para além deles e das
suas pesquisas científicas. A 2ª Guerra Mundial não colocou Bernal apenas como um
expectador ou crítico dos acontecimentos. Ele foi consultor de seu país e se envolveu
diretamente na articulação e preparação do Dia D, sendo condecorado por seus serviços
prestados durante a guerra, com a Royal Medal pela Royal Society.81
O fim da guerra marca um novo período para os Cientistas Vermelhos e, segundo
Roberts, a relação entre o movimento SRS e a União Soviética era forte. Nos anos 1930, a
União Soviética representava externamente uma esperança de racionalidade junto ao
marxismo e uma aliada no combate ao irracionalismo fascista, mesmo com a existência de
teorias como a genética de Lysenko, que era inclusive criticada por Haldane e relativizada por
Bernal. Mas, com o fim da 2ª Guerra, ao mesmo tempo que a União Soviética passa a ser
considerada a nova inimiga da democracia, com as perseguições e crimes cometidos pelo
stalinismo vindo à tona, as construções teóricas soviéticas também passam a ser vistas, não
80 Ceruti, “O Materialismo Dialético dos Anos 30”, 328-329.; Silva, A Dialética como Mito?, 55-81.
81 Calder, “Bernal at War”, 160-190.
38
mais como embasadas em um estudo reflexivo do método marxista, mas, cada vez mais,
enquanto um dogma que servia para justificar as posições de Josef Stalin e o culto a sua figura.
Um exemplo disso, a mencionada teoria genética de Lysenko passa a ser postulada como a
teoria oficial da União Soviética e os que não concordavam com ela eram vistos como a favor
de uma visão “burguesa” sobre a genética. Muitos desses discordantes foram calados pelo
regime stalinista. Isso foi um grande escândalo que repercutiu negativamente sobre o papel
do marxismo como ferramenta para entender a ciência e a mistura entre ciência e política
como algo não desejável. A propagação da ideia de que a União Soviética não era o que os
Cientistas Vermelhos defendiam, fez com que o próprio movimento SRS perdesse força no
final da década de 1940 e fosse se dissolvendo em posicionamentos particulares de cada
cientista.82
Importante ressaltar o fator político que tem, nesse período, a União Soviética, sendo
considerada a inimiga do ocidente democrático e, em consequência, o alarde dos crimes
cometidos por Stalin e o totalitarismo soviético passarem a ter ressonância na Grã-Bretanha,
nesse período pré-Guerra-Fria. A Rússia revolucionária, que tivera contato com inúmeras
experiências, como novas formas de democracia e organização social, expressões de novas
concepções de arte e avanços em direitos básicos, passa a um Estado controlador, em que a
produção artística foi a padronizada sob a estética do Realismo Socialista, a moral
conservadora é reestabelecida e direitos como o aborto são destituídos. A União Soviética
passa por um período de monolitismo político e culto à figura de Stalin, os indivíduos que
podiam representar uma ameaça a construção de sua imagem de líder, ou até o interesse de
82 Roberts, “From the History of Science to the Science of History”, 529-558. Loreto et al., “Repercussões do Caso
Lysenko no Brasil”.
39
seus parceiros, como foi o caso Lysenko, ou os assassinatos de Hessen e Bukharin.83 As
denúncias às situações vividas na União Soviética eram pouco consideradas, enquanto o
Estado era aliado na luta contra o mal maior do fascismo. Um acontecimento importante,
durante os anos de 1940, ilustra muito bem essa questão, a dificuldade de George Orwell
publicar sua obra A Revolução dos Bichos, que era uma grande crítica à decadência do governo
de Stalin. Orwell passou por diversas editoras que negaram publicar sua obra com medo de
criar uma situação de indisposição da Grã-Bretanha com sua aliada do Leste. Ele atribuía esse
desinteresse por sua obra, não apenas a uma indisposição dos governos, mas da própria
intelligentsia britânica.
No momento atual, o que a ortodoxia predominante exige é uma admiração
acrítica da Rússia soviética. Todo mundo sabe disso, e quase todo mundo age de
acordo. Qualquer crítica séria ao regime dos sovietes, qualquer revelação de fatos que
o governo soviético prefira manter ocultos são coisas praticamente impublicáveis.84
No entanto, se os Estados capitalistas mudaram sua posição em relação à União
Soviética e mesmo intelectuais e cientistas como Julian Huxley (1887-1975), isso não se
repetiu com Bernal que manteve uma linha de não a criticar. Porém, no início dos anos 1950,
Bernal, ainda impactado pela 2ª Guerra Mundial e as novas tensões políticas que marcariam
a Guerra Fria, além de passar a fazer uma crítica aos rumos dos interesses científicos propostos
pelo capitalismo e estremecido pelos rumos que tomou o movimento SRS e a própria URSS
83 Trotsky, A Revolução Traída; Andrade, “O Realismo Socialista e suas (In)Definições”, 152-165. Não são muitos
os estudos que se dedicaram a explicar as mortes de tantos indivíduos importantes na União Soviética do final
dos anos 1930, entre as quais se encontram as de Hessen e Bukharin; entretanto, conforme documentos
governamentais soviéticos eles teriam se tornado conspiradores ou terroristas. Sobre esse tema ver Broué, O
Processo de Moscovo.
84 Orwell, “A Liberdade de Imprensa”, 125-139.
40
muda, o foco de seus escritos. Não deixa de defender o marxismo, nem mesmo a União
Soviética como o modelo ideal, ainda que busque, agora discutir a partir da história da ciência
os processos históricos que poderiam apontar para a construção de uma sociedade que
efetivasse os ideais socialistas. Mas passou, também, a dedicar muito de suas ações políticas
em defesa do pacifismo e da democracia como um valor universal, que levou à publicação de
seu livro World Without War.85
Os estudos de Bernal em História da Ciência, no início dos anos de 1950, como já
exposto, produziram duas importantes obras Ciencia e Industria en el Siglo XIX e Ciência na
História em que Bernal desenvolveu suas ideias sobre a Revolução Científica. A preocupação
se focava, nesse momento, nos conflitos incessantes na humanidade, a Guerra Fria entre URSS
e EUA é o novo motor das postulações de Bernal, “os dois campos em que o mundo hoje se
divide exemplificam objetivos diferentes do uso da ciência; a urgência em reconciliá-los deve-
se, em parte, ao caráter catastrófico e suicida da guerra científica moderna.”86
Interessante notar que por mais que defenda o modelo soviético como solução para
os problemas que enxergava na relação entre sociedade e ciência, no que diz respeito à
guerra, sua postura era de total negação da necessidade de sua existência. Não buscava
encontrar um único culpado para a mesma - não há aqui uma defesa da luta soviética sobre o
capital - mas sim uma defesa da paz, de modo a deixar a ciência caminhar e evoluir para
melhorar a vida das pessoas. Tal melhora, para Bernal, estava em três áreas da ciência naquele
momento: novas formas de energia, computadores e genética.
85 Montagu, “The Peacemonger”, 212-234.
86 Bernal, Ciência na História, 7.
41
Conforme Bernal, o desenvolvimento de formas de energia que tenderiam a se tornar
cada vez mais eficientes deveria ser buscado. Em suas palavras:
A primeira foi a disponibilidade de energia em quantidades ilimitadas, não
apenas a partir da fissão atômica, mas também com a constatação de que as fontes de
combustíveis convencionais, particularmente o petróleo, no mundo eram múltiplas
vezes maiores do que se havia imaginado ser. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento
de novos métodos de produção de energia elétrica a partir do calor, como a geração
magneto-hidrodinâmica, em parte o produto da engenharia de energia de energia
atômica, aumentou a eficiência dos motores de calor para o nível de cerca de 60 contra
30 Por cento, efetivamente dobrando a quantidade de energia disponível por unidade
de combustível. 87
O computador, que para Bernal foi a maior invenção da época moderna e como
resultado de acúmulo de conhecimentos já existentes, também era valorizado:
A segunda e talvez maior invenção com efeito é a puramente lógica e
matemática que vem com o desenvolvimento do computador. Este é um exemplo da
desproporção entre a característica científica essencial de uma invenção e sua
utilidade. As noções matemáticas por trás do computador moderno não são mais
complexas do que as do computador projetado pela primeira vez por Pascal no século
XVII e parcialmente executado por Babbage no século XIX. O que voltou à vida foi a
forma de realizá-lo: os componentes, as engrenagens de madeira e até mesmo as de
metal, como as máquinas anteriores, eram circuitos elétricos muito rapidamente
comutados, primeiro por meio de semicondutores. O resultado não foi uma invenção
de nenhuma pessoa - não exigiu gênio, mas simplesmente aplicação de métodos
conhecidos a problemas conhecidos. Mas uma vez que veio, era ter efeitos enormes
que apenas começam a ser vistos.88
87 Bernal, “After Twenty-Five Years”, 214-215.
88 Ibid., 215.
42
O computador poderia cumprir em sua visão, o que veio a se provar no presente, um
papel central na automatização das ações humanas trazendo uma nova relação entre homem
e máquina.
O [uso] mais óbvio deve ser mostrado na indústria, onde iniciou uma grande
revolução industrial de transferir para a máquina não só força, mas também
habilidade. Desta forma, pode e irá rapidamente colocar um fim de uma das piores
características da primeira revolução industrial, o uso do homem como cuidador de
máquinas.89
Por fim, Bernal também apontava a importância do aprofundamento dos estudos da
biologia e as ramificações desta em novas áreas do conhecimento que levaram a novas
descobertas em genética.
A terceira característica da transformação do nosso tempo que também
é de grande importância é a compreensão de um nível mais profundo de
processo biológico. As grandes descobertas de meados do século XX em
bioquímica e na sua transformação em microbiologia ultra-micro-bioquímica do
interior da célula, culminação na elucidação do mecanismo genético e do código
genético, não são apenas grandes triunfos intelectuais, mas, pela primeira vez,
da a possibilidade de controle consciente do processo biológico.90
Pode-se perceber o quanto John Desmond Bernal esteve no centro dos debates sobre
o fazer científico em seu tempo, bem como de uma nova abordagem sobre a História da
Ciência. As preocupações sociais expressas em suas teorias e os debates travados com
importantes intelectuais e cientistas, os quais possuíam posições distintas das suas,
89 Ibid., 215.
90 Ibid., 215.
43
construíram uma importante passagem nos estudos de da História da Ciência, na primeira
metade do século XX.
44
Capítulo 3
A Ideia de Revolução Científica em John Desmond Bernal e sua Relação com a Ideia de
Produção no Marxismo
As análises historiográficas e sociológicas de Bernal, sobre a ciência, estão ancoradas
em sua compreensão das ideias de Marx e Engels. O capítulo anterior se debruçou sobre as
condições contextuais que contribuíram para que Bernal trilhasse tais caminhos.
Nesse capítulo, será abordada uma análise da concepção de Revolução Científica
expressa em sua obra Ciência na História, em relação à ideia de produção na teoria marxista,
que Bernal tenta estabelecer em sua narrativa.
Como o próprio título indica, Bernal não escreveu um livro exclusivo para tratar da
Revolução Científica, mas esta ideia compõe o que podemos chamar de primeira parte da
obra. Ciência na História, como observado por Ravetz e Westfall, é um livro que pode ser
dividido em dois grandes temários, uma primeira parte trata de uma análise histórica que vai
do Paleolítico até Era Vitoriana, da qual então faz parte a Revolução Científica, e uma segunda
parte, de cunho mais sociológico, que passa a problematizar a ciência de seu tempo.137
Para Bernal, o objetivo de Ciência na História era de “... contribuir para uma melhor
compreensão de alguns dos problemas cruciais que resultam do impacto da ciência sobre a
sociedade”138. Seguindo esse raciocínio, na construção de seu objetivo, afirma que:
137 Ravetz & Westfall, “Marxism and the History of Science”, 394-395.
138 Bernal, Ciência na História, 7.
45
Nos seus aspectos materiais, a civilização, tal como hoje a concebemos, seria
impossível sem o concurso da ciência; mas a ciência tem afetado a civilização, com
igual profundidade, nos seus aspectos intelectuais e morais – a difusão das ideias
científicas tem sido um fator decisivo na moldagem dos padrões do pensamento
humano.139
Nessa passagem pode ser observado como o autor não apresenta intenção em
analisar e compreender a História da Ciência com um norte apenas voltado para
determinismos econômicos, ou de uma pressão do social sobre o científico. É possível
perceber a importância dada a ciência para os aspectos intelectuais e morais. Bernal é crítico
de uma visão a qual privilegie apenas as análises dos aspectos intelectuais e ao, iniciar sua
análise mais detida sobre a Revolução Científica, reafirma essa crítica e postula novamente a
necessidade de considerar os aspectos intelectuais e materiais.
De uma maneira geral, os autores que se têm ocupado da história da ciência
têm-se limitado a sublinhar os aspectos intelectuais, vendo assim toda a
transformação como uma mudança de maus para bons argumentos a partir de
primeiras premissas auto-evidentes, ou como uma questão de observações mais
cuidadosas e avaliações mais exactas de factos evidentes. (...)
Por outro lado, considerar apenas os interesses técnicos e económicos seria
igualmente inadequado. É preciso entrar em linha de contato tanto com as atitudes
mentais como com as preocupações materiais.140
Mas, essa visão complementar entre elementos materiais e intelectuais se estabelece
dentro da perspectiva da dialética marxista, em que o elemento material se apresenta como
predominante ou fundante do elemento intelectual. Isso ocorre, porque, na concepção
139 Ibid., 7.
140 Ibid., 371.
46
marxista, para se compreender as relações humanas é preciso compreender como que essa
sociabilidade está vinculada à ideia de produção.
Na teorização de Bernal, essa ideia permeia diversas de suas colocações sobre a
Revolução Científica e já está apresentada desde a introdução do livro Ciência na História.
Assim, no trecho reproduzido a seguir, Bernal busca relacionar sua ideia de ciência e fazer
científico à ideia de produção marxista, para desenvolver a sua abordagem historiográfica:
Todas as características descritas nos parágrafos anteriores podem servir para
descrever a ciência – como instituição, como método, como coleção crescente de
experiências cada vez mais organizada. Contudo, por si sós, não bastam para explicar,
nem as principais funções que a ciência hoje desempenha, nem as razões que,
originalmente, levaram a ciência a emergir como forma especializada de atividade
social. Tal explicação encontra-se no papel que a ciência desempenhou, e
desempenha, em todas as formas de produção.141
É possível observar muitas outras passagens de suas análises em que a ideia de
produção se apresenta como fator explicativo para o fazer científico, inclusive, ao trabalhar a
ideia de Revolução Científica. No entanto, antes de adentrar a análise de outras
argumentações de Bernal, cabe entender, de modo mais profundo, a importância da ideia de
produção dentro da teoria marxiana.
O conceito de produção, entendido em dois sentidos, o modo de produção e as
relações de produção, é o alicerce pelo qual se eleva todo o edifício metodológico e teórico
do marxismo e de Marx. A discussão destes dois elementos estão presentes direta ou
indiretamente em boa parte dos trabalhos publicados por Marx, seja durante sua vida, como
141 Ibid., 36.
47
O Manifesto Comunista de 1848 e O Capital, de 1867, ou nos escritos que foram compilados
e publicados após sua morte, em 1983, por Engels, como O Capital, vol. II, de 1885 e, ainda,
os publicados, mais tarde, pelo Instituto Marx e Engels142 (depois da década de 1930 sendo
refundado como Instituto Marx, Engels e Lenin), em Moscou, a partir da década de 1920 como
Grundrisse, A ideologia Alemã e Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.143 Deve ser ressaltado,
aqui, que Bernal tinha contato com essas publicações por meio de traduções para o Inglês,
sendo que essas obras são mencionadas por ele, individualmente, como Crítica da Filosofia do
Direito de Hegel, ou por compilações nos Selected Works, volumes I e II, publicados em 1942.
Em A Ideologia Alemã, a ideia de produção é trabalhada de forma extensiva e
intensiva como na passagem que segue:
... devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a existência
humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os
homens têm de estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas para
viver, precisa-se antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas
coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação
dessas necessidades, a produção da própria vida material, este é, sem dúvida, um ato
histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como
há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter
os homens vivos.144
Marx diz então que a produção dos meios de vida é o que se pode considerar como
o processo pelo qual o próprio homem, enquanto ser histórico, é formado, e na passagem que
142 Cerqueira, “David Riazanov e a Edição das Obras de Marx e Engels”, 199-215.
143 As obras de Marx e Engels foram analisadas a partir das traduções feitas pela Editora Boitempo que tem sido
referência na publicação da obra desses autores no Brasil nos últimos 20 anos.
144 Marx & Engels, A Ideologia Alemã, 32 - 33.
48
segue, é possível observar a relevância do aspecto das produções materiais para o
comportamento e as relações sociais entre os homens e, portanto, para se compreender a
história em todos os seus níveis e sentidos é preciso atrelar esse estudo ao estudo dos modos
de produção e das relações de produção.
A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na
procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação
natural, de outro como relação social –, social no sentido de que por ela se entende a
cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a
finalidade. Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada
fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma
determinada fase social – modo de cooperação que é, ele próprio, uma “força
produtiva” –, que a soma das forças produtivas acessíveis ao homem condiciona o
estado social e que, portanto, a “história da humanidade” deve ser estudada e
elaborada sempre em conexão com a história da indústria e das trocas.145
Essas relações humanas ao longo do tempo foram cristalizadas em diferentes
interesses e papéis sociais, aos quais Marx chamou de classes sociais. Essas classes eram
dividas entre os que possuíam, em um determinado momento histórico, as forças produtivas
e os que trabalhavam para manter esse modo de produção funcionando. Porém, tal processo
não era algo harmonioso, pois as classes exploradas lutavam contra as classes exploradoras,
fato esse que se acirrava sempre que o desenvolvimento de novas formas de produção
entravam em choque e em contradição com as relações de produção. Na visão marxiana essa
“guerra terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou
pela destruição das duas classes em conflito”146. Assim, os conflitos de classes e as novas
145 Ibid., 34.
146 Marx & Engels, Manifesto Comunista, 40.
49
formas de produção que se sucedem são os motores da história e moldam o modo de pensar
do humano.
Essa concepção mostra que a história não termina por dissolver-se, como
“espírito do espírito”, na “autoconsciência”, mas que em cada um dos seus estágios
encontra-se um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação
historicamente estabelecida com a natureza e que os indivíduos estabelecem uns com
os outros; relação que cada geração recebe da geração passada, uma massa de forças
produtivas, capitais e circunstâncias que, embora seja, por um lado, modificada pela
nova geração, por outro lado prescreve a esta última suas próprias condições de vida
e lhe confere um desenvolvimento determinado, um caráter especial – que, portanto,
as circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias.147
Até aqui é possível ver a importância que Marx dá à produção como condicionante da vida
social em uma ação de múltiplas determinações, na qual o humano é, ao mesmo tempo, fruto
e criador. Logo na visão marxiana e, também, no marxismo, a ideia de produção se coloca
como o elemento a ser compreendido para se fazer uma análise social e histórica.
Nesse sentido, é possível compreender o caminho no qual se propõe Bernal, em seu
livro Ciência na História, tratar a questão da produção, desde os tempos mais remotos da
humanidade até o presente, como fator determinante no fazer científico, e como as mudanças
nos modos de produção modificaram as concepções sociais e as visões de ciência.
Esse modelo interpretativo proposto por Bernal segue, à risca, a própria tradição
teórica do marxismo.
A ciência tem uma história estranhamente irregular: as grandes explosões de
atividade seguem-se longos períodos estéreis até que ocorre nova explosão, muitas
vezes num país diferente. Mas o onde e o quando da atividade científica nada tem de
147 Marx & Engels, A Ideologia Alemã, 43.
50
acidental; verifica-se sempre que os seus períodos de florescimento coincidem com os
de maior atividade econômica e progresso técnico. O trilho seguido pela ciência é o
que seguiram o comércio e a indústria – do Egito a Mesopotâmia à Grécia, da Espanha
islâmica à Itália renascentista, daqui para os Países Baixos e França, logo para Escócia
e Inglaterra da Revolução Industrial.148
Bernal vê o processo de produção científico atrelado ao da produção econômica e ao
desenvolvimento de novas técnicas e meios de produção. Logo, ainda que haja em sua visão
uma ideia de progresso a longo prazo, a ciência, assim como os modos de produção, são
marcados por períodos de forte crescimento e estagnação.
... são estas relações de produção, dependendo como dependem dos meios
(técnicos) de produção, que fornecem o estímulo para as modificações desses meios,
dando assim origem ao aparecimento da ciência. Quando as relações de produção
estão em rápida transformação – como acontece quando uma nova classe começa a
ascender a uma posição dominante – há maiores incentivos para que se aperfeiçoem
os meios de produção; para que aumente a riqueza, e consequentemente poderio, da
nova classe, nessas fases, a ciência é, por conseguinte, encorajada. Uma vez que essa
classe se encontra firmemente instalada no poder e se considera suficientemente forte
para impedir a ascensão de uma nova classe rival, tem todo o interesse em manter as
coisas como estão – as técnicas tornam-se tradicionais e a ciência é desencorajada.149
Na análise de Bernal, entretanto, haveria uma mudança significativa durante a
Revolução Científica, pois esta marcaria o “período que as ciências naturais ultrapassam o seu
ponto crítico, assegurando-se um lugar permanente entre as forças produtivas da
sociedade”150 . Ou seja, a ciência deixa de ser apenas fruto das mudanças sociais, para passar
a ser, para Bernal, fator que leva a mudanças sociais, a relações sociais e culturais entre os
148 Bernal, Ciência na História, 37.
149 Ibid., 39.
150 Ibid., 368.
51
homens, o que em sua visão é um divisor de águas na história da humanidade, maior até
mesmo que o desenvolvimento da agricultura.
Quando olhamos a história em profundidade e a longo prazo verificamos que
este fato é muito mais importante que qualquer dos eventos políticos ou econômicos
da época, pois o capitalismo é apenas uma fase temporária na evolução econômica da
sociedade, enquanto a ciência representa uma aquisição permanente da humanidade.
Se o capitalismo, de início, tornou possível a ciência, a ciência, por sua vez, viria a
tornar o capitalismo desnecessário.151
A construção da narrativa de Bernal sobre a Revolução Científica, portanto, é
compreendida a partir da ideia de produção em dois sentidos. Primeiro, enquanto uma
consequência das mudanças nos fatores determinantes da vida social, principalmente os
fatores de produção econômica e suas transformações ao longo dos séculos que envolvem a
Revolução Científica. Além disso, esta seria dividida em três fases históricas, “a fase do
Renascimento, de 1440 a 1540; a das Guerras da Religião, de 1540 a 1650; e a da Restauração,
de 1650 a 1690”152. E uma segunda questão está na constituição da ciência natural como uma
força produtiva capaz de exercer influências no modo de pensar da sociedade.
No que toca ao primeiro elemento, o trabalho de Bernal está voltado para a
caracterização dos aspectos econômicos do período, bem como das mudanças nos setores
produtivos em cada uma das fases acima citadas, como pano de fundo para as mudanças
sociais e, por conseguinte, do fazer científico.
151 Ibid., 368-369.
152 Ibid., 372.
52
A primeira fase, o Renascimento, é descrita como um processo de reestruturação
marcado pelo desenvolvimento das cidades, do comércio e da indústria,. Além disso, é dada
ênfase ao papel preponderante que o dinheiro passa a ter nas trocas econômicas, em
contraposição às trocas por serviços no medievo. Dentro dessa nova situação econômica e
social, Bernal afirma que a relação com a Igreja não fora de embate em um primeiro momento,
uma vez que ela conseguiu manter altos rendimentos, mesmo com as mudanças sociais que
estavam acontecendo na Europa e, são as cidades como Veneza, Génova, Milão e Florença
que se destacaram nesse período. Mas, quando esse novo modelo de relação econômica
passa a se expandir para os demais países da Europa como Alemanha, Países Baixos, França e
Inglaterra é que se pode ver as consequências mais radicais e de conflitos com os interesses
da Santa Sé, que se deram tanto pela Reforma de Lutero, como no Calvinismo e nas revoltas
camponesas que eclodiram nessa época.153
Bernal busca demonstrar a partir daí que esses acontecimentos levaram as
sociedades europeias, não para um processo de maior democracia social vinda desses
movimentos, mas sim, para o modelo absolutista.
Contudo, a questão da democracia não viria a ser levantada eficazmente senão
na fase seguinte. A forma política que primeiro viria a suceder o sistema feudal de
poderes e fidelidades classificados seria representada pelos príncipes de direito
absoluto, cujo poder dependia do apoio das classes mercadoras que podiam até ser
eles mesmos mercadores ...154
153 Ibid., 375-376.
154 Ibid., 376.
53
Os elementos abordados por Bernal até então descrevem os traços econômicos e
políticos gerais que, em sua visão, constituíram o Renascimento e a Reforma. Sobre a Reforma,
as poucas questões levantadas estabelecem o limite da abordagem de Bernal em sua relação
com o Renascimento, no primeiro período da Revolução Científica.
Renascimento e a Reforma são dois aspectos de um mesmo movimento
tendente a transformar o sistema de relações sociais: de um, baseado em condições
hereditárias fixas; para outro, baseado na compra e venda de artigos e de trabalho. O
principal factor económico ao estimular tal movimento foi a rápida extensão do
comércio tornada possível pela maior quantidade de excedentes ...155
Esses excedentes têm um papel muito importante, pois tratam da possibilidade
comercial que foi enriquecida com a navegação e as novas rotas comerciais. A rota posta como
destaque por Bernal é com o Oriente em um primeiro momento, mas destaca, no longo prazo,
a descoberta do continente americano e as transações econômicas que se colocam a partir
dele. 156 O novo modelo produtivo e comercial, altamente dependente da navegação, definiu
para o autor o rumo da ciência, pois
O lucro deste comércio ultramarino tornou possível pela primeira vez na história
a acumulação de capital fluido, isto é, capital investido em empresas produtivas e não
já apenas em terra. A ganância do lucro levou ao rápido desenvolvimento da
construção naval e da navegação; e o progresso da navegação iria ter efeitos decisivos
no começo da ciência moderna.157
Se a longo prazo, Bernal considera a navegação como elemento chave, o
desenvolvimento inicial do Renascimento é visto como um período de transição do
155 Ibid., 376.
156 Ibid., 377.
157 Ibid., 378.
54
Feudalismo para o Capitalismo. Esse período não é marcado pelo aparecimento de um novo
e revolucionário aparato técnico que muda completamente a produção, mas “... trata-se mais
do resultado da acumulação de inúmeros pequenos progressos independentes, juntamente
com uma disseminação mais rápida desses melhoramentos através das novas vias
comerciais”158.
Assim, essa fase é descrita como um período inicial marcado por elementos que se
tornaram mais tarde fundamentais, como a navegação. A leitura proposta por Bernal, da
relação com o fazer científico, vai pelo mesmo caminho. Bernal vincula esse período de
mudanças como um momento das primeiras tentativas de pensar o mundo através de novas
perspectivas, porém sem ainda ter os recursos necessários para o desenvolver o potencial
intelectual dos homens de ciência, para exemplificar essa relação trabalha o exemplo de
Leonardo da Vinci159.
O estudo dos inúmeros dispositivos mecânicos propostos e desenhados por
Leonardo, desde laminadores a máquinas móveis para a abertura de canais, faz
ressaltar outro aspecto da tragédia do seu génio. Leonardo podia inventar máquinas
para quase todos os fins e era capaz de as planificar e desenhar extremamente bem,
mas quase nenhuma delas, e nenhuma das mais importantes, poderia funcionar
mesmo que lhe tivesse sido possível reunir o capital necessário para as construir. Sem
um conhecimento quantitativo da estática e da dinâmica, e sem o uso de uma fonte
158 Ibid., 378.
159 Estudos mais recentes em História da Ciência sobre a figura de Leonardo, como o de Martin Kemp em seu
livro Leornardo da Vinci de 2004, apontam para um homem muito longe do prestígio, que como o próprio Kemp
coloca, as lendas divulgaram ao longo do tempo, o autor aponta que Leonardo não teve grande sorte como
pintor e escultor ao longo da vida, tendo vendido muitos poucos quadros e que mesmo Gioconda teria
permanecido com ele até a morte. Kemp ressalta ainda que, para além dos desenhos que são conhecidos de
Leornardo, pouco se sabe sob suas tentativas de construir algo, que seu trabalho como arquiteto seria muito
mais como um consultor. Ver Kemp, Leonardo da Vinci, 37.
55
de força motriz como a máquina a vapor, o engenheiro renascentista não podia ir
muito além dos limites estabelecidos pela prática tradicional.160
Em relação a esses homens de ciência que compõem a primeira fase, destaca sua
formação nas cidades prósperas onde hoje se localiza a Itália, que concentravam as transações
comercias da época. Também comenta sobre a importância dada aos múltiplos saberes e aos
saberes práticos em um processo de conciliação dos saberes teóricos:
As técnicas das artes e ofícios tornaram-se mais importantes durante o
Renascimento que na época clássica porque deixaram de estar nas mãos dos escravos
para estarem nas mãos de homes livres, e estes já se não encontravam distanciados
social e economicamente dos que governavam a nova sociedade como acontecera na
Idade Média.161
Já, a segunda fase admitida por Bernal, seria marcada pela consolidação do poder
econômico de Holanda e Inglaterra sobre a qual o estudioso discorre, muito sucintamente,
apontando para diversas questões que envolvem a constituição do que é conhecido na
fraseologia marxista como capitalismo comercial.
No que toca às técnicas de produção, Bernal retoma a importância do
desenvolvimento da indústria naval e a consolidação de um modo de vida burguês:
A agricultura continuava a ser a ocupação predominante e a tecelagem de lãs a
principal indústria. Não obstante, as mudanças pairavam no ar. A construção naval ia
se aperfeiçoando com a experiência e com a navegação. O incremento do comércio e
a baixa dos custos de transporte levaram a uma distribuição muito mais ampla da
riqueza entre a burguesia.162
160 Bernal, Ciência na História, 391.
161 Ibid., 381.
162 Ibid., 408-409.
56
Destaca, também, que é um período de avanços, mas não de revoluções. Discute a
questão da produção de ferro e o papel que teve o carvão mineral como o principal
combustível do período:
... o carvão mineral viria a eliminar as crises periódicas de combustível que no
passado sempre haviam obrigado a civilização a mover-se em busca de florestas por
cortar. Daí por diante os centros da indústria, e, com estes, os centros da civilização,
deslocavam-se para a vizinhança das zonas carboníferas, onde iriam permanecer
durante cerca de quatrocentos anos. Foi este fator, mais que qualquer outro, que deu
a Grã-Bretanha predomínio industrial.163
Se o período é marcado pelo processo de consolidação da burguesia como classe, na
ciência o processo é similar com Copérnico e Galileu, consolidando o método experimental e
observacional.
Na ciência, este período inclui os primeiros grandes triunfos da nova atitude
observacional e experimental. Abre logo a seguir à exposição do sistema solar por
Copérnico, e fecha com a sua confirmação inequívoca, apesar da condenação da Igreja,
nos trabalhos de Galileu.164
Ao tratar desses “triunfos” fica claro como Bernal generaliza mudanças nas quais
observava nas ciências físicas para toda a ciência. Esse modelo, que entende a Revolução
Científica a partir da especificidade do processo constituição da física, era um ponto passivo
nas obras publicadas por Koyré, Butterfield e Hall em sua época e foi, mais tarde, canonizado
na obra de Kuhn Estrutura das Revoluções Científicas.165
163 Ibid., 411.
164 Ibid., 407.
165 Alfonso-Goldfarb & Beltran, “A História Contemporânea e as Ciências da Matéria”, 49-73.
57
A última fase em que Newton consagra o modelo mecânico de mundo como o grande
modelo de ciência, na leitura de Bernal, apenas é possível, porque nas regiões onde a ciência
se desenvolveu, a burguesia havia se consolidado no poder, como na Grã-Bretanha, ou por ter
desfrutado de um importante peso político nas decisões do Estado, como na França. Esse
período é retratado como estável do ponto de vista dos conflitos, e que, aos poucos, as
manufaturas – o novo modelo de produção burguês –, foram se estabelecendo,
principalmente na Grã-Bretanha, após o período de guerra civil.
O grande incremento das manufaturas e do comércio que se seguiu ao fim da
guerra civil, juntamente com as novas possibilidades da navegação, mantiveram muito
vivo o interesse pelas invenções mecânicas. As circunstâncias de tempo e lugar eram
em todos os aspectos altamente propícios ao crescimento da ciência.166
Bernal aponta que foi este movimento, apoiado economicamente na manufatura e
nas trocas comerciais, com uso importante da navegação, o fator determinante para, nessa
fase da ciência, ela ter se tornado elemento indispensável a[à produção.
Os governos e as classes dominantes de todas as principais nações tinham
interesses comuns no comércio e na navegação, assim como nos melhoramentos da
manufatura e da agricultura. Esses interesses viriam fornecer a motivação e o impulso
para as realizações culminantes desta terceira fase da Revolução Científica, a primeira
em que se faz um esforço organizado e consciente para utilizar a ciência para fins
práticos.167
Bernal elenca ainda duas questões importantes dessa fase, a independência
financeira destes homens de ciência que, de modo geral, eram burgueses e, também, os
papéis que cumpriram as sociedades científicas, unindo estes homens de ciência. Destacaram-
166 Bernal, Ciência na História, 445.
167 Ibid., 447.
58
se, nesse processo, a fundação da Royal Society e da Académie Royale de Paris. Porém, ainda
que o texto apresente algumas distinções e diferenças entre o modelo inglês e o francês de
instituições científicas, fica claro que a atenção de Bernal está para com sua própria casa.
Os esforços dessas sociedades científicas são descritos, justamente, no uso da ciência
para a resolução de problemas técnicos como os da “bombagem e da hidráulica, da artilharia
e da navegação”168. Esse último é o que apresenta o maior destaque.
Foram especialmente os problemas da navegação que forneceram o estímulo
para o progresso da ciência, pois foi através do ataque a estes problemas que os
dois elementos essenciais da ciência anterior – a mecânica e a astronomia – se
reuniram na grande síntese efetuada por Newton.169
Sobre a astronomia Bernal afirma que a problemática mais importante foi a “...
determinação da longitude, necessidade essencial das navegações oceânicas ...”170, pois essa
estava ligada à nova visão sobre o sistema solar, que, embora aceita através dos trabalhos de
Copérnico-Kepler-Galileu, ainda não havia sido explicada fisicamente, o que seria feito por
Newton.
Bernal, nesse ponto diz, que não se pode deixar levar por uma visão presentista e dar
destaque apenas à questão da astronomia. Para ele, outros importantes estudos foram
desenvolvidos naquele período, como a ótica e a teoria da luz, estreitamente relacionado à
astronomia, através do telescópio e, à biologia através do microscópio.171
168 Ibid., 448.
169 Ibid., 448.
170 Ibid., 457.
171 Ibid., 463-471.
59
Por maiores esforços coletivos que existissem, inclusive na relação com as sociedades
científicas, segundo Bernal, boa parte desses estudos ainda estavam postulados em ações
individuais. Em sua visão, duas figuras, do período, são destaques nessas iniciativas de
estudos, as quais Bernal faz uma breve descrição de seus trabalhos, Robert Boyle e Robert
Hooke.
Por fim, é importante considerar o último elemento abordado por Bernal, as fases da
Revolução Científica, a construção de Newton da nova cosmologia
... o interesse central e o maior triunfo científico do século XVII foi
indubitavelmente, a compleição de um sistema geral de mecânica capaz de explicar
os movimentos das estrelas em termos do comportamento observável da matéria
na superfície terrestre.172
Bernal coloca ênfase no papel que cumpriu, para ele, a principal publicação de
Newton, Os Principia. A obra teve a função de destronar a cosmologia Aristotélica, bem como
superar as proposições feitas por Descartes e Galileu e assumir o posto de nova cosmologia
no pensamento científico. Segundo Bernal, o objetivo de Newton com seu trabalho era
... com certeza, demonstrar como a gravitação universal podia manter o sistema
do mundo; mas queria fazê-lo não à velha maneira filosófica, mas a à nova maneira,
física e quantitativa. Para tal, tinha mais duas tarefas a cumprir: primeiro, demolir
as concepções filosóficas antigas e modernas; e, depois, estabelecer a sua, não só
como a maneira correta de explicar os fenômenos, mas também como a mais
rigorosa.173
172 Ibid., 475.
173 Ibid., 483.
60
Bernal trabalha a ideia de que o desenvolvimento da teoria newtoniana só foi
possível graças a outra elaboração de Newton, o cálculo infinitesimal
O cálculo, tal como Newton o desenvolveu, podia ser utilizado, e foi utilizado por
ele, para resolver grande variedade de problemas mecânicos e hidrodinâmicos. Tornou-se
logo o instrumento matemático para a compreensão de variáveis e de movimentos e, daí,
de toda a engenharia mecânica e permaneceu, até ao nosso século, o instrumento único
para o estudo de tais problemas.174
Em uma breve análise dos Principia, Bernal destaca o momento da refutação,
principalmente da teoria dos vórtices de Descartes. Elenca também, a construção da teoria de
Newton ser exposta, não a partir do cálculo infinitesimal, mas pela geometria grega clássica,
que era compreensível aos demais matemáticos e astrônomos. De acordo com Bernal o
resultado prático dessa publicação de Newton, no campo produtivo e das técnicas, “foi a
elaboração de tábuas náuticas muito mais rigorosas”175 , ainda que, como a de praxe em seu
trabalho, não apresente fontes que sustentam essa afirmação.
A nova cosmologia de Newton é apresentada com uma mudança importante em
relação a Aristóteles, pois, segundo Bernal, dispensa a necessidade de um primeiro Motor,
Deus agora não seria o ser necessário para o movimento original, no máximo para a criação.
Nesse sentido, Newton fez uma proposição, para Bernal, contrária ao modelo de concepção
religiosa de mundo que vinha sendo mantida a partir do alicerce aristotélico.
O sistema newtoniano do universo representava uma concessão considerável por
parte da ortodoxia religiosa, pois nele a mão de Deus já não aparecia com clareza em
174 Ibid., 482.
175 Ibid., 484.
61
todos os eventos celestes e terrenos, mas apenas num acto geral de criação e
organização inicial do conjunto. 176
Bernal propõe que a nova cosmologia de Newton pode ser considerada uma ruptura
radical, no sentido das interpretações dos fenômenos e dos seres através da mecânica e da
matemática, mas mantém, assim como o conjunto da ciência feita em sua época, a
possibilidade de conciliação com o divino para explicação da criação desses seres. Essa
possibilidade, enquanto elemento ideológico, é visto por Bernal como consequência da forma
como a sociedade estava composta a época dos escritos de Newton.
... Deus tornara-se, como os seus representantes na Terra uma espécie de
monarca constitucional. Pelo seu lado, os cientistas comprometeram-se a não invadir
o território especial da religião – o mundo da vida humana, com as suas aspirações e
responsabilidades.177
Bernal conclui que a teoria newtoniana espelharia, assim, a ideologia de uma
sociedade assentada sobre a monarquia constitucional. Mas também a valorização da ação
individual e do mérito em contraponto à hierarquia baseada na tradição dos períodos
anteriores
Newton estabelecera, de uma vez por todas, um ponto de vista dinâmico, do
universo, em vez do ponto de vista, estático, que satisfizera os antigos. Esta
transformação, combinada com o seu atomismo, mostrou que Newton estava em
harmonia inconsciente com o mundo econômico e social do seu tempo, em que a
iniciativa individual, onde cada homem tinha de merecer o que ganhava, estava a
176 Ibid., 485.
177 Ibid., 485.
62
substituir a ordem hierárquica dos períodos clássico e feudal, onde cada homem
conhecia o seu lugar.178
A construção de Bernal acerca de cada uma das fases da Revolução Científica
apresenta uma correlação entre um panorama geral dos aspectos econômicos e, em
decorrência desses dos aspectos sociais e políticos, dos quais a ciência é reflexo imediato.
Esses elementos descritos por Bernal podem ter sua importância e validade para se
compreender as condições gerais desse longo período histórico, porém ao não procurar
abordar as idiossincrasias envolvidas na vida e nos fazeres de cada homem de ciência, a
narrativa não se sustenta. Mostra-se falho o modelo adotado por Bernal de tentar confluir
pequenos ou breves excertos para tratar de cada homem de ciência ou de um assunto voltado
para a Revolução Científica. Ao tentar dar conta de um todo tão complexo, a análise abreviada
que faz das partes não consegue levar o leitor à compreensão desse momento da história da
ciência, uma vez que apresenta ambientações e abordagens genéricas. Bernal não enfatiza em
compreender os interesses, motivações, condições, debates e visões de mundo de uma
determinada época.
Nesse sentido, por mais que o autor afirme que era preciso relacionar os aspectos
intelectuais com os aspectos materiais e, que esses demonstrassem a correlação entre o fazer
científico e o desenvolvimento social e econômico das forças produtivas. A maneira como
construiu cada fase em que separava um trecho para ambientar genericamente um dado
178 Ibid.,486-487. Em relação a ideia de Newton ter uma ideologia baseada na relação econômica de sua época,
Bernal constrói uma nota de rodapé em seu texto para responder, de modo breve, a crítica de Hebert Dingle
(1890-1978) que contesta essa tese. No entanto pela falta de aprofundamento do debate por parte de Bernal, e
mesmo, a falta da fala do próprio Dingle no debate, fez com que essa questão não seja abordada nesse trabalho.
63
período, para depois passar a expor sobre todo o fazer científico da época se mostra
insuficiente enquanto elemento explicativo.
Alfonso-Goldfarb, Ferraz e Beltran mostram como nas últimas décadas a dicotomia
entre os aspectos materiais e intelectuais – que Bernal propunha ser necessário superar para
análises em História da Ciência – foram revistos sob novas perspectivas que entendiam o valor
da contextualização, porém focada nas questões específicas de cada estudo e respeitando os
saberes de cada época.179
O primeiro aspecto da relação entre ciência e produção, portanto, não demonstrou
uma consistência narrativa, passa-se então à análise do segundo aspecto, da ciência ter se
tornado, ela mesma, uma força produtiva durante a Revolução Científica, de modo a explorar
os argumentos trabalhados em sua fundamentação.
Bernal explora muito pouco esse aspecto ao longo de sua exposição, uma vez que o
trata como os primeiros passos da ciência, nesse sentido. A exemplificação desse processo
aparenta ser apenas em questões mais gerais, muito diferente das proposições mais
específicas que faz em sua análise no livro Ciencia e Industria en el Siglo XIX, de 1953, e nos
capítulos posteriores de Ciência na História no qual também trata sobre o século XIX e o XX.
Em sua descrição sobre o final da primeira fase da Revolução Científica, o processo, no qual a
ciência desempenha um papel significativo na produção,coloca-se em relação à navegação.
Os desenvolvimentos técnicos na mineração e na metalurgia pouco deviam à
ciência, embora para ela muito tenham contribuído. A história é muito diferente
quanto às grandes viagens de descobrimento e conquista que haviam de abrir o globo
179 Alfonso-Goldfarb & Beltran, “A História Contemporânea e as Ciências da Matéria”, 49-73.
64
à iniciativa capitalista europeia. Estas viagens foram o fruto da primeira aplicação
consciente da ciência astronómica ao serviço da glória e do lucro.180
Os estudos científicos que teriam influenciado no desenvolvimento da navegação não
são muito bem esclarecidos por Bernal, mas se concentraram nas cidades onde hoje ficam
Alemanha e Itália. Através de estudos da geografia Grega, que foram ressuscitados bem como
ampliados, esta teria sido “actualizada pelos relatos de antigos viajantes (como os de Marco
Pólo e Rubriquis, do século XIII) e pelos resultados de mais recentes viagens oceânicas”181.
Outro elemento de destaque é o uso da astronomia.
Ao mesmo tempo, italianos e alemães aperfeiçoavam a aplicação da
astronomia à arte de navegar e esforçavam-se por construir tabelas astronómicas
suficientemente simples para poderem ser utilizadas por mareantes e cartas onde
fosse possível estabelecer as rotas.182
Sem uma preocupação de se aprofundar nesses elementos explicativos, Bernal,
parte, então, da ideia que os elementos que estava expondo tratariam de pontos passivos na
história para explicar a atuação prática de espanhóis e portugueses, no desenvolvimento da
navegação.
O lado prático coube principalmente aos marinheiros portugueses e espanhóis,
que combinavam um derradeiro arroubo do espírito de cruzada com um interesse
apaixonado por plantações de açúcar, escravos e oiro.183
180 Bernal, Ciência na História, 397.
181 Ibid., 398.
182 Ibid., 398.
183 Ibid., 398.
65
Em seguida prossegue discutindo sobre uma sucessão de estudiosos que se
dedicaram às tábuas para navegação, como Peurbach (1423-1451) e Regiomontanus (1436-
1476), mais uma vez sem uma análise que fosse mais embasada e criteriosa. Por fim, traz a
figura de Cristóvão Colombo – permeada por ideias religiosas, em que indica, por exemplo, a
crença de Colombo de que seria um predestinado a encontrar novas terras, e ideias científicas,
as quais não menciona nenhuma – como o elemento que faltava para garantir o
desenvolvimento da navegação. Bernal afirma, ainda, que Colombo teve dificuldades em
convencer algum nobre a apoiar sua empreitada, e que tal permissão foi a partir de uma
argumentação baseada em uma lógica comercial de investimento e retorno financeiro.
Colombo, arriscando tudo numa rota hipotética através do Atlântico, é típico da
diferença entre um progresso técnico – que depende da acumulação paciente e
contínua de melhoramentos nos processos tradicionais – e um avanço científico em
que a razão corta radicalmente com o saber tradicional; não esqueçamos que, por mais
místicos que fossem os motivos íntimos de Colombo, o apoio que recebeu para a sua
viagem foi-lhe concedido em virtude de uma estimativa prática dos resultados a obter
através da verificação de uma hipótese científica.184
A descrição feita por Bernal, para a concretização do esforço racional, no qual a
ciência passa a ser determinante para o desenvolvimento social, apresenta aspectos
interessantes, mas, mais uma vez, não se sustenta. Os elementos abordados não apresentam
uma ligação bem estabelecida e a tentativa de sintetizar muitos aspectos em poucas páginas
acaba por negar informações importantes ao leitor. Assim, por exemplo, se cartas geográficas
foram resgatadas, seria necessário explicar como se deu esse processo. A concatenação das
informações não se processa para uma explicação coesa.
184 Ibid., 399.
66
A análise poderia se concentrar em mais exemplos trabalhados por Bernal, quando
este continua a desenvolver a relação entre ciência e produção, ao discutir o papel das
sociedades científicas durante sua exposição sobre a terceira fase da Revolução Científica.
Porém, o exposto cumpre o objetivo de evidenciar a lógica argumentativa do autor, a qual se
estende ao longo de sua análise.
Os dois aspectos analisados da relação entre ciência e produção, na ideia de
Revolução Científica desenvolvida por Bernal, mostram que, no primeiro caso, a
contextualização extremamente genérica sobre os acontecimentos sociais e econômicos não
ajudam a perceber os porquês das intenções, dos modos de pensar e agir que, na visão de
Bernal, são tão claros. No segundo aspecto, pode-se concluir que, apesar de ser interessante,
a ideia de que a ciência pudesse cumprir, em sua visão, um novo papel na história, não houve
elementos esclarecedores o suficiente a respeito dessa tese, ao menos no que toca a sua
exposição sobre a Revolução Científica que, como Bernal havia destacado, se tratava do
momento em que a ciência, enquanto uma força produtiva, começava a existir.
A ideia que se tem ao ler a exposição de Bernal sobre a Revolução Científica, é a de
que o autor buscou relacionar toda literatura secundária que conseguiu reunir sobre esse
tema e a vinculou a uma explicação relacionada à importância dos acontecimentos sociais e
econômicos.
67
Considerações Finais
A ideia de Revolução Científica esteve ligada a muitas interpretações de diferentes
abordagens historiográficas, sendo ainda fruto de debates que envolvem e refletem as
próprias diferenças de olhares para História da Ciência.
No que diz respeito à interpretação proposta por Bernal, é possível perceber como
ela se pautava por uma forte noção de descontinuidade com a da substituição da cosmologia
Aristotélica pela Newtoniana. Porém, ao mesmo tempo, propunha a ideia de que haveria sim,
permanências, dada a influência desses homens de ciência por ensinamentos que lhes foram
relegados pelos seus antecessores. Portanto, se por um lado Bernal se aproxima das correntes
descontinuistas de seu tempo, já apontava, também, para uma ideia de maior flexibilidade
nessas mudanças. É interessante notar que sua obra contempla uma questão que veio a ter
mais força nos anos que se seguiram com novas propostas de abordagens em História da
Ciência, a ideia de que é possível haver rupturas e permanências.
A esse elemento de sua narrativa acrescenta-se uma outra interpretação de Bernal,
a importância dada as ideias místicas para o desenvolvimento da ciência, que fica expresso
em sua análise de Paracelso. Bernal entende que, em certos momentos históricos, o padrão
de ciência existente não dava conta de responder a determinados problemas que a visão
mística conseguia. Contudo, sua interpretação em relação a essas ideias místicas e, também,
a possibilidade de permanências durante a Revolução Cientifica, são vistos como elementos
que necessariamente precisaram ser superados, por carregarem modelos explicativos de
cunho idealista.
68
A análise da ideia de Revolução Científica, na obra de Bernal mostra como sua
narrativa estava diretamente vinculada a suas interpretações sobre os caminhos pelos quais
a ciência deveria seguir em seu tempo. A História da Ciência é usada como um referendo para
a defesa de um modelo de ciência, modelo este que, como foi possível perceber, gerou muitos
debates desde as primeiras publicações de Bernal, nos anos 1930, até suas republicações de
Ciência na História durante os anos 1960.
Porém, ao contrário de autores como Rupert Hall que reviu boa parte de sua
interpretação sobre a Revolução Científica, durante o final dos anos 1950 e início dos 1960,
com uma nova publicação em 1962, Bernal concentrou suas novas análises, retificações e
mudanças em seu livro Ciência na História nas partes em que discute as transformações da
ciência em sua época. Para Bernal, a ciência de seu tempo deveria ser compreendida como
uma indústria e estudada de forma a se extrair, de suas diversas áreas, o melhor para a vida
das pessoas.
A ideia de produção atrelada ao fazer científico, no entanto, não está apenas em sua
análise sobre o presente, mas perpassa toda sua obra de Ciência na História como
característica marcante de sua narrativa marxista. Para Bernal bem como para o marxismo,
para se compreender uma dada sociedade e os seus saberes e fazeres é preciso, primeiro,
compreender como é a produção material e as relações de produção que se estabelecem a
partir delas.
É marcante como essa questão aparece em sua análise sobre a Revolução Científica,
em que as fases de desenvolvimento da ciência acompanham pari-passu as fases de transição
da sociedade feudal para a sociedade capitalista. Essa característica aparece na narrativa
como o desenvolvimento contextual do qual Bernal se utiliza salientando fatos e mudanças
69
sociais e econômicas para desenvolver suas abordagens sobre os homens de ciência desse
longo período. Contudo, ao não se aprofundar nos contextos específicos e, ainda, depender
excessivamente de fontes secundárias, produz um hiato entre o contexto geral apresentado
e o fazer científico, o que acaba por se tonar uma narrativa com uma análise muito mecânica.
Nesse sentido, a argumentação de Bernal ao desenvolver a ideia de que durante a
Revolução Científica a ciência natural passaria a cumprir um novo papel social, tornando-se
uma força produtiva, é muito frágil. Ainda que essa ideia pareça ter uma razoabilidade teórica,
a narrativa não se aprofunda nos elementos que poderiam demonstrar, de fato, como esse
processo teria ocorrido, uma vez que, como na questão anterior Bernal traz poucos materiais
originais para seu embasamento.
É perceptível que o acúmulo de assuntos abordados, bem como a metodologia de
pesquisa utilizada por Bernal, em sua narrativa, o impossibilitou de realizar análises e se
aprofundar em temas e questões que seriam de vital valor para a compreensão do fazer
científico, desde sua perspectiva marxista. Porém, o não aprofundamento nessas questões
acaba enfraquecendo também seus argumentos sobre a ciência no presente, uma vez que o
alicerce para suas teses sobre o fazer científico, em seu tempo, estava, justamente, na sua
análise sobre o passado da ciência.
Este trabalho procurou resgatar e contextualizar um importante, embora pouco
analisado, movimento na historiografia da história da ciência, o chamado “Externalismo”. Para
tanto, centralizou-se nas ideias de J. D. Bernal sobre a Revolução Científica. Alguns aspectos
sobre ele foram analisados em maior profundidade, enquanto outros, como os debates dos
cientistas vermelhos envolvendo as teorias de Lysenko, os temas de maior relevância nos
periódicos organizados por Bernal, bem como as modificações que realizou em sua obra
70
Ciência na História, ao longo dos debates que desenvolveu durante os anos 1960, serão
retomados em estudos futuros.
71
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