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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Luiz Fernando Lara Estigma social da deficiência e da surdez no emprego: um estudo sobre a experiência do Sistema Federação das Indústrias do Paraná Sistema FIEP. DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luiz Fernando Lara

Estigma social da deficiência e da surdez no emprego: um estudo sobre a experiência do Sistema Federação das Indústrias do

Paraná – Sistema FIEP.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luiz Fernando Lara

Estigma social da deficiência e da surdez no emprego: um estudo

sobre a experiência do Sistema Federação das Indústrias do Paraná – Sistema FIEP.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob a orientação da Professora Doutora Leila Maria da Silva Blass.

SÃO PAULO

2012

Ficha Catalográfica Elaborada pelo Setor Tratamento da Informação BICEN/UEPG

Lara, Fernando Luiz L318e Estigma social da deficiência e da surdez no emprego : um estudo sobre a experiência do Sistema Federação das Indústrias do Paraná – Sistema FIEP / Luiz Fernando Lara. São Paulo, 2012.

202 f.

Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Pontífica Universidade Católica de São Paulo.

Orientadora: Profa. Dra. Leila Maria da Silva Blass.

1. Deficiência. 2. Surdez. 3. Inserção no emprego. 4. Estigmas. 5. Desigualdades. I. Blass, Leila Maria da Silva . II. Pontífica Universidade Católica de São Paulo. Doutorado em Ciências Sociais III. T.

CDD : 305.800.87

Banca Examinadora

________________________

________________________

________________________

________________________

________________________

Atitude a mais difícil tratar diferentes sem indiferença

Flávio Machado.1

Alegre a moça amputou a perna na infância haveria necessidade de tamanha violência para conter o câncer ? não lembro de vê-la beijada por nenhum de nós não lembro de um sorriso não lembro do nome da moça resistia ao envolvimento mais próximo distanciava – se na perplexidade enquanto escondia a beleza ingênua existem cotas para contratar pessoas com deficiências não existem cotas para demonstração de afeto. Flávio Machado.2

1 Poema publicado em 26 de dezembro de 2011. Disponível em: http://www.ibdd.org.br/noticias/noticias-informe-

90%20dois%20poemas.asp 2 Poema publicado em 17 de setembro de 2011. Disponível em: http://poesiaspublicas.blogspot.com.br/ 2011_ 09_01_archive.html.

Consegue compreender com maior profundidade o que é o estigma, e o que é ser estigmatizado, aquele que já o vivenciou e que já sentiu seu látego a ferir intensa e profundamente como ferro em brasas, deixando marcas, não na sua carne, mas na sua alma. Tais marcas são produzidas nas interações sociais entre as pessoas por palavras escritas ou ditas, pelos gestos, pelo olhar, ou simplesmente pelo silêncio. Ou ainda, podem estar expressas ou não expressas nas leis e normas que regulam as relações sociais entre os grupos.

DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à minha esposa Eliana Lara, companheira, amiga, fortaleza,

rocha e pilar de sustentação nos momentos mais difíceis.

Ao meu lado esteve ao longo destes anos, muitas vezes com a cumplicidade

de um olhar, ajudando-me a avançar, a me desenvolver, a construir algo que, em

alguns momentos, julguei não ser capaz.

Esta tese é também dedicada a todas as pessoas com deficiência ou surdas,

que vem sofrendo ao longo de suas vidas com os mais diferentes tipos de

discriminações. Em especial àquelas mulheres que com suas histórias de vida, e

entrevistas, me permitiram vislumbrar o mundo dos “interditos” e me possibilitaram

escrever algo sobre ele e sobre eles. São elas as principais atrizes deste trabalho.

AGRADECIMENTOS

Em razão da minha fé e de minha escolha religiosa, apesar desta tese não tratar

de religião, quero agradecer a Deus, pois que acredito em sua existência; pela

inspiração e pelas pessoas que estiveram ao meu lado ao longo da construção deste

trabalho, bem como, pela força que senti ao encarar o tema de que trato e que me

acompanha ao longo de toda a minha vida, podendo finalmente abordar sobre ele sem

constrangimentos.

À Profª. Drª. Leila Maria da Silva Blass, coautora deste trabalho, pela orientação

firme e segura, mas antes de tudo pelo apoio, por ter acreditado em mim e por ter

desvendado o tema aos meus olhos, ao longo das suas valiosas orientações,

encorajando-me e, ao mesmo tempo sem saber, desafiando-me a explorá-lo sob a ótica

da deficiência.

À Comissão de Apoio e Pesquisa do Ensino Superior (CAPES), pela bolsa de

estudos concedida a partir de março de 2011, me auxiliando a finalizar o doutorado.

Ao corpo docente do Doutorado em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo pelas contribuições ao meu aprendizado.

À Profa. Dra. Silvia Maria de Araújo que conheci no Doutorado em Sociologia da

Universidade Federal do Paraná pelos ensinamentos e contribuições às minhas

reflexões.

Aos professores que compuseram a banca de qualificação, Dra. Maria Helena

Vilas Boas Concone e Dr. Silvio Cesar Silva, pelas valiosas recomendações e

indicações que me permitiram avançar no texto da tese.

Ao Sistema da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – Sistema FIEP

pela autorização em desenvolver a pesquisa com o pessoal com deficiência e com as

pessoas surdas, inseridos no emprego por meio do Programa Aprendendo com a

Diversidade.

Às pessoas do Programa Aprendendo com a Diversidade e do Programa Gestão

da Diversidade (Ênfase na Pessoa com Deficiência – PcD), pelas orientações,

informações e esclarecimentos na coleta dos dados de pesquisa.

Meus sinceros agradecimentos a todas às entrevistadas, pessoas sem

deficiência, com deficiência ou surdas trabalhadoras do Sistema FIEP, cujos nomes, por

força do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, não poderei enunciar.

Porém, uma dessas merece agradecimento especial, pois foi quem possibilitou o

desenvolvimento da pesquisa, me acolhendo, orientando, encaminhando, indicando as

pessoas, preparando o local para as entrevistas, me passando uma série de

informações e esclarecimentos. Sou-lhe profundamente grato e eternamente devedor.

À Daniele Gotardo Veloso, pelo excelente e profissional trabalho de intérprete de

LIBRAS nas entrevistas filmadas com as pessoas surdas e na posterior transcrição de

LIBRAS para o português, a partir da análise dos filmes.

À minha esposa, Eliana Lara pelo trabalho brutal e minucioso de transcrição das

gravações das entrevistas.

Aos meus amigos e amigas, professores e professoras do Departamento de

Administração da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – Campus Irati, por

terem suportado a carga extra de trabalho e dessa forma possibilitar meu afastamento

para o desenvolvimento do doutorado.

Quero agradecer à Adriane Madureira Padilha Bernardim, professora de

português e inglês, pelas correções efetuadas nos textos de qualificação e de parte

da tese; à Regina Vinky, professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste,

Campus Irati pela correção em parte do texto da tese.

Às amigas, Ângela Maria Oliveira e Eunice Silva Novais da Biblioteca Central da

Universidade Estadual de Ponta Grossa pelo carinho no atendimento de minhas

solicitações, na busca incansável por materiais que pudessem me auxiliar e pela

correção das referências bibliográficas.

Ao Flávio Machado por ter autorizado a utilização de dois de seus poemas que

são bem elucidativos quanto à questão da deficiência.

Aos amigos do Centro Espírita União e Humildade que em muitos momentos me

substituíram nas atividades sob minha responsabilidade, sempre demonstrando boa

vontade e entusiasmo no trabalho a ser desenvolvido.

A todas aquelas pessoas que de uma forma ou outra contribuíram para a

realização deste trabalho e que porventura não tenham sido mencionados, sintam-se

aqui contemplados.

RESUMO

Esta tese trata dos estigmas no emprego relativos às pessoas com deficiência e pessoas surdas que em decorrência da promulgação da Lei Federal n° 8.213, de 24 de julho de 1991, começaram a participar do quadro de funcionários do Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Sistema FIEP), no ano de 2007. Um dos seus principais objetivos seria mostrar que os estigmas sociais e as discriminações norteiam e se reproduzem nas relações entre colegas, com seus chefes e demais representantes da hierarquia empresarial. Além dos depoimentos orais das pessoas com deficiência inseridas no Sistema FIEP, foram consultados documentos escritos e foram, na medida do possível, observadas “in situ” algumas práticas de trabalho desenvolvidas por essas pessoas. Um dos resultados mais importantes deste estudo diz respeito ao reconhecimento por parte das próprias pessoas com deficiência e das surdas, de empresários, de colegas e da chefia, dos aspectos negativos relacionados às limitações física, sensorial ou intelectual, enviesadas pela visão focada na produtividade. No entanto, os estigmas sociais da deficiência e da surdez recriam desigualdades no processo de inserção no emprego pelas empresas. Palavras–chave: Deficiência e surdez. Inserção no emprego. Estigmas. Desigualdades.

ABSTRACT

This thesis deals with the stigma in employment for disabled and deaf people due to the enactment of the Federal Law No. 8,213 of July 24, 1991, that joined the staff of the Federation of Industries of the State of Paraná (FIEP System) in 2007. One of its main goals would be to show that the social stigmas and discrimination guide and reproduce the relations between colleagues, with their chiefs and other representatives of the corporate hierarchy. In addition to the oral testimony of persons with disabilities that entered into the FIEP System, some written documents were consulted and, as far as possible, some working practices developed by these people were observed "in situ". One of the most important results of this study concerns to the recognition by the people with disabilities and deaf themselves, entrepreneurs, colleagues and managers, the negative aspects related to the physical, sensory or intellectual limitations, skewed vision by focusing on productivity. However, the social stigma of disability and deafness recreate inequalities in the process of integration in employment by businesses.

Keywords: Disability and deafness. Insertion employment. Stigmata. Inequalities.

LISTA DE ABREVIAÇÕES

AACD Associação de Assistência à Criança Defeituosa

AADF Associação de Assistência ao Deficiente Físico

ABBR Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ABRADEF Associação Brasileira de Deficientes Físicos

ADEVA Associação de Deficientes Visuais e Amigos,

ADFERJ Associação dos Deficientes Físicos do Estado do Rio de Janeiro

AFR Associação Fluminense de Reabilitação

AIDE Associação de Integração do Deficiente

AIPD Ano Internacional da Pessoa Deficiente

ANC Assembleia Nacional Constituinte

ANDE Associação Nacional do Desporto para Deficientes

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

C2i Centro Internacional de Inovação

CBEC Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos

CBM Christoffel-Blindenmission

CID-10 Classificação Internacional de Doenças

CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNI Confederação Nacional das Indústrias

CORDE Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

CPSP Clube dos Paraplégicos de São Paulo

CVI-Brasil Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente do Brasil

CVI-RIO Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro

DPI Disabled Peoples’ International

FAMEC Faculdade Metropolitana de Curitiba

FCD-BR Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência do Brasil

FEBEC Federação Brasileira dos Cegos

FEBEC Federação Brasileira de e para Cegos

FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos

FIEP Federação das Indústrias do Estado do Paraná.

HI Handicap International

IBC Instituto Benjamin Constant

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBR Instituto Baiano de Reabilitação

ICF International Classification of Functioning, Disability and Health

ICIDH International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps

IEL – PR Instituto Euvaldo Lodi – Superintendência do Estado do Paraná

INES Instituto Nacional de Educação de Surdos

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

JIT Just In Time

LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

MDPD Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes

MORHAN Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseniase

MTE Ministério do Trabalho e do Emprego

OEA Convenção da Organização dos Estados Americanos

OMS Organização Mundial da Saúde

ONCB Organização Nacional dos Cegos do Brasil

ONEDEF Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos

ONU Organização das Nações Unidas

PcD Pessoa com Deficiência

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – PR Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Superintendência do Estado do Paraná

SESI – PR Serviço Social da Indústria – Superintendência do Estado do Paraná

SISTEMA FIEP Sistema Federação das Indústrias do Estado do Paraná

SODEVIBRA Sociedade dos Deficientes Visuais do Brasil

UBEC União Brasileira de Cegos

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNINDUS Universidade da Indústria do Estado do Paraná

WBU World Blind Union

WFD World Federation of the Deaf

WHA World Health Assembly

WHO World Health Organization

SIT Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e do Emprego

SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................... 15

1 Deficiência e estigmatização................................................................ 37

1.1 Diferentes visões da deficiência.............................................................. 37

1.2 Caracterização do estigma..................................................................... 45

1.3 Construção do estigma social da deficiência.......................................... 66

2 As mobilizações em torno da questão da deficiência no Brasil....... 79

2.1 Formação de associações de pessoas com deficiência......................... 79

2.3 Alguns aspectos das mobilizações das pessoas com deficiência........... 85

2.4 A Constituição Federal de 1988.............................................................. 91

3 Gestão empresarial e inserção de pessoas com deficiência............ 98

3.1 A questão da diversidade........................................................................ 98

3.2 Ações afirmativas no Brasil..................................................................... 101

3.3 Diversidade como prática de gestão....................................................... 104

3.3.1 O Programa Aprendendo com a Diversidade do Sistema FIEP.............. 108

3.3.2 O Programa Gestão da Diversidade (ênfase na pessoa com deficiência – PcD) do Sistema FIEP ....................................................... 111

3.4 Construção do conceito de deficiência no Brasil para a inserção no emprego..................................................................................................

112

4 Processo de estigmatização e produção de desigualdades no Sistema FIEP.........................................................................................

124

4.1 Processo de estigmatização.................................................................... 124

4.1.1 Visões das pessoas com deficiência e pessoas surdas.......................... 125

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas................... 125

2) O convívio com colegas e chefias..................................................... 131

3) Orgulho de ter emprego..................................................................... 138

4.1.2 Visões do pessoal de gestão................................................................... 140

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas................... 140

2) O que fazem as pessoas com deficiência?........................................ 147

3) O convívio entre pessoas com deficiência, pessoas surdas,

colegas e chefias................................................................................

149

4.1.3 Visões do Pessoal de Tutoria (colegas de equipe)................................. 153

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas................... 154

2) O emprego atribuído às pessoas com deficiência e pessoas surdas 158

3) O convívio na equipe com as pessoas deficientes e com as

pessoas surdas.................................................................................. 160

4.2 Desigualdades na inserção de pessoas deficientes e pessoas surdas

no emprego............................................................................................. 163

Considerações finais.......................................................................................... 178

Referências bibliográficas................................................................................. 183

Anexos................................................................................................................. 198

15

Introdução

A presente tese de doutoramento aborda a questão do estigma relacionado

às pessoas com deficiência e pessoas surdas, e seu processo de inserção por meio

do emprego no Sistema Federação das Indústrias do Paraná.

A aproximação com esse tema se deu a partir de minhas reflexões a respeito

do preconceito e da discriminação que sofrem as pessoas com deficiência,

analisando as características espaciais, quanto à acessibilidade, nos locais de

trabalho. A instituição de ensino superior em que leciono, está instalada em um

antigo prédio, cujas instalações são totalmente inacessíveis às pessoas com

deficiência ou com mobilidade reduzida. O acesso aos três andares desse prédio,

por exemplo, depende de escadas que estão fora dos padrões de acessibilidade.

O sofrimento das pessoas com a acessibilidade e, particularmente de um dos

alunos cadeirantes, que motivou a alocação da turma de estudantes para as salas

do andar térreo, além da construção de rampas de acesso ao andar térreo, e do

alargamento das calçadas para o estacionamento de veículos de pessoas com

cadeira de rodas, facilitando-lhes a mobilidade, chamou a minha atenção para a

questão das pessoas com deficiência na sociedade. A partir daí, passei a discutir

com meus alunos sobre as dificuldades do cumprimento da lei de cotas pelas

empresas; da qualificação das pessoas com deficiência, e até da dificuldade dos

professores com a presença de alunos surdos ou cegos nos cursos de

administração.

Nos cursos de administração de recursos humanos, procurei despertar o

debate para as dificuldades no tocante ao processo de inserção de pessoas com

deficiência e as surdas, nas empresas no que se refere às técnicas de recrutamento,

seleção, avaliação de desempenho etc. Os profissionais de gestão de pessoas, em

sua maioria, não estão preparados para enfrentarem os desafios de uma gestão

voltada para essas pessoas. Os estudos apontam que, geralmente, esses indivíduos

necessitam de tratamento diferenciado, quando devem ser respeitadas as suas

diferenças para que não sofram quaisquer tipos de discriminações, porém a questão

ainda é extremamente desafiadora para os profissionais que tratam com eles

diretamente.

16

Os conteúdos apresentados nos cursos de administração de recursos

humanos, bem como as discussões decorrentes, não garantem que os alunos

possam vir a atuar profissionalmente com uma visão voltada para a promoção de

uma efetiva inserção das pessoas com deficiência e as surdas, nas empresas.

Porém servem como um alerta, no sentido de visualizarem a necessidade de se

preparem para o enfrentamento da questão.

O meu despertar para essa questão foi além desse ponto, foi mais profundo,

conduzindo-me ao desafio de conhecer como se realiza o processo de inserção

dessas pessoas no emprego e, ainda, descobrir os nexos entre estigmas e

deficiência. Entretanto, descobri que discorrer sobre estigmas era para mim, ao

mesmo tempo, um grande desafio e uma facilidade. Um grande desafio porque teria

que enfrentar rescaldos dos estigmas que, por um longo tempo da minha vida, me

acompanharam. Tornava-se uma facilidade a partir do momento que decidido a

encará-los, neles mergulhei. Os anos de doutorado me ajudaram a amadurecer a

ideia e minha orientadora desempenhou papel fundamental, ao me incentivar a

escrever sobre esse tema. Falar sobre estigma, quem passa por ele, ou sofre com

ele, é doloroso, mas extremamente construtivo.

Nessa trajetória, busquei encontrar as caracterizações do estigma, bem

como, verificar como eles são construídos socialmente. Parti do pressuposto que o

estigma resulta de relações sociais onde um atributo ou marca, próprio e inerente a

um indivíduo, combina-se com um estereótipo que, enquanto uma criação cultural

justifica um preconceito. A fim de melhor entender esse processo, utilizei-me de

autores como Mclaughlin, Bell e Stringer (2004), Crocker, Major e Steele (1998),

Elias e Scotson (2000), Goffman (2008, 2009, 2011), Ribas (1986), Simmel (1977,

1983, 2006), Falk (2001), Link e Phelan (2001), entre outros.

O caminho de pesquisa seguiu o do mestrado, quando analisei os efeitos da

reestruturação produtiva em uma metalúrgica valorizando a ótica dos trabalhadores.

No caso do doutoramento, tentei explorar a ótica das pessoas com deficiência que

estão sendo inseridas no mercado de emprego. Para entender esse processo de

inserção, vali-me do aparato legal, tomando como base a legislação federal

constituída por Leis e Decretos que tratam dos direitos sociais das pessoas com

deficiência

Mais especificamente a Lei 8.213/91, que em seu Art. 93 prevê a reserva de

vagas também chamadas cotas para a contratação de pessoas com deficiência.

17

Segundo esse artigo, a empresa que tiver a partir de cem empregados, estará

obrigada a preencher seus cargos com beneficiários, reabilitados, ou pessoas com

deficiência, habilitadas, seguindo a seguinte proporção: de 100 até 200 empregados,

2%; de 201 a 500 empregados, 3%; de 501 a 1000 empregados, 4%; de 1001 em

diante, 5%.

Assim, de uma forma geral e restrita a tese de doutoramento aborda sobre o

tema da inserção das pessoas com deficiência no emprego. Geral por que analisa a

situação em termos de país, restrita porque aborda a inserção de pessoas com

deficiência no emprego da indústria, com base no caso Sistema da Federação das

Indústrias do Estado do Paraná (FIEP). Contudo, mais precisamente, se direciona

para uma tentativa de demonstrar que a inserção no emprego, reafirma os estigmas

relativos às deficiências e a surdez, apresentando características próprias.

Este estudo toma como referência o Sistema Federação das Indústrias do

Paraná (FIEP), formado por um conjunto de entidades que atuam em prol do

desenvolvimento da indústria no estado do Paraná, compreendendo a Federação

das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), o Centro das Indústrias do Estado do

Paraná (CIEP), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI/PR), o

Serviço Social da Indústria do Paraná (SESI/PR), o Instituto Euvaldo Lodi (IEL/PR)

(FIEP, 2010). Também fazem parte do Sistema FIEP a Universidade da Indústria

(UNINDUS) lançada em 2005 com o objetivo de oferecer produtos de vanguarda

para lideranças empresariais e servir de base para a formação de executivos e

lideres; o Centro Internacional de Inovação (C2i) lançado em 2009 com o objetivo de

se transformar em uma concessionárias de inovação e articular produtos de

inovação no SESI/PR, SENAI/PR, IEL/PR e demais parceiros da FIEP, bem como,

oferecer educaçao direcionada à gestão de empresas com foco na inovação ou que

gostariam de inovar por intermédio da UNINDUS. A Faculdade Metropolitana de

Curitiba (FAMEC) que passou a integrar o Sistema FIEP, no ano de 2010. O

Sistema FIEP conta, ainda em sua composição, com mais 107 sindicatos filiados

representantes de diversas atividades industriais paranaenses. (SISTEMA FIEP,

2011).

A Federação das Indústrias do Parana (FIEP) foi criada em 18 de agosto de

1944, em Curitiba, formada inicialmente por nove sindicatos. Desde sua constituição

se destacou como forte representante da indústria voltada para o desenvolvimento

industrial e econômico do Paraná. O período de criação da FIEP coincide com a

18

criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) criada no início da década de

1940, e com o surgimento dos setores siderúrgico e petrolífero no país. Nesse

período o Brasil passava por sua ―revolução industrial‖, além de grande

concentração urbana e início do crescimento do mercado interno. No Paraná, a

industrialização se encontrava em fase inicial, um momento em que o estado

contava com 1.200.000 habitantes e pequenas empresas atuando de forma isolada.

Desde a sua instituição a FIEP passou a estimular o associativismo e atuar

firmemente na defesa dos interesses das indústrias e dos empresários locais. A

expansão da FIEP no Paraná teve início na década de 1960 com a criação da

primeira unidade do interior, localizada na cidade de Londrina. (SISTEMA FIEP,

2009).

Com 21 coordenadorias situadas em outras cidades do estado e 15 conselhos

temáticos, responde por um setor que corresponde a 1/3 do PIB paranaense,

atuando politicamente para estimular o desenvolvimento, a modernização, e ampliar

a produtividade e competitividade do paque industrial instalado. Com os 107

sindicatos empresariais a ela filiados, são mais de 42.000 empresas que geram

aproximadamente 750 mil postos de trabalho. (SISTEMA FIEP, 2011).

No ano de 2010 o Sistema FIEP contou com 2.944 funcionários e destes,

somente 25 eram pessoas com deficiência, o que representa 0,85% do quadro. De

acordo com o Art. 93 da Lei n° 8.213/91 e com o Art. 36 do Decreto n° 3.298/99, as

empresas com mais de mil empregados devem preencher seu quadro de

funcionários, pelo menos, com 5% de pessoas com deficiência, o que representaria

147 pessoas nessas condições, no caso do Sistema FIEP, colocando-a bem abaixo

do necessário para atender à exigência legal. A contratação de pessoas com

deficiência no Sistema FIEP conta com a colaboração do Programa Aprendendo

com a Diversidade, o qual prioriza, atualmente, a contratação de jovens com

deficiência intelectual na condição de aprendizes e, após receberem formação

profissional, passam a fazer parte do quadro de funcionários da instituição.

(SISTEMA FIEP, 2010).

Todavia, até que ponto essas pessoas são realmente inseridas no contexto

de emprego? Será que por conta de sua condição de pessoas com deficiência ou

surdas não sofrem preconceitos ou processos discriminatórios? Assim, além do

processo de inserção de pessoas com deficiência ou surdas, no Sistema FIEP,

pretendo mostrar que, no contexto do trabalho assalariado, os estigmas decorrentes

19

da deficiência ou da surdez, que se expressam na sociedade, alcançam um caráter

diferenciado e peculiar, construídos a partir das relações diárias com seus iguais e

com seus superiores imediatos.

Embora o acesso ao emprego seja um caminho para que uma pessoa com

deficiência seja vista e reconhecida como produtiva, do ponto de vista econômico,

no contexto da sociedade capitalista, ela continua sendo estigmatizada ao

desempenhar funções que estariam aquém da sua capacidade cognitiva. Essa

situação pode, até contribuir, para reafirmar o próprio processo de estigmatização,

mostrando que estigmas convivem com diferentes formas de emprego. O estigma da

deficiência, enquanto um processo de construção sociocultural, conforme aponta

Ribas (1986), adquire características próprias, no mercado de emprego,

diferenciando-os, em certa medida, do que se observa na sociedade. Assim, o

mesmo estigma ganha diferentes contornos na sociedade cujos aspectos se inter-

relacionam e interpenetram como, por exemplo: na família, no emprego, na escola,

religião etc. Na presente tese de doutoramento pretendo identificar algumas

características de estigma social da deficiência no emprego, a partir do processo de

inserção de pessoas com deficiência ou surdas no Sistema FIEP, bem como,

considerando que as pessoas com deficiência ou surdas convivem com estimas que

lhes são imputados em diferentes momentos de sua trajetória de vida, verificar em

que medida a condição de trabalhadores assalariados contribuiria para enfrentar o

estigma da deficiência na sociedade.

Um aspecto importante, na construção dos diferentes estigmas, guarda

relação com a forma como as pessoas com deficiência se veem e são vistas por

aqueles com quem travam as mais diferentes relações sociais. Nesse sentido a

terminologia utilizada com referencia às diferentes deficiências contribui muito na

construção dos estereótipos relacionados às diferentes limitações, ou atributos como

entende Goffman (2008). Com essa preocupação, esclareço que utilizo os termos

deficiente auditivo e surdo para caracterizar as pessoas que se encontram nas duas

situações, próximas em razão da limitação no aparelho auditivo, mas distantes em

razão da construção sociocultural da deficiência auditiva e da surdez. Conforme

aponta Neivaldo A. Zovico, surdo e coordenador de acessibilidade da Federação

Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS), o termo surdo é usado

para as pessoas que nasceram surdas e, como consequência, não se consideram

pessoas deficientes, pois o fato de não ouvir é considerado por elas natural. As

20

pessoas que perderam a audição por conta de um acidente ou de alguma doença

fazem uso do termo pessoa com deficiência auditiva. Geralmente, os primeiros são

usuários da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), não aceitam serem chamados de

deficientes auditivos, se mobilizam na defesa da LIBRAS, da cultura e da

comunidade surda, fazem uso dos meios e recursos de comunicação e orientação

disponíveis para os surdos, utilizam-se de imagens na interpretação e comunicação,

participam nas associações de surdos. Os deficientes auditivos não são usuários de

LIBRAS, mobilizam-se na busca por aparelhos auditivos e estão mais próximos dos

ouvintes. Sentem-se confortáveis na comunicação oral-auditiva, não estão

engajados nos movimentos sociais dos surdos e não aceitam serem chamados de

surdos. No entanto o termo ―surdo-mudo‖ está em desuso porque não existem

pessoas surdas-mudas, os surdos não falam por não ouvirem, mas muitos podem vir

a falar, como qualquer ouvinte, se aprenderem o uso da técnica da leitura labial, em

escolas apropriadas sob a supervisão de fonoaudiólogos (as) especializados (as).1

Nos Censos demográficos de 2000 e de 2010, e na legislação federal, essas

categorias de deficiências são compreendidas como deficiência auditiva e aqueles

que as apresentam são pessoas com deficiência auditiva.

No tocante à inserção de pessoas com deficiência no mercado de emprego, a

proposta jurídica é mais ampla do que a praticada nas empresas, no que se refere

principalmente à acessibilidade espacial e à comunicação, conforme a Lei n°

10.098/2000 regulamentada pelo Decreto n° 5.296/2004, e a Norma da Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), ABNT NBR 9050:2004, que tratam do

assunto. As empresas, ao deixarem de atender a esses requisitos, acabam por

reforçar as situações de estigmatização social, dificultando o exercício de atividades

e tarefas por parte das pessoas deficientes e pessoas surdas.

Nos últimos anos, o discurso da inclusão social das minorias, se tornou

bastante recorrente nos meios de comunicação social. Prega-se a inserção de

parcelas da população que são deixadas de lado na dinâmica da sociedade

capitalista, na escola, na saúde, no trabalho, na seguridade social, nos espaços

urbanos. Pluralidade, diversidade, respeito às diferenças são palavras que

aparecem frequentemente, com grande destaque, nas organizações empresariais no

1 Informação disponível em: <http://www.koller.com.br/diferencas-deficientes-auditivos-e-surdos.html>, Acesso

em: 02 nov. 2011.

21

início deste século. Nesse contexto, a ideia da inclusão de pessoas deficientes no

mercado de emprego ganha destaque e se generaliza. Entretanto, a inserção das

pessoas com deficiência no mercado de trabalho assalariado é o resultado de um

longo processo de lutas das pessoas deficientes e das surdas para verem

consagrados na legislação, direitos que lhes possibilitem exercerem de forma mais

plena a sua cidadania.

As lutas travadas foram principalmente contra as mais diferentes formas de

preconceitos, discriminação e segregação que ocorreram na história da civilização

ocidental. Após um lento processo, parece que esse quadro começa a mudar em

razão das conquistas alcançadas através do que se denomina ―discriminação

positiva‖.

Conforme Carvalho (2009), a partir da década de 1960, as pessoas com

deficiência, ao demonstrem sua capacidade para o trabalho e diante da necessidade

de trabalhar para prover seu sustento, iniciam suas lutas objetivando garantir direitos

e igualdade de oportunidades. As suas conquistas foram sendo constituídas e

construídas ao longo dos anos.

Apesar do primeiro passo no sentido de reconhecimento de direitos à

igualdade desse grupo de pessoas ser a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral da

Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, tal

declaração não permitiu vislumbrar que as pessoas com deficiência tivessem as

mesmas garantias de direitos expressos nessa carta. Deve-se destacar que a ONU,

durante as décadas de 1940 e 1950 desenvolvia uma política de cunho

assistencialista no tocante aos deficientes. Como explica Bittencourt (2009) a

mobilização destes, a partir da década de 1960 fez com que as políticas a eles

destinadas sejam reavaliadas com vistas a garantir a participação plena dos

cidadãos com deficiência na sociedade.

Fruto de muita luta empreendida pelos movimentos sociais ligados às

pessoas com deficiência, de acordo com Ribeiro (2002), surgiu a Declaração do

Direito das Pessoas Deficientes, como resolução elaborada pela ONU aprovada em

sua Assembleia Geral em 09 de dezembro de 1975. Essa declaração ganhou

bastante destaque durante o ano de 1981 consagrado com o Ano Internacional da

Pessoa Deficiente (AIPD), cujo tema foi ―Participação e Plena Igualdade‖.

22

Mesmo com esses documentos explicitando direitos às pessoas com

deficiência, segundo Paim (2006) foi somente em 1993, com a Declaração de Viena,

por intermédio do item 63, que se confirmou a inclusão das pessoas com deficiência

no âmbito da proteção proporcionada pela Declaração Universal dos Direitos

Humanos.

No Brasil os direitos das pessoas com deficiência passaram a ser

assegurados na Constituição Federal de 1988 na qual se elegeu a dignidade

humana como ponto capital, um reflexo das preocupações da sociedade brasileira.

Neste sentido indicou a cidadania como expressão da igualdade de todos os

indivíduos em termos de direitos. Um desses direitos ficou patente na defesa e

valorização do trabalho como um dos pilares fundamentais de sustentação, não

somente à ordem econômica, mas principalmente à dignidade dos seres humanos.

Resultado de um esforço coletivo e articulado das pessoas envolvidas com as

questões das pessoas com deficiência de todo o Brasil foram inseridos, de acordo

com Dias (2000), dispositivos constitucionais que procuraram assegurar às pessoas

deficientes as condições mínimas de participação, por meio de linhas básicas do

processo de integração desses à sociedade e ao mercado de trabalho assalariado,

expressos na legislação federal que trata sobre o assunto.

Assim, José Sarney, quando Presidente da República, sancionou a Lei nº

7.853 de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre integração social e o apoio das

pessoas portadoras de deficiência, criando a Coordenadoria Nacional para

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Além disso, institui a

tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas; disciplina a

atuação do Ministério Público e define crimes.

No dia 24 de julho de 1991, foi sancionada, pelo então Presidente da

República, Fernando Affonso Collor de Mello a Lei nº 8.213 que dispõe sobre os

Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, prevendo às

empresas com 100 ou mais funcionários, cotas de emprego para pessoas com

deficiência. O Decreto nº 914 de 06 de setembro de 1993, assinado por Itamar

Franco, então Presidente da República, institui a Política Nacional para a Integração

da Pessoa Portadora de Deficiência.

Já o Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999, assinado por Fernando

Henrique Cardoso, Presidente do Brasil, Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de

outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa

23

Portadora de Deficiência; consolida as normas de proteção. No artigo 34 trata sobre

o acesso ao trabalho. Em seu artigo 36 reafirma as quotas estabelecidas na Lei no

8.213//91.

Por meio da Lei no 10.048, de 08 de novembro de 2000, assinada pelo

Presidente da República Fernando Henrique Cardoso foi atribuído prioridade de

atendimento às pessoas que especifica. Pela Lei no 10.098, de 19 de dezembro de

2000, sob assinatura do Presidente Henrique Cardoso, foram estabelecidas normas

gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras

de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Em 02 de dezembro de 2004, assinado pelo Presidente da República Luiz

Inácio Lula da Silva, o Decreto n° 5.296 de 02 de dezembro de 2004 regulamentou

as Leis n°s 10.048/00 e 10.098/00.

Em termos de direitos das pessoas com deficiência, a mais atual é a

Resolução A/RES/61/106 de 24 de janeiro de 2007, adotada pela Assembleia Geral

da ONU, que trata da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

No Brasil, esta convenção e seu respectivo Protocolo Facultativo foram ratificados

pelo Congresso Nacional em 09/07/2008 pelo decreto legislativo nº 186/2008 e todos

os seus artigos são de aplicação imediata. Presentemente se encontra no Senado

Federal aguardando votação o Estatuto da Pessoa com Deficiência, proposta pelo

Senador Paulo Paim em 2006.

Não obstante a existência desses dispositivos legais de discriminação positiva

para os deficientes permanece uma discriminação de caráter invisível. Está implícita

no estigma social em relação à deficiência que é velado nas práticas sociais e

relações quotidianas. Por exemplo, é necessário, muitas vezes, um mandado judicial

para ter intérprete de libras e conteúdos em braile na salas de aula, quando isso já

está previsto em lei para garantir acesso de forma igualitária à educação,

respeitando-se as diferenças. Também está presente quando não existe sinalização

horizontal e vertical, bem como dispositivos luminosos de orientação, que facilitem a

mobilidade dos deficientes visuais e surdos, respectivamente, nas cidades e

edificações; na falta de acesso das pessoas com deficiência e surdas à saúde

pública, à previdência social, ao transporte etc.

O estigma social da deficiência se faz presente, ainda, nas desigualdades

sociais presentes na falta de mobilidade nas cidades e instalações físicas, que

podem ser observadas no próprio local de habitação ou de emprego; desigualdades

24

em termos de carreira, desenvolvimento e distribuição de salários nas empresas;

falta de adaptabilidade ergonômica dos móveis e equipamentos de trabalho; de

equipamentos de informática com teclados em braile e programas de interação

auditiva para os deficientes visuais, ou programa Sign Writing que possa facilitar a

comunicação dos surdos; a discriminação de alguns tipos de deficiência em

detrimento de outras para as vagas de emprego; a política das empresas de

contratação de deficientes apenas para cumprir com as quotas; não existência de

embalagens e rótulos em braile ou livros sem uma edição fonada; no total

despreparo das pessoas que trabalham nas mais diversas organizações e atendem

pessoas com deficiência ou surdas. Enfim, pode-se verificar a discriminação invisível

quando os próprios dispositivos legais explicitam possíveis situações discriminatórias

na sociedade, propondo o encaminhamento e sanções a sua transgressão.

No tocante à população de pessoas com deficiência no Brasil, inclusive as

pessoas surdas, o Censo demográfico do ano de 2010 divulgado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) indica que são 45.606.048

milhões de pessoas que indicaram ter alguma das deficiências investigadas pelo

IBGE, aproximadamente 23,9% da população brasileira. Se for considerado por tipo

de deficiência, têm-se no Brasil 61.368.844 milhões de deficiências, tabela 1.

Tabela 1 - Tipos de Deficiências X Pessoas com Deficiências – Censo Demográfico 2010

DESCRIÇÃO TOTAIS

Tipos de Deficiências (A) 61.368.844

Pessoas com Deficiência (B) 45.606.048

Deficiências Múltiplas (A-B) 15.762.796

Fonte: Adaptado do Censo Demográfico 2010 – IBGE.

A discrepância entre o número de pessoas que declararam ter algum tipo de

deficiência (45.606.048 milhões de pessoas) e o número de deficiências declaradas

(61.368.844 milhões) corresponde às deficiências múltiplas conforme apresentado

na tabela 1, que representam aproximadamente 25,7% dos tipos de deficiência

investigadas.

O elevado número de tipos de deficiências, bem como de pessoas com

deficiência, levantadas no censo demográfico de 2010 são decorrentes da mudança

de metodologia do IBGE, desde o Censo demográfico de 2000, com alterações nos

instrumentos de coleta de dados em obediências às recomendações da

25

Organização Mundial da Saúde (OMS) que possibilitaram ultrapassar os

levantamentos anteriores indicativos de um contingente inferior a 2% da população.

(NERI, 2003).

Os resultados da situação por tipos de deficiência no Brasil, segundo o Censo

demográfico do ano de 2010 do IBGE estão apresentados na tabela 2.

Tabela 2 – Tipos de Deficiência no Brasil - Censo Demográfico 2010

TIPOS DE DEFICIÊNCIA Dificuldade Total Grande dificuldade Alguma dificuldade TOTAL

Auditiva 344.206 1.798.967 7.574.145 9.717.318

Motora 734.421 3.698.929 8.832.249 13.265.599

Visual 506.377 6.056.533 29.211.482 35.774.392

Mental/Intelectual 2.611.536

Totais 61.368.845

Fonte: Adaptado do Censo Demográfico 2010 – IBGE.

Nesse último censo, o IBGE buscou coletar informações relacionadas ao

quadro de deficiências no Brasil, investigando por categorias de deficiência, auditiva,

motora, visual, mental ou intelectual, os graus de deficiência, dividindo-as em: não

conseguem de modo algum (que neste estudo está entendida como dificuldade

total); que apresentam grande dificuldade; e que apresentam alguma dificuldade.

Em função dos elevados números de pessoas com deficiência, contados desde o

Censo demográfico de 2000, e novamente presentes no Censo demográfico de

2010, o discurso da inclusão ganha força, influenciando a sua regulamentação por

lei. A distribuição do Censo demográfico de 2010 por tipos de deficiência e por

pessoas com deficiência mostra mais mulheres tanto em uma, quanto em outra

condição, incluindo-se as deficiências múltiplas, tabela 3.

Tabela 3 - Tipos de Deficiências X Pessoas com Deficiências – Base 2010

Descrição

Sexo

Totais

%

Homem %

Mulher %

H-M Homem Mulher H-M

Tipos de Deficiências (A) 26.217.512 35.151.332 61.368.844 -8.933.820 42,7 57,3 -14,6

Pessoas com Deficiência (B) 19.805.367 25.800.681 45.606.048 -5.995.314 43,4 56,6 -13,1

Deficiências Múltiplas (A-B) 6.412.145 9.350.651 15.762.796 -2.938.506 40,7 59,3 -18,6

1 O censo indica um número maior de deficiências do que de deficientes, uma vez que ―as pessoas incluídas em

mais de um tipo de deficiência foram contadas apenas uma vez.‖ (Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000, nota

1), portanto o número de pessoas que apresentam mais de uma deficiência é de quase 16 milhões.

Fonte: Adaptado do Censo Demográfico 2010 – IBGE.

26

Portanto é possível verificar que em relação aos tipos de deficiência as

mulheres com 57,3% estão à frente dos homens que representam 42,7%. Nos

dados das pessoas com deficiência novamente as mulheres se destacam com

56,6% e os homens vem em seguida com 43,4%. Em termos de diferenças

percentuais, existem 14,6 mais mulheres por tipos de deficiência e 13,1% mais

mulheres com deficiência, do que homens.

Ao serem analisados separadamente, por tipos de deficiências, os dados do

Censo demográfico de 2010 apontam a situação apresentada na tabela 4.

Tabela 4 – Tipos de Deficiência no Brasil - Censo Demográfico 2010

Tipos de Deficiência Homem (A) Mulher (B) Total Diferença

(A-B)

% Homem

(A)

% Mulher

(B)

Diferença % (A-B)

Auditiva 4.908.612 4.808.707 9.717.319 99.905 50,5 49,5 1,0

Mental/Intelectual 1.409.597 1.201.938 2.611.535 207.659 54,0 46,0 8,0

Motora 4.979.617 8.285.981 13.265.598 -3.306.364 37,5 62,5 -24,9

Visual 14.919.686 20.854.706 35.774.392 -5.935.020 41,7 58,3 -16,6

TOTAL 26.217.512 35.151.332 61.368.844 -8.933.820 42,7 57,3 -14,6

Fonte: Adaptado do Censo Demográfico 2010 – IBGE.

Considerando por tipos de deficiências, os homens ultrapassam as mulheres

nas deficiências auditiva (1%) e mental/intelectual (8%). As mulheres ultrapassam os

homens nas deficiências motora (24,9%), visual (16,6%) e múltipla (14,6%).

Decorrente desta nova metodologia a deficiência visual (que não considera

somente a cegueira total) é a mais presente entre as deficiências levantadas, com

aproximadamente 58%, mais da metade das indicadas. Em segundo lugar surgem

as deficiências motoras (incluídas ai as físicas) que somadas chegam a

aproximadamente 21,6%. Em seguida aparece a deficiência auditiva com 15,8%,

sob a qual estão considerados os diferentes níveis de perda auditiva (da surdez leve

até anacusia). Por último está classificada a deficiência mental/intelectual2, com

aproximadamente 4,3% do total das deficiências indicadas.

Do total de pessoas com deficiência, 12.777.207 milhões declararam ter pelo

menos uma deficiência severa, representando 6,7% da população brasileira. Estas

2 O IBGE no Censo Demográfico de 2010 usa as designações ―deficiência mental/intelectual‖. O

termo deficiência intelectual passou a ser adotado a partir da Declaração de Montreal sobre a Deficiência Intelectual - Montreal – Canadá OPS/OMS - 06 de Outubro de 2004. Sassaki (2004) esclarece que o termo deficiência intelectual é mais apropriado por estar ligado ao funcionamento do intelecto, de forma específica e não ao funcionamento da mente em sua totalidade, como remete a deficiência mental.

27

estão localizadas nas opções, ―grande dificuldade‖ ou ―não consegue de modo

algum‖ agrupadas nos tipos de deficiência visual, auditiva, motora e aqueles que

declararam ter deficiência mental. Dessas, a deficiência visual severa foi a que mais

incidiu sobre a população, pois no Censo demográfico de 2010, 3,5% das pessoas

declararam ter grande dificuldade ou nenhuma capacidade de enxergar. A

deficiência motora severa vem em seguida, atingindo a 2,3% das pessoas. A

deficiência auditiva severa atinge a 1,1% das pessoas; o percentual dos que

declararam ter deficiência mental foi de 1,4%. (IBGE, 2011). De forma geral, a

situação divulgada pelo IBGE até o presente é a que está apresentada na tabela 5.

Tabela 5 – Situação das Deficiências Investigadas pelo IBGE no Censo Demográfico de 2010

DESCRIÇÃO VALORES PERCENTUAL

Pelo menos uma das deficiências investigadas 45.606.048 23,9

Nenhuma dessas deficiências 145.084.976 76,1

Não responderam à essas questões 64.775 0,02

Total da População 190.755.799 100

Fonte: Adaptado do Censo Demográfico 2010 – IBGE.

O grande contingente de pessoas com deficiência em nosso país leva à

obrigatoriedade de se desenvolver políticas sociais e compensatórias voltadas à

melhoria da condição de vida dessas pessoas, mais precisamente ligadas à

prevenção, reabilitação e à equiparação de oportunidades, como define a Res. 37/52

de 03 de dezembro de 1982 - Programa de Ação Mundial para Pessoa Portadora de

Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU). Com vistas a atender esses

preceitos, no Brasil a Constituição Federal de 1988 coloca a necessidade de se

garantir aspectos específicos dos direitos das pessoas com deficiência, além

daqueles inerentes a todos os demais indivíduos. Em função disso, foi promulgada a

Lei n° 7.853 de 24 de outubro de 1989, com a finalidade de promover mudanças nos

paradigmas relacionados ao tratamento dispensado às pessoas com deficiência,

especificando sobre o apoio às pessoas com deficiência e sua integração social,

além de definir as responsabilidades do Poder Público em assegurar a esse

segmento da sociedade o pleno exercício de seus direitos básicos, tais como:

educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social, amparo à infância e à

maternidade, e a outros previstos na Constituição na legislação infraconstitucional

que digam respeito ao bem estar pessoal, social econômico dos indivíduos.

(BRASIL, 2007).

28

Dentre as preocupações de se garantir condições básicas de sobrevivência

digna e inclusiva na sociedade às pessoas com deficiência estão: o acesso a uma

vida saudável, a educação e ao trabalho (na sua condição de emprego). Esses

aspectos aliados à diversidade dos grupos que abrangem adultos, jovens e idosos,

mostra a importância de se definir o conteúdo e a amplitude das políticas públicas

voltadas às pessoas com deficiência com a finalidade de inseri-las de forma efetiva e

forma qualificada, no processo de desenvolvimento do país, respeitando-se as suas

diferenças. (BRASIL, 2007).

Todavia, apesar dos esforços no sentido da inclusão das pessoas com

deficiência no mercado de emprego no Brasil, a grande maioria está fora desse

mercado. Com base nos dados do Censo demográfico de 2010, divulgados pelo

IBGE, as pessoas com deficiência que se encontram na faixa etária entre 10 a 80

anos, que declararam alguma ocupação na semana de coleta dos dados, somam

20.365.963 milhões de pessoas, contra 23.707.414 milhões sem ocupação, para um

total de 44.073.377 milhões de pessoas no intervalo considerado. Importante

esclarecer que ―ter ocupação‖ para o IBGE não significa somente estar empregado,

mas várias atividades que possibilitem alguma renda.

Se for considerada somente a faixa etária entre 15 a 64 anos, que

teoricamente estaria no mercado de emprego (idade de entrada e idade próxima a

aposentaria, respectivamente) e que representa 32.609.023 milhões de pessoas

com deficiência, nota-se que existem 12.243.060 milhões de pessoas deficientes

desocupadas. Esses números demonstram o quanto se está distante, no Brasil, de

incluir de forma efetiva as pessoas no emprego.

Embora seja mencionada a questão da inclusão no emprego, importa

esclarecer que se trata, ao longo deste texto, de um processo de inserção no

emprego do Sistema FIEP.

Afora o longo debate sociológico que atravessou os anos de 1990 a respeito

da exclusão e da inclusão, Martins (1997), Veras (2002), Wanderley (2002), a

inserção social à qual me refiro diz respeito àquela que envolve a integração e a

inclusão social defendida, principalmente pelos autores da área da educação.

No contexto da inserção, no ponto de vista de Mantoan (1997), apesar de

apresentarem significados semelhantes, as palavras integração e inclusão indicam

situações distintas e posicionamentos divergentes de objetivos. O termo integração

foi sendo aplicado desordenadamente em todas as situações que se buscou tornar

29

possível o acesso de pessoas com deficiência à educação, ao lazer, ao trabalho etc.

Os reais e efetivos movimentos para integração das pessoas deficientes surgiram

pela primeira vez nos países nórdicos, quando os movimentos em favor da

integração das crianças com deficiência questionaram as práticas sociais e

escolares de segregação, bem como o posicionamento da sociedade em relação às

pessoas com deficiência intelectual.

A integração corresponde às práticas condicionais de inserção; a

responsabilidade recai mais sobre o individuo e sua capacidade de adaptação ao

ambiente e à estrutura na qual está sendo inserido, praticamente não se questiona o

que está sendo realizado para que este realmente se sinta inserido (MANTOAN,

1997).

Conforme Mantoan (1997), o ponto de partida da ideia de inclusão seria o

questionamento das políticas, do preparo e aparato institucional e organizacional. A

inclusão, nesse caso, seria incompatível com a integração porque institui a inserção

de forma radical, completa e sistemática. Integração seria inserir aqueles que não

estão contemplados em uma determinada atividade ou direito. Referindo-se à vida

social e suas relações, a perspectiva da inclusão trabalha coma possibilidade de

inserção de todos os considerados diferentes, respeitando-se as suas diferenças,

preparando-se as organizações para recebê-los em um contexto de diversidade,

garantindo-lhes os direitos as suas diferenças. A inclusão, para ocorrer, exige a

mudança de mentalidade na aceitação do outro e supõe a abolição completa de tudo

aquilo que o segregue.

Assim, sob uma perspectiva inclusionista, a inserção ocorrerá

incondicionalmente por trabalhar com a possibilidade de inserir todos,

indistintamente, incondicionalmente, mas não de maneira igualitária. A

responsabilidade de adaptação não recai apenas na pessoa com deficiência, mas

envolve todos aqueles que fazem parte do processo de inserção. Está em jogo outra

visão de mundo que exige aceitação de convivência com o diverso.

Coleta e análise dos dados

A pesquisa sobre a caracterização do estigma social da deficiência no

emprego a partir da inserção social de um grupo de pessoas com deficiência por

meio do trabalho assalariado, segundo a visão daqueles que estão vivenciando essa

30

realidade, se caracterizou, em sua fase inicial de execução, segundo a classificação

de Santos (2002), como pesquisa exploratória. Para o autor citado, esse tipo de

pesquisa diz respeito aos levantamentos bibliográficos, entrevistas necessárias,

levantamentos na internet, que visam à conscientização do pesquisador com relação

ao estágio em que se encontram as informações disponíveis sobre aquele assunto.

Ao mesmo tempo, se constitui em uma pesquisa documental no dizer de Gil

(2000), em razão de terem sido trabalhados dados publicados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Relação Anual de Informações

Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE), disponibilizados em

meio eletrônico.

Considerando o problema de pesquisa e objetivo propostos, a pesquisa

qualitativa em ciências sociais se tornou, no ponto de vista deste pesquisador, o

melhor caminho em razão de permitir aos sujeitos da pesquisa, voz ativa relatando

os impactos pelos quais passaram a partir de suas trajetórias após participarem do

Programa Aprendendo com a Diversidade, por meio do qual foram inseridos no

Sistema FIEP.

A propósito da pesquisa qualitativa Oliveira (2005) explica que ―A pesquisa

qualitativa pode ser caracterizada como sendo um estudo detalhado de um

determinado fato, objeto, grupo de pessoas ou ator social e fenômenos da realidade.

Esse procedimento visa buscar informações fidedignas para se explicar em

profundidade o significado e as características de cada contexto, em que encontra o

objeto de pesquisa. Os dados podem ser obtidos através de uma pesquisa

bibliográfica, entrevistas, questionário, planilhas e todo instrumento (técnica) que se

faz necessário para obtenção de informações.‖ (Idem: 68).

A pesquisa qualitativa para Deslandes et. al. (1994), tem como preocupação

uma realidade que não pode ser quantificada, pois está focada em responder

questões muito particulares ao trabalhar com um universo de significados, de

crenças e valores os quais correspondem a um espaço mais profundo das relações

e fenômenos os quais não se reduzem à operacionalização de variáveis. Spindola e

Santos (2003) entendem que a pesquisa qualitativa tem por preocupação os

indivíduos, seus ambientes e suas relações de complexidades o que implica na não

existência de limites ou controles impostos pelo pesquisador. A partir disto, tem

como premissa que os conhecimentos sobre os indivíduos (e uma determinada

realidade que lhes diz respeito) só são possíveis de serem construídos por meio da

31

descrição da experiência humana, exatamente como ela é vivenciada e definida

pelos seus próprios autores.

Além disso, Concone (1998) lembra que as técnicas de coleta de dados, no

vão revelar a ancoragem teórica e às propostas de cada investigação em particular,

pois na sua forma de entender, cada técnica de investigação escolhida ―[...] exprime

opções teóricas bem explicitadas.‖ (Idem: 126), ou como explica Bernardo (1998),

―[...] o arcabouço teórico determina as técnicas que devem ser utilizadas.‖ (Idem:

137). Contudo, explica Concone (1998, p. 136): ―As teorias não devem funcionar

como modelos ou camisas-de-força da realidade. Há que se encontrar caminhos e

compatibilizações entre propostas teóricas, evitando dois perigos: o do ecletismos

ingênuo e o da ortodoxia paralisada.‖ (Idem: 136).

Em razão de não se ficar preso a uma teoria, ou a uma ortodoxia, a pesquisa

se aproximou da sociologia do quotidiano que permite esse fluir teórico, próximo do

que Pais (2005) coloca ao analisar a vida de jovens em relação ao trabalho e ao

futuro, ou seja, ―[...] consiste na descoberta dos ‗mundos de vida.‖ (Idem: 15). Para o

presente caso, de pessoas com deficiência que procuram por meio do emprego uma

forma de inserção e reconhecimento na sociedade.

Importante explicar que Mundos de vida, segundo Pais (2005) é um conceito

tomado junto a Husserl que recuperou essa expressão de Heráclito e que significa

―[...] as vidas fluídas por onde transitam as opiniões (doxas) da vida corrente.

Mundos de vida tomados, pois, como horizontes de vivências espontâneas,

simbólicas e significativas.‖ (Idem: 15), ou seja, aquilo que segundo Schutz, citado

por Pais (2005) denomina de realidades múltiplas as quais exigem uma

interconectividade que se referem a diferentes ―[...] âmbitos da realidade finita.‖

(Idem: 78), isto é, que não se restringe ou se realiza, no dizer de Pais (2005) ―[...]

entre o aqui e o agora, ou entre o ali e o outrora, [...] este conceito de Schutz é

fundamental, na medida em que acentua a descontinuidade da realidade social, ao

fragmentá-la em realidades discretas e finitas.‖ (Idem: 78), o que remete ao conceito

de interconectividade.

Conforme Pais (2005), o conceito de Schutz sobre interconectividade ―[...] é

fundamental, na medida em que acentua a descontinuidade da realidade social, ao

fragmentá-la em realidades discretas e finitas.‖ (Idem: 78), seriam âmbitos de

significados finitos. Segundo Pais (2005), Schutz explica que a passagem de um

desses âmbitos a outro só se concretiza por meio de uma experiência traumática,

32

denominada por ele de saltos de descontinuidade (leaps) de uma para outra

realidade. Tais saltos de vida são muito frequentes e presentes no quotidiano das

pessoas com deficiência, alguns deles por demais traumáticos, tais como a negação

da família, a discriminação da sociedade, a descoberta da deficiência. Assim a

interconectividade permite visualizar as diferentes realidades nas quais se inserem

os indivíduos. No presente caso, trabalhador(a) pessoa com deficiência, esposo(a)

pessoa com deficiência, mãe ou pai pessoa com deficiência, cidadão ou cidadã

pessoa com deficiência. Além disto, que outras atividades podem, além destas,

estarem desempenhando? O que se esconde nessas entrelinhas de interconexão de

diferentes realidades vivenciadas por um mesmo individuo?

A proposta da sociologia do quotidiano permite verificar e analisar,

entrecruzar e pensar em tais detalhes como um mosaico, a partir do qual se monta o

possível quebra-cabeças da pesquisa, interligando as diferentes realidades dos

indivíduos pesquisados (algumas extremamente duras) para compreender a

inserção desses indivíduos no mundo de suas relações e interações, sob as

perspectivas das sociologias de Goffman, Simmel, Elias e Scotson.

Portanto, essa é uma proposta sociológica não linear, ou melhor, é pós-linear,

que segundo Pais (2005) está baseada em duas valências de análise interpretativa

decorrentes de uma terceira característica própria desta proposta sociológica: a

decomposição. Para Pais (2005) esta última característica deve ―[...] ser tomada no

sentido cinematográfico, jogando permanentemente com a digressão, isto é, com o

desvio de rumo que nos é dado por uma pretensa linearidade de curso de vida.‖

(Idem: 83). Assim, interpretar um relato de vida, uma entrevista, transcende o

sentido da linearidade, pois exige apreciar a pluralidade da qual se constitui a vida,

como diz Pais (2005): ―[...] é contrapor uma galáxia de significantes – que se

pretende salvaguardada – a uma estrutura de significados que tende a imobilizar-se

quando os signos ‗sendo‘ transformados em signos ‗ficados‘. Tão importantes são os

eventos sincrônicos da vida quanto os assincrônicos. Os eventos jogam com

temporalidades múltiplas que não se encaixam num processo de linearidade. A

linearidade biográfica é contrafeita porque se quebram continuidades nas trajectórias

familiares e profissionais, por efeito de divórcios, trabalhos precários, desemprego,

etc. São os chamados turning points, pontos de inflexão que dão novos rumos a

vida.‖ (Idem: 85).

33

Dessa forma, como explica Pais (2005), ao se trabalhar com métodos pós-

lineares é possível dar conta das rupturas de vida, vivenciadas ou relatadas por

aqueles que são pesquisados, que aparecem plenamente em sua fragmentatividade.

Esses fragmentos surgem desprendidos do todo ao qual pertencem, e então tem-se

que em um esforço metodológico ir por partes, para se remontar a um todo, pois que

o par ―partes/todo‖ caminham juntos, sem poder existir a explicação de um sem a

explicação do outro, em razão de que mantém suas relações de ―[...] reciprocidade,

implicação, pressuposição, dependência. O desafio que se coloca é o de saber

como se interconectar [...] o desafio da analise interpretativa, o de trabalhar os

fragmentos de sentido, interconectando-os revirando-lhes os sentidos.‖ (Idem: 86).

Utilizando-se da análise de Sallum Jr. (2005), pode-se dizer que o que se

pretende em termos de pesquisa está ligado aos níveis micro e meso sociológicos

no campo organizacional. Em relação ao primeiro, por trabalhar com os agentes

individuais e os processos de interação e relações com a sociedade. Quanto ao

segundo, por se tratar de um grupo que está inserido em uma organização formal

(local de trabalho) no qual ocorrem relações de trabalho decorrentes. Por isso a

opção por uma pesquisa de cunho qualitativo, a qual permitiu analisar aspectos

pontuais relacionados a esses níveis sociológicos.

A entrevista utilizada como técnica de coleta de dados, em ciências sociais,

constitui-se de suma importância, na perspectiva de Haguette (1997), pois se trata

de um ―[...] processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o

entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o

entrevistado.‖ (Idem: 86). Como técnica para coleta de dados, a entrevista se

constitui como a ferramenta mais utilizada no trabalho de campo dos cientistas

sociais, por meio da qual se busca obter dados, principalmente subjetivos que para

Boni e Quaresma (2005) dizem respeito aos ―[...]valores, às atitudes e às opiniões

dos sujeitos entrevistados.‖ (Idem: 5).

A observação presencial como coleta de dados, foi usada com o objetivo de

verificar as relações entre as pessoas com deficiência ou surdas e demais colegas

de trabalho, bem como, para analisar as condições de acessibilidade nas

instalações onde trabalham. Segundo Mesquita (2006) esse tipo de observação,

definida por Pais em 1999, como ―in situ‖ se refere à ―[...] uma observação

presencial, constituída pela mistura de um estilo óptico, que se desenvolve mais à

34

distância e um uso táctil, mais próximo, que favorece o contato face a face.” (Idem:

29).

Como forma inicial e depois complementar de coleta de dados, utilizou-se a

entrevista por email, com a representante do programa Aprendendo com a

Diversidade e com o responsável pelo setor de Gestão em Saúde e Segurança do

Trabalho do Sistema FIEP.

A pesquisa efetivamente realizada no período de junho a agosto de 2010,

tomou como base para a coleta de dados, um grupo constituído por pessoas com

deficiência física ou auditiva que trabalha no Sistema da Federação das Indústrias

do Paraná (Sistema FIEP). Além desses, foram incluídos na coleta de dados duas

representantes dos programas de inserção do Sistema FIEP e mais duas tutoras,

colegas de trabalho das pessoas deficientes ou surdas.

Mais precisamente os sujeitos participantes da pesquisa são oriundos do

projeto piloto de qualificação de pessoas com deficiência para o mercado de

emprego desenvolvido pelo SESI/PR em parceria com o SENAI/PR, que se

caracterizou como um curso para formação de auxiliares administrativos para

trabalharem nas empresas afiliadas à Federação das Indústrias do Paraná (FIEP),

mas que acabaram sendo contratados para exercerem funções auxiliares no

Sistema FIEP. Inicialmente o curso de formação contou com onze alunos, contudo

um deles optou por uma oportunidade na área de produção da Volvo, empresa

montadora de caminhões localizada na cidade de Curitiba-PR, após ter participado

em um curso de formação de mão de obra oferecido pela empresa citada. Na época

da pesquisa, duas pessoas com deficiência física estavam afastadas do trabalho por

licença médica.

O estudo de um grupo, suas relações, representações coletivas, encontra

respaldo em Simmel (2006, p.11) que ao abordar sobre a sociedade como conceito

abstrato, expõe que ―[...] cada um dos incontáveis agrupamentos e configurações

englobados em tal conceito é um objeto a ser investigado e digno de ser

pesquisado, e de maneira alguma podem ser constituídos pela particularidade das

formas individuais da existência‖.

A principal fonte de informação para este estudo são os depoimentos de duas

representantes dos programas de inserção de pessoas deficientes no emprego,

desenvolvidos no âmbito do Sistema FIEP (Programa Aprendendo com a

Diversidade – voltado a inserção dos deficientes no Sistema FIEP; Programa Gestão

35

da Diversidade com Ênfase na Pessoa com Deficiência – PcD – voltado à inserção

das pessoas com deficiência nas empresas parceiras do Sistema FIEP); de seis

pessoas deficientes inseridas no Sistema FIEP por meio do Programa Aprendendo

com a Diversidade; de duas tutoras de pessoas inseridas.

O objetivo de entrevistar as duas representantes s dos programas, foi o de

conhecer todo o processo de inserção das pessoas com deficiência no Sistema

FIEP. As duas entrevistadas estão na faixa etária dos 40 anos, tem curso superior e

especialização, ambas são casadas. Neste estudo, as entrevistadas serão

designadas como ―pessoal de gestão‖.

A entrevista com as pessoas deficientes e surdas objetivou diagnosticar qual

a sua visão a respeito da própria condição de deficiência e surdez e como vivenciam

o processo de inserção pelo qual estão passando e, se enfrentam condições de

estigma no local de trabalho. De acordo com informações colhidas junto ao setor de

Gestão em Saúde e Segurança do Trabalho do Sistema FIEP, com base no Decreto

n° 3.298/99 e no Decreto n° 5.296/04, as entrevistadas se constituem de: duas

pessoas com deficiência auditiva bilateral total; duas pessoas com deficiência

auditiva bilateral parcial; duas pessoas com deficiência física. Para se referir às duas

pessoas com deficiência auditiva bilateral total serão utilizados neste trabalho as

designações ―surdo, surda, surdos, surdas‖, em razão dessas duas pessoas se

declararem surdas e assumirem sua. Para as demais será utilizada a designação

―pessoas com deficiência‖. Dados iniciais da coleta de dados revelam que a faixa

etária das entrevistadas está entre 32 e 42 anos; todas tem o segundo grau

completo e uma delas está cursando o curso técnico de secretariado. Com relação

ao estado civil, três são solteiras, uma é viúva e duas são casadas.

As entrevistas com as pessoas deficientes e com as pessoas surdas

seguiram um roteiro estruturado. As gravações em áudio foram realizadas por meio

de gravador digital e, no caso das pessoas surdas, foi realizada filmagem com o

acompanhamento de uma intérprete de LIBRAS como forma de respeitar a cultura

surda, bem como, facilitar a comunicação. As transcrições das filmagens, de LIBRAS

para o português foram realizadas pela mesma intérprete.

A entrevista com as pessoas que atuam na condição de tutores (as) teve

como objetivo esclarecer, ainda mais, o processo de inserção e as situações de

estigmas vivenciadas pelas pessoas com deficiência. Essas duas pessoas se

encontram na faixa etária entre 40 e 55 anos, uma tem curso superior incompleto e a

36

outra, curso superior completo, com especialização. Uma delas é casada e a outra é

solteira. Todas as entrevistadas receberam nomes fictícios e seus dados são

apresentados no Anexo I.

Procurando responder à principal questão que motivou o desenvolver este

trabalho, bem como o objetivo dele decorrente, a tese está estruturada da seguinte

forma: no primeiro capítulo procuro abordar a respeito das diferentes visões da

deficiência, que se construíram em diferentes períodos a partir do século XVIII na

cultura ocidental. Conjuntamente, desenvolvo uma caracterização do estigma e

abordo sobre a construção do estigma social da deficiência.

No segundo capítulo, com o objetivo de compreender o desenvolvimento da

legislação nacional dos direitos das pessoas com deficiência, faço um resgate da

luta das pessoas com deficiência, enfatizando-a desde a década de 1950, passando

pela década de 1980, período importantíssimo para o movimento das pessoas com

deficiência no sentido de reivindicações, a partir do qual as pessoas com deficiência

conseguiram ser reconhecidas como cidadãs, e verem inseridas na Constituição de

1988, muitas das reivindicações propostas ao longo da Assembleia Nacional

Constituinte (ANC).

No 3º capítulo discuto a respeito da deficiência no contexto da diversidade

nas organizações, mais precisamente da gestão da diversidade nas empresas,

passando pelo debate das ações afirmativas como políticas de inserção, versus a

meritocracia, base dos programas de gestão da diversidade com dissolução das

diferenças. Nesse capítulo, ainda, apresento os conceitos de deficiências presentes

na legislação federal brasileira, e que norteiam as categorizações dos indivíduos,

mediante as quais são inseridos no emprego das empresas.

Ao longo do quarto capítulo procuro apresentar uma análise da pesquisa

desenvolvida, com base nas entrevistas realizadas. A partir dessas entrevistas

procuro identificar de que forma se caracteriza, o estigma social da deficiência no

ambiente de trabalho a partir do processo de inserção no emprego. Considerando

diferentes visões, a análise está centrada em três categorias que se entrecruzam no

local de trabalho: pessoas com deficiência; pessoal de gestão; tutores (e colegas de

trabalho). Discuto, ainda, a inserção das pessoas com deficiência ou surdas com

base na desigualdade e na diferença.

37

1 DEFICIÊNCIA E ESTIGMATIZAÇÃO

Os diferentes tipos de deficiência e a surdez, sempre causaram espanto, mal

estar e reações negativas ou positivas àqueles que com ela se deparam. Além

disso, suscitam a construção de estigmas sociais como forma de marcar pessoas

deficientes ou surdas, geralmente para delimitar-lhes fronteiras no processo de

interação social e afiliação grupal. Isso não é diferente nas empresas em que as

pessoas desses grupos são empregadas.

Com a finalidade de tornar mais clara a compreensão das relações entre

deficiência e estigma social da deficiência no emprego, no presente capítulo

discutido as diferentes visões da deficiência como um processo histórico e social,

que foi se constituindo ao longo da história da civilização ocidental, mas centralizo a

minha análise a partir do século XVIII, tendo em vista que os avanços mais

significativos e importantes, relacionados às visões da deficiência e surdez

aconteceram a partir desse período.

Como a deficiência era vista e foi considerada desde então, e como se

constrói o estigma social da deficiência a partir das relações entre grupos de

pessoas com e sem deficiência é o que me proponho a apresentar neste capítulo.

Acredito que tal sumarização se faz importante para se compreender a perspectiva

empresarial a respeito da deficiência, bem como a caracterização do estigma social

da deficiência no emprego, quando se estiver abordando sobre esse assunto mais

especificamente.

Tomando como referencia a tipologia usada por Goffman (2008) para

designar aqueles que se relacionam com o estigma, estarei adotando a designação

de ―normais‖ para me referir às pessoas sem deficiência e ―pessoas com deficiência

ou surdas‖, com algumas variações, para distinguir aquelas que estão marcadas

socialmente em razão da limitação física, intelectual, ou auditiva que apresentam.

1.1 DIFERENTES VISÕES DA DEFICIÊNCIA

A noção de deficiência está eivada de valores sociais, religiosos, filosóficos,

morais, científicos etc., sendo concebida por diferentes formas ao longo da história

de uma determinada sociedade. Conforme explica Concone (2004): ―[...] cada grupo

38

constrói sua realidade em um processo histórico. Nesse sentido haveria muitos

caminhos históricos possíveis. Cada realidade cultural só pode ser compreendida

dentro de seus parâmetros, ou da sua própria lógica.‖ (Idem: 285).

O binômio ―deficiência e eficiência‖ só poderia ser compreendido do ponto de

vista sociocultural a partir do conjunto de valores que orientam as relações sociais

de um determinado grupo. O mesmo pode ser aplicado no tocante à vida, à morte, à

velhice, à saúde e à doença. Tudo aquilo que causa estranheza ou movimento no

chamado ―equilíbrio‖ na vida em sociedade, passa a ser visto como estranho,

diferente ou perigoso, levando até ao processo de estigmatização. Os valores

culturais, interiorizados pelos membros de uma sociedade, orientam as concepções

e representações individuais sobre o coletivo, apesar dos discursos individuais

permitirem também, a percepção das várias visões de cada um; assim explica

Concone (2003), ―[...] não se pode esquecer que as subjetividades são elas também

possibilidades do universo sociocultural, são construídas no e a partir desse

universo. A cultura não é algo que está fora dos indivíduos. Está fora e dentro, se

posso falar assim. Está na sociedade, mas fornece a matéria prima que permite a

formação das individualidades. Como diria Geertz, são orientações ‗de‘ e ‗para‘ o

mundo humano.‖ (Idem:78).

Seguindo esta perspectiva, Franco e Dias (2005) mostram que a história da

pessoa com deficiência varia de cultura para cultura e reflete crenças, valores e

ideologias que, materializadas em práticas sociais, estabelecem modos

diferenciados de relacionamentos entre esta e outras pessoas, com ou sem

deficiências. Segundo Ferreira e Guimarães (2003), esses relacionamentos

demonstram que mesmo o homem convivendo com a diferença, ele demorou

séculos para compreender e explicar cientificamente algumas dentre tantas

deficiências até chegar a entendê-las. Foram as mais diferentes e variadas

explicações, mas sempre distantes da importância de se considerar a deficiência

como uma efetiva realidade humana. Conforme lembra Carmo (1994), as ações

sempre foram no sentido da discriminação e perseguições impostas àqueles que

pertenciam a esse grupo.

Conforme aponta Miranda (2004)3, o período que vai do século XVIII até

meados do século XIX, traz a institucionalização das relações da sociedade com as

3 Miranda (2004) estudando a situação das pessoas com deficiência, sob uma perspectiva histórica, coloca que

na Europa e América do Norte ela se divide em quatro estágios: primeira fase, pré-cristã e cristã; segunda fase,

39

pessoas deficientes. É o período que realmente se iniciam as ações direcionadas às

pessoas com deficiência. Foram criadas instituições residenciais – ou de ―depósito‖

– a elas destinadas nas quais eram segregadas e protegidas.

As primeiras iniciativas reais de modificação do quadro ao qual estavam

relegados os indivíduos com alguma deficiência surgem na modernidade, como

apontam Corbin et al (2008), no final do século XVIII, quando ―os enfermos

começam a ser educados, a ser olhados de modo diferente de refugos e a sair de

uma visibilidade somente feia e pavorosa.‖ (Idem: 350). O grande marco nesse

sentido foi a ―Carta sobre os cegos‖ escrita por Diderot em 1749 que trata dos

preconceitos relativos às pessoas com deficiência além dos cegos.

Como mudanças que seguem a esse período, na área educacional, tem-se o

desenvolvimento da língua de sinais para a educação dos surdos e a implementação

do sistema de educação para cegos. No campo médico, surgimento de novas

técnicas cirúrgicas para facilitar as amputações, criação de novas próteses para

pessoas com deficiência física e invenções como a cadeira de rodas. Prospera a

ideia de acolhimento e tratamento das pessoas deficientes. Nesse sentido, são

estabelecidas as primeiras leis com vistas à reabilitação e à readaptação ao trabalho

das mesmas (GUGEL, 2007).

Amaral (1995) destaca ser nesse período que a dimensão verdadeiramente

humana das pessoas com deficiência passa a ser reconhecida, criando-se a partir

daí, um terreno propício às tentativas educacionais e a uma visão mais científica da

deficiência. Como exemplos podem ser citados os trabalhos de Jean-Marc-Gaspard

Itard e seu discípulo Seguin, no ano de 1800, com Victor – O selvagem de Aveyron –

que possibilitaram o desenvolvimento de uma perspectiva pedagógica destinada aos

deficientes intelectuais (PESSOTTI, 1984; CORBIN, et al., 2008), e a publicação,

por Louis Braille em 1829, de uma um código de pontos em relevo que visava

facilitar a comunicação dos cegos (código Braille) (BRADDOCK; PARISH, 2001).

No período que teve início no final século XIX e vai até meados do século XX,

na classificação proposta por Miranda (2004), tem como ponto principal a criação

das escolas especiais ou classes especiais em escolas públicas com vistas a

oferecer aos considerados deficientes uma educação à parte. Seguindo essa

de institucionalização (do século XVIII a meados do século XIX); terceira fase, das escolas especiais ou classes especiais em escolas públicas (final do século XIX e meados do século XX); quarta fase, integração (final do século XX, a partir dos anos de 1970). Para efeitos deste trabalho será levado em consideração a partir da segunda fase.

40

tendência de avanço educacional, no final do século XIX são construídos: em 1854 o

Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atualmente Instituto Benjamin Constant), e em

1857 o Imperial Instituto de Surdos – Mudos (atualmente o Instituto Nacional de

Educação de Surdos – INES), ambos localizados no Rio de Janeiro (BUENO, 1993;

MAZZOTTA, 2005).

Segundo Amaral (1995), durante o século XIX, ―[...] há a coexistência de

múltiplas representações do fenômeno [da deficiência] e, consequentemente, de

múltiplas abordagens e atuações: algumas de caráter mais educacional, outras de

cunho médico. Mas de uma forma geral, pode-se assinalar esse período como o da

superação da visão da deficiência como doença e o início de seu entendimento

como estado ou condição. [...] Por outro lado, paradoxalmente, mantêm-se com

algumas propostas, as ideias de degenerescência da espécie e de correlação moral

[...].‖ (Idem: 50).

Nesse período, ainda, mais especificamente entre 1880 a 1925, as pessoas

com deficiência intelectual eram vistas como anormais e ameaças sociais, uma vez

que esse tipo de deficiência era considerado como uma doença incurável. Sob os

auspícios de uma crença eugênica amplamente difundida, a visão corrente

considerava que a deficiência intelectual era herdada como uma característica

Mendeliana que degradava a espécie. Nessa época ela estava associada a diversos

estudos sobre criminalidade, comportamento imoral, e pauperismo. Esse foi um

século marcado pelas instituições e intervenções (escolas e instituições destinadas

às pessoas deficientes implantadas, principalmente, na Europa e nos Estados

Unidos), e pela completa aceitação do modelo médico para definição e classificação

das deficiências (BRADDOCK; PARISH, 2001). O modelo médico ou individual,

também conhecido como biomédico, enxerga nos deficientes, pessoas que

apresentam problemas físicos e que precisam ser curadas, o que as coloca na

condição passiva de pacientes. Tal abordagem tem o objetivo de ―normalizar‖ as

pessoas com deficiência, o que implica em um momento ou outro, que sejam

entendidas como anormais.

Dessa perspectiva o deficiente precisaria adaptar-se à sociedade e não o

contrário. Sob a ótica desse modelo, as pessoas com deficiência, incluindo-se as

que tiveram sequelas de acidentes sofridos, necessitam de serviços especiais como

transporte e assistência social (o que implica na criação de instituições

especializadas para tal esse fim: hospitais, escolas, empregos protegidos) nos quais

41

os profissionais especializados decidem e oferecem tratamentos especializados ou

ocupações direcionadas para esse público em específico (HI; CBM, 2008).

Durante as primeiras décadas do século XX o movimento eugênico ganhou

força e as reformas sociais procuraram a segregação e a proibição de casamentos e

a procriação de pessoas com deficiência. Cruz, Silva e Alves (2007) explicam que

nesse período, ―[...] instituições de segregação e práticas de esterilização se

tornaram os métodos mais utilizados para eliminar as pessoas com deficiências. Nos

tribunais americanos desta década, eram defendidas as causas de esterilização

involuntária de todas as pessoas com deficiência mental. Essas determinações

resultaram na esterilização de mais de 60.000 pessoas com deficiência mental nos

50 anos que se seguiram.‖ (Idem: 134).

Braddock e Parish (2001) informam que nesse mesmo período, nos Estados

Unidos, as instalações e o tratamento destinado às deficientes intelectuais se

deterioraram e os surdos iniciaram sua luta no sentido de ter reconhecido o direito

de se utilizarem da linguagem de sinais em suas escolas. Como consequência do

movimento eugênico muitas mulheres com epilepsia, deficiência ou doença mental,

foram esterilizadas nos Estados Unidos, na Dinamarca, Suíça e na Alemanha. Neste

último país sob o ideário nazista, de 1939 a 1945 foram assassinadas entre 200.000

a 275.000 pessoas deficientes mentais e físicas por eutanásia. Segundo Cruz, Silva

e Alves (2007), os programas de esterilização e eutanásia praticados na Alemanha,

contra as pessoas com deficiência, principalmente a partir de 1933 quando o

nazismo tomou o poder, tiveram o apoio da comunidade internacional. ―Alguns

meses antes da Alemanha declarar guerra contra os Estados Unidos, o Jornal

Americano de Psiquiatria declarava que todas as crianças severamente deficientes

deveriam ser mortas antes de seu quarto aniversário. Com o final da Segunda

Grande Guerra, o extermínio e a esterilização de pessoas deficientes foram

declarados crimes contra a humanidade no Tratado de Nuremberg.‖ (Idem: 134).

Nota-se que a marca social da deficiência, na fase que se inicia entre o final

do século XIX e o início do século XX, procurava ligar o deficiente intelectual aos

atributos desqualificativos criados a partir do desvio de conduta, da anormalidade e

do crime, como forma de interditá-lo a uma vida social normal e justificar a sua

segregação. Em um momento de maior agudeza do processo de estigma, as

pessoas com deficiência foram eliminadas.

42

No ano de 1959 na Dinamarca, pela via da educação, as pessoas com

deficiência conseguiram algum avanço no sentido de sua inserção social, através do

questionamento das práticas sociais e escolares que as segregavam e

discriminavam. Desenvolve-se o princípio da normalização que se opunha, conforme

Pereira et al. ―[...] às alternativas e modalidades de atendimento de tendência

segregativa e centralizadora, refletindo-se também, na organização de serviços e

metodologia de ensino.‖ (1980, p.1). Na concepção de Pereira et al (1980) a partir

desse conceito, outro principio passa a fazer parte da educação especial – a

integração. Normalização é objetivo. Integração é processo. Integração é fenômeno

complexo que vai muito além de colocar ou manter excepcionais em classes

regulares. É parte do atendimento que atinge todos os aspectos do processo

educacional.‖ (Idem:1). A proposta de integração revela seus fundamentos

biológicos, mas responde também à perspectiva sociológica conforme a distinção

elaborada por Durkheim (2007) ao classificar os fatos sociais como normais e

patológicos. Para esse autor, os fatos sociais normais ―[...] são gerais em toda a

extensão da espécie; elas se verificam, se não em todos os indivíduos, pelo menos

na maior parte deles e, se não se repetem identicamente em todos os casos nos

quais se observam, mas variam de um sujeito a outro, essas variações estão

compreendidas entre limites muito próximos‖ Enquanto os patológicos, explica ele,

―[...] são excepcionais; elas não apenas se verificam só na minoria, mas também

acontece que, lá mesmo onde elas se produzem, muito frequentemente não duram

toda a vida do indivíduo. Elas são uma exceção tanto no tempo como no espaços.

Estamos, pois, em presença de duas variedades distintas de fenômenos que devem

ser designadas por termos diferentes (Idem: 58).

No entanto, um tipo médio da espécie se confunde com os fatos sociais

normais. Nessa medida define o que vem a ser mórbido e saudável e, por

conseguinte, normal e exceção. Escreve Durkheim (2007): ―Se concordarmos em

chamar tipo médio o ser esquemático que constituiríamos ao reunir num mesmo

todo, numa espécie de individualidade abstrata, os caracteres mais frequentes na

espécie com suas formas mais frequentes, poderemos dizer que o tipo normal se

confunde com o tipo médio e que todo desvio em relação a esse padrão da saúde é

um fenômeno mórbido.‖ (Idem: 58). A partir dessas concepções o paradigma da

normalização e da integração, em relação às pessoas com deficiência, se

fundamenta em uma perspectiva de análise durkheimiana.

43

Durante os anos de 1960, o paradigma da institucionalização que condenava

as pessoas deficientes a serem colocadas em asilos ou em instituições

especializadas distantes de suas famílias, passou a ser examinado criticamente a

partir da obra Asylums (Manicômios, Prisões e Conventos – título em português) de

Erving Goffman, publicada no ano de 1962 (ARANHA, 2005). Também, a partir

dessa década, se iniciam os encaminhamentos para que essa parcela da população

mundial tivesse seus direitos à educação, ao trabalho, à saúde e fosse tratada com

mais dignidade, o que possibilitou o desenvolvimento do chamado paradigma da

integração em outras áreas além da educacional. Concomitantemente, ao longo da

década de 1970, desenvolveu-se no mundo acadêmico a ideologia da normalização

que resumidamente ―[...] era uma ideologia que advogava a necessidade de inserir o

indivíduo deficiente na sociedade mais ampla, auxiliando-o a adquirir as condições e

os padrões o mais próximo possível aos da vida cotidiana das demais pessoas. O

princípio de normalização deu suporte filosófico ao movimento de

desinstitucionalização e ao movimento pela integração social da pessoa com

deficiência, responsáveis tanto pela retirada desses indivíduos das Instituições

tradicionais, como pela implantação de programas comunitários de serviços para

atender às suas necessidades.‖ (ARANHA, 2003, p.15).

Efetivamente para as pessoas com deficiência, o discurso da inserção social,

se corporificou a partir do impacto dos soldados que ficaram deficientes nas duas

Guerras Mundiais. Eles tiveram papel decisivo na criação de serviços de

reabilitação, formação e inserção profissional, na opção por uma educação nas

instituições regulares de ensino a partir da década de 1960. Surgiram então as

legislações específicas para atender as necessidades das pessoas com deficiência.

Contudo, as políticas sociais ou se mostravam insuficientes ou demonstravam uma

visão muito parcial das transformações necessárias à efetiva participação das

pessoas com deficiência na vida social, cabendo ao emprego um papel central,

porém não rompendo com a ideia de tragédia pessoal que permeia a questão das

pessoas com deficiência (MARTINS, 2005).

A década de 1960 é marcada, ainda, pelo início dos movimentos voltados às

lutas dos deficientes pelo reconhecimento dos seus direitos sociais, nos Estados

Unidos e na Europa, após a Segunda Guerra Mundial com o retorno dos ex-

combatentes mutilados (CRESPO, 2011). Nos Estados Unidos, no final dessa

década, se inspiraram nas campanhas pelos direitos civis e no movimento das

44

mulheres pelo reconhecimento de seus direitos, bem como pelas consequências da

Guerra do Vietnam que aumentou o número de jovens com deficiência, pelas

mutilações sofridas naquele conflito (SHAKESPEARE, 1993).

Nos Estados Unidos, no ano de 1962, surge o movimento ―Tetra Rolantes‖ e

no início da década de 1970 o ―Movimento da Vida Independente.‖ (MVI). Na

Inglaterra, em 1970 o ―The Union of the Physically Impaired Against Segregation

(UPIAS) – Liga dos Lesados Físicos Contra a Segregação‖ e em 1972, a partir das

iniciativas de Paul Hunt, as pessoas com deficiência passaram a lutar por direitos

sociais e o reconhecimento pela sociedade, respeitando as suas diferenças (DINIZ

et al., 2007, MELLO, 2009). Os movimentos iniciados nos anos de 1960 e

intensificados durante os anos de 1970, conquistaram espaço no debate acadêmico.

Conjuntamente a esses movimentos, e em decorrência das aspirações neles

expressos, em 1970, Mike Olivier desenvolveu no Reino Unido, o modelo social de

interpretação da deficiência, para o qual ela se constitui em uma experiência

resultante da interação entre as características corporais da pessoa deficiente e as

condições presentes na sociedade em que ela está inserida, ou seja, a partir da

combinação de suas limitações fisiológicas ou psíquicas impostas pelo organismo

com alguma forma de perda ou redução da funcionalidade (lesão) junto à

organização social quase indiferente à diversidade em termos de composição

corporal (DINIZ et al., 2007).

O pressuposto teórico trazido pelo modelo desenvolvido por Olivier é de que a

deficiência não deve ser entendida como um problema individual, mas como uma

questão social, tirando o foco do indivíduo como o responsável por suas

desvantagens em razão de suas limitações corporais e intelectuais, transferindo-o

para a sociedade, na sua incapacidade de prever e ajustar-se ao diverso (OLIVIER,

1990; OLIVIER, 2004; DINIZ; MEDEIROS, 2004; DINIZ et. al., 2007). Desse ponto

de vista se relacionariam deficiências, projetos de inclusão de pessoas com

deficiência no emprego e o estigma da deficiência no emprego, foco central desta

tese de doutorado.

Essa perspectiva surgida a partir dos anos de 1970, corresponde à quarta

fase da classificação proposta por Miranda (2004). Paralelamente ao modelo social

se desenvolvia o modelo baseado em direitos humanos, cujo foco está no princípio

da igualdade de oportunidades e da participação das pessoas deficientes na

sociedade. A partir dessa ideia central, aparece o discurso de que deveriam ser

45

criados instrumentos e mecanismos para atender a este princípio (GRIFFO; ORTALI,

2007; HI; CBM, 2008), por exemplo o empoderamento (participação da pessoa com

deficiência como pessoa interessada) e a responsabilidade (dever das instituições

públicas em implementar e garantir os direitos em quantidade e qualidade à

satisfação das necessidades dos deficientes) (HI; CBM, 2008).

A deficiência, seja ela qual for, sempre esteve, portanto, presente na vida

quotidiana. Contudo, como aponta Silva (2009), segregação foi a forma mais

utilizada para dela se tratar, pois até a terminologia que lhe diz respeito surgiu muito

recentemente, a partir do final do século XX. Tanto que a designação ―pessoa com

deficiência‖, só foi difundida a partir de 2006 quando foi incorporada pela Convenção

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adotada pela ONU em 13 de

dezembro de 2006, quando a Assembleia Geral se reuniu para comemorar o Dia

Internacional dos Direitos Humanos. Para Fonseca (2008), essa designação que se

transformou em um marco na participação direta das pessoas deficientes ―[...]

levadas por Organizações Não Governamentais de todo o mundo, carrega forte

relevância jurídica porque incorpora na tipificação das deficiências, além dos

aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, a conjuntura social e cultural em

que o cidadão com deficiência está inserido, vendo nestas o principal fator de

cerceamento dos direitos humanos que lhe são inerentes.‖ (Idem: 2).

1.2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTIGMA

No item 1.1 foi visto que no final do século XIX e início do século XX, surge

uma corrente de estudos conhecida como eugenia e paralelamente se desenvolve a

teoria do desvio cuja finalidade seria categorizar os indivíduos que fugiam aos

padrões sociais de normalidade no contexto do binômio normal-patológico.

Durkheim (2007) foi um dos primeiros pensadores sociais que propõe o estudo do

desvio do ponto de vista sociológico. Vagabundos, prostitutas, criminosos etc.

poderiam ser enquadrados neste caso. (MISKOLCI, 2005).

Segundo Miskolci (2005) os estudos sobre o desvio tiveram continuidade e

foram aprofundados a partir da Escola de Chicago, desde a década de 1920,

principalmente com a análise sobre o crime na sociedade. Na década de 1950, os

estudos sobre desvio envolvendo a criminalidade perderam espaço e predominaram,

na Escola de Chicago, estudos sobre profissões e outras formas de interação. Para

46

Miskolci (2005), ―É neste contexto que surgem pesquisas tão originais com relação a

diversas formas de desvio social que alguns passariam a unificá-las como

constituindo uma nova tradição, a Segunda Escola de Chicago.‖ (Idem: 17). Dentro

dessa perspectiva, duas obras marcaram os estudos a respeito de normalidade e

desvio: Asylums publicada em 1961 por Erving Goffman e Outsiders publicada em

1963 por Howard Becker, os dois teóricos mais conhecidos dessa linha de estudos,

(MISKOLCI, 2005).

A partir da consideração de que o desvio é criado e definido socialmente, os

estudos interacionistas privilegiam a análise de ―como‖ esses rótulos foram criados e

quais as suas consequências individuais (LIMA, 2001). Howard Becker foi o principal

autor que se preocupou com a questão dos rótulos sociais, desenvolvendo a teoria

das rotulações, ou teoria da etiquetação Labeling Theory na qual estuda a questão

dos desvios. Mais precisamente Becker (2008), entende ―[...] desvio como o produto

de uma transação que tem lugar entre algum grupo social e alguém que é visto por

esse grupo como infrator de uma regra.‖ (Idem: 25). Especifica que seu interesse

recai menos ―[...] características pessoas e sociais dos desviantes do que pelo

processo através do qual estes são considerados ‗outsiders‘4 e suas reações a esse

julgamento.‖ (Idem: 25). Conforme o autor, ―Desvio não é uma qualidade que reside

no próprio comportamento, mas na interação entre as pessoas que cometem um ato

e aqueles que reagem a eles.‖ (Idem: 27).

Com relação à questão da deficiência, a proposta de análise de Becker

aponta para o fato de que o binômio desvio-normalidade está expresso no próprio

corpo do individuo com deficiência. Segundo Amaral (1998), seja por ―[...] falta ou

excesso de alguma coisa.‖ (Idem: 12)

Assim o desvio se faz presente no tocante à deficiência diante da

anormalidade que o corpo deficiente representa conforme os padrões estabelecidos,

como indica Amaral (1998), ―[...] o fato é que (seja da ótica de quem vive, seja da

ótica de quem vê) a deficiência, do ponto de vista psicológico, jamais passa em

brancas nuvens. Muito pelo contrário: ameaça, desorganiza, mobiliza. Representa

aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao belo, ao eficiente, ao perfeito... e,

4 Becker (2008) utiliza o termo ―[...] ‗outsiders‘ para designar aquelas pessoas que são consideradas desviantes

por outras situando-se por isso fora do círculo dos membros ‗normais‘ do grupo. Mas o termo contém um segundo significado, cuja análise leva a um outro importante conjunto de problemas sociais: ‗outsiders‘, do ponto de vista da pessoa rotulada de desviante, podem ser aquelas que fazem as regras de cuja violação ela foi considerada culpada.‖ (p. 27).

47

assim como quase tudo que se refere à diferença, provoca a hegemonia do

emocional sobre o racional.‖ (Idem: p. 60), abrindo campo para o preconceito.

Na mesma linha de compressão, a deficiência pode ser entendida como

desvio a partir do discurso empresarial, também presente na fala das representantes

s dos programas responsáveis pela inserção das pessoas com deficiência no

Sistema FIEP, quando reforçam a ideia corrente da necessidade de qualificação das

pessoas com deficiência o que as coloca na condição de desqualificadas para o

exercício de certas práticas de trabalho. Portanto, seriam desviantes conforme a

norma definida para qualificação e inserção nas empresas, tendo em vista às

exigências de produtividade. Isto está incurso naquilo que coloca Goffman (2008): ―A

sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos

considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas

categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm

probabilidade de serem neles encontrados.‖ (Idem: 11).

A questão do desvio e da rotulação, também se aplicaria às situações em que

pessoas com deficiência e tendo sentimentos de não aceitação na sociedade se

envolveriam com o consumo frequente de bebidas alcoólica ou de outros tipos de

drogas.

Miskolci (2005) entende que Becker (2008) e Goffman (2008) propõem em

vez de estudos sobre desvio, estudos das diferenças que abrangem a compreensão

da diversidade social e cultural. Estudos dessa natureza emergem após a Segunda

Guerra Mundial, quando o paradigma biológico entrava em declínio, na esteira dos

questionamentos desenvolvidos pelos movimentos sociais e das críticas às

atrocidades cometidas durante o conflito mundial. Miskolci (2005) complementa:

―Surgia, assim, um impulso para o desenvolvimento de um novo paradigma de

compreensão da diversidade social em seus aspectos étnico-raciais, culturais e até

mesmo da sexualidade.‖ (Idem: 29).

Na composição por uma sociologia das diferenças, os estudos voltados para

a explicação do estigma nas relações sociais ganharam notoriedade e dentre estes,

as principais obras foram ―Estigma: notas sobre a manipulação da identidade

deteriorada‖, publicada em 1963 por Erving Goffman e ―Estabelecidos e Outsiders”,

publicada em 1965 por Norbert Elias e John L. Scotson.

Goffman (2008) propõe uma saída do foco do estudo do desvio para uma

abordagem centrada no estudo dos ―[...] normais e as regras de normalidade

48

socialmente prescritas. Além de provar que o desvio na verdade se tratava de

diferença com relação às normas sociais, ele [Goffman] definiu a identidade daquele

que era considerado absolutamente normal.‖ (Idem: 30).

Para Goffman (2008), o sujeito absolutamente normal, que não tinha nada do

que se envergonhar, nos Estados Unidos e no momento histórico que estava

estudando, se caracterizava por ser: ―[...] um homem jovem, casado, pai de família,

branco, urbano, do Norte, heterossexual, protestante, de educação universitária,

bem empregado, de bom aspecto, bom peso, boa altura e com um sucesso recente

nos esportes.‖ (Idem: 139). Segundo Miskolci (2005) ―Qualquer desvio desse modelo

resultaria em diferenças que seriam socialmente avaliadas como desvios.‖ (Idem:

30).

Elias e Scotson, por sua vez, ao estudarem as relações existentes entre dois

grupos em uma determinada localidade, em que um desses grupos se sentia

superior em relação ao outro, demonstraram como as ―[...] diferenças são

construções sociais que resultam de uma repartição desigual do poder.‖ (MISKOLCI,

2005, p. 31).

A partir do exposto compreende-se que a marca que destaca e diferencia um

indivíduo ou um grupo de pessoas, considerada dentro de uma tradição sociológica

é compreendida como um processo que por ser social irá depender dos contextos

históricos e culturais em que os indivíduos estão inseridos. Neste sentido, e

seguindo a tradição de Goffman, entende-se que o estigma não é uma expressão do

indivíduo ou de suas atitudes, mas nasce em razão de uma experiência vivida ou

sofrida e de uma carreira moral, nos compromissos sentidos em um mundo local, no

qual a vida diária se desenvolve, tal como um local de trabalho, um bairro, onde algo

está em jogo, a se ganhar ou perder como: status, dinheiro, chances na vida, saúde,

trabalho, reconhecimento ou um relacionamento. Como entendem Yang et al.(2007),

é a experiência moral que se refere ao registro da vida cotidiana e o envolvimento

prático que define aquilo que terá mais importância para os homens e para as

mulheres.

Goffman (2008) expõe que com o advento da Era Cristã, foram acrescentados

dois níveis de metáforas ao termo estigma: ―[...] o primeiro deles referia-se a sinais

corporais de graça divina e tomavam a forma de flores em erupção sobre a pele; o

segundo, uma alusão média a essa menção religiosa, referia-se a sinais corporais

de distúrbio físico. Atualmente o termo é amplamente [e continua a ser] usado de

49

maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à

própria desgraça do que à sua evidência corporal.‖ (Idem: 11).

Goffman (2008), quando trata do controle da informação e identidade pessoal,

faz referência às formas de identificação dos escravos norte-americanos, descritas

na obra American Notes de Dickens. Dentre os signos de identificação desses

indivíduos, ―em primeiro lugar há características relativamente estáveis do corpo

que, no contexto podem, consequentemente, fornecer uma identificação positiva

parcial ou completa: idade, sexo e cicatrizes (resultantes de ferimentos a bala ou a

faca, de acidentes de açoite). Também se dá o nome reconhecido pelo escravo,

embora geralmente, é claro, só o primeiro nome. Por fim, são frequentemente

citados símbolos de estigma notadamente as iniciativas gravas a fogo e a falta de

orelhas. Esses símbolos comunicam a identidade social do escravo mas, ao

contrário dos grilhões de ferro em torno do pescoço ou da perna, comunicam,

também, algo mais que isso, ou seja, a posse por um senhor em especial. As

autoridade têm então, duas preocupações em relação a um negro aprendido: saber

se ele era ou não um escravo fugido e, se o fosse, saber a quem pertencia.‖ (Idem:

56).

Na visão de Crocker, Major e Steele (1998), no século XX o ―estigma‖ foi

apresentando por Goffman para se referir a um atributo de uma pessoa que está

profundamente desacreditada ou reduzida, quando coloca que em nossas mentes

―[...] deixamos de considerá-lo [a pessoa] como criatura comum e total, reduzindo-o

a uma pessoa estragada e diminuída.‖ (GOFFMAN, 2008, p.12). Segundo Goffman

(2008), ―[...] tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de

descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito,

uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a

identidade social virtual e a identidade social real.‖ (Idem: 12). A identidade social

virtual para Goffman (2008), diz respeito àquelas exigências que fazemos em

relação a uma determinada pessoa, mais adequadamente denominadas de

demandas efetivamente realizadas no que concerne a um indivíduo. É o caráter

imputado, uma expectativa, ou como ele afirma ―[...] um retrospecto em potencial,

uma caracterização ‗efetiva.‖ (Idem: 12). Por outro lado, a identidade social real, diz

respeito aos atributos e características reais, à categoria que o indivíduo prova

possuir.

50

É importante esclarecer que para Goffman (2008) o termo estigma se refere a

um atributo profundamente depreciativo. Alerta, porém, que um atributo que pode

ser depreciativo em um caso poderá confirmar a normalidade em outro caso, não se

constituindo em si mesmo nem honroso e nem desonroso. ―Um estigma é, então, na

realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo, embora eu

proponha a modificação desse conceito, em parte porque há importantes atributos

que em quase toda a nossa sociedade levam ao descrédito.‖ (Idem: 13).

Ribas (1986) compreende o estigma como uma pré-noção que estabelece

que uma pessoa que traz no corpo uma determinada limitação, ou uma marca que a

distingue pejorativamente das demais pessoas, sofrerá a estigmatização. ―Na

realidade, é importante perceber que o estigma não está na pessoa ou, neste caso,

na deficiência que ela possa apresentar. Em sentido inverso, são os valores culturais

estabelecidos que permitem identificar quais pessoas são estigmatizadas.‖ (Idem:

16). A explicação de Ribas (1986) é importante para esclarecer que os estigmas são

valores culturais criados pelos grupos sociais e que variam em uma mesma

sociedade, de acordo com seu período histórico, e de uma sociedade para outra; a

obesidade é um exemplo a ser considerado.

Relacionando estigma e identidade social, Crocker, Major e Steele (1998),

entendem que uma pessoa estigmatizada é aquela cuja identidade social, ou

participação em alguma categoria social, põe em causa a sua plena humanidade –

esta pessoa é desvalorizada, estragada, defeituosa, incompleta aos olhos dos outros

e principalmente daqueles que a estigmatizam. Estes autores compreendem a

marca que distingue a partir de uma condição situacional, na mesma linha de

Goffman (2008), isto é, a estigmatização é considerada como sendo primariamente

uma ameaça situacional, a contrariedade de se estar em uma situação onde a

marca de uma pessoa pode influenciar a forma como se é tratado e julgado. A não

internalização do estereótipo estigmatizante é necessária para esta contrariedade

influenciar a experiência da pessoa.

O estigma social é uma função de se ter um atributo que transmite uma

depreciação da identidade social em particular. Em outras palavras, a posse de uma

determinada característica pode levar a pessoa a ser estigmatizada em um contexto,

mas não em outro. O problema do estigma não reside no atributo estigmatizado, ou

na pessoa que possui tal característica, mas na circunstância infeliz de possuir uma

qualidade que, em um determinado contexto social, leva à desvalorização. Em

51

função disto, quando os cientistas sociais discutem sobre um determinado sinal, o

da deficiência física, por exemplo, localizam-no em um determinado contexto social

(Brasil, século XX, ou de 2000 a 2010). Isto poderá não estar explicitamente

declarado (CROCKER, MAJOR E STEELE, 1998).

Mclaughlin, Bell e Stringer (2004) esclarecem que em todas as definições

explicitas ou implícitas do estigma está presente a ideia de desvio que é percebido,

em relação às características de um indivíduo, daquilo que é considerado como

norma em um determinado contexto. Nesse sentido o estigma, geralmente, é

definido como uma discrenpancia negativa entre os atributos reais ou inferidos de

um indivíduo, contrapondo-se às expectativas sociais para o que se considera

típico, ou normal para os indivíduos em um dado contexto, quando o indivíduo

analisado é percebido como aberrante ou atípico. ―Nós definimos o estigma que está

associado com deficiência em termos de percepção dos atributos negativos ou

consequências da deficiência (por exemplo, no que diz respeito à saúde, aparência,

ou capacidades). Estes atributos percebidos como negativos ou consequências são

implicitamente desviantes da norma, ou expectativas de colegas sem deficiência.

Embora não possa haver alguma sobreposição de estigma com estereótipo,

podemos distinguir entre as duas construções em que os estereótipos podem ser

interpretados como favoráveis ou desfavoráveis (por exemplo, trabalhador,

preguiçoso), enquanto que o estigma é sempre desfavorável.‖ (MCLAUGHLIN;

BELL; STRINGER, 2004, p.304).

Apesar de todos os estigmas sociais conferirem aos seus possuidores uma

identidade social desvalorizada, eles variam muito em suas reais especificidades e

implicações para a experiência do indivíduo estigmatizado, em seu cotidiano. Em

consequência disto, como um dos seus objetivos, os pesquisadores particularmente

interessados em estigma, em geral, têm buscado ao invés de uma identidade

particular que foi estigmatizada, organizar as marcas sociais em tipos significativos

de categorias que busca capturar razoavelmente bem os pontos importantes em que

as condições estigmatizantes diferem uma da outra. (Idem).

Sob tal perspectiva, Goffman (2008) propõe uma tipologia de estigma

baseada em duas dimensões, ou uma dupla perspectiva: ―Assume o estigmatizado

que a sua característica distintiva já é conhecida ou é imediatamente evidente ou

então que ela não é nem conhecida pelos presentes e nem imediatamente

perceptível por eles? No primeiro caso, está-se lidando com a condição do

52

desacreditado, no segundo caso com a do desacreditável.‖ (Idem: 14). A primeira

situação remete a uma condição em que o atributo depreciativo é visível pelos

demais e o indivíduo terá de aprender a lidar com tal situação, no processo de

interação com os demais. No segundo caso, apenas a pessoa que possui o atributo

depreciativo tem conhecimento disso, portanto ele é invisível aos demais e

conduzirá ao controle da informação que poderá se tornar em um problema entre

revelar ou não revelar essa característica.

De acordo com Goffman (2008), existem três tipos de estigmas nitidamente

diferentes: as abominações do corpo – referem-se às várias deformações físicas;

as culpas de caráter individual – dizem respeito à força de vontade fraca, paixões

muito fortes ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, tais como, ―[...]

distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego.

Tentativas de suicídio e comportamento político radical‖; e os estigmas tribais de

raça, nação e religião – relacionados àqueles ―[...] que podem ser transmitidos por

meio da linhagem e contaminar igualmente todos os membros de uma família.‖

(Idem: 14).

Com relação aos indivíduos que se relacionam com esses tipos de estigma,

Goffman (2008) divide-os em três categorias: o estigmatizado – aquele ―[...] que

poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço

que pode se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a

possibilidade de atenção para outros atributos seus.‖ (Idem: 14), é o indivíduo que

traz consigo um determinado atributo que poderá desencadear um estigma; os

normais – ―Nós e os que não se afastam negativamente das expectativas

particulares em questão [...]. (Idem: 14), seriam aqueles indivíduos que não

carregam as marcas ou os atributos que poderiam desencadear um estigma; os

informados – ―[...] que são normais mas cuja situação especial levou a privar

intimamente da vida secreta do indivíduo estigmatizado e a simpatizar com ela, e

que gozam, ao mesmo tempo, de uma certa aceitação, uma certa pertinência cortes

ao clã. [...] são os homens marginais diante dos quais o indivíduo que tem um

defeito não precisa se envergonhar nem se autocontrolar, porque sabe que será

considerado como uma pessoa comum.‖ (Idem: 37). Dentre os informados podem

estar aqueles que trabalham com os que tem um sinal em particular, bem como,

aqueles que se relacionam com o indivíduo estigmatizado por força da estrutura

social (uma relação de parentesco por exemplo). Tanto em uma, quanto em outra

53

situação, o informado poderá, ser vítima de estigma por ter relação com os

estigmatizados.

No entender de Crocker, Major e Steele (1998), a tipologia apresentada por

Goffman (2008) é falha no sentido que algumas condições estigmatizantes poderiam

ser incluídas em dois ou mais tipos. Citam, por exemplo, as pessoas que estão

acima do peso, consideradas como tendo abominações do corpo e um defeito de

caráter individual.

Falk (2001), ao apresentar a sua classificação de tipos de estigma, esclarece

que toda sociedade humana estabelece limites entre aqueles que estão nela

incluídos e aqueles que por ela estão excluídos marcados por meio dos estigmas ou

rótulos. Explica que nos Estados Unidos, atualmente, o uso da palavra ―estigma‖, ou

do ―processo de estigma‖ tem uma conotação ou indica um sinal de desaprovação

invisível que permite aos integrantes de um determinado grupo desenhar as linhas

de fronteira entre si e os que estão fora, com a finalidade de demarcarem os limites

da sua inclusão num grupo. Este tipo de demarcação permite aos de dentro do

grupo entenderem quem pertence e quem não pertence a ele, e permite que

mantenha sua solidariedade, demonstrando o que acontece com aqueles que se

desviam das normas de conduta aceitas.

Falk (2001) propõe sua tipologia de estigma baseada em duas categorias:

―existencial‖ – na qual estão incluídos aqueles que não contribuíram, não

desenvolveram fatores de causa para o estigma que lhes é imputado e, portanto, ele

independe da sua vontade e controle – os homossexuais, os doentes mentais, as

pessoas com deficiência mental, as pessoas extremamente obesas, os idosos, as

mulheres sozinhas e povos indígenas, se encontrariam nessa situação; também

poderiam ser incluídas nesta categoria todas as pessoas com deficiência e as

pessoas surdas; ―conquistado (ou adquirido)‖ – são incluídos nessa forma de

estigma aquelas pessoas que adquiriram uma marca por sua conduta ou

contribuíram muito para atingi-la, denominado de ―alcançar o estigma‖ – as

prostitutas, os sem tetos, os viciados de vários tipos e os criminosos são

relacionados pelo autor nesta categoria. Além desses, os imigrantes são incluídos

nesta categoria em razão do esforço que fazem para entrar nos Estados Unidos,

muitas vezes ilegalmente, o que gera certa antipatia dos residentes; a realização

profissional de nível elevado, também se enquadra na condição de um sinal

conquistado, e que está presente em todos os segmentos da vida americana,

54

dirigido àqueles que trabalham duro para a autorrealização profissional, o que é

surpreendente em uma sociedade que tem o individualismo como valor. Incluí-se,

ainda, a marca que muitas vezes se faz presente na comunidade científica, por

ocasião de uma nova descoberta, de uma inovação, ou uma nova proposta teórica,

que podem levar anos para serem reconhecidas e aceitas.

Crocker, Major e Steele (1998), na sua consideração sobre o estigma,

expõem as dimensões que determinam diferentes condições estigmatizantes:

―ocultabilidade‖ - quando uma condição estigmatizante pode ser escondida dos

outros; ―curso‖ - a maneira como a condição muda ao longo do tempo e o seu

resultado final; ―desorganização‖ - quando a condição dificulta a interação social;

―qualidades estéticas‖ – o quanto o atributo marca o indivíduo estigmatizado como

feio, repelindo ou perturbando os outros; ―origem‖ - como a condição estigmatizante

foi adquirida, e quem foi o responsável; ―perigo‖ - o tipo e o grau de perigo que a

condição estigmatizante representa para os outros. Cada uma destas dimensões

tem implicações na forma como o estigma afeta as interações sociais. Crocker,

Major e Steele (1998), apresentam duas dimensões que ao seu modo de ver, são de

fundamental importância para a compreensão da experiência subjetiva dos

indivíduos estigmatizados: a ―visibilidade.‖ (ou ocultabilidade) e a ―controlabilidade‖

Na dimensão ―visibilidade‖, Crocker, Major e Steele (1998), listam as marcas

visíveis, tais como raça, sexo, obesidade, ou as condições desfigurantes, ou seja,

todos aqueles que não podem ser facilmente escondidos dos outros. Para aqueles

que os tem, o estigma poderá fornecer o esquema primário por meio do qual tudo

sobre eles poderá ser entendido pelos outros nas interações. Sabendo que seus

estigmas são visíveis, também estão conscientes que os outros poderão usá-los

para julgá-los e desacreditá-los, assim como também entende Goffman (2008). Esta

consciência poderá influenciar seus pensamentos, sentimentos e comportamentos.

Visivelmente os indivíduos que são estigmatizados não podem se utilizar da

ocultação de sua limitação como estratégia de lidar com os estereótipos,

preconceitos e perseguições desencadeados por seus estigmas. Por outro lado,

pessoas com estigmas escamoteáveis tal como a homossexualidade, as afiliações

religiosas estigmatizadas, ou muitas doenças, têm um conjunto diferente de

preocupações, porque o seu sinal não é visível; eles podem interagir com os outros

sem que a sua identidade social se torne negativa como tudo sobre eles é

compreendido (o que Goffman, 2008, designa por encobrimento). Mas eles estão

55

conscientes de que podem ser estigmatizados caso a desvalorização de seus

atributos sejam descobertos, eles sabem que são culposos. (GOFFMAN, 2008).

Assim, eles podem tentar averiguar as atitudes dos outros em relação à sua

condição estigmatizante, e prever como os outros vão reagir se e quando o estigma

for revelado. Podem, portanto, acompanhar o seu discurso e comportamento para

evitar revelar suas identidades sociais, preocupando-se com o ―quando e como‖

poderão revelar a sua condição estigmatizante. Os indivíduos com estigmas

escamoteáveis podem se utilizar do seu estigma como um ás na manga, como

forma de evitar tais preocupações. Ou seja, eles podem usar sinais e símbolos que

expressam sua orientação sexual, filiação religiosa ou outras identidades sociais

escamoteáveis, apresentando-os quando lhes for conveniente.

Controlabilidade para Crocker, Major e Steele (1998) corresponde à dimensão

na qual as circunstâncias estigmatizantes são controláveis e quando o indivíduo

estigmatizado é o responsável por essa condição ou quando os seus resultados

podem ser eliminados pelo comportamento do indivíduo estigmatizado. Assim,

indivíduos com estigmas, que se acredita possam ser controláveis, são mais

depreciados, rejeitados e mal tratados pela sociedade do que aqueles com estigmas

que são considerados como incontroláveis. Um exemplo é a antipatia às pessoas

obesas, quando se acredita que possam por sua própria vontade controlarem o

peso. Em contrapartida, indivíduos com estigmas percebidos como incontroláveis

poderão receber menos rejeição e menos preconceito por parte da sociedade.

Também a percepção da controlabilidade poderá afetar a maneira com que o

indivíduo estigmatizado irá responder ao estigma. Se veem a sua marca mais como

controlável, poderão buscar estratégias de fuga, se esforçando no

autoaperfeiçoamento, o que lhes poderá ser inútil se a condição de estigma for

realmente incontrolável. A obesidade é um exemplo a ser repetido; se as pessoas

obesas atribuem seu excesso de peso à falta de força de vontade e repetidamente

passam a se exercitar e fazer dieta, poderão experimentar sentimentos mais

profundos e marcantes de fracasso caso não consigam alcançar o sucesso. Os

indivíduos que acreditam estar seu sinal fora do seu controle poderão se concentrar,

ao invés de alcançar um determinado nível de autoaceitação, em desenvolver uma

imagem positiva do estigma, ou em combater o preconceito e a discriminação contra

aqueles que o imputaram.

56

Na concepção de Link e Phelan (2001), o estigma existe quando convergirem

os seguintes componentes inter-relacionados: o primeiro componente – quando as

pessoas distinguem e rotulam diferenças nos indivíduos; o segundo – quando as

crenças culturais dominantes relacionam as pessoas rotuladas às características

indesejáveis e estereótipos negativos, fazendo com que estas passem a se ver

como diferentes dos demais; o terceiro – quando as pessoas rotuladas são

colocados em grupos distintos, com o objetivo de estabelecer a sensação de

desconexão entre "nós" e ―eles", visando separar umas das outras; o quarto –

quando as pessoas rotuladas experimentam a perda de status social e a

discriminação, o que leva a resultados desiguais; o quinto – a força do estigma como

produção social relacionada ao poder social, econômico e político.

No modelo de Link e Phelan (2001), está implicada a noção de que a

estigmatização dependente diretamente do acesso ao poder social, econômico e

político que permitem a identificação das diferenças, a construção de estereótipos, a

separação de pessoas rotulados em grupos distintos para a plena execução da

desaprovação, da rejeição, da exclusão e da discriminação. Assim, o termo estigma

é aplicado quando os elementos de rotulagem (a estereotipação, a separação, a

perda do status social e a discriminação) ocorrem simultaneamente em uma

situação de poder que facilitem o desdobramento dos componentes da marcação

social, e por conseguinte, que esta se instaure.

Goffman (2008) explica que em todos os tipos de estigma, até mesmo

naqueles mentalizados pelos gregos, podem ser encontradas as mesmas

características sociológicas, isto é: um indivíduo, ou uma pessoa, que poderia ter

sido inserida na relação social quotidiana de um determinado grupo, possui algo que

desloca a atenção daqueles que com ela travam contato, afastando-os e destruindo

a possibilidade de atenção para seus outros atributos ou qualidades. Este indivíduo

possui uma marca, uma característica fora daqueles padrões particulares que as

pessoas haviam previsto. Goffman (2008) denomina as pessoas que correspondem

a esses padrões particulares de atributos constituídos pelo grupo, ou pela

sociedade, de pessoas normais.

Na perspectiva de Goffman (2008), por definição, acredita-se que uma pessoa

com um determinado estigma parece não ser completamente humana. A partir de tal

consideração se lhe atribui inúmeras discriminações, por meio das quais,

impensadamente, podem-se reduzir suas chances de vida. Constrói-se todo um

57

arcabouço teórico e ideológico para explicar a sua inferioridade e informar sobre o

seu perigo (para o grupo, para a sociedade, para a humanidade: um exemplo disto

pode ser o caso dos judeus na Alemanha Nazista). Como explica Goffman (2008),

―[...] racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças,

tais como as de classe social. Utilizamos termos específicos de estigma como

aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário coom fonte de metáfora e

representação, de maneira característica, sem pensar no seu significado original.‖

(Idem: 15).

Estes termos pejorativos e depreciativos ferem o ego do indivíduo e sua

autoestima, podendo levá-lo a trafegar por outras categorias de estigma daquelas

apontadas por Goffman, como a de tentativa de suicídio, por exemplo. Em função

disto, um ponto chave indicado por Goffman (2008) na teoria do estigma, refere-se à

característica central da condição de vida daqueles que são estigmatizados, a

aceitação, ou o respeito e consideração que esperavam obter para aqueles aspectos

não contaminados de sua identidade social. A atitude imediata, em alguns casos, é o

individuo estigmatizado tentar corrigir aquilo que é o motivo da sua marca (quando

isto é possível) lançando mão dos recursos disponíveis para tanto, ―[...] o que ocorre

não é a aquisição de um status completamente normal, mas uma transformação do

ego: alguém que tinha um defeito particular se transforma em alguém que tem

provas de tê-lo corrigido.‖ (Idem: 18-19). Também podem os estigmatizados buscar

a correção da origem do seu estigma de forma indireta, dominando as áreas que lhe

são consideradas fechadas em razão das suas condições físicas ou de

circunstâncias àqueles que apresentem defeitos semelhantes aos seus. Diversos

são os exemplos de pessoas deficientes que superam os limites impostos por sua

condição física ou psíquica e que alcançam relativo sucesso. Por outro lado poderão

se utilizar da sua condição como desculpa pelos fracassos ao qual chegara, até por

outras razões, e a partir daí buscarem obter ganhos secundários, valendo-se da sua

condição. Sem contar, ainda, aqueles que creditam suas privações às bênçãos

secretas (divinas), tendo em mente que o sofrimento recebido serve como forma de

ensinamento sobre a vida e sobre as demais pessoas, ou ainda, invertem o modo de

ver as coisas, olhando os normais como limitados por não darem conta de muitas

das coisas que eles, limitados pela deficiência, podem realizar.

Goffman (2008) chama a atenção sobre os contatos mistos, aqueles

momentos nos quais estigmatizados e normais se encontram na mesma situação

58

social em que tem de conviver com a presença física do outro, muitas vezes

indesejável. A possibilidade desses contatos poderá levar tanto um quanto outro a

um processo de esquematização de suas vidas de maneira a evitar tais encontros

trazendo, possivelmente, maiores consequências para os estigmatizados. Desta

forma, a falta de feedback saudável no intercâmbio social quotidiano com outras

pessoas levará os estigmatizados ao autoisolamento em que desenvolverão a

desconfiança, a depressão, a hostilidade, a ansiedade, podendo se tornar pessoas

confusas. Mas esses contatos mistos são importantes, para ambos, pois ―quando

normais e estigmatizados realmente se encontram na presença imediata uns dos

outros, especialmente quando tentam manter uma conversação, ocorre uma das

cenas fundamentais da sociologia porque, em muitos casos, esses momentos serão

aqueles em que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e efeitos do

estigma.‖ (Idem: 23).

Outro efeito advindo dos contatos mistos de que trata Goffman (2008) com

relação aos indivíduos estigmatizados é a insegurança que estes poderão sentir com

a forma com que os normais o receberão e o identificarão. Sua incerteza está em

não saberem como serão classificados no processo de categorização em relação à

sua marca, através da qual os normais os tratarão positiva ou negativamente.

Subentende-se que isto lhes gera uma sensação de observação extrema dos seus

menores habituais e usuais atos, causando-lhes desconforto pela sensação de

exposição e exibição, ou um excessivo policiamento do seu agir em público. Em

decorrência, os indivíduos estigmatizados poderão desenvolver formas de defesa,

como a agressividade ao se aproximar dos contatos mistos, que podem se tornar

angustiantes tanto para estigmatizados quanto para normais. Nessa situação, cada

um estará policiando o comportamento do outro, às vezes exacerbadamente,

sempre à espera de algo, um sinal positivo ou negativo pela sua condição.

O estigma, de acordo com Goffman (2008), está carregado de visão negativa

relativa às depreciações decorrentes de determinada condição moral, relacionadas

como: visibilidade, encobertamento, identidade pessoal, encobrimento e técnicas de

controle da informação.

A visibilidade para Goffman (2008) corresponde à perceptibilidade ou

evidenciabilidade da marca do indivíduo. Há exposição desse estigma àqueles que

têm contato com o seu possuidor. Quanto ao encobertamento que ocorre com o

desacreditável, Goffman (2008) explica que está ligado à manipulação da tensão

59

decorrente de um determinado defeito que o indivíduo desacreditado possui e que

envolve a decisão, no processo de interação, sobre expô-lo ou não, mentir ou não;

e, em cada caso, para quem, como quando e onde.

A identidade pessoal, no sentido usado por Goffman (2008), envolve as

marcas positivas que lhe dão apoio e as histórias de vida em uma combinação que

tornam o indivíduo único: ―A identidade pessoal, então, está relacionada com a

pressuposição de que ele pode ser diferençado de todo os outros e que, em torno

desses meios de diferenciação, podem-se apegar e entrelaçar, como açúcar

cristalizado, que se torna, então, a substância pegajosa à qual vêm-se agregar

outros fatos biográficos.‖ (Idem: 67). Para Goffman (2008), a identidade pessoal

desempenha ―[...] papel estruturado, rotineiro e padronizado na organização social

justamente devido à sua unicidade.‖ (Idem: 67).

O encobrimento na concepção de Goffman (2008) diz respeito às informações

do estigma de um indivíduo desacreditável que podem estar relacionadas às

questões as quais não convém divulgar a pessoas estranhas, envolvendo a decisão

de ser sincero ou a de decoro, esta última quase sempre sendo a ganhadora. Dizem

respeito à manipulação das informações sobre aquilo que o distingue que são

minuciosamente cuidadas em não serem expostas por ele, em razão das

possibilidades de vir a sofrer tramas, pré-chantagens ou chantagens completas por

parte daqueles que delas obtiverem conhecimento. Na visão de Goffman, 2008, o

encobrimento (diferente de acobertamento) abre a perspectiva de uma vida dupla

para estes indivíduos. Falk (2001) se refere aos homossexuais, doentes mentais,

prostitutas, usuários de drogas (alcoólatras inclusive), e ex-presidiários, os quais

sabem que não podem revelar sua condição, sem correr o risco de rejeição da

sociedade. Sabendo disso, eles procurarão se passar por pessoas convencionais

como estratégia para não sofrerem como vítimas de escárnio e desprezo. Em função

disto, se utilizarão do encobrimento para esconder sua ex condição da sociedade.

Como técnicas de controle de informação, Goffman (2008) traz as formas das

quais se utilizam as pessoas desacreditadas ou desacreditáveis para manipular as

informações sobre seus estigmas e que envolvem estratégias de esconder ou

eliminar signos, envolvendo sua rotina, mudança de identidade e o que informar.

Ao se referirem sobre as funções do estigma, Crocker, Major e Steele (1998)

estabelecem que a marca social seja onipresente e que em toda sociedade, alguns

dos seus integrantes serão estigmatizados. Para esses autores, na universalidade

60

do sinal estaria um possível valor funcional, tanto para aquele que estigmatiza,

quanto para o grupo do qual ele faz parte, para a sociedade, ou ainda para todos

estes elementos. Individualmente, a estigmatização teria como objetivos: servir para

capacitar aquele que estigmatiza a acreditar que são bons (funcionaria para

melhorar a autoafirmação e autoaperfeiçoamento); acreditar que o grupo ao qual

pertence também é bom (teria uma função de melhoraria da identidade social); crer

que são merecedores e justos (uma função de estarem servindo a si mesmos e pela

justificação do sistema); e acreditar que a sua visão de mundo está correta (teria a

função de proteção da ansiedade e gestão do terror). Como funções específicas do

estigma, Crocker, Major e Steele (1998), citam: o autorreforço, o reforço do grupo de

pertença, o sistema de justificação e a gestão do terror.

A construção do estigma está intimamente relacionada com estereótipo,

preconceito e discriminação, mas com eles não se confunde, são distintos. O

estigma, de uma forma geral, seria a relação entre um atributo e um estereótipo, ou

seja, o atributo é o que marca o individuo, o que lhe destaca socialmente. O estigma

é o qualificativo social criado para identificá-lo a partir do seu atributo, como

esclarece Goffman (2008).

O preconceito, segundo Bobbio (2002), diz respeito a ―[...] uma opinião ou

conjunto de opiniões, às vezes até mesmo uma doutrina completa, que é acolhida

acrítica e passivamente pela tradição, pelo costume ou por uma autoridade de quem

aceitamos as ordens sem discussão, ‗acriticamente‘ e ‗passivamente‘, na medida em

que aceitamos sem verificá-la, por inércia, respeito ou temor, e a aceitamos com

tanta força que resiste a qualquer refutação racional, vale dizer, a qualquer refutação

feita com base em argumentos racionais. Por isso se diz corretamente que o

preconceito pertence à esfera do não racional, ao conjunto das crenças que não

nascem do raciocínio e escapam de qualquer refutação fundada num raciocínio.‖

(Idem: 103).

Para Allport (1971) o preconceito se refere a uma atitude de aversão ou

hostilidade utilizada contra uma pessoa que pertence a um grupo, em especifico,

simplesmente porque pertence a e esse grupo e se supõe carregue, ou traga as

características negativas distintivas desse grupo. O principal efeito do preconceito é

posicionar a vitima, ou grupo, em situação de desvantagem em função de estarem

fora dos padrões sociais de crenças, atitudes, comportamentos, ideologias,

costumes, valores, por meio de uma descaracterização em relação ao grupo

61

considerado como padrão. O preconceito se efetiva a partir do momento que essas

diferenças se fazem presentes e contrastam um grupo social em relação ao outro,

pessoas com deficiência em relação aos normais, negros em relação aos brancos,

mulheres em relação aos homens, idosos em relação aos jovens, obesos em

relação aos magros e, sucessivamente.

Pela via da comparação os grupos criam e estabelecem valores e crenças em

relação a si e aos outros. Servem-se desses valores e crenças como lentes para

analisarem e padrões para se compararem aos demais. Consequentemente, inserir

ou não inserir os outros via comparações com esses padrões, constituem-se em

representações sociais construídas pelos grupos. Conforme Gestoso (1993) os

preconceitos apresentam três características: é algo infundado, que não se ajusta à

realidade em maior ou menor medida, é um erro não correspondente a um padrão

objetivo; tem um forte conteúdo avaliativo porém não necessariamente negativo, tem

um forte caráter emocional e isto implica na resistência em modificar um

comportamento preconceituoso; corresponde a uma decisão categorial que afeta a

todos os membros de uma categoria simplesmente por fazer parte dessa categoria,

o que permite a generalização, a etiquetagem,

Para Bobbio (2002) os preconceitos podem se apresentar a partir de duas

fontes: individual ou grupal. Os preconceitos individuais se manifestam nas relações

entre os indivíduos e não trazem perigo coletivo. Os preconceitos gerados a partir

dos valores grupais, ou coletivos, expressam os valores culturais absorvidos por um

grupo social, mediante os quais passa a julgar, direta ou indiretamente, o outro

grupo social, de forma distorcida que gera a incompreensão, a rivalidade, a

inimizade, o desprezo ou escárnio e pode até degenerar em violência. Bobbio (2002)

explica que geralmente, o juízo distorcido praticado é recíproco e será mais forte

quanto maior e mais intensa for a identificação entre os membros, per si, e o próprio

grupo. A conexão via identificação individual conduz aos integrantes de um grupo

olhar os de outro grupo como diverso, hostil, ou rival.

Quanto à deficiência, Tunes (2007) entende que no próprio conceito de

deficiência estabelecido na sociedade já está presente o preconceito, pois ao

explicitar o que vem a ser deficiente, o conceito já indica o preconceito. Segundo

Tunes (2007), em razão desse conceito estar ligado a uma falta, parcial ou absoluta,

temporária ou permanente, são atribuídos rótulos às pessoas que tenham uma

limitação física ou intelectual, geralmente ligados à falta de inteligência ou a

62

incapacidade e habilidade para a realização de tarefas que devem ser realizadas de

acordo com um padrão. Aqui, pode-se compreender, principalmente no emprego, a

visão da deficiência intimamente ligada à ideia de expectativa social. Nas empresas

dirá respeito ao desempenho esperado. Sobre o preconceito da deficiência, tem-se

que: ―O rótulo é a palavra-ato, já o preconceito, o obstáculo inaugural ao ato

verdadeiramente inclusivo. O conceito de deficiência serve, pois, à exclusão. Eis aí o

preconceito da deficiência. É, portanto, um contra senso falar em inclusão de

excluídos quando basta, apenas, não excluí-los, chamando-os apenas pelo próprio

nome.‖ (Idem: 54).

Com relação ao estereótipo, o significado atual do vocábulo em ciências

sociais guarda relação com sua origem na área de tipografia, para o qual foi

desenvolvido originalmente e se refere a qualquer coisa que se repita

sistematicamente da mesma forma, sem variação. Em tipografia, para futuras

impressões, as matrizes estereotipadas (montagem de linotipos) eram guardadas

para facilitar as reproduções indefinidas das páginas. (GESTOSO, 1993).

Oliveira (2002) compreende os estereótipos como uma imagem mental

desenvolvida com a função de interpretar o comportamento do outro indivíduo. São

utilizados para simplificar determinadas categorias sociais e correspondem a um

padrão definido de imagens e significados com os quais um grupo qualifica o outro

no intuito de acentuar a diversidade existente entre eles.

É um instrumento utilizado pelos grupos, em suas relações sociais e dentro

de uma realidade cultural como aponta Tajfel (1982), como uma maneira de

simplificar as relações existentes entre eles, justificando-se atitudes e

comportamentos pessoais ou coletivos. Dentro de si está implícita uma identidade

social que se constrói a partir das interações constituídas no contexto de uma

tradição cultural.

Com base nos atributos dos indivíduos (raça, condição física, condição social,

gênero, idade etc.) estes são agrupados e categorizados por outros grupos que

criam, em relação a eles, estereótipos sociais, características nascidas de suas

representações que julgam possuir aqueles que estão sob sua análise. Pela sua

repetição, esses estereótipos se perpetuam ao longo do tempo, tornam-se fixos e

servirão de base para automaticamente avaliar e pré-julgar, sem o dispêndio de uma

análise mais pormenorizada. Para Tajfel (1982) os estereótipos estão ligados aos

processos cognitivos que possibilitam aos membros de um grupo se apropriarem do

63

significado da simbologia relacionadas aos estereótipos daquele grupo,

desenvolvidos ao longo dos processos de relações sociais, reproduzindo-o, e

reafirmando as diferenças de identidade entre os grupos. Consequentemente, um

estereótipo só passará a ser social a partir do momento em que ser amplamente

partilhado no interior de uma entidade social. (Idem).

Segundo Allport (1962), os estereótipos teriam uma função cognitiva em

relação aos preconceitos: ―[...] um estereótipo é uma crença exagerada associada

com uma categoria. Sua função é justificar (racionalizar) nossa conduta em relação

a essa categoria.‖ (Idem: 191). Assim, na base estaria o preconceito – um

comportamento emocional, afetivo; em seguida viria o estereótipo com efeito

cognitivo de justificar as imagens oriundas a partir do preconceito. Como explica

Bartalotti (2006), o estereótipo é a caracterização de um grupo, a corporificação e

concretização de um preconceito, que tem o poder de fornecer uma identidade

grupal, atribuída de fora, sobre a qual se desenvolvem as expectativas sociais.

Os preconceitos, nascidos de conteúdos emocionais negativos, podem

conduzir a um viés de compreensão dos valores do outro grupo que culminam com

as formas negativas de distingui-lo já indicadas, mas que podem se direcionar para

comportamentos negativos (discriminação). (YANG et al.,2007).

A discriminação nascida desde os comportamentos negativos, portanto

negativa, para Bobbio (2002) diz respeito a ―[...] qualquer coisa a mais do que

diferença ou distinção, pois é sempre usada com uma conotação pejorativa.

Podemos, portanto, dizer que por ‗discriminação‘ se entende uma diferenciação

injusta ou ilegítima. [...] Pode-se dizer que se tem uma discriminação quando

aqueles que deveriam ser tratados de modo igual, com base em critérios

comumente aceitos nos países civilizados, são tratados de modo desigual.‖ (Idem:

107).

Todavia, apesar de estar na base dos processos de discriminação negativa,

nem todo preconceito a ela está ligado. (BANDEIRA; BATISTA, 2002). A

discriminação, no sentido negativo, diz respeito às ações manifestas mediante as

quais se impede ou se procura anular exercício pleno de direitos e de igualdade das

pessoas, com base em preconceitos.

A Convenção da Organização Internacional do Trabalho, OIT n° 111/1959 foi

a primeira das convenções a mencionar a discriminação, especificando-a como:

―Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião

64

política, ascendência nacional ou origem social, que tenta por efeito destruir ou

alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou

profissão‖ Sobre a discriminação negativa contra as pessoas com deficiência, a

Convenção da Organização dos Estados Americanos (OEA) – ou Convenção

Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as

Pessoas Portadoras de Deficiência, expressa que ―[...] o termo ‗discriminação contra

as pessoas portadoras de deficiência‘ significa toda diferenciação, exclusão ou

restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de

deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o

efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por

parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas

liberdades fundamentais.‖ (OEA, 1999, Art. I – 2; a). A Convenção sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência, expressa o seguinte, em seu art. 2°: ―‘Discriminação

por motivo de deficiência‘ significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição

baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o

reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as

demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos

âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas

as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável.‖ (ONU,

2006). Com a finalidade de combater a discriminação negativa na sociedade, são

criados dispositivos legais, como os documentos da OIT e da OEA, reconhecidas

por um grande número de países membros desses órgãos, que se comprometem a

criar e aplicar legislações para proteger as pessoas com deficiência em situações

em que sejam suscetíveis de serem discriminadas negativamente, com o intuito de

estabelecer a igualdade de oportunidades.

O preconceito caminha por um continuum até chegar à condição extrema de

extermínio dos considerados diferentes. Nesse sentido, Allport (1962) propõe uma

escala para medir o grau de preconceito e discriminação em uma sociedade,

dividindo-a em níveis. Nível 1 – antilocução: quando um grupo majoritário denigre a

imagem de um grupo minoritário com base em representações sociais negativas

(estereótipos e imagens) desse grupo. Piadas e chacotas, consideradas como

inofensivas por um grande número de pessoas, podem se constituir como elementos

que propiciam o cenário para o surgimento de expressões mais contundentes de

preconceitos, ou criar o caminho para a discriminação. Nível 2 – esquiva: acontece

65

a partir do momento em que um grupo majoritário passa a evitar contatos com o

grupo minoritário, não implicando, necessariamente, a intenção de lhe fazer mal.

Porém o mal se concretiza no isolamento que passa a ser imposto ao grupo

minoritário. Nível 3 – discriminação: ocorre quando o grupo majoritário, em razão

do preconceito contra o grupo minoritário, discrimina-o (comportamento negativo),

impedindo-lhe a igualdade de direitos e oportunidades. É a ação corporificada do

preconceito, que visa impedir que o grupo minoritário tenha acesso à educação, ao

emprego, aos direitos sociais, prejudicando-o deliberadamente. Nível 4 – ataque

físico: é o comportamento violento do grupo majoritário, contra o grupo minoritário,

decorrente da discriminação de um contra o outro. Por conta disso ocorrem ataques

violentos de um grupo contra indivíduos ou grupos discriminados. As práticas

incluem danos físicos ou à propriedade dos membros do grupo minoritário. Nível 5 –

extermínio: quando o grupo majoritário procura extinguir, exterminar o grupo

minoritário, fundamentando-se em valores ideológicos. Inclui-se aqui a limpeza

étnica pregada pela Alemanha contra os judeus durante a 2ª Guerra Mundial, levada

a efeito, também, no Camboja e nos Bálcãs. Passa, ainda, pelo extermino de

populações, ou grupos, inteiros, como a praticada contra algumas nações indígenas,

ou contra os deficientes e testemunhas de Jeová pela Alemanha, também durante a

2ª Guerra Mundial.

Castel (2008) entende que a discriminação negativa e o estigma estão

interligados de tal forma que um indivíduo ou grupo é discriminado negativamente a

partir de um estigma que os coloca na condição de símbolos de inutilidade social e

de periculosidade. Como forma de anular a discriminação negativa, mediante a

intervenção do Estado, são criadas leis que possibilitam a discriminação positiva no

―[...] sentido de fazer mais por aqueles que tem menos‖ E, ainda, com o sentido de

―[...] ser útil, e até mesmo indispensável, [ao] tomar como alvo as populações

marcadas por uma diferença que para elas é uma desvantagem, visando reduzir ou

anular esta diferença.‖ (CASTEL, 2008, p.13-14). É a forma que se encontra de

garantir a igualdade de oportunidades àqueles socialmente em desvantagem por

conta de um estigma. As relações entre preconceito, estereótipo e discriminação;

atributo, estereótipo e estigma podem ser melhor compreendidas por meio da Figura

1:

66

FIGURA 1 – Relações entre Preconceito, Estereótipo, Discriminação e entre Atributo, Estereótipo e Estigma.

Fonte: O autor.

Fonte: O autor.

1.3 CONSTRUÇÃO DO ESTIGMA SOCIAL DA DEFICIÊNCIA

O estigma social se configura no tratamento dispensado por um grupo que

domina uma determinada situação social, a um segundo grupo que não apresenta

as condições julgadas ideais para ser tratado como seu igual. Neste item que trata

sobre a construção do estigma social da deficiência, procurarei demonstrar como se

constrói o estigma da deficiência nas relações entre os grupos. Essa discussão visa

substanciar a compreensão da caracterização do estigma da deficiência na relação

entre pessoas que compõem a rotina de trabalho que envolve as pessoas com

deficiência ou surdas, a ser desenvolvida no próximo capítulo.

A caracterização do estigma social se faria por meio do processo de

estigmatização que, grosso modo, transita pelas vias do preconceito e da

discriminação, ou seja, da negação e da não aceitação daqueles que fazem parte do

PRECONCEITO

Uma ideia preconcebida que se constrói a respeito de algo ou alguém, de caráter avaliativo, infundado, com conteúdo emocional, e que pode se estender a todo um grupo ou categoria. Pode ser negativo ou positivo.

Diz respeito ao comportamento das pessoas. Por isso pode-se punir a discriminação, ato expresso do preconceito, mas não se consegue punir o preconceito.

DISCRIMINAÇÃO

Em sua forma negativa é a efetivação prática do preconceito, por meio de atitudes e ações que visam impedir pessoas e grupos a gozarem de direitos e igualdade à que fazem jus por força de lei.

A agudização da discriminação se faz presente nas práticas de segregação e extermínio.

ATRIBUTO

Caracteriza e distingue o indivíduo.

Nasce com ele ou é adquirido ao longo de sua vida.

ESTEREÓTIPO

Padrões mentais com os quais um grupo procura qualificar outro grupo como tentativa de justificar as diferenças existentes entre eles.

Nasce por meio de caracterizações que são repetidas via automatismo.

De cunho cognitivo, de forma racional, tem a função de fundamentar e justificar os preconceitos, que estão na base (Allport, 1962).

ESTIGMA

Surge a partir de uma relação entre atributo e estereótipo (Goffman, 2008).

São valores culturais criados estabelecidos que permitem identificar as pessoas e estigmatizá-las (Ribas, 1986).

67

―outro grupo‖ em razão de condições de etnia, raça, religião, idade, posição social,

posição hierárquica em uma organização, deficiência, gênero, enfim, de inúmeras

situações com as quais se buscam justificar os elementos de segregação imputados

àqueles julgados diferentes. É a situação vivenciada por Aparecida quando começou

a trabalhar no Sistema FIEP, que apontou na entrevista, a aceitação pelos demais

colegas de trabalho. ―A aceitação. As pessoas olharem para você como uma pessoa

profissional, que tem diferença, mas não olhando para aquela diferença,

entendeu?‖5. A dificuldade de aceitação pelos colegas de trabalho, que representam

um grupo já estabelecido em termos de rotinas, tarefas, conhecimentos e valores

grupais, está diretamente ligada a diferença, à marca de distinção que passa a ser

considerada por esse grupo como algo fora dos padrões de normalidade até então

presentes no ambiente administrativo em que a pessoa com deficiência ou surda

passa a desenvolver suas atividades. Dolores, outra deficiente entrevistada,

apresenta situação semelhante pela qual passou o que reforça o ritual de

discriminação pelo qual passam as pessoas com deficiência no processo de

inserção no emprego: “Vou falar quando fui inserida no SENAI. Quando eu cheguei

ali a maioria foi legal comigo, mas o meu grupo, ali fui excluída bastante. Umas me

olhavam de lado, não conversavam comigo. Fiquei meio assim, sabe, como se fala?

Deixada ali, de lado, meio perdida, isolada, me deram um gelo. Ligava o computador

e ficava olhando para o computador, sem saber o que fazer, me ignoravam

bastante”.6

Nas situações vivenciadas por Aparecida e Dolores, a norma não estava em

algum regulamento ou manual da instituição, mas estava presente, implícita e

tacitamente nas relações informais de cada uma das equipes de trabalho em que

foram inseridas. Analisando os depoimentos acima, nota-se que a demarcação dos

limites das relações entre os membros de um grupo, definindo quem pertence ou

não a esse grupo pode se fazer por duas estratégias: pela via silenciosa expressada

no tratamento dispensado àquele ou àquela, considerados ―estranhos‖ ao grupo,

utilizando-se de táticas como isolar, não estabelecer comunicação; ou pela via

contundente que fere e expõe as diferenças entre um e outro.

5 Depoimento de pessoa com deficiência, coletado por mim em 13 de julho de 2011, na cidade de

Curitiba. 6 Depoimento de pessoa com deficiência coletado por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de

Curitiba–PR.

68

No caso das pessoas com deficiência, ou surdez, a forma contundente de

exposição poderá se realizar pelo manejo de duas táticas. A primeira delas visa

depreciar esses indivíduos expondo-os publicamente pelo indicativo de sua limitação

mediante o uso de pejorativos: cego, manco, ―manquetola‖, aleijado, perneta,

retardado, louca, abobada etc. e seus diminutivos. A segunda se realiza pela

depreciação da pessoa com deficiência ou surdez, colocando em dúvida sua

capacidade produtiva, seu desempenho, seu talento, suas habilidades e sua

competência, expondo-os publicamente por meio de depreciativos, xingamentos,

demonstrações comparativas com as pessoas sem deficiência ou aos padrões

considerados ideais de desempenho, sempre aliados a sua limitação física, sensória

ou intelectual. Essas duas situações podem se perpetuar no grupo por meio de

mexerixos, usando o termo de Goffman (2008), ou de fofocas, transcendendo os

limites daquele grupo. Baseando-se em Crocker, Major e Steele (1998), pode-se

afirmar que a situação suportada em silêncio por uma pessoa que sofre a

estigmatização, no caso de Dolores, contribui para aceitar e perpetuar sua

identidade social de estigmatizada perante o grupo.

As estratégias utilizadas visam demarcar os limites das relações entre os

membros e demonstrar quem está afiliado ou não. Têm a finalidade da manutenção

do equilíbrio grupal que se encontra estabelecido, em relação aos componentes de

outro grupo que podem ameaçar a sua estabilidade e seu domínio. Segundo Falk

(2001) essa situação já pode ser encontrado na visão de Durkheim (2007) quando

escreveu, nas Regras do Método Sociológico: "Imaginem uma sociedade de santos,

um claustro perfeito de indivíduos exemplares. Crimes ou desvios, propriamente

ditos, serão desconhecidos, mas as faltas que parecem veniais para o leigo criarão o

mesmo escândalo que os crimes comuns nas consciências comuns. Se, então esta

sociedade disponibilizar do poder de julgar e punir irá definir esses atos como

criminosos [ou desviantes] e os tratará como tal.‖ (Idem: 69-70).

Refletindo sobre os motivos que levam as pessoas, ou grupos, ao processo

de reciprocidade de ação, ou interação, a se valerem de elementos de distinção

negativos tais como o estigma, o estereótipo, o preconceito, a discriminação e a

segregação para marcar o outro e denotá-lo como diferente, como estranho,

perigoso, pode-se compreender que essa forma de agir é inerente ao processo de

sociação, pois estarão, segundo Simmel (1983), se utilizando de forças

conservadoras com a finalidade de manterem unidos os elementos que assegurem a

69

coesão do grupo do qual fazem parte; uma forma de defesa deste grupo, caso

contrário as mesmas forças poderão destruí-lo.

Os depoimentos de Aparecida e Dolores, citados anteriormente demonstram,

ainda, as dificuldades que demarcam a diferença no processo de interação, ou de

sociação conforme Simmel (1983). O olhar dos ―normais‖ para o indivíduo não para

analisá-lo como profissional, mas como um deficiente que ali está na condição de

intruso. Aparecida tem problemas na fala o que torna visível sua limitação, tão logo

começa a falar, o que Goffman (2008) aborda especificamente quando trata da

intrusibilidade do estigma. Em razão dessa limitação, não se adaptou em sua

primeira experiência no Sistema FIEP, tendo de ser readaptada em outra equipe de

trabalho. Sua função era atender o público e foi considerada, e desqualificada por

sua superior imediata, com o qualificativo de inapta; usou-se como argumento o fato

dela não atender bem às pessoas.

Em Simmel (1983), ainda, a questão de se desqualificar o outro, pode ser

encontrada em mais um momento, quando ele aborda a ideia de que uma pessoa se

forma a partir do contato pessoal com a outra. Procura-se vê-lo e compará-lo a si

mesmo, pois a tendência é, em certa medida, ver aos demais de forma

generalizada, uma vez que não é capaz de representar plenamente uma

individualidade diferente da sua. Não se consegue, portanto, conhecer plenamente

o outro e diante desta incapacidade, a tendência é tecer conjecturas e passar a olhar

a todos e compará-los com o tipo ideal de ser humano que cada um cria em sua

mente, de acordo com seus valores. Tende-se ainda a projetá-los a partir de si

próprio, apesar da singularidade do outro que é desprezada, pois ao classificá-lo

diante daquilo que se compreende ou se entende como ideal, pode-se colocá-lo

abaixo de uma categoria que certamente não coincidirá com a sua totalidade como

ser humano. Forma-se do outro uma imagem que não coincide com a sua imagem

real e tampouco representa um tipo geral de ser humano, que pode pender para o

lado bom ou para o lado ruim. De certa forma, isto está em concordância com

Goffman (2008) a respeito da abordagem que faz sobre o desacreditado e o

desacreditável.

Conforme Simmel (1977), todos os indivíduos são fragmentos, não somente

do homem em geral, mas de si próprios. Constituem-se em iniciações, não somente

do tipo humano absoluto, não só do tipo de bom e de mau, mas também da

individualidade unida de seu próprio eu, que, desenhado por linhas ideais, rodeia

70

sua realidade perceptível. Todavia, o olhar do outro complementa esse caráter

fragmentário e converte-o naquilo que nunca é pura e inteiramente. A partir do que

ele expõe, consegue-se compreender que os indivíduos em sociedade apenas veem

do outro fragmentos reais e justapostos. As lacunas, ou ―manchas cegas‖, são

completadas, preenchidas com os valores e julgamentos individuais e com os dados

fragmentários se constrói a individualidade alheia. Como coloca Simmel (1977), ―[...]

La práctica de la vida nos obliga a formar la imagem del hombre con los torsos que

realmente conocemos de él. Pero justamente por eso resulta entonces que dicha

imagen descansa en aquellas modificaciones y complementos, en la transformación

que sufren los fragmentos dados, al convertirse en el tipo general y en la plena

personalidad ideal. Este método fundamental, que en la realidad raras veces es

llevado a la perfección, obra dentro de la sociedad existente, como el a priori de las

acciones recíprocas que posteriormente se entretejen entre los individuos.‖ (Idem:

44-45).

Simmel (1977) indica o estrangeiro, o inimigo, o delinquente e também o

pobre, como tipos gerais de excluídos. Alguém é chamado de estrangeiro no sentido

da diferença, da estranheza que causa no outro. Até mesmo o desconforto que ele

imprime nas relações sociais já estabelecidas. Quando se trata de um grupo, estão

em jogo os padrões e valores a partir dos quais um determinado indivíduo olha e

procura compreender o outro.

Sob o olhar do estrangeiro de Simmel (1983), a forma de proceder das

pessoas com relação àquelas que lhes são estranhas ganha entendimento quando

se consegue compreender que aos olhos do local, do residente (ou daquele que

pertence ao grupo), o que chega traz qualidades diferentes que causam estranheza

e desconforto, ―mas sua posição no grupo é determinada, essencialmente, pelo fato

de não ter pertencido a ele desde o começo, pelo fato de ter introduzido qualidades

que não se originaram nem poderiam se originar no próprio grupo.‖ (idem: 182).

Conforme explica Simmel (1983), distância e proximidade envolvida em toda relação

humana se organiza, no caso do estrangeiro, que pode ser entendido aqui como o

estranho, de uma forma que aquele que está próximo, na verdade está distante (pois

não está incluído, não faz parte do grupo) e que aquele que está distante, é o que na

verdade está próximo (é um elemento do grupo, que mesmo não estando ali

presente, faz parte, é integrado) – uma pessoa com deficiência, em um grupo que

lhe é hostil, está distante mesmo estando próxima, mas para uma associação da

71

qual faz parte, para um grupo daqueles que lhe são iguais, estará próxima mesmo

quando estiver distante. ―Assim como o indigente e as variadas espécies de

‗inimigos internos‘, o estrangeiro é um elemento do próprio grupo. São elementos

que se, de um lado, são imanentes e têm uma posição de membros, por outro lado

estão fora dele e o confrontam.‖ (Idem: 183). Nesse confronto, muitas vezes

presente no silêncio, sem palavras, no olhar, na simples presença, é que se

desencadeia o processo de alijamento daqueles que nos são diferentes.

Para Simmel (1983), a vida acontece no dia a dia, nas relações e contatos

diários, os mais diversos, renovados, construídos e reconstruídos, entre as pessoas.

Fios de tal gênero são tecidos incessantemente. No microcosmo social encontram-

se ―[...] as interações que se produzem entre os átomos da sociedade, e que

somente são acessíveis ao microscópio psicológico; mas que produzem toda a

resistência e elasticidade, a variedade e unidade desta vida da sociedade, tão clara

e tão misteriosa.‖ (Idem: 72). Nesse aspecto pode-se perceber que o estigma social

em relação à deficiência é um processo que fica evidente na variedade da vida em

sociedade. Nas palavras do mesmo autor, ―estes processos primários, que formam a

sociedade com um material individual imediato, devem ser submetidos ao estudo

formal, junto aos processos e organizações mais elevados e complicados; devem

ser examinadas as interações particulares, que se manifestam em massa, mas às

quais não está habituada a atual concepção teórica, considerando-as como formas

constitutivas da sociedade, como partes da sociação. Sim, precisamente porque a

Sociologia as tem somente considerado por alto, por isso mesmo é conveniente

consagrar um estudo detido a estas modalidades de relação, aparentemente

insignificantes.‖ (Idem: 73). Vale, portanto, o esforço de se dedicar à compreensão

desses fenômenos, aparentemente insignificantes para a grande maioria do grupo

dos ―normais‖, mas de importância fundamental para o grupo em minoria

(estigmatizados), de forma a ressaltar e entender o que permeia o jogo das relações

entre os dois grupos.

A questão do estigma da deficiência no emprego pode ser vista sob o ângulo

do conflito presente na sociedade que é analisado por Simmel como algo positivo

em termos de resultado final para o grupo, pois que nascendo de fatores de

dissociação como ódio, necessidade, desejo, inveja – o conflito destina-se a resolver

divergências e conseguir unidade – os integrantes dos grupos contentores passam a

almejar a paz, a pressionar por isso e a reorganizar uma nova ordem.

72

Quando Simmel (1983) aborda a sociabilidade como forma autônoma ou

lúdica de sociação consegue-se compreender o porquê dos seres humanos

utilizarem, uns contra os outros maneiras de alijamento. Diz o autor com relação à

sociabilidade: ―[...] Aqui, ‗sociedade‘ propriamente dita é o estar com um outro, para

um outro, contra um outro que, através do veículo dos impulsos ou dos propósitos,

forma e desenvolve os conteúdos e os interesses materiais ou individuais. As formas

nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de todos os

laços com os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela

própria liberação destes laços. É isto precisamente o fenômeno a que chamamos

sociabilidade.‖ (Idem: 167). As matérias, ou conteúdos de sociação, dizem respeito a

tudo aquilo que está presente nos indivíduos ―[...] que são os dados concretos e

imediatos de qualquer realidade histórica sob a forma de impulso, interesse,

propósito, inclinação, estado psíquico, movimento.‖ (Idem: 166), que possam

influenciar ou mediar influências de uns sobre os outros.

Contudo, apenas presente nos indivíduos isoladamente, essas formas não

são sociais, pois se transformam em fatores de sociação somente quando inserem

os indivíduos isolados em um contexto social ―[...] em formas específicas de ser com

e para um outro – formas que estão agrupadas sob o conceito geral de interação.‖

(1983, p.166). A sociação, para Simmel, seria a forma, que assume maneiras e

aspectos diferentes, nas quais os indivíduos se reúnem para satisfazerem interesses

os mais variados e alcançarem objetivos, formando assim a base das sociedades

humanas. Desta forma, a partir do jogo de forças pela conquista do poder e,

consequente alcance dos objetivos ou interesses, surgiriam os conflitos nos quais os

grupos se utilizam de estratégias para suplantar e vencer os rivais de disputa.

Simmel (1983) coloca que com aqueles que se tem proximidade ou aos quais

se está mais organicamente ligado, as relações são baseadas em diferenças

específicas com origem nos traços genéricos em comum, os quais poderão existir

somente entre aqueles que participam de uma determinada relação particular e,

desta forma, totalmente genérico com respeito a ela, porém específicos e singulares

no que diz a tudo que se encontra fora dela; ou ainda, os traços desses participantes

do grupo serão comuns a eles por serem próprios do seu tipo de grupo ou à

humanidade em geral. No caso das pessoas com deficiência, diante de um grupo

que lhes tratam com indiferença e hostilidade, eles não são comuns ao grupo, no

primeiro sentido apontado por Simmel; estão distantes por não terem construído

73

laços de pertença. Ao mesmo tempo, existem caracteres gerais de humanidade

presentes em todos os indivíduos, que apesar da distância os aproxima, pelas

semelhanças que guardam entre si.

A análise de Simmel (2006) sobre ―[...] o significado sociológico da

semelhança e da diferença entre os indivíduos‖, aponta que ―[...] acima de tudo o

significado prático do ser humano é determinado por meio da semelhança e da

diferença.‖ (Idem: 45). Como fato ou como tendência, ―[...] a semelhança com os

outros não tem menos importância que a diferença com relação aos demais;

semelhança e diferença são, de múltiplas maneiras, os grandes princípios de todo

desenvolvimento externo e interno. Desse modo, a história da cultura da

humanidade deve ser apreendida pura e simplesmente como a história da luta e das

tentativas de conciliação entre esses dois princípios.‖ (Idem: 45). Aqui se encontra o

princípio de se aceitar o outro, respeitando-o em suas diferenças, pois para o autor,

na ação no âmbito das relações entre os indivíduos, a diferença perante os outros

indivíduos tem muito mais importância do que as semelhanças entre eles. Conforme

indica, essa diferenciação perante os demais acaba por incentivar e determinar, na

maior parte, a nossa atividade. Ainda segundo Simmel, é preciso ―observar‖, aqui

não no sentido de apontar, mas no sentido de aceitar e aprender a valorizar as

diferenças dos outros indivíduos, caso queiramos conviver e assumir um

determinado lugar entre eles.

No estudo de Norbert Elias e John L. Scotson (2000), realizado em Wiston

Parva, uma comunidade de trabalhadores da periferia urbana, são encontrados

elementos que demonstram o quadro de estigmatização imposto por um grupo

estabelecido em uma determinada situação a outro grupo (estranho não reconhecido

pelo primeiro), que tenta se instalar mais tarde no mesmo cenário. São

demonstradas as relações realizadas entre os membros do grupo estabelecido e os

membros do grupo de fora, as relações dos membros no interior de cada um desses

grupos, tanto quanto a estratégia de estigmatização lançada aos de fora. Esse

estudo possibilita compreender o estigma da deficiência a partir da noção de um

processo de estigmatização que se estabelece na relação entre um grupo que

domina uma determinada situação e o outro grupo que chega tentando ganhar

espaço.

Nessa relação é possível indicar Mclaughlin, Bell e Stringer (2004) que

apontam que em conjunto com as mulheres e as minorias étnico raciais, as pessoas

74

com deficiência, e pode-se acrescentar as pessoas surdas, não são consideradas

parte do grupo dominante na força de trabalho que é representada por homens

brancos sem deficiência.

No processo de inserção das pessoas deficientes no mercado de emprego,

figuram os empresários e colegas de trabalho de um lado, como representantes do

grupo de estabelecidos e que dominam as relações de trabalho, e de outro, as

pessoas com deficiência, grupo este que sofre o processo de estigmatização como

reforço da sua desqualificação social.

Segundo apontam Elias e Scotson (2000), ―[...] o grupo estabelecido cerrava

fileiras contra eles [os membros do grupo de fora] e os estigmatizava, de maneira

geral, como pessoas de menor valor humano. Considerava-se que lhes faltava a

virtude humana superior — o carisma grupal distintivo — que o grupo dominante

atribuía a si mesmo.‖ (Idem: 18). Conforme indicam os próprios autores, o tema

encontrado naquele pequeno local, o da estigmatização entre dois grupos, na

verdade torna-se universal em razão de refletir numa dimensão do microcosmo

social o que ocorre em termos macro: a aristocracia, o sentimento de se sentir

melhor e superior em relação ao outro (que é o vilão). Na visão dos autores, é a

autoimagem normal dos grupos que se sentem, seguramente, superiores a outros

grupos interdependentes. Isso se aplica na relação entre: senhores feudais e

suseranos, brancos e negros, gentios e judeus, protestantes e católicos (vice-versa),

homens e mulheres, países desenvolvidos versus países atrasados ou em

desenvolvimento social e economicamente, empregadores e empregados. Segundo

Elias e Scotson (2000) os grupos que exercem domínio sobre uma determinada

situação ―[...] sentem mais poderosos, na totalidade desses casos, veem-se como

pessoas ‗melhores‘, dotadas de uma espécie de carisma grupal, de uma virtude

específica que é compartilhada por todos os seus membros e que falta aos outros.

Mais ainda, em todos esses casos, os indivíduos ‗superiores‘ podem fazer com que

os próprios indivíduos inferiores se sintam, eles mesmos, carentes de virtudes —

julgando-se humanamente inferiores.‖ (Idem: 19-20).

Desta forma ocorre o processo de estigmatização, que é universal. Atinge

tanto os pequenos quanto os grandes grupos, como indicam Elias e Scotson (2000);

onde um grupo exerça domínio e em melhores condições do que o outro, a

estigmatização poderá se estabelecer. Tal se sucede com as pessoas deficientes

diante daqueles que se julgam ―eficientes‖; no trabalho, na escola, ou em qualquer

75

outro local existirão grupos que se acharão melhores do que aqueles que

apresentem algum tipo de deficiência e lançarão sobre eles os atributos decorrentes

das marcas relacionadas ao estigma de ser deficiente.

Como se pode compreender a partir do que colocam Elias e Scotson (2000),

com grande profundidade será o processo de estigmatização que poderá afetar os

indivíduos marcados ao ponto destes passarem a crer que realmente são inferiores,

incompetentes, carentes de virtudes e de qualidades, o que lhes condiciona a

aceitarem o desempenho de atividades abaixo de suas reais capacidades.

Elias e Scotson (2000) descrevem como se dá o processo de estigmatização

que o grupo de estabelecidos desenvolve contra os outsiders. Segundo os autores,

uma constante nesse tipo de situação é o grupo de estabelecidos atribuir a si,

qualidades ou características humanas superiores que os qualifica em relação aos

de fora ou estranhos, além de excluí-los dos relacionamentos e contatos sociais,

controlando-os por meio da fofoca elogiosa ou depreciativa (dependendo da

situação de julgamento dos estabelecidos). Em Winston Parva o domínio do grupo

de estabelecidos se fundamenta na coesão advinda simplesmente de um elo que os

unia: a antiguidade, ou tempo de residência no local. Isto os tornava diferentes

perante os recém-chegados e lhes possibilitava construir o processo de

estigmatização. A coesão existente no grupo fazia toda a diferença, pois envolvia

famílias que se conheciam há duas ou três gerações, em contraste com os demais

que não conheciam os antigos residentes e não se conheciam entre si. Com base na

elevada coesão e controle social, o grupo de antigos residentes conseguia reservar

para os seus, os cargos importantes nas organizações de Winston Parva. É possível

a partir dessa condição, de um grupo estabelecido em relação ao outro que julga

inferior, fazer uma leitura com relação às pessoas com deficiência nas organizações

na qual são inseridos, analisando-se os cargos que ocupam na hierarquia e da

importância que lhes é atribuída no contexto empresarial. Poucos são as pessoas

com deficiência que ocupam cargos elevados, ou de destaque, nas empresas. Estes

estão reservados àqueles que preenchem as normas organizacionais. Como diz

Goffman (2008) quando define o homem dentro da normalidade, que tenham bom

aspecto, ou em outras palavras, que não causem impacto por sua diferença. No

caso em estudo, nota-se no Sistema FIEP que as pessoas com deficiência, que

fizeram um curso de capacitação para trabalharem como auxiliar administrativo, não

foram enquadrados nesse cargo, mas em um inferior: auxiliar de serviços.

76

O processo de estigmatização, nesta situação, poderá ocorrer pela negação

das mesmas oportunidades de carreira, portanto de desenvolvimento profissional,

indicação para cargos de chefia, o recebimento dos mesmos salários no

desempenho das mesmas funções das pessoas sem deficiência, políticas de

recursos humanos que não respeitam suas diferenças para: recrutamento e seleção,

promoções, treinamentos e desenvolvimentos. Com base na opinião de Elias e

Scotson (2000), a exclusão e a estigmatização dos ―estranhos, dos não incluídos‖,

ou dos outsiders pelo grupo que já está estabelecido funcionam como armas

poderosas com a finalidade de preservação de identidade e afirmação de

superioridade, mantendo os demais distantes e firmemente em seu devido lugar.

Portanto, a figuração estabelecidos-outsiders proposta por Elias e Scotson (2000),

em termos de aplicabilidade a outras situações como eles mesmos previram, pode

ser conjugada à situação do estigma social da deficiência. Heinich (2001), destaca

que o trabalho de Elias e Scotson desenvolvido em Wiston Parva ―[...] permite

estudar em detalhes o funcionamento dos mecanismos de segregação, de exclusão

ou simplesmente de desigualdade – entre homens e mulheres, entre adultos e

crianças, entre heterossexuais e homossexuais etc.‖ (Idem: 107).

Nessa relação, entre um grupo e outro, como apontam Elias e Scotson

(2000), o grupo de estabelecidos tende a atribuir aos membros do grupo de fora as

características ruins de sua porção ruim, da sua pequena parcela anômica. Além do

estrangeiro, do estranho passar a ser o culpado de tudo, ele passa a ser visto com

as características que os desviantes do grupo dos estabelecidos possuem. Por outro

lado, como explicam os autores, o grupo de estabelecidos tende a se modelar com a

projeção das qualidades da sua parcela mais exemplar – mais ―nômica‖ ou

normativa, a minoria dos seus membros. Elias e Scotson (2000) comentam que essa

distorção ―pars pro toto.” (das partes para o todo) em direções opostas, faculta ao

grupo estabelecido provar suas afirmações, a si mesmo e aos outros; há sempre

algum fato para demonstrar que o próprio grupo é "bom" e que o outro é "ruim‖.

Para explicar essa forma de discriminação entre dois grupos, Elias e Scotson

(2000) criaram a abordagem figuracional. Tal abordagem procura elucidar os rótulos

de inferioridade que um grupo afixa em outro e os faz prevalecer, como uma função

de uma figuração específica que os dois grupos estabelecem entre si. Na figuração

por eles estudada em Wiston Parva, o ponto central é um equilíbrio instável de

domínio, entre um grupo e outro, com as tensões que lhe são inerente, precondição

77

presente em qualquer processo de estigmatização lançado pelo grupo estabelecido

contra um grupo outsider. Ou seja, um grupo só obterá sucesso em estigmatizar o

outro quanto estiver bem instalado em determinadas situações das quais o grupo de

indesejáveis será maculado e excluído, prevalecerá a marca imputada aos outsiders,

enquanto esta condição prevalecer. O rótulo de ―valor humano inferior‖ afixado ao

outro grupo é uma das armas usadas por aqueles que se julgam superiores nas

relações de disputas, como meio de manutenção da sua superioridade social. Para

Elias e Scotson (2000), ―[...] nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo

mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na autoimagem deste último e,

com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo.‖ (Idem: 24).

Comentam Elias e Scotson (2000) que a capacidade de estigmatizar poderá

diminuir ou até se inverter a partir do momento que um grupo não conseguir mais

manter seu domínio, a superioridade construída sobre os considerados outsiders. Ao

se equilibrarem as forças entre os grupos, os estigmatizados tendem a retaliar,

apelando para a contra estigmatização. Depreende-se do que colocam os autores

que os diferenciais de coesão e integração grupal possibilitam a um determinado

grupo, até durarem tais diferenciais que lhe são favoráveis, segregar e manter outro

grupo rival no ostracismo.

A coesão e a integração geralmente estão calcadas sobre a

complementaridade entre o carisma grupal, que o grupo de estabelecidos atribui a si

próprio, e a desonra grupal, que o grupo de estabelecidos atribui ao grupo outsiders.

Para se obter ou participar nesse carisma grupal, os membros do grupo de

estabelecidos necessitam pagar um preço; submeterem-se, individualmente, às

regras do grupo ao qual estão filiados, sujeitando-se aos padrões específicos de

controle dos afetos. Desta forma conseguirão, de acordo com Elias e Scotson

(2000) carregar ―[...] O orgulho por encarnar o carisma do grupo e a satisfação de

pertencer a ele e de representar um grupo poderoso – e, segundo a equação afetiva

do indivíduo, singularmente valioso e humanamente superior – estão funcionalmente

ligados à disposição dos membros de se submeterem às obrigações que lhes são

impostas pelo fato de pertencerem a esse grupo. Tal como em outros casos, a lógica

dos afetos é rígida: a superioridade de forças é equiparada ao mérito humano e este

a uma graça especial da natureza ou dos deuses. A satisfação que cada um extrai

da participação no carisma do grupo compensa o sacrifício da satisfação pessoal

decorrente da submissão às normas grupais.‖ (Idem: 26).

78

Elias e Scotson (2000), explicam que o não contato com o grupo outsider, por

um membro do grupo dos estabelecidos, tem toda a conotação emocional de se

evitar a ―poluição‖, pois um o estranho representa o não cumprimento às regras, às

normas e aos tabus coletivos; existe a ameaça à integridade, à identidade e à

defesa do grupo dos estabelecidos, bem como ao seu próprio orgulho e identidade

de pertencer a um grupo de indivíduos superiores. Adicionalmente, os autores

apontam que os outsiders, para os estabelecidos, carregam uma conotação

anômica, e afim de não serem infectados, evita-se o contato com os mesmos.

Tal situação foi por mim identificada quando entrevistei Aparecida. Verifiquei

por meio da sua ficha de identificação ter indicado grande perda visual, 15 graus de

miopia. Ao lhe perguntar se fazia uso de lente de contato, confirmou explicando:

“Uso lente por ter muito preconceito, muito preconceito mesmo. Quando uma pessoa

vê que você tem algum probleminha a tendência dela é se afastar, acha que aquilo é

contagioso, não entende que não é, que todo mundo tem um problema ou outro”.7

Segundo Elias e Scotson (2000), em algumas situações, aqueles que

transgridem a norma estabelecida no grupo, de não contato com um indivíduo

considerado estranho ou perigoso, como decorrência da infecção anômica, poderá

ficar sob suspeita e observação por estar rompendo as normas e os tabus do seu

grupo, podendo sofrer sanções, mesmo que não declaradas, além de ter seu status

rebaixado diante dos seus iguais; perderá a consideração e o respeito dos demais

membros do grupo ao qual pertence, e principalmente, não poderá mais

compartilhar daquele valor superior de humanidade que o grupo de estabelecidos se

atribui. A análise empreendida por Elias e Scotson (2000), possibilitou-me entender

as relações existentes no Sistema FIEP, entre gestores, colegas de trabalho e

pessoas com deficiência ou surdas.

Ao longo deste capítulo foram abordadas as visões da deficiência como um

processo histórico e social cuja perspectiva permite desvendar a questão da

inserção de pessoas deficientes ou surdas no emprego e seus desdobramentos.

Antes, porém, cabe traçar em linhas gerais os principais aspectos das lutas

empreendidas pelas pessoas com deficiência, ou surdas, no Brasil objetivando

conquistar direitos e reconhecimento social – uma luta travada contra os estigmas

da deficiência física, da deficiência intelectual, da surdez e da cegueira.

7 Depoimento de pessoa com deficiência, colhido por mim no dia 13 de julho de 2011, na cidade de

Curitiba–PR.

79

2 AS MOBILIZAÇÕES EM TORNO DA QUESTÃO DA DEFICIÊNCIA NO BRASIL

Neste capítulo, pretendo abordar o papel da mobilização das pessoas com

deficiência que buscavam o reconhecimento social dos seus direitos e deveres,

principalmente no decorrer da Assembleia Nacional Constituinte, quanto foram

definidos alguns dispositivos na Constituição Federal Brasileira de 1988, garantindo,

do ponto de vista jurídico o respeito às suas diferenças.

2.1 FORMAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A década de 1950, no Brasil, é o marco de referencia para o desenvolvimento

das ações com o objetivo de unir as pessoas com deficiência ou defender seus

interesses. Até esse momento as ações especificamente voltadas para esse grupo

foram pontuais e exercidas ora pelo Estado, sem uma política planejada e definida,

ou pela sociedade civil que se organizou para suprir essa lacuna criando instituições

de apoio e assistência.

A pouca iniciativa estatal estava voltada ao atendimento e assistência dos

cegos ou surdos por meio dos institutos: Imperial Instituto dos Meninos Cegos e

Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Além disso, foram criadas instituições

especializadas objetivando tratar e segregar pessoas que em razão de sua

deficiência, patologia mental ou hanseníase, representavam problema para a

sociedade. Por parte da sociedade civil, destaca-se a educação especial

desenvolvida e introduzida por pedagogos, exclusivamente voltada para as crianças

com deficiência intelectual, marcada pelo início do Movimento Pestalozzi do Brasil

em 1932, na cidade do Rio de Janeiro, que se estendeu mais tarde para outras

cidades. Na década de 1950, ainda, mais precisamente no ano de 1954, surge a

Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). (LANNA JUNIOR, 2010;

MAIOR, 1997).

Durante a década de 1950, também, foram criados os primeiros centros de

reabilitação física em decorrência do grande surto de poliomielite que acometeu

várias regiões do nosso país, entre o início e a metade do século XX, e aos

mutilados da II Guerra Mundial em que o Brasil participou. Inspirados nos métodos e

paradigmas do modelo de reabilitação do pós-guerra praticados na Europa Ocidental

80

e nos Estados Unidos, esses centros tinham como objetivo propiciar ao paciente o

retorno à vida em sociedade. Dentre essas iniciativas estão a fundação da

Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) em 1950, na cidade de São

Paulo, atualmente Associação de Assistência à Criança Deficiente; a Associação

Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), em 1954, que criou a escola de

reabilitação para a formação de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais com

vistas a suprir uma carência desses profissionais no Brasil, com início de suas

atividades em 1956; o Instituto Baiano de Reabilitação (IBR) na cidade de Salvador,

no ano de 1956; a Associação Fluminense de Reabilitação (AFR) de Niterói, em

1958. Alguns hospitais se tornaram referência no tratamento e reabilitação das

pessoas vitimadas pela poliomielite, como o Hospital da Baleia e o Hospital Arapiara

na cidade de Belo Horizonte no estado de Minas Gerais. (LANNA JUNIOR, 2010;

MAIOR, 1997).

Retomando a discussão proposta no início deste capítulo, durante a década

de 1950, segundo Lanna Junior (2010), surgem no Rio de Janeiro as primeiras

associações com fins eminentemente econômicos para defender os interesses dos

cegos associados que trabalhavam como: ―[...] vendedores ambulantes, artesãos

especializados no fabrico de vassouras, empalhamento de cadeiras,

recondicionamento de escovões de enceradeiras e correlatos‖. (Idem: 39). A

associação tinha como objetivo, ainda, melhorar a posição desses indivíduos na

sociedade. (LANNA JUNIOR, 2010).

Apesar da primeira associação de cegos ter surgido em 1893 pela união de

um grupo formado por ex-alunos do Instituto Benjamin Constant (IBC), com o nome

de Grêmio Comemorativo Beneficente Dezessete de Setembro, tendo como

principais finalidades: comemorar a data de fundação do instituto, desenvolver ações

no sentido de promover a educação dos cegos, proporcionar o apoio aos ex-alunos

do IBC com relação à empregabilidade e desenvolver ações que sensibilizassem a

sociedade contra o preconceito, as associações que surgem na década de 1950 se

diferenciam em seu modo de atuar. São marcadas, pela dubiedade, pois

reproduzem as práticas assistencialistas que reforçam o estigma e a discriminação e

ao mesmo tempo, procuram combater frontalmente esses códigos culturais. (LANNA

JUNIOR, 2010).

Associações surgidas durante a década de 1960 resultam de uma ação dos

cegos no sentido de debater a Campanha Nacional de Educação para os Cegos e o

81

seu internamento em instituições, o que reforçaria a discriminação. As associações

dessa fase se diferenciam das anteriores, incluindo questões relativas à educação,

ao lazer, à cultura, à profissionalização dos assistidos. Paralelamente, articulava-se

e desenvolvia-se a representação nacional, a partir do diálogo entre as entidades

locais, o governo e as entidades da sociedade civil, com a finalidade de representar

e lutar pelos interesses da coletividade nacional dos cegos. O primeiro órgão foi o

Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos (CBEC), nascido no Rio de Janeiro

em 1954 e filiado ao Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos. Em 1984, o

Conselho Mundial se fundiu à Federação Internacional dos Cegos dando origem à

União Mundial dos Cegos, ou World Blind Union (WBU), atualmente a principal

entidade de representação dessa categoria no mundo. (Idem).

Com relação aos surdos, para se compreender o contexto de surgimento das

associações que passaram a tratar dos seus interesses a partir da década de 1950,

é importante entender alguns aspectos anteriores, mundiais e nacionais, que

influenciaram o movimento das pessoas surdas.

Em termos mundiais, o primeiro aspecto importante é o Congresso

Internacional de Professores Surdos ocorrido em Milão, no ano de 1880, que

influenciou muitos países as ações educacionais para os surdos, recomendando o

oralismo como base; no Brasil desde o início do século XX até os anos de 1970.

(LANNA JUNIOR, 2010).

O segundo aspecto, em termos mundiais, diz respeito ao movimento

internacional dos surdos que se desenvolveu sob a tutela da Federação Mundial de

Surdos, ou Word Federation of the Deaf (WFD) criada em 1951, com sede na

Finlândia. O movimento internacional possibilitou aos seus líderes articularem e

interferirem juntamente aos organismos ligados às Organizações das Nações

Unidas (ONU), no desenvolvimento de políticas e o encaminhamento de

recomendações aos seus países que viessem beneficiar as pessoas surdas. Esse

órgão teve papel decisivo nas recomendações da UNESCO, no ano de 1984, para o

reconhecimento formal da Língua de Sinais como a língua natural dos surdos, o que

passou a garantir o acesso, a ela, das crianças surdas o mais cedo possível. Em

meados dos anos de 1960, o linguista Willian Stokoe, com o seu livro Language

Structure: an outline of the visual communication system of the American deaf

(Estrutura de Linguagem: uma abordagem do sistema de comunicação visual do

surdo americano), em que afirma ter a língua de sinais americana todas as

82

características da língua oral, conferiu-lhe status de ―língua‖. A partir daí, ―[...] os

surdos puderam reafirmar com mais força e argumentação o seu pertencimento a

uma comunidade linguística que lhes provê uma cultura e uma identidade próprias.

Não há como negar a complexidade que existe nas relações entre cultura,

linguagem e identidade; mas também não se pode negar que o fato de pertencer a

um mundo de experiência visual e não auditiva traz uma marca identitária

significativa para essa parcela da população, que reafirma sua diferença perante o

mundo ouvinte e, assim, legitima sua luta por direitos e pela sua existência como

cidadãos.‖ (Idem: 42).

No Brasil, ainda no final do século XIX, Eduard Huet educador francês surdo,

com o apoio de D. Pedro II funda o Imperial Instituto dos Surdos Mudos em 1857 na

cidade do Rio de Janeiro (atual Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES),

com um método educacional baseado na língua de sinais. (LIMA, 2004; PINTO,

2007). Todavia, a partir de 1911, o instituto, seguindo uma tendência mundial por

conta do Congresso de Milão de 1880, adotou o oralismo para ensinar alunos e

alunas. (LANNA JUNIOR, 2010; LIMA, 2004).

A prática de ensino dos surdos baseada no oralismo perdurou até o final dos

anos de 1960. Nesse período a língua de sinais foi banida das escolas, da família e

das organizações voltadas para os surdos. Esses eram submetidos a pesados

castigos caso a utilizassem. Somente na década de 1970 a Língua de Sinais passa

a ser retomada como forma de ensino de alunos surdos. (LIMA, 2004).

Com a proibição da língua de sinais, o consequente declínio dos professores

surdos nas escolas especializadas, aumentou o número de professores ouvintes

estabelecendo-se o ouvintismo, ―[...] um conjunto de representações dos ouvintes, a

partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte.

Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que acontecem as percepções do

ser deficiente, do não ser ouvinte, percepções que legitimam as práticas

terapêuticas habituais.‖ (SKLIAR, 1998, p.15). Lanna Junior (2010) entende que: ―As

práticas ouvintistas são um conjunto de estratégias e ações que podem ser tanto

físicas, visíveis ao corpo do surdo – como as próteses auditivas –, quanto subjetivas,

como as formas de disciplinar o surdo; as normas, os costumes, jeitos e trejeitos

ouvintes que impõem esses sujeitos ao ouvintismo, às práticas de normalização que

imprimem uma forma de ser surdo ouvintizado.‖ (Idem: 41).

83

Nesse contexto de proibições é que surgem as primeiras associações, clubes

e cooperativas de surdos, criadas como espaços de resistência às práticas impostas

pelo ouvintismo. Tais espaços, distantes do controle dos ouvintes, eram utilizados

pelos surdos para a realização de intercâmbio cultural, linguístico, e a prática da

Língua de Sinais. Lanna Junior (2010) coloca que, ―Grande parte das associações

de surdos surgiu exatamente nos períodos de maior ênfase à oralidade e à negação

da diferença, envolvendo o final do século XIX até aproximadamente as décadas de

1960 e 1970.‖ (Idem: 33). Para Ferraz (2009), ―As associações de Surdos são as

mais importantes representantes da comunidade Surda brasileira. São guardiãs da

língua de sinais, pois antes delas os Surdos conviveram na rua e não se

desenvolviam. Viviam isolados com seus problemas. Nessas organizações os

Surdos se reúnem para trabalhar, encontrar-se, trocar ideias, compartilhar

informações sobre comunidade Surda e a Língua de Sinais.‖ (Idem: 47).

A primeira associação fundada, exclusivamente, por surdos se deu no ano de

1954, na cidade de São Paulo – a Associação de Surdos de São Paulo. Essa

associação nasceu devido à prática de pessoas surdas que se reuniam na Praça da

Sé, sob a liderança de ex-alunos surdos do INES para conversarem com o intuito de

―[...] trocarem informações na sua própria língua, sem o controle dos ouvintes e,

também, pelo prazer de estarem juntos.‖ (PERLIN, 2002).

Um dos objetivos da criação da Associação de Surdos de São Paulo era

incentivar a criação de novas associações nos mesmos moldes pelo país, o que

aconteceu nos anos seguintes: em 1954 surgiu a Associação de Surdos de Belo

Horizonte. (LANNA JUNIOR, 2010); no ano de 1955 foi fundada a Associação de

Surdos do Rio de Janeiro, em 1956 a Associação de Surdos de Minas Gerais. Além

dessas foram criadas associações em outros estados do Brasil, como Santa

Catarina e Rio Grande do Sul. (PERLIN, 2002).

Em 1971, a Associação Brasileira de Surdos-Mudos sob a liderança do

Monsenhor Vicente de Paula Penido Burnier em conjunto com ex-alunos do Instituto

Nacional de Ensino para Surdos (INES), passou a ser denominada de Federação

Brasileira de Surdos, filiada à World Federation of the Deaf (WFD), porém o projeto

não foi adiante. (BARROS; HORA, 2009).

A demanda pela prática de esporte por parte da comunidade surda no Brasil

levou à fundação em 1959, da Federação Desportiva de Surdos do Rio de Janeiro

que recebeu o nome de Federação Carioca de Surdos-Mudos. Com o crescimento

84

da prática de esporte entre os surdos e o reconhecimento por outros órgãos de

representação de modalidades esportivas no Brasil, em novembro de 1984, tomou-

se a iniciativa de, a partir de uma assembleia geral no auditório do INES, criar a

Confederação Brasileira de Desportos para Surdos. (Idem).

No tocante às pessoas com deficiência física, Crespo (2009) comenta que

desde a década de 1950 existem no Brasil organizações criadas por pessoas

deficientes. Lanna Junior (2010) aponta que a reunião de pessoas com deficiência

física em associações, tinha como maior objetivo viabilizar recursos financeiros para

garantir a sobrevivência dos seus sócios, e a prática de esportes adaptado. Nessas

entidades que não tinham objetivos políticos delineados, os deficientes físicos

encontraram os primeiros espaços para discutir seus problemas. Podem ser citados

como exemplos desse tipo de organizações, O Clube do Otimismo e a Associação

Brasileira de Deficientes Físicos (ABRADEF) no Rio de Janeiro; a Fraternidade

Cristã de Doentes e Deficientes (FCDD), atualmente com o nome de Fraternidade

Cristã de Pessoas com Deficiência do Brasil (FCD-BR), que pode ser encontrada em

várias cidades do país; o Clube dos Paraplégicos em São Paulo. (Idem: 42).

Segundo Crespo (2009), o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) foi

fundado em 28 de julho de 1958 inspirado na Federação Internacional de Esportes

de Stoke Mandeville, uma organização internacional pioneira no esporte para

cadeirantes, criada em 28 de julho de 1948; a ABRADEF foi fundada em São Paulo

no ano de 1961 para atuar na defesa dos interesses das pessoas com deficiência

que atuavam como vendedores ambulantes. Maior (1997) informa que

historicamente se estabeleceu uma divisão entre as associações, aquelas

comandadas pelas pessoas com deficiência e que traziam o designativo de

(associação de pessoas com deficiência); e aquelas comandadas por pessoas não

deficientes que traziam o designativo para (associação para pessoas com

deficiência que prestam atendimento e assistência ao tipo de deficiência indicada).

Conforme Lanna Junior (2010) o surgimento desse conjunto de instituições

mostra para as pessoas com deficiência a importância de se discutir a inserção

política tendo em vista as dificuldades enfrentadas, tanto na prática de atividades

esportivas quanto no trabalho e no emprego, fatores que acabaram por estimular

suas reivindicações que, ao longo do tempo, assumiram caráter cada vez mais

político, evidenciadas ao final da década de 1970 no contexto da redemocratização

do Brasil, ao surgirem organizações de pessoas com deficiência com o objetivo claro

85

de conquistar espaço na sociedade, direitos, e autonomia para conduzirem sua

própria vida.

2.3 ALGUNS ASPECTOS DAS MOBILIZAÇÕES DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Importa recuperar as mobilizações das pessoas com deficiência neste estudo,

tendo em vista que a possibilidade de emprego deveria também garantir

acessibilidade em todos os aspectos que lhes possibilitasse viver e realizar suas

atividades com autonomia, não somente nas instalações e espaços públicos.

A legislação federal, que especifica os direitos das pessoas com deficiência,

foi estabelecida para regulamentar dispositivos, hoje presentes na Constituição

Federal do Brasil, graças à pressão do movimento das pessoas com deficiência

durante a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou o texto constitucional de

1988. Portanto, essa legislação consubstancia as conquistas de uma parcela da

população por meio da luta, da reivindicação e do poder político do seu movimento.

Como aponta Vereza (2009), se referindo ao período de elaboração da Constituição

Federal de 1988: ―No caso específico das pessoas com deficiência, este foi um

momento histórico fundamental para a construção dos alicerces de seus direitos e

deveres enquanto segmento social determinado. Com a nova Constituição nascem

também esteios dos direitos e garantias que ensejam o conceito da inclusão social

e com isto os avanços das políticas públicas que alcançamos nos últimos tempos.‖

(Idem).

Segundo Gohn (2002), no Brasil e em outros países da América Latina, entre

1970 e parte da década de 1980 ficaram famosos os movimentos sociais de várias

categorias populares com articulação por grupos oposicionistas ao regime militar

que governava esses países na época. Merecem destaque os movimentos de base

cristãos, inspirados pela Teologia da Libertação. Menciona a autora, que os

movimentos sociais desse período trouxeram uma contribuição decisiva,

manifestada em suas demandas e pressões de forma organizadas, com o objetivo

de conquistar vários direitos sociais novos que acabaram sendo encampados por

leis na Constituição brasileira de 1988. Nesse contexto estão inseridos os

movimentos das pessoas com deficiência.

86

As novas formas de organização das pessoas com deficiência que

apareceram nesse período da historia do Brasil, aproveitaram-se de um momento de

efervescência social que surgia em uma época de declínio do poder autoritário da

ditadura militar, em que se preparava a transição para uma nova fase na política

brasileira. ―Os movimentos sociais, antes silenciados pelo autoritarismo, ressurgiram

como forças políticas. Vários setores da sociedade gritaram com sede e com fome

de participação: negros, mulheres, índios, trabalhadores, sem-teto, sem-terra e,

também, as pessoas com deficiência.‖ (LANNA JUNIOR, 2010, p. 47).

Com relação às pessoas com deficiência um grande fator contribuiu

decisivamente para a sua organização em movimento de luta política por direitos

durante a década de 1980, a decisão da ONU em proclamar o ano de 1981 como o

Ano Internacional das Pessoas com Deficiência (AIPD), trazendo como tema

―Participação Plena e Igualdade‖, tornando mais evidente o debate internacional

sobre a questão da deficiência. Isso impulsionou o movimento político das pessoas

com deficiência no Brasil que, inicialmente, buscou a construção e consolidação de

sua unidade. (Idem: 47-48).

No Brasil, segundo Lia Crespo citada por Lanna Junior (2010) ―[...] o

movimento começou no final de 1979 e começo de 1980, quando novas

organizações e novos grupos informais foram criados com o objetivo expresso de

mudar a realidade existente, a partir da mobilização e conscientização não apenas

das próprias pessoas deficientes, mas, também, da sociedade como um todo.‖

(Idem: 48).

Sassaki (1997), para ilustrar de que forma isso ocorreu reproduz um trecho de

um folheto que escreveu na época, a respeito da mobilização paulista das pessoas

com deficiência: ―A mobilização paulista foi acionada por várias associações de

pessoas com deficiências físicas e visuais que já existiam, como, por exemplo,

Associação Brasileira de Deficientes Físicos (ABRADEF), Associação de Assistência

ao Deficiente Físico (AADF), Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP),

Associação de Deficientes Visuais e Amigos (ADEVA), Fraternidade Cristã de

Doentes e Deficientes (FCD), Sociedade dos Deficientes Visuais do Brasil

(SODEVIBRA), Associação de Integração do Deficiente (AIDE) e que, no passado,

haviam atuado isoladamente, embora tivessem objetivos semelhantes: a luta pela

sobrevivência e/ou a prática de atividades esportivas e socioculturais.‖ (SASSAKI,

Idem: 1).

87

Realizaram-se, portanto, reuniões em entidades estaduais (São Paulo, Rio de

Janeiro e Brasília) com a finalidade de estabelecer metas para a constituição de um

movimento nacional. Na primeira dessas reuniões, ocorrida no Rio de Janeiro, em

outubro de 1979, surgiu a ideia da criação da ―Coalizão Pró-Federação Nacional de

Entidades de Pessoas Deficientes‖, como estratégia para envolver maior número de

pessoas e organizações no processo e garantir maior representatividade ao

movimento. Por intermédio da ―Coalizão‖, buscava-se aumentar o potencial

reivindicativo, desenvolvendo uma agenda única de reivindicações e estratégias de

luta (LANNA JUNIOR, 2010).

A ideia inicial de criação de uma federação nacional passava pela

necessidade de articulação do movimento nacionalmente e da efetiva materialização

das reivindicações das pessoas com deficiência. Os três encontros nacionais,

realizados entre 1980 e 1983 tinham, também como objetivo inicial, criar a

Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, porém o debate e o

amadurecimento das ideias direcionaram para a criação de federações nacionais por

tipo de deficiência. (Idem).

O ano de 1979 marca o início de uma trajetória política em direção à

conquista de direitos, por meio do posicionamento político das pessoas com

deficiência contra o caráter de caridade das ações a eles voltadas. O que contava

agora era a necessidade das pessoas com deficiência serem os condutores e

condutoras dos rumos de suas próprias vidas, de sua própria história e falarem eles

mesmos a respeito de suas necessidades sem a presença de interlocutores. (Idem).

No ano de 1980 foram realizadas reuniões da ―Coalizão‖ com vistas à

organização e articulação de entidades estaduais e, no mesmo ano, aconteceram o

1º Encontro Nacional de Pessoas Deficientes e o 1º Encontro Nacional de Entidades

de Pessoas Deficientes, esse último se realizou em Brasília, no mês de outubro,

com mais de 500 participantes de todo o Brasil. Nesse encontro das entidades em

Brasília, a ―Coalizão Nacional‖ é consolidada e são traçados os rumos do movimento

nacional.

Ainda no ano de 1980, no mês de julho, ocorre um evento importante para o

movimento das pessoas com deficiência, o 2º Congresso Brasileiro de Reintegração

Social, na cidade de São Paulo. Nesse evento, que teve a participação de pessoas

com deficiência e de profissionais dedicados à reabilitação, foi debatida a

importância da participação da pessoa com deficiência no trabalho, educação, lazer

88

e em todas as atividades sociais. Também se realiza em 21 de julho de 1980, na

Praça da Sé, na cidade de São Paulo, um ato público para protestar contra as

discriminações das pessoas com deficiência, promovido pela Associação Brasileira

de Deficientes Físicos (ABRADEF). (SASSAKI, 2003; CRESPO, 2009; LANNA

JUNIOR, 2010).

O ano de 1981 foi marcado por ser o ano Internacional da Pessoa Deficiente

(AIPD). Considerando as recomendações da ONU, o governo brasileiro da época

instalou por força de dois decretos, nos meses de julho e setembro de 1980, uma

comissão que iria tratar do assunto. A Comissão Nacional do AIPD que congregava

representantes do Poder Executivo, entidades não governamentais voltadas à

reabilitação e educação de pessoas com deficiência, e de interessados na

prevenção de acidentes de trabalho, ou de trânsito e domésticos. Nessa Comissão

não tinha representantes das entidades formadas por pessoas com deficiência, o

que causou grande insatisfação no movimento, consubstanciada pelo repúdio da

Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. Por

intermédio de carta encaminhada ao Presidente da República, general João Batista

Figueiredo, foi solicitada a alteração do decreto que instalou a Comissão Nacional. A

reivindicação foi atendida, com a agregação de um integrante da Coalizão e um

integrante da ADFERJ, como consultor, e estendida às subcomissões que seriam

criadas nos estados, garantindo a participação de representantes de pessoas com

deficiência. Contudo, essas subcomissões foram criticadas em razão de que as

pessoas com deficiência nelas integradas como membros, não tinham espaço para

participação. (CRESPO, 2009; LANNA JUNIOR, 2010; SÃO PAULO, 2011).

Em função disso, o próprio movimento das pessoas com deficiência passou a

se preparar e se organizar para o AIPD. No estado de São Paulo criou uma

comissão própria durante encontro realizado em Ourinhos, em 1980. (CRESPO,

2009; LANNA JUNIOR, 2010).

Durante o ano de 1981 várias foram as manifestações das pessoas com

deficiência nas ruas, buscando chamar a atenção da sociedade para as sua pauta

de reivindicações e luta, bem como, esclarecer a respeito de sua situação. Também

ocorreram ações junto aos órgãos de imprensa e mídia no sentido de

esclarecimento a respeito da terminologia correta a ser empregada quando se trata

de pessoas com deficiência, no intuito da substituição de termos e expressões como

retardado mental, paralítico, deficiente físico, utilizadas para designar qualquer tipo

89

de deficiência; além disso, a utilização do termo ‗pessoa deficiente‘ em substituição

à palavra ‗deficiente‘, por entender que esta última era uma forma de coisificar,

pejorativamente, as pessoas. Soma-se, ainda, o esclarecimento com relação às

traduções da mídia do International Year of Disabled Persons que, em muitas

situações, era colocado como Ano Internacional do Deficiente Físico ou Ano do

Deficiente, quando a disposição correta é Ano Internacional da Pessoa Deficiente

(AIPD). (CRESPO, 2009; LANNA JUNIOR, 2010).

Durante o AIPD, foi realizado na cidade de Recife o 2º Encontro Nacional de

Entidades de Pessoas Deficientes, entre 26 a 30 de outubro; paralelamente foi

realizado o 1º Congresso Brasileiro de Pessoas Deficiente, com o tema: ―A realidade

das pessoas com Deficiência no Brasil, hoje‖, corporificado por meio de diversas

atividades como grupos de estudos com temas como trabalho, educação, prevenção

de acidentes, acessibilidade, legislação e organização do movimento; mesas-

redondas; painéis; palestras etc. O AIPD garantiu visibilidade ao evento o que

proporcionou a participação de aproximadamente 600 pessoas. (CRESPO, 2009;

LANNA JUNIOR, 2010).

Segundo Sassaki (1997), Messias Tavares Souza, um dos organizadores do

2º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, considera que esse

evento teve como principal característica o objetivo político de lançar bases para ―[...]

exercer pressão, capaz de reivindicar mudanças no sistema de atendimento aos

deficientes, nos programas de reabilitação e na luta contra as barreiras ambientais e

sociais [...].‖ (Idem: 3).

Os debates e palestras desenvolvidos no 1º Congresso centraram as

atenções, adiando as discussões políticas que deveriam ser desenvolvidas no 2°

Encontro Nacional que ocorria paralelamente. Porém, ficaram evidentes as

diferenças e posições contrárias de um grupo tão heterogêneo e com demandas

distintas, que se sobrepuseram à ideia inicial de criação de uma federação nacional

única. Ficou acertado a eleição de delegados para a participação do encontro a ser

realizado em Vitória no ano seguinte. (CRESPO, 2009; LANNA JUNIOR, 2010).

No 1º Encontro de Delegados, na cidade de Vitória, realizado de 16 a 18 de

julho de 1982, além da ratificação da pauta de reivindicações do movimento

discutida no encontro de 1980 em Brasília, e da apresentação de pautas específicas

de lutas por tipos de deficiência, ficou decidido sobre a formação de entidades

filiadas à ―Coalizão‖, com no mínimo 2/3 de seus associados e diretoria sendo

90

integradas por pessoas com deficiência. Decidiu-se, ainda, que as entidades que

participaram do 1º Encontro Nacional ocorrido em Brasília seriam consideradas

membros natos da ―Coalizão‖. Essas decisões causaram profundas controvérsias

entre as entidades integrantes da ―Coalizão‖, contrapondo aquelas criadas por

pessoas sem deficiência, para assistência, reabilitação e amparo das pessoas com

deficiência e as criadas pelas pessoas com deficiência. Evidenciavam-se as

questões do para e do de que tinham se tornado o centro do debate no 2º Encontro

Nacional de Entidades de Recife. (CRESPO, 2009; LANNA JUNIOR, 2010).

O 3º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes que era para

ocorrer em 1982 aconteceu de 13 a 17 de julho de 1983, em São Bernardo do

Campo, com o tema: ―Organização Nacional das Pessoas Deficientes‖. Nesse

encontro duas tendências contrárias ficaram visíveis na apresentação das propostas

de encaminhamento para a organização do movimento. Uma propunha a criação da

Federação Nacional como órgão de representação única do movimento, a outra

proposta defendia que cada deficiência deveria se organizar de forma independente,

nacionalmente, para tratar de suas questões específicas. Justificavam essa posição

apontando que a estrutura de um movimento único não permitia aprofundar as

questões que diziam respeito a cada um dos grupos em particular, e que as

deliberações e decisões ficavam restritas a poucos grupos de pessoas, situações

que possivelmente seriam corrigidas se a proposta fosse aprovada. Para a

discussão de questões envolvendo interesses em comum seria criado o Conselho

Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, mediante a extinção da Coalizão,

assim que o Conselho entrasse em funcionamento, o que não se efetivou. A

proposta inicial de atender a todos mediante a unicidade do movimento, perdeu

espaço, prevalecendo a implantação das entidades nacionais representativas dos

movimentos por tipos de deficiência. (CRESPO, 2009; LANNA JUNIOR, 2010).

Outro marco importante a ser destacado, na luta do movimento das pessoas

com deficiência, diz respeito ao Dia Nacional de Luta das Pessoas Deficientes,

definido no ano de 1982. Não existe um consenso a respeito da data específica de

criação desse dia tão importante para as pessoas com deficiência .(CRESPO, 2009).

Para Sassaki (1997) ele foi criado no encontro nacional das entidades que se

realizou em São Bernardo do Campo, por sugestão do Movimento pelos Direitos das

Pessoas Deficientes (MDPD). A justificativa para a escolha do dia 21 de setembro foi

a de que o encontro estava sendo realizado na primavera e próximo ao Dia da

91

Árvore ―[...] que simboliza o nascimento das reivindicações de cidadania e de

participação plena de todas as pessoas com deficiência em igualdade de condições

com as pessoas não-deficientes.‖ (Idem: 3).

Entre os anos de 1984 e 1987, a coalisão foi extinta e substituida por

organizações por área de deficiência. Cada grupo presente na coalisão fundou e

passou a gerir suas próprias federações nacionais, com a características de serem

organizações de pessoas com deficiência, ou seja, a obrigatoriedade de terem seus

quadros de associados formados por, no mínimo, dois terços de pessoas com

deficiência. Nesse novo processo foi agregado o Movimento de Reintegração das

Pessoas Atingidas pela Hanseniase (MORHAN) fundado em 1981. (LANNA

JUNIOR, 2010).

As organizações que surgiram a partir desse período foram: Organização

Nacional das Entidades de Deficientes Físicos (ONEDEF) oficialmente criada em

1984 durante o 1º Encontro Nacional dos Deficientes Físicos (Brasília de 13 a 16 de

Abril de 1984); Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS)

que nasceu no ano de 1987, com as mudanças na antiga Federação Nacional de

Educação e Integrações dos Deficientes Auditivos (FENEIDA), quando os surdos

passaram a gerir a instituição; Federação Brasileira de e para Cegos (FEBEC)

fundada em 1984 e União Brasileira de Cegos (UBEC) criada em 1988, que em 27

de julho de 2008 se uniram para criar a Organização Nacional dos Cegos do Brasil

(ONCB); Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-RIO) criado em 14 de

dezembro de 1988, inspirado nos ideais do Movimento de Vida Independente que se

espalhou pelo mundo, a partir dos Estados Unidos, dando origem no Brasil a outros

CVIs. No dia 28 de maio de 2000 foi criado o Conselho Nacional dos Centros de

Vida Independente do Brasil (CVI-Brasil) que reune os CVIs em âmbito nacional.

(LANNA JUNIOR, 2010).

2.4 A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Apesar do movimento unificado de início da década de 1980 ter se

fragmentado, a força política de reivindicação e pressão permaneceu e isso pode ser

visto a partir das conquistas das pessoas com deficiência durante o processo de

elaboração da Constituição de 1988. A luta pela conquista de direitos se

desenvolveu ao longo da Assembleia Nacional Constituinte (ANC).

92

De acordo com Lanna Junior (2010), por meio da Emenda Constitucional n°

26 de 26 e 27 de novembro de 1985 a Câmara dos Deputados e o Senado Federal

conquistaram poderes constituintes, os quais deveriam se reunir em Assembleia

Nacional Constituinte a partir de 1º de fevereiro de 2007.

O texto constitucional foi elaborado tomando como base os trabalhos

desenvolvidos por 24 subcomissões que integravam outras nove comissões

temáticas. Por força do Regimento Interno da ANC, foram recebidas sugestões de

órgãos legislativos subnacionais, entidades associativas, tribunais, parlamentares.

Foram, ainda, realizadas audiências públicas pelas subcomissões com a finalidade

de ouvir a sociedade; foram apreciadas emendas populares com 30 mil assinaturas;

e ficou estabelecido o voto nominal nas materiais constitucionais. Após o trabalho da

Comissão de Sistematização e o projeto inicial ter sido aprovado nessa Comissão e

enviado para o presidente da ANC, de fevereiro a setembro de 1988, foi motivo de

novas discussões e debates, quando os vários representantes da sociedade civil

defenderam as emendas populares encaminhadas (LANNA JUNIOR, 2010).

Crespo (2009) coloca que as organizações de pessoas deficientes, em todo o

Brasil se mobilizaram para debater, aprovar e depois encaminhar aos constituintes

os preceitos legais que pretendiam vem contemplados na Constituição de 1988. ―O

movimento reuniu milhares de assinaturas necessárias para apresentar, ele próprio,

uma emenda popular contendo suas reivindicações, a qual foi defendida, no dia 28

de agosto de 1987, pelo coordenador da Onedef, Messias Tavares de Souza. Essa

mobilização logrou que muitas das reivindicações do movimento fossem incluídas na

Constituição Federal e, gradativamente, nas constituições estaduais e leis orgânicas

dos municípios.‖ (Idem: 192).

Segundo Vereza (2009), ―No caso específico das pessoas com deficiência,

este foi um momento histórico fundamental para a construção dos alicerces de seus

direitos e deveres enquanto segmento social determinado. Com a nova Constituição

nascem também esteios dos direitos e garantias que ensejam o conceito da inclusão

social e com isto os avanços das políticas públicas alcançadas nos últimos tempos.‖

(Idem: 57).

A união em torno de reivindicações por direitos e bandeiras de lutas que o

movimento das pessoas com deficiência pretendia ver na Constituição de 1988,

nasceu do amadurecimento de ideias ao longo de praticamente uma década, do final

de 1979 e primeira parte da década 1980, quando o movimento cresceu,

93

amadureceu e com a divisão por grupos específicos, desenvolveu dimensões de

identidades. Todo o preparo para o AIPD e os ideais amadurecidos proporcionaram

uma efetiva participação das pessoas com deficiência no encaminhamento de

propostas à Assembleia Nacional Constituinte (ANC) (LANNA JUNIOR, 2010).

Vereza (2009) informa que ―Toda a década de 80 foi dedicada ao segmento para a

definição de conceitos, paradigmas e direitos. Isto nos proporcionou uma forte

consciência de quem éramos, a organização em entidades e movimentos e a

unidade na luta pelos direitos que ainda não estavam garantidos nas legislações em

vigor.‖ (Idem: 58).

Vereza (2009) comenta sobre os encaminhamentos das reivindicações do

movimento junto à ANC: ―A possibilidade de incluir nossas demandas na

Constituição Federal também nos uniu. Nossa primeira incursão foi na Audiência

Pública da Sub-Comissão de Minorias da Constituinte Federal, na Câmara dos

Deputados, no dia 30 de abril de 1987, uma quinta-feira. Lá fizemos a Emenda

Popular elaborada pelo conjunto de entidades nacionais de pessoas com deficiência

da época, que eram Organização Nacional de Entidades de Pessoas com

Deficiência (ONEDEF), Federação Nacional para Integração dos Surdos (FENEIS);

Movimento de Reintegração dos Hansenianos (MORHAN); Federação Brasileira dos

Cegos (FEBEC), Associação Nacional dos Paralisados Cerebrais, entre outras.‖

(Idem, 58-59).

O movimento em defesa das demandas de pessoas com deficiência no texto

constitucional era formado por diversas organizações representativas integradas por

entidades estaduais ou locais de muitos estados do Brasil. Por outro lado, as APAES

também geraram uma Emenda Popular, a partir do movimento da Federação

Nacional das APAES e demais entidades do Sul do Brasil. (VEREZA, 2009, LANNA

JUNIOR, 2010).

Lippo (2009) destaca que antes da Constituição de 1988, a legislação

existente a respeito das pessoas com deficiência espelhava uma concepção

paternalista e assistencialista, cuja temática girava sempre em torno do ―tripé

clássico‖ saúde, educação e assistência social. ―É, portanto, a partir da Constituição

de 1988 que, recolhendo e contemplando o que havia de mais avançado para o

período, quer em termos de tratados internacionais ou mesmo de legislações de

outros países, surge no Brasil o substrato legal que vai possibilitar que, a partir de

sua complementaridade em legislações setoriais ou temáticas, o país possa ter hoje

94

uma posição de destaque no cenário internacional no que se refere a essa

legislação específica.‖ (Idem: 89).

Segundo Lanna Junior (2010), a redação final do texto da Constituição da

República Federativa do Brasil foi aprovada em 22 de setembro e promulgada em 05

de outubro, recebendo o nome de Constituição Cidadã, em razão da participação

popular no processo de sua elaboração. Até então, a referência aos direitos das

pessoas com deficiência, na legislação era a Emenda n° 12, 1978, ou Emenda

Thales Ramalho, que em um único artigo abordava o direito assegurado aos

deficientes, da educação especial e gratuita, assistência, reabilitação e reinserção

social e econômica, proibição quanto à discriminação na admissão ao trabalho ou ao

serviço público, bem como quanto aos salários, possibilidade de acesso aos

edifícios e logradouros públicos.

Lanna Junior (2010) esclarece, ainda, que o movimento das pessoas com

deficiência se articulou de forma efetiva no sentido de que suas demandas fossem

incorporadas ao longo do texto constitucional, evitando-se que estivessem

localizadas no capítulo ―Tutelas Especiais‖ considerado pelo movimento com uma

lógica de segregação. A luta era para incorporar mais do que direitos, distribuídos no

texto constitucional, mas principalmente o princípio da inclusão das pessoas com

deficiência na sociedade. A avaliação do movimento foi positiva, com relação à

estratégia adotada, como explicita Rosangela Berman Bieler e Romeu Kazumi

Sassaki em depoimentos coletados por Lanna Junior (2010). Bieler coloca que

distribuir o tema da deficiência em todos os artigos constitucionais que tratam dos

direitos do cidadão, do direito à saúde, do direito à educação, impede que sejam

colocados em um único local, o que facilita sejam retirados depois. Sassaki entende

que o anteprojeto da Constituição, que estava pronto em 1986, era muito fraco no

que diz respeito às conquistas das pessoas com deficiência. Em uma comparação

com o texto da Constituição de 1988 será possível verificar o quanto houve de

crescimento a partir da luta do movimento das pessoas com deficiência. No

anteprojeto, ainda estava presente aquela visão antiga e paternalista sobre essas

pessoas.

Para se ter uma ideia da importância, do peso político e da luta do movimento

das pessoas com deficiência, ao longo da década de 1980, basta ver o que coloca

Lanna Junior (2010): ―Até o final da década de 1980, as ações do Estado brasileiro

em relação às pessoas com deficiência eram esporádicas, sem continuidade,

95

desarticuladas e centradas na educação. Não havia políticas públicas amplas e

abrangentes.‖ (Idem: 91). Somente a partir de 1986, com a criação da

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

(CORDE), foi que o Estado brasileiro demonstrou interesse e reconhecimento

público pelos direitos das pessoas com deficiência. Mais tarde, em 1993,

estabeleceu a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência;

desde 2003 essa política está vinculada diretamente à Presidência da República por

intermédio da pasta de Direitos Humanos. No mês de outubro de 2009 o CORDE foi

transformado em Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com

Deficiência e em 2010 chegou ao nível de Secretaria Nacional de Promoção dos

Direitos da Pessoa com Deficiência. (LANNA JUNIOR, 2010).

Sobre os direitos das pessoas com deficiência, para Chatt (2010), a

Constituição de 1988 consagrou tanto o princípio da igualdade material, presente no

Art. 3°, quando o princípio da igualdade formal, presente no caput do Art. 5°, do texto

Constitucional. O principio da igualdade material diz respeito aos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil no tocante à erradicação da

Pobreza, a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais.

Piovesan (2010), ao indicar que concomitantemente ao direito à igualdade

tem-se também o direito à diferença como direito fundamental, indica que o respeito

à diferença e à diversidade assegura um tratamento distinto, especial, às pessoas

com deficiência, dentre outras categorias que elenca como vulneráveis. Para tanto,

se destacam três vertentes no que concerne à concepção de igualdade: ―[...] a) a

igualdade formal, reduzida à fórmula ‗todos são iguais perante a lei‘ (que ao seu

tempo foi crucial para a abolição de privilégios); b) a igualdade material,

correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo

critério socioeconômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de

justiça enquanto reconhecimento de identidade (igualdade orientada pelos critérios

de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia, e demais critérios).‖ (Idem: 49).

Quaresma (2010) ao comentar a respeito da igualdade material e da

igualdade formal presentes na Constituição de 1988, coloca que essa cláusula

supralegal, ―[...] robustecida pela fusão dos seus aspectos formal e material, não

apenas impede que seja conferido tratamento desigual aos iguais ou àqueles que se

encontram em uma mesma circunstancia fática, como também impõem sejam

tomadas medidas reparadoras, a partir de um horizonte de isonomia real ou

96

material, visando a redução das desigualdades de fato, através do tratamento

diferenciado àqueles que se encontram em circunstâncias de desigualdade, tal como

ordena a mais basilar das ideias de justiça.‖ (Idem: 931).

Declara, ainda, Quaresma (2010) que o legislador constituinte, impregnado

pelo espírito de isonomia e impulsionado pelos movimentos sociais que naquele

momento estavam bem articulados, dedicou especial atenção à questão referente

aos direitos das pessoas com deficiência, para a qual dispensou um tratamento ―[...]

visivelmente protetivo ao estabelecer normas que não apenas previnem eventuais

discriminações, como também determinam prestações de caráter positivo a serem

realizadas pelo Poder Público.‖ (Idem: 931-932), com o objetivo de integrar esse

contingente de pessoas à vida social. Em razão disso, o legislador constituinte se

preocupou em determinar a obrigação do Poder Público em tratar diferentemente as

pessoas com deficiência, por meio de ações, direitos e deveres, princípios e

diretrizes, que foram positivados em dispositivos constitucionais (QUARESMA,

2002).

Assim tem a Constituição Federal como objetivo aplicar o princípio isonômico,

buscando para isso tratar desigualmente os desiguais ao ―[...] estabelecer um

tratamento especial à pessoa portadora de deficiência para: (i) ingresso no mercado

de trabalho; (ii) acesso diferenciado ao sistema de saúde; (iii) educação

especializada; e (iv) eliminação das barreiras arquitetônicas e culturais (CHATT,

2010, p. 3)

Conforme especifica, Chatt (2010), o princípio da igualdade é o ponto de

equilíbrio entre pessoas normais e pessoas com deficiência, em termos de direitos,

mas que a pessoa com deficiência, pela sua condição, tem direito à quebra dessa

igualdade naquelas situações em que concorra com as pessoas sem deficiência.

Mesmo com todo o esforço do movimento político dos diversos grupos de

pessoas com deficiência ao longo da década de 1980 e períodos posteriores, a

concepção de deficiência que ainda se faz presente na legislação brasileira, a qual

trata da inserção das pessoas deficientes no emprego, está muito atrelada ao

modelo biomédico e não ao modelo social que surgiu como fruto das lutas dos

movimentos das pessoas com deficiência nos Estados Unidos e Inglaterra ao longo

das décadas de 1970 e 1980, abrindo, portanto, possibilidade de novas lutas e

articulações políticas.

97

Os dispositivos legais que foram sendo criados a partir da Constituição

Federal de 1988, com o objetivo de melhorar a situação e a condição de vida das

pessoas com deficiência, que significaram um grande avanço em relação a todo um

período anterior à década de 1980, não dão conta, por si só, de garantir-lhes direitos

e igualdade. São usadas como fatores de discriminação e reforçadores do estigma

que lhes é imputado, pois o próprio conceito de deficiência consagrado na legislação

brasileira e que retrata o modelo médico biológico, pode ser usado como reforçador

do estigma, quando de sua interpretação. Aliás essa seria um importante

direcionamento de reivindicação para o movimento: a inserção nos textos legais de

uma compreensão sociocultural da deficiência em substituição à concepção

biomédica. A acessibilidade como via de inserção social das pessoas com

deficiência é um aspecto bastante negligenciado e que abre perspectivas de lutas e

reivindicações. Nota-se, por exemplo, que nas repartições públicas onde se deveria

dar o exemplo, as situações afrontam o que especifica a legislação protetiva.

Recentemente, em uma unidade da Receita Federal pude visualizar um funcionário

cadeirante com dificuldades para exercer seu trabalho em razão de que a

escrivaninha que lhe foi colocada à disposição não atendia os critérios previstos na

ABNT NBR 9050-2004 com relação à ergonomia e acessibilidade do mobiliário para

cadeirantes.

A questão da representatividade por meio de um movimento próprio das

pessoas com deficiência intelectual é uma situação ainda em aberto e que não foi

resolvida, ensejando debates no movimento. No que tange à legislação protetiva,

existe um grande e longo caminho a ser percorrido até que esteja efetivamente

colocada em prática e que as pessoas com deficiência ou surdas realmente estejam

inseridas no contexto social, principalmente produtivo, de que trata esta tese, mas

em termos de igualdade com os demais. Esse grande e longo caminho suscita

novas perspectivas e lutas políticas para os movimentos das pessoas com

deficiência ou surdas.

98

3 GESTÃO EMPRESARIAL E INSERÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIENCIA

As pessoas com deficiência ou surdas, por meio das suas lutas e

reivindicações, como visto no capítulo dois, conseguiram inserir na Constituição

Federal do Brasil de 1988, dispositivos que lhes passaram a garantir direitos. Dentre

esses direitos, o Estado brasileiro por meio de ações afirmativas expressas em

legislação federal, possibilita-lhes o acesso ao emprego. Contudo como se processa

a inserção dessas pessoas nas empresas? Quais as estratégias que as empresas

se utilizam para inseri-las no processo produtivo? Como as empresas se embasam

para desenvolver os processos de inserção? Neste capítulo pretendo desenvolver

aspectos relacionados a essas questões, de forma a compreender, por meio da

gestão da diversidade, como se caracteriza o estigma da deficiência e como são

criadas as desigualdades nos processos de inserção nas empresas.

3.1 A QUESTÃO DA DIVERSIDADE

Os discursos empresariais sobre diversidade se referem às variáveis como

etnia, gênero, atribuições físicas, escolaridade, crenças, entre tantas outras, que,

para Martinez (2008) ―[...] diferenciam uma pessoa da outra.‖ (Idem: 6).

A diversidade quanto às pessoas com deficiência ou surda é ainda mais

marcante, pois estes estão longe de constituir um grupo homogêneo. A OIT (2006)

aponta que nesse grupo de pessoas são encontradas: ―[...] deficiência física,

auditiva, visual, mental ou intelectual. A deficiência pode ser de nascença

(congênita) ou pode ter sido adquirida na infância, na adolescência ou mais tarde,

durante o período de educação posterior ou no emprego. A deficiência pode ter

impacto reduzido sobre a capacidade de trabalho de seu portador ou pouco interferir

em sua interação com o meio social; ou poderá ter impacto significativo, exigindo

considerável apoio e assistência.‖ (Idem: V). Os dados e informações apresentados

nesta tese sobre pessoas com deficiência ou surdas, no Sistema FIEP confirmam

essa concepção, pois formam um grupo heterogêneo, corroborando para as

estratégias de gestão com base na dissolução das diferenças. A esse respeito,

Paula admite a inexistência de uma política institucional com vistas a tratamentos

diferenciados e adaptados às necessidades das diferentes deficiências com as quais

trabalham no processo de inserção interna. Declara: ―Então, daí na verdade é assim,

99

a gente não tem ainda uma política, uma rotina de procedimentos. A gente tá muito

ainda no caseiro com relação a isso. Não dá pra negar. É muito no individual. [...] As

coisas estão, ainda, no início e funcionam na direção de atender as necessidades

quando elas aparecem, pois não existe um planejamento nesse sentido. Não está

institucionalizado. A gente tem feito um trabalho mais individual e mais caseiro”.8

O discurso sobre diversidade no âmbito organizacional ganha força, também,

em razão da presença crescente das denominadas minorias na composição da força

de trabalho. Segundo Pereira e Hanashiro (2007), em 2020 o grupo majoritário nas

empresas não será mais constituído somente por homens brancos, mas por uma

variedade de trabalhadores. Por exemplo, na Austrália, cresce a participação

feminina na força de trabalho, com previsões de 60% de participação em 2011. Isso

já pode ser sentido no Brasil com o aumento da participação das mulheres nos

níveis gerenciais, de 18% em 2003 para 31% em 2005; dos afrodescendentes no

quadro de executivos, de 1,8% em 2003 para 3,4% em 2005 e o aumento da

participação das pessoas com deficiência, de 3,5 em 2003 para 13,6% em 2005.

Ao se abordar sobre diversidade no contexto organizacional, como

esclarecem Pereira e Hanashiro (2007), deve-se ter claro que o termo é complexo

por não ser imediato e nem unívoco, em razão de que existem pelo menos, três

definições. A primeira delas, a mais utilizada, seria baseada na identidade social, a

partir das diferenças entre grupos. A segunda compreende a diversidade a partir da

identidade pessoal, o que significa considerar as características pessoais que

incluem dimensões como background, personalidade e estilo de comportamento. A

terceira definição, embora pouco explorada, considera a diversidade a partir de uma

mistura na qual são contempladas não apenas as diferenças entre os indivíduos,

mas também similaridades. Do ponto de vista dessas autoras, escrevem elas: ―O

que delimita o conceito de diversidade sob uma ou outra vertente é o que faz com

que as definições sobre o termo sejam diferentes em significado. Na primeira

vertente, o termo diversidade é definido pelas diferenças de um grupo em relação a

outro, o seu principal pressuposto é de que a diversidade é identificada por meio de

atributos ou categorias que fazem essa diferenciação. Na segunda vertente, o termo

é definido pelas diferenças estabelecidas entre os indivíduos; e a terceira vertente é

definida pelas diferenças e similaridades dos diferentes indivíduos, seu principal

8 Depoimento da representante do programa de inserção (foco interno) coletado por mim em 01 de

julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

100

pressuposto é a de concebê-la não como um fenômeno a ser identificado, mas como

um processo a ser compreendido.‖ (Idem: 2).

A diversidade na literatura de administração, para Alves e Galeão-Silva

(2004), está relacionada com ―[...] uma variedade de atributos de indivíduos e

grupos.‖ (Idem: 22). Nessa direção, as organizações deveriam se preocupar em

perceber as qualidades de seus consumidores, colaboradores internos e externos.

Com esse sentido de variedade de atributos individuais e grupais, para

Thomas Junior (1990), ―A diversidade inclui a todos, não é algo que seja definido por

raça ou gênero. Ela estende-se à idade, experiência pessoal e corporativa,

formação, função e personalidade. Inclui estilo de vida, preferência sexual, origem

geográfica, tempo de serviço na organização, isenção ou não de privilégios e

gerência ou não gerência. Ela também aparece claramente nas empresas

envolvidas em aquisições e fusões. Nesse contexto ampliado, homens brancos são

tão diversos quanto seus colegas. Um compromisso com a diversidade é um

compromisso para com todos os empregados, e não uma tentativa de tratamento

preferencial‖ [traduzido pelo autor] (Idem: 10-11)910 .

Nessa concepção de diversidade, nota-se a presença da visão de

homogeneização, sob a qual todos são iguais e devem se sobressair pelo mérito

que definirá aqueles que fazem jus às promoções, e ao desenvolvimento na carreira.

No fundo, a busca é pela eficiência, produtividade e o alcance de resultados, com o

menor custo possível. Ora, do ponto de vista empresarial, implantar uma gestão da

diversidade que contemple as diferenças e atenda as necessidades e

especificidades, em particular, de cada deficiência, tais como: recrutamento e

seleção, integração, treinamento e desenvolvimento, plano de cargos e salários,

plano de carreiras, plano de benefícios, higiene e segurança no trabalho, todos

específicos, elevaria os custos de pessoal. Em função disso, se prioriza uma gestão

baseada no mérito, em que tais despesas deixam de existir ou são minimizadas. 9 ―Diversity includes everyone; it is not something that is defined by race or gender. It extends to age, personal

and corporate background, education, function, and personality. It includes lifestyle, sexual preference, geographic origin, tenure with the organization, exempt or non exempt status, and management or non management. It also shows up clearly with companies involved in acquisitions and mergers. In this expanded context, white males are as diverse as their colleagues. A commitment to diversity is a commitment to all employees, not an attempt at preferential treatment‖. 10

Nos Estados Unidos esses privilégios dizem respeito a alguns direitos trabalhistas previstos no Fair Labor Standards Act (FLSA), Estatuto trabalhista da esfera Federal, que estabelece o salário mínimo, o pagamento de horas extras, a manutenção de registros dos empregados, as normas que tratam do emprego dos jovens no setor privado e público, e a fiscalização do trabalho infantil. O FLSA determina quais são os trabalhadores isentos e os não isentos ―exempt or non exempt status‖ de receberem esses direitos. Disponível em: http://www.dol.gov/whd/flsa/. No Brasil, poderia se compreender como privilégios, os benefícios que são pagos a alguns empregados em razão do cargo que ocupam na hierarquia da empresa.

101

A gestão da diversidade se contrapõe, assim, às ações afirmativas como

políticas destinadas a inserção de chamadas minorias que foram historicamente

discriminadas em uma determinada sociedade, em razão de considerá-las como

inócuas para cumprir com o seu papel, principalmente no que concerne ao emprego,

por não levar em consideração o mérito. Em função disso as empresas, por meio

das práticas de gestão da diversidade, procuram tomar para si esse papel, buscando

tirar vantagens relacionadas a marca institucional, aliando estrategicamente, gestão

da diversidade com responsabilidade social empresarial.

3.2 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

Apesar da Lei n° 8.213/91 já existir há 20 anos, o debate sobre políticas de

ações afirmativas no Brasil é bastante recente. Se instaura mais precisamente,

conforme Oliven (2007), a partir da ―[...] III Conferência Mundial de Combate ao

Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em

2001, em Durban, África do Sul, em que o Brasil se posiciona a favor de políticas

públicas que venham a favorecer grupos historicamente discriminados.‖ (Idem: 40).

Na verdade, o termo ações afirmativas, de acordo com Glazer (2003), surge

nos Estados Unidos a fim de proteger os direitos trabalhistas dos dirigentes e

ativistas sindicais. Aparentemente aparece, naquele país, pela primeira vez na Lei

Nacional de Relações de Emprego de 1935 e estava ligado à discriminação dos

empregadores contra os membros ativos dos sindicatos. No início da década de

1960 o termo passou a ser aplicado na questão da discriminação racial no emprego,

antes da aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964, que instituiu a proibição aos

atos discriminatórios no emprego, nos serviços do governo, em instalações públicas

e em outras áreas dos Estados Unidos. Além de proibir a discriminação, ela

concedeu ao presidente americano poderes para implantar medidas contrárias à

segregação.

A denominação ―affirmative action‖ com o significado e as características que

hoje possui e como uma política oficial de governo, consoante Maclaury (2010), teve

início em 1961 quando o Presidente John F. Kennedy dos Estados Unidos, criou o

Comitê Presidencial de Igualdade de Oportunidades de Emprego (President‘s

Committee on Equal Employment Opportunity – PCEEO) e determinou ações para

102

que todas as pessoas fossem tratadas de forma igual nos empregos contratados

pelo governo federal, sem distinção de raça, cor, sexo, religião, ou nacionalidade.

As ações afirmativas, sob o ponto de vista de Lawrence (2002) e de Willert

(2010) foram reafirmadas como políticas por meio da Lei dos Direitos Civis de 1964,

que tornou ilegal a discriminação racial e sexual. Em 1965, o presidente Lyndon B.

Johnson criou o Conselho Presidencial sobre Igualdade de Oportunidades

(President‘s Council on Equal Opportunity) e determinou a exigência que fosse

incluída nos contratos com todos os empreiteiros e subempreiteiros do governo, uma

cláusula que garantisse a igualdade de oportunidades de emprego para as minorias.

No ano de 1967, as mulheres passam a ser incluídas nas ações. Pauley e College

(2008) entendem que Johnson teve o mérito de ampliar o sentido do termo ação

afirmativa, ao utilizá-lo para redefinir o significado da ideia de igualdade de

oportunidades.

Além dos Estados Unidos, explica Mascarenhas (2008), as ações afirmativas

se estenderam à Europa, principalmente em razão da imigração diversificada. Para

Glazer (2003), com finalidades mais parecidas com as norte-americanas, foram

implantadas em outros países de imigração inglesa como, Austrália, Canadá, Nova

Zelândia, Índia e África do Sul. Thomas Junior (2004) coloca que no seu início as

ações afirmativas estavam voltadas para superar o passado de discriminação contra

os negros, depois foram ampliadas para atenderem às mulheres norte-americanas.

O papel das ações afirmativas foi se direcionando para a proteção aos grupos

minoritários passíveis de discriminação que estariam fora das leis gerais, destinadas

a tratar todos indistintamente, pois as leis votadas pela maioria poderiam oprimir a

minoria, como esclarece Fonseca (2008), ao comentar o Art. 27 – Trabalho e

Emprego, da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Com a mesma percepção, expõe Gomes (2001), ―[...] as ações afirmativas

podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter

compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à

discriminação racial, de gênero ou de origem nacional, bem como para corrigir os

efeitos presentes da discriminação praticada pelo passado, tendo por objetivo a

concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais [...].‖

(Idem: 40). Em vista disso, as ações afirmativas estão baseadas na concepção de

que os fenômenos sociais surgem a partir das interações sociais, não se

constituindo em fenômenos naturais, o que justificaria a intervenção política na

103

reversão da situação de desigualdades e discriminações sociais pelas quais passam

algumas parcelas da população. (COUTINHO, 2006).

Com relação às pessoas com deficiência, elas possibilitam discriminar

positivamente em termos de direito aos bens fundamentais como emprego, trabalho,

educação, moradia, saúde, segurança, benefícios sociais etc., oferecidos e

garantidos pelo Estado aos seus cidadãos. No Brasil as políticas de ação afirmativa

tornaram o emprego uma possibilidade concreta para as pessoas deficientes, a

partir da obrigatoriedade imposta às empresas por meio das cotas previstas no Art.

93 da Lei nº 8.213/91. Contudo, pode-se dizer que a inserção das pessoas com

deficiência no emprego se amplia com a publicação do Decreto n° 3.298/99, que em

seu Art. 36 – §5 instituiu a fiscalização sistemática por parte do Ministério do

Trabalho e do Emprego (MTE) no que diz respeito ao cumprimento das cotas

previstas, pelas empresas. Visando penalizar as empresas infratoras, o MTE baixou

a Portaria n° 1.199/2003 que aprovou as normas para a imposição da multa

administrativa variável, conforme previsão no Art. 133 da Lei n° 8.213/1991.

A legislação federal referente à inserção das pessoas com deficiência ou

surdas tenta aliar emprego e acessibilidade em todos os níveis e setores da

sociedade, garantindo-lhes certa autonomia. Os dispositivos legais de acessibilidade

são complementados pelas Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT) que buscam eliminar todas as barreiras sociais que possam impedir a

inserção de pessoas com deficiências físicas, sensoriais ou intelectuais. Assim, para

MTE (2007): ―O processo de exclusão, historicamente imposto às pessoas com

deficiência, deve ser superado por intermédio da implementação de políticas

afirmativas e pela conscientização da sociedade acerca das potencialidades desses

indivíduos.‖ (Idem: 7).

Esse papel das ações afirmativas em benefício dos grupos discriminados teve

seu reconhecimento internacional a partir da Declaração de Madri, publicada em

março de 2002, conhecida como ―A não-discriminação e a ação afirmativa resultam

em inclusão social.‖ (SASSAKI, 2002).

Em termos internacionais, de mais atual como ação afirmativa, existe a

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela

Organização das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006, que segundo

Fonseca (2008) tem o objetivo de assegurar às pessoas com deficiência, todos os

direitos humanos ―[...] que em razão de barreiras físicas e atitudinais, não alcançou

104

até o presente, direitos mínimos inerentes à liberdade e à dignidade humana.‖ (Idem:

93-94). Em seu artigo 27, alínea ―h‖ ela consagra as ações afirmativas, ao falar dos

programas a serem contemplados nas políticas que promovam o emprego das

pessoas com deficiência no setor privado.

3.3 DIVERSIDADE COMO PRÁTICA DE GESTÃO

O discurso que defende a diversidade nas organizações sob a tutela de uma

gestão pensada para a obtenção de resultados, parte da visão de que as

complexidades existentes no âmbito organizacional por conta de uma força de

trabalho diversa, somente podem ser sanadas mediante uma gestão efetiva dessa

diversidade, mas, voltada ao respeito das diferenças. Interessante apontar que o

debate da questão da deficiência, sob essa dimensão de gestão organizacional, se

insere na tendência indicada por Mascarenhas (2008), de uma crescente

conscientização da sociedade, em seus diversos setores, quanto às desigualdades e

injustiças presentes nas estruturas sociais e, por conseguinte, no seio das

organizações. Lembra esse autor que as primeiras iniciativas de implementação das

políticas afirmativas, voltadas a diminuir as desigualdades, eram justificadas por

imperativo moral, ou seja, da superação das injustiças, não tendo sido apropriada

pelo stablishment capitalista ligando-as com possíveis vantagens econômicas ou

competitivas, sem contar aquelas decorrentes dos incentivos governamentais.

Todavia, durante a década de 1990 esta interpretação passou a considerar o papel

proativo que deveria ser desempenhado pelas empresas na promoção da justiça

social se direcionando, mais recentemente, para a responsabilidade social

organizacional, com a qual procuram ligar seus programas de gestão da diversidade

da força de trabalho.

O surgimento ou emergência da retórica da diversidade como vantagem

competitiva nos Estados Unidos, segundo Mascarenhas (2008), no campo da

administração coincidiu com a diminuição das políticas de ação afirmativa que

vinham sendo desenvolvidas, naquele país. A diversidade como vantagem

competitiva possibilitava a abertura de ―[...] caminhos alternativos à inserção de

minorias em uma sociedade meritocrática.‖ (Idem: 35).

O que se conhece atualmente como gestão da diversidade nas empresas

teve sua origem a partir da contestação do papel das chamadas ações afirmativas

105

em efetivamente inserir as minorias no contexto das organizações privadas.

Segundo Alves e Galeão-Silva (2004), a gestão da diversidade ―[...] diz respeito a

uma prática gerencial que pretende substituir ações afirmativas e práticas de equal

employment opportunity – acesso igualitário ao trabalho.‖ (Idem: 22). Geralmente a

gestão da diversidade tem sido defendida com base em duas crenças principais: a

primeira está relacionada a que os programas internos das empresas direcionados à

diversidade teriam um foco social mais justo do que as políticas de ação afirmativa

de caráter impositivo ligadas a legislação e que remontam às lutas pelos direitos

civis nos Estados Unidos durante os anos de 1960 e 1970, em razão de estarem

sustentados na meritocracia e, portanto, não em favorecimento; a segunda diz

respeito à crença de que uma boa gestão da diversidade nas organizações

possibilitaria o desenvolvimento da vantagem competitiva, o que poderia permitir um

aumento do desempenho da organização no mercado em que opera, favorecida

pela multiculturalidade do ambiente interno, pela diversidade de membros com

habilidades e experiências distintas (Idem).

Alves e Galeão-Silva (2004) colocam que de forma genérica a gestão da

diversidade pode ser compreendida como ―[...] a adoção de medidas administrativas

que garantam que os atributos pessoais, ou de grupo, sejam considerados recursos

para melhorar o desempenho da organização.‖ (Idem: 22). Estes princípios

presentes nos artigos pioneiros sobre o tema nos Estados Unidos defendiam que a

adoção da gestão da diversidade resulta, primeiramente, no restabelecimento do

princípio da meritocracia e, como consequência, traz benefícios econômicos para as

pessoas e a organização. (Idem).

A expressão ―gestão da diversidade‖ foi utilizada primeiramente por R.

Roosevelt Thomas (1990), em um artigo que escreveu para a Harvard Business

Review, no qual fazia a defesa da substituição das políticas de ação afirmativa pela

gestão da diversidade, em razão de que, segundo sua ótica, era necessário

modificar a perspectiva de inclusão das minorias nas empresas norte-americanas,

pois as ações afirmativas contrariavam o princípio da meritocracia, o que servia de

mau exemplo para os jovens dos grupos discriminados no gerenciamento de suas

carreiras, pois estes e demais funcionários, considerariam como não merecidas as

promoções daqueles beneficiados pelas ações afirmativas. (Idem).

Os primeiros a apontarem e defenderem as vantagens da gestão da

diversidade em termos de desempenho econômico, tais como redução de custos

106

com ―turnorver‖ e absenteísmo (principalmente no tocante àqueles que são

incluídos), atração de funcionários com talento para a empresa, aumento da

criatividade e inovação, incremento na capacidade de resolução de problemas,

maior flexibilidade do sistema administrativo, foram Taylor Cox Jr. e Stacy Blake, em

1991. A partir daí, o viés gerencialista do conceito de diversidade ganhou impulso e

teve seu desenvolvimento auxiliado por mudanças na economia e política norte-

americanas. Durante o período Reagan, em função do neo-conservadorismo que

marcou seu governo, as ações afirmativas foram enfraquecidas como instrumento,

além disso, novos grupos sociais como os imigrantes latinos e asiáticos, passaram a

pressionar por direitos iguais aos dos negros. (Idem).

Deve-se ter claro, contudo, que não existe uma maneira única de gerir a

diversidade. Pereira e Hanashiro (2007) explicam que as diferentes concepções de

diversidade delimitam as abordagens sobre gestão da diversidade que se

direcionam por dois caminhos. Na abordagem da gestão da diversidade com foco na

dissolução das diferenças no contexto organizacional, a gestão da diversidade para

ser efetiva não deve considerar as diferenças de identidade social que existem entre

os indivíduos, mas sim a identidade pessoal, pois o importante é o mérito e a

competência de cada um, independentemente de quem ele seja. Sob esta

abordagem, entende-se que deverão ser desenvolvidas práticas e políticas

organizacionais sob as quais as diferenças entre os indivíduos são ignoradas,

associadas à identidade social de raça, gênero, idade etc.

Essas práticas e políticas, mais precisamente no campo da gestão de

pessoas, são denominadas por Konrad e Linnehan (1995) de identity-blind ou color-

blind e sob esse viés, os processos de gestão guiariam as decisões voltadas para

um tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem levar em conta preferências ou

suas particularidades. Os órgãos de recursos humanos seriam constituídos visando

a mensuração rigorosa do mérito individual, recompensas distribuídas com base no

mérito apontado, ampliação do grupo de pessoas destinadas à distribuição das

recompensas.

Portanto, para os autores adeptos dessa visão, o pressuposto básico está em

que todos têm oportunidades iguais nas empresas. Não importa quem é o indivíduo,

mas que ele seja competente e efetivo em gerar os resultados esperados. Esta

abordagem compreende que as diferenças existentes entre as pessoas se

constituem em peças singulares que juntas constituem uma espécie de mosaico que

107

forma a organização. Comentam Pereira e Hanashiro (2007) que cada parte desse

mosaico ―[...] é conhecido, aceito e tem um lugar na estrutura‖ (Idem: 5). Na visão de

Kandola e Fullerton (1994 p. 49), Mosaic, diz respeito à: “Misson and Value;

Objective and fair processes; Skilled workforce, sware and fair; Active flexibility;

Individual focus; Culture that empowers.” (Idem: 49).11

De acordo com Pereira e Hanashiro (2008), na prática isso representaria:

―Missão e valores que procurem valorizar as necessidades de todos os empregados

e não somente as dos considerados diversos; Objetividade e processos justos, em

que o recrutamento e seleção, promoções e avaliações sejam auditados para

assegurar que não há protecionismo e sejam justos para todos; Reconhecimento

das habilidades e de seu desenvolvimento em toda a força de trabalho como

necessários para o crescimento da organização; Flexibilidade de modelos de

trabalho, de locais de trabalho, de benefícios para todos e não somente para alguns

grupos específicos; Foco no indivíduo; Um modelo de cultura que possibilite aos

indivíduos tomar decisões, participar e ser encorajados a ouvir e a agir entre eles.‖

(Idem: 3).

Na abordagem em que a gestão da diversidade está focada na valorização

das diferenças entre as pessoas considerando as características grupais a que os

indivíduos pertencem, as diferenças de identidade social são relevantes e devem ser

Levadas em consideração a ―[...] partir das características dos grupos sociais a que

os indivíduos pertencem, tais como raça, gênero etc.‖ (Idem: 4). Nessa abordagem

considera-se que a competitividade organizacional será alcançada a partir da

valorização das diferenças e dos diferentes grupos sociais. O pressuposto básico

dessa abordagem é que nem todos têm a mesma igualdade de oportunidades e que

em função disso, estas devem ser criadas e ter o seu acesso facilitado. Como

consequência, as políticas de recursos humanos deverão contemplar as diferenças

grupais. (Idem).

No Brasil as práticas de gestão da diversidade vêm sendo difundidas e

incentivadas principalmente pelas empresas de origem norte-americanas. Para as

empresas brasileiras, verifica-se que a divulgação destas práticas ocorre

11 ―Missão e Valores; processos objetivos e justos; força de trabalho qualificada,

comprometida e esclarecida; flexibilidade ativa; foco individual; Cultura que capacita‖

(tradução do autor).

108

principalmente por meio dos movimentos sociais antidiscriminação e de

responsabilidade social das empresas (ALVES e GALEÃO-SILVA, 2004). Isto pode

ser verificado a partir do Indicador Ethos de Responsabilidade Social, na parte que

trata sobre o público interno, no qual estão contemplados indicadores a respeito da

gestão da diversidade, mais especificamente sobre: raça, etnia, idade, gênero,

religião, orientação sexual, origem geográfica, classe social, aparência física.

(ETHOS, 2007).

Considerando-se as duas abordagens de gestão da diversidade apresentadas

por Pereira e Hanashiro (2007), verifica-se que o Sistema FIEP adota uma forma de

gestão com base na dissolução das diferenças no ambiente corporativo e promove a

inserção das pessoas com deficiência por intermédio de dois programas: O

Programa Aprendendo com a Diversidade e O Programa Gestão da Diversidade

(Ênfase na Pessoa com Deficiência – PcD).

3.3.1 O Programa Aprendendo com a Diversidade do Sistema FIEP

O Programa Aprendendendo com a Diversidade tem o objetivo de inserira as

pessoas com deficiência no ambiente interno do Sistema FIEP, preparando-os para

fazerem parte do seu quadro de funcionários.

Esse programa surgiu, segundo Oliveira et al (2010), a partir de uma iniciativa

da Diretoria de Recursos Humanos do Serviço Social da Indústria (SESI) em uma

conversa informal com outro gestor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI). Em entrevista sobre as finalidades do Programa Aprendendo com a

Diversidade, Paula, sua representante declarou que esse programa inicialmente fo

criado “[...] considerando as necessidades do SESI(PR) e SENAI(PR) no

cumprimento de cotas e a dificuldade de pessoas capacitadas para contratação‖12.

Para isso a proposta inicial estava na criação de um programa que nasceu com a

finalidade de capacitar as pessoas deficientes para contratá-las. Visava, ainda, a [...]

ampliação do convívio com as pessoas com deficiência no âmbiente do trabalho13. A

capacitação das pessoas com deficiência era necessária em razão das qualificações

exigidas para o cargo de auxiliar administrativo para o qual seriam contratadas, mas

12

Depoimento colhido por mim com a representante do programa de inserção do Sistema FIEP (foco interno), no

dia 01 de julho de 2011, na cidade de Curitiba-PR. 13

Idem

109

a preocupação estava, também, na inserção dessas pessoas no ambiente de

trabalho da melhor maneira possível, de forma a minimizar ao máximo, o impacto

entre as partes que não tinham vivenciado essa experiência: funcionários,

deficiêntes e surdos. Dentre as medidas tomadas para favorecer a maior inserção,

criou-se a tutoria, que consiste no treinamento de um funcionário ou funcionária que

se predisponha a ser uma espécie de padrinho para a pessoa deficiente, a fim de

orientá-la e auxiliá-la até que se sinta segura e à vontade no ambiente de trabalho e

na execução das suas tarefas.

O discurso de Paula reflete três objetivos principais do programa em questão

e que devem ser ressaltados. O primeiro está relacionado à necessidade do

cumprimento das cotas pelo Sistema FIEP, pois está abaixo do estabelecido em lei.

O segundo diz respeito à qualificação das pessoas com deficiência que segue ao

discurso empresarial de que as pessoas, quer sejam deficientes ou não, precisam

estar qualificadas para o trabalho, no caso específico, a área administrativa. Isso fica

evidente em outro momento da entrevista quando Paula faz referência ao grupo de

pessoas que foi inserido na primeira ediçao do programa e explica que: As maiores

dificuldades eram a questão da Língua Portuguesa e da Matemática. Básico do

básico. Lembro que no programa a gente pensou em não deixar um grande número

de carga horária de português e matemática, porque eles já têm segundo grau. Mas

a gente via erros assim como: o “nóis fazemo”, então isso vem das dificuldades e da

defasagem escolar com a qual vem pro mercado de trabalho.14 Além dos conteúdos

de português e matemática, foram incluídos conteúdos e práticas de informática. O

terceiro está ligado à necessidade de melhorar o convívio entre as pessoas com

deficiência e sem deficiencia no processo de inserção, considerando-se as

dificuldades de aceitação de ambas as partes para uma situação nova na instituição.

O programa que teve início em 2007 e que não atendia deficientes

intelectuais, foi reformulado em 2010 para atender as exigências jurídicas quanto à

contratação do menor Aprendiz e das Pessoas com Deficiência, no Sistema FIEP.

Este programa foi concebido de maneira a envolver as competências técnico-

educacionais de duas entidades, SESI/PR e SENAI/PR, reafirmando a dimensão de

responsabilidade social do Sistema FIEP, que se traduz em ―promover o

14

Idem

110

desenvolvimento industrial sustentável do Paraná‖, respondendo às políticas

inclusivas.

Com tal intuído e objetivando a igualdade de oportunidades diante das

diferenças e da diversidade, o programa foi ampliado e passou a ser denominado

―Programa Aprendendo com a Diversidade para Pessoas com Deficiência Intelectual

na Área Administrativa‖. Neste novo direcionamento, como explicam Oliveira et al

(2010) a proposta passou a ser ―[...] planejada e organizada entre o SESI, SENAI e a

Escola Especial Bom Jesus [...] e envolve [...] o alinhamento conjunto das ações

desde o planejamento e organização metodológica do Curso de Aprendizagem

Auxiliar Administrativo a ser ministrado pelo SENAI, inserção dos alunos nas

atividades teóricas e práticas do curso e acompanhamento das atividades inerentes

ao programa no SESI e SENAI. Um modelo de ação que contribui para que as

pessoas com deficiência intelectual possam com os recursos institucionais

existentes [no] Sistema FIEP e somados a experiência e conhecimento pleno da

Escola Especial Bom Jesus, conhecer, aprender, capacitar-se e conquistar o espaço

que tem direito no mercado de trabalho.‖ (Idem: 01).

Tanto na primeira como na atual versão, a formatação desse programa

envolve a oferta de cursos de auxiliar administrativo com 624 horas distribuídos em

quatro semestres, a efetivação de contrato de aprendizagem capacitação e

sensibilização dos funcionários do Sistema FIEP com vistas à inclusão de pessoas

com deficiência, indicação e escolha dos funcionários que atuarão como tutores dos

aprendizes durante o período de aprendizagem prática, e inserção nas equipes de

trabalho, a orientação, o apoio e acompanhamento dos tutores por meio de reuniões

e encontros periódicos, e a inserção gradativa das pessoas com deficiência no

ambiente organizacional do Sistema FIEP.

Conforme informações obtidas junto à Paula, representante do Programa, a

diferença entre uma versão e outra está em que os participantes do ―Programa

Aprendendo com a Diversidade‖ em 2007 foram contratados com base na Lei

8.213/91 (Lei de Cotas) e na atual versão são contratados, inicialmente, com base

na Lei de Aprendizes para posteriormente serem contratados com base na Lei de

Cotas. Porém o conteúdo e a estrutura do programa, basicamente, não se

alteraram.

O grande objetivo, na verdade, na alterarão do programa é criar alternativas

para que o Sistema FIEP possa cumprir com a cota de 5% de inserção de pessoas

111

com deficiência. Como objetivos secundários está o sentido de utilidade dessas

pessoas para o Sistema FIEP, não o simples fato de cumprir a cota, mas torná-las

produtivas de acordo com a visão que embasa o sistema capitalista. A inserção (na

desigualdade) ocorre com base na contrapartida – da produtividade – ou mediante

os recursos intelectuais e competências com os quais a organização empresarial

espera contar para construir sua vantagem competitiva no mercado. O sentido de

utilidade, também, pode ensejar numa perspectiva mais otimista a realização do

indivíduo por meio do trabalho, mas mesmo assim está implícita a contrapartida

expressa pelo retorno esperado em forma de dedicação à organização que lhe

proporciona bem estar, condições e meios de realizar seu potencial na condição de

trabalhador assalariado.

3.3.2 O Programa Gestão da Diversidade (Ênfase na Pessoa com Deficiência –

PcD) do Sistema FIEP

Segundo informações coletadas junto à Hanna, representante do Programa

Gestão da Diversidade (Ênfase na Pessoa com Deficiência – PcD), trata-se de um

programa de consultoria criado para atender as necessidades dos sindicatos e

empresas parceiras do Sistema FIEP, que possibilita uma série de açoes que variam

de acordo com o nível em que se encontra o parceiro na contratação de pessoas

com deficiência. O objetivo principal, explicitado no depoimento da representante do

programa, [...] é criar uma cultura de valorização da diversidade, para em

consequência disso você cumprir cotas.15

A idéia é criar uma mentalidade nas empresas propícia à diversidade,

favorecendo a inserção dos diferentes para que possam realizar seu potencial. Este

programa está sob a responsabilidade do SESI/PR e tem como finalidade promover

o relacionamento entre as indústrias e as pessoas com deficiência visando a sua

inserção nos vários setores produtivos. Em sua operacionalização, é desenvolvido

um diagnóstico funcional dos postos de trabalho para o levantamento da

compatibilidade entre as deficiências e as funções a serem executadas e verificação

das condições de acessibilidade na empresa; realização de ―workshops‖ e cursos de

15

Depoimento colhido por mim com a representante do de inserção do Sistema FIEP (foco externo) , no dia 01 de julho de 2010, na cidade de Curitiba-PR.

112

capacitação com as equipes de recursos humanos para atender aos processos de

recrutamento e seleção de pessoas com deficiência e de surdas; realização de

palestras de sensibilização com os demais funcionários da empresa; criação de um

comitê gestor e desenvolvimento de entrevistas para acompanhamento do processo;

monitoramento dos indicadores de recursos humanos (absenteísmo, rotatividade,

ausentísmo, adaptação ao trabalho etc.); qualificação das pessoas deficientes e das

surdas por parte do SENAI/PR.

Os dois programas buscam reafirmar os valores do Sistema FIEP: Respeitar

(tratar as pessoas com dignidade e aceitar que cada ser humano é único, tem uma

vocação e um valor próprio); Inovar (olhar cada tarefa, processo e produto com

carinho e uma perspectiva nova e, se preciso, reinventá-la); Confiar (acreditar no

outro e valorizar sempre o que ele tem a oferecer); Dialogar (troca significativa de

entendimentos, energias e experiências); Ser Ético (ter princípios na condução da

vida e das relações); Meu Valor (pessoa, minha contribuição ao trabalho na FIEP).

Além dos valores, guardam estreita ligação com o Código de Ética do Sistema FIEP

que tem, dentre outros, em sua declaração de princípios o ―desenvolvimento

sustentável, social e econômico, do Paraná e do Brasil, fortalecendo a indústria, em

colaboração com as entidades parceiras e a comunidade em geral‖. (SISTEMA

FIEP, 2011).

3.4 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA NO BRASIL PARA A INSERÇÃO NO EMPREGO

A visão empresarial a respeito da deficiência e da surdez abre possibilidades

distintas de inserção dessas pessoas nas empresas e no seu processo produtivo:

pelo caminho da valorização das diferenças, pela dissolução das diferenças, ou pela

combinação dessas duas formas de gestão da diversidade. Não obstante, no que

concerne às pessoas com deficiência e pessoas surdas, a inserção se fará mediante

a compreensão legal do que vem a ser deficiência ou surdez.

A inserção das pessoas com deficiência ou surdas, no Sistema FIEP e, por

conseguinte nas empresas afiliadas à Federação das Indústrias do Paraná (FIEP),

está alicerçada nas definições sobre deficiência física, sensorial e intelectual,

presentes na legislação federal brasileira que se desenvolveram ao longo do tempo.

113

Em 1980, a OMS publicou em inglês a Classificação Internacional das

Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (International Classification of

Impairments, Disabilities and Handicaps, ICIDH), com a finalidade de submetê-la a

teste, seguindo a recomendação da Conferência para a Revisão de 1975 e a

resolução WHA29.35 da Assembleia Mundial da Saúde de 1976. (OMS, 2008). A

ICIDH tomou como base o modelo médico, ou individual, de interpretação da

deficiência e se tornou o mais importante sistema de classificação no processo de se

chegar a uma conceituação do termo (HI; CBM, 2006). A ICIDH trazia a definição de

três elementos: deficiências, incapacidades e desvantagens (impairments,

disabilities and handicaps). (Idem).

Destacam Diniz et al. (2007) que o objetivo da ICIDH, além da unificação da

terminologia da linguagem biomédica sobre lesões e deficiências (uma linguagem

universal) era proporcionar uma padronização para fins comparativos e de política

de saúde. A deficiência, pela ICIDH, era olhada somente pelo seu aspecto

biomédico segundo a qual ―[...] haveria uma relação de causalidade entre

impairments (perdas ou anormalidades corporais), disabilities (restrições de

habilidade provocadas por lesões) e handicaps (desvantagens resultantes de

impairments ou disabilities).‖ (Idem: 2507).

Na concepção da ICIDH, expressam HI e CBM (2006), a incapacidade diz

respeito à condição física da pessoa, relacionado à anormalidade funcional ou

estrutural do seu corpo. Enquanto deficiência seria a limitação de uma atividade

devido à incapacidade refletindo no desempenho social das pessoas com deficiência

ou surdas, assim as limitações nesse desempenho estão diretamente relacionadas à

incapacidade, à deficiência ou com ambas ao mesmo tempo. Nessa concepção, a

incapacidade define as desvantagens e deficiência que pode ocasionar, diretamente,

uma desvantagem, mesmo sem haver deficiência.

O documento da OMS, para Diniz et. al. (2007) representou, portanto,

retrocesso no debate sobre a deficiência, ao trazer à tona, por exemplo, a ideia de

anormalidade, que pode conduzir, às estigmatizações decorrentes de uma visão

biomédica da deficiência. Isso incentivou as discussões a respeito do modelo social

da deficiência, proporcionando o seu aperfeiçoamento e a ampliação do debate para

neutralizar o crescimento do modelo biomédico demonstrando as fragilidades da

ICIDH no enfrentamento das questões políticas e sociais decorrentes da condição

de deficiência.

114

Revelam Diniz et. al. (2007) que a principal crítica dos defensores do modelo

social da deficiência era a de que esse documento aproximava a deficiência das

doenças, revelando-se num dos seus aspectos negativos, o que afastava, portanto,

o debate do campo sociológico. Os críticos do documento demonstraram que se

tratava de uma tentativa camuflada de retomar a medicalização do corpo com

lesões. Caracterizava-se como um documento que não fora elaborado pelos

defensores dos direitos das pessoas com deficiência, eivado de erros e vieses,

principalmente quanto às concepções de normalidade para os deficientes. O ICIDH

sofreu revisões em 1990, quando contou com uma participação bastante intensa das

diversas entidades acadêmicas e dos movimentos sociais das pessoas com

deficiência.

A discussão permitiu a contraposição entre o modelo médico e o modelo

social da deficiência, resultando na publicação da International Classification of

Functioning, Disability and Health (ICF), aprovada pela Resolução WHA 54.21 de 22

de Maio de 2001 (DINIZ, 2007, SQUINCA, 2008). A ICF também conhecida como

ICIDH-2 ou Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

(CIF), publicada em 2002 tem o objetivo geral de apresentar uma classificação com

a finalidade de unificar e padronizar, bem como oferecer uma estrutura de trabalho

para a descrição da saúde e dos estados a ela relacionados. A OMS (2004) aponta

que ―A classificação define os componentes da saúde e alguns componentes do

bem-estar relacionados com a saúde (tais como educação e trabalho).‖ (Idem: 7).

A partir dessa classificação, que ainda sofreu muitas críticas, a deficiência

deixou de ser considerada simplesmente como consequência de doenças, tornando-

se uma questão pertencente aos domínios da saúde como uma tentativa de se unir

os modelos médico e social da mesma. (DINIZ et. al., 2007; SQUINCA, 2008). Farias

e Buchalla (2005) lembram que a CIF está baseada em uma abordagem

biopsicossocial que busca incorporar os componentes de saúde nos níveis corporais

e sociais. A OMS (2004) expressa que ―[...] um domínio é um conjunto prático e

significativo de funções relacionadas com a fisiologia, estruturas anatômicas, ações,

tarefas ou áreas da vida.‖ (Idem: p.7). Em sua estrutura básica, a CIF tem duas

partes com dois componentes cada. Na primeira parte que trata da funcionalidade e

incapacidade, estão agrupados: componentes funções do corpo e estrutura do

corpo, atividades e participação. Na segunda parte que aborda os fatores

contextuais, estão agrupados: fatores ambientais e fatores sociais. Esses

115

componentes podem ser expressos em termos positivos ou negativos. ―Cada

componente contém vários domínios e em cada domínio há várias categorias, que

são as unidades de classificação. A saúde e os estados relacionados com a saúde

de um indivíduo podem ser registrados através da seleção do código ou códigos

apropriados da categoria e do acréscimo de qualificadores, códigos numéricos que

especificam a extensão ou magnitude da funcionalidade ou da incapacidade naquela

categoria, ou em que medida um fator ambiental facilita ou constitui um obstáculo.‖

(Idem: 13-14).

Em suas mudanças, a CIF propõe os termos atividade e participação para

substituir àqueles outrora utilizados na ICIDH – deficiência, incapacidade e limitação

(desvantagem) – e ampliaram o âmbito da classificação permitindo a descrição de

experiências positivas. Tais termos, contudo, são usados com significados

específicos nas finalidades da CIF, tendo conotação diferente daquela do seu uso no

dia a dia. (OMS, 2004). Outra possibilidade que a CIF traz diz respeito ao termo

funcionalidade, que se refere a todas as funções do corpo, atividades e participação.

Igualmente, faz-se uso do termo incapacidade para incluir deficiências, limitação da

atividade ou restrição na participação. Para Farias e Buchalla (2005), a descrição de

funcionalidade e incapacidade constantes na CIF está relacionada ―[...] às condições

de saúde, identificando o que uma pessoa ‗pode ou não pode fazer na sua vida

diária‘, tendo em vista as funções dos órgãos ou sistemas e estruturas do corpo,

assim como as limitações de atividades e da participação social no meio ambiente

onde a pessoa vive.‖ (Idem: 189). Além disso, para a OMS (2004), CIF ―[...] relaciona

os fatores ambientais que interagem com todos estes construtos. Neste sentido, a

classificação permite ao utilizador registrar perfis úteis da funcionalidade,

incapacidade e saúde dos indivíduos em vários domínios.‖ (Idem: 7).

Sob essa concepção, a deficiência passou a ser considerada como

disfuncionalidade em um ou mais níveis, desde a diminuição da capacidade (no

sentido de problemas nas funções e estruturas corporais), até a limitação à atividade

e as restrições à participação. Conforme apontam HI e CBM (2008) ao se fazer uso

do termo funcionalidade se atribui menor ênfase às deficiências dos indivíduos e se

passa a reconhecer uma continuidade de um estado de saúde. Atribui-se menor

destaque às deficiências individuais de uma pessoa e se reconhece a continuidade

de seu estado de saúde.

116

Farias e Buchalla (2005) indicam que funcionalidade é, portanto, o termo

chave da CIF, sendo utilizada para ressaltar o aspecto positivo e incapacidade para

o aspecto negativo. Há de se destacar que na análise das situações, a própria CIF

especifica que é complementar à Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e

que com ela atua em conjunto. Conforme a OMS (2004), ―Nas classificações

internacionais da OMS, os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.)

são classificados principalmente na CID-10 (abreviatura da Classificação

Internacional de Doenças, Décima Revisão), que fornece uma estrutura de base

etiológica. A funcionalidade e a incapacidade associados aos estados de saúde são

classificadas na CIF. Portanto, a CID-10 e a CIF são complementares.‖ (Idem: 5).

Resumidamente, o SENAC (2002) enuncia que a dimensão ―funções e

estruturas do corpo― está relacionada às funções de caráter fisiológico ou psicológico

do corpo humano e às partes anatômicas, os órgãos, os membros, os sistemas, os

componentes do corpo humano. A dimensão ―atividade― diz respeito ao desempenho

de um indivíduo em uma tarefa ou ação e às limitações de atividades que

correspondem àquelas dificuldades individuais que podem existir no desempenho

das atividades. A dimensão ―participação― corresponde ao envolvimento pessoal nas

situações de vida relacionadas às condições de saúde, funções e estrutura do corpo

humano, atividades e demais fatores contextuais, e às restrições de participação que

estão ligadas aos problemas individuais que podem existir para se incluir ou se

envolver em uma dada situação de vida.

A CIF, na sua nova versão, teve o mérito de indicar os fatores do meio, dentre

os quais o meio físico, as atitudes, os serviços e políticas, como aqueles que têm a

finalidade de facilitarem ou restringirem o potencial de uma pessoa para se inserir na

vida cotidiana. Como indica HI e CBM (2008) a CIF não toma como base nem o

modelo médico e nem o modelo social como válidos, de forma isolada. A

compreensão que norteia a CIF entende a deficiência como um sistema complexo,

com elementos que ocorrem no nível físico individual combinados com a estrutura

da sociedade. O modelo biopsicológico de interpretação da deficiência presente na

CIF, por enquanto não se encontra estabelecido e não é utilizado como referência

por trabalhos acadêmicos. Segundo a WHO (2002) o modelo apresenta uma visão

coerente das diferentes perspectivas de saúde: biológica, individual e social. Farias

e Buchalla (2005) explicam que cada uma dessas perspectivas agirá e sofrerá a

ação das demais sofrendo, todas, a influência dos fatores ambientais.

117

Além dos avanços possibilitados em termos conceituais, a CIF se

transformou em uma ferramenta de planejamento para os decisores. Em conjunto

com as novas compreensões proporcionadas por esta classificação, a OMS publicou

uma lista de verificação com a finalidade de medir o nível de funcionalidade de uma

pessoa. Esta lista, ou ―checklist‖ ―[...] reúne, não apenas dados médicos, mas

também dados sociais, e os tópicos se referem ao estado de saúde, à atividade e à

participação.‖ (HI; CBM, 2006).

Presentemente, existem duas correntes teóricas que tratam da conceituação,

e consequente classificação da deficiência: a Classificação Internacional de

Deficiências, Atividades e Participação (ICIDH-2), ou CIF, desenvolvida pela

Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Disability Adjusted Life Year (DALY), (ano

de vida ajustado pela incapacidade) desenvolvido pela Escola de Saúde Pública de

Harvard, em nome da OMS e do Banco Mundial. A ICIDH-2 é a mais considerada

para o desenvolvimento e implantação de políticas voltadas à deficiência e para

pesquisas relacionadas ao tema. (METTS, 2002).

Com relação aos conceitos de deficiência utilizados pelos organismos

internacionais, verifica-se que para a Organização Internacional do Trabalho (OIT),

―[...] entende-se por ‗pessoa deficiente‘ todas as pessoas cujas possibilidades de

obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem

substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental

devidamente comprovada.‖ (Convenção n° 159, OIT, 1983).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006) no documento Gestão

de Questões Relativas à Deficiência no Local de Trabalho especifica que a pessoa

com deficiência ―[...] é o indivíduo cujas perspectivas de obter emprego apropriado,

reassumi-lo, mantê-lo e nele progredir são substancialmente reduzidas em virtude

de deficiência física, auditiva, visual, intelectual ou múltipla, devidamente

reconhecida, agravadas pelas dificuldades locais de inclusão no mundo do trabalho.‖

(Idem: 5); a deficiência seria ―[...] toda perda ou anormalidade de uma função

psicológica, fisiológica ou física.‖ (Idem: 6).

Entre as duas concepções é possível verificar que o modelo biomédico

prevalece na Convenção n° 159/83 e o modelo biopsicossocial da CIF 2002 embasa

a definição presente no documento Gestão de Questões Relativas à Deficiência no

Local de Trabalho (OIT, 2006), quando se refere às dificuldades locais, ou seja, ao

ambiente.

118

A Organização das Nações Unidas (ONU) entende que ―[...] pessoas com

deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,

mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,

podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de

condições com as demais pessoas.‖ (Resolução A/61/106, de 13/12/06 – ONU),

entendimento este em conformidade com o modelo social da deficiência.

Em termos de Brasil, para efeitos de reserva legal de cargos previstos pela

Lei de Cotas (Lei 8.213/91), segundo o Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE),

a definição de deficiência segue a constante no Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro

de 1999, atualizado pelo Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001, alinhados à

―Convenção nº 159/83 da OIT e à Convenção Interamericana para a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência,

também conhecida como Convenção da Guatemala, promulgada pelo Decreto nº

3.956/2001. Ambas conceituam deficiência, para fins de proteção legal, como uma

limitação física, mental, sensorial ou múltipla, que incapacite a pessoa para o

exercício de atividades normais da vida e que, em razão dessa incapacitação, a

pessoa tenha dificuldades de inserção social.‖ (MTE-SIT, 2007, p.20). Todavia,

lembra Ribas (2007), ―[...] as definições que encontramos na legislação brasileira

atual [...] não toma como referência os documentos da OMS. Portanto, em se

tratando da maneira de compreender as pessoas com deficiência, a legislação

brasileira vigente e as publicações internacionais encontram-se em dissonância.‖

(Idem: 18).

O texto legal mais atual, no Brasil, a respeito de deficiência, é o Decreto n°

5.296, de 02 de dezembro de 2004 que fez uma reanálise das definições de

deficiência. Mas, de acordo com Ribas (2007), ―[...] ainda que em alguns aspectos

seja um avanço legal, ele sustenta-se numa visão médica da deficiência e não numa

visão sociocultural. Assim não nos convida a relativizar. Simplesmente tacha, rotula.‖

(Idem: 18). A legislação brasileira, além dos textos da OMS, está em dissonância

com a Resolução A/61/106, de 13/12/06 da ONU – Convenção dos Direitos das

Pessoas com Deficiência, apesar de em conjunto com seu Protocolo Facultativo,

terem sido ratificados pelo Congresso Nacional em 09/07/2008 pelo decreto

legislativo nº 186/2008.

Assim, de conformidade com o Decreto n° 3.298/99, o qual regulamenta a Lei

n° 7.853, de 24 de outubro de 1989 e dispõe sobre a Política Nacional para a

119

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, tem-se que: ―I – deficiência – toda

perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou

anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do

padrão considerado normal para o ser humano; II – deficiência permanente – aquela

que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não

permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos

tratamentos; e III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade

de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou

recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou

transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de

função ou atividade a ser exercida.‖ (BRASIL, 1999; BRASIL, 1989).

Tanto na definição de deficiência do Decreto n° 3.298/99, quanto da Lei n°

7.853/89, nota-se que a noção de deficiência está vinculada ao modelo biomédico, é

o que infere Oliveira et al. (2009), ―[...] segundo o qual a conceituação de deficiência

está atrelada à busca de causas ambientais, a fim de se estabelecer um padrão de

funcionamento considerado normal, a partir do qual se definem padrões de desvio,

representados estatisticamente (Idem: 227). Na Lei n° 7.853/89 isto fica visível

quando se usa os termos ―anormalidade‖ e ―padrão normal‖.

A deficiência física, segundo o MTE-SIT (2007) ―[...] é a alteração completa ou

parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o

comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,

paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,

hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia

cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as

deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de

funções (Decreto nº 5.296/04, art. 5º, §1º, I, “a”, c/c Decreto nº 3.298/99, art. 4º, I).”

(Idem: 23).

De forma a melhorar o entendimento do que foi apresentado, o MTE-SIT

(2007), proporciona algumas definições: ―Amputação – perda total ou parcial de um

determinado membro ou segmento de membro; Paraplegia – perda total das funções

motoras dos membros inferiores; Paraparesia – perda parcial das funções motoras

dos membros inferiores; Monoplegia – perda total das funções motoras de um só

membro (inferior ou superior); Monoparesia – perda parcial das funções motoras de

um só membro (inferior ou superior); Tetraplegia – perda total das funções motoras

120

dos membros inferiores e superiores; Tetraparesia – perda parcial das funções

motoras dos membros inferiores e superiores; Triplegia – perda total das funções

motoras em três membros; Triparesia – perda parcial das funções motoras em três

membros; Hemiplegia – perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo

(direito ou esquerdo); Hemiparesia – perda parcial das funções motoras de um

hemisfério do corpo (direito ou esquerdo); Ostomia – intervenção cirúrgica que cria

um ostoma (abertura, ostio) na parede abdominal para adaptação de bolsa de fezes

e/ou urina; processo cirúrgico que visa à construção de um caminho alternativo e

novo na eliminação de fezes e urina para o exterior do corpo humano (colostomia:

ostoma intestinal; urostomia: desvio urinário); Paralisia Cerebral – lesão de uma ou

mais áreas do sistema nervoso central, tendo como consequência alterações

psicomotoras, podendo ou não causar deficiência mental; Nanismo – deficiência

acentuada no crescimento.‖ (Idem: 23).

De acordo com o que foi explicitado pelo MTE-SIT (2007), o conceito de

deficiência considerado para os efeitos da lei de cotas, ―[...] inclui a incapacidade

relativa, parcial ou total, para o desempenho da atividade dentro do padrão

considerado normal para o ser humano.‖ (Idem: 23). Nessa concepção, entende-se

que a ―[...] pessoa com deficiência pode desenvolver atividades laborais desde que

tenha condições e apoios adequados às suas características.‖ (Idem: 23). Mais uma

vez, aqui, evidencia-se a questão da normalidade e anormalidade, do saudável e do

não saudável, do apto e do não apto. Do padrão e do abaixo ou aquém do padrão.

Como deficiência auditiva se considera a ―[...] perda bilateral, parcial ou total,

de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500hz,

1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (Decreto nº 5.296/04, art. 5º, §1º, I, “b”, c/c Decreto nº

5.298/99, art. 4º, II) – (MTE-SIT, 2007, p.24).

A deficiência visual compreende os casos de: cegueira (acuidade visual igual

ou menor a 0,005 no melhor olho mesmo sob a melhor correção óptica); baixa visão

(acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho e sob uso da melhor correção

óptica); os casos em que a somatória da medida do campo visual em ambos os

olhos seja igual ou menor que 60o; a ocorrência de quaisquer das condições

apontadas de forma simultânea (Decreto nº 3.298/99; Decreto nº 5.296/04) (Idem). O

Decreto nº 5.296/04 inclui as pessoas com baixa visão, que são aquelas que, ―[...]

mesmo usando óculos comuns, lentes de contato, ou implantes de lentes

intraoculares, não conseguem ter uma visão nítida. As pessoas com baixa visão

121

podem ter sensibilidade ao contraste, percepção das cores e intolerância à

luminosidade, dependendo da patologia causadora da perda visual.‖ (Idem).

Entende-se como deficiência mental (Decreto nº 3.298/99, art. 4º, I, Decreto

nº 5.296/04, art. 5º, §1º, I, ―d‖) os casos em que o funcionamento intelectual esteja

significativamente inferior à média, manifestando-se antes dos dezoito anos, bem

como as limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas que

envolvem: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos

recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer;

trabalho. (BRASIL, 2004).

Em termos de deficiência múltipla se compreende a associação de duas ou

mais deficiências (Decreto nº 3.298/99, art. 4º, I; Decreto nº 5.296/04, art. 5º, §1º, I,

―e‖) (Idem). Existem, ainda, as pessoas com restrições à sua mobilidade (mobilidade

reduzida) e que não estão enquadradas no conceito de pessoa deficiente. São

aquelas que têm, por qualquer motivo, dificuldades de se movimentarem

(permanente ou temporariamente) apresentando redução efetiva da mobilidade,

flexibilidade, coordenação motora e percepção (Decreto nº 5.296/04, art. 5º, §1º, II)

(Idem).

O conceito de deficiência inclui a incapacidade relativa, parcial ou total, para o

desempenho da atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

A pessoa deficiente poderá desenvolver atividades laborais desde que sejam

ofertadas as condições e apoios adequados às suas peculiaridades. A condição de

deficiência poderá ser comprovada por meio de laudo, o qual poderá ser emitido por

médico do trabalho da empresa ou outro, de acordo com as definições estabelecidas

na Convenção nº 159 da OIT, Parte I, art. 1; Decreto nº 3.298/99, arts. 3º e 4º, com

as alterações dadas pelo art. 70 do Decreto nº 5.296/04. O laudo deverá especificar

o tipo de deficiência e ter autorização expressa do(a) empregado(a) para utilização

do mesmo pela empresa, tornando pública a sua condição, e desta forma se

beneficiando da lei de cotas. Além disto, esta condição poderá ser comprovada por

Certificado de Reabilitação Profissional emitido pelo INSS (MTE-SIT, 2004).

A discussão a respeito do conceito de deficiência aqui introduzida serve para

demonstrar a concepção que rege o legislador (ou legisladores) no momento em que

desenvolve uma lei que irá afetar um grupo de pessoas e que trará implicações

sociais. A questão da utilização correta ou não de termos técnicos, na visão de

Sassaki (2003), não é uma mera questão de semântica ou algo desprovido de

122

importância, desde que se tenha a preocupação de falar ou escrever de forma

construtiva, guiado por uma perspectiva inclusiva a respeito de qualquer assunto

que envolva o ser humano. Portanto, a terminologia correta passa a ser importante a

partir do momento em que se abordam assuntos que tradicionalmente estão

permeados e envoltos em estigmas, estereótipos e preconceitos, no presente caso,

a deficiência.

Ainda no tocante a terminologia, Sassaki (2003) diz que esses termos passam

a ser considerados corretos por estarem ligados a valores e conceitos vigentes em

cada momento e época histórica, e ao direcionamento que se quer imprimir ao termo

utilizado, em alguns casos não por desconhecimento mas por simples discriminação.

Como exemplo, uma situação vivenciada por uma das entrevistadas, com deficiência

física, que já foi discriminada como: Doente, inválida, é visto como a mesma coisa.16.

A concepção sobre deficiência muitas vezes, no processo de interação,

denota a presença do modelo biomédico de interpretação da mesma, não somente

no olhar do especialista na avaliação da pessoa deficiente, mas também no olhar

das pessoas comuns, no cotidiano: a pessoa que apresenta algum tipo de

deficiência é em geral considerada inválida. Em alguns casos esta visão está

presente até na concepção dos próprios deficientes que podem internalizar sua

condição como uma doença que os afastam ou impedem do convívio social normal.

O tratamento discriminatório dispensado às pessoas deficientes é a

expressão de uma compreensão enviesada e segregacionista, fruto da visão

embasada no modelo biomédico de interpretação da deficiência e que, por um

discurso pretensamente oficial, condena e cria o interdito. Além do olhar da

deficiência como doença, e consequentemente, das pessoas deficientes como

doentes ou inválidos, tem-se o olhar de caridade, de piedade que também os

condena a uma vida de dependência, de proteção sob a tutela da sociedade. É o

modelo caritativo de interpretação que baliza esta forma de compreender a

deficiência, mas que possibilita o perigoso caminho de exclusão do convívio social

encerrando os deficientes em instituições que se ocuparão de ―cuidar do pobre

infeliz‖, como aconteceu com os surdos e deficientes intelectuais no passado.

Importante salientar que a deficiência, antes de tudo, impõe uma marca

pessoal, que parece indissociável do indivíduo, podendo definir as suas condições

16

Depoimento de pessoa com deficiência, colhido por mim no dia 13 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR..

123

na sociedade repletas de estigmas. Na entrevista com a representante do Programa

Gestão da Diversidade (Ênfase na Pessoa com Deficiência – PcD) do Sistema

Federação das Indústrias do Paraná (FIEP)17, foi revelada uma situação de

estereótipo decorrente do sinal da cegueira e que diz respeito à fantasia que as

pessoas das empresas por ela contatadas, tem sobre os cegos – a visão destes

como coitados – que desencadeiam sentimentos de piedade (afinal não conseguem

ver), pois para eles é tudo mais difícil. Tais estereótipos reforçam o modelo

caritativo, ainda presente na sociedade.

O comportamento dessas pessoas indicadas pela entrevistada se insere,

ainda, na situação apontada por Sutherland (1981), de que as pessoas deficientes

são vistas sob alguns estereótipos como: estúpidas, imbecis, patéticas,

dependentes, repulsivas, ignorantes, amargas, impotêntes, incapazes (inclusive de

defesa). Em em função disso lhes é dispensada uma super proteção, o que lhes

agrava mais o estigma da deficiência. Por outro lado, têm-se aqueles estereótipos

de coragem, valentia, superpoder e poderes místicos, com os quais são rotuladas,

até mesmo como forma dos ―normais‖ justificarem sua impotência, ou incapacidade,

diante de uma situação vivenciada por uma pessoa considerada como deficiente.

Nessa relação entre normais e pessoas deficientes ocorre o que Goffman (2008)

aponta: ―Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição

original e, ao mesmo tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis

mas não desejados, fequentemente de aspecto sobrenatural, tais como ‗sexto

sentido‘ ou ‗percepção.‖ (Idem: 15).

Considerando o que foi exposto até aqui a respeito da inserção das pessoas

com deficiência no ambiente empresarial, tanto pela via das medidas afirmativas,

quanto pela via da gestão da diversidade, nota-se que inserir pessoas deficientes no

ambiente corporativo continua cercado de estereótipos e discriminações decorrentes

do estigma que marca os diversos tipos de deficiência. Pretende-se abordar, com

mais profundidade, sobre muitos desses aspectos no próximo capítulo quando será

analisado o processo de inserção, e a situação, das pessoas deficientes e pessoas

surdas, em relação ao emprego no Sistema FIEP.

17

Depoimento da representante do programa de inserção de pessoas com deficiência, (foco externo) colhido por mim no dia 01 de julho de 2011, na cidade de Curitiba–PR.

124

4 PROCESSO DE ESTIGMATIZAÇÃO E PRODUÇÃO DE DESIGUALDADES NO SISTEMA FIEP

Neste capítulo discuto, em linhas gerais, como se caracteriza o processo de

constituição dos estigmas sociais relativos à deficiência e como se produz a

desigualdade no processo de inserção de pessoas com deficiência. De acordo com

Goffman (2008), o estigma é atribuído pelos outros àqueles que têm um sinal que os

destaca no processo de interação social. Contudo, de que forma isso se

caracterizaria no emprego em relação às pessoas com deficiência ou surdas? Ao

mesmo tempo, estariam sofrendo desigualdades no processo de inserção se

comparadas aos demais funcionários? Com o objetivo de encontrar respostas para

questões como essas, busquei localizar nos depoimentos colhidos no Sistema FIEP,

de pessoas com deficiência e pessoas surdas, dos representantes dos programas

de inserção de deficientes no Sistema FIEP, bem como do pessoal de tutoria que

acompanhou as pessoas com deficiência nesse processo, as diferentes visões que

possam indicar a caracterização do estigma no emprego da indústria. Em seguida,

analiso as condições de construção das desigualdades no processo de inserção das

pessoas com deficiência e pessoas surdas no emprego.

4.1 PROCESSO DE ESTIGMATIZAÇÃO

O processo de estigmatização da deficiência no emprego, na instituição

estudada, pode ser caracterizado com base nos valores e visões de três grupos que

interagem no trabalho cotidiano: pessoas com deficiência e pessoas surdas;

pessoas que ocupam cargos de gestão e representam, portanto, a visão do

empresariado industrial; demais funcionários.

Com relação às pessoas com deficiência e às pessoas surdas, o processo se

constrói como autoestigmatização na visão que tem sobre a deficiência e as demais

pessoas com deficiência. Nasce e se constitui nas interações com colegas de

trabalho, chefe imediato e da compreensão que têm sobre o trabalho na sua

condição de emprego.

No tocante aos gestores, a estigmatização é constituída segundo a visão que

têm da deficiência, das pessoas com deficiência, do processo de inserção desses no

emprego, e do trabalho desenvolvido pelas pessoas deficientes.

125

O processo de estigmatização para os demais funcionários é caracterizado

conforme a visão que têm da deficiência, das pessoas com deficiência e do trabalho

das pessoas com deficiência. Esses aspectos tornar-se-ão mais claros a partir do

próximo item, quando serão analisadas cada uma dessas categorias.

4.1.1 Visões das Pessoas com Deficiência e Pessoas Surdas

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas

O processo de estigmatização no emprego se desenvolve nas relações entre

deficiência e o que entendem por com outras pessoas, podendo confirmar um

processo de auto estigmatização. Veem as suas limitações como negativas e que as

impede de obter um emprego. Isto está claro nas palavras de Aparecida: Na época

em que eu não trabalhava, creio que eu era vista como alguém que só dava

incomodo. Não produzia nada. Eu tinha idade de produzir, para desenvolver alguma

coisa.18

O não produzir nada, ―ou só incomodar‖, remete ao que Sennett (2006) coloca

como a necessidade de sentir-se útil na sociedade capitalista: ―Sentir-se útil significa

contribuir com algo de importância para os outros.‖ (Idem: 174). Na visão das

pessoas marcadas pelo estigma da deficiência, que se preocupam em se inserir em

um processo produtivo, o ―sentir-se útil‖ corresponde a estar empregado e isso

advém do pensamento corrente de que é preciso desenvolver uma atividade

produtiva, não ser um peso para a sociedade. Ao mesmo tempo, quando uma

pessoa com deficiência está empregada, causa surpresa, admiração e até

descrença. Explica uma entrevistada: [...] a outra pessoa a olha com desconfiança e

assustada lhe pergunta: - Mas você trabalha!? E provavelmente deverá pensar -

Nossa essa menina trabalha. A pessoa não fala, mas pelo olhar dá para saber isto

tudo19. Ao mesmo tempo em que a condena, a sociedade a desacredita. Dessa

forma, a pessoa com deficiência sofre duplamente com o estigma social que lhe é

atribuído.

Tais situações contribuem para o desenvolvimento do processo de auto

estigmatização. Geralmente as pessoas com deficiência, em função terem que

18

Depoimento colhido por mim em 13 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 19

Idem.

126

conviver com a negação social que passa a lhes ser imposta, decorrente dos vários

estereótipos do estigma social da deficiência constroem uma visão negativa da sua

deficiência, principalmente, quando passam a procurar emprego. Isso fica claro nas

palavras de Dolores: Foi quando comecei a procurar trabalho que passei a conviver

com o preconceito em relação à deficiência. Inicialmente na SIEMENS, quando

preenchi uma ficha e fiz uma entrevista para emprego e no momento de me chamar

a pessoa me falou que não daria certo, porque aquele cargo não condizia com as

minhas qualificações, mas era para eu aguardar que entrariam em contato por

telefone para vagas futuras. Até hoje o tal telefonema não aconteceu.20

No processo de desenvolvimento da auto estigmatização e a reafirmação do

estigma social da deficiência, as pessoas com deficiência ou surdas, se deparam

com um dilema. Ou assumem a fachada de dependentes da sociedade ou assumem

a fachada de lutadoras e causam espanto. Ambas as situações podem se inserir no

que Goffman (2011) entende por ―preocupação com a fachada.‖ (respeito próprio)

que o indivíduo constrói no processo de interação com os demais e a preocupação

com a linha (o padrão mediado por atos verbais ou não com o qual um indivíduo

expressa sua opinião sobre uma dada situação, e por meio desta emite uma

avaliação sobre os demais participantes e a si mesmo).

Sob perspectiva de assumir ou não a condição de trabalhadoras assalariadas

os depoimentos de Aparecida e Dolores, podem indicar dois caminhos que estão

inseridos em uma mesma análise de Goffman (2011) e que dizem respeito ao

processo de interação e preservação da fachada, ―[...] quanto à sociedade, se a

pessoa estiver disposta a estar sujeita a um controle social informal – se esta estiver

disposta a descobrir, a partir de dicas e olhadelas e pistas cuidadosas qual é o seu

lugar e mantiver esse lugar – então não haverá nenhuma objeção a que ela mobílie

esse lugar do jeito que quiser, com todo o conforto, elegância e nobreza que sua

sagacidade obtenha para ela. Para proteger esse abrigo, ela não precisa trabalhar

duro, nem se juntar a um grupo, nem competir com alguém; ela precisa apenas

tomar cuidado com os juízos expressos aos quais ela se coloca numa posição de

testemunhar. Algumas situações, atos e pessoas terão que ser evitados; outros

menos ameaçadores, não devem ser levados muito longe. A vida social é uma coisa

ordenada e não atravancada, porque a pessoa voluntariamente fica longe dos

20

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

127

lugares e tópicos e momentos em que ela não é desejada e onde poderia ser

depreciada.‖ (Idem: 47-48).

Ao assumir a fachada de pessoa com deficiência, ou surda, vivendo com o

auxílio do governo e sob o controle informal da sociedade no sentido de ter

reconhecida a sua fachada de que não pode ser uma pessoa produtiva em razão de

sua limitação, a pessoa em tais condições construirá linhas de participação nos

grupos sociais com os quais se relaciona ou se manterá afastada, o máximo deles,

para evitar os constrangimentos que coloquem em risco a sua fachada ou sofrer

discriminações. Entretanto, ao agir assim, contribuirá para reforçar o estigma

daquele que vive na dependência da sociedade e que para ela não contribui de

forma produtiva.

Construir e assumir a fachada de pessoa com deficiência, mas inserida no

processo produtivo, e ao contrário do que Goffman (2011) colocada, terá que

trabalhar duro para participar de algumas atividades empresariais. Dolores relata o

que ocorria com ela nesse sentido, quando estava sendo treinada em uma empresa

que trabalhava antes de vir para o Sistema FIEP: [...] algumas não gostavam de me

ensinar. Elas queriam que você pegasse a orientação dada na hora. Então tinha

duas que, até eu aprender, sofri muito com elas. [...]. Mas a Cláudia, que era a

encarregada de me ensinar era muito ruim. Gritava, me xingava de burra e de outras

coisas.21

Esse trabalhar duro, apontado por Goffman (2011), inclui entender as

olhadelas, as dicas e pistas relativas à escolha realizada pela pessoa com

deficiência que poderão ser contraditórias, estimulantes ou desestimulantes. No

processo produtivo, por exemplo, poderá estar colocando em ameaça outros que

com ela concorrem por uma determinada vaga ou cargo, e estes, poderão

desenvolver estratégias e linhas de defesa, muitas vezes depreciativas, baseadas

nos estereótipos que procuram reforçar o estigma da deficiência ligado à

ineficiência, à incapacidade, baseados no temor que desenvolvem diante de uma

pessoa com deficiência ou surda.

Em ambos os caminhos, a pessoa deficiente ou surda sofrerá o controle

informal dos grupos sociais em que está inserida. Porém existe ainda outro tipo de

controle a que estão sujeitos os deficientes e os surdos denominado por Goffman

21

Idem.

128

(2011) de controle formal. Quando as pessoas com deficiência recebem o auxílio do

Benefício de Prestação Continuada (BPC), esse tipo de controle é exercido

diretamente pelo Estado. Quando opta por se inserir no processo produtivo, o

controle é exercido, indiretamente pelo Estado mediante a legislação prevista para a

criação de vagas de emprego nas empresas; os registros periódicos do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério do Trabalho e do

Emprego (MTE), além da fiscalização exercida por esse órgão estatal para verificar

se as empresas estão ou não cumprindo as normas jurídicas. De forma direta essas

pessoas são controladas pelas empresas que as contratam e acompanham seu

desempenho, produtividade e desenvolvimento. Em muitos casos, as pessoas com

deficiência ou surdas são alocadas em um lugar ou posição abaixo da sua própria

capacidade profissional apenas para se cumprir a legislação.

Os depoimentos, as falas das pessoas com deficiência ou surdas

entrevistadas, neste estudo, expressam uma necessidade de estarem empregadas.

As palavras de Eliane são bem ilustrativas nesse sentido: Antes de começar a

trabalhar eu me sentia muito rejeitada pelas demais pessoas. Logo no início da

minha deficiência, foi muito difícil. Também o foi nos dois anos e meio a partir do

momento que comecei a trabalhar. Depois comecei a me sentir mais à vontade no

meio das outras pessoas [...].22 Relacionando com a visão de serem ―úteis‖ para a

sociedade, as pessoas com deficiência ou surdas, são muitas vezes caracterizadas

com a preguiça, vadiagem, falta de vontade, falta de empenho, inclusive, de procurar

um emprego. Consequentemente passam a se sentir na obrigação de se vincular a

uma atividade produtiva. Mas dentre estas o emprego é a mais valorizada,

principalmente nas sociedades capitalistas, onde se espera que as pessoas

necessariamente desenvolvam algo produtivo e não seja um peso, estorvo, ou

sanguessuga para a sociedade.

Outrossim, as pessoas com deficiência ou surdas, têm que conviver com os

graus de competitividade onde as relações sociais se medem pela eficiência. Desse

modo, devem apresentar sempre resultados, quando se está inserido nas empresas,

provando que tem condições de estar lá e ocupar uma vaga. Se não fizer isso, não

obterão sucesso e se não se mostrarão pessoas produtivas, sendo alijadas do

processo.

22

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

129

O termo deficiente não deve ser aplicado à pessoa na sua totalidade, viés que

infelizmente acontece no processo produtivo, podendo condenar uma pessoa

nessas condições ao que Goffman (2008) designa por ―carreira moral distorcida‖. A

deficiência deveria ser compreendida como a indicação de uma limitação para uma

determinada atividade, mas não para todas. Infelizmente as pessoas nessas

condições passam a ser vistas como totalmente incapazes.

Em razão das exigências e da rapidez na obtenção de resultados nas

empresas, a visão em relação às pessoas com deficiência e às surdas é a de que

não conseguirão atender às exigências e não conseguirão alcançar as metas nos

mesmos patamares das chamadas pessoas normais. Relaciona-se, destarte,

eficiência humana e pessoal com normalidade física. Quando alguém com

deficiência ou surda está empregada e consegue obter desempenho igual ou acima

das demais, desde que respeitadas as limitações, a maioria destas demonstra

surpresa pelo resultado alcançado pelas pessoas com deficiência ou surdas.

Geralmente, o que embasa esse discurso que trata da admiração, do exemplo, da

melhoria do clima organizacional ao se trabalhar com uma pessoa com deficiência

ou surda é a visão estereotipada de que essas pessoas não conseguiriam, por sua

deficiência, alcançar os resultados que alcançam.

No caso das pessoas surdas, a compreensão da sua condição remete à

igualdade com os chamados normais, em termos de sentimentos e dificuldades

pelos quais passam. Na visão de Luiza, ser uma pessoa surda é ser normal como

qualquer outra, ter sonhos, objetivos, dificuldades. Quanto à barreira de

comunicação, existem várias maneiras de conseguirmos nos comunicar com as

pessoas além dos sinais, por exemplo, escrita e gestos.23 O depoimento expressa

que, com relação aos surdos, a grande barreira, a grande fraqueza que impede o

maior relacionamento com o mundo dos ouvintes, ainda é a língua, a comunicação,

o mesmo comenta Joana na sua entrevista: [...] o que às vezes é complicado

quando a pessoa conversa comigo e fala rápido, não consigo fazer a leitura labial,

então peço que escreva, então entendo e respondo escrevendo também.24 Em outro

momento, trata situações de treinamento, eventos, ou reuniões coletivas, nas

instituições do Sistema FIEP, quando as pessoas surdas não contam com a

presença de um intérprete em LIBRAS. Tento fazer leitura labial, observo os slides

23

Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 24

Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

130

ou pergunto alguma coisa para a minha tutora, e ela escreve para eu ler. Em Libras,

não tem nada.25

Apesar de Luiza e Joana apontarem a superação da barreira da comunicação

entre surdos e ouvintes com outras formas de comunicação (escrita, leitura labial), a

situação constrange, nem tanto às surdas, mas também os colegas de trabalho.

Essa situação aparece na entrevista da tutora Kátia, que se sente ―mal‖ por tentar se

comunicar com uma pessoa surda e não conseguir, ―ter medo de errar os sinais e

fazer papel de boba,‖ indicando a necessidade de se oferecer treinamento em

LIBRAS periodicamente. Nesse contexto, é necessário entender que para os surdos,

a LIBRAS é a sua língua, tendo na língua portuguesa a segunda língua. Quando for

possível compreender isso, se modificará o modo de agir em relação aos surdos.

Deste modo, o processo de sua inserção no emprego poderá ser facilitado.

A situação de ser pessoa com deficiência e trabalhadora, ao mesmo tempo

indica para Aparecida que alguém em tais condições é uma pessoa esforçada, diz

ela: O mundo do trabalho é capitalista. [...] Você tem que realizar as coisas para

ontem. Você tem que correr, tem que atingir as metas, tem que “se virar nos 30”

para conseguir os resultados esperados. Ninguém vai lhe dizer, “aí, olha você

produziu tanto, tá bo”. Nesse mundo do trabalho não tem isso.26

As palavras de Aparecida revelam, conforme explica Aranha (2003), que no

modo de produção capitalista, ―[...] as relações de produção são organizadas de

forma a utilizar-se mecanicamente do fazer do homem, e não do seu pensar e ativa

participação [...].‖ (Idem: 8). Isso pode, segundo a autora, levar o indivíduo a um

processo de coisificação, o que implica a ser considerado apenas como uma

engrenagem no processo produtivo, perfeitamente substituível quando não

corresponder mais aos interesses da empresa.

Para Eliane, as pessoas com deficiência são cobradas tanto quanto as sem

deficiência. Você tem que ser taxativo naquilo que eles estão pedindo né, fazer bem

feito e ter o potencial para fazer, porque se você falar “não, olha não tenho condição

de fazer”, provavelmente eles vão procurar outra pessoa para fazer por você, ou

ajudá-lo. Acho que ajudar não seria tão normal, porque se eu preciso de você para

ajudar é porque eu não consigo fazer aquilo que eu tenho que fazer.27

25

Idem. 26

Depoimento colhido por mim em 13 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 27

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

131

Aparecida e Eliane demonstram a preocupação de não atender aos

interesses da empresa, que se transformam em pressão pelo alcance de resultados,

e boa execução das tarefas que lhes cabe. Alcançar metas faz parte do

planejamento de uma empresa. Portanto, atinge a todos, indistintamente, na linha de

produção ou no setor em que o funcionário está lotado. Metas que geralmente são

estipuladas com base em um nível acima do limite da capacidade de produção,

considerado como de segurança para o alcance dos índices ideais de rentabilidade

da capacidade produtiva instalada, com os quais as empresas trabalham. Com base

nisso, mede-se a produtividade individual, e ficar abaixo das metas, indica pressão

dos supervisores e dos próprios colegas de equipe. Considerando que muitas

empresas, em que as pessoas com deficiência ou surdas são inseridas, operam em

diferentes países, a pressão e cobrança pode se tornar ainda mais elevada. Afinal,

as várias unidades industriais, de um mesmo grupo, passam a ser medidas e

comparadas entre si, e aquelas que não condizem com os retornos esperados, são

desativadas ou transferidas para outros locais em busca de melhores condições,

menores custos de produção e maior retorno sobre o capital investido. Isso fica claro

nas palavras de Sennett (2006) ao tratar do fantasma da inutilidade em decorrência

da oferta global de mão de obra.

2) O convívio com colegas e chefias

A principal dificuldade que uma pessoa com deficiência sente ao ser inserida

no emprego, e isso acontece também no Sistema FIEP, é a sensação de estar

―encaixado‖, ―pertencer‖ à equipe na qual foi colocada. Aparecida, um das minhas

entrevistadas, sofreu com as implicâncias da chefe, em razão da sua deficiência na

fala, pois no local em que estava trabalhando tinha que se relacionar com o público.

Expõe ela: Quando eu comecei a trabalhar aqui, eu trabalhava em outro setor. Eu

não me acostumei lá. Lá eu tive problemas, sofri com o preconceito por causa do

meu jeito de falar. Só que quando eu vim para a área que estou hoje, os horizontes

se abriram, porque aqui o ambiente é maior, as pessoas são mais comunicativas. Lá

as pessoas olhavam para minha diferença, não para mim como profissional.28

28

Depoimento colhido por mim em 13 de julho de 2010, na cidade de Curitiba-PR.

132

Referindo-se a esse aspecto, Tanaka e Manzini (2005) lembram que a

habilidade no sentido de relacionar-se com outras pessoas seria fundamental para o

sucesso no emprego das pessoas com deficiência e das surdas. A dificuldade em

expressar-se e de falar, comprometeu a inserção da entrevistada na primeira equipe

para a qual foi designada, tendo em vista que, justamente, consistia-se em uma

atividade que exigia contato direto com o público.

Convivendo no emprego, transparece o preconceito em relação à diferença no

desempenho das pessoas com deficiência e das surdas, reafirmando estereótipos e

estigmas. De acordo com Vick et al. (2008), os estereótipos, ou as ameaças de

sofrer estereótipos, contribuem para diminuir a performance no trabalho das pessoas

com deficiência estereotipadas e produzem consequências cognitivas e afetivas

advindas da autoestereotipação, tais como o desenvolvimento de uma expectativa

de desempenho reduzido, aumento da ansiedade e reduzida capacidade de

memória de trabalho. A partir daí surge nas pessoas com deficiência e nas surdas,

ou nas sem deficiência, o estereótipo de que pessoas deficientes e pessoas surdas

tem baixa produtividade e aumentam os custos empresariais. ―Una fuente importante

de exclusión o desventaja para las personas con discapacidad es el hecho de que

aún se las suele considerar improductivas, incapaces de efectuar un trabajo y

demasiado costosas para el empleador.‖ (OIT, 2007, p.49).

Com a finalidade de minimizar os impactos de afiliação às equipes, foi criado

no Sistema FIEP o sistema de tutoria em que funcionários e funcionárias recebem

treinamento para agirem como tutores ou tutoras das pessoas deficientes e das

surdas durante o processo de inserção. Essa é uma das práticas identificadas pela

OIT (2010), no seu estudo sobre empresas que obtiveram sucesso na contratação

de pessoas com deficiência. Segundo esse estudo, os programas de formação de

tutorias ou de liderança especialmente voltados às pessoas com deficiência no

emprego estão entre as práticas destinadas à formação, contratação ou retenção de

pessoas com deficiência, assim como ao incentivo a sua produtividade.

Mesmo assim, ainda persiste o preconceito de alguns colegas no local de

trabalho e a pessoa pode não se encaixar em determinado setor ou equipe. No

Sistema FIEP, quando uma pessoa não se adapta em uma atividade, dada situação,

ou determinada equipe, são tentadas outras possibilidades, como ocorreu com

Aparecida. Contudo, o preconceito e a discriminação se fazem presentes, mesmo

que veladamente, nos processos de interação no trabalho. Aparecida deixa isso

133

explícito ao comentar que: [...] discriminação e preconceito, isso tem em todo lugar.

Se você tiver um problema [deficiência], em todos os lugares tem. Aqui isto não é

explícito. Mas não se criou, ainda, dentro do Sistema FIEP a cultura da inclusão das

pessoas com deficiência. Também tem o fato, que eles têm que lidar, com as

pessoas de fora que adentram, que chegam ao Sistema FIEP e olham as pessoas

com deficiência com um preconceito velado, mas é preconceito.29 Nessa fala, dois

aspectos são importantes. Um é o preconceito, mesmo que não explícito, dos

colegas, o outro está relacionado aos públicos externos que se relacionam com o

Sistema FIEP e, em muitos casos, não estão preparados para serem atendidos por

uma pessoa com deficiência, e isso lhes choca.

A questão do preconceito com relação às pessoas com deficiência, por parte

dos seus colegas, é algo que está presente nas falas de algumas das pessoas com

deficiência e das surdas. Uma delas conta que, ao terminar as suas tarefas, sempre

pergunta para os outros da equipe se querem ajuda ou se tem algo que possa fazer

e sempre ouve que não precisa se preocupar, como se a tivessem despachando. A

―invisibilidade‖ é outro preconceito oculto aplicado às pessoas com deficiência e às

surdas. A deformidade do corpo, para algumas pessoas, pode ser algo tão brutal

que é preferível ignorar aquele que a apresenta, tornando-o invisível, do que encará-

lo como um indivíduo, que apesar da sua limitação (ou limitações) é uma pessoa

com direitos e deveres iguais aos daquele que o defronta.

Um desses direitos é o de aprender e desenvolver novas atribuições, mas

para isso se concretizar têm que conviver com a desconfiança sobre as suas

capacidades ou com a falta de tempo dos colegas para ensinar-lhes como executar

certas atividaes. Joana, em seu depoimento, queixou-se que nesse processo sente

que os colegas de trabalho ―dispensam a sua ajuda‖ nota como se a estivessem

considerando uma pessoa sem suficiência intelectual para compreender e auxiliar

(geralmente as pessoas surdas são vistas, pelas pessoas sem deficiência, como

deficientes intelectuais). Também deixa claro a dificuldade dos demais colegas em

ensiná-la: [...] então me ofereço para ajudar, mas me dizem que não precisa, ou que

é difícil e não vão saber explicar para mim, que não preciso me incomodar. Sinto

que acontece isso porque sou surda, eles não têm tempo para me explicar, eu fico

quieta, digo tudo bem. Mas gostaria de aprender mais. As coisas que já aprendi até

29

Idem.

134

agora, consigo fazê-las com tranquilidade, por isso quero aprender serviços

diferentes. No início, explicaram o que deveria fazer. Só agora que tenho pedido

para aprender tarefas diferentes, eles dizem que não dá tempo para ensinar que

depois me explicam, ou que não preciso me preocupar se já acabei o meu

trabalho.30 O descrédito em relação à capacidade da pessoa surda assumir alguma

tarefa é expresso por Joana. O recado tácito do grupo lhe é transmitido: ―permaneça

no seu lugar‖, quando entendido , aparece na sua atitude: ―fico quieta, digo tudo

bem.‖ A solicitação de aprendizagem de coisas novas é descartada, principalmente,

pela barreira da comunicação existente entre o grupo e a surda. O comodismo dos

membros do grupo conduz à subutilização da capacidade da pessoa surda.

Outra faceta do processo de inserção no Sistema FIEP aparece no

depoimento de Dolores, ao revelar o que ocorre com seus colegas de equipe.

Segundo ela: Já estão acostumados. Já levaram o choque. O choque ocorre no

começo, depois se acostumam. O contato possibilita conhecerem a outra pessoa

melhor, eles conhecem seus pontos fracos e seus pontos fortes.31

Essa adaptação se explica, em parte pelo fato, conforme Goffman (2008) que

nas suas interações sociais um estigma é visível a todos.

Este choque, ao qual Dolores se refere, é o impacto que causa o corpo com

alguma deformidade, falta ou insuficiência, que fuja ao padrão de normalidade

conhecido e aceito pelos olhares de outros. Assim, a convivência e o contato diário

amenizam a convivência com o diferente. As interações cotidianas permitem

conhecer melhor o colega de trabalho, até mesmo analisá-lo. O que ainda está

presente nos colegas de equipe das pessoas com deficiência é a desconfiança com

relação ao estranho, ao diferente, que chega, praticamente um ―estrangeiro‖, usando

a expressão de Simmel (1983), na consideração do grupo. Os membros de algumas

equipes já se acostumaram por contarem entre eles com pessoas que têm alguma

limitação física, sensorial ou intelectual. No entanto, outras equipes apenas

convivem de forma distante e se sentirão impactados quando passarem pelo

processo de inserção.

A constituição de equipes de trabalho, prática evidente no Sistema FIEP,

segue uma tendência que acaba por favorecer a constituição de laços de lealdade

fracos, ou formas passageiras de associação, que escreve Sennet (1999) ―[...] se

30

Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 31

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

135

concretizam no trabalho de equipe, em que a equipe passa de tarefa em tarefa e

muda de pessoal no caminho. Os laços fortes, em contraste, dependem de

associação a longo prazo. E, mais pessoalmente, da disposição de estabelecer

compromissos com outros.‖ (Idem: 25).

Isso fica evidenciado nas palavras da tutora Kátia a respeito da mobilidade de

pessoal em sua área e da dificuldade de comunicação com uma pessoa surda que

está inserida em sua equipe: Tinha que ter mais curso de Libras, para todos, porque

teve faz tempo. Acho que de dois anos para cá, umas quinze pessoas novas

entraram na nossa área.32

As situações em que as pessoas com deficiência já se encontram mais

ambientadas, o choque inicial já passou e elas são aceitas pelas suas

peculiaridades e traços pessoais. Os laços de convivência foram construídos ao

longo do tempo, possibilitando a aproximação, aceitação e afiliação com o grupo no

qual estão inseridas.

A respeito das equipes de trabalho, elas são constituídas em formato de ilhas.

Com as reformas e mudanças que estão sendo processadas no prédio do Sistema

FIEP, as equipes passarão a ser constituídas em formato de S, ou como coloca

Eliane: É dividido por ilhas. Tem quatro pessoas em cada ilha. Agora vai mudar, vai

ser tipo uma minhoca.33

O arranjo em forma de ilha, como no sistema ―just in time‖ (JIT) de produção,

visa aumentar a produtividade e o controle sobre o que está sendo realizado. A

formatação em S favorece o fluxo de trabalho e aumenta o controle em razão de que

o trabalho de um passa a ser executado em função do trabalho do outro, pelo menos

na área de produção funciona dessa forma. Por outro lado, aumenta a

multifuncionalidade e polivalência dos trabalhadores que passam a conhecer as

atividades desenvolvidas pelos colegas e as executam quando estes se ausentam,

com o objetivo de não deixar o fluxo e o ritmo de trabalho diminuir. Como

consequência a carga de trabalho, em algumas situações (férias, licenças, faltas)

pode ser aumentada. Aliado a isso, nos sistemas de produção com base JIT, são

estudados os tempos e movimentos e o ritmo de desenvolvimento das tarefas com a

finalidade de eliminação de postos de trabalho, cujas atividades passam a ser

absorvidas e divididas pelos postos anteriores ou subsequentes.

32

Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 33

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

136

O convívio e o relacionamento com a chefia, inerente ao mundo empresarial,

no Sistema FIEP apresenta impressões diversas entre as entrevistadas, mas a

maioria aponta para o conflito ou falta de entendimento. Segundo Aparecida, Não

existe um diálogo aberto com minha chefia. Ela não chegou assim e falou para mim

o que queria não, fiquei sabendo pela minha colega. E eu tinha que acertar uma

coisa com ela, só que estou tentando ver se consigo falar com ela, mas quando

chego para falar, ela está sempre ocupada. Eu to querendo arrumar essa situação.34

Os manuais de gestão de pessoas, atualmente, falam a respeito da necessidade de

uma comunicação eficaz entre subordinados e chefes imediatos como fundamental

para o sucesso do trabalho em equipe.

A queixa de Aparecida se estende ao tratamento formal que é dispensado aos

demais colegas quanto à rotina a ser desenvolvida na equipe. Comenta a

entrevistada: Ela não define nada de metas comigo. O outro chefe definia um pouco

comigo, esta é pior neste sentido. Com os demais colegas ela define, convoca-os

para a reunião, eles vêm com agenda, caderninho, e anotam tudo. Eu não sou

convocada. Sinto nisso uma forma de discriminação, pois que não existe uma

explicação do porque de eu não participar.35

Consequentemente, Aparecida se sente discriminada, o que pode agravar o

tratamento que recebe pelos seus colegas em decorrência da atitude da chefia. É

possível que os assuntos tratados, as metas definidas na reunião com os demais

membros da equipe não sejam específicos ou não incluam o cargo que a

entrevistada ocupa.

O relacionamento negativo com a chefia também é indicado por Eliane

quando lhe foi solicitado uma rotina de trabalho; registrar os números de CPFs de

funcionários que estariam sendo encaminhados para um determinado banco e dois

desses números foram digitados de forma errada, mas porque já estavam

distorcidos na listagem que lhe foi fornecida. Eliane relata: Ela não quis me

entender. Aumentou a voz comigo. Estava próximo do horário do almoço e minha

amiga chegou me chamando para irmos almoçar. Quando a chefe notou isso, baixou

a voz. Mas continuou ríspida e grossa pedindo para eu passar um email corrigindo

os dados. Mas o que me magoou muito é que na mesa ao lado da dela estava cheio

de gente. Achei que foi muito ela falar comigo daquela forma com meus colegas de

34

Depoimento colhido por mim em de 13 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 35

Idem.

137

trabalho ali, entendeu? Essas coisas machucam a gente, mais ainda quando você é

sensível, a sensibilidade em si estraga tudo36.

Nas duas situações existe um distanciamento entre a chefia e suas

funcionárias com deficiência em termos de relacionamento, talvez pela falta de

sentarem e conversarem abertamente, ou mediante a interveniência da coordenação

da área de um representante do programa responsável pela inserção das pessoas

com deficiência no Sistema FIEP de forma a resolver os conflitos. Importante que as

chefias conheçam os membros das suas equipes de trabalho, principalmente as

pessoas deficientes. Uma das entrevistadas, por exemplo, tem agravado seu quadro

de deficiência quando está com seu sistema nervoso abalado, como consequência

fica afastada do trabalho o que baixa sua produtividade e reforça, diante dos seus

colegas, o estereótipo de que as pessoas com deficiência são problemáticas, só

causam problemas, não podem contar com elas, caracterizando o estigma da

deficiência no emprego.

Outro depoimento fala a respeito da necessidade da chefia acompanhar os

anseios de crescimento das pessoas com deficiência ou surdas e coloca que pensa

em desenvolver coisas e projetos diferentes como forma de crescer, não apenas

profissionalmente na instituição, mas também em importância e valorização pelos

demais colegas de trabalho. Explica que precisou elaborar determinada atividade em

seu computador para uma colega de trabalho, mas que não tinha o ―software‖ ou a

ferramenta necessária, que lhe foi repassada por essa colega por email e questiona,

será que não colocaram no seu computador uma ferramenta que tem nos

computadores dos demais funcionários por que não acreditam na sua capacidade ou

por que acham que ela nunca precisaria executar tal atividade em razão do cargo

que ocupa?

Fica a questão: essa postura seria uma política, uma prática ou uma falha

institucional, ou uma falha da chefia que não verificou isso? Se configurar uma

política institucional, seria contrária à política de inserção de pessoas com

deficiência no Sistema FIEP. Se for uma responsabilidade da chefia demonstra falta

de preparo para tratar com a sensibilidade e suscetibilidade dos seus subordinados,

incluindo-se pessoas com deficiência e as surdas, pois deveria verificar se todos

estão recebendo as mesmas condições para desenvolvimento de suas atividades,

36

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

138

considerando-se que no Sistema FIEP se pratica uma gestão da diversidade

baseada na dissolução das diferenças. (PEREIRA; HANASHIRO, 2007).

A respeito dos elementos de comportamento com os quais se identificam com

o grupo de trabalho ao qual pertencem, uma das entrevistadas apontou que a

maneira de se comunicar e de se expressar, a alegria, o cooperativismo e o trabalho

em equipe, o fato de serem pessoas positivas, são os pontos que a atraem e com os

quais mais se aproxima. Comentou que esse grupo luta pelos seus ideais, faz festa

de aniversario, se importa com os demais colegas, sabem quando um não está bem

e procuram se unir para todos alcançarem os objetivos, o que segundo ela, faz a

diferença em relação aos demais grupos que vê na instituição.

3) Orgulho de ter emprego

A oportunidade do emprego tem um significado muito importante para as

pessoas com deficiência e pessoas surdas. Aparecida coloca que antes do seu

primeiro emprego: Eu era uma pessoa que não tinha oportunidades. Diziam: Ah

aquela lá vai virar o que? Uma drogada? Me olhavam assim, afinal ela não tem mãe

e não tem pai. É deficiente vai virar drogada. Não vai ser ninguém na vida,

entendeu? Eu não tinha vontade nem de sair, por conta disso. O fato de não ter um

emprego parece distingui-la das outras pessoas.

O mesmo sentido de importância é atribuído ao emprego por outra

entrevistada quando comenta que a principal discriminação era a de ser considerada

como ―coitada‖, ou seja, como alguém que não tinha capacidade para conseguir

uma oportunidade de emprego para melhorar de vida.

O que pode ser ressaltado da condição das pessoas com deficiência é que

elas se orgulham de terem conseguido vencer, ultrapassar em parte o preconceito e

o fantasma da inutilidade. Dolores explicita isso em sua fala: Eu sou valorizada pelo

meu trabalho. Quando descobrem que sou uma pessoa que trabalha em uma

empresa como o Sistema FIEP, elas começam a olhar com outra visão, não pela

visão da minha deficiência, enxergam a pessoa que está por trás da deficiência.37

Algo semelhante é apresentado por Eliane ao falar sobre o convívio familiar e

o fato de ter emprego: No final de semana minha mãe dá sempre um jeitinho de

37

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

139

fazer meus sobrinhos ficarem quietos para eu descansar até mais tarde. Ela fala

assim: “Tua tia trabalhou a semana inteira, deixe-a descansar”. Então, é uma coisa

gostosa de ouvir. Que a pessoa nota que você está trabalhando, está sendo útil.38

Esses depoimentos indicam que o descrédito em relação às pessoas com

deficiência e o estigma social a partir do qual estão marcadas ao longo de suas

vidas, também aparece no emprego que possibilita o confronto com situações de

discriminação.

A importância, a história e a tradição do Sistema FIEP conferem ao emprego

dessas pessoas com deficiência um status que lhes garante maior reconhecimento

público. Márcia, de certa forma, evidencia isso em seu depoimento: Ah, as pessoas

ficam admiradas de eu estar trabalhando no Sistema FIEP, por causa do tamanho

[da instituição] [...].39

Nesses contatos são demonstrados o preconceito contra as pessoas com

deficiência e as surdas que no fundo se expressa na visão: ―nossa como ela, uma

pessoa com deficiência, pode estar trabalhando nesse local?‖

Márcia ressalta a importância da Lei de Cotas na destinação de vagas para as

pessoas com deficiência. Aqui [onde trabalho] é muito bom, graças à lei [de cotas]

que obriga as empresas à contratação de pessoas com deficiência eu estou aqui,

por que na época quando eu tinha 23 anos não tinha oportunidade de emprego para

te favorecer. Sempre tive vontade de trabalhar, sempre; depois eu vi que a lei

mudou a contratação de pessoas com deficiência.40

A partir do depoimento de alguém que está vivenciando o processo de

inserção, e que passou pela discriminação de ser rejeitada pelo mercado de

emprego, é possível notar que a Lei de Cotas vem cumprindo um papel muito

importante na inserção de pessoas no emprego. Com relação às atividades

desempenhadas no emprego, a avaliação de Márcia se aproxima das visões de

suas colegas: Eu me sinto bem no trabalho, graças a Deus, gosto de trabalhar, me

sinto bem porque eu aprendi muitas coisas, como para não gritar e tratar bem as

demais pessoas, de forma educada. Coisas que não tinha aprendido antes.41

Dessa forma, fica clara a importância do emprego na vida das pessoas com

deficiência ou surdas, conferindo-lhes um papel na sociedade, bem como, a

38

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 39

Depoimento colhido por mim em 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 40

Depoimento colhido por mim em de 14 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 41

Idem.

140

elevação da autoestima, proporcionando-lhes viver com autonomia, por se verem

inseridas em um sistema produtivo.

4.1.2 Visões do Pessoal de Gestão

As visões aqui retratadas, colhidas nas entrevistas com o pessoal da

coordenação dos dois programas de inserção das pessoas com deficiência no

trabalho do Sistema FIEP, um de caráter externo – voltado para a orientação e

consultoria das empresas filiadas ao Sistema no seu processo de inserção das

pessoas com deficiência, e outro de caráter interno – tratam das suas observações

nas atividades diárias como interlocutoras desses programas. Esses depoimentos

mostram a visão dos gestores do Sistema FIEP sobre a deficiência, às pessoas com

deficiência ou surdas, ao processo de inserção, o trabalho com as pessoas com

deficiência ou surdas.

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas

A visão sobre deficiência relacionada com as pessoas com deficiência do

pessoal de gestão do Sistema FIEP difere, em certa medida, a do pessoal de gestão

das empresas afiliadas à Federação das Indústrias do Paraná (FIEP).

Com relação ao pessoal de gestão do Sistema FIEP, a deficiência é encarada

como uma limitação física que não impede o desenvolvimento de uma vida

produtiva. Em função disso, as pessoas com deficiência ou surdas são tratadas do

mesmo modo que os demais funcionários, apesar das peculiaridades de cada uma

exigir em determinados momentos certa flexibilidade das regras e normas de gestão.

Paula, representante do programa de inserção interno, comenta: Acho que a gente

quebrou alguns paradigmas, com os próprios gestores que a gente tem no nível de

média gerência que é muito dividido. Tem alguns que olham e dizem: não, que legal,

vamos fazer. Outros que olham: não, não dá, tem um monte de empecilhos. Então a

gente quebra um pouco de paradigmas quando eles olham e [expressam]: puxa, deu

certo, que legal.42

42

Depoimento da representante do programa de inserção (foco interno) colhido por mim em 01 de

julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

141

A fala de Paula demonstra que não existe unanimidade em relação ao

processo de inserção das pessoas com deficiência no Sistema FIEP. Segundo

Hanna, o preconceito também acontece na visão dos responsáveis pelas empresas

afiliadas ao Sistema FIEP, que aparece nas diferentes justificativas como a falta de

qualificação e nível de escolaridade dessas pessoas. Além disso, também

expressando preconceito, existe uma série de desculpas dos empresários na

contratação de pessoas com deficiência ou surdas. Segundo Hanna: [...] quando

declaram que não vai dar certo, que não funcionará, que por mais que você queira,

eles não são produtivos, que a produtividade vai cair, eles não vão conseguir que

são difíceis de lidar, vai dar muito atestado. Mas o que a gente tenta esclarecer na

maioria dos casos é que, com ou sem deficiência, o problema não é a deficiência, é

a personalidade. Você vai ter gente normal e difícil, te dando problemas do mesmo

jeito.43

Autores como Schur, Kruse e Blanck (2005) apresentam uma pesquisa

realizada em 2003 nos Estados Unidos pela Universidade Rutgers, de caráter

nacional com empresas com cinco funcionários ou mais quando se constata que

20% dos empregadores disseram que o maior obstáculo para as pessoas com

deficiência para encontrar emprego é o preconceito, a discriminação ou a relutância

do empregador em contratá-los. Guardadas as devidas considerações a respeito

das diferenças culturais e práticas entre empresas norte americanas e brasileiras, é

possível afirmar que a discriminação em relação aos deficientes, aos surdos e os

estereótipos sobre eles criados, relaciona-se com a cultura organizacional.

As expectativas quanto ao desempenho no emprego e os estereótipos

referentes à deficiência foram analisados por Colella e Varma (1999) que verificaram

que pouco influenciam as decisões dos gestores e supervisores com relação ao

desempenho passado das pessoas com deficiência e das surdas, ou seja, sobre o

que realizaram, se os seus objetivos forem claros. Os preconceitos e estereótipos

influenciam a análise de desempenho futuro das pessoas com deficiência e das

surdas, e a oferta de treinamento, podendo trazer graves consequências em longo

prazo na carreira profissional. Torna-se, ainda mais grave, quando, diante das suas

43

Depoimento da representante do programa de inserção (foco externo) colhido por mim em 01 de

julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

142

limitações, uma pessoa com deficiência ou surda for considerada inadequada para o

desempenho de uma determinada tarefa ou atividade.

Em função disso, Paula e Hanna têm buscado mostrar aos gestores do

Sistema FIEP e das suas empresas afiliadas que as pessoas com deficiência ou

surdas enfrentam muitas restrições em várias situações e a obtenção de emprego

seria uma delas. Uma das restrições, as ausências, um dos pontos bastante

apresentados pelos gestores para não contratar pessoas com deficiência ou surdas,

são rebatidas por Paula e Hanna, informando-os que não somente esse grupo de

pessoas tem faltas elevadas ao trabalho, mas que existem empresas cujas taxas de

absenteísmo dos funcionários sem deficiências são maiores do que dos funcionários

com alguma limitação. Além disso, se o absenteísmo entre eles crescer é necessário

diagnosticar as causas disso, minimizá-las ou eliminá-las. Às vezes taxas elevadas

de absenteísmo indicam as dificuldades de locomoção e a distancia entre o local de

moradia e a empresa; problemas de saúde; de relacionamento com a chefia ou

colegas; inadaptabilidade às funções que realiza, às máquinas e equipamentos;

dificuldade de comunicação; dificuldade com o horário. Uma série de aspectos que

deve ser investigada e que envolve também todos os funcionários, não apenas as

pessoas com deficiência.

No tocante à baixa escolaridade das pessoas com deficiência, ou surdas,

argumentam com os representantes empresariais, que as falhas na formação das

pessoas com deficiência ou surdas decorrem do sistema escolar que, geralmente,

não estão aparelhadas para inseri-las, ou para atender as suas necessidades

específicas. Como consequência, muitos deles abandonam a escola. Assim, as

pessoas deficientes e pessoas surdas, se têm baixa qualificação profissional, essa

situação mostra que o grau de escolaridade exigido por cursos profissionalizantes

rebate na oferta de emprego, também. Portanto, as situações de vida se inter-

relacionam e se afetam reciprocamente. Quando não se contrata alguém porque tem

baixa qualificação profissional ou porque não tem escolaridade, desconsidera-se que

uma oportunidade de emprego possibilita adquirir qualificação pela experiência na

execução de tarefas.

Segundo as entrevistadas, se chegou a um nível tal de exigência de

escolaridade que para desempenhar determinadas atividades básicas, por exemplo,

de limpeza, exige-se o segundo grau completo. Existem, ainda, as desculpas e

discussões sobre a Lei de Cotas. Hanna comenta: Infelizmente, pelo que a gente

143

conhece do nosso país, se não tivesse lei, iam levar mais 20, 30 anos pra este

processo [de inserção] ou até mais para ele se concretizar. Então, o que, que a

gente também trabalha com os gestores é se esse pessoal não está qualificado,

vamos qualificá-los. A gente qualifica aprendiz, a gente qualifica “trainee”. Então por

que não outro grupo, que também precisa de qualificação? E também a gente

lembra que tem muitas funções numa companhia, que não precisa de grandes

qualificações. 44

O grau educacional é importante, mas a contratação de funcionários nas

funções, como por exemplo, zeladoria, ou limpeza, não há essa exigência, o que

importa seria a habilidade demonstrada no desempenho de certas tarefas e

atividades. No entanto, isso requer uma atitude mais flexível na contratação de

assalariados nas empresas.

Esses comentários demonstram a resistência quanto à obrigatoriedade de

contratação para atender as exigências da Lei de Cotas. Considerando a

qualificação exigida, Hanna explica que o Sistema FIEP, por meio do SENAI/PR

passou a desenvolver um projeto que visa qualificar as pessoas para o emprego,

inicialmente não destinado às pessoas com deficiência ou surdas, mas que passou a

atender bem as necessidades desse público, com cursos de menor duração e de

aspecto bem técnico. Segundo Hanna, esses cursos proporcionam [...] uma

formação inicial em mecânica, em manutenção predial, manipulação de alimentos.

Então eles já dão uma condição. Para esses cursos o nível de escolaridade mínima

é a quarta série do ensino fundamental, isso porque na maioria dos cursos técnicos,

eles pedem uma escolaridade maior. Então já é uma forma de você começar a

qualificar e dar oportunidade [a outro nível de trabalhadores].45

Além dos aspectos relacionados ao grau de escolaridade e a qualificação

profissional, Tanaka e Manzini (2005), apontam também, o descumprimento das

determinações presentes na legislação, o descrédito referente à capacidade real das

pessoas com deficiência para o exercício das funções a eles atribuídas, que se

caracterizam em muitos casos por atividades simples, que praticamente não exigem

qualificação profissional. Enquanto Lino e Cunha (2008) chamam a atenção para

outros aspectos que contribuem para a não contratação de pessoas com deficiência,

por exemplo, a obrigação das empresas terem de substituir uma pessoa deficiente

44

Idem. 45

Idem.

144

por outra nas mesmas condições, em caso de demissão; a alegação de que tem

dificuldade para encontrar profissionais com deficiência que estejam aptos ao

desempenho das funções, resultado do pouco investimento na qualificação de

pessoas em tais condições; a crença de que não tendo qualificação profissional não

apresentará resultados compatíveis com o ritmo de produtividade determinado pela

empresa; a exigência de contratar um determinado número de pessoas com

deficiência quando a empresa deve criar novas vagas ou demitir outros profissionais

sem deficiência; as dificuldades em adaptar as instalações físicas para extinguir as

barreiras arquitetônicas. Diante disso, algumas empresas patrocinam cursos de

capacitação profissional com a finalidade de preparar as pessoas com deficiência

para a posterior contratação como funcionário, se surgirem vagas. Outras preferem

pagar as multas em razão de não contratarem pessoas deficientes como preconiza a

lei.

Importante, ainda, destacar a situação em que as pessoas com deficiência e

as surdas tem nível elevado de escolaridade e qualificação, mas não são

contratadas. Qual a causa? Hanna comenta: Então a gente tem os dois lados [no

mercado de emprego]: tem as pessoas com um alto grau de escolarização que

também não conseguem. Que daí é aquela coisa cai por terra o discurso de que: ah,

se tiver escolarização então ele está pronto. Tem aqui um com escolaridade e vocês

não estão contratando.46

Portanto, quando a escolarização é alta, qual seria a justificativa para a não

contratação? O jornal O Estado de São Paulo, em matéria publicada no caderno

empregos do dia 22 de maio de 2011, expõe uma questão que vem desafiando a

gestão empresarial de pessoas com deficiência. Segundo Danilo Castro, consultor

desse artigo, ―o gestor não sabe como lidar com esses profissionais na empresa‖ ou

seja, profissionais de nível superior com alta qualificação. Eles sofrem, mesmo

assim, discriminação e carregam o estigma da deficiência, seja no emprego, seja na

busca de um emprego. Se para as empresas inserir pessoas com deficiência ou

surdas com baixa escolaridade ou qualificação profissional já é um desafio, o

contrário se torna um desafio ainda maior.

Os depoimentos relatados até aqui, se somam aos de uma funcionária da

Agência Regional do Trabalhador de Ponta Grossa – PR, da Secretaria Estadual do

46

Idem.

145

Trabalho, quando realizei uma pesquisa exploratória para a elaboração do projeto

inicial do doutorado. Segundo ela, as empresas divulgam as vagas para pessoas

com deficiência, ou surdas. Se não forem encontrados candidatos para o

preenchimento das vagas de acordo com o perfil exigido, as empresas se eximem

da aplicação das multas, alegando que não apareceram interessados.

A visão estereotipada do pessoal de gestão sobre a deficiência, as pessoas

com deficiência ou surdas é apresentada por Hanna quando explica sobre a nova

edição do programa de inserção de pessoas com deficiência no Sistema FIEP, que

passou a contemplar pessoas com deficiência intelectual. Ao expor o programa para

os empresários, conta que recebeu comentários de descrença ou assombro: Ela

coloca: [...] a turma que a gente tem hoje dos aprendizes com deficiência intelectual

no aprendizado de rotinas administrativas, já é uma grande prova de que você

consegue, porque se você fala numa empresa: “ah, uma pessoa com deficiência

intelectual na área administrativa, eles falam: vocês estão loucos, eles vão fazer o

quê? Imagina?” E eles têm condições. Mas aos poucos [como aconteceu no próprio

Sistema FIEP] as pessoas vão percebendo que tem atividades que eles têm

condição sim de fazer.47

As pessoas com deficiência intelectual que foram inseridas em uma segunda

etapa, sofrem o estigma social relativo a sua deficiência. No emprego podem ser

responsabilizadas por perturbar o local de trabalho, criando instabilidades nas

relações sociais entre colegas. Nessa situação, correm o risco de serem

confundidas com doentes mentais, em razão de há pouco tempo, eram vistos como

deficientes mentais. A esse propósito Sassaki (2004) explica que o termo ―mental‖ é

o causador dessa confusão, por isso sua substituição por ―intelectual‖.

A propósito do emprego, a limitação intelectual pode impedir o desempenho

de algumas atividades, mas não todas. A questão seria identificar quais são essas

atividades e funções, no âmbito administrativo, que possam desempenhar.

Outro comportamento dos gestores das empresas filiadas à FIEP, apontado

pelas entrevistadas da área de gestão do Sistema FIEP, diz respeito à busca e

preferência por pessoas com deficiência física leve, ou que no máximo seja

muletante, ou ainda surdos. As pessoas com cadeiras de rodas são preteridas. Os

mais estigmatizados no processo de escolha são aqueles com deficiência múltipla.

47

Idem.

146

Segundo Paula e Hanna, o que se nota presentemente é a tendência crescente de

contratar pessoas com deficiência intelectual, antes deixadas de lado. Muitos desses

pontos fazem parte das rotinas internas das instituições que compõem o Sistema

FIEP.

Ao pesquisarem sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado de

emprego, Araújo e Schmidt (2005) verificaram que nas empresas 80% das pessoas

inseridas apresentam deficiência auditiva (e aqui eles incluem os surdos) e

deficiência física. Em seguida, vêm os deficientes visuais.

Situação parecida é retratada pelos dados da RAIS, no período de 2007 a

2010. Existe uma preponderância dos deficientes físicos, seguidos pelos deficientes

auditivos (incluindo-se as pessoas surdas), e deficientes visuais, na ocupação das

vagas para pessoas com deficiência. O quadro demonstra a preferência por

deficiências que não exijam tantas modificações nos postos de trabalho ou

ambientes de trabalho diferenciados, assim como aponta Rosa (2009), ―[...] que

impliquem em gastos adicionais e influenciem negativamente na produção da taxa

de mais-valia da empresa.‖ (Idem: 18). Garcia (2010) entende que as ―práticas como

procurar alguém para trabalhar em função de uma ‗deficiência mais leve‘, e não por

sua competência profissional, devem ser combatidas e qualificadas como

discriminatórias.‖ (Idem: 178).

Outro ponto indicado pelas entrevistadas diz respeito à necessidade de

esclarecer aos empresários e aos responsáveis pela inserção nas empresas, com a

finalidade de quebrar-lhes a resistência contra a inserção, que se ela não ocorrer as

empresas sofrerão sanções. Procuram conscientizá-los que a Lei de Cotas surgiu

em decorrência das contratações não estarem acontecendo48, e ainda, esclarecê-los

sobre a importância de se proceder a uma inserção que vá além da simples

contratação de pessoas com deficiência. Entretanto, as contratações continuam

acontecendo com a grande finalidade de atender a Lei de Cotas.

48 Esse é o pensamento das representantes dos programas de inserção do Sistema FIEP. Como lembra Lumatti (2004), assim como outras leis, a Lei de Cotas não surgiu sem uma base de reflexão proveniente da consciência social de um grupo, refletindo um momento histórico, em que o movimento das pessoas com deficiência exerceu pressão política e fizeram reivindicações ―para que se instituísse no plano público a garantia dos seus direitos.‖ (Idem: 9).

147

2) O que fazem as pessoas com deficiência?

A vida produtiva das pessoas inseridas no Sistema FIEP, e por extensão nas

empresas filiadas, está ligada ao desenvolvimento de tarefas rotineiras, como fica

evidente na fala de Paula, representante do programa interno de inserção, quando

comenta: Isso, exatamente, rotineira. Porque, a gente tem um público muito técnico

no prédio. Então a gente teve que pensar muito estrategicamente onde colocaria as

pessoas. Aí elas ficaram realmente naquelas atividades assim rotineiras, naquelas

coisas que a gente precisa de alguém pra fazer, [mas] acabava relegando e

deixando pra daqui a pouco.49

A execução de tarefas rotineiras no processo produtivo das empresas

capitalistas, por pessoas com deficiência ou surdas é recorrente. Toffler (1980) fala

que em sua autobiografia Ford registrou que quando começou a fabricar o Modelo T,

eram necessárias 7.882 operações para produzi-lo e ―[...] destas 7.882 tarefas

especializadas, 989 exigiam ‗homens fortes‘, fisicamente hábeis e praticamente

homens perfeitos‘; 3.338 tarefas precisavam de homens de força física apenas

‗comum‘, a maioria do resto podia ser realizada por ‗mulheres e crianças crescidas‘

e, continuava friamente, ‗verificamos que 670 tarefas podiam ser preenchidas por

homens sem pernas, 2.637 por homens com uma perna só, duas por homens sem

braços, 715 por homens com um braço só e 10 por homens cegos‘. Em suma, a

tarefa especializada não exigia um homem inteiro, mas apenas uma parte. Nunca foi

apresentada uma prova mais vivida do quanto à superespecialização pode ser

brutalizante.‖ (Idem: 62).

Relacionada ao trabalho das pessoas com deficiência existe, nas empresas,

preferências por tipos específicos de deficiências no processo de recrutamento e

seleção, apesar de ser uma prática condenada por lei. Dentre os fatores que podem

afetar as atitudes dos empresários na contratação de pessoas com deficiência, ou

surdas, estudados por Unger (2002), está o tipo e, ou a gravidade da deficiência do

trabalhador ou candidato. Greenwood, Schriner e Johnson (1991) mostram que, na

indústria, os gestores estão mais dispostos a contratar pessoas com deficiência

física do que as pessoas com deficiência intelectual ou surdez, que afetem o

49

Depoimento da representante do programa de inserção (foco interno) colhido por mim em 01 de

julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

148

emocional, o intelecto ou a comunicação, em razão da menor dificuldade em recrutar

e selecionar estes trabalhadores, e com a expectativa de melhor desempenho.

Paula justifica a alocação de pessoas com deficiência no Sistema FIEP,

explicando: [...] a questão da rotina pra eles é importante, pra alguns deles, e daí a

gente sentiu isso como um beneficio, porque contribuiu muito para as equipes. A

questão do bom humor, aquela questão assim: ah, não é por isso, não é porque tá

chovendo, que o dia vai tá muito ruim. Então assim, dá vontade de estar aqui.50

Nessa ótica a escolha das atividades a serem atribuídas às pessoas com deficiência

e às surdas, tem a finalidade de contribuir, não para eles em particular, em termos

de desenvolvimento profissional, mas como necessárias ao grupo. Esse discurso

expressa que se tem alguém que tem que realizar essas atividades que nada

acrescentam em termos de enriquecimento do cargo, que sejam as pessoas com

deficiência ou as pessoas surdas. Isso significa que apesar de todas as pessoas

inseridas terem feito um curso de capacitação para o cargo de auxiliar

administrativo, estao enquadradas no cargo de auxiliar de serviços. Seria um

julgamento de que as pessoas com deficiência são incapazes de assumir funções

mais elaboradas, que exigiriam capacidade intelectual que os gestores julgam que

eles não possuem o que remete novamente ao estereótipo que liga a deficiência

física e a surdez à incapacidade intelectual? O discurso reflete, portanto uma visão

sobre a deficiência e as pessoas com deficiência, de que são produtivas, mas sem

as qualificações exigidas para alguns cargos, que podem ser inseridas, mas para

desempenhar algumas atividades, outras não. Aqui se faz presente o estigma social

da deficiência no emprego, nascido dos estereótipos criados, somados aos atributos

(deficiência física, auditiva, surdez).

As visões sobre deficiência, pessoas com deficiência e a sua capacidade de

trabalho, demonstram a falta de crença dos não deficientes nas potencialidades das

pessoas deficientes ou surdas. Araújo e Schmidt (2006) demonstram, por meio de

pesquisa realizada com 30 empresas, de pequenas a grandes, na cidade de Curitiba

- PR, que as principais justificativas para não trabalharem com pessoas com

deficiência ou surdas são: falta de preparo da empresa para o recrutamento;

resistência dos dirigentes da empresa; problemas de conduta das pessoas com

deficiência (e das surdas); problemas de espaço físico na empresa; baixa

50

Idem.

149

qualificação dos candidatos; pouca oferta de mão de obra; baixa escolaridade dos

candidatos.

3) O convívio entre pessoas com deficiência, pessoas surdas, colegas e chefias

Na convivência entre pessoas com deficiência, surdas, colegas e chefias, a

tônica é o preconceito, apesar do programa para inserção interna. Paula explica: O

que a gente vê é assim, no fundo, no fundo, ainda, o preconceito. Preconceito no

sentido de falta de conhecimento, de conhecer as possibilidades que podem existir

[...] inclusive a gente se cercou de cuidados, de detalhes, pra fazer que as coisas

[inserção] fossem as mais tranquilas possíveis, tanto pros funcionários, quanto pras

pessoas com deficiência. E um dos cuidados foi à tutoria. Chegamos a avaliar se

isso não seria até demais? Mas depois percebemos que no decorrer do tempo foi

muito bom [facilitou a inserção]. Mas o principal [que se sobressai] é a questão do

preconceito interno, e daí na falta de qualificação.51

O preconceito é gerado do questionamento da competência das pessoas com

deficiência e das surdas que são semelhantes aos preconceitos do pessoal de

gestão apresentados, em razão de que a visão sobre as pessoas com deficiência, e

pessoas surdas, é carregada dos estereótipos advindos do estigma social que

evidencia a desconfiança sobre a sua capacidade no emprego. O preconceito

demonstrado, segundo as entrevistadas, em parte tem origem no medo de trabalhar

com o diferente, até mesmo de abordá-lo (situação que cabe perfeitamente com

relação às pessoas surdas em razão da dificuldade de comunicação). Em Simmel

(1977), seria o elemento diferente, estranho e perigoso, que desestabiliza as

relações de um determinado grupo, podendo atingir a coesão grupal. Seria, portanto,

uma questão de defesa, de proteção diante do diferente. As pessoas com deficiência

e, principalmente, as pessoas surdas, também buscam se defender diante das

outras pessoas, criando barreiras atitudinais que impedem as relações sociais. Tal

comportamento tem raízes na discriminação social, bem como, na auto

discriminação (se sentem inferior aos outros, decorrência da autoestima baixa)

contribuindo para reforçar o estereótipo de que ―as pessoas com deficiência,

principalmente as surdas, são difíceis de lidar.‖

51

Idem.

150

Conforme Stone e Colella (1996) existem três possibilidades que ocorrem no

relacionamento entre pessoas com deficiência, ou surdas e seus colegas sem

deficiências. Inicialmente, esses colegas podem temer que sua carga de trabalho

seja aumentada em função de passar a trabalhar com uma pessoa com deficiência,

ou surda, em razão de ter que, possivelmente, segundo entende, ter que estar

auxiliando em suas tarefas ou explicando-lhe o trabalho. Quando as tarefas são

interdependentes, os colegas de trabalho temem perder recompensas pelo

desempenho da equipe depender do desempenho da pessoa com deficiência (a

visão de baixa produtividade das pessoas com deficiência ou surdas). Existe, ainda,

o temor de que algumas deficiências são contagiosas (mesmo não sendo) algo já

indicado por Goffman (2008). Por último, os colegas de trabalho temem um efeito

negativo sobre os resultados interpessoais. Isso ocorre quando em situações que

tem que interagir com pessoas com deficiência, ou surdas, sentem embaraço,

desconforto, ambivalência, culpa, o que resulta em comportamentos mediante os

quais passam a evitar ou se excluir as pessoas com deficiência, ou surdas, de

grupos de trabalho formais ou informais.

Pode ser acrescida, ainda, a situação em que as pessoas sem deficiência

temem que as pessoas com deficiência ou surdas alcancem performance elevada

no desempenho de suas tarefas, acima da sua, situação em que se sentiriam

embaraçadas diante do estereótipo de baixa produtividade das pessoas deficientes

ou surdas.

A situação de desconforto, insegurança, medo, de ambas as partes,

perdurara, até que efetivamente trabalhem em conjunto, aprendam a conviver,

respeitar e aceitar as diferenças. Dessa forma, terão a oportunidade de mudar a

perspectiva sobre o desempenho dos inseridos na execução de tarefas. Além disso,

a convivência com a diferença possibilita desenvolver uma amplitude na forma de

olhar o mundo e as pessoas. Paula demonstrando entusiasmo sobre essa situação,

exterioriza: Eu acho que foi a convivência mesmo, as pessoas aprenderem a

conviver com as pessoas com deficiência, quebrando alguns tabus e até pensando:

puxa, com toda essa chuva, ela de muleta conseguiu chegar aqui. É das pessoas

olharem para as pessoas com deficiência e considerarem: se eles conseguiram

vencer as dificuldades que eles têm, em muito mais dificuldades que eu, meu dia de

trabalho tá ganho. Então, o bom humor, claro, nem todos, mas principalmente com a

deficiência intelectual a gente sente isso, a questão do bom humor, porque alguns

151

deles fazem as coisas que a gente literalmente não gosta de fazer, aquelas coisas

que exigem maior concentração.52

A convivência seria o fator decisivo na mudança de perspectiva sobre as

pessoas com deficiência, quando se considera principalmente, as dificuldades de

deslocamento da residência até o emprego; no próprio local de emprego e na

superação para o desempenho de atividades que, às vezes, se tornam desafiadoras.

No processo de interação e reflexão são construídas e reconstruídas as

representações sobre a deficiência e as pessoas que trazem limitações físicas ou

cognitivas. Uma postura que se estenderá à avaliação do desempenho de cada

uma. É o que expressa, Paula: Então, eles começam a ver a competência no

trabalho, começam a ver a pessoa [não a deficiência}, começam a ver o quanto ele

aprende convivendo com o que é diferente, ele [a pessoa com deficiência] não se

resume naquela questão pejorativa da deficiência, mas ele é uma pessoa diferente.

Aceitar a diferença, não a deficiência. E se surpreender como muitos se

surpreendem, e eles falam: [...] eles fazem melhor do que eu.53

O que está em jogo seria o desafio de se trabalhar com o diverso, tendo em

vista a proposta de gestão da diversidade, aceitando e respeitando as diferenças.

No entanto, as pessoas com deficiência não são modelo ou referência para

execução de certas tarefas, ou seja, se elas fazem por que na posso executar. Essa

avaliação pode expor as pessoas com deficiência e as surdas nas suas interações

no emprego acarretando dificuldades para sua adaptação e aceitação.

Com Goffman (2008), pode-se dizer que ao mesmo tempo em que se busca

inferir uma série de imperfeições das pessoas deficientes ou surdas, a partir da sua

imperfeição original, busca-se atribuir outros tipos de atributos. O autor fala de

atributos desejáveis, mas não desejados, que estão ligados ao aspecto sobrenatural

como sexto sentido ou percepção. Nessa mesma linha, pode-se entender esses

atributos com os quais se tenta ―premiar‖ as pessoas com deficiência que as coloca

na condição de sobre-humanos pelo que fazem ou realizam, sobretudo no campo de

trabalho. A fala de Goffman (2008) se torna mais clara quando Paula comenta: Isso,

isso é uma coisa que eu ia comentar aqui sobre produtividade. Que é assim, a

produtividade deles é diferente. Nem todos têm uma produtividade assim: ah, 100%.

Não são 100%. Mas, o que eles produzem é melhor até do que a gente produz...

52

Idem. 53

Idem.

152

Então assim, quando eles apostam naquilo eles fazem com qualidade realmente,

com vontade de fazer aquilo muito bem feito.54

A visão sobre o desempenho das pessoas com deficiência revela, ainda, uma

tentativa compensar, de certa forma, as pessoas com deficiência pelas

discriminações sofridas. Corre-se o risco de se desenvolver uma expectativa que

transcende à capacidade real do indivíduo com deficiência, que poderá marcá-lo

negativamente caso não corresponda a tal expectativa. Afinal, afora a sua limitação

física, como já foi comentado, ele é um indivíduo que passa pelos mesmos

processos emocionais de uma pessoa normal.

Nesse processo de inserção no emprego é importante respeitar as diferenças,

compreender que cada pessoa tem uma história por trás de sua deficiência ou

surdez, necessitando de compreensão, paciência e tolerância até sentir-se

realmente inserida no Sistema FIEP. A esse respeito, Paula comenta que [...] cada

pessoa com deficiência é única. Então assim, você vai fazer a inclusão, você tem

que pensar que: uma que você consiga fazer inclusão efetiva, nossa você vai tá

fazendo um baita de um trabalho, porque eles são muito individuais e cada um com

sua história, cada um com sua limitação, a sua competência.55

Apesar de o tratamento ser dispensado de forma igual, para todos, como já foi

especificado, a área de gestão de pessoas das instituições que formam o Sistema

FIEP tem buscado atender as pessoas com deficiência de forma diferenciada em

suas necessidades. Contudo, apesar de exporem que cada um tem a sua

competência, que é tratada de forma homogênea, e coletivamente todas as pessoas

com deficiência do Programa Aprendendo com a Diversidade, edição 2007, estão

desempenhando funções de auxiliar de serviços. Será que nenhum dos

selecionados e contratados têm competência para ocupar o cargo de auxiliar

administrativo para o qual se prepararam no curso de capacitação? As práticas,

portanto, são contrárias ao discurso apresentado. A ―inclusão efetiva‖ também não

acontece, pois a questão da acessibilidade não é levada em consideração, além do

que, na prática, verifica-se que nos relacionamentos entre os colegas de trabalho,

como já foi discutido na parte que trata sobre a visão das pessoas com deficiência

na relação com os colegas de trabalho, os deficientes são desconsiderados quando

se oferecem para realizar outras atividades ou para auxiliar os demais integrantes

54

Idem. 55

Idem.

153

das equipes de trabalho em atividades outras. Isso é não realizar ―inclusão efetiva‖ e

nem acreditar na competência de cada um. Apesar do discurso de que cada um é

único, o tratamento nas relações diárias de trabalho é homogêneo e isso inclui as

pessoas com deficiência e as pessoas surdas: todos acabam sendo deficientes (no

sentido de eficiência para o desempenho de tarefas).

4.1.3 Visões do Pessoal de Tutoria (colegas de equipe)

A visão do pessoal de tutoria tem duplo aspecto. Representa o olhar daqueles

que desempenham o papel de tutores junto às pessoas com deficiência ou surdas

no processo de inserção interna do Sistema FIEP e representa o olhar de pessoas

que estão na condição de colegas de trabalho, pois antes de se constituírem como

tutores, desempenham esse papel nas relações que travam diariamente com as

pessoas com deficiência ou surdas.

Segundo Mariana, uma das tutoras de implantação do Programa Aprendendo

com a Diversidade no Sistema FIEP, uma das prioridades seria facilitar a inserção

das pessoas deficientes ou surdas, na rotina de trabalho do Sistema FIEP. As

pessoas escolhidas para atuarem nessa função receberam um treinamento para

aprender a lidar com as situações advindas do processo de inserção. Nesse

treinamento, estava incluído um curso de LIBRAS ministrado por um professor

surdo, o que, de início, suscitou certa desconfiança a respeito do aprendizado.

Mariana a esse respeito se manifesta: O professor que nos deu aulas era deficiente,

ele era surdo mudo, não falava... de não falar nada. Só em LIBRAS. E eu pensei,

nossa! Como a gente vai aprender com ele se a gente não entende nada de LIBRAS

e como é que ele vai conseguir passar isso? Se a gente nunca tinha visto LIBRAS

na vida e se ele não falava uma palavra? Nossa! Foi a melhor experiência que eu

tive! Por que eu vi que era muito fácil... Logo no primeiro dia eu já saí de lá sabendo

o nome dele, como que ele ficou surdo, tudo... Não só em LIBRAS, até com sinais...

eu vi que não era difícil se comunicar. Quando você não conhece uma coisa você

acha que não pode, que não consegue, quando você é leigo no assunto. Você tem

um preconceito.56

56

Depoimento colhido por mim em de 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

154

1) Deficiência, pessoas com deficiência e pessoas surdas

Nesse depoimento, Mariana mostra, na verdade, uma desconfiança na

possibilidade de uma pessoa surda assumir alguma tarefa, além de chamar a

atenção sobre os temas utilizados para se referir às pessoas surdas. Na maioria dos

casos de surdez, a mudez ocorre por conta da pessoa não ouvir e, dessa forma, não

repetir os sons por meio da fala. Mas o aparelho fonador é perfeito, tanto que as

pessoas surdas emitem sons e, alguns quando oralizados, falam. Além disso, uma

contradição em sua fala fica evidente ao se referir que o surdo-mudo não falava, de

não falar nada. Ora, se é mudo, como vai falar? Mariana está expressando o

desespero que passou ao ter o ―choque‖ de se deparar com a surdez e tentar se

comunicar com ele pela primeira vez.

Outro ponto na fala de Mariana diz respeito à comunicação por sinais.

LIBRAS já é uma língua baseada em sinais, está em sua definição, apesar de ter um

alfabeto (também sinalizado). Possivelmente, a entrevistada estivesse se referindo

aos gestos estudados ou espontâneos, que complementam a comunicação em

LIBRAS, a comunicação gestual. Merece destaque, ainda, que o ser humano

desconhece suas capacidades, principalmente, quando submetido às situações

adversas. Nesses momentos se supera, como aconteceu com essa tutora.

Mariana comenta sobre a inserção de sua tutelada na equipe de trabalho. No

início teve receio por se tratar de um grupo de pessoas muito sisudas. Ela

comentou: Como será que eu vou inserir uma pessoa dessas naquele lugar? Onde o

pessoal é mais centrado em outras coisas? Lá, inclusive, as salas são todas

separadas. Cada um tem uma sala para atender as pessoas. E eu pensei: Não vou

conversar com eles. A coordenadora também achou que lá seria o lugar mais difícil

por causa do nível das pessoas [...].57

Cabe ao tutor preparar a equipe para a inserção da pessoa com deficiência

ou surda que estarão recebendo, servindo de interlocutor entre a equipe, a pessoa

em inserção e, a coordenação do programa para desenvolverem os ajustes

necessários como mudança de equipe se a pessoa deficiente ou surda não se

57

Idem.

155

adaptar. O temor demonstrado por Mariana está ligado à aceitação ou não pelos

colegas, da pessoa diferente.

O cenário, o local em que a equipe atua descrito pela tutora, ligado à

formalidade nas relações decorrente das atividades desenvolvidas pela equipe, em

que estão presentes diversas representações e fachadas que fazem parte do

processo de interação. Goffman (2009) denomina de representações, ―Toda

atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença

contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes

alguma influência.‖ (Idem: 29). Fachada se refere a todo ―[...] equipamento

expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo

indivíduo durante sua representação.‖ (Idem: 29). A fachada é composta de partes

padronizadas, como o cenário que compreende a ―[...] a mobília, a decoração, a

disposição física e outros elementos do pano de fundo que vão constituir o cenário e

os suportes do palco para o desenrolar da ação humana executada diante, dentro ou

acima dele.‖ (Idem: 29). O cenário é estático e precisa sempre estar adequado para

garantir a representação pelos atores que dele se utilizam. Em outro momento,

indicando o cenário como algo que se refere às partes cênicas do equipamento

expressivo, usa o termo fachada pessoal para se referir aos outros itens que

compõem o expressivo e que estão mais intimamente ligados, mais próximos ao ator

e que são levados aonde este vai. ―Entre as partes da fachada podemos incluir os

distintivos de função ou da categoria, vestuário, sexo, idade e características raciais,

altura e aparência, atitude, padrões de linguagem, expressões faciais, gestos

corporais e coisas semelhantes.‖ (Idem: 31). Numa empresa, em decorrência da

profissão (administradores, advogados, analistas de sistemas) e dos níveis de

hierarquia, diversas são as fachadas que servem como identificadores dos

indivíduos em relação às equipes que pertencem.

Assim na situação em análise, o ambiente formal é composto por um cenário

que procura transmitir o clima ―fechado‖, formal, onde as pessoas devem ser

tratadas com o designativo relativo ao cargo. O vestuário, de caráter social e,

portanto formal, procuram demonstrar o respeito que se deve ter para com aqueles

que trabalham naquele setor.

De tal forma, esses aspectos apontados por Goffman (2009) são importantes

e criam uma aura de respeito, neste caso em específico, que a tutora questiona-se

se ―essa pessoa‖ poderia se enquadrar naquele local. Se os membros daquele

156

grupo a aceitariam, em razão da sua deficiência. Nota-se, nessa preocupação o

temor do preconceito que a outra pessoa poderia sofrer, e que está presente nas

relações cotidianas de trabalho.

Comentando sobre o processo de comunicação, considerando que eles

estavam se preparando para receber uma pessoa surda, Mariana destaca as

dificuldades no aprendizado da nova língua: Na LIBRAS, o que me ajudou bastante

é que tinha uma apostila com os desenhos das mãozinhas indicando os sinais que

veio lá do Depto. Nacional. Então, antes de eu ir para aula eu dei uma olhada

naquele material. Qualquer coisa assim de sinal que ele [professor] fazia que eu

pegava, eu ia lá conferir. É, realmente, é como você estar em um país estranho, com

um dicionariozinho na mão, não é?58

O que fica evidente nas palavras de Mariana é que a pessoa com deficiência,

ou surda, causa estranheza no local em que se insere. O problema maior fica por

conta da comunicação quando envolvem surdos ou surdas ou pessoas com elevado

grau de perda auditiva. Em tais situações, as pessoas que tentarem se comunicar

com os surdos ou surdas, sem um preparo adequado, enfrentarão muitas

dificuldades. Mesmo com aqueles que tenham grau avançado de perda auditiva, e

se comuniquem sem a necessidade de LIBRAS, a comunicação também será difícil,

exigindo muita paciência por parte do ouvinte. É justamente o segundo caso que

Mariana recebeu para sua tutoria, sobre a qual esclarece: [...] ela não é totalmente

surda. Ela começou a falar bem tarde. Então ela falava bem pouco, mas hoje em dia

ela desenvolveu muito, nossa! Não digo 100%, mas até esqueço que ela faz parte

do pessoal de inclusão. A mãe dela é a grande heroína dessa história. Porque não

deixou ser tratada como deficiente mental. Toda vez colocou ela com em escola com

pessoas normais, que não tinham deficiência, entendeu? Ela incluiu a menina, ela

socializou.59

O olhar em relação ao outro demonstra a forma como consideramos e

tratamos aqueles com os quais nos relacionamos. Como diz Ribas (2000), ―Por

sermos humanos, temos preconceito (isto é, um conceito ou opinião formado

antecipadamente, sem ponderação ou conhecimento dos fatos). É ideia

preconcebida. O problema não é ter preconceito, mas aprender a lidar com ele para

que não se transforme em julgamento sem levar em conta o fato que o conteste. É

58

Idem. 59

Idem.

157

preciso evitar que se transforme em prejuízo definitivo contra o outro.‖ (Idem: 91). No

seu discurso a tutora demonstra como ela vê as pessoas com deficiência, dos quais

procura separar a sua tutelada. Mas e se tivesse contatos diretos e próximos com as

demais pessoas deficientes, sua opinião não poderia sofrer alterações?

Em sua fala, evidencia-se o preconceito com relação às escolas especiais e

as pessoas com deficiência que frequentam escolas especiais. Passa uma noção de

que escolas especiais são direcionadas para pessoas com deficiência intelectual,

quando existiam escolas para cegos e para surdos. Atualmente, muitas crianças

com deficiência intelectual, as cegas e as surdas estão sendo inseridas no ambiente

escolar de qualquer escola com o intuito de desenvolver uma educação inclusiva e

não mais segregativa. Apesar de todas as dificuldades e críticas que essa prática

tem possibilitado, alguns avanços estão se concretizando. A pessoa citada pela

tutora é um exemplo disso. Estudar na escola ―dos normais‖ possibilitou-lhe

desenvolver a fala. Caso estivesse estudado em uma escola para pessoas surdas,

teria desenvolvido a LIBRAS. Ela domina, hoje, as duas línguas – o português e a

LIBRAS.

Mariana, observando o comportamento das pessoas com deficiência e

pessoas surdas apresenta sua visão sobre eles. Diz ela: Eu acho o pessoal que tem

Síndrome de Down super alegre, com a autoestima lá em cima. Entretanto, as que

têm deficiência auditiva estão assim, sempre em depressão. Tem uma que está

sempre reclamando... Elas têm isso. Eu fico pensando, talvez porque elas se sintam

discriminadas. Porque elas não têm nenhum problema mental. Elas são como eu,

como você e as pessoas não as olham como uma pessoa igual a mim. Entendeu?60

Os estereótipos sobre os diferentes tipos de deficiência se fazem presentes

nesse fragmento de discurso. Martins (2002) a esse respeito aponta que o

comportamento das crianças com Síndrome de Down (SD) origina um estereótipo

que não tem ligação com o real, pois a sua forma de comportamento é única e tem

diferenças de personalidade e temperamento como qualquer outro pessoa. No

entanto as ideias pré concebidas do comportamento infantil que remetem à doçura,

afetividade, calma e alegria pouco se relaciona com as crianças com essa e outras

síndromes. As mesmas observações aparecem em Schwartzman et al. (2003) e

Rodriguez (2004), que chamam a atenção para o fato das crianças com SD

60

Idem.

158

apresentar um comportamento semelhante às demais crianças da mesma faixa

etária. Com relação ao comportamento das pessoas surdas ou com deficiência

auditiva, há de se olhar com cautela, pois existe todo um processo de discriminação

social, em muitas situações com origem na própria família. A carga emocional é

bastante elevada diante de sentir-se rejeitado desde o núcleo familiar. O desafio da

convivência está na dificuldade de tratar as pessoas na sua singularidade e não pela

sua deficiência, como pode ocorre com as pessoas com deficiência ou surdas no

emprego.

2) O emprego atribuído às pessoas com deficiência e pessoas surdas

Antes do processo de inserção se efetivar no Sistema FIEP, cada equipe e

pessoal de tutoria destinados a receber uma pessoa com deficiência ou surda, foram

treinados. O pessoal do Programa Aprendendo com a Diversidade explicou para

essas equipes e tutores como o programa seria desenvolvido. Entretanto, as

resistências e descrédito sempre aparecem nas relações sociais entre os integrantes

de uma equipe. É o que revela Mariana: [...] nós tínhamos necessidade dessa

inclusão, até para servir como exemplo para as demais unidades. Dar o chute inicial.

Para demonstrar que é possível, apesar das pessoas falarem que não dava, que era

difícil, que a pessoa não ia se sentir inserida, se sentiria humilhada. E eles iam se

sentir inseguros em dar um trabalho para aquela pessoa executar.61

O preconceito, relativo à capacidade das pessoas com deficiência e das

surdas e as visões negativas sobre a deficiência se revela mais uma vez. As

pessoas são medidas por comparação e em termos de seu potencial e capacidade,

diante das limitações. Essa desconfiança fica mais clara em outro trecho desse

depoimento. Relata Mariana: Todos têm preconceito, não adianta falar que não tem

porque seria hipocrisia. Todos têm. Se você tem duas meninas, uma que é

deficiente e outra que é normal, você sempre vai confiar na que não tem

deficiência.62

O estigma está por trás dessa desconfiança. Aponta Ribas (2000), que o

estigma ―[...] é uma marca infame, uma mancha na reputação um desdouro, uma

desonra decorrente de uma opinião sem maior ponderação ou conhecimento dos

61

Idem. 62

Idem.

159

fatos. É ainda a etiqueta que aparece primeiro aos nossos olhos e nos faz

desconsiderar todos os elementos da identidade pessoal e social.‖ (Idem: 117).

As pessoas com deficiência ou surdas, na visão da tutora Mariana, não tem

seu potencial explorado como deveriam ter, em algumas equipes, isto é, [...] não é

feito muita coisa para a pessoa evoluir. Ficam limitados. Se vai fazer aquilo, vai fazer

para o resto da vida. Não exploram a capacidade da pessoa, o que pode ser feito

como com qualquer um.63

E confessa que, inicialmente, tinha receio de atribuir a sua tutelada,

determinadas tarefas para a execução externa. Mas ponderou que as pessoas com

deficiência ou surdas se deslocam, muitas vezes, de regiões muito distantes do local

de trabalho, portanto, devem viver com autonomia. Assim, estava tendo um excesso

de zelo ao não permitir que assumisse certas atividades que, mais tarde, passou a

executar com primor.

Mariana, também, destaca que a inserção dessa pessoa na sua equipe serviu

para ―quebrar o gelo‖, quando todos aceitaram o desafio. A partir daí a equipe ficou

mais unida e passaram a enxergar a pessoa deficiente de forma bem diferente, com

admiração e respeito.

Dentre as pessoas com deficiências, as com limitações múltiplas ou

limitações de ordem intelectual são as que sofrem maior discriminação. Na maioria

das vezes, as que apresentam limitação intelectual são vistas como ―idiotas‖,

―imbecis‖. Outrora, eram chamados de ―retardados‖, ou a sua limitação era

confundida com doença mental, considerados como loucos. Tudo concorre para

deixá-los à margem do processo de inserção no emprego, provavelmente

segregados em uma instituição voltada ao atendimento de crianças ―especiais‖,

rótulo que recebem diante dos desafios familiares a serem enfrentados na sua

condição de filhos. Em geral o preconceito se manifesta num sentimento de pena

quando uma família recebe um filho com limitação intelectual. As diferentes formas

dessa limitação podem afetar uma pessoa e muitos não dão crédito às

potencialidades individuais e, assim, são estigmatizados. Essa situação remete à

questão: em que medida o domínio e execução de tarefas rotineiras seria preciso o

uso pleno de capacidades intelectuais e físicas? Teria Henry Ford razão?

63

Idem.

160

Contudo, isso é não compreender as diferentes formas de limitação intelectual

que podem afetar uma pessoa, bem como, não dar crédito às potencialidades

desses indivíduos, e assim se passa a estigmatizá-los. A situação apresentada

remete a uma questão: para dominar determinadas tarefas rotineiras o indivíduo não

precisaria estar no uso pleno de suas condições intelectuais e físicas – Ford teria

razão?

3) O convívio na equipe com as pessoas deficientes e com as pessoas surdas

Conta uma das tutoras do programa que nas reuniões de confraternização,

além da rotina estabelecida no emprego, é importante inserir as pessoas com

deficiência, e as surdas, por meio de caronas ou auxiliando a ida dessas pessoas

até o local da reunião, seja conduzindo-as até onde irão pegar o ônibus para suas

casas. Comenta que em uma das reuniões, após o supervisor da equipe ter

agradecido a todos pelo zelo e dedicação com que fizeram suas tarefas, uma

pessoa com deficiência pediu a palavra para expressar seus sentimentos de

participar de uma equipe no emprego. Conforme a referida tutora, as suas palavras

foram muito comoventes para todos ao declarar: Eu quero agradecer a vocês por me

aceitarem... A coisa mais importante que me aconteceu em todos esses anos, desde

que eu nasci, em relação a tudo – minha mãe, minha família que eu amo muito,

minhas filhas que agora já estão ficando mocinhas, eles não conseguem me tratar

por igual. Eles não conseguem... Por que eu não posso ir sozinha a algum lugar,

minha mãe tem que estar junto comigo, com minhas filhas também é assim, pois já

vieram com essa ideia da minha família que me trata desse jeito. Puro excesso de

zelo, não que eles não me amem... Mas aqui é o lugar que eu me sinto mais igual,

eu me sinto igual aqui porque vocês me fizeram isso.64

Na avaliação dessa tutora, a equipe recebeu mais com a presença de uma

pessoa com deficiência do que ela teria recebido deles. Passaram a ver o mundo de

outra forma, ao verificarem que se pode realizar muito mais coisas, ao enxergar a

pessoa e não apenas ―a muda‖, ―a deficiente‖, com todas as suas implicações

negativas, atitude protetora da família, dos colegas de equipe e demais membros de

outros grupos sociais. No processo de inserção no emprego, esse depoimento

64

Idem.

161

destaca o papel da tutoria que apoia as pessoas com deficiência, orientando sobre o

vocabulário a ser usado, o comportamento dispensado aos demais, à chefia e aos

colegas.

Essa experiência permite-lhe analisar a vida por outro prisma, comparando as

pessoas com e sem deficiência e, descobrindo que todos, de uma forma ou de outra,

tem problemas, em muitos casos, mais sérios do que uma limitação física, sensorial

ou intelectual. Comenta Mariana: por exemplo, tem um monte de gente que trabalha

junto comigo e toma remédio controlado [...]. Tem pessoa que é dependente do

remédio, se não vai ao médico e fica sem, começa a passar mal, não consegue nem

trabalhar.65

Kátia, outra tutora, explica que nunca teve problemas com situações que

envolvem diferentes tipos de deficiência ou surdez. Os limites relacionados com as

pessoas com deficiência são enfrentados por ela comparando com outras situações,

que segundo ela com relação a quem [...] baba, ou usa fralda. Eu acho tão pequeno

isso, essas atitudes, porque essa é uma questão externa, de higiene, de não sei o

que. Por que, meu Deus! Um dia a gente vai ficar tudo igual, não é? Todo mundo vai

ter odor, é ou não é? Às vezes em vida mesmo acontece isso de sofrer algo e ficar

em situação difícil.66

Essas observações sobre o convívio com pessoas com deficiência se

complementam demonstrando a visão sobre a deficiência e sobre as pessoas com

deficiência.

Conviver com pessoas com limitações físicas, surdez ou limites intelectuais

não significa mudar radicalmente de vida, mas implica a aceitação da diferença,

respeitando suas peculiaridades compreendendo que cada um, ao seu modo, tem

algo a contribuir. Infelizmente, não é sempre assim na vida cotidiana, quando se

permitiria às pessoas com deficiência desenvolver todas suas capacidades. No

jargão popular, ―sempre se está com um pé atrás‖ esperando o deslize, o erro, a

falta, o não cumprimento das metas ou alcance dos objetivos. No primeiro discurso,

no de Mariana, surge mais uma faceta de estereótipo relacionado à deficiência.

Estereótipo que se expressa tanto pelos deficientes quanto pelos não deficientes: o

de que todos apresentam algum tipo de deficiência. Isso é uma forma de minorar, ou

65

Idem. 66

Depoimento colhido por mim em de 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

162

tornar a visão sobre o estigma da deficiência mais aceitável, mais próximo dos não

deficientes.

A visão de que uma pessoa com limitação física é ―normal‖, é uma visão que

tenta justificar e reordenar os próprios valores a respeito da deficiência. De tal forma,

que se passa a duvidar, ou pensar sobre a vida, além dos limites impostos pela

deficiência, incluindo nesse aspecto a sexualidade. Duvida-se até que uma pessoa

com deficiência tenha vida sexual, estereótipo que também atinge as pessoas

idosas.

Em outra direção, busca-se desenvolver uma visão positiva a respeito da

vida, de valorização das coisas e das condições que tem, considerando as

condições advindas da deficiência. Constrói-se uma situação de que a vida poderia

ser pior, e isso não deixa de negativar a pessoa com uma limitação qualquer que

seja e a situação que passa em razão dessa limitação. Isso está presente no que

não é dito, nas reticências, no diálogo que não aparece de forma expressa, mas

aparece nas entrelinhas.

Em linhas gerais, os depoimentos coletados indicam que o emprego

proporciona às pessoas deficientes ou surdas, a condição de autonomia e lhes

faculta o sentido de utilidade, de estar contribuindo em alguma coisa para a

sociedade da qual fazem parte. Segundo essa perspectiva, o emprego no Sistema

FIEP, como decorrência da importância da instituição no Estado do Paraná, lhes

confere algum destaque nos círculos de suas relações pessoais. Luiza, por exemplo,

quando lhe perguntei se o emprego no Sistema FIEP modificou alguma coisa em

sua vida, expressa: Eu acho que sim, minha vizinha observou que comecei a sair de

casa, me arrumava, e então a minha mãe, toda feliz foi contar para a vizinha que eu

havia começado a trabalhar aqui, e ela ficou muito feliz por mim. Sinto-me bem em

poder ajudar em casa, com as despesas. [...] As pessoas do meu trabalho me

elogiam, me falam que estou muito bonita, então eu acho que mudou sim67.

No tocante ao relacionamento com os demais colegas de equipe,

supervisores e chefias, nota-se um distanciamento por parte de alguns,

principalmente das pessoas surdas em função da dificuldade de comunicação.

Nessa mesma dimensão de análise, as pessoas sem deficiência que trabalham com

67

Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

163

as surdas, também sofrem com relação à comunicação, expressando o sentimento,

às vezes de vergonha, por não saber se comunicar em LIBRAS.

A visão sobre o trabalho desenvolvido pelas pessoas com deficiência e

pessoas surdas gira em torno do cumprimento das cotas e ainda é cercado de muita

desconfiança com relação à capacidade deles em executar as tarefas mais

complexas, sendo-lhes reservadas as tarefas mais rotineiras, até com base no

estereótipo de alguns, em razão de sua deficiência, que seriam mais concentrados,

focados e compenetrados.

Existe, também, o aspecto de que a deficiência, a diferença causa estranheza

e reflexão nas pessoas que trabalham com os deficientes, indicando que passam a

ver a vida de forma diferente, mas o que não deixa de negativar a deficiência e a

pessoa com deficiência diante do mundo. Esse comportamento demonstra que

ainda está distante o olhar a deficiência como diferença e que todos têm direito às

oportunidades iguais para desenvolver seu potencial e demonstrar do que são

capazes no desempenho de seu trabalho.

As diferentes visões a respeito da deficiência e da surdez; das pessoas com

deficiência ou surdas, as tarefas atribuídas às pessoas com deficiência e às surdas,

o convívio dessas com seus colegas e chefes mostram as características do estigma

social da deficiência e da surdez no emprego. Todavia, no processo de inserção se

produzem também as desigualdades entre pessoas com deficiência ou surdas, ao

serem comparadas às pessoas sem deficiência ou não surdas. Essa situação

reforça o estigma social da deficiência no emprego que acompanha outras formas

de desigualdades sociais nas sociedades capitalistas.

4.2 DESIGUALDADES NA INSERÇÃO DE PESSOAS DEFICIENTES E PESSOAS SURDAS NO EMPREGO

A inserção de pessoas com deficiência no emprego ocorre no contexto de

desigualdades sociais. Estudando a situação portuguesa e de outros países,

Casanova (2008) traça um perfil social global das pessoas com deficiência,

incluindo-se as pessoas surdas. Muitos das características por ele apontadas nesse

perfil também aparecem quando se analisa a situação das pessoas com deficiência

e das pessoas surdas no Brasil: a predominância do sexo feminino; níveis de

qualificação profissional muito baixos, geralmente abaixo da média nacional; na

164

inserção no emprego, colocação em posições menos qualificadas; grande maioria

oriunda de famílias com rendimentos próximos ao salário mínimo nacional. Segundo

Casanova (2008), ―A partir deste perfil social global pode -se dizer que no quadro em

que vive esta população [pessoas com deficiência ou surdas] se sobrepõem vários

tipos de desigualdades sociais, como as que se referem ao acesso ao trabalho, à

qualificação profissional, e à escolarização, bem como a desigualdade de

rendimentos, e as desigualdades associadas às diferenças de gênero e de idade.

Estas desigualdades indiciam a existência de preconceito e de discriminação na

sociedade [...] relativamente às pessoas com deficiências e incapacidades [...].‖

(Idem: 16).

No emprego das pessoas com deficiência ou surdas no Brasil, as

desigualdades apontadas por Casanova (2008) foram encontradas por Hansel

(2009): ―Na pesquisa, evidenciou-se um maior número de pessoas com baixo grau

de escolaridade, predominando um maior número no nível de ensino fundamental e

médio incompleto. Esta realidade justifica a pouca qualificação e o direcionamento

para as atividades menos complexas como de empacotador de supermercado,

auxiliar de limpeza, controlador de entrada e saída de pessoal, telefonista, dentre

outros.‖ A desigualdade no tratamento dispensado pelas empresas às pessoas com

deficiência ou surdas chega ao absurdo de impor-lhes requisitos e exigências, para

a ocupação dos cargos, acima daquelas dispensadas às pessoas sem deficiência. A

esse respeito, Nascimento (2007) se manifesta: ―Constatou-se, na prática, que como

forma silenciosa de discriminar os empreendimentos passaram a exigir das pessoas

com deficiências, escolaridade superior à prescrita para a pessoa ‗normal‘ que

concorresse ao mesmo cargo, como se o portador de deficiência tivesse a obrigação

de demonstrar melhores aptidões e atributos, para ver afastada de si a pecha de

incapaz e somente então ser contratada [...].‖

Nascimento et al. (2011) verificaram que para a inserção pelas empresas em

seus cargos operacionais, há uma preferência acentuada por pessoas com

deficiência física e dentre as deficiências sensoriais (auditiva e visual), preferem

pessoas com deficiência auditiva, incluindo-se as surdas. Explicam que essa

preferência decorre das poucas mudanças e adaptações das instalações que têm de

realizar para acomodarem as pessoas com deficiência auditiva em comparação às

que seriam necessárias para as pessoas com deficiência visual. As empresas

demonstraram maior resistência em inserir pessoas com deficiência intelectual e

165

múltipla. A baixa escolaridade é indicada como uma das barreiras na inserção

dessas pessoas pelas empresas. A grande maioria das pessoas com deficiência, ou

surdas, são constituídas de pessoas analfabetas, com séries iniciais, ou fundamental

incompleto, como apontado nos dados do Censo demográfico de 2010 do IBGE..

As desigualdades podem ser encontradas nas práticas das empresas,

identificadas por Nascimento et al. (2011) como discriminação direta: não

contratação de pessoas com deficiência por empresas com menos de 100

empregados, contratação por empresas com mais de cem empregados apenas para

cumprir a Lei de Cotas, ou cumprimento parcial da Lei de Cotas.

Na sua entrevista, Hanna confirma os autores ao afirmar que as contratações

das empresas parceiras, Ainda são pela cota. Se falar assim, de um modo: de todas

as empresas que você atendeu, qual que quis fazer por entendimento do processo?

Nenhuma. Elas vêm pela obrigatoriedade legal. Claro que quando a gente vai fazer

o processo, que eu coloco a eles: qual que é o objetivo principal? O objetivo principal

do programa é criar uma cultura de valorização da diversidade, pra em

consequência disso você cumprir cotas. Porque se contratar apenas para o controle

de cotas, da cota pela cota, eles podem até contratar pessoas com deficiência, mas

elas não ficarão.68 Como discriminação indireta, encontradas por Nascimento et al.

(2011) podem ser destacadas: ―[...] políticas e práticas ‗igualitárias‘ de gestão de RH

fundadas em uma pretensa igualdade entre pessoas com e sem deficiência. Como

resultante das concepções ―igualitárias‖, a condição de PcD, se isso ocorrer, deve

ser um acaso, e não um determinante da contratação de qualquer empregado. E, de

forma alguma, essa condição deve influenciar o seu desempenho. Se a contratação

de uma PcD significar que a empresa necessita fazer qualquer tipo de adequação de

estrutura ou de procedimentos para receber a PcD, a contratação não é realizada.‖

(Idem: 98).

De acordo com Nascimento et al. (2011), esse tratamento igualitário inclui a

avaliação de desempenho dispensada às pessoas com deficiência, ou surdas, com

as mesmas perspectivas de avaliação das pessoas sem limitações físicas ou

sensoriais. Não existem critérios específicos de avaliação de desempenho e isso

confere um caráter duplamente perverso, pois que os padrões de desempenho são

desenhados com base nos trabalhadores mais produtivos, pessoas sem deficiência,

68

Depoimento da representante do programa de inserção (foco externo) colhido por mim em 01 de

julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

166

em um cenário com todos os recursos disponíveis para a execução de suas tarefas,

em condições ideais de trabalho, que incluem pausas, descansos e motivação para

o alto desempenho. Pode ser incluída aí, ainda, a autoestima elevada desses

trabalhadores. Essa prática de gestão de recursos humanos confere ao emprego da

pessoa com deficiência um caráter de negação da deficiência, ao serem utilizados

parâmetros idealizados e não outros que levem em consideração as suas limitações

sensoriais, físicas ou intelectuais. Compreende-se, considerando o que explicam

Nascimento et al. (2011), que as empresas ao agirem dessa maneira negam a

diferença e, por conseguinte, negam a deficiência.

Compreende-se com base no que expõem Nascimento et al. (2011), sobre os

parâmetros de comparação, que as pessoas com deficiência, para serem inseridas

no emprego, se veem obrigadas a produzirem tanto quanto, ou mais, que as

pessoas sem deficiência, se adequando aos padrões empresariais, também se

obriga a negar sua própria deficiência ou surdez, sua diferença.

As várias práticas de discriminações encontradas por Hansel (2009) e por

Nascimento et al. (2011), reforçadoras de desigualdades no processo de inserção

das pessoas com deficiência nas empresas, como a diferenciação entre candidatos

ao emprego (comparativos entre pessoas com deficiência ou surdas e pessoas não

deficientes ou não surda, ou entre pessoas com diferentes tipos de deficiência); a

inserção em condições abaixo de suas capacidades, ou em salários menores do que

aqueles recebidos por pessoas sem deficiência nos mesmos cargos; a exigência de

desempenho equiparáveis aos das pessoas sem deficiência, em condições ideais de

trabalho, também caracterizam o estigma social da deficiência.

Além de tudo o que foi apontado até aqui, a inserção como possibilidade

gerada decorrente da legislação para isto criada, é restrita, como demonstram os

números relacionados à evolução do emprego no Brasil, período 2007-2010 (tabela

3) – apesar de existir uma diferença nos números oficiais da RAIS 2007 e da RAIS

2008 entre o valor total de empregos e a soma dos números de vagas distribuídos

por tipos de deficiência. No ano de 2007, a diferença entre os dois valores era de

1.777 (0,51%) e no de 2008 era de 1.304 (0,40%) – isto não comprometerá a

análise.

167

Tabela 6 – Evolução do Emprego das Pessoas com Deficiência no Brasil - Período

2007-2010

Ano

Vinculos

Formais

(Milhões)

PCD

(milhares)

Pe

rce

ntu

al

Def.

Físicos

Def.

Audit.

Def.

Visuais

Def.

Mentais

Def.

Mult. Reabilit. Total

2007 37.607.430 348.818 0,93 175.377 98.236 10.275 8.407 5.839 48.907 347.041

2008 39.441.566 323.200 0,82 177.834 79.347 12.428 10.864 3.517 37.916 323.168

2009 41.207.546 288.593 0,7 157.805 65.613 14.391 13.120 3.506 34.158 288.593

2010 44.068.355 306.013 0,7 166.690 68.819 17.710 15.606 3.845 33.343 306.013

Fonte: Adaptado da RAIS - 2007 a 2010/MTE.

Conforme pode ser observado na tabela 6, os dados da Relação Anual de

Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) apontam

que no período de 2007-2010 enquanto o número de empregos cresceu

aproximadamente 17,2%, o número de pessoas com deficiência empregadas

decresceu aproximadamente 12,3%.

Esse percentual revela uma série de fatores que têm contribuído para a

diminuição do número de contratações de pessoas com deficiência e que colocam

as empresas na contramão da inclusão proposta pelo MTE-SIT (2007). Alguns

desses fatores, considerados aqueles apontados por Araújo (2007), podem ser

compreendidos da seguinte forma: de um lado estão as empresas que apontam uma

série de condições impeditivas ou restritivas para a contratação das pessoas com

deficiência, tais como: os altos custos na adaptação das instalações e acomodações

do local de trabalho para as pessoas com deficiência; a falta de incentivos

financeiros por parte do governo no sentido de financiamentos ou abatimentos legais

ou tributários para realizar essas alterações; o alto custo no investimento nas

pessoas com deficiência em termos de treinamento e desenvolvimento e no pessoal

sem deficiência para trabalhar com aqueles; a alegação de que a Lei de Cotas tem

caráter punitivo e restritivo às organizações que não as cumprem, e não existem

mecanismos de apoio e incentivos complementares ao cumprimento das cotas pelas

empresas por parte do poder público; a reclamação das empresas de que a lei

protege demais aos trabalhadores com deficiência e em decorrência estes têm

pouco comprometimento no exercício das funções para as quais foram contratados.

168

As alegações das empresas estão, para Oliveira (2007), relacionadas aos

preconceitos que desenvolvem sobre as pessoas com deficiência ou surdas, que

passam a ser vistas como de baixo rendimento e que podem causar prejuízos.

Do lado das pessoas com deficiência podem ser apontados: a reclamação de

que as empresas contratam as pessoas com deficiência apenas para cumprirem a

Lei de Cotas e não efetivamente com a preocupação de incluí-las socialmente por

meio do trabalho assalariado; a subutilização das capacidades das pessoas com

deficiência, geralmente colocadas em funções que desestimulam o desenvolvimento

de suas capacidades cognitivas, dificultando uma carreira profissional; dificuldades

em se adaptar, a duras penas, às condições oferecidas pela empresa que em geral,

não são preparadas para receber as pessoas com deficiência; as denúncias de

situações em que as pessoas com deficiência se sentem marginalizadas ou

exploradas nos locais de emprego, quando se veem obrigadas a se adaptar às

funções incompatíveis com o seu tipo de deficiência (ARAÚJO, 2007). O fragmento

da fala de Aparecida, analisado no item 4.2.1, quando abordo a respeito da visão

das pessoas com deficiência em relação aos seus colegas e chefia, subitem 1 é um

indicativo da má inserção. Colocada para trabalhar em um local que exigia

relacionamento direto com o público, sua dificuldade na fala se tornou a barreira

para sua adaptação e o despreparo de sua chefia imediata para lidar com o caso

piorou a situação.

Na realidade o que se verifica por trás da situação apontada por Araújo

(2007), apresentada pelas empresas, é a presença de um estigma social contra a

deficiência que reforça a desigualdade no processo de inserção. Valendo-se do que

explicam Elias e Scotson (2000) no estudo sobre a comunidade de Winston Parva,

apesar desse estudo não se tratar diretamente de pessoas com deficiência ou

surdas, ele se presta para entender que no âmbito das empresas existe uma

correlação de forças entre um grupo estabelecido representado pelos empresários

que constroem representações sociais a partir do preconceito contra a deficiência,

estereotipando e caracterizando o estigma social da deficiência no emprego. Entre

os dois grupos, o dos empresários desenvolvem a imagem do funcionário idealizado

calcado em sua autoimagem de superioridade. Como explicam Elias e Scotson

(2000), em relação às pessoas com deficiência ou surdas, os empresários ―[...]

veem-se como pessoas ‗melhores‘, dotadas de uma espécie de carisma grupal, de

uma virtude específica que é compartilhada por todos os seus membros e que falta

169

aos outros.‖ (Idem: 19-20). E nesse jogo de forças e de relações, no caso aqui do

emprego imposto pela legislação, ―[...] há sempre algum fato para provar que o

próprio grupo é ‗bom‘ e o outro é ruim.‖ (Idem: 23). Isso afeta, inclusive, a visão das

chefias a respeito das pessoas com deficiência ou surdas, como aparece no diálogo

com Luiza, uma das surdas entrevistadas, se referindo ao tratamento que lhe é

dispensado pela chefia imediata: Ela diz: É diferente, sinto que me tratam

[consideram] inferior em relação aos meus colegas ouvintes.69

Considerando a imposição legal, por meio das ações afirmativas surgem as

questões: até que ponto se pode observar a chamada ―inclusão‖ nas empresas e

como acontece isso, tendo em vista que é oferecido às pessoas com deficiência e

sem deficiência? Em outros termos, as pessoas com deficiência recebem o mesmo

tratamento em relação à progressão na carreira, isonomia salarial, bônus e prêmios

para cargos e funções, que o destinado às pessoas sem deficiência, ou será que o

estigma social pela condição da deficiência os coloca em situações inferiorizadas

nas organizações em que estão sendo inseridos via emprego? Isso remete,

novamente, ao questionamento de Danilo Castro: ―como trabalhar com pessoas com

deficiência‖?70

Essa situação atinge quem tem baixa escolaridade e todas as pessoas com

deficiência. Isso demonstra o despreparo por parte da grande maioria das empresas

no sentido de integrar essas pessoas de modo produtivo. Nesse contexto a

contratação visaria apenas o cumprimento das cotas sem atender as suas

necessidades e demandas (ARAÚJO; SCHMIDT, 2006; HANSEL, 2009;

NASCIMENTO et al., 2011), como acontece também com os funcionários que não

estão preparados para recebê-las. A fala de boa parte das pessoas com deficiência

ou surdas, e uma das tutoras do Sistema FIEP por mim entrevistadas, apontam

nessa direção. Kátia, a tutora, demonstra a falta do treinamento em LIBRAS que

dificulta a comunicação, o que lhe deixa insegura para tratar com sua tutelada.

Quanto à Lei de Costa, Pastore (2001) diz que ―A simples imposição de uma

obrigatoriedade não garante que ela seja cumprida, e muito menos que as empresas

venham a oferecer, de bom grado, condições condignas de trabalho para os

69

Depoimento colhido por mim em 10 de agosto de 2010, na cidade de Curitiba–PR. 70

Matéria publicada no Caderno Empregos do Jornal Folha de São Paulo no dia 22 de maio de 2011,

já analisada no item 4.2.2, subitem 1; que trata da visão dos gestores sobre a deficiência e as pessoas com deficiência.

170

portadores de deficiência.‖ (Idem: 183). Além disso, tal prática leva a uma condição

contraproducente e desumana, no local de trabalho (Idem).

Na pesquisa intitulada Estratégias de Recursos Humanos para Incluir a

Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho, Barbosa e Beraldo (2003)

apontam que aproximadamente 90% das empresas pesquisadas manifestaram a

intenção de contratar deficientes para funções administrativas, recepcionistas,

telefonistas, digitadores, operadores de telemarketing e agentes de segurança. Na

referida pesquisa, apenas uma das empresas não manifestou restrição quanto à

função para a qual as contrataria.

A intenção manifesta dessas empresas torna visível um aspecto da

discriminação com relação às pessoas com deficiência, presente no que Pastore

(2001) denomina de contraproducente e desumana: o direcionamento para

determinados cargos ou funções dentro da organização.

Com relação às dificuldades apontadas e alegadas pelas empresas que

impedem ou dificultam a contratação de pessoas com deficiência foram apontadas

as seguintes: nunca pensaram na possibilidade de contratação, não contratam por

não possuírem informações detalhadas sobre essa questão e sobre as habilidades

das pessoas com deficiência, por não disporem de informações de onde recrutarem

esse tipo de trabalhadores, pela dificuldade em adaptar suas instalações para

recebê-los, pela falta de pessoas com deficiência habilitadas e capacitadas no

mercado de emprego, pela não disponibilidade de pessoal capacitado para a

realização do recrutamento e seleção de pessoas com deficiência, pela falta de

preparo dos funcionários para se relacionar com as pessoas com deficiência, e em

razão do temor pela segurança das pessoas com deficiência no desempenho das

atividades. Tais alegações possivelmente escondem na discriminação velada que

sofrem as pessoas com deficiência, um estigma social pelo qual passa esse grupo.

(BARBOSA e BERALDO, 2003).

A situação apontada por Barbosa e Beraldo (2003), revela-se no depoimento

de Hanna representante do voltado para a inserção de pessoas com deficiência nas

empresas parceiras, quando expõe a preferência das empresas em contratar

pessoas [...] com deficiência física leve, que não seja cadeirante. Se o

comprometimento na área física é maior, daí já terá maiores restrições 71. Quanto

71

Depoimento da representante do programa de inserção (foco externo) colhido por mim em 01 de julho de 2010, na cidade de Curitiba–PR.

171

menor for o problema de adaptação no local de trabalho, para atender as

necessidades da pessoa deficiente ou surda, maior será a preferência pelas

empresas. Essas práticas de inserção no emprego revelam, ainda, o paradigma da

integração sob o qual é o indivíduo com deficiência que tem que se adaptar às

condições físicas e de trabalho a ele oferecidas, quando pelo paradigma da inclusão,

seria ao contrário.

Hanna revela, ainda em sua entrevista, os estereótipos, decorrentes do

preconceito com os quais os gestores classificam as pessoas com deficiência ou

surdas no momento da contratação: [...] achar que não vai dar, que não funciona,

que por mais que queiram eles não são produtivos; a produtividade vai cair; eles não

vão conseguir; não têm qualificação; tem baixa escolaridade; a contratação não vai

funcionar; na minha área [em que a empresa atua] não dá; a pessoa com deficiência

é muito difícil; vai dar muito atestado; altas taxas de absenteísmo.72 Os dois

depoimentos da representante demonstram vários aspectos na rotina de contratação

de pessoas com deficiência pelas empresas e que transcendem aqueles apontados

por Barbosa e Beraldo (2003). A preferência por determinados tipos de deficiências,

que pode ser entendida como uma prática discriminatória, pois todas as categorias

de deficiência tem igual direito de acesso ao trabalho, a busca por pessoas com

deficiências leves para contratar, o que também pode ser considerado um ato

discriminatório, pois a empresa deve buscar a pessoa e não a deficiência, e

implícito, mas não declarado, o pensamento corrente de associar algumas tarefas a

alguns tipos de deficiência. Esta prática ou atitude das empresas fere o direito que a

pessoa com deficiência tem de ser respeitada no tocante à sua dignidade,

autonomia e independência, pois revela o pensamento empresarial corrente de

investir o menos possível em acessibilidade das instalações ambientais e de

comunicação. Todas essas práticas são consideradas como discriminação e ferem o

Art. 7º, XXXI, da Constituição Federal, o Art. 4º da Recomendação n° 168 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o Art. 3º da Declaração dos Direitos

das Pessoas com Deficiência de 2007, que trata da não discriminação e da

igualdade de oportunidades (MTE-SIT, 2007),

Nota-se, ainda, um total desconhecimento dos dispositivos legais que tratam

da inclusão das pessoas com deficiência, do que é a deficiência, seus tipos,

72

Idem.

172

características e consequentes implicações sociais, e do potencial e das

possibilidades de uma pessoa com deficiência. Demonstra uma coisificação da

pessoa com deficiência, pois o que vem em primeiro lugar é o custo decorrente da

contratação de uma pessoa com determinado tipo de deficiência. Desta forma,

aquele que resulte em menores despesas e gastos terá a preferência, o que explica

a escolha do surdo, já que pessoas com restrições físicas e motoras ou visuais

implicariam em adaptações e mudanças para melhorar a acessibilidade ambiental,

ao passo que a acessibilidade à comunicação, fundamental para as pessoas surdas,

nem é considerada.

Mesmo que no início do processo de inserção das pessoas com deficiência e

das pessoas surdas nessa instituição tenham ocorrido cursos de LIBRAS, isto não

se repetiu ao longo do tempo. Como explica uma das tutoras do programa em sua

entrevista que esta é uma das reivindicações do pessoal e que presentemente é

uma das surdas inseridas no Sistema FIEP, que informalmente ministra cursos de

LIBRAS para os colegas de trabalho interessados, com o intuito de facilitar a

comunicação entre eles.

Acrescente-se que a situação vivenciada pelas pessoas deficientes e surdas

nos locais de trabalho se trata de um processo de estigmatização desencadeado

pelos empresários e demais colegas de trabalho àqueles ―diferentes‖ que, em

função de um processo de inserção mal elaborado, passam a ser considerados

como um peso para os demais. Em função disso, salienta Martines (2008) ―Uma

pessoa com deficiência pode, em determinada cultura organizacional e com

determinados atores sociais, sofrer restrições de promoção, desconsideração,

preconceito, estereótipo, entre outros rótulos que dificultam sua ascensão

profissional e respeito social, revelando direta ou indiretamente práticas de cidadania

organizacional.‖ (Idem:.11).

Como tentativas de diminuir as situações de inserção que conduzem a esse

quadro, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) lançou o documento ―Gestão de

questões relativas à deficiência no local de trabalho‖ em 2006. Nessa mesma linha,

no Brasil, o Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) publicou ―A Inclusão das

pessoas com deficiência no mercado de trabalho‖ em 2007 com o intuito de explicar

às empresas a Lei de Cotas e de como deveriam agir na contratação de pessoas

com deficiência. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da Presidência da

República, através da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora

173

de Deficiência (CORDE) publicou, em 2003, o documento ―Construindo um mercado

de trabalho inclusivo: guia prático para profissionais de recursos humanos‖ com o

intuito de orientar as pessoas ligadas à gestão e a contratação de pessoas com

deficiência. Pelo lado das empresas podem ser destacadas a publicação do Instituto

ETHOS de responsabilidade social, de 2002, ―O que as empresas podem fazer pela

inclusão das pessoas com deficiências‖ e duas cartilhas da Federação Brasileira dos

Bancos (FEBRABAN), de 2006, ―A ação de recursos humanos e a inclusão de

pessoas com deficiência‖ e ―Gestão de pessoas com deficiência no ambiente de

trabalho.‖

Muitas empresas, principalmente as maiores, tem buscado desenvolver a

gestão das pessoas com deficiência sob uma perspectiva de gestão da diversidade,

pois como lembra Martinez (2008), lidar com o diferente no ambiente organizacional

passa a ser um desafio em razão de que o processo de inserção do desconhecido

exige ajustes entre as duas partes: a empresa e o contratado, criando-se práticas

que acabam revelando a política organizacional e, por conseguinte, os princípios e

valores culturais daquela organização. Acrescenta-se que a pessoa com deficiência

é um desconhecido, um estranho, ainda maior em razão da sua deficiência, pois a

sua presença não abala e não revela somente os valores organizacionais, mas

também os valores pessoais daqueles que passam a desenvolver suas atividades

junto a eles, consequentemente isso tem reflexos no clima organizacional.

Importante explicitar que as pessoas com deficiência no mercado de

emprego, também experimentam as discriminações por sexo e nível salarial

conforme os dados na tabela 7.

A participação masculina no mercado de emprego para pessoas com

deficiência é de 65,42%, em média, contra 34,58% das mulheres. Os homens

ocuparam aproximadamente 31% mais vagas de emprego destinadas às pessoas

com deficiência no ano de 2010. Em relação ao ano de 2009, cuja participação

masculina foi de 65,57% ocorreu uma queda, em decorrência do declínio dessa

participação em todos os tipos de deficiência (RAIS, 2010/MTE).

174

Tabela 7 – Total de Empregos no Brasil em 2010, por Tipo de Deficiência e Sexo.

Tipo De Deficiência

Vínculos

Masculino Feminino Total

Fisica 107.246 59.444 166.690

Auditiva 45.415 23.404 68.819

Visual 11.414 6.296 17.710

Mental 11.232 4.374 15.606

Múltipla 2.564 1.281 3.845

Reabilitado 22.322 11.021 33.343

Total de Deficientes 200.193 105.820 306.013

Não Deficientes 25.552.565 18.209.777 43.762.342

Total 25.752.758 18.315.597 44.068.355

Fonte: RAIS-2010/MTE

Pelos dados na tabela acima, a participação masculina, na distribuição de

vagas por tipo de deficiência é, aproximadamente, 64,4% na deficiência física sendo

(28,7% a mais do que as mulheres); 65,99% na deficiência auditiva, sendo (32%

superior às das mulheres), 64,45% na visual (28,9% a mais do que as mulheres),

71,97% nas mentais (43,9% a mais do que as mulheres) e 66,68% nas deficiências

múltiplas (33,4% a mais), além de ocupar 66,95% das vagas para reabilitados

(33,9% superior às mulheres). A maior predominância dos homens com relação às

mulheres está nas vagas para a deficiência mental. Não se tem uma justificativa

plausível para estes números, pois tanto do total de tipos de deficiência (61.368.844)

quanto do total de pessoas com deficiência (45.606.048), levantados pelo Censo

demográfico de 2010, as mulheres são superiores aos homens em números (tabela

3). As mulheres representam 35.151.332 milhões e os homens 26.217.512 milhões

do total de tipos de deficiências. Das pessoas com deficiência, as mulheres somam

25.800.681 milhões contra 19.805.367 milhões dos homens. Considerando que o

Censo demográfico de 2010 apontou um total de 93.406.990 milhões de homens e

de 97.348.809 milhões de mulheres, a parcela da população brasileira com algum

tipo de deficiência é de aproximadamente 21% dos homens e 26,5% das mulheres,

respectivamente.

De acordo com os números por tipo de deficiência já apresentados na tabela

4, os homens superam as mulheres nas deficiências auditiva e mental/intelectual. As

mulheres ultrapassam os homens nas deficiências motora, visual e múltiplas. Em

função desses dados não se justificaria uma diferença masculina tão elevada na

175

ocupação das vagas de emprego das pessoas com deficiência pelos dados da

RAIS/2010 (tabela 7), mesmo nas deficiências em que os homens são a maioria,

pois esta diferença não é assim tão grande em relação às mulheres. Estaria por trás

dessa discrepância um duplo estigma: o de ser mulher e deficiente? Seria essa a

barreira invisível a impedir um maior acesso das mulheres com algum tipo de

deficiência ao mercado de emprego para as pessoas deficientes?

Outra situação que indica uma diferença de tratamento dispensado entre

homens e mulheres é a que se reflete na remuneração para as pessoas com

deficiência, apresentada na tabela 8. Isso indica a discriminação de gênero. Na

situação das pessoas com deficiência, apenas se reproduz o que já está presente no

mercado de trabalho assalariado em geral, neste tocante.

Pelos dados da RAIS 2010, verifica-se que as mulheres recebem menos do

que os homens com os mesmos tipos de deficiências, aproximadamente: 28,5%

menos do que a remuneração que os homens com deficiência física, 43% menos

que os homens com deficiência auditiva, 23% menos que os homens com

deficiência visual, 13% menos que os homens com deficiência mental, 15,5% menos

que os homens com deficiência múltipla e 20,7% menos que os homens na condição

de reabilitados.

Tabela 8 – Remuneração Média Recebida do Emprego no Brasil em 2010, por Tipo de Deficiência e Sexo.

Tipo De Deficiência

Remuneração Média R$

Masculino Feminino

Física 2.254,04 1.611,22

Auditiva 2.255,51 1.282,27

Visual 1.927,50 1.477,60

Mental 802,09 695,78

Múltipla 1.451,96 1.227,16

Reabilitado 2.257,71 1.789,34

Total de Deficientes 2.144,43 1.506,58

Não Deficientes 1.874,55 1.553,72

Total 1.876,58 1.553,44

Fonte: RAIS-2010/TEM (*) Deflator INPC

A discriminação entre homens e mulheres, em termos de salários, revela-se

histórica. Souza-Lobo (1991) já apontava a diferenciação entre homens e mulheres

quando analisou o trabalho feminino na economia capitalista: ―A subordinação de

176

gênero manifesta-se na divisão sexual do trabalho através das desigualdades de

salários e da desqualificação das funções femininas.‖ (Idem: 168).

Bourdieu (2003) aponta que as mulheres são sempre discriminadas no

mercado de trabalho assalariado, em relação aos homens. Tal discriminação está

ligada à remuneração, à ocupação de cargos, à precariedade de empregos, ao

acesso aos cargos de comando, ou de nível estratégico, nas organizações.

As diferenças salariais que se apresentam entre homens em mulheres com

deficiência reproduz o que acontece na sociedade capitalista em geral nas relações

de gênero no tocante ao trabalho assalariado, ou seja, uma desqualificação da

mulher, por meio muitas vezes de desculpas de que a mulher é menos capacitada

ou instruída do que o homem para a execução de determinadas tarefas, ou

ocupação de cargos de supervisão. A respeito da questão de ―desqualificar‖ as

mulheres via instrução, aquelas com deficiência, em termos de nível educacional no

Brasil, iniciando nos 15 anos de idade, segundo dados do IBGE – Censo

demográfico 2010 estão em posição inferior aos homens com deficiência somente

nos estratos ―sem instrução e fundamental incompleto‖, em razão de representarem

um maior número de pessoas. Mas estão à frente dos homens nos demais estratos:

―fundamental completo e médio incompleto‖; ―médio completo e superior

incompleto‖; ―superior completo‖.

Os dados coletados mostram que a distribuição dos postos de trabalho

assalariado entre homens e mulheres com deficiência ou surdez, segue os mesmos

pressupostos dos demais trabalhadores ou trabalhadoras sem deficiência. Neri

(2003) entende que ―[...] a integração das pessoas com deficiência no processo

produtivo é um dos maiores obstáculos para a inclusão social. Há ainda

preconceitos em relação à sua capacidade contributiva num contexto competitivo

que hoje orienta grande parte das empresas. Este preconceito está relacionado ao

desconhecimento acerca das reais possibilidades e limitações do portador de

deficiência de se inserir como agente ativo do processo de produção, desde que lhe

sejam dadas as oportunidades para desenvolver todo seu potencial.‖ (Idem: 14).

As desigualdades salariais e no grau de inserção de pessoas com deficiência

nas empresas deixam claro não só as dificuldades dos gestores nas empresas para

realizarem esse processo, mas principalmente que essas desigualdades também se

confirmam no caso das pessoas com deficiência ou surdas.

177

Além da pretensa inclusão que demarca e aprofunda a separação entre as

pessoas com e sem deficiência, as experiências empresariais e o caso do Sistema

FIEP não foge à regra, deixam claro que as diferenças e não os propósitos de

igualdade previstas na Constituição Brasileira de 1988 são a tônica nas relações de

emprego.

Assim, o resultado da inserção no emprego reforça estigmas e discriminações

dessa parcela da população, revelando que preconceitos e estigmas são processos

socialmente construídos e as empresas reproduzem e fazem parte desses

processos.

178

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurei ao longo desta tese, demonstrar como se caracteriza o estigma da

deficiência no emprego das indústrias, tomando como base o depoimento das

pessoas com deficiência ou surdas que estão vivenciando o processo de inserção

no Sistema FIEP. Parti do pressuposto de que o processo de inserção reforça o

estigma relacionado à deficiência, que estão presentes e são construídos

socialmente, mas que apresentam nuances diferenciados no contexto empresarial,

tanto nas relações que as pessoas deficientes ou surdas desenvolvem com seus

colegas, quanto com seus superiores na hierarquia.

O resgate teórico inicial, procurando demonstrar as diferentes visões da

deficiência ou da surdez, construídas socialmente, permitiu compreender que as

visões empresariais da deficiência ou surdez, no processo de inserção no emprego

estão baseadas no modelo biomédico de interpretação da deficiência, que lhes

possibilitam considerar e avaliar essas pessoas sob as métricas e padrões

atribuídos às pessoas sem deficiência e não surdas, tendo em vista a elevada

eficiência produtiva. Isso causa desigualdades e injustiças nos processos de

inserção no emprego.

A análise do estigma social da deficiência, suas tipologias e caracterizações,

permitiu compreender que, em qualquer das situações vivenciadas pelas pessoas

deficientes sob as diferentes visões, elas serão categorizadas ou agrupadas, em

razão dos seus tipos de atributos. Comparados à chamada normalidade, criam os

estereótipos, impedimentos e justificativas para afastá-las, interditá-las e alijá-las do

seu convívio social. O estigma da deficiência perdura na vida cotidiana baseado na

visão do modelo médico, sob a qual qualquer limitação é um problema individual.

Diante disso, caberia exclusivamente a ele as providências para superá-lo. A visão

popular influenciada pelo modelo biomédico, quando em contato com a deficiência,

vista como doença, desenvolve o temor à contaminação. A pessoa com deficiência,

ou surda, passa a ser vista como alguém que tem algo contagioso.

A visão da medicina, tratando a deficiência ou surdez como doença e ligada a

uma condição incapacitante, motivou o desenvolvimento das lutas sociais das

pessoas com deficiência, nos Estados Unidos e na Inglaterra o que permitiu que a

179

deficiência passasse a ser vista como um problema social, e não simplesmente

como de ordem médica, a partir da década de 1960.

No Brasil, a aglutinação das pessoas com deficiência como movimento

reivindicativo por seus direitos só iniciou a partir do ano de 1979, e efetivamente com

os preparativos para o AIPD. O movimento ganhou muita força durante os anos de

1980 quanto conseguiram aglutinar poder e inserir na Constituição Federal do Brasil

de 1988, de forma diluída, diversos dispositivos constitucionais, garantindo-lhes a

igualdade em direitos, bem como, a determinação ao Estado que desenvolvesse

políticas de minoração das desigualdades sociais vivenciadas pelas pessoas com

deficiência. É a partir de então que realmente o Estado assume seu papel ao

desenvolver políticas compensatórias para esse grupo de pessoas.

Contudo, em que pese as políticas que visem a inserção das pessoas com

deficiência no emprego, os dados levantados pelo IBGE e pela RAIS, demonstram

que as pessoas com deficiência estão aquém do ideal processo de inclusão social

previsto pela legislação. As práticas desenvolvidas nas empresas, em termos de

inserção das pessoas com deficiência no emprego, estão muito aquém daquelas

ideais e necessárias às pessoas deficientes ou surdas desenvolverem seu potencial,

suas capacidades, suas habilidades e obterem as mesmas oportunidades. Com foi

possível observar, tanto as pessoas com nível elevado de escolaridade e altamente

preparados para o mercado de emprego, quanto aquelas com baixa escolaridade

sofrem com a falta de colocação, principalmente, porque as organizações não

sabem, ou não estão preparadas para lidarem com as pessoas com deficiência.

Sob os auspícios da gestão da diversidade as empresas, de um modo geral,

buscam melhorar o convívio entre seus funcionários, através da dissolução das

diferenças, a mais praticada devido às facilidades de sua operacionalização e dos

programas voltados para meritocracia; e das demandas pelas ações afirmativas,

contestadas pelo setor empresarial.

No contexto da diversidade praticada no Sistema FIEP, o estigma social da

deficiência transparece nas visões das pessoas com deficiência sobre a deficiência,

a surdez e delas mesmas, seu emprego e o convívio com seus colegas e chefes. As

visões do pessoal de gestão se direcionam sobre a deficiência e as pessoas com

deficiência, as tarefas executadas pelas pessoas com deficiência ou surdas, e o

convívio com elas. As visões dos tutores e colegas de equipe foca as pessoas com

deficiência e as surdas, o que fazem, e o convívio com elas no grupo.

180

A discussão sobre a construção social da deficiência possibilitou entender que

a constituição dos diversos aspectos que caracterizam o estigma como fator de

interdição das pessoas com deficiência é, em muitos casos, uma maneira de um

determinado grupo se autoafirmar e manter sua unidade, bem como, proteger seus

interesses, principalmente o lado empresarial que não quer inserir pessoas com

deficiência, ou surdas, no processo produtivo alegando uma série de impedimentos

contrários aos seus interesses.

Nesse contexto, foi possível verificar que o estigma social da deficiência se

reforça e ganha características específicas (Anexo 2) no interior das empresas

atrelados à condição da pessoa com deficiência, ou surda, na situação de

empregado. Seu desempenho, sua posição na hierarquia, as atividades que

executam, os níveis salariais, estão atrelados à sua condição de ser deficiente ou

surda.

Esse fato permite a perpetuação das desigualdades nos processos de

inserção das pessoas com deficiência nas empresas e a subutilização das suas

capacidades, colocadas em funções figurativas ou abaixo do seu potencial;

inexistência de políticas e práticas de recursos humanos voltados para uma inserção

que respeite e valorize as diferenças, desenvolvidas com base nas necessidades

dos inseridos; cursos e treinamentos que visem preparar as chefias, principalmente

em relações humanas, para trabalhar e respeitar a diferença; falta de adaptação das

instalações, móveis e equipamentos de trabalho que gera a inadaptabilidade ao

trabalho; falta de acessibilidade física que impede-lhes a mobilidade e o correto

desenvolvimento de suas funções; para as pessoas surdas, não disseminação da

LIBRAS no ambiente de trabalho como facilitadora da comunicação e a falta de

intérpretes de LIBRAS em eventos que exijam a sua participação; para os cegos a

inexistência de comunicação direcional ou indicativa, de pisos adaptados, rampas,

escadas com corrimão e guarda-corpos, e de dispositivos que permitem a interface

com o computador; para as pessoas com deficiência física, muletante ou cadeirante,

a indisponibilidade de pisos, banheiros, móveis, máquinas, equipamentos,

elevadores, corredores de acesso, portas, rampas, passeios adaptados; avaliação

de desempenho com base em medidas e padrões desenvolvidos para as pessoas

sem deficiência ou não surdas; pagamento por produtividade (o que pode elevar os

níveis de desigualdade se os padrões de desempenho forem uniformes).

181

Como forma de minorar essas práticas, podem ser introduzidas políticas de

recursos humanos que valorizem as pessoas com deficiência ou surdas e respeitem

as suas diferenças, não exigindo grandes mudanças em termos de carreira e

remuneração, tais como: programas de inserção que priorizem a diversidade no

ambiente organizacional, compostos de treinamento e sensibilização para todos os

funcionários, principalmente das equipes que estarão recebendo pessoas com

deficiência, incluindo-se o preparo das chefias e colegas que estarão diretamente

trabalhando com pessoas deficientes ou surdas; treinamento e reciclagem

periódicos em LIBRAS para facilitar a comunicação com os surdos; implantação de

práticas de recursos humanos apropriadas às características das pessoas com

deficiência ou surdas, envolvendo: recrutamento e seleção; alocação em cargos e

funções que valorizem as suas competências, habilidades e potencial; treinamentos

e desenvolvimentos adaptados; estudos ergonômicos visando adaptar mobiliários,

máquinas, equipamentos e instrumentos de trabalho às diferenças apresentadas;

desenvolvimento de carreira com base em avaliação de desempenho que considere

a eficiência produtiva de suas habilidades; desenvolvimento de talentos para

aproveitar o seu potencial; oportunidade de ascendência na hierarquia da empresa,

respeitando-se os seus limites, condições e diferenças – meritocracia sim, mas com

justiça; direito a benefícios; implantação de programa de tutoria para facilitar a

inserção; treinamento dos tutores e das tutoras em relações humanas e em LIBRAS

quando for necessário; avaliação periódica das chefias imediatas e do pessoal de

tutoria para detectar necessidade de adaptações ou treinamento; reciclagem

periódica das chefias imediatas e pessoal de tutoria; adaptações das instalações

físicas (banheiros, corredores, rampas, escadas, corrimões, pisos, portas etc.) para

facilitar a mobilidade de pessoas deficientes, cegas ou surdas; adaptação da

comunicação direcional e indicativa às necessidades dos cegos (BRILLE) e pessoas

com baixa visão (letras em tamanhos maiores); adaptação dos veículos de

transportes da empresa às necessidades decorrentes de cada uma das diferenças;

incentivo à continuidade dos estudos formais.

Destaquei aspectos relacionados à acessibilidade, em razão de que esse é

um ponto que as empresas menos investem, priorizando a contratação de pessoas

com tipos de deficiência que não acarretem muitas modificações no ambiente de

trabalho ou na estrutura física da empresa. Tal prática reforça o estigma social da

182

deficiência, como a dizer-lhes que não merecem atenção, não tem importância, ou

seja, não são de fato respeitados em suas diferenças.

O presente estudo deixa em aberto a possibilidade de outras investigações

como por exemplo, a questão da identidade do trabalhador assalariado enquanto

pessoa com deficiência, ou seja, a constituição das subjetividades das pessoas.

183

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198

ANEXOS

ANEXO I

DADOS DAS ENTREVISTADAS

PAULA (Representante do Programa de Inserção Interno).

Idade: 44

Sexo: Feminino

Estado Civil: Casada

Nível de Escolaridade: Superior, com especialização.

HANNA (Representante do Programa de Inserção Externo (com parceiros Sistema

FIEP).

Idade: 47

Sexo: Feminino

Estado Civil: Casada

Escolaridade: Superior, com especialização.

MARIANA (Tutora 1)

Idade: 53

Sexo: Feminino

Estado Civil: Casada

Escolaridade: Superior Incompleto

KÁTIA (Tutora 2)

Idade: 42

Sexo: Feminino

Estado Civil: Solteira

Escolaridade:Superior, com especialização.

APARECIDA (Auxiliar de Serviços – Pessoa com Deficiência)

Idade: 33 anos

Sexo: Feminino

Estado Civil: Casada

Escolaridade: 2º Grau Completo

Tipo de deficiência: Deficiência Auditiva (Bilateral) com uso de aparelho; Tem

problemas de Visão; leve deficiência física.

199

DOLORES (Auxiliar de Serviços – Pessoa com Deficiência)

Idade: 42

Sexo: Feminino

Estado Civil: Solteira

Escolaridade: 2º Grau Completo

Tipo de deficiência: Deficiência Física (Membro Inferior Esquerdo - MIE)

MÁRCIA (Auxiliar de Serviços – Pessoa com Deficiência)

Idade: 35 anos Sexo: Feminino Estado Civil: Viúva Escolaridade: 2º Grau Completo Tipo de deficiência: Deficiência auditiva bilateral

ELIANE (Auxiliar de Serviços – Pessoa com Deficiência)

Idade: 38 anos Sexo: Feminino Estado Civil: Viúva Escolaridade: 2º Grau Completo Tipo de deficiência: Deficiência Física (Membro Inferior Direito) JOANA (Auxiliar de Serviços – Pessoa Surda)

Idade: 40 anos

Sexo: Feminino Estado Civil: Casada Escolaridade: 2º Grau Completo Tipo de deficiência: Deficiência auditiva bilateral (Surdez – anacusia)

LUIZA (Auxiliar de Serviços – Pessoa Surda)

Idade: 35 anos Sexo: Feminino Estado Civil: Solteira Escolaridade: 2º Grau Completo Tipo de deficiência: Deficiência auditiva bilateral (Surdez – anacusia)

200

ANEXO II

QUADRO 1 - A CARACTERIZAÇÃO DO ESTIGMA DA DEFICIÊNCIA E DA SURDEZ NO EMPREGO

(Continua)

GRUPO SOCIAL NO EMPREGO

DIMENSÕES CONSIDERADAS

ESTEREÓTIPOS CARACTERIZADORES DO ESTIGMA DA

DEFICIENCA NO EMPREGO

Pessoas com deficiencia ou surdas na condição empregados

Deficiencia

Surdez

Pessoas com Deficiência

Pessoas surdas

Família

Emprego

Colegas

Chefias

A deficiência como algo negativo.

A deficiência dificulta encontrar oportunidades de emprego.

A deficiência está na consideração nas pessoas não em mim. Eu tenho uma limitação que não me impede de levar uma vida produtiva e digna.

A deficiência impede de desenvolver determinadas atividades.

A deficiência suscita o medo da discriminação na relação com os normais.

A pessoa com deficiência é vista como pessoas com baixa produtividade.

Ao mesmo tempo, a deficiência é um estímulo à superação e a demonstrar que se pode realizar uma série de coisas.

Chefias não dão oportunidade para as pessoas deficientes desenvolverem suas competências, colocando-as em atividades aquém das suas habilidades e condições produtivas.

Chefias não exploram o potencial e a capacidade de trabalho das pessoas com deficiência.

Colegas de trabalho olham com desconfiança as pessoas com deficiência em relação à capacidade produtiva e ao seu potencial de realização.

Dificuldade de relacionamento com os colegas de trabalho em razão dessa desconfiança ou em função da dificuldade de comunicação pela não disponibilidade de cursos de LIBRAS nas empresas.

Existe discriminação e preconceito das pessoas nas relações sociais.

Eu sou capaz, basta me dar uma oportunidade para demonstrar isso e investir em mim.

Sentimento de diante dos normais no emprego na sociedade.

Preconceito dos familiares.

Relações difíceis com os familiares.

Tratamento diferenciado em relação aos colegas de trabalho que são normais.

201

QUADRO 1 - A CARACTERIZAÇÃO DO ESTIGMA DA DEFICIÊNCIA E DA SURDEZ NO EMPREGO

(Continua)

GRUPO SOCIAL NO EMPREGO

DIMENSÕES CONSIDERADAS

ESTEREÓTIPOS CARACTERIZADORES DO ESTIGMA DA DEFICIENCA NO

EMPREGO

Pessoal de Gestão

Deficiencia

Pessoas com deficiência

Pessoas surdas

As atividades das pessoas com deficiencia ou surdas

As pessoas com deficiência apresentam baixa produtividade.

As pessoas com deficiência devem ser contratadas em função das cotas previstas pela Lei.

As pessoas com deficiência e candidatas à vaga não atendem às exigências do cargo ou da função em aberto.

As pessoas com deficiência é que tem que se adaptar às condições de trabalho oferecidas.

As pessoas com deficiência intelectual, e as surdas, devem ser colocadas em atividades rotineiras em razão do elevado nível de concentração.

As pessoas com deficiência não apresentam o laudo médico que aponta o CID da deficiência alegada, como exige a lei.

Baixo nível de escolaridade das pessoas com deficiência.

Baixo nível de qualificação das pessoas com deficiência.

Competências e habilidades apresentadas pelas pessoas com deficiência não são condizentes com aquelas esperadas pela empresa.

Cultura organizacional de oposição e resistência em contratar pessoas com deficiência.

Desconfiança dos clientes e demais públicos externos da empresa em relação às pessoas com deficiência.

Desconfiança dos demais funcionários da empresa por não estarem preparados para se relacionarem com as pessoas com deficiência.

Dificuldade de adaptação das instalações para receber as pessoas com deficiência.

É difícil se comunicar com as pessoas surdas.

Falta de profissionalização das pessoas com deficiência.

Medo, receio e desconfiança em trabalhar com as pessoas deficientes.

Não contratam pela falta de informações sobre as habilidades das pessoas com deficiência.

Não sabem onde recrutar esse tipo de mão de obra.

O departamento de recursos humanos não está preparado para recrutar e selecionar pessoas com deficiência.

Os dirigentes da organização se opõem em contratar pessoas com deficiência.

Pessoas cegas podem ser utilizadas em atividades que exigem elevada capacidade de memorização.

Pessoas com deficiencia são todas iguais (não se consideram as peculiaridades de cada tipo de deficiencia, que diferem uma pessoa para outra).

Pessoas surdas se adaptam às atividades com ruído intenso.

Pouca oferta de mão de obra (pessoas com deficiência) no mercado de mão de obra.

Problemas de conduta das pessoas com deficiência no relacionamento e adaptação com os demais colegas de trabalho.

Problemas nas instalações da empresa que impedem a acessibilidade.

202

QUADRO 1 - A CARACTERIZAÇÃO DO ESTIGMA DA DEFICIÊNCIA E DA SURDEZ NO EMPREGO

(Conclusão)

GRUPO SOCIAL NO EMPREGO

DIMENSÕES

CONSIDERADAS

ESTEREÓTIPOS

CARACTERIZADORES DO ESTIGMA DA DEFICIENCA

NO EMPREGO

Pessoal de tutoria e colegas de equipe

Deficiencia

Pessoas com deficiência

Pessoas surdas

Atividades das pessoas com deficiencia

As pessoas com deficiencia se dão bem em atividades repetitivas e monótonas.

Demonstram que são capazes.

Existe uma áura especial que cerca as pessoas com deficiencia.

Medo, receio e desconfiança em trabalhar com as pessoas deficientes.

Não dá para confiar no trabalho deles.

Os cegos tem uma memória fantástica.

Os surdos tem uma capacidade de concentração muito grande.

Pessoas com deficiencia nao tem capacidade para executar algumas atividades ou tarefas e desempenhar determinados cargos.

Pessoas com deficiencia não tem competência.

Pessoas com deficiência produzem pouco.

Pessoas com deficiencia são todas iguais (não se consideram as peculiaridades de cada tipo de deficiencia, que diferem uma pessoa para outra).

Pessoas com deficiência tem baixo nível de escolaridade.

Pessoas deficientes são difíceis de lidar.

São um exemplo de vida.

Superam suas limitações no desempenho das tarefas.

Tem comportamento fechado.

Fonte: O Autor.