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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Jucimeri Isolda Silveira PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída no “modelo” de competências DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Jucimeri Isolda Silveira

PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:

Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída

no “modelo” de competências

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Jucimeri Isolda Silveira

PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:

Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída

no “modelo” de competências

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

Tese apresentada a Banca Examinadora, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Serviço Social, sob a orientação da Profa. Dra. Raquel Raichelis Degenszajn.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

Proª Drª Maria Carmelita Yazbek

Profª Drª Aldaiza Oliveira Sposati

Profª Drª Marilda Villela Iamamoto

Profª Drª Esther Luíza de Souza Lemos

Profª Drª Raquel Raichelis Degenszajn (Presidente)

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Com gratidão e amor

à minha avó, aos meus pais à Thaíse, à Laísa e à Marina

a meus irmãos e minha família ampliada

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AGRADECIMENTOS

Porque a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.

Cecília Meireles

Agradeço minha querida orientadora, Raquel Raichelis, por me transmitir

segurança, por perdoar meus “sumiços”. Foram grandes os aprendizados, muitas

trocas sobre trabalho e profissão. A sua sutileza ficou em mim, sua assertividade e

direção tornaram possível construir esta etapa da minha formação acadêmica.

Saiba da minha gratidão por me acolher, compreender minhas limitações e me

fazer sentir escolhida.

Meu agradecimento especial ao Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social, pelos aprendizados, pela oportunidade de concluir o doutorado,

especialmente aos mestres da minha caminhada como docente e militante: Maria

Carmelita Yazbek, José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Myrian Veras Baptista,

Maria Lucia Martinelli, Aldaisa Sposati, Marco Aurélio Nogueira. Um agradecimento

especial à generosa banca formada pelas professoras e companheiras Carmelita e

Elisabete Borgianni (Bete), com quem aprendi muito na militância do

CFESS/CRESS.

Aos meus queridos amigos Ilda e Luiz Witiuk, pelo “socorro” de última hora,

na revisão de meu trabalho, meu carinho especial. A prova da grande amizade,

afeto e companheirismo. Ildinha, muito obrigada pela força e pelos conselhos. Kel,

nossa assistente social internacional, obrigada pelo abstrat. Lembro-me bem

quando no Congresso Brasileiro, em Foz, você era minha interprete com David no

FITS. É evidente que na hora do aperto podemos contar com amigos. O melhor de

tudo é ter vocês em minha vida, nesta e em outras conquistas.

Foram tantas as ausências, mas também intervalos, menores do que

gostaria, para o carinho e o cuidado na educação de minhas filhas amadas. Thaíse

e Laísa, vidas da mãe, obrigada pela compreensão, por apoiarem minhas escolhas.

Espero que valorizem a dedicação da mãe na realização desse e de outros

projetos. Sou muito grata pelas filhas maravilhosas que tenho. Vocês me fazem a

mãe mais feliz do mundo!

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Marina, minha amada, feliz descoberta na vida, que apoia e constrói os meus

e os nossos projetos. Agradeço por aguentar meu mau humor e minhas ausências,

pela referência protetora para a Lalinha. Sou grata por fazer parte de minha vida, e

pelas trocas e interlocuções tão significativas no universo do trabalho social.

Agradeço a mãe que tenho, pelo apoio de sempre nas minhas idas e vindas

em tantos lugares. Dona Jussara tem uma trajetória de vida que me fez mais crítica

e com utopias por percorrer. Conduziu-me sempre com amor e cuidado, aceitando-

me por inteira. Agradeço, também, ao meu pai, Leverci, pela determinação, pelo

apoio, por me permitir, com o tempo, ser eu mesma. Meus pais, apesar das

dificuldades, viabilizaram minha educação, entenderam momentos de fracasso e as

grandes vitórias. Sou feliz por isso!

Em cada conquista lembro-me de minha avó Erika Lehmert, pela luta,

ousadia, garra. Minha avó me faz mais forte, me ensinou a proteger, partilhar,

acreditar sempre e superar dificuldades. É meu espelho de vida, e grande

responsável por transmitir a paixão pelo Serviço Social.

Pela história de luta compartilhada, realizações e amor, agradeço meus

“manos”, Jucelma (Cel) e Leverci (Ci), com meu irmão compartilhamos um pouco

da vivência inesquecível do Colégio Estadual do Paraná, iniciamos juntos a

militância estudantil. Sua presença sempre me deixou segura mesmo quando

cuidava de você. Com minha irmã compartilhei a vida acadêmica no Serviço Social.

Nunca vou me esquecer do seu apoio, da sua presença significativa e do momento

em que escolhi definitivamente nossa profissão: quando acompanhei sua aula de

Política Social. Sinto-me um pouco em vocês, e sinto vocês em minha alma. São

tantas lembranças vivas e fortes em mim! Estendo o afeto aos meus queridos

cunhados (Ju, Sandro, Syl), sobrinhas(os) (Leti, Laurinha, Fer, Aninha, Lu, Camy,

Cadu, Dani), ao Hugo, que compartilharam de nossos melhores e mais lindos

momentos em família.

Às queridas amigas de PUCPR, Izabel, Ilda, Márcia, Solange, Zely, e querido

Cezar, por sermos um coletivo que resiste, construindo nosso projeto de profissão e

de Universidade. Aos meus queridos alunos e queridas alunas, por entenderem

minhas “trapalhadas” e por me apoiarem, mais do que mereço, pelas palavras de

incentivo. Às companheiras e amigas de projeto em defesa dos direitos de crianças

e adolescentes, Valéria e Silvane, meu carinho.

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Agradeço com o mesmo carinho e gratidão às(aos) companheiras(os)

valorosas(os) de militância no CFESS/CRESS, pela defesa do projeto ético-político

profissional. Meu agradecimento aos(às) servidores(as) do CRESS, pelo apoio e

convivência de mais de 10 anos. Um carinho especial para Dara, Kel, Renata, Syl,

Dani, Lena, Juçara, Elias, Dione, Andrea e Rocio. Sou muito grata à Joaquina,

pelos ensinamentos no CFESS e em outros momentos tão importantes para minha

formação política. Meu carinho especial à Simone, Eutália, Ronaldo, Maria Helena,

Rosangela, Bete, Edval e Laura, pela convivência e luta em defesa da profissão.

Meu eterno reconhecimento e gratidão à “Odarka” (Odária), pela atitude

investigativa e competência ensinada, por me conduzir para o universo da

pesquisa. À Samira, à Sandra e ao Marcos pelas trocas e aprendizados coletivos.

Queridas amigas Telma (como aprendo com você!), Aninha, nossas amigas de

SETP, como sou grata pela convivência e luta! À Denise Colin, grande

companheira, “super” “supervisora” e amiga, sempre me apoiando, dividindo e

construindo. Você é nosso orgulho! Como esquecer de nosso tempo de construção

do SUAS no Paraná?

Agradeço aos assistentes sociais do “MDS”, Marcia Lopes, Maria Luiza,

Gisele, Luziele, Telma, Ana Paula, Ironi, Lea, José Crus (e sua grande equipe da

gestão do trabalho), Egli (in memoriam), Simone e Renato. Meu carinho à Cida e Eli

do FONSEAS, pelo aprendizado, construção conjunta e amizade. Vocês confirmam

minha convicção de que é possível disputar avanços políticos por dentro!

O mesmo carinho aos “novos” amigos no “SUAS” de Curitiba, Marcia, Erika,

Antônio, Paula, Kátia, Marina Bini, Marli, Angela, Marina Marson, Maria Tereza,

Rosangela, Alexandre, Simone Camargo, Mirele, Ana, Luiz, Luiz Henrique, além da

companheira de longa data, e minha primeira supervisora de estágio, Dara.

Queridos(as) colegas de trabalho do planejamento, agradeço por me acolherem

neste novo projeto e por prosseguirmos juntos(as) na consolidação do SUAS.

Meu profundo agradecimento a todas e todos que marcaram minha história

de vida pessoal, profissional e acadêmica. Aos trabalhadores sociais em luta

cotidiana pelos direitos, forjando processos políticos em direção a uma nova

cultura, o meu reconhecimento. São muitas lembranças e gestos que fizeram a

diferença em mim, me permitiram ser mais e ir além, entre a “a dor e a delícia” de

ser o que sou: assistente social.

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RESUMO

A presente tese analisa a profissionalidade do Serviço Social brasileiro, a partir da revisão crítica de seus fundamentos históricos e teórico-metodológicos, e a construção do projeto ético-político profissional, com centralidade no estatuto normativo-jurídico, para a construção da especificidade e legitimidade profissional. Parte-se do entendimento de que uma profissão forja-se na constituição da sociedade, na dinâmica entre a interferência do Estado em resposta ao desenvolvimento do modo de produção e às tensões entre projetos de sociedade, assim como no constructo teórico, técnico e ético inerente a um projeto profissional que atende às necessidades sociais. A constatação principal é a de que a profissionalidade do Serviço Social é dinamizada pela fragilidade e legitimidade, demandando de suas organizações a vocalização e delimitação de suas atribuições na divisão social e técnica do trabalho. A constituição da profissionalidade legitimada foi configurada no contexto histórico de redemocratização e afirmação da cultura dos direitos, o que impulsionou novas requisições sociais e institucionais, significadas pela base teórico-metodológica e ético-política da profissão. A partir da crítica ao modelo de competências e sua incidência na educação e no trabalho, constata-se a tendência da profissão de construir referências/parâmetros que delimitem competências e atribuições em áreas específicas. Na presente tese foram examinados os Parâmetros de Assistência Social e Saúde, amplamente difundidos, como expressão da negação de “funções” e demarcação de prerrogativas. O estudo procura problematizar as principais interpretações do que seja o social, no âmbito da Teoria Social, assim como apresentar elementos que confirmem o predomínio de trabalhos sociais que são ultrageneralizadores de preconceitos e regras programadoras do social, sem com isso eliminar as possibilidades de potencializar valores latentes no cotidiano contraditório. O modelo de competências aplicado ao Serviço Social é insuficiente, especialmente no contexto de precarização da formação profissional, tendo em vista a dimensão fundamental da produção de conhecimentos e qualificação no processo de definição de competências e atribuições direcionadas eticamente. Palavras-chave: Profissionalidade, Serviço Social, Competências.

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ABSTRACT

This thesis analyzes the Brazilian Social Work’s professionalism through a critical review of its historic, theoretical-methodological’s foundations, and the framing of its ethical-political profession project centralized on a legal and normative statute to set up the profession’s specificity and legitimacy. It comes from the comprehension that a profession is made up in the society constitution, in the dynamic between the State interference in response to the production mode development and the tension between society projects as well as in the theoretical, technical and ethical constructo inherent to a professional project that complies with social needs. The main finding is that the Social Work’s professionalism is dynamized by its fragility and legitimacy which demands from its organizations more visibility, vocalization and its attributions bound on social and technical Work’s division. The constitution of legitimacy of the professionalism was set in the historic re-democracy process and affirmation rights culture context that stimulated new social and institutional requests based on the theoretical-methodological and ethical-political professional foundations. From the critics to the skills pattern and its influence on education and work it’s possible to find a trend on the profession that is to make references and parameters that stake skills and attributions in specific areas. In this thesis were examined the Social Assistance and Health Parameters largely divulgated as an expression to deny “functions” and prerogatives delimitations. This study intends to question the main interpretations of what could be the social in the Social Theory as to present elements that seal the prevalence of social jobs that are highly generalizing of prejudice and programmed rules of the social, without thereby eliminating the possibilities of increase hidden values on the contradictory routine. The skills pattern applied to Social Work is unsatisfying particularly in the disqualified professional training context under perspective of central dimension of knowledge production and qualification on the skills setting process and attributions ethically orientated. Key-words: professionalism, Social Work, skills

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LISTA DE SIGLAS

AASPTJSP Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de

Justiça de São Paulo.

ANAS Associação Nacional de Assistentes Sociais.

ABESS Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social.

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.

CBO Classificação Brasileira de Ocupações.

CEDEPSS Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e

Serviço Social.

CFESS Conselho Federal de Serviço Social.

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social.

COFI Comissão de Orientação e Fiscalização.

CRAS Centro de Referência de Assistência Social.

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

CRESS Conselho Regional de Serviço Social.

ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social.

FMI Fundo Monetário Internacional.

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca

LOAS Lei Orgânica de Assistência Social.

NOB - RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema

Único de Assistência Social.

SUAS Sistema Único de Assistência Social.

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde.

PNAS Política Nacional de Assistência Social.

PSF Programa de Saúde da Família.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................11

1.1 QUESTÕES PRELIMINARES SOBRE PROFISSÃO..............................................................13

1. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA TESE.............................................................16

2. REVISÃO CRÍTICA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL...................................32

2.1 SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL: HIBRIDISMO E RELAÇÃO FUNCIONAL.............36

2.2 BASES SÓCIO-HISTÓRICAS DA IDEOLOGIZAÇÃO CONSERVADORA: CRÍTICA E

IMPLICAÇÕES RECENTES NO SERVIÇO SOCIAL.....................................................................43

2.3 AS ULTRAGENERALIZAÇÕES NO TRABALHO SOCIAL: IMPLICAÇÕES TÉCNICAS E

ÉTICAS...........................................................................................................................................53

2.4 PROFISSÕES: REVISÃO TEÓRICA DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO

SABER/PODER..............................................................................................................................57

2.5 CONCEITUAÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO E DISCIPLINA DO

CONHECIMENTO..........................................................................................................................63

2.5.1 Serviço Social como especialização do trabalho coletivo...................................................65

2.5.2 Profissionalização e estrutura sincrética do Serviço Social................................................71

2.6 A CONCEITUAÇÃO DA PROFISSÃO PELA MEDIAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-

POLÍTICO.......................................................................................................................................79

3. ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO “SOCIAL”: MATRIZES TEÓRICAS E PROFISSÕES..............84

3.1 O SOCIAL “COESO” E O TRABALHO INTEGRADOR............................................................86

3.2 AÇÃO SOCIAL MOTIVADA POR VALORES ..........................................................................92

3.3 SOCIEDADE CONTRADITÓRIA E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO: TOTALIZANDO A

ANÁLISE DO “SOCIAL”.................................................................................................................95

4. A CONSTRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL......................................102

4.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E IMPLICAÇÕES VALORATIVAS NAS PRIMEIRAS

REGULAÇÕES: O SOCIAL “AJUSTÁVEL”..................................................................................103

4.2 A MONOPOLIZAÇÃO DO SABER E DO FAZER NO SOCIAL: O SIGNIFICADO DA

PRIMEIRA REGULAMENTAÇÃO................................................................................................108

4.3 IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E “EPISTEMOLÓGICAS” NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO

ASSISTENTE SOCIAL: NOVO PERFIL, NOVAS “COMPETÊNCIAS”........................................113

4.4 CONTEXTO REFORMISTA E AS DIRETRIZES CURRICULARES......................................121

4.5 LEGITIMIDADE SOCIAL CONSTRUÍDA...............................................................................127

5. TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO POR COMPETÊNCIAS: A

NOVA CONDIÇÃO DE “COLABORADOR” E A INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO..............130

5.1 O FETICHE DA CONCORRÊNCIA E O “DARWINISMO” NO MERCADO............................134

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5.2 NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E A INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO.............................137

5.3 O “MODELO” DE COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO.. ......................................................141

5.4 A CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL PELO MODELO DE COMPETÊNCIAS.......................147

5.4.1 Certificação das ocupações profissionais.........................................................................149

6. PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORANEO: LEGITIMIDADE PELA

MONOPOLIZAÇÃO DE COMPETÊNCIAS......................................................................................153

6.1 A MONOPOLIZAÇÃO DO “SABER-FAZER”: COMPETÊNCIAS DO ASSISTENTE

SOCIAL........................................................................................................................................156

6.2 SERVIÇO SOCIAL E ASSISTENCIA SOCIAL.......................................................................162

6.2.1 Requisições do SUAS e direção ético-política..................................................................170

6.3 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE................................................................................................178

6.3.1 Direcionamentos ético-políticos na saúde.........................................................................183

6.4 A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO DE COMPETÊNCIAS NO SERVIÇO SOCIAL...............189

ANÁLISES CONCLUSIVAS.............................................................................................................195

REFERÊNCIAS.................................................................................................................................205

ANEXO A – GRÁGICO 1: DISTRIBUIÇÃO DE CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL POR

REGIÃO.............................................................................................................................................214

ANEXO B – GRÁFICO 2: GRADUAÇÃO PRESENCIAL E A DISTÂNCIA POR REGIÃO.............215

ANEXO C – TABELA 1: BASE NORMATIVO-JURÍDICA DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL........216

ANEXO D – QUADRO 1: ATIVIDADES CBO..................................................................................217

ANEXO E – LISTA DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS ........................................................220

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1 INTRODUÇÃO

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.

Carlos Drummond de Andrade

A construção da presente tese apresentada junto ao Programa de Pós-

Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -

PUCSP, não teve a pretensão de se constituir em estudo sobre a história da

profissão, cuja abordagem teórico-metodológica exigiria um aprofundamento de

aspectos centrados no registro e na análise cuidadosa de sujeitos significativos,

eventos, produções relevantes na área.

O que me moveu como pesquisadora foi o reconhecimento das tendências

históricas que convivem no bojo da disputa de projetos profissionais, no processo de

construção da materialidade da direção social construída no Serviço Social, partindo

da emergência do projeto ético-político profissional até suas implicações mais

recentes, sobretudo nas tentativas de delimitar atribuições privativas.

O caminho metodológico percorrido no processo de construção do objeto foi

direcionado por uma postura teórico-metodológica oposta às tendências reificantes e

pretensamente desmobilizadoras, “ideologizadas” pelo fetiche do capital

(IAMAMOTO, 2007), da alienação “desumanizante”, do aprisionamento na empiria

do tempo presente.

Procuro partir da compreensão da dialética entre sujeitos sociais e contextos

sociopolíticos dinâmicos, do papel reflexivo e criador dos sujeitos individuais e

coletivos historicamente inscritos nos espaços sociais configurados por relações de

poder. Assim, conhecimento produzido também se constitui numa verdade parcial

construída no contexto da sua realização, sendo uma totalização aproximada e

elaborada a partir das opções teórico-metodológicas, conduzidas por concepções

ideo-políticas em disputa.

Comparece como elemento estruturante das escolhas epistemológicas o

enraizamento social (o que certamente conduziu a delimitação de preocupações

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circunscritas nos aspectos que condicionam e movimentam o posicionamento de

uma profissão na divisão social e técnica do trabalho), especialmente por minha

inserção no conjunto CFESS/CRESS, no exercício da docência e na atuação

profissional na política de assistência social, particularmente no campo da chamada

gestão do trabalho.1

O processo investigativo direcionou-se pela apreensão do significado social

da profissão, centralmente em sua institucionalidade, atribuições e competências,

em resposta ao movimento de requisições sociais e definições orientadas pelo

projeto político hegemônico na profissão, o que exigiu totalizações em torno da

relação complexa entre exercício profissional e realidade mais ampla. Tal

compreensão, obviamente, se contrapõe às lógicas formais, essencialmente

descritivas, comparativas e analíticas, e busca construir mediações intelectivas

críticas no confronto com a realidade particularizada e totalizada em suas múltiplas

determinações.

A construção do percurso metodológico procurou acompanhar o método

crítico-dialético, que procura saturar as contradições da realidade pela elucidação do

conjunto de suas relações existentes na realidade, numa perspectiva de totalidade e

historicidade, na passagem do abstrato ao concreto reproduzido no pensamento

crítico (MARX, 1978). Processualidade construída por mediações que permitem

analisar o concreto real, para além das aparências fenomênicas, na identificação dos

aspectos que tensionam a realidade contraditória. Assim, o movimento do

pensamento na realidade foi movido pelas tentativas de apreender as determinações

gerais do objeto delimitado, a análise das singularidades empíricas, na direção da

particularidade histórica. Evidente que foram totalizações parciais circunscritas nas

vivências, no conhecimento acumulado e sistematizado no Serviço Social, o que me

permitiu transitar no caldo cultural da profissão e dialogar com as interpretações

correntes nas Ciências Sociais sobre profissão.

1 A inserção no conjunto CFESS/CRESS entre 1998 e 2010, sem dúvida possibilitou aprendizados e atuações importantes para a análise da profissão por dentro de suas organizações. Mas outras experiências, para além da prática da docência desde 2001, são fundamentais para pensar sobre a dinâmica de uma profissão, particularmente na assistência social. Minha experiência de sete anos de gestão estadual orientando a implantação dos serviços e o trabalho nas funções de gestão e de intervenção no âmbito dos serviços nos marcos da implantação do Sistema Único de Assistência Social, a atuação como consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, por dois anos, em gestão do trabalho, e a recente experiência como Superintendente na política de assistência social de Curitiba, possibilitaram e possibilitam igualmente grandes aprendizados, principalmente no contato direto com os dilemas e perspectivas do trabalho social.

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1.1 QUESTÕES PRELIMINARES SOBRE PROFISSÃO

A escolha da categoria analítica profissionalidade tem por objetivo dar

movimento à concepção de profissão na realidade social. Os elementos que

condicionam um processo de profissionalização estão diretamente relacionados ao

movimento dinâmico entre a base econômico-social e a atividade regulatória do

Estado. Nesta relação, sobressaem as organizações da sociedade que requisitam

respostas técnicas e as que monopolizam saberes. Assim, as interpretações

funcionalistas ou interacionistas2 comparecem com maior vigor e encontram

acolhimento no modo de organização das instituições que fragmentam as

especialidades na mais pura aplicação positivista da parte que desenvolve o todo.

Do mesmo modo as interpretações weberianas baseadas na compreensão

dos traços típicos de uma profissão sustentada na tradição, assim como dos

recursos burocráticos que condicionam a existência e o funcionamento de uma

profissão, são igualmente insuficientes para a análise da dinâmica movida e

movente de uma dada especialidade, de um saber técnico. Tal interpretação

encontra grande respaldo na particularidade brasileira, a exemplo das profissões

tradicionais como Medicina e Direito, fundamentadas na cultura patrimonialista. São

profissões que se utilizam menos dos recursos institucionais de auto-representação

ou controle, pelo enraizamento cultural favorável ao poder acumulado, e mais da

imagem construída socialmente.3

2 Interacionismo é uma perspectiva teórica que valoriza a interação entre o indivíduo e a cultura. Para Vygotsky, a inserção do indivíduo no meio cultural é fundamental para o desenvolvimento. O interacionismo simbólico é uma abordagem sociológica das relações humanas, que dimensiona o papel da interação social, dos significados particulares trazidos pelo indivíduo à interação formada, assim como os significados obtidos na interação. Sua origem se dá na Escola de Chicago, sendo bastante aplicada na microssociologia e na psicologia social. Ampliando a análise interacionista hegeliana, a interação é social e tem significado motivado. Autores originários do pragmatismo se destacam, como George Herbert Mead, Herbert Blumer e Charles Cooley. Blumer, cunhou o termo "interacionismo simbólico", evidenciando que os indivíduos agem em relação às coisas baseando-se no significado que as mesmas têm para eles. Os significados são produzidos na interação social e modificados por sua interpretação. A abordagem construtivista de Jean Piaget também é muito utilizada na análise do papel da educação na formação cultural e do próprio indivíduo. (http://pt.m.wikipedia.org/wiki.Interacionismo_simb%25C3%25B3lico).

3 O ato médico, Projeto de Lei nº 268/2002, é exemplo da tardia definição da atribuição privativa da medicina. Processo natural e de direito das organizações médicas, interpretado como ato “autoritário” para as demais organizações de saúde, considerando a polêmica definição da responsabilidade exclusiva da medicina no diagnóstico, com abertura para a odontologia. No caso

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As interpretações clássicas, baseadas especialmente em Parsons,

correspondem à limitada análise da organização das funções profissionais, diante do

acelerado desenvolvimento capitalista. A lógica funcionalista é simples: quanto mais

definidas e desenvolvidas forem as funções e os papéis sociais e das instituições,

mais o sistema desenvolve.

Da Escola de Chicago emanaram (a partir principalmente da década de

1950), interpretações de grande difusão e incorporação nas Ciências Sociais e nas

instituições de modo geral, pela aplicação do fundamentalismo liberal na

administração e economia, impactando na interpretação do papel das profissões,

com destaque para o intelectual orgânico da burguesia, Milton Friedman. É neste

contexto cultural e sócio-político que interpretações sobre o papel das profissões são

produzidas, a exemplo de Eliot Freidson.4

A abordagem freidsoniana das profissões enfatiza a construção social como

elemento estruturante. A partir da noção de construção social e instituição,

sobressaem interpretações como monopólio e autonomia, dimensões fundamentais

do surgimento e desenvolvimento de uma profissão na complexa relação entre

cultura, sociedade e profissão. Localizo nesta perspectiva teórica uma evidente

interpretação institucionalista que pode, em alguns aspectos, comparecer nas

conceituações do que seja a profissão na contemporaneidade, e ser identificada na

construção das estratégias organizativas, particularmente dos conselhos

profissionais, mas também de órgãos estatais, que procuram delimitar

do direito há uma aplicação dos seus saberes monopolizados no âmbito do conjunto das estruturas do Estado e demais setores, portanto, sua aplicação dependente de um operador nas tratativas burocráticas da vida social.

4 A Escola de Chicago é uma escola de pensamento econômico de grande influência teórica e política a partir da década de 1950. Destacam-se expoentes como George Stigler e Milton Friedman, ambos premiados com o Nobel de Economia. Suas ideias refutam o keynesianismo e dimensionam o liberalismo, com ênfase aos estudos estatísticos e menos à Teoria Econômica. Do ponto de vista político as teorias embasaram a economia autocrática de Pinochet no Chile na década de 1970, de Margaret Thatcher, em 1980, Ronald Reagan nos Estados Unidos, na mesma década. As teorias incidiram nas políticas dos organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, com repercussões que resultaram no fundamentalismo do livre mercado e da redução do Estado, propagando-se um receituário expresso pelo Consenso de Washington. Em 1989 ocorreu na capital dos Estados Unidos da América um encontro entre funcionários dos Estados Unidos da América e organismos financeiros (FMI, BM, BID) e um grupo de economistas latino-americanos. Tal encontro, intitulado Latin American Adjustment: how much has happened?, tinha por objetivo avaliar as políticas econômicas latino-americanas e propor ajustes, diante da crise da dívida externa, que se converteram em recomendações como: privatização de empresas estatais; austeridade fiscal; câmbio competitivo; abertura ao investimento estrangeiro; liberalização de mercados financeiros e de capitais.

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especificidades, resultando na monopolização de saberes, com efeitos que

potencializam a legitimidade social.

Pierre Félix Bourdieu se destaca entre os teóricos contemporâneos pela

conjugação de conceitos considerados inovadores na interpretação de uma

profissão, a exemplo do poder simbólico e da formação de um campo de poder, com

regramentos de entrada e permanência, dinamizados na disputa entre ortodoxia e

heterodoxia pela direção do próprio campo. Violência simbólica e habitus são

algumas das categorias empregadas na crítica das profissões, análise

tendencialmente estruturalista, pela premissa da predisposição dos indivíduos serem

mais estruturados do que estruturantes, quanto aos efeitos praxiológicos na

sociedade, ressaltando a questão da dominação. Sobressai na proposta teórica em

Bourdieu, a reprodução de classes pela escola, com efeitos na distinção social,

definindo-se o lugar social das profissões, sobretudo pela origem de classe.5

Em Bourdieu as estruturas são construídas socialmente assim como os

esquemas de ação e pensamento, denominados de habitus. Para superar a

polarização entre a física dos fatos sociais e as interpretações abstratas e afastadas

da estrutura, as relações são apreendidas em sua dialética. Ou seja, as estruturas

objetivas configuram representações e ações dos agentes, que podem transformar

ou conservar as mesmas estruturas.

Tal interpretação teórica procura analisar as profissões em sua dinâmica

movida por interesses dominantes de consenso e de coerção, com produção de

signos simbólicos e generalização de práticas sociais que atribuem legitimidade

social. Entretanto, a interpretação teórica de Bourdieu, embora com grande

repercussão nas Ciências Social, é insuficiente para a análise de uma profissão

5 Bourdieu pode ser identificado como um estruturalista com tendência ao ecletismo. O autor é tributário da tradição francesa, influenciado, em parte, pela matriz positivista. Sua obra permite identificar, ainda, aproximações em Weber e na fenomenologia, assim como em Marx. Suas incursões dificultam um “enquadramento” epistemológico, já que apresenta elementos do objetivismo e do subjetivismo. Bourdieu, se autodefinia como um construtivista estruturalista ou estruturalista construtivista, por admitir que existem, no mundo social, estruturas objetivas que podem dirigir, coagir a ação e a representação dos indivíduos, chamados agentes. A verdade da interação nunca está totalmente expressa na maneira como ela se apresenta imediatamente. Bourdieu concentra suas análises na forma como os agentes incorporam a estrutura social, ao mesmo tempo em que a produzem, legitimam e reproduzem. Neste sentido se pode afirmar que ele dialoga com o Estruturalismo, assim como aborda a autonomia dos agentes. Bourdieu, então, se propõe a superar tanto o objetivismo estruturalista quanto o subjetivismo interacionista. Entretanto, apresenta elementos das duas abordagens teóricas.

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considerando sua relação com as determinações de uma sociedade de classe,

dinamizada por projetos em disputa. 6

Após a releitura das interpretações principais matrizes teóricas sobre

profissão, cabe assinalar que no caso do Serviço Social, para interpretar o sentido

da profissionalidade, parti das interpretações clássicas e ao mesmo tempo

contemporâneas, de Marilda Villela Iamamoto e José Paulo Netto, num contexto de

efervescente polarização das análises políticas sobre a crise ou ameaça ao projeto

ético-político profissional diante da precarização da formação e do exercício

profissional.

1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA TESE

No caso do serviço social as conceituações em torno do que seja o projeto

ético-político passam a exercer uma “função” agregadora das diferentes

interpretações sobre a profissão em sociedade. A análise sobre a escassa, ao

mesmo tempo consistente, produção sobre o Serviço Social (como objeto) permite

reconhecer a prevalência da crítica à era dos monopólios no desenvolvimento

capitalista e o “peso forte” do Estado, e no interior dele as classes conduzidas por

projetos societários, na produção das condições de materialização do projeto. Foi

importante para o desenvolvimento da tese, identificar conteúdos contemporâneos

que associam o rigor teórico-metodológico “marxiano” (originalmente em Marx) com

6 Para Bourdieu, o polo dominante na disputa de interesses em jogo, tende à ortodoxia e o polo dominado à heterodoxia no campo. Tal divisão é caracterizada como a disposição de práticas na direção da conservação do capital social e na desestabilização do capital legítimo para a conformação de novas regras e mudanças na formatação das relações de poder. Na análise do autor, de forma contraditória, a heterodoxia acaba contribuindo no reforço à ordem do campo. De outra face, a ortodoxia tende a capilarizar instituições e bens simbólicos na organização do campo para manter seu capital legitimado, bem como o adensamento da institucionalidade construída. Ao analisar as contribuições teóricas de Bourdieu, Ortiz (1983, p. 22) argumenta que a distinção entre ortodoxia e heteredoxia manifesta a oposição entre dominantes e dominados, cabendo ao polo dominante correspondente à ortodoxia a preservação do capital social acumulado. Lógica situada na prática dos agentes situados junto à ortodoxia. Estes procuram “preservar sua posição, secretar uma série de instituições e de mecanismos que assegurem seu estatuto de dominação”. O polo dominado tende a pôr em descrédito o capital legitimado. O campo é, portanto, o espaço de consenso e luta entre os atores sociais que o compõem. Assim sendo, as mudanças no interior do campo vão depender das relações estabelecidas no percurso histórico no exercício do poder analisado como atributo das relações. (BOURDIEU, 1996).

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propostas institucionalistas, revelando incompletudes analíticas, ou mesmo adoção

do modelo hegemônico da formação e organização do trabalho por competências.

A dificuldade em conceituar a profissão Serviço Social está relacionada com

sua natureza? O modelo de competências previsto na legislação e nos parâmetros

responde às dificuldades e fragilidades em precisar o conteúdo próprio da profissão

na divisão social e técnica do trabalho? Essas são algumas das questões que

acompanharam o desenvolvimento da tese.

Quanto ao modelo de competências, que influencia diferentes concepções

sobre profissões, o mesmo possui raízes neofuncionalistas ajustadas à base ideo-

política do modo de produção capitalista, condicionando a dinâmica meritocrática na

disputa positiva entre as profissões por um “lugar” na divisão social e técnica do

trabalho. A educação e a organização do trabalho por competências repercutem

diretamente nas profissões, que passam, inclusive, a adotar o mesmo “método” de

definição do fazer profissional, servindo de base para a construção social das

“barreiras” entre as profissões. Muito embora o Serviço Social tenha reconstruído as

competências na formação e na regulação do exercício profissional, há que se

reconhecer a incidência deste modelo e os riscos na sua difusão.

Este campo de aproximações e problematizações compôs a trajetória de

construção da presente tese, e só reforçou o entendimento da profissão construída

socialmente, ao tempo em que a formação profissional e a adesão consciente aos

propósitos ético-políticos, mobilizados por organizações profissionais, possuem

relevância nos direcionamentos da profissionalidade.

O projeto original de tese previa como problema central de pesquisa: como se

constitui historicamente a profissionalidade do Serviço Social no Brasil, tendo em

vista a construção de sua legitimidade na sua relação com as políticas sociais,

particularmente a assistência social, considerando a gênese e consolidação da

profissão, e a demarcação teórica e política das especificidades, no bojo do debate

contemporâneo sobre a desregulamentação do trabalho em geral e a precarização

da profissão.

Comparecia no problema original a relação sincrética entre Serviço Social e

assistência social, mas com centralidade nos atributos essenciais que permitem a

legitimidade profissional, num contexto de polarização teórico-política na profissão,

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considerando, ainda, os desafios regulatórios e políticos, que podem aprofundar as

exigências e requisições para um exercício profissional.

A relação entre Serviço Social e assistência social possui desdobramentos

históricos, entre a negação e a reconstrução de seu significado, resultando,

inclusive, na sua inscrição na Seguridade Social como política não contributiva,

quando recebeu atributos de política pública de Estado. Na atual conjuntura,

assistentes sociais são desafiados ao enfrentamento plural de grandes polêmicas

sobre a política de assistência social, em especial por seus traços de

neoconservadorismo, ao tempo em que expressa uma das maiores inovações em

gestão nas últimas décadas. A expansão significativa de profissionais, não apenas

do Serviço Social, demanda estudos que apreendam as implicações do paradoxo

entre a reconfiguração do trabalho e das funções da gestão pública nos marcos do

Sistema Único de Assistência Social – SUAS, e a incidência expressiva de

assistentes sociais formados na lógica “fordista” para atender pragmaticamente à

ampliação deste campo.

Desde o princípio, independente do recorte na assistência social, prevaleceu

como interesse investigativo o aprofundamento teórico da profissionalidade do

Serviço Social, entre os fundamentos e a atualidade; as regulações inconclusas na

demarcação das atribuições privativas e das competências, particularizando a

inserção privilegiada nas políticas sociais, a partir dos direcionamentos produzidos

pela profissão.

Novas questões foram comparecendo no aprofundamento da tese,

especialmente: Como se configura o exercício profissional na atualidade,

considerando a natureza de seus processos interventivos, condições éticas e

técnicas, demandas por direitos nos espaços sócio-institucionais, tendo em vista,

ainda, os processos e marcos regulatórios fundamentais da profissão, bem como

sua aplicabilidade num contexto de precarização da formação e de reconfiguração

da própria profissão?

No percurso metodológico de construção da tese, novas rotas foram traçadas.

Como sondagem exploratória, nas primeiras aproximações empíricas, apliquei um

questionário junto à Comissão de Orientação e Fiscalização – COFI, do Conselho

Regional de Serviço Social – CRESS 11ª Região PR, com o objetivo de sondar

demandas e tendências vocalizadas pela categoria. Alguns resultados confirmam as

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problematizações da tese: o aumento significativo de inscritos ativos, já que na

década de 1990 eram 991, em 2000, totalizaram 2.023 e em 2012, 6.178; a

diversificação das áreas de atuação dos inscritos ativos de 2010, sobressaindo as

Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE, com 53 registros, Centros

de Referência de Assistência Social – CRAS, com 58 registros e Centros de

Referência Especializados de Assistência Social – CREAS, com 13 registros,

Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER, com 25,

e uma pulverização de registros entre prefeituras, entidades sociais, hospitais, entre

outros. Quanto aos inscritos ativos em 2010, egressos de ensino a distância,

destacam-se aqueles que informaram sua área de atuação, num total de 555

inscritos: 234 atuam na assistência social; 65 na área da criança e adolescente; 97

na saúde; 49 na educação; 15 informaram que atuam na administração pública e 49

identificaram apenas como Serviço Social.

Evidente que o sistema de registro profissional revela insuficiências que

dificultam análises aprofundadas sobre a configuração dos espaços ocupacionais,

mas podem revelar tendências importantes como a incidência significativa de

profissionais inscritos inseridos nas políticas sociais, confirmando a legitimidade

profissional. São conselheiros tutelares, gestores de assistência social, educadores

e outros servidores que buscam a formação na área, diante das facilidades dos

cursos na modalidade à distância.

Nesta aproximação empírica foi possível constatar, ainda, que entre as

violações do Código de Ética do Assistente Social, sobressai num universo de 301

casos pesquisados entre 1999 e 2009 pela Comissão de Ética do CRESS Paraná, a

violação ao Artigo 3º, alínea a - “desempenhar suas atividades profissionais, com

eficiência e responsabilidade, observando a legislação em vigor”; e Artigo 4º, alínea

b - “praticar e ser conivente com condutas antiéticas, crimes ou contravenções

penais na prestação de serviços profissionais, com base nos princípios deste

Código, mesmo que estes sejam praticados por outros/as profissionais”. Sobressai,

portanto, a exigência do compromisso ético com a competência e aprimoramento

intelectual, assim como o posicionamento em defesa dos direitos humanos.

No desenvolvimento da sondagem foi possível confirmar como principais

demandas por orientação e fiscalização questões relativas às competências e

atribuições privativas, especialmente na elaboração de estudos e pareceres, além

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das dificuldades em delimitar atividades em equipes multiprofissionais, e na relação

interinstitucional, notadamente entre o Judiciário e a assistência social.

Não obstante a riqueza de informações obtidas nas incursões por dados

empíricos, que poderiam ser ampliados e comparados em relação aos demais

CRESS, configurando um estudo exploratório, a banca de qualificação sugeriu a

delimitação do campo empírico particularizado nas legislações que relacionam

exercício profissional com o modelo de competências no trabalho. Assim, percorri o

universo das regulações que especificam “funções”, formação e exercício de

competências profissionais, até as mais recentes publicações que atribuem sentido

em espaços ocupacionais como assistência social, saúde, educação e sócio-jurídico.

Neste sentido, a presente tese tipifica-se como uma pesquisa exploratória, por

ter permitido uma aproximação acerca da temática “profissão” no âmbito das

Ciências Social. Ao mesmo tempo pode ser considerada uma pesquisa teórica

(Gonsalves, 2003), que tem como metodologia central a análise documental sobre a

legislação profissional. A pesquisa teórica concentrou-se na análise de produções

fundamentais de José Paulo Netto e Marilda Villela Iamamoto. Tal centralidade

justificada-se pela ampla assimilação de suas “teses” sobre a profissão, e

fundamentação basilar da formação e do exercício profissional na

contemporaneidade, conformando particularidades teóricas que se complementam e

se antagonizam quanto à delimitação do que seja a própria profissão.

A leitura aproximada da historicidade do Serviço Social reconhece que a

história em si não guarda uma intencionalidade imanente, independente da atividade

dos sujeitos sociais. Os projetos societários, relacionados à luta de classes, portanto

em disputa por adesão social, surtem um efeito determinante na constituição do ser

social. Ou melhor, incidem nas práticas dos sujeitos, movidos por necessidades

concretas, de modo que os espaços sociais, tecidos por disputas, relações de

consenso e coerção, forjam-se na dinâmica contraditória da história, na tensão entre

liberdade posta como horizonte e determinações concretas.

Os caminhos percorridos pela profissão, partindo-se do pressuposto de que o

Serviço Social é resultado das relações entre as classes e destas com o Estado, na

progressiva regulação e resposta institucional à questão social, não se justificam ou

se explicam pela visão “endógena” da atuação de indivíduos singulares e de fatos

relevantes relacionados.

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A profissão é movida pela atuação do seu coletivo, o que dá um sentido

ontológico às práticas que percorrem as possibilidades cotidianas para a

materialização de princípios ético-políticos da profissão. Isto porque, o assistente

social, assim como os demais sujeitos, atua com consciência, considerando as

possibilidades e limites concretos, com potencial transformador da realidade

cotidiana.

Ter a própria realidade social como substrato de atuação requer, entre outros

aspectos, a compreensão da relação entre determinações sócio-históricas e

respostas sócio-institucionais; a análise das particularidades dos padrões de

regulação social nos períodos de desenvolvimento do capitalismo. Nessa relação

ficou convencionado, acertadamente, localizar o Serviço Social como uma profissão

inscrita nas relações sociais contraditórias, cujos objetos são as expressões da

questão social, sendo esta resultante do conflito entre o capital e trabalho,

expressão de desigualdade, além de respostas institucionais parciais, resistência e

organização na vocalização das demandas do trabalho.

As análises dos fundamentos históricos e da incidência de matrizes teórico-

metodológicas no Serviço Social partem do pressuposto de que a profissão é um

subproduto da realidade social, o que coloca limites institucionais e políticos para o

exercício profissional, bem como possibilidades concretas na construção de

mediações capazes de interferir na dinâmica institucional, a partir da direção social

que hegemoniza a profissão, disputada pelos projetos societários, que são

orientados por concepções ideo-políticas diversas.

A intencionalidade do estudo foi capturar o processo de construção da

profissionalidade do Serviço Social no contexto de “hegemonização” do chamado

projeto ético-político profissional (NETTO, 1999), partindo-se dos determinantes e da

crítica ao processo de profissionalização do Serviço Social. Colocou-se como

intenção a análise da relação imbricada entre dois complexos ou duas dinâmicas: as

demandas socioinstitucionais configuradas na contradição entre afirmação da

programática neoliberal e implementação dos direitos constitucionalizados pelo

processo de regulamentação e implantação das políticas sociais (instâncias de

participação, serviços, instrumentos, etc); e as respostas profissionais face ao

conflito entre atualização do pragmatismo e afirmação da direção social, orientada

pelo projeto ético-político.

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O contexto recente de construção da hegemonia do projeto ético-político

profissional configurou uma cultura favorável à produção de instrumentos jurídico-

normativos no âmbito da profissão, com difusão de conhecimentos produzidos a

partir da organização dos programas de pós-graduação, o que de fato não anulou as

investidas tradicionais no exercício profissional. Ou seja, construiu-se uma nova

hegemonia que posiciona o Serviço Social no campo dos direitos, o que não

significa ter anulado as práticas conservadoras que convivem no âmbito profissional.

A intencionalidade projetada era de superar a representação aparente da

profissão, “desocultando” suas contradições internas por aproximações sucessivas e

totalizantes. Para tanto, alguns percursos teóricos e empíricos foram necessários, na

finalidade primeira de, partindo do debate acumulado sobre a crítica ao

conservadorismo, no contexto da profissionalização do Serviço Social, analisar o que

é a profissão, em sua natureza interventiva, na relação entre os fundamentos e o

projeto ético-político profissional, pelas indicações políticas, éticas e técnicas, e o

movimento regulatório do exercício profissional.

Alguns elementos nortearam parte das análises sobre o Serviço Social: a

relação entre profissão e demandas sócio-institucionais no campo dos direitos

considera, em oposição às formas clássicas de assistir e controlar, a crítica à

formação social brasileira e suas implicações recentes; o processo de realização dos

direitos e das políticas sociais; tendência pragmática e afirmativa da cultura política

conservadora nos processos interventivos, na contracorrente do direcionamento

ético-político que responde às necessidades históricas.

A tessitura desta relação sociedade/profissão exige o reconhecimento do

caldo cultural conservador proclamado como “pós-moderno”, com desdobramentos

teóricos, políticos e interventivos. Outra preocupação investigativa foi a evidente

fragilidade institucional como elemento constitutivo da profissão, dada à produção de

parâmetros normativos que pretendem dizer o que não constitui a profissionalidade;

a demanda por uma definição mais precisa do que sejam as atribuições privativas; e

a frágil relação entre competências profissionais e princípios éticos, na “aplicação”

da legislação pelos profissionais, fragilidade que se explica pela inconsistência

teórico-metodológica, e que se identifica, em parte, pelas demandas dos

profissionais aos CRESS.

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Por último, compareceu nas problematizações relativas à fragilidade

institucional, o pragmatismo revelado, sobretudo, na leitura e “aplicação”

“instrumental” do projeto profissional, conduzindo o exercício profissional, de modo

predominante; ao aprisionamento da atuação às definições relativas às políticas

sociais e à dinâmica institucional em que o assistente social se insere.

Parte das fragilidades presentes na objetivação técnico-política no cotidiano é

desenhada pelos constrangimentos da formação sócio-histórica e seus rebatimentos

atuais, aprofundados pelo “desapego” à historicidade e conseqüente manipulação do

presente imediatista, mas, sobretudo, pela precarização da formação profissional, e

antes dela, da educação brasileira.

Coloca-se como hipótese que sustenta a tese: ao tempo em que a profissão

revela tendências de fragilidade, potencializada pela precarização da política de

educação, com conseqüências oriundas da massificação e “escolarização”

superficial e do “apostilamento” dos conteúdos, especialmente na modalidade de

ensino a distância, mas não exclusivamente, ampliam-se espaços de legitimidade e

de atuação no âmbito das políticas sociais, forjados no contexto de afirmação dos

direitos e das políticas referentes, nos marcos da implementação da Constituição de

1988.

Desse modo sentido, constituiu-se como objeto deste estudo, a

profissionalidade do Serviço Social no campo das políticas sociais, considerando a

relação paradoxal entre fragilidades e potencialidades institucionais, tendo em vista

os impactos dos padrões recentes de regulação social, diante da crise do capital, e

os direcionamentos capturados na análise dos indicativos éticos e técnicos

construídos coletivamente.

O pressuposto essencial de que a profissão é tanto resultado das relações

entre as classes e destas com o Estado, no enfrentamento da questão social, na

disputa entre projetos societários, como, também, do protagonismo individual e

coletivo dos profissionais (IAMAMOTO, 2007), sustenta a perspectiva de explicitar a

natureza da profissão, estabelecendo-se relações seminais: 1) conjunturas políticas

de implementação das garantias Constitucionais, mediante os processos de indução

estatal, direcionadas pelo tensionamento da sociedade civil organizada, tendo em

vista, especialmente, a relação entre a cultura da redemocratização e a revisão da

base normativo-jurídica profissional; 2) direcionamentos éticos da profissão em seus

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mecanismos de auto-representação coletiva e de regulação do exercício profissional,

com as atenções voltadas ao debate sobre a materialidade do projeto ético-político

profissional.7

A análise sobre a profissão na atualidade parte do paradoxo: ao tempo em

que predomina o reconhecimento de que a profissão é socialmente construída, que

o exercício profissional possui o peso forte das “contingências” e das determinações

das relações de força e poder, das condições objetivas, configurando a autonomia

relativa de um profissional essencialmente assalariado (IAMAMOTO, 1982; 2007),

atribui-se um peso regulatório que extrapola as possibilidades da profissão de

controlar plenamente as repercussões do exercício profissional. Há uma pressão da

categoria em delimitar suas prerrogativas e uma resposta regulatória que mais

responde a uma homogeneização política dos objetivos profissionais, do que aos

desafios de precisar o que é a profissão.

O debate conjuntural quanto à sustentabilidade do projeto ético-político

aponta desafios relativos aos direcionamentos gestados nas entidades

organizativas, notadamente o conjunto do Conselho Federal e Conselhos Regionais

de Serviço Social (CFESS/CRESS), a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa

em Serviço Social (ABEPSS) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço

Social (ENESSO); problematiza a relação entre a profissão e as reformas

desencadeadas nas políticas públicas, particularmente de educação e assistência

social; e sinaliza avanços necessários, tendo em vista a frágil presença de

movimentos anti-neoliberalismo na sociedade. Aspectos que dimensionam o

significado da profissão como uma construção social e não apenas dos seus

agentes.

Na produção do Serviço Social observo uma carência de estudos por “dentro”

da institucionalidade da profissão, difundidos nacionalmente. Evidencio, na esteira

desta preocupação, uma demanda interna histórica na organização do conjunto

CFESS/CRESS, por aprofundamentos relativos às atribuições privativas; por

regulações efetivas no processo de resistência às investidas que precarizam a

profissão, tendo em vista possibilidades de desconfiguração do que foi conquistado

7 Tais problematizações podem ser identificadas na Revista Inscrita do Conselho Federal de Serviço Social nº 10, contexto de polarização de interpretações quanto à crise ou ameaça ao projeto ético-político profissional, diante das reformas empreendidas pelo Estado.

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nas últimas décadas, das possibilidades de desmaterialização do projeto ético-

político profissional.

Predomina no seio do projeto ético-político profissional o objetivo legítimo de

frear os processos recentes de “desregulamentação” do Serviço Social, sendo que a

estratégia central tem sido produzir direcionamentos consistentes o suficiente para

conter as mudanças no perfil profissional que tende, dada a crescente precarização

da formação profissional, a intensificar a fragilidade institucional da profissão. Uma

das preocupações é o impacto dos direcionamentos diante da proliferação de cursos

que fragilizam o processo de formação e oferecem as bases para a conformação de

um novo “corpo” profissional.

O aumento exponencial de cursos de graduação em Serviço Social nos

últimos anos revela um panorama preocupante, considerando os processos de

precarização da formação e as possibilidades de controle público, sobretudo quanto

aos limites institucionais das entidades da categoria.8

A desterritorialização dos cursos é uma das características recentes, tendo

em vista os Cursos na modalidade à distância, desafiando as organizações da

formação e do exercício profissional a repensarem suas estratégias de alcance

político e regulatório. A implementação da Política Nacional de Fiscalização pelos

CRESS na década de 1990 tinha como uma das estratégias a presença do serviço

de orientação e fiscalização nas turmas concluintes, nos eventos coordenados pelas

Instituições de Ensino, entre outras ações constitutivas da aliança programática das

entidades da categoria. Os efeitos provocados pelas reformas empreendidas na

educação, com evidente “escolarização” e “aligeiramento” que atendem às

exigências do mercado, trazem dificuldades importantes na materialização do projeto

ético-político pelo conjunto CFESS/CRESS, o que justifica a produção de novas

possibilidades institucionais regulatórias, direcionadas politicamente.

A evidente fragilidade ou limite institucional da profissão de regular a

formação e o exercício profissional tem relação direta com as dimensões da

institucionalidade do Serviço Social entre as décadas de 1990 e 2010, no esforço

coletivo da construção da legitimidade social. O Serviço Social possui elementos de

8 No Censo de 2009 foi totalizado um universo de 250 Cursos, com prevalência nas regiões Sudeste e Sul. Segundo dados do INEP/MEC (2011) num total de 312 cursos presenciais, 10.524 são formandos, quando em 12 cursos à distância 3.243 alunos são concluintes, com maior evidência na região norte, já que totaliza 1.113 concluintes.

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legalidade e legitimidade presentes nos direcionamentos ético-políticos no projeto

profissional pós Constituição de 1988, na relação orgânica com movimentos

democráticos; e de inflexões na explicita fragilidade institucional, configurada em sua

dimensão sócio-cultural, relacionada às atividades predominantemente pragmáticas

na sua gênese, organizada por setores conservadores e direcionada pelas respostas

autoritárias e corporativistas do Estado e da sociedade civil organizada, além de

outros determinantes, a exemplo da incidência de referenciais funcionais à

sociabilidade burguesa, aspectos que se reconfiguram na cena contemporânea.

A superação hegemônica do conservadorismo no Serviço Social, nas

dimensões política, teórica e prática, “aliou” tendências reformistas e marxistas, no

contexto da reconceituação ou da chamada renovação, pela direção da intenção de

ruptura (NETTO, 1998). Entretanto, práticas conservadoras convivem na sociedade

e na profissão, por serem, justamente, constitutivas de projetos societários que

disputam adesão, hegemonia, e por vezes aparecem transfiguradas e

“remodeladas”.

Ainda que o contexto histórico da incidência de referentes teórico-

metodológicos tenha, pela inauguração do pluralismo profissional, revelado uma

“desocultação” do neoconservadorismo manifesto na fenomenologia (NETTO, 1998),

e apresente a falsa sensação de experiência absolutamente superada pela

renovação, o conservadorismo plasma-se, sobretudo, no exercício profissional em

várias expressões imediatistas e empiristas, forjadas nas amarras do cotidiano,

expressando funcionalidade às regras institucionais, podendo ser identificadas em

discursos que apresentam elementos que sugerem a coesão social e recuperação

das tradições da sociedade na formação dos papéis sociais, o que não é exclusivo

da profissão.

Portanto, a crítica à relação entre sociedade e profissão exige o

reconhecimento do caldo cultural neoconservador, diante da “acomodação”

conservadora de novo tipo, por vezes ocultada pelo discurso “homogeinizador” de

defesa de direitos constitutivo da profissão como campo de poderes, legalidade e

saberes. O pragmatismo profissional pelo abandono de posturas teórico-

metodológicas acolhe facilmente as defesas conservadoras que ganham maior

complexidade considerando a estrutura historicamente desigual e a cultura política

antidemocrática.

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O conservadorismo está presente em todas as dimensões da vida social e na

atualidade vem travestido de moderno, o que também não é novo, a exemplo do

Serviço Social no contexto da renovação pela via do estrutural-funcionalismo, da

perspectiva sistêmica e da fenomenologia, sob as mesmas bases funcionais à

cultura instituída. É possível identificar, inclusive, o discurso neoconservador pelo

emprego de categorias explicativas da intervenção profissional no campo das

políticas sociais que recuperam elementos como integração social, vínculos, entre

outros, que são funcionais aos projetos políticos que se distanciam de fundamentos

teórico-metodológicos críticos quanto à análise das determinações sócio-históricas.

A questão problemática não é o emprego em si de conceitos que tendem à

manipulação dos comportamentos, mas o distanciamento progressivo de categoriais

explicativas da realidade em suas contradições, preconizadas pela formação

profissional, a exemplo da questão social (o que não basta já que questão social

pode ser reduzida a problemas sociais).

O neoconservadorismo possui implicações políticas, teóricas e culturais que

merecem destaque para a análise dos fundamentos do Serviço Social e suas

implicações mais recentes, com centralidade nas lógicas apreendidas pela profissão

por influência, notadamente, do método positivista, criticado pelo impacto

fundamental da razão crítico-dialética no movimento de desnaturalização das

instituições, tradições e processos “reificantes” da sociabilidade capitalista. 9

A intencionalidade da presente tese, portanto, foi a de reconhecer os

mecanismos institucionais e as respostas políticas produzidas pela profissão, na

produção e na auto-preservação de sua profissionalidade vinculada ao projeto

profissional construído nas últimas décadas. Sobressaem alguns limites e dilemas

sobre o que constitui uma profissão socialmente produzida; a dificuldade em

delimitar sua especificidade na relação entre competências e atribuições; os limites

dos direcionamentos políticos e seus impactos no exercício profissional,

considerando as mudanças em curso na formação profissional.

9 Neste estudo importa reconhecer o conservadorismo na reação ao projeto da Ilustração, particularmente no contexto da Revolução Francesa, em resposta aos movimentos revolucionários, na aliança progressiva entre aspirações liberais e reacionárias, tendo como consequência os reformismos típicos da era pós-industrialização, a exemplo do tripé fordismo-taylorismo-keynesianismo.

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A análise sobre os fundamentos históricos e a incidência das teorias sociais

no Serviço Social, partem do pressuposto de que a profissão resulta e é produzida

no movimento contraditório da sociedade, o que conforma limites institucionais e

políticos, bem como possibilidades concretas na realização de mediações capazes

de produzir interferências objetivas.

No contexto de afirmação do projeto ético-político observa-se um aumento

exponencial da produção de instrumentos normativo-jurídicos relativos ao exercício

profissional, entre os anos de 2000 e 2010, diferentemente do período

compreendido entre 1990 e 2000, quando o conjunto CFESS/CRESS concentrou

esforços na implementação matricial da Lei n. 8662/93 e do Código de Ética do

Assistente Social (Resolução n. 273/1993). Tal movimento pode ser interpretado

como uma reação ao contexto de precarização da formação profissional.10

A análise sobre a profissão, considerando os limites configurados nas

diferentes conjunturas, parte do reconhecimento dos constrangimentos políticos e

institucionais da cultura brasileira, particularmente quanto às relações que

expressam mando e favor na reprodução de práticas conservadoras. Para o Serviço

Social, profissão essencialmente interventiva no âmbito da questão social, tais

implicações são aprofundadas, tendo em vista a inserção majoritária de profissionais

na estrutura pública dos municípios, palco de “apadrinhamentos” e relações de

poder. Isto porque a reconfiguração do trabalho na área revela uma inserção

majoritária de assistentes sociais nas políticas públicas municipais e suas

respectivas redes complementares. Cabe indagar se diante das transformações

recentes na formação dos assistentes sociais, o exercício profissional se sustentaria

apenas pelos indicativos ético-políticos produzidos por suas organizações

profissionais.

O processo de acompanhamento da orientação e fiscalização do exercício

profissional pelo conjunto CFESS/CRESS tem identificado uma tendência dos

profissionais apresentarem um discurso de defesa de direitos, mas uma prática frágil

na construção de novas mediações que explicitem rigor teórico-metodológico e

compromissos ético-políticos. Revela, ainda, demandas corporativistas, o que

10 Na década de 1990 foram produzidas as legislações principais, ou seja, a Lei 8662/93 e a revisão do Código de Ética em 1993, além da resolução que reconhece o assistente social como profissional de saúde. Entre 2000 e 2010 foram produzidas 14 resoluções relativas ao exercício profissional.

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conflita com o sentido do “ético-político”, quanto à suspensão dos interesses

passionais e egoístas (GRAMSCI, 1978).

Foi possível reconhecer este panorama de adversidades em escala nacional

na oportunidade em que coordenei a Comissão de Orientação e Fiscalização do

Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, durante a gestão “Defendendo

Direitos, radicalizando a democracia” - 2005/2008, assim como nas três gestões na

direção do CRESS 11ª Região PR. Observa-se a tendência constitutiva da natureza

da profissão, de legitimidade política convivendo com a fragilidade institucional, o

que ganha contornos mais complexos pelo crescimento desordenado de cursos de

serviço social. 11

O estudo em tela dá, portanto, centralidade à problematização do exercício

profissional, no contexto de reconfiguração da profissão, o que desafia as

organizações profissionais, particularmente o conjunto CFESS/CRESS, a combinar

coerção, pelos mecanismos disciplinares do exercício profissional e consenso, por

meio da difusão dos princípios e atividades político-pedagógicas, a partir de

pactuações democráticas, na perspectiva da consolidação do projeto ético-político

profissional, considerando os limites e as possibilidades reduzidas das organizações

isoladamente definirem o “que devem fazer” os profissionais, definirem a

profissionalidade. Nesse sentido, os fundamentos de uma profissão, no recorte do

“campo do social”, entre a fragilidade e a legitimidade, pode trazer alguns indicativos

sobre os caminhos coletivos em defesa da relevância pública da profissão, ainda

que este não tenha sido o objetivo central na produção do estudo.

A profissionalidade construída, no movimento de afirmação de um perfil crítico

na contramão da tendência pragmática reinante, revela uma nova legitimidade na

política social que não elimina as contradições típicas de tal relação. Há uma relativa

11 O Relatório de Atividades das COFIS em 2006 possibilitaram, naquele contexto identificar demandas desdobradas em eixos: demandas relativas ao exercício profissional balizadas nas legislações, como referências sobre as atribuições e competências, aplicabilidade do Código de Ética, critérios que caracterizem “carências”, conteúdos de estudos sociais e perícias, expedição de atestado de pobreza, implantação do Serviço Social e cumprimento de determinação judicial nas demandas por pareceres; um segundo eixo refere-se às condições e relações de trabalho, sigilo e demais adequações, condições éticas e técnicas, demandas e disposição de profissionais, carga horária, salários; o terceiro eixo concentra demandas por qualificação, capacitações sobre instrumentalidade, atuação nas políticas sociais, especialmente no Sistema Único de Assistência Social. Os CRESS convivem no cotidiano com demandas pontuais que revelam, por vezes, fragilidades diversas no exercício profissional, assim como atuações que materializam o projeto ético-político profissional (SILVEIRA, 2007, p. 20)

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concordância dos constrangimentos institucionais no campo das políticas sociais e

seus rebatimentos no exercício profissional. Como avançar na aplicação das

principais competências profissionais, a exemplo de “elaborar políticas, programas e

projetos sociais, realizar pesquisa, orientar e produzir estudos, laudos e pareceres”,

considerando as expressões da questão social como objeto de investigação-ação,

tendo em vista as limitações e dinâmicas das políticas sociais?

No movimento de resistência em defesa das prerrogativas e conquistas, é

preciso avançar na leitura e na compreensão das transformações da profissão e da

sociedade, intensificando-se os recursos institucionais que foram determinantes da

legitimidade construída na realidade movida e movente.

A produção de conhecimentos possui centralidade na construção e difusão de

conhecimentos que apreendam a dinâmica da profissão em sociedade. Nesse

sentido, prevaleceu o objetivo de analisar o processo de constituição da

profissionalidade do Serviço Social no contexto de hegemonização do projeto ético-

político, considerando a relação entre as conjunturas configuradas pela cultura

neoliberal e a afirmação de direitos constitucionalizados, e a incidência do chamado

“modelo de competências” na formação e na regulação das profissões,

particularizando o Serviço Social. Para tanto, considerei as produções normativo-

jurídicas nos diferentes marcos sócio-históricos da profissão, particularizando a

produção recente de parâmetros que orientem o exercício profissional, a partir das

competências, com centralidade nos Parâmetros para Assistência Social e Saúde,

dada a inauguração e difusão no meio profissional.

No item “Revisão crítica da profissionalização do Serviço Social” é

contextualizado a relação híbrida e determinante da profissão com a política social e

as bases conservadoras. Nesse espectro comparece o reconhecimento da política

social como espaço de intervenção profissional e elemento justificador, no processo

de profissionalização, da necessidade histórica da profissão.

Para uma análise da constituição do social a partir de referentes teórico-

metodológicos fundamentais, o terceiro item, “Atuação profissional no social:

matrizes teóricas e profissões” reúne uma síntese sobre as principais matrizes

incidentes na Teoria Social, a partir da dinâmica das relações entre as classes e a

configuração do Estado, assim como no Serviço Social. A partir da compreensão do

que constitui o social são abordados elementos que interferem na profissionalização

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e construção da legitimidade social, possibilitando o reconhecimento das reais

possibilidades de delimitar atribuições no trabalho social.

No quarto item, “A construção da profissionalidade do Serviço Social” é

sintetizada a relação entre as regulações do exercício profissional e o sentido do

trabalho social, assim como as implicações do modelo de competências adotado na

formação e no trabalho, por força das reformas estatais. Tal modelo é orientador da

formação contemporânea e da organização do trabalho pelo Estado e pelas

organizações profissionais.

A crítica e reconstrução do modelo de competências exigiu a análise sobre as

implicações das transformações no mundo do trabalho e a educação por

competências, conteúdos tratados em “Transformações no mundo do trabalho e a

educação por competências: a nova condição de ‘colaborador’ e a individualização

do trabalho”.

Por fim, no sexto item, “Profissionalidade do Serviço Social contemporâneo:

legitimidade pela monopolização de competências” procuro apreender o movimento

da profissão nos marcos da contemporaneidade para manter a legitimidade do

trabalho profissional, considerando as competências e atribuições, assim como os

indicativos políticos sobre o exercício profissional na assistência social, na saúde, e

as tendências na educação e no campo sócio-jurídico, espaços privilegiados pelo

coletivo profissional na produção de orientações unificadas em torno das

competências.

Sem a pretensão de esgotar as múltiplas determinações da categoria analítica

profissionalidade, considerando as condições objetivas para o desenvolvimento da

tese, pude confirmar que a produção intelectual de uma professora trabalhadora

revela-se como a produção possível e inacabada. Produto de um contexto histórico,

de escolhas entre alternativas produzidas na trajetória pessoal e social. Mas trata-se

de um possível repleto de intencionalidades na defesa de prerrogativas e de um

projeto ético-político agregador não só de assistentes sociais e estudantes, como

das demais profissões que têm o social como espaço de trabalho cotidiano.

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2. REVISÃO CRÍTICA DA PROFISSIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

A análise dos fundamentos do Serviço Social e a constituição de sua

profissionalidade, particularmente na reprodução do conservadorismo, considera o

movimento da profissão em resposta às requisições sociais geradas no

enfrentamento político e institucional da questão social12, diante do tensionamento

entre as classes e a produção de mecanismos regulatórios que hegemonizam seus

interesses na esfera pública do Estado; e a organização da profissão em contextos

históricos, com incidência de referentes teórico-metodológicos gerados socialmente,

com a consequente produção de conhecimentos sobre a própria profissão e a

realidade brasileira, e o ordenamento normativo-jurídico no estabelecimento de

balizas e direcionamentos ético-políticos “reguladores” do exercício profissional.

O esforço metodológico proposto nesse capítulo é o de superar análises

meramente descritivas, por isso a recuperação de algumas contribuições teóricas

sobre profissionalização. A simples tipificação sinaliza a compreensão de aspectos

essenciais da profissão, em seus traços e evidências peculiares, conformando a

expressão de valores direcionadores das “ações sociais”, o que certamente

encontraria respaldo metodológico na perspectiva weberiana (1974). Não se trata de

uma análise da aparição fenomênica da profissionalidade no que se refere à forma

como a própria profissão é representada e sistematizada pelos agentes

profissionais. Trata-se, sim, do movimento teórico-metodológico que exige a

consideração e negação das análises sobre profissionalidade, especialmente no

campo das Ciências Sociais de modo geral, culminando numa síntese que procure

corresponder ao desafio de abordar determinações e direcionamentos que incidem

na constituição da profissão.

Na recusa dos propósitos teórico-metodológicos descritivos opera-se, aqui, a

negação de análises que caracterizam a profissão nela mesma, em seus aspectos

exteriores, pela inspiração durkheiminiana (1995), notadamente na abordagem

estrutural-funcionalista, que além de reconhecer a profissão como uma parte que

12 Questão social é entendida como expressão “do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado” (IAMAMOTO, 2001, p. 77). A questão social está vinculada ao conflito entre capital e trabalho, significando, no sentido universal do termo, um conjunto de problemas sociais, políticos e econômicos, decorrentes do surgimento da classe operária na constituição da sociedade capitalista. (CERQUEIRA FILHO, 1982).

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compõe o funcionamento do todo na predisposição evolutiva, analisa esta instituição

em sua exterioridade, como um sistema que explica as relações sociais, no

desenvolvimento de funções e papéis sociais (uma profissão desenvolvida agrega

indivíduos e desenvolve a sociedade).

A recusa de análises reducionistas e endógenas da profissão, amplamente

problematizadas pelo Serviço Social no contexto de sua reconceituação (NETTO,

1998; IAMAMOTO, 1982), parte do suposto de que uma profissão não se sustenta

socialmente por sua expertise superior na estratificação profissional, como querem

os neofuncionalistas, demandantes de um lugar particular na divisão social do

trabalho, mesmo as profissões mais tradicionais como Medicina e Direito. Sem

dúvidas, as produções regulatórias que demarcam prerrogativas e condições para o

exercício profissional ou reconhecimento acadêmico para as profissões não

regulamentadas em legislações específicas, são aspectos fundamentais, porém não

são fundantes e suficientes.

Os projetos profissionais, forjados por sujeitos coletivos, o que implica uma

dimensão organizativa, são movidos por determinações externas e internas,

definindo uma institucionalidade que não é estática. Como afirma Netto, os projetos

das profissões:

apresentam uma auto imagem da prof issão representada pelos seus agentes, valores que a legit imam socia lmente, del im itação e pr ior ização de objet ivos e funções, formulação de requis itos ( técnicos, inst i tuc ionais e prát icos) para o seu exerc íc io prof iss ional, prescr ição de norm as para o comportamento dos prof iss ionais e estabelecimento de bal izas de sua re lação com os usuár ios dos seus serviços, com outras prof issões e com as organizações e ins t i tu ições, públ icas e pr ivadas (1999, p. 95) .

Os projetos profissionais são indissociáveis dos projetos societários e

expressam a hegemonia construída na disputa pelo direcionamento da profissão,

configurando-se na dinâmica das forças sociais presentes na sociedade. São,

assim, dinamizados e movidos pelas demandas sócio-institucionais, pelas alterações

presentes nas respostas às necessidades sociais, considerando as transformações

societárias, em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. Ao mesmo

tempo expressam a produção teórica e prática da profissão, e as transformações na

direção social da categoria profissional.

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As análises sobre os fundamentos de uma profissão regulamentada partem,

em geral, da atualidade, da compreensão de seus vínculos ético-políticos ou de

“compromisso social” com a sociedade, de suas competências e funções, para

realizar o movimento analítico da relação entre a profissão e demais instituições,

compreendendo processos hegemônicos nos contextos particulares. Não se trata,

portanto, de recontar a história, os agentes, os eventos. A profissão é uma síntese

de múltiplas determinações particularizadas historicamente.

A revisão crítica da profissionalidade do Serviço Social parte do entendimento

de que sua profissionalização possui relações “genéticas” com as “peculiaridades”

da questão social na ordem monopólica (NETTO, 1992, p.14). Assim, refuta-se a

compreensão do Serviço Social como uma evolução institucional das protoformas

filantrópicas e assistencialistas, embora constituam a base da organização na

gênese da profissão. Sua legitimidade é construída na formação de um estatuto

sócio-ocupacional, das condições “histórico-sociais que demandam este agente,

configuradas na emersão do mercado de trabalho” (p.66).13

Estão na base da constituição do Serviço Social os fenômenos presentes na

formação do Estado funcional ao capitalismo monopolista, sobretudo pela

organização da política social, assim como a refuncionalização de práticas

precedentes, alinhadas às referências ideo-políticas e teóricas que atendiam ao

desafio político e econômico dominante. O que se depreende quanto à

profissionalização do Serviço Social é que a profissão resulta essencialmente das

determinações sociais, políticas e econômicas, engendrando condições institucionais

para o exercício de sua natureza interventiva. Ou seja, a profissionalização do

Serviço Social ocorre no momento em que os profissionais “passam a desempenhar

13 Carlos Montaño, em A natureza do Serviço Social aponta a existência de duas teses opostas entre si, quanto à explicação da gênese da profissão. A perspectiva endógena sustenta a origem do Serviço Social na evolução, organização e profissionalização das formas anteriores de ajuda, da caridade e da filantropia, vinculadas agora à intervenção na questão social” (p. 20-21). São representantes dessa tese: Herman Kruse, Ezequiel Ander-Egg, Natálio Kisnerman, Boris Alex Lima, Ana Augusta de Almeida, Balbina Ottoni Vieira, José Lucena Dantas, entre outros. A segunda tese, por sua vez, chamada de perspectiva histórico-crítica, interpreta a gênese e a natureza do Serviço Social como “produto da síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico, onde se reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, quando, no contexto do capitalismo na sua idade monopolista, o Estado toma para si as respostas à questão social (p. 30)”. São referências dessa segunda tese: Marilda Villela Iamamoto, Raul de Carvalho, Manuel Manrique Castro, Vicente de Paula Faleiros, Maria Lúcia Martinelli, José Paulo Netto, entre outros (MONTAÑO, 2007).

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papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias alheios às matrizes

originais das protoformas do Serviço Social” (Idem, 1992, p. 68).

O consenso intelectual em torno da questão social como base de fundação e

de desenvolvimento da profissão conduz à problematização das particularidades do

desenvolvimento do capitalismo brasileiro, sobretudo na configuração das

instituições e organizações públicas e privadas constituintes do processo complexo

de “controle do social” e reprodução dos interesses econômicos e políticos. Assim,

importa analisar na construção da presente tese, o significado da profissionalidade

do assistente social, especialmente pelas vinculações entre política social e

respostas profissionais de natureza interventiva, e sua relação com os marcos legais

da profissão.

Na refuncionalização da profissionalidade ao projeto político hegemônico, nos

marcos sócio-históricos entre a gênese, a institucionalização e a consolidação do

Serviço Social no Brasil, percebe-se um conteúdo valorativo e prático fundamentado

em matrizes conservadoras que conformam funções como: promoção do bem

comum na correção de desajustamentos sociais, em contextos de reforma moral

diante das transformações geradas na modernidade; integração dos indivíduos às

mudanças sociais, ideologizadas pelo desenvolvimentismo proposto no contexto de

modernização conservadora; ajustamento dos indivíduos e suas famílias ao padrão

moral estabelecido; administração e harmonização dos conflitos sociais, mediante a

afirmação de valores sociais como a cooperação e a solidariedade.

Os elementos ajustadores de condutas reforçam a manipulação dos

comportamentos com efeitos “psicologizantes” alienadores, com fragmentação de

demandas e processos, o que encontra acolhimento e impulso na política social

brasileira, justamente pelo apelo às intervenções sociais tecnicistas, no contexto da

modernização conservadora.

Importa problematizar, nesse sentido, a relação imbricada entre Serviço

Social e Política Social, particularmente nos seus aspectos funcionais aos

mecanismos de controle e ajustamento social, assim como, e com menor evidência,

nas possibilidades de potencialização de forças e processos democráticos.

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2.1 SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL: HIBRIDISMO E RELAÇÃO

FUNCIONAL

A política social é um campo de mediação fundamental para o exercício

profissional do assistente social, sendo uma resposta estatal estruturante da

profissão face às requisições legitimadas no contexto de vocalização pública de

demandas dos trabalhadores e incorporação parcial em forma de direitos, políticas,

serviços. Serviço Social não se reduz à política social, mas sua gênese e legitimação

estão diretamente relacionadas à política social como mecanismo de regulação do

trabalho e demais dimensões da vida social.

A ideologia positivista/funcionalista reforça a concepção de Estado e suas

instituições vinculadas, entre elas a política social, como expressão de um conjunto

de regras, normas e valores que regulam num dado momento evolutivo de

complexificação e diferenciação da sociedade industrializada, uma necessidade

humana, na direção do desenvolvimento social, e da difusão de valores sociais que

cumprem a função de coesão social, de agregação de indivíduos posicionados na

divisão social do trabalho. Nesta perspectiva o Estado é neutro, a serviço de todos,

com base na lei, o que reforça a lógica de fragmentação das políticas voltadas à

geração de oportunidades, contribuindo, assim, para a construção da solidariedade

orgânica. Partindo-se do pressuposto teórico de que a diferenciação é o elemento

caracterizador das sociedades complexas, é preciso que as tarefas individuais

correspondam às aptidões, sob o risco da desintegração social, daí a importância do

Estado e outras instituições na difusão de valores (DURKHEIM, 1978).

As matrizes teóricas que disseminam concepções e práticas

desenvolvimentistas de política social, sustentadas no pensamento liberal, partem do

entendimento do direito como outorga, da política e seus serviços correspondentes

como mecanismos institucionais de correção das distorções do sistema. Este último

se estrutura e funciona a partir do indivíduo, que compõe uma sociedade enquanto

somatória diversificada de funções e papéis. Tal compreensão se “ajusta” à cultura

meritocrática, baseada na herança, na sucessão de poder, de posições sociais, da

distinção dos mais aptos, para lembrar a lógica darwinista de análise da sociedade.

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A meritocracia combina com focalização, residualidade e assistencialismo, traços

fortes da política social brasileira.

O Estado e a política social resultam e se engendram das e nas correlações

de força e poder, dos projetos societários em disputa. Evidente que por esta

angulação, a política social sofre os tensionamentos da classe trabalhadora, mas é

produzida numa dinâmica institucional e política em que impera o poder de uma

classe sobre a outra, por isso possui como atributo a contradição entre regular,

participando da reprodução social, e corresponder parcialmente às demandas

configuradas como direitos legítimos.14

Na contramão de concepções estruturalistas, institucionalistas e

economicistas, destaco a política social como resultante das relações de classe, cuja

hegemonização é conduzida por uma classe fundamental, que agrega e direciona

um conjunto de interesses e formas de organizações políticas, neutralizando

possibilidades de crise orgânica, dinamizando a própria política social no âmbito do

Estado.

Não se afirma com isso, que a política social, como preconizam análises

interacionistas, resulta do efeito gangorra: mais direitos para sociedades mais

organizadas, pela disposição e posição política dos indivíduos. Não se anula e nem

se minimiza a determinação das relações de classe, do poder elaborado em

condições objetivas e concretas, mas se consideram outras conjugações que podem

marcar na lei institucionalidades e processos políticos que reforçam e dão

sustentação a valores e princípios emancipatórios.15

14 Na perspectiva gramsciana o Estado é constituído tanto pela sociedade civil quanto pela política, que é formada pelo conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência (controlado pela burocracia executiva e policial-militar), reprimindo legalmente os grupos que não “consentem”. A sociedade civil é formada, precisamente, pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, etc. “A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio’ e como ‘direção’ intelectual e moral. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a liquidar ou a submeter também mediante a força armada, e é dirigente dos grupos afins aliados” Gramsci (2002. p. 62-63). A crise orgânica expressa a crise do próprio bloco histórico, base econômico-social e ético-política, portanto, uma crise de hegemonia, que pode conduzir transformismos ou resultar na construção de uma nova cultura. É a partir do conceito de bloco histórico que a política social pode ser entendida, na contradição entre regulação e conquista, coerção e consenso.

15 A distinção entre emancipação política e emancipação humana é necessária para não reduzir o próprio conceito a toda conquista na ordem do capital. Emancipação política se constituiu, conforme a análise desenvolvida em A questão judaica, a partir da conquista de direitos civis e

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Se cada classe dominante produz seu Estado numa dada formação social

(POULANTZAS, 2000), falar da política social num determinado contexto é

considerar o projeto de classe que hegemonizou este mesmo Estado. Aspecto que

permite uma estreita relação funcional entre Política Social e Serviço Social.

A partir da materialidade do poder, ou seja, relações de produção e divisão de

classes, o Estado produz mecanismos progressivamente sofisticados para interferir

no “social”, nas relações, fragmentando e “patologizando” as demandas, o que

passa a ser reforçado quando os movimentos, as forças sociais também são

fragmentadas e baseadas na luta corporativista, o que se agrava em contexto de

ditaduras, quando a democracia formal é colocada em suspenso.16

A atuação ampliada do Estado por meio de uma sociedade civil, elaboradora

da hegemonia dominante, permite a difusão de valores que cumprem a função de

reproduzir no cotidiano a base desigual de sociedade, e mais, reforça os

mecanismos de controle do social. Assim, poder de classe é plasmado em diversas

dimensões da vida social, justificando a relação desigual na relação entre quem

acumula mais riqueza e poder, em detrimento daqueles que servem e se submetem;

no acesso desigual aos bens e serviços de grupos e frações de classe; na ascensão

social pela progressão meritocrática e diferenciadora na educação; entre outras

dimensões da vida social. Trata-se, portanto, de um componente estruturador das

relações singulares, pelo impacto imaterial, subjetivo, na incorporação social de

valores direcionados por projetos hegemônicos.17

Na concepção do Estado disputado e direcionado por relações de força e

poder engendradas nos projetos políticos coletivos, a malha de relações expressa o

políticos, direitos trabalhistas e sociais, do desenvolvimento da cidadania e da democracia. Nesse sentido a emancipação política expressa o acúmulo político nos marcos da liberdade e igualdade formais. Já a emancipação humana requer a eliminação de toda forma de desigualdade, dominação e exploração, na direção da superação da ordem societária. Em Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx afirma que a “supressão da propriedade privada constitui, desse modo, a emancipação total de todos os sentidos e qualidades humanas” (2001, p. 142).

16 Para A. Heller (1982) no contexto de ditaduras a satisfação do carecimento tende a ser manipulada. Nesse sentido, a democracia formal é condição preliminar para a satisfação de carecimentos radicais, porém não é o suficiente.

17 “O Estado desempenha um papel bem mais amplo e assume novas funções à medida que se desenvolve a estrutura do capitalismo. (...) A partir da constituição do Estado moderno e da ampliação da participação política, ligadas às conquistas sociais e políticas resultantes das lutas dos trabalhadores, a preparação da opinião pública para aceitação de determinadas ações políticas realizadas pelo Estado torna-se fundamental na conquista e conservação da hegemonia (...) as funções de hegemonia passam a ser exercidas pela sociedade política e sociedade civil” (SCHLESENER, 1992. pp. 20- 21).

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sentido dos “variados discursos” para os diversos projetos que ocupam a arena

política, sob a prevalência, no movimento equalizador, dos elementos que buscam o

“equilíbrio” reprodutor, cuja finalidade última é manter a hegemonia.18

Particularmente no âmbito da política social destaca-se uma resposta política

e institucional, por parte do Serviço Social, funcional a um projeto político que fatia e

fragmenta a questão social, impulsiona o interesse privado, a exemplo da

filantropização estatal, demandando um trabalho social igualmente fragmentado,

moralizador e psicologizado. A política social se coloca como mecanismo de

administração das expressões da questão social, contemplando, dessa forma, as

demandas da ordem monopólica conformando, “pela adesão que recebe de

categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de consenso variáveis,

mas operantes” (NETTO, 1992, p.26-27).

A política social, espaço privilegiado e central para inserção de profissões do

campo social, para a mediação entre necessidades sociais e Estado, é prova

inexorável da hegemonia monopolista. Os processos institucionais que revelam sua

funcionalidade econômica, política e social, desdobram-se no controle e na

regulação da força de trabalho e proteção social ao exército de reserva e aos

inseridos com maior precarização no mundo do trabalho. Cumpre, portanto, uma

função de sustentabilidade do desenvolvimento econômico na recomposição à crise

estrutural.

A estruturação da esfera pública, no contexto de afirmação de um padrão de

proteção social particularizado no Brasil a partir da década de 1930, delineia um

Estado regulador da vida social para a reprodução da força de trabalho, por meio de

um conjunto de instituições voltadas à administração de conflitos e da desigualdade

social, no contexto de aprofundamento da questão social. Tal processualidade

permite ao Estado atuar sobre interesses imediatos, sob o argumento da “melhor”

18 Em Gramsci hegemonia representa “a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que - através de sua ação política, ideológica e cultural - consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploradas, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder” (GRUPPI, 1978, p. 70). Na concepção gramsciana a sociedade civil ganha peso político na construção da hegemonia. Sociedade civil é o “conjunto de organismos chamados ‘privados’ e que correspondem à função de ‘hegemonia’ que um grupo exerce em toda sociedade” (Idem, p. 11).

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pressão política, com consequente “autonomização” da política (RAICHELIS, 1998).

Aspecto que baliza os argumentos meritocráticos e corporativistas, por contemplar

setores mais organizados ou com capacidade de produzir consenso.

A dinâmica imbricada entre Serviço Social e Política Social reforça o

entendimento, sustentado em categorias como historicidade e contradição, de que o

Estado não é um ente neutro e a serviço de todos, na aplicação da regra

consensuada, da lei, oferecendo a base para compreensões funcionalistas, ora

desenvolvimentistas, de que direitos e as políticas referentes são outorgas e não

contradição entre conquista parcial e regulação.

O Estado e a política social resultam das relações de força e poder, da

atuação/inserção de classes (POULANTZAS, 2000). Evidente que a análise do

Estado e da política social como resultantes de relações de força e poder, operando

uma interferência direta na profissionalização do Serviço Social, não redunda no

processo de gangorra de interesses, limitando a angulação de análise do Estado e

mesmo da profissão, dando a ideia de que as políticas e os direitos são insuficientes

porque as organizações são fracas. Tal análise acomoda as forças dominantes e

impulsiona perspectivas associativistas ou mesmo institucionalistas, na medida em

que apenas os mais organizados são contemplados com as respostas do Estado.

O Estado expressa a hegemonização de um projeto societário dominante,

pela atuação da sociedade civil que quanto mais agregada aos interesses do projeto

hegemônico, de modo consciente ou não, mais se funcionalizam ao próprio projeto e

aos movimentos transformistas que procuram neutralizar crises do bloco histórico.19

A presente compreensão procura reconhecer que o modo de produção

determina a configuração do Estado em resposta aos interesses dominantes,

embora seja disputado por outros projetos societários. Caso contrário, corria-se o

risco de reforçar angulações que preconizam a falsa homogeneidade e as visões

19 Por meio da sociedade civil é que as classes sociais buscam exercer a sua hegemonia pela disputa do poder. Os organismos voluntários coletivos são os portadores materiais específicos da sociedade civil, tida como esfera do ser social na dimensão política. Sem o conjunto de organizações materiais não há direção ideo-política, não há hegemonia. A visão gramsciniana de Estado se contrapõe à leitura do mesmo com sendo um bloco monolítico, homogêneo. Qualquer que seja a sua ligação de classe social, não há como isolá-lo das concepções diferenciadas na sociedade. Supõe-se a necessidade da luta política. Coutinho destaca que na análise em Gramsci “(...) onde a sociedade civil é fraca, onde as tradições de democracia política e de organização popular autônoma são débeis ou inexistentes, a passagem para uma nova ordem não pode contar com os mesmos pressupostos” (COUTINHO, 1992, p. 84).

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estruturalistas. A apropriação pelo Estado dos meios de produção para a

estabilidade da classe dominante se subsumi no imperativo do controle do social, da

mobilidade social das classes, do acesso regulado à educação, aos serviços sociais,

aos bens e riquezas produzidas socialmente. Portanto, interessa ao projeto político

hegemônico reafirmar que é preciso, nos marcos da democracia formal, se

organizar, participar, reivindicar, para conquistar, enquanto opera-se a gestão dos

interesses dominantes oliguárquico-burgueses.20

A legitimidade de um projeto político no âmbito do Estado está assentada na

produção de consensos, que perpassam projetos coletivos diversos, além do

emprego da força policial militar, completando o sentido da hegemonia com

consenso e coerção, para a garantia da relativa estabilidade social. Nesse sentido, a

política social é funcional, sem com isso suprimir o espaço da contradição e da

saturação das contradições da própria realidade social, ao sistema de produção,

participando da reprodução social ampliada.

O padrão de proteção social brasileiro erguido na era dos monopólios

caracteriza-se pela fragmentação, seletividade e focalismo em resposta às múltiplas

expressões da questão social. A incorporação de parte das demandas sociais

configurou, a partir da relação tensa entre as forças sociais, sob a égide dos

interesses corporativos, um padrão residual de proteção social. Aspecto que

converge com a expressão de um padrão meritocrático.

A particularidade brasileira de estruturação do padrão de proteção social e de

emergência do Serviço Social, e demais profissões do campo social no âmbito da

política social, é configurada por uma cidadania concedida, na análise do legado

patrimonialista, das relações de mando e favor (SALES, 1994), e por uma cidadania

regulada. A representação dos indivíduos como não cidadãos, sobretudo pela

exclusão do mercado de trabalho, nos termos da cidadania invertida de Fleury

(1989), revelam um padrão pautado no acesso aos direitos pelo mérito.

20 A particularidade da questão social brasileira revela uma herança colonial e patrimonialista atualizada nas formas de reprodução de relações de poder, em parte pela transição capitalista que dispare do modelo universal de desenvolvimento da democracia burguesa, constituindo uma democracia restrita, voltada aos interesses das oligarquias, do grande capital (Fernandes, 1975). A expansão monopolista brasileira mantém a dominação imperialista, com efeitos agudizadores da desigualdade, aprofundando disparidades econômicas, sociais, culturais, regionais/territoriais. O que sobressai são os processos de exclusão dinamizados por uma cultura eletista e antipopular.

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O mérito é um elemento estruturante das práticas de corte social, bastante

característico das prestações de serviços sociais no Brasil. Como exercício de poder

simbólico à troca pelo acesso a bens culturais, recursos, serviços, programas,

projetos, benefícios, o mérito é plasmado socialmente no cumprimento de regras

sociais, na resposta aos pactos de convivência e socialização. Aspectos que podem,

inclusive, ser identificados, nos espaços de participação popular.

O indivíduo como referência é um preceito da meritocracia, conformando, na

diferenciação social: oportunidades, vocação, dedicação e aptidão. O merecimento

acaba sendo, na constituição da sociabilidade moderna, o recurso individual pelo

poder e distinção social. É com base no princípio da meritocracia que as políticas

sociais se estruturam; que o Estado burocrático regula acessos e permanências no

contexto social. Servidores são selecionados pela capacidade, alunos são avaliados

pelo merecimento, sob a retórica da competência, do aumento da produtividade, da

justiça e do desenvolvimento social.

Na modernidade, a meritocracia engendra relações sociais, o que se

aprofunda na cultura da competição estimulada socialmente nos processos

educativos e na difusão de valores. Daí sua relação com a concepção darwinista da

sociedade, assumindo assim a conotação ideológica.

A lógica da distinção pela agregação de poder obtida por vocação, talento e

oportunidades está sustentada por um conjunto de valores que localizam os

indivíduos em suas posições sociais e econômicas pela capacidade comprovada

socialmente. Assim, as sociedades modernas se influenciam pelo modo

meritocrático de reprodução social (VALE, 2009). A meritocracia acaba sendo um

elemento funcional à sociabilidade capitalista, particularmente na justificação da

desigualdade e valorização da diferença.

No contexto da hegemonia do padrão fordista/taylorista, a racionalidade

emergente exige a difusão de regras de conduta individual, familiar e coletiva

reprodutoras das condições sociais, econômicas, políticas e culturais vigentes. O

Serviço Social emergiu funcional, pelo cunho educativo de sua intervenção, pelo

projeto conservador que o estrutura e o consolida, às lógicas de assistir, controlar,

vigiar, punir, institucionalizar, segregar, neutralizar, despolitizar. As lógicas

controladoras, fragmentadoras e meritocráticas estão na base da Política Social e do

Serviço Social.

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Nesse sentido, a crítica aos fundamentos do Serviço Social, bem como das

políticas sociais, espaço de mediação no acesso aos direitos e trabalho social,

requer uma análise dos pressupostos conservadores, tendo em vista a racionalidade

imanente nos processos interventivos, justificando as primeiras respostas

autorregulatórias da profissão, assim como, e especialmente, a ruptura com o

conservadorismo na profissão, pela crítica teórico-política sistemática às bases

doutrinárias, pragmáticas e positivistas, particularmente pelo tratamento moralizante

atribuído à questão social, e à manipulação de variáveis empíricas do cotidiano, com

consequente ocultamento das contradições e das determinações da realidade

social.21

Importante destacar que as expressões que particularizam um trabalho social

conservador possuem aderência a um projeto movido por uma dada racionalidade.

Uma das características do exercício profissional conservador, sob a lógica formal, é

o pragmatismo. A atuação pragmática, assistemática e imediatista é funcional,

independente das particularidades históricas, à hegemonia de projetos que

sustentam a concentração de renda, riqueza e poder, objetivo último de projetos

conservadores.

2.2 BASES SÓCIO-HISTÓRICAS DA IDEOLOGIZAÇÃO CONSERVADORA:

CRÍTICA E IMPLICAÇÕES RECENTES NO SERVIÇO SOCIAL

É amplamente conhecido que no âmbito do Serviço Social predominou,

historicamente, uma atuação profissional funcional aos mecanismos coercitivos e de

organização do poder e da cultura instituída, nos contextos de afirmação e

dominação do projeto burguês. De forma predominante, o profissional colocou-se

como mediador da elevação de níveis de bem-estar social, fortalecendo papéis

sociais dos sujeitos inseridos nos programas sociais.

O Serviço Social enquanto instituição possui uma relação em sua gênese com

o projeto conservador. A base teórico-cultural passou por rearranjos que permitiram

sua manutenção em novas bases e expressões políticas e teórico-práticas,

21 O Serviço Social brasileiro possui uma fértil contribuição para a crítica ao conservadorismo e suas implicações na profissão e de modo geral na sociedade. Para análise da crítica do conservadorismo, destaca-se Iamamoto (1992), Netto (1998) e Barroco (2001).

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recusadas pela nova direção hegemônica na profissão. A ruptura com o

conservadorismo é hegemônica, o que não significa eliminação do polo

hegemonizado pela direção social construída coletivamente.

É possível identificar múltiplas formas de reprodução do conservadorismo no

cotidiano, refletido na formação e no exercício profissional, com consequente

manipulação de comportamentos pela afirmação de valores (re)atualizados, porém

tradicionais. A chamada direção modernizadora da renovação do Serviço Social

(NETTO, 1998) trouxe aprimoramentos formais, relacionados, sobretudo, à

planificação das ações, com ampliação de espaços de atuação que foram

refuncionalizados pelas perspectivas desenvolvimentistas, com estímulo às práticas

participacionistas e integradoras, ainda que o elemento agregador da renovação

tenha sido a superação do tradicionalismo, em resposta às novas demandas do

mercado, assim como às forças políticas de abrangência internacional, conformando

um ambiente de renovação, de transformação.22

A Renovação crítica do Serviço Social (NETTO, 1998), no bojo do movimento

de reconceituação, revela uma postura predominante no exercício profissional de

negação de práticas reiterativas e empiristas que marcaram o tradicionalismo

profissional, com politização da atuação profissional pela explicitação de seu

compromisso de classe, compondo as conquistas ou avanços consequentes.

Solidificam-se os alicerces de um projeto que, por ser ético-político, se sobrepõe e

supera interesses passionais e corporativos, num movimento de reconstrução de

princípios e compromissos ético-políticos e profissionais na direção de uma nova e

superior sociabilidade.23

Nesse sentido, os projetos societários ganham centralidade porque

dinamizam os projetos profissionais, a partir das lutas de classes, de frações de

22 Os referenciais teóricos incidentes na profissão agudizam a constituição de um campo plural impulsionado pela base organizativa da profissão, num contexto internacional de amplos movimentos que questionam a sociabilidade burguesa e as instituições conservadoras, bem como do protagonismo político da vanguarda de estudantes e profissionais. Este é o caldo cultural produzido pelas transformações societárias. Entretanto, a renovação responde em sua direção modernizadora à ideologia desenvolvimentista (NETTO, 1998).

23 Sobre o legado do Movimento de Reconceituação cf. Netto (1998), Silva e Silva (Coord.) (2002) e Serviço Social & Sociedade (São Paulo: Cortez, nº 84, 2005). A superação do tradicionalismo, num contexto de ideologia desenvolvimentista, mobilizou diferentes matrizes, resultando numa ampla revisão, na inauguração do pluralismo, de um novo projeto de profissão, base do que seria chamado de projeto ético-político profissional.

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classe, grupo, setores, na defesa de interesses coletivos. Os projetos incidem nas

práticas e os espaços sociais expressam a dinâmica contraditória da sociedade.

A profissão é movida pela atuação do seu coletivo, independente das

representações individuais de seus agentes, vinculados a interesses comuns, dando

sentido ontológico às práticas que percorrem as possibilidades cotidianas de

materializar os princípios ético-políticos construídos. Isto porque o assistente social,

assim como demais sujeitos, atua com consciência, considerando as possibilidades

e limites concretos, com potencial de interferir nos processos, direcionados por

finalidades, a partir de um sistema de mediações que superem o plano imediato.

Ter a própria realidade social como substrato de atuação requer a

compreensão da relação entre determinações sócio-históricas e as respostas sócio-

institucionais produzidas, considerando as particularidades dos padrões de

regulação social no desenvolvimento do capitalismo. Assim, ficou convencionado,

acertadamente, localizar o Serviço Social como uma profissão inscrita nas relações

sociais contraditórias, cujos objetos são as expressões particulares da questão

social. Nesta perspectiva a questão social é analisada no âmbito do conflito entre o

capital e trabalho, expressão de desigualdade, além de respostas institucionais,

resistência e organização na vocalização das demandas do trabalho.

O projeto ético-político profissional (NETTO, 1999), expressa a hegemonia de

uma nova direção, uma vontade coletiva superior, que agrega em torno desse

projeto interesses plurais e diversos, que pela ação da base teórica e cultural,

direcionam e disciplinam práticas. Sua nova moralidade construída rompe,

hegemonicamente, com o lastro conservador característico das práticas

antecedentes.

O espírito conservador remonta sua origem no projeto político de restauração

das bases fundamentais da sociedade feudal, na defesa aberta ao poder divino do

monarca e na reação frontal às transformações modernas capitaneadas pelo projeto

da Ilustração. Pensadores como Joseph de Maistre (1753-1821) e Joseph de Bonald

(1745-1840), são expressões do conservadorismo de inclinação reacionária,

pertencentes ao chamado tradicionalismo, com valorização do poder hierárquico, da

família e da Igreja (BARROCO, 2008). Como projeto político emergente em meados

do século XIX o conservadorismo é identificado no contexto das transformações

desencadeadas pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa.

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O projeto conservador responde, portanto, ao movimento histórico de ruptura

à ordem com consequente auto-preservação e refuncionalização às transformações

decorrentes da modernidade. Passa, portanto, a compor a cultura instituída, ainda

que isso ocorra em outras bases políticas, econômicas e culturais, considerando a

gênese e o desenvolvimento do capitalismo.

Desse modo, a cultura conservadora atende à lógica ruptura/restauração pela

afirmação de valores e padrões ideais que reconfigurados possuem raízes naquele

tempo de mera reprodução das relações feudais, e no tempo presente, contribuem

sobremaneira nos juízos ultrageneralizadores que orientam práticas cotidianas.

Uma das referências significativas do pensamento conservador é Joseph de

Maistre, que recupera os fundamentos políticos identificados em Hobbes (1588-

1679)24, pela defesa aberta do poder absoluto do governante e sua relação com a

vontade divina, na aplicação racional desta soberania em nome do povo,

supervalorizando a hierarquia e a ordem garantidas pelo Estado, o que será

explicitado em outras manifestações ideo-políticas, particularmente a denominada

Física Social de Augusto Comte (1798-1857), base do pensamento sociológico.

Edmund Burke, em Reflexões sobre a Revolução na França (1790),

contrapondo-se ao movimento revolucionário, inicia o que poderia ser chamado de

“conservadorismo liberal”, tendo em vista seu conteúdo reformista, sem ruptura

radical com o passado (In: NETTO, 2011). Sua obra provém do romantismo

conservador hostil à filosofia das luzes e, ao contrário dos românticos

restitucionistas, não se expressa como anti-burguês, justamente por sua vinculação

com defesas políticas conciliatórias com colônias americanas revoltosas e por

princípios do Parlamento contra o absolutismo real de Georges II (LÖWY, SAYRE,

1993).

A ideologia de Burke expressava o compromisso entre a burguesia e os

proprietários de terras, sendo que a nostalgia da Idade Média presente nos

24 Hobbes, em Leviathan conceitua o estado da natureza como existência de um desejo perpétuo de poder pelos homens, que são iguais na capacidade de alcançar fins. Os bens são insuficientes para satisfazer necessidades, configurando, diante da concorrência imanente, um estado de permanente guerra de todos contra todos, derivando a afirmação de que o homem é um lobo para o homem. Importa demarcar que sua obra legitima o poder absoluto na passagem do estado de natureza pela constituição de um contrato que transfere ao soberano o direito natural que cada um possui sobre todas as coisas. O contrato social confere autoridade e legitima as ordens em nome do bem comum, ao soberano (Estado), sendo a melhor forma de governo a monarquia. (Cf. HOBBES, 1997).

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românticos “restitucionistas” servia para “justificar o presente (inglês)”. Assim, as

leis, os costumes, as instituições e as hierarquias sociais são legitimadas como

naturais, como herança transmitida por gerações (Idem, p. 48-49) .

“Para Burke, a história é a experiência trazida do passado e legitimada no

presente pelas tradições”, com consequente negação aberta ao “ideário moderno de

valorização do presente, tendo como perspectiva o futuro” (BARROCO, 2008,

p.172), aspectos que certamente alimentam projetos societários emancipatórios. Sob

os auspícios da ordem, da hierarquia e da tradição, a ideologia conservadora

fundamenta a intolerância e justifica o poder dominante legitimado por instituições

pautadas nas formas tradicionais de manter a hegemonia de classe e regular a

sociedade.

Na esteira das implicações da ideologização conservadora é possível

identificar a negação da razão, da democracia, da liberdade com igualdade, da

emancipação da mulher e todas as formas libertárias construídas no contexto do

projeto de modernidade (BARROCO, 2008). Tais aspectos confrontam diretamente

com os direcionamentos ético-políticos do Serviço Social nas últimas décadas.

Burke justifica o poder do governante ao problematizar as decisões de uma

maioria representada, compreendendo que a vontade de muitos, e seu interesse, se

sobrepõem à vontade da maioria, dadas as escolhas “ruins”. Há, ainda, uma relação

direta com a justificação do preconceito, já que o conhecimento deriva, nesta

perspectiva, “dos sentimentos”, da experiência empírica e imediata (Idem, 2008, p.

173).

Nesse contexto cultural de afirmação da dominação conservadora Comte é

identificado como mais um expoente, pelo projeto de instauração de uma sociedade

evoluída, com a presença central dos intelectuais. A filosofia positivista deu margem

à supremacia da cientificidade, pelo poder absoluto da razão, na sua aproximação

com as ciências da natureza.

Compreendendo a sociedade como um organismo constituído de partes

integradas e coesas que funcionam harmonicamente, diante da postura

metodológica rígida na objetividade investigativa, Comte oferece componentes

heurísticos absolutamente funcionais à ordem burguesa em formação e

desenvolvimento, localizando-se como mais uma expressão conservadora.

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Para Löwy (1994) a ideologização do positivismo expressa uma reação às

ideias negativas, críticas, anárquicas e subversivas da filosofia iluminista e do

socialismo utópico. O esquema axiológico e conceitual inaugurado por Comte e

consolidado por Durkheim trarão consequências diretas na formação da cultura e na

justificação da ordem, sobretudo pela tese da estabilidade e harmonia entre as

partes que compõem a ordem, a justificativa de correções às anormalidades que

dificultam o processo evolutivo.

Embora a Sociologia tenha sido afirmada como Ciência, como disciplina

particular, que procura se afastar de outras disciplinas, como a psicologia

(DURKHEIM,1995), o que se reconhece, por consequência, é uma psicologização

do social, sobretudo pelo tratamento teórico da questão social como uma questão

moral, afastada das determinações econômico-sociais. Assim o positivismo, como

matriz teórico-metodológica, impulsionará o conceito de coesão social como

elemento analítico e prático na estabilização das relações sociais, por meio das

instituições, cujas funções são notadamente de difusão de valores sociais, visando

sua consequente incorporação pelas consciências individuais.25

As premissas teórico-metodológicas do positivismo de Durkheim sustentam,

na esteira da moralização das expressões da questão social e dos efeitos gerados, a

naturalização do papel repressor e controlador das instituições. Nessa perspectiva,

os agentes, que incorporam tais fundamentos, reproduzem funções moralizantes e

agregadoras.

Os elementos teóricos e culturais constitutivos do positivismo, combinando

moralização e psicologização do social, possuem ampla permeabilidade no Estado

monopolista, sobretudo nos contextos de aprofundamento da vocalização pública

das demandas das classes fundamentais e manifestações diversas do

aprofundamento da desigualdade de renda, riqueza e poder. Nesse sentido, as

condições históricas e sociais, em que impera o ethos individualista, da sociedade

25 Durkheim (1995, p: 3-4) propõe a definição da Sociologia como disciplina que possui um objeto específico, os fatos sociais. Estes “constituem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência individual e através dela. (...) Eles são, portanto, de domínio próprio da sociologia”.

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industrializada, incorporam a resposta assertiva da ideologização da moral positivista

e de seu repertório técnico funcional ao desenvolvimento do capital.26

A relação direta entre ciências da natureza e da sociedade leva à

identificação de leis invariáveis, compreendendo-se o capitalismo como uma fase

evoluída pelo progresso obtido com a industrialização, demandando reformas

adaptativas relacionadas à ordem, à hierarquia e à estabilidade. Ressalta-se que o

funcionalismo “só se interessa pelo caráter conservador de toda instituição ou

comportamento no interior duma sociedade dada.” Assim, a análise das chamadas

disfunções sociais nada mais é do que um manejo de variáveis que permitem nova

funcionalidade, excluindo, no limite, a dimensão histórica dos fatos sociais

(GOLDMANN, 1993, p. 10).

Na ideologia conservadora a autoridade é a base essencial da reprodução de

instituições do passado: família; Igreja; e corporações. Nessa cadeia de poderes

entre indivíduos e família, paróquias e Igreja, Estado e Deus, plasmam-se

justificativas teóricas e políticas, visando seu desenvolvimento coeso, presente em

intervenções comunitárias, o que possui relação sincrética com componentes de

ideologias desenvolvimentistas no contexto da consolidação do capitalismo pós-

segunda guerra mundial, bem como da reação política da própria Igreja na chamada

terceira via, ou seja, na conciliação de projetos liberais e neoconservadores, no bojo

do reformismo conservador (IAMAMOTO, 1995).27

Considerando a reificação das relações sociais sob a ideologia burguesa, as

propostas reformistas e reacionárias são funcionais à reprodução de valores e

26 Há um consenso na tradição marxista que “o capitalismo, no último quartel do século XIX, experimenta profundas modificações no seu ordenamento e na sua dinâmica econômicos (...) Trata-se do período histórico em que ao capitalismo concorrencial sucede o capitalismo dos monopólios”. O capitalismo monopolista recoloca “o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica”. Na era dos monopólios percebe-se uma potenciação das contradições fundamentais do capitalismo, viabilizando o aumento dos lucros por meio do controle monopolista dos mercados (NETTO, 1992, p.15).

27 O movimento de reação católica é percebido na difusão de diversas organizações que encontram total respaldo na produção de legitimação jurídica pelo Estado. As encíclicas papais, especialmente a Rerum Novarum e a Quadragesimo Anno, são expressões da moralização da questão social e organização da Igreja em torno do projeto de recristianização. No caso brasileiro, dentre as entidades que expressam tal organização podem ser destacadas: o Centro D. Vital, O Instituto de Estudos Superiores, a Ação Universitária Católica, a Liga Eleitoral Católica, os Círculos Operários, criados em 1932, a Ação Católica Brasileira em 1935 (IAMAMOTO, 1995). No aparato do Estado o evidente apoio institucional a esta organização pode ser destacado na criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, com o objetivo de centralizar e organizar as ações assistenciais públicas e privadas.

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comportamentos no cotidiano das relações, pela assimilação espontânea das

tradições e do preconceito, reiterando a realidade desigual.

É na tensão entre os projetos societários, caudatários do projeto da Ilustração

que baliza a Modernidade, que o conservadorismo em suas recentes aparições,

identificadas nas premissas irracionalistas da ideologia pós-moderna, é

hegemonizado, no movimento das Ciências Sociais, das tendências e processos que

respondem à reestruturação do capital e das formas de regulação social.

Importante considerar a ideologização conservadora no contexto de afirmação

da ideologia pós-moderna, tendo em vista a mesma postura legitimadora da ordem,

assentada na “crise” da razão, o que deve ser entendido a partir de dois momentos

emblemáticos: afirmação do projeto revolucionário burguês; afirmação do projeto

revolucionário do proletariado, com a consequente reação conservadora sob novas

bases.

A ilustração se expressa como afirmação do ideário da burguesia

revolucionária na perspectiva da racionalização da relação entre o homem e a

natureza, superando o pensamento místico, forjando-se num tipo de ciência que

corresponde ao utilitarismo, às exigências do seu tempo, um tempo de grandes

descobertas da humanidade que denotam a centralidade da razão. A valorização da

racionalidade, da experiência empírica, coloca-se na perspectiva da instrumentação

formal do conhecimento na relação com a natureza para melhor extrair seus

produtos.

São duas as grandes dimensões, portanto, no pensamento que se

desenvolve no berço do projeto da Ilustração. A primeira é a afirmação da

racionalidade formal-abstrata, centrada na racionalização instrumental que manipula

e controla a natureza; a segunda comporta a racionalização voltada à emancipação

política e humana.

O projeto da Ilustração possibilita a objetivação, no contexto da modernidade,

de um novo projeto societário. A razão, neste contexto de afirmação sociocultural da

ilustração, estará, centralmente, destinada ao conhecimento das legalidades da

sociedade, explicadas, evidentemente, pela matriz instrumental, mecanicista e

utilitarista. Assim, são legitimados conhecimentos que manipulam as evidências

empíricas do imediato.

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Para avançar na luta contra o antigo regime, a burguesia coloca-se como

classe revolucionária entre os séculos XVII e XVIII, construindo uma hegemonia

cultural e política, para além da determinação econômica e social. Nesse sentido, o

ideário cultural burguês é entendido no contexto da afirmação desta classe como

hegemônica e decisiva para as transformações societárias que derruíram o antigo

regime.

Nas décadas que sucedem a revolução de 1848, quando o proletariado se

apresentou como classe revolucionária, em oposição à burguesia, o

conservadorismo apresenta novos contornos. Para Coutinho “o seu inimigo principal

já não eram apenas os revolucionários democrático-populares, mas também os

movimentos socialistas do proletariado” (Apud NETTO, 2011, p. 10).

A aposta teórica no fragmento, recuperando alguns elementos utilitaristas da

lógica formal-abstrata, é encontrada também na obra de Durkheim (1995),

essencialmente por tratar os fenômenos como coisas. O autor, positivista

consequente, acreditava que os preconceitos, as prenoções poderiam ser afastados,

“como se afastam as viseiras para ver o que se passa em volta”. Não compreende,

desta forma, que esta ideologia reduz o campo visual (LÖWY, 1994, p.31).

Nesse processo de objetividade científica a história se coloca como um

processo universal de evolução da humanidade, cujos estágios permitem análises

comparadas, generalizações, suprimindo-se, por consequência, particularidades

históricas. Já em Weber (1864-1920), por influência do idealismo kantiano e

hegeliano, há o reconhecimento de que os acontecimentos também são

interiorizados pelos indivíduos. Assim, a ordem social não se opõe aos indivíduos

como força exterior, como afirma Durkheim, já que os indivíduos agem motivados

pela tradição, interesses racionais ou emotividade.

A teoria da compreensão de Weber expressa o esforço interpretativo do

passado e de sua repercussão nas características peculiares das sociedades

contemporâneas. Portanto, os fatos esparsos possuem um sentido social e histórico.

A questão metodológica é descobrir os nexos possíveis de sentido em relação a um

aspecto da realidade social. Assim, o cientista também parte de uma preocupação

com significado subjetivo. Entretanto, a incidência do pensamento positivista é

localizado na pretensa neutralidade axiológica nas respostas dadas, pela submissão

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às regras objetivas e universais, “a um tipo de conhecimento de validade absoluta”

(LÖWY, 1994, p.37).

A naturalização das relações na sociabilidade burguesa será incorporada e

difundida amplamente pelo funcionalismo, com destaque para Robert K. Merton

(1910-2003) e Talcott Parsons (1902-1979). Nessa matriz a análise de um sistema

social considera sua relação com os demais sistemas sociais e com o sistema social

como um todo, para a identificação das variáveis que interferem no funcionamento

do próprio sistema, caracterizando disfunções sociais.

Há uma lógica de dominação da sociedade sobre os indivíduos sociais na

medida em que a consciência coletiva expressa formas padronizadas de conduta e

de pensamentos observáveis no interior de um grupo social. Dessa forma, os fatos

sociais, objeto da sociologia positivista, possuem características como a coerção

sobre os indivíduos, na produção do conformismo diante das regras independentes

das vontades individuais; e sua existência exterior em relação às consciências

individuais, o que produz uma independência das regras sociais, costumes e leis, em

relação aos indivíduos.

Uma dimensão fundamental no movimento de afirmação, sob uma nova

roupagem, de um tipo de conservadorismo funcional à ideologia neoliberal, é

justamente a postura de abandono do recurso à histórica (GOLDMANN, 1993). As

críticas do caráter a-histórico do “estruturalismo não genético” e do funcionalismo

são mais do que a negação da transformação da história, expressa a programação

teórica funcional em sua lógica ao capitalismo contemporâneo, em sua face de

aprofundamento do capitalismo financeiro, no desenvolvimento da modernização

conservadora avançada.

Nesse contexto sócio-cultural as teorias mais aceitas são justamente aquelas

que não possuem perspectiva ontológica e catalogam e conceituam o imediato,

dando uma lógica epistemológica aos discursos (In COUTINHO, 1972).

É possível afirmar, portanto, que o pensamento pós-moderno possui uma

relação com as premissas do pensamento conservador clássico e a racionalidade

formal do conservadorismo. Assim, igualmente, desconsidera a materialidade da

vida social, conformando uma reprodução imediata da singularidade, oferecendo um

largo espaço para o empirismo na descrição factual da realidade. Este sincretismo

permite uma associação entre as bases do conservadorismo e a ideologia do

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pensamento pós-moderno, sobretudo pelos elementos de funcionalidade

pragmática.

A ideologização pós-moderna, ainda pouco sistematizada no campo das

Ciências Sociais, é funcional aos transformismos em tempos de financeirização da

economia e crise de projetos societários. A partir de tal análise, objetiva-se identificar

seus impactos no Serviço Social, o que certamente mereceria maiores

aprofundamentos e não apenas sinalizações, considerando o contexto de

precarização da formação profissional. Entretanto, objetiva-se revelar o quanto as

formulações teórico-metodológicas são engendradas socialmente e demandam

intervenções que tendem à funcionalidade à reprodução da cultura hegemônica com

força e legitimação das instituições que regulam a vida social, entre elas o próprio

Serviço Social.

2.3 AS ULTRAGENERALIZAÇÕES NO TRABALHO SOCIAL: IMPLICAÇÕES

TÉCNICAS E ÉTICAS

O preconceito é uma construção social, por isso expresso nas práticas

cotidianas e no pensamento. Possui uma função na cotidianidade por sua dimensão

universalizante, com efeitos neutralizadores das possibilidades constitutivas do

próprio ser social, cujo caráter central é momentaneidade, com “(...) natureza

efêmera das motivações e, a fixação repetitiva do ritmo, a rigidez do modo de vida.”

Nesse sentido, trata-se de “um pensamento fixado na experiência, empírico e ao

mesmo tempo, ultrageneralizador” (HELLER, 2008, p. 63).

O cotidiano é o centro real da práxis, a forma em que é produzida a existência

humana (LEFEBVRE, 1991). Assim, a crítica à vida cotidiana requer a apreensão da

totalidade da vida social, em suas determinações e expressões. Sabe-se que a

programação burocrática da vida cotidiana é estruturada para funcionalizar

processos que reproduzem o próprio cotidiano e assim a sociabilidade, subsumindo

a racionalidade econômica aos comportamentos e padrões sociais estabelecidos

como ideais.

Quando há uma aposta no processo de ruptura e suspensão da vida

cotidiana, é possível reconhecer, na contramão dos determinismos, que a alienação

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é um estado que pode ser identificado e enfrentado, já que os processos sociais

contêm contradições passíveis de saturação pela práxis, pois neste mesmo cotidiano

reificante existem as possibilidades e contratendências.

A ultrageneralização é inevitável na vida cotidiana. As atitudes sociais

baseiam-se em probabilidades e repetições, conformando-se como um juízo

provisório ou uma regra social de comportamento humano. Sua provisoriedade

expressa uma postura de antecipação às atividades cotidianas, sofrendo

interferências e alterações próprias das práticas sociais. “O preconceito é um tipo

particular de juízo provisório”. Assim, em termos da crítica a um preconceito com

efeitos generalizadores e, portanto, reprodutores de condições sociais e políticas, a

teoria e a práxis se distinguem do pensamento e da atividade cotidianos, por

representarem o “humano-genérico” (HELLER, 2008, p. 65).

( . . . ) o homem costuma or ientar -se num complexo soc ia l dado através de normas, dos ester iót ipos (e, por tanto, das u ltrageneral izações) , de sua integração pr imária (sua c lasse, camada, nação). No maior número dos casos, é prec isamente a ass imilação dessas normas que lhe garante o êx ito. Essa é a ra iz do conformismo. Todo homem necess i ta, inevi tavelmente, de uma certa dose de conformidade. Mas essa conformidade conver te -se em conformismo quando o indivíduo não aproveita as possib i l idades indiv iduais de movimento, objet ivamente presentes na v ida cot id iana de sua soc iedade ( Idem, p. 67) .

A zona de conforto é alimentada por preconceitos que são, portanto, juízos

provisórios, inabalados diante da crítica da razão. O conformismo reproduz

ultrageneralizações que em geral encobertam as reais determinações da estrutura

da vida social, cristalizando motivações que se aprisionam nas necessidades

individuais. Em tempos de parasitismo e presentismo, é preciso fortalecer

racionalidades que partindo do próprio cotidiano, potencializem valores sociais

emancipatórios agregados na sociedade.

Adotando-se o princípio da historicidade ressalta-se que a condução da vida

cotidiana a partir de uma nova racionalidade não se converte em possibilidade real,

social e universal, sem prescindir da superação do estado de alienação. Entretanto,

é possível empenhar-se na condução da própria vida, ainda que as condições

econômico-sociais favoreçam e refuncionalizem a própria alienação.

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O pensamento conservador incidiu no Serviço Social com repercussões

políticas, éticas e técnicas estruturantes. As formas interventivas reprodutoras de

valores apegados no passado, nas tradições e funcionais à desigualdade em suas

múltiplas implicações, não estão totalmente superadas. Estas carecem de crítica

consistente, do reforço à amplificação dos valores sociais que anunciam o tempo

futuro que supera a base negada. Conduzir escolhas, nesse sentido, não significa

abolir a espontaneidade da vida cotidiana, mas revela a atitude consciente do

indivíduo como humano-genérico, num movimento que se apropria da realidade e

impõe a marca de sua personalidade (HELLER, 2008; GRUPPI, 1978).28

A ligação do indivíduo social ao cotidiano é fato, qualquer que seja sua

posição na divisão social e técnica do trabalho. No caso do Serviço Social a

cotidianidade da população usuária dos serviços sociais, ganha contornos de

moralização, controle e reorganização das atividades. O Estado, especialmente

pelos mecanismos coercitivos e pelas políticas sociais, exerce a função de

programar as ações reprodutoras de estados tidos como normais e aceitáveis

socialmente, cabendo aí adjetivações diversas que pouco ou em nada retiram os

impactos da coisificação.

No desenvolvimento do trabalho social prevalece o controle, a vigilância das

famílias pobres. As novas práxis são ofuscadas pelas instrumentalidades

impregnadas de valores preconceituosos, em geral vinculados ao mundo pré-

moderno. Como efeito, visualizam-se ações segregadoras, que patologizam os

indivíduos sociais; instituições que aprisionam as subjetividades políticas, suprimem

as possibilidades de desenvolvimento da autonomia e da participação crítica na vida

social; ações que reforçam o lugar social dos indivíduos; profissionais operadores

das velhas formas de controlar e assistir.

As profissões respondem às requisições sociais e institucionais e podem

reposicionar seus projetos sócio-políticos em contextos particulares, com exercício

28 “Gramsci observa que em todo homem está presente uma consciência imposta pelo ambiente em que ele vive, e para a qual, portanto, concorrem influências diversas e contraditórias. Na consciência do homem, abandonada à própria espontaneidade, não ainda criticamente consciente de si mesma, vivem ao mesmo tempo influências ideológicas diferentes, elementos díspares. Diante da espontaneidade e subordinação da consciência, diz Gramsci, a questão é “elaborar a própria concepção do mundo consciente e criticamente, e, portanto, em conexão com esse trabalho do cérebro, de escolher a própria esfera de atividade, de participar ativamente na produção da história do mundo, de ser guia de si mesmo e de não mais aceitar passivamente do exterior a marca da própria personalidade” (GRUPPI, 1978, p. 67).

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da capacidade ontológica de escolher entre as possibilidades históricas concretas.

Evidente que a latência dos valores que afirmam novas objetividades mobiliza

atividades individuais. Tal assertiva dimensiona a centralidade da ética profissional

como mediação profissional na atitude reflexiva e transformadora, ao mesmo tempo

desafia seus agentes à crítica aos componentes estruturantes das profissões.

As ultrageneralizações estão presentes nas atitudes profissionais por serem

insuprimíveis do cotidiano. Determinação que demanda das próprias profissões

posturas teórico-metodológicas críticas no trabalho social, capazes de interpelar a

realidade, substrato da prática, e, sobretudo direcionar, com sustentação de

princípios éticos da cultura profissional, a intervenção profissional.

No caso do Serviço Social, a superação das ultrageneralizações

coisificadoras e naturalizadoras da questão social pela postura teórico-crítica, requer

o conhecimento da realidade social da população usuária dos serviços sociais e o

desenvolvimento de mecanismos que favoreçam o acesso aos direitos com

protagonismo.

A análise sobre as prerrogativas profissionais no desenvolvimento do trabalho

nos serviços sociais, diante inclusive da natureza interventiva do Serviço Social nos

processos sócio-institucionais, alimentam posicionamentos acerca da centralidade

da dimensão educativa no sentido da difusão de valores e princípios que engendram

novas práticas, seja no atendimento direto aos usuários ou nos processos

relacionados com a gestão socia. Entretanto, este fazer profissional é

essencialmente significado teoricamente e legitimado em sociedade, no contexto das

demandas institucionais.

As profissões são socialmente construídas, sofrendo influência dos projetos

societários e coletivos, das dinâmicas institucionais, da interferência do Estado. A

análise da profissionalização possui diferentes contribuições teóricas, balizadas por

concepções ideo-políticas que justificam a necessidade histórica e a permanência do

“lugar” das profissões na divisão do trabalho.

O trabalho social relevante na construção de novas práxis depende de rigor

teórico que legitime saberes e fazeres socialmente necessários, o que remete à

compreensão da formação e do desenvolvimento das profissões.

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2.4 PROFISSÕES: REVISÃO TEÓRICA DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DO

SABER/PODER

Nas propostas explicativas funcionalistas e estrutural-funcionalistas sobre a

profissionalização são reconhecidos elementos como: origem; funcionamento;

função; características; objetos; métodos, metodologias e técnicas. Tal abordagem

está vinculada ao entendimento da profissão como resultante dos próprios

profissionais organizados. Assim, suas representações sobre o significado do seu

trabalho e do seu lugar na sociedade ganham dimensionamento de explicação das

relações sociais, a exemplo das elaborações de Talcott Parsons.

Esta é a questão central e diferenciadora das abordagens: na visão

funcionalista as profissões29 são classificadas e descritas como elas mesmas se

auto-representam, suprimindo-se as determinações sociais, políticas, econômicas e

culturais. Ao mesmo tempo, perspectivas estruturalistas gravitam entre abordagens

classificatórias ou críticas quando é supervalorizada a interferência das estruturas,

sejam institucionais ou sociais, afastando-se, assim, das implicações mais amplas e

da contradição constitutiva da sociedade e da própria profissão.

As generalizações produzidas nas abordagens funcionalistas são

desconstruídas quando estudos aproximados da realidade cotidiana revelam a

dicotomia entre imagem produzida e o real. Da mesma forma e especialmente,

quando abordagens totalizam, capturam as contradições e a historicidade, é

possível revelar o real e não o meramente representado por poucos que ocupam

espaços de poder acadêmico e político-organizativo.

Para Durkheim (1978, p. 19) uma nação só pode se manter se “intercalar toda

uma série de grupos secundários que sejam bastante próximos dos indivíduos para

atraí-los com força à sua esfera de ação e encadeá-los assim na corrente geral da

vida social”. Assim, os grupos profissionais “são aptos para preencher este papel”,

com centralidade na busca da solidariedade e da integração social, no bojo da

divisão social do trabalho cuja função é o desenvolvimento da civilização.

29 Segundo Dubar (1998) no Ocidente, tanto as profissões “sábias” como as de ofício possuem uma origem comum nas corporações, portanto relacionadas com o modo de organização do trabalho. Com o surgimento das Universidades é que a distinção entre profissão se consolida.

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A matriz funcionalista de profissão atribui às corporações e profissões

individuais justificam a sociedade como uma teia de interdependência em que os

profissionais, especialmente aqueles com maior poder cultural, desempenham uma

função agregadora e propagadora de projetos hegemônicos.

Freidson (1998) é uma das referências centrais na produção teórica sobre

“profissionalismo”, nas Ciências Sociais. O autor parte da valorização das

“mudanças sociais” das últimas décadas e do conhecimento como aspectos que

reforçam e impulsionam o profissionalismo, orientado pela definição de

competências nas empresas e na educação.

Para o autor a profissão é um tipo de ocupação que se diferencia das demais

pelo conhecimento e competência, especialidades fundantes na realização de

atividades no âmbito da divisão do trabalho, sendo, dessa forma um princípio

ocupacional de organização do trabalho.

O monopólio do conhecimento especializado, desenvolvido pelo acesso ao

ensino superior é, assim, determinante da inserção das profissões no mundo do

trabalho, sendo que seu poder de monopolizar seria uma maneira de afirmar um

estatuto profissional pelas competências no mercado de trabalho, numa relação de

inclusão/exclusão, motivada por interesses sociais.

A regulação e o controle da formação e do exercício profissional constituem a

base do poder, exercido pelas Universidades, pelas formas de organização

profissional e pelo Estado. A base do poder da monopolização de conhecimentos e

de práticas consequentes é formada pelas seguintes dimensões: autonomia

profissional; a expertise, expressa no conhecimento abstrato; e o credencialismo,

que permite o controle institucionalizado da profissão (FREIDSON, 1998).

Particularizando, ainda, o poder profissional como determinante da

inserção/manutenção da profissão no mercado de trabalho, Freidson ressalta, além

do acesso ao conhecimento, em suas dimensões abstrata e formal na educação

superior, que o credencialismo, o controle rígido das profissões por instituições

profissionais e pelo Estado, como um elemento fundamental da profissionalização.

A relação entre poder institucional e competências possui uma dimensão de

ideologização que além de fragmentar as profissões e tender ao corporativismo,

subordina as mesmas às instituições capitalistas (LARSON in BARBOSA, 1999)

Embora tal análise possa revelar uma tendência estruturalista, é preciso reconhecer

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a relação direta entre profissões especializadas e demandas de reprodução da

sociedade capitalista.

A focalização na ocupação como aspecto estruturante da profissão, com

menor interferência da “administração”, leia-se aqui os processos de gestão e

racionalização do trabalho com bases tayloristas, revela-se insuficiente para uma

análise totalizante das profissões inscritas na divisão social e técnica do trabalho.

Novas questões são delimitadas no esforço explicativo: diante das transformações

emergentes no contexto de reestruturação produtiva, particularmente entre as

décadas de 1970/80, as profissões sofreriam metamorfoses que as reconfiguram? O

debate sobre as profissões, as transformações impulsionadas no contexto do

capitalismo contemporâneo suscitaria questionamentos da capacidade das

profissões em manterem seu poder profissional.30

No contexto de afirmação da racionalização e organização do trabalho no

bojo da cultura chamada de pós-industrial, sobressaem instituições estatais ou

associações profissionais, algumas com maior poder e natureza regulatória outras

de direcionamento político, como sendo fundamentais no processo de definição das

profissões. Emerge, assim, a análise sobre a racionalização e gestão do trabalho.

Nesse sentido, a inserção qualificada na divisão do trabalho depende também do

modo como os sujeitos vinculados à profissão são conduzidos continuamente a

definir e estabelecer as bases de sua intervenção social.

Acompanhando as análises de Freidson a produção teórica sobre a sociologia

das profissões dará centralidade ao princípio ocupacional na análise da

profissionalização. Com a expansão do profissionalismo, sobretudo pelo aumento do

ensino superior e de valorização do status profissional, “os profissionais podem não

controlar, em grande medida, os recursos do seu trabalho, mas podem direcionar o

fazer profissional” (1998, p. 99).

Na abordagem de Freidson é enfatizado o desenvolvimento progressivo de

formas de controle dos trabalhadores pela classe capitalista, tanto no espaço de

trabalho como na sociedade, no contexto da evolução progressiva da ciência, das

tecnologias e mesmo das profissões, entre elas aquelas cuja finalidade é reproduzir

30 As análises sobre as mudanças pós 1970 e as possibilidades de manutenção de “privilégios” e proteção das profissões no mercado de trabalho são conduzidas especialmente por Johnson, Freidson e Larson.

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as relações sociais de produção. Uma profissão designa “(...) uma ocupação que

controla seu próprio trabalho, organizada por um conjunto especial de instituições

sustentadas em parte por uma ideologia particular de experiência e utilidade” (1998,

p. 33).

Os padrões culturais e a disposição das camadas sociais podem modificar a

posição ou o status de uma profissão. Aspectos que remetem à compreensão de

que uma profissão é determinada socialmente, na associação entre novas e velhas

atividades influenciadas pelo desenvolvimento econômico e científico.

Nessa perspectiva teórica, as profissões são conjugadas entre o papel da

universidade, das organizações profissionais e o Estado. Assim, os profissionais

diferenciam-se pelo poder exercido socialmente, a exemplo do assistente social, a

quem historicamente coube à função de “triar” o acesso aos benefícios sociais.

Desse modo, são criadas escolas profissionais, associação e outras organizações

profissionais e medidas estatais de reserva de mercado, com efeitos monopolistas.

A dinamicidade do processo de legitimação de um grupo profissional possui

relação com a disposição de condições objetivas de poder e inserção no mundo do

trabalho. Os grupos profissionais, assim, travam uma verdadeira luta por sua

classificação, procurando escapar das investidas de desclassificação ou

reclassificação, considerando que com o mesmo nível de reconhecimento

universitário podem ocupar posições menos valorizadas ou descartáveis na

hierarquia ocupacional.

O efeito da multiplicação dos diplomados, inflacionando o mercado

perversamente seletivo, conduz a uma relativa desilusão ou mesmo banalização do

rigor credencialista. Por que se submeter às regras do espaço acadêmico se é

possível acessar postos com o mesmo grau de valorização ou obter facilidades no

acesso precarizado, a exemplo da forma como o ensino a distância está organizado

no Brasil?31

Para Bourdieu, ganha centralidade no processo de profissionalização a

relação política entre o “sistema de ensino” e o “aparelho econômico”, sendo que o

31 Em Homo Academicus (Paris, Minuit, 1984), Bourdieu aborda o conceito de inflação de diplomados quanto à resposta de certos agentes em criar novos mercados e profissões para proteger portadores de certificados escolares desvalorizados. (In: CATANI, 1998, p. 12). Pode-se conceber isso como um elemento de gestão do mercado, ganhando centralidade o próprio Estado.

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primeiro possui relativa autonomia na produção de “produtores” com certa

competência técnica (da qual não tem o monopólio exclusivo), por dotar seus

diplomas de “valor universal e relativamente intemporal” (NOGUEIRA, CATANI,

1998, p. 131). Entretanto, e cada vez mais, os “agentes econômicos” procuram

construir formas estratégicas de controlar mecanismos próprios que correspondam

ao seu tempo de produção, suas necessidades produtivas, em detrimento da

autonomia do sistema de ensino.

Sobressai na luta política regulatória à disposição da luta cotidiana entre as

classes para se defenderem dos efeitos da exploração ou para exercerem a

exploração; obtenção do rendimento máximo de seus diplomas, com maior proveito

de seus cargos, ou obtenção de capacidades pelo menor “preço” (Idem, p. 135).

Os mestres da economia têm o interesse em supr imir o d ip loma e seu fundamento, ou seja, a autonomia do s istema de ensino; interessa- lhes a confusão completa entre d ip loma e cargo. Desejam ter as capacidades técnicas produzidas pelo instrumento de produção de produtores (SE), sem pagar a contrapar t ida, ou seja, as garant ias que confere a exis tênc ia de um SE re lat ivamente autônomo. O SE não produz competênc ia (por exemplo, as capac idades do engenheiro) sem produzir o efe ito da garant ia universal izante -etern izante da competência (o d ip loma de engenheiro) ( Idem, p. 136) .

Os produtores de diplomas e seus portadores defendem sua valorização, mas

podem entrar na regra do jogo do mercado. Da mesma forma, o valor conferido a um

diploma não é pessoal, mas sim coletivo e socialmente determinado. A força de um

diploma não se mede pela pressão da quantidade de diplomados. Mas, pelo

acumulo de legitimidade, em decorrência de sua distinção como grupo, servindo de

base para reagrupamentos como associações e conselhos profissionais.

Numa perspectiva weberiana a formação profissional possui efeitos de

racionalização do trabalho numa burocracia normativa, cujo objetivo é sustentar uma

relativa superioridade social, sendo que o conhecimento acadêmico coloca-se como

o sustentáculo da expertise. Desse modo, as profissões são grupos legalmente e

socialmente privilegiados, com diferenciações entre si, desde as profissões

eminentemente assalariadas, denominadas ocupacionais, até as liberais,

consideradas com elevado status. Muito embora, os profissionais liberais

assalariados possam exercer maior controle do conteúdo do seu trabalho pelo

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conhecimento específico e competência, também são subordinados às regulações

estatais e dinâmicas do mercado de trabalho.

Algumas produções teóricas de maior difusão no âmbito do Serviço Social

elegem, pelo método implícito, aspectos centrais na crítica ao processo de

profissionalização e constituição da profissionalidade: relação entre profissão e

determinações sociais, políticas, econômicas e culturais; interferência do Estado na

regulação social das demandas transformadas em requisições, particularmente na

política social; relação entre autonomia e dinâmicas institucionais; construção do

projeto profissional.

Uma das formas de explicar a profissão para a garantia da legitimidade e

monopólio do saber e do fazer é o estabelecimento da relação entre profissão e

projeto. A abordagem do projeto ancorada, entre outras fontes, especialmente em

Gramsci, dá o sentido de unificação de uma categoria plural, com interesses

diversos, em torno de um projeto coletivo, orientado por um projeto de sociedade,

tornando-se ético-político na medida em que supera interesses individualistas,

egoístas e passionais (GRAMSCI, 1978). Evidentemente que o poder é um atributo

central na disputa ideo-política pela distinção e classificação das profissões

(DUBAR, 1998), porém não é suficiente para explicitar as determinações de uma

profissão.32

Na constituição de uma profissão, ganha centralidade o papel do Estado, com

grande impulso diante da valorização progressiva da educação para o trabalho.

Assim, a autonomia profissional é um atributo essencial na manutenção do poder

(relativo), dimensionado pela capacidade e desempenho das profissões e de suas

organizações representativas.

As organizações profissionais possuem a potencialidade de direcionar seu

coletivo pela motivação de interesses convergentes, o que dinamiza a própria

profissão e seus espaços políticos e organizativos. As motivações que mobilizam

uma profissão não podem ser deduzidas a priori, suprimindo o sentido da história,

mas pelo percurso da própria história analisada teoricamente. A produção teórica e a

atividade política das organizações profissionais compõem a legitimidade social de

32 A hegemonia é uma relação que evidencia os conflitos sociais, os posicionamentos opostos que se expressam na vivência política dos grupos sociais, que revelam forças sociais antagônicas que tendem ao “fortalecimento das relações de domínio, o equilíbrio entre coerção e consenso ou a ampliação da participação política e da organização da sociedade civil” (GRUPPI, 1978, p. 19).

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uma profissão. Entretanto, a profissão é construída socialmente, o que reforça a

centralidade das respostas às requisições sociais e institucionais em contextos

particulares.

2.5 CONCEITUAÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO E DISCIPLINA

DO CONHECIMENTO

A organização dos Programas de Pós-graduação em Serviço Social, a partir

de 1970, possibilitou a emergência de uma nova intelectualidade, fundamental no

redirecionamento político e institucional da própria profissão, consolidando entre as

décadas de 1980 e 1990 um projeto profissional que sintetiza uma profissionalidade

sintonizada com requisições inaugurais, no contexto de implementação das

conquistas parciais e reclamáveis porque inscritas na Constituição de 1988.33

Evidentemente que a produção de conhecimento é apenas um dos pilares do

processo de profissionalização, entretanto o fundamental, pelo efeito de constituir a

autonomização de escolhas conscientes e orientadas por uma moralidade

construída.

A profissão como objeto de investigação é analisada em diferentes

abordagens que procuram, aportadas em matrizes teórico-metodológicas

particulares, responder questões centrais da sua profissionalização: que aspectos,

determinações fundaram o Serviço Social no Brasil e no mundo? O que é Serviço

Social? Qual é o objeto e quais os objetivos do Serviço Social?

Como consequência da implantação de programas de pós-graduação em

Serviço Social no Brasil, no final da década de 1970 e especialmente na década de

1980, as análises sobre os fundamentos da profissão passam por uma profunda

revisão, dada a incidência da teoria social crítica. As formas particulares de analisar

a natureza e o significado da profissão possibilitam ampliar o espectro de

interpretação das determinações e dinâmicas institucionais no exercício profissional.

Como efeito direto, em termos do estatuto normativo-jurídico, presencia-se um

33 No Serviço Social a pós-graduação inicia-se na década de 1970, criando um importante interlocução com as diferentes áreas do saber e diferentes tendências teórico-metodológicas. Entretanto, é evidente a importância de autores como Antonio Gramsci, Georg Lukács, Agnes Heller, Eric Hobsbawm, entre outros (CARVALHO; SILVA e SILVA, 2005)

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deslocamento de foco do indivíduo e ações integradoras, para relações sociais e

realização dos direitos na direção emancipatória. Tal trânsito, construído

historicamente, contou com a apropriação da teoria social marxista e marxiana.34

A produção acerca dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos do

Serviço Social reúne obras de autores de importante circulação nacional e latino-

americana, notadamente Maria Lúcia Martinelli, Vicente de Paula Faleiros, Maria

Carmelita Yazbek, Ivete Simionatto, Marina de Abreu e Yolanda Guerra, entre outros

autores, que estabeleceram interlocuções com a teoria social crítica, totalizando

determinações incidentes na profissão, posicionada na história social.35

A síntese sobre a interpretação do Serviço Social como profissão tem como

ênfase as produções de Marilda Iamamoto e José Paulo Netto, que abordam

temporalidades distintas, entre a gênese e a contemporaneidade, 1930/60 e

1960/80, respectivamente, e possuem grande incidência na produção da linguagem

profissional e no adensamento do projeto ético-político.

Os fundamentos do Serviço Social passam a ter uma interpretação histórico-

crítica, com grande repercussão, por meio das contribuições de Marilda Iamamoto,

em conjunto com Raul de Carvalho, na obra lançada originalmente em 1982,

Relações Sociais e Serviço Social no Brasil.36 Além do desenvolvimento de análises

seminais para a formação de um novo repertório categorial, como autonomia relativa

e Serviço Social como especialização do trabalho coletivo, sua produção revela a

tendência de superação de análises endogenistas, descritivas e a-históricas.

Em José Paulo Netto a obra Ditadura e Serviço Social: uma análise do

Serviço Social no Brasil pós-64 (1995) ocorre uma rigorosa releitura do processo de

ampla renovação da profissão, com consequências fundantes para a constituição de

um perfil crítico, mas, sobretudo, para o reconhecimento dos processos

34 A teoria “marxiana” remete aos escritos elaborados e de responsabilidade direta de Marx. Sua produção serviu de base para tradição teórica e política, reconhecida como “marxista”.

35 Iamamoto, em Serviço Social em tempo de capital fetiche, aborda as formas particulares de interpretação dos fundamentos da profissão. A autora destaca os autores e as distintas teses: expansão monopolista e o sincretismo em Netto; a identidade e alienação em Martinelli; políticas sociais, relações de força e poder em Faleiros; proteção e assistência social em Costa e Yazbek; hegemonia e organização da cultura em Simionatto e Abreu.

36 Outras obras de Iamamoto foram fundamentais para a formação de uma base histórico-crítica, particularmente Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos (1992), O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional (1998) e a mais recente produção Serviço Social e tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social (2007).

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macrossocietários e seus impactos na profissão, contextualizando a dos monopólios,

possibilitando análises fundamentais da profissionalização, desenvolvimento e

renovação da profissão. A abordagem de Netto, igualmente, permite considerar tanto

as dinâmicas internas da profissão como as demandas sócio-institucionais como

fatores determinantes, particularizando o regime autocrático burguês, partindo dos

elementos de continuidade, típicos da formação social brasileira.

2.5.1 Serviço Social como especialização do trabalho coletivo

Superando perspectivas endógenas, Iamamoto (1982) aborda a profissão a

partir das análises sobre as relações sociais de produção, na sociabilidade do

capital, considerando os processos de alienação e reprodução social, tendo como

efeito analítico um deslocamento fundamental: de profissão como mero resultado de

um contexto mais abrangente, para serviço social enquanto constitutiva da produção

e reprodução das relações sociais capitalistas. 37

Inspirada na tradição marxiana a autora concebe o Serviço Social

considerando seu significado histórico a partir da sua inserção na sociedade.

Apreende o “serviço social como profissão no contexto de aprofundamento do

capitalismo na sociedade brasileira”. Busca, assim, “desvelar o significado social

dessa instituição e das práticas desenvolvidas em seu âmbito” (IAMAMOTO, 1982,

p. 15. grifos nossos).

A interpretação teórico-crítica do Serviço Social como instituição transita no

reconhecimento totalizante dos processos que determinam a reprodução das

relações sociais da ordem burguesa e a particularidade da formação social

brasileira. A partir da problemática da polarização entre profissão a serviço da

burguesia e profissão comprometida com os interesses da classe trabalhadora, a

autora constrói a base dos fundamentos que justificam historicamente a origem e o

37 A contribuição teórica de Iamamoto recupera os traços particulares da formação sócio-histórica brasileira, com explicitação de particularidades econômico-sociais, culturais e políticas, nas vinculações entre as oligarquias e a pequena burguesia, na junção entre o moderno e o arcaico, as feições patrimonialistas, entre outros determinantes forjados e explicitados no cotidiano de trabalho no âmbito da política social, como a ideologia do favor e do mando, os constrangimentos na realização dos direitos entre outros processo imbricados no exercício profissional.

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desenvolvimento da profissão: o processo de produção social e seus mecanismos

reificantes, avançando na tessitura das relações imbricadas, no cotidiano, nos

modos de ser e de pensar e suas implicações.

Em suas análises críticas, a profissão é apreendida em seus nexos de

funcionalidade à sociabilidade burguesa, o que se adensa com o reconhecimento

dos processos basilares da divisão social e técnica do trabalho. O fundamental aqui

é reconhecer sua formulação sobre o significado social da profissão na sociedade

capitalista, por situá-la como “um dos elementos que participa da reprodução das

relações de classe e do relacionamento contraditório entre elas”. Desse modo,

Iamamoto apreende a “profissão historicamente situada, configurada como um tipo

de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho peculiar à

sociedade industrial” (1982, p. 91).

Assim, a profissão é tida como “realidade vivida e representada na e pela

consciência de seus agentes” e como “atividade socialmente determinada pelas

circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à prática

profissional” (idem).

Importante observar que Iamamoto localiza a profissão inserida no processo

social, nas tensões entre as classes, constituindo um conjunto de sistemas de

mediações que possibilitam as alternativas de ação. Desse modo, e com o recurso

das categorias reprodução social e intelectual orgânico, o assistente social é situado

como partícipe dos processos de reprodução social, podendo na mesma atividade

responder aos interesses do capital e do trabalho. O Serviço Social só pode

fortalecer um ou outro polo “pela mediação de seu oposto”, assim, participa “dos

mecanismos de dominação e exploração” e

( . . . ) ao mesmo tempo e pela mesma at ividade, da resposta às necess idades de sobrevivênc ia da c lasse t rabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses soc ia is , reforçando as contradições que const i tuem o móvel bás ico da h istór ia. A part ir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia prof iss ional e pol í t ica, para for ta lecer as metas do capita l ou do trabalh o ( IAMAMOTO, 1982, p. 75).

Evidente que, embora não compareça com maior ênfase, a política social

justifica-se como espaço contraditório de correspondência aos direitos parciais do

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trabalho, ao tempo em que regula a vida social. Desse modo não se suprimem as

forças contraditórias do contexto social, e ressalta-se a dimensão política da prática

na contramão de falsa neutralidade axiológica. O reconhecimento do significado

sócio-histórico da profissão é passo indispensável para a leitura da dinâmica

institucional e das estratégias empregadas no atendimento prioritário de demandas

do capital ou do trabalho.

A questão social é apreendida como base fundante do Serviço Social, na

transição de capitalismo concorrencial ao monopolista, por meio da progressiva

intervenção do Estado mediante, especialmente, as políticas sociais, num contexto

de racionalização da oferta e acesso aos serviços sociais e visibilidade política da

classe trabalhadora.

Na interpretação da localização do assistente social na prestação de serviços

sociais é reconhecida a natureza de uma atividade profissional liberal, porém

assalariada pelo Estado ou patronato, realidade que inscreve a profissão como uma

“tecnologia social” e o profissional como “um técnico”, em geral em políticas

específicas, como um intelectual subalterno” (IAMAMOTO, 1982, p. 110-111). Cabe

sublinhar o entendimento da profissão subalternizada socialmente pela lógica dos

mecanismos de produção e reprodução da vida social, maiores do que

intencionalidade e estratégias profissionais, assim como as implicações político-

ideológicas dos direitos e serviços sociais.

Na análise sobre a trajetória da profissão nos marcos da gênese,

desenvolvimento e consolidação, iluminada pelo aporte categorial crítico, a autora

elucida o seu significado social, que tende aos mecanismos de difusão da ideologia

da classe dominante junto à classe trabalhadora. Entretanto, no movimento

totalizante do método crítico-dialético, sempre recupera a contradição e historicidade

como categorias centrais e explicativas das atividades profissionais.

No processo de auto-representação crítica e de legitimação, a autora situa os

caminhos para as crises da profissão, o que certamente prescinde do mero

aprimoramento técnico-operativo. Para aqueles que recuperam as bases políticas,

as crises e legitimações “incorporam as contradições básicas da ordem burguesa”

(IAMAMOTO, 1982. p. 157).

Ao abordar a questão social diante da organização monopolista e sua relação

com o Serviço Social, a autora explicita o cunho essencialmente político-ideológico

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da prática profissional, já que a eficácia da atuação profissional é ideológica, embora

travestida de técnica (Idem, p. 177).

Como síntese fundamental da obra de Iamamoto para a análise da profissão

na sociedade capitalista, sob o risco das imprecisões e reducionismos, ressalta-se,

partindo-se das ambiguidades de seu estatuto e particularidades de seu perfil

profissional, o entendimento de que a profissionalidade do Serviço Social é

construída nas relações entre as classes no interior da divisão social e técnica do

trabalho, e suas atividades são tensionadas pelo conflito de interesses.38

Outro elemento fundamental para a análise da profissão é que a obra de

Iamamoto abre o debate sobre o Serviço Social configurar-se como trabalho

produtivo ou improdutivo, ainda que o maior empregador seja o Estado no âmbito

dos serviços sociais. Para a autora a profissão não está inscrita de modo

predominante em “atividades diretamente vinculadas aos processos de criação de

produtos e valor, o que não significa o seu alijamento da produção em sentido amplo

(produção, distribuição, troca, consumo)”. Entretanto, a profissão está integrada às

condições indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho, à extração da

mais-valia (1982, p. 86; 2007, p. 256).

A crítica às formulações teóricas de Iamamoto sobre Serviço Social como

trabalho, veiculada por Lessa (2007), na análise sobre a obra Serviço Social na

Contemporaneidade, quando é antecipado o grande desafio profissional, com

grandes repercussões, inclusive pela incorporação deste entendimento no Currículo

Mínimo, passa, entre outros aspectos: pela identificação de todas as ações humanas

ao trabalho, afastando-se do trabalho sua especificidade, ou seja, o intercâmbio com

a natureza; pela identidade entre matéria prima, no caso do Serviço Social a questão

social, e objetividade social; conceito de meios e instrumentos de trabalho é

“ampliado para conter o que é necessário à profissão do assistente social; a

postulação de um produto não material” do trabalho do assistente social, quando

objetividade que não é material, na perspectiva marxiana, não é nada, já que o que

particulariza as materialidades são as determinações ontológicas distintas; a

identificação do assistente social como parte do trabalhador coletivo, por ser

38 Entre as ambiguidades destaca-se a condição de profissional liberal, porém predominantemente assalariado e características do perfil, como o predomínio absoluto de mulheres, de baixa escolaridade e renda.

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necessário à reprodução social, socialmente útil, como parte do trabalho combinado,

tendo por efeito a diluição do proletariado no “restante dos assalariados” e o

“cancelamento da função social que faz o operariado uma classe distinta do restante

dos assalariados” (Idem, pp. 89-105).39

A partir da perspectiva de Iamamoto, o Serviço Social (com ampla adesão) é

considerado trabalho que transforma uma matéria-prima, no caso a questão social,

que se insere em processos de trabalho e que o resultado é imaterial. Outra

argumentação essencial na proposta teórica é que o Serviço Social é necessário à

reprodução social, tem um valor de uso, resulta da divisão social do trabalho,

participa do trabalho social produzido pela sociedade, podendo, na empresa ou em

outros contextos determinados, ser um trabalhador produtivo membro do trabalhador

coletivo.

Para Lessa (2007), na formulação de Iamamoto, o “trabalho deixa de ser o

intercâmbio orgânico com a natureza para se converter na totalidade da práxis

social” (p. 103), afastando-se das categorias de Marx. A perspectiva totalizante de

reconhecer o Serviço Social como trabalho com produtos imateriais, para o autor

incorreu em equívocos, já que a função do assistente social é prestar “serviços de

assistência social”. O assistente social presta um serviço que interfere na “vida social

através da reprodução de valores, culturas, comportamentos, etc.” (p. 98).

Apesar da interpretação reducionista de que Serviço Social presta serviços de

assistência social, o que exigiria nesta parte uma ampla argumentação teórica sobre

a composição dos sistemas de proteção social, a especificidade normativo-jurídica

da assistência social e a dimensão assistencial como constitutiva das demais

políticas específicas, cabe sublinhar a interpretação da profissão como prestação de

serviços sociais com implicações ideo-políticas. Ressalta-se, nesse sentido, o papel

“agregador” e direcionador dos projetos profissionais, sem com isso identificar a

profissão como trabalho, compondo o trabalhador coletivo, ainda que a identificação

ético-política seja esta.

Importante sublinhar que a definição do Serviço Social como prestação de

serviços que reproduzem valores, comportamentos e culturas remete, na direção do

39 O objetivo da síntese do diálogo entre os autores foi situar a polêmica que permitiu deslocamentos na explicitação teórica e mesmo aprimoramentos que só fortaleceram a compreensão do acumulo teórico na compreensão da profissionalidade, da profissão inscrita nos processos mais amplos que contraditoriamente regulam e são regulados politicamente.

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que Iamamoto preconiza, uma angulação totalizante da inserção profissional nos

processos de reprodução da vida social, revelando, desse modo, uma contradição n

no contraponto de Lessa à localização da profissão nos processos mais amplos.

Resumir serviço social a uma “ideologia” reduz a compreensão das profissões como

constitutivas da sociabilidade. As perspectivas reducionistas possuem coerência

com visões neofuncionalistas e não sócio-históricas.

Na análise das convergências interpretativas da produção contemporânea

que conta com especial contribuição de Iamamoto, sobressai o reconhecimento da

questão social como “determinação essencial da constituição da profissão”

apresentando-se na atualidade “(...) sob novas mediações históricas, que atualizam

as características determinantes da lógica do capital nas particularidades da

formação econômica, social e político-cultural da sociedade brasileira” (IAMAMOTO,

2007, p. 259).

Outros elementos importantes para a conceituação do que seja a profissão

podem ser reconhecidos na produção da autora: profissional linha de frente na

relação entre instituições e demandas por serviços, com poder de interferência na

viabilização dos direitos e difusão de informações sobre a população usuária; um

“técnico em relações humanas por excelência”; exercício profissional com dimensão

educativa que incide sobre “valores, comportamentos e atitudes”; atua nas

expressões das relações sociais no cotidiano da vida da população, dispondo de

relativa autonomia (Idem, p. 262-263).

Para analisar o Serviço Social como profissão é essencial partir da

contribuição teórica de Iamamoto (2007, p. 215) quanto à relatividade da autonomia,

embora seja um profissional liberal, tendo em vista sua condição de trabalhador

assalariado. Sua autonomia é “tensionada pela compra e venda dessa força de

trabalho especializada a diferentes empregadores” (Estado, empresariado,

organizações de trabalhadores e outras organizações da sociedade civil). Cabe,

portanto, destacar que “o significado do trabalho profissional do assistente social

depende das relações que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os

quais personificam funções diferenciadas na sociedade”.

A produção teórica de Marilda expressa o marco divisor em termos das

elucidações teórico-críticas da profissão, reforçando o movimento totalizante do

posicionamento da mesma nos processos sociais e os impactos ideo-políticos

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decorrentes da dinâmica entre direcionamentos e referentes internos e

determinantes sociais e institucionais.

O debate sobre a definição de um objeto de intervenção e das atribuições

privativas tem demonstrado a insuficiência da delimitação teórica e política das

expressões da questão social, quando se sabe que uma das dimensões da

demarcação da especificidade profissional é a produção de conhecimento, exigindo-

se, dessa forma, novos estudos que partam da produção acumulada.

O Serviço Social como área de conhecimento científico revela sua vitalidade,

especialmente pela atividade político-institucional de suas organizações acadêmicas

e profissionais articuladas política e programaticamente. A profissão produz

conhecimentos relevantes, especialmente sobre a questão social, direitos e políticas

públicas, dimensão fundamental na constituição de sua legitimidade, mas parece

insuficiente para as respostas das especificidades diante das requisições.

A delimitação da especificidade profissional no exercício do trabalho social

que presta um Serviço Social, desde a orientação até a implementação de políticas

referenciadas por direitos reclamáveis e constitucionalizados, assim como pesquisas

que revelem as contradições da realidade social e condições objetivas de vida, é

conduzida por direcionamentos éticos e políticos. Assim a ética é a grande mediação

do exercício profissional que se diferencia, em parte, das demais profissões, pela

implicação das escolhas profissionais, pelos direcionamentos dos objetivos

democráticos e mesmo emancipatórios das intervenções.

2.5.2 Profissionalização e estrutura sincrética do Serviço Social

A produção de José Paulo Netto sobre a profissão expressa a consistente e

aprofundada interlocução com o pensamento social e a crítica profunda do processo

de renovação do Serviço Social, no contexto da chamada autocracia burguesa,

particularizando a esfera da cultura com estreitas ligações com a base econômico-

social.

Uma contribuição fundamental da problematização teórica de Netto (1992) é o

reconhecimento da questão social como base de fundação da profissão, no âmbito

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da sociabilidade burguesa em sua organização monopólica. Portanto, a legitimação

da profissão ganha contornos da feição pública da questão social, transfigurada pelo

Estado burguês em problemas sociais, reforçando um processo de individualização

e fragmentação em forma de “questões sociais”.

A tese fundamental de Netto possibilita reconhecer que o Serviço Social não

resulta da tecnificação e racionalização das formas de ajuda, mas de um projeto

econômico-social e ideo-político, diante das modificações desencadeadas no

contexto do capitalismo monopolista, que eleva suas contradições.40

No contexto de ampliação do capital instaura-se o “parasitismo” na vida

social, facilitado pela atuação estratégica do Estado burguês, que entre outras

medidas, combina extração do produto social via impostos incidentes sobre os

assalariados, interferência no processo econômico que favorece os grupos

monopolistas, e desenvolvimento da política social, resultado da luta de classes,

diante da mobilização do operariado.41

Partindo da análise do processo de profissionalização do Serviço Social, uma

das contribuições significativas para pensar a profissão no contexto da sociabilidade

burguesa é a análise do sincretismo da prática. O Serviço Social, na intercorrência

de processos econômico-sociais e culturais, acaba sendo um dos mecanismos

acionados pela hegemonização do projeto societário burguês. Assiste-se, dessa

40 O capitalismo monopolista refere-se na tradição marxista ao período histórico de passagem do capitalismo concorrencial ao monopólico, diante das profundas transformações do final do século XIX, conformando- o ao fenômeno global, amplamente conhecido como capitalismo imperialista conceituado por Lênin. Segundo Netto (1992, p. 15) “o capitalismo monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os traços basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica, todos eles desvelados pela crítica marxiana”. A constituição da organização monopolista viabilizou seu principal objetivo: o acréscimo dos lucros capitalista através do controle dos mercados. Assim, a organização monopólica da economia capitalista, faz crescer os preços das mercadorias e serviços, eleva as taxas de lucros nos setores monopolizados, gerando um sub-consumo e redução na taxa de lucro de investimentos gerados pela concorrência, economia de trabalho pela inovação tecnológica. O que se observa é que a reversão das taxas de lucros se dá “em favor dos grandes grupos monopolistas”, além de outros efeitos o que se observa é o aumento de trabalhadores industriais de reserva (Idem, p. 17).

41 A intervenção estatal na idade dos monopólios tem por objetivo assegurar os interesses estritamente econômicos, os superlucros dos monopólios, assim o Estado desempenha múltiplas funções (NETTO, 1992). Sweezy e Baran particularizam em Capitalismo monopolista: ensaios sobre a ordem econômica e social americana abordam a dinâmica do capitalismo. Importante observar que o Estado teve importância em outros períodos do desenvolvimento capitalista, o que se intensifica é sua intervenção em favor dos interesses monopolistas (BARAN e SWEEZY, 1978). No contexto do capitalismo monopolista o Estado funciona como “comitê executivo da burguesia monopolista”, operando condições necessárias à “acumulação e valorização do capital monopolista” (NETTO, 1992, p. 22).

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forma, a incorporação de atividades filantrópicas, na organização dos primeiros

cursos, com crescente tecnificação que resulta em formas terapêuticas de

ajustamento social.

O processo de legitimação da profissão está vinculado à criação de um

espaço sócio-ocupacional, em condições históricas e sociais, no mercado de

trabalho, conformando demandas a uma prática profissional permeada pelo

sincretismo das condições sócio-históricas e teórico-ideológicas. Na análise do

sincretismo como traço fundamental da prática profissional, Netto considera a

natureza socioprofissional como “medularmente sincrética”, tendo em vista a

“carência do referencial crítico-dialético” (1992, p. 88).

A caracterização do sincretismo no Serviço Social desdobra-se em prática

indiferenciada, na crítica às protoformas filantrópicas e às modalidades interventivas

da profissão; ao sincretismo científico, no embate teórico entre as Ciências Sociais e

a Teoria Social; e ao sincretismo ideológico, problematizando a incidência do

conservadorismo europeu e norte-americano.42

O desenvolvimento de sua crítica rebate, entre outros aspectos, nas

formulações que preconizam uma “maturidade científica” ao Serviço Social, em

relação às suas protoformas, nas inflexões de auto-representação que procuram

romper com os traços assistencialistas, assimétricos e filantrópicos. O que se

observa, nas abordagens que procuram atribuir um estatuto científico à profissão,

quando da busca pela especificidade profissional, é a negação das demandas

“histórico-sociais macroscópicas” (NETTO, 1992, p. 83).

Importa analisar a formulação de Netto acerca dos chamados aspectos

nucleares de uma intervenção profissional, que ganham centralidade na presente

tese:

O aspecto nuc lear de uma intervenção prof iss ional inst i tuc ional não é uma var iável dependente do s is tema de saber em que se ancora ou de que der iva; é o das respostas com que contempla demandas h is tór ico -soc iais determinadas; o peso dos vetores do saber só se prec isa quando inser id o no c ircui to que atende e responde a estas ú l t imas (mesmo que em situações de rápidas mudanças soc ia is, a emersão de novos parâmetros do saber evidencie implementações suscetíveis de oferecer inédi tas form as de intervenção prof iss ional) (1992, pp. 83-84).

42 A crítica de Iamamoto (2007) à tese do sincretismo e da prática indiferenciada, passa pelo não tratamento da categoria trabalho “tal como se expressa na sociedade capitalista” (p. 283).

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Coloca-se em evidência o dinamismo das condições histórico-sociais como

determinantes fundamentais para as inflexões e renovações praticadas pelas

profissões. O peso das demandas se sobressai em relação aos movimentos internos

das categorias, considerando as evidências particulares de construção de um

pretenso estatuto profissional científico, no caso do Serviço Social. Isso porque, o

“nível de desenvolvimento das forças produtivas”, o grau de (...) “agudeza e de

explicitação das lutas de classes, pela emergência (ou rearranjo ponderável) de

novos padrões jurídico-políticos etc, interferem nas profissões. Decorrentemente, a

original legitimação de um estatuto profissional encontra-se periodicamente

questionada”. Nesse sentido, a recorrência aos referentes anteriores pode ser

insuficiente insurgindo uma reatualização (NETTO, 1992, p. 85).

Na esteira da análise de um processo de profissionalização e legitimação

duas dinâmicas se associam com efeitos no desenvolvimento mesmo de um estatuto

profissional, delimitando o espaço de cada profissão na divisão social e técnica do

trabalho: demandas que lhe são socialmente colocadas; “(...) reserva própria de

forças (teóricas e prático-sociais), aptas ou não para responder às requisições

extrínsecas – e este é, enfim, o campo em que incide o seu sistema de saber”. Tal

dinamicidade fora obscurecido na autoimagem que o Serviço Social construiu em

relação ao seu surgimento e desenvolvimento, operando, na explicitação da

redefinição de seu “sistema de saber” um “autoilusionismo ideológico” (Idem, pp. 85-

86).

Para além dos movimentos internos da profissão na redefinição do seu

estatuto profissional, a questão central é a análise da natureza sócio-profissional do

Serviço Social, conforme Netto (1992, p. 88).

O sincret ismo nos parece o f io condutor da af irmação e do desenvolv imento do Serviço Soc ia l como prof issão, seu núc leo organizat ivo e sua norma de atuação . Expressa-se em todas as manifestações da prát ica prof iss ional e revela -se em todas as intervenções do agente prof iss ional como ta l. O s incret ismo foi um pr inc íp io const i tut ivo do Serviço Socia l. (gr i fos do autor)

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A refuncionalização do Estado burguês no contexto monopolista resultou em

crescente burocratização e institucionalização de intervenções profissionais cuja

finalidade recai sobre a almejada correção e prevenção das refrações da questão

social aprofundada, conformando alternativas institucionais de enfrentamento com

evidente seletividade e fragmentação, forjando uma intervenção que se apega aos

modelos formal-abstratos, configurando como “fenomenalidade” o sincretismo e

deixando “na sombra a estrutura profunda daquela que é a categoria ontológica

central da própria realidade social, a totalidade” (Idem, p.91).

A tese de Netto resulta no entendimento de que “o específico prático-

profissional do Serviço Social mostrar-se-ia na fenomenalidade como

inespecificidade operatória” (1992, p. 100). A profissionalização ocorre, dessa

maneira, sem qualquer diferenciação na forma de operar, quando se fala da relação

com as práticas filantrópicas, o que é confirmado pela aparente polivalência e

indiferenciação.

Para Iamamoto (2007, p. 275) Netto não responde à questão da

especificidade da profissionalização, que se traduz “no caráter sincrético da prática

indiferenciada”. Fica, para a autora, uma interrogação no desenvolvimento da tese:

“a especificidade da prática do assistente social é sua inespecificidade operatória?”

Assim, a ausência de uma concepção crítico-dialética faculta a estrutura sincrética

da prática profissional à característica peculiar de ser uma prática, cuja

profissionalização, embora tenha alterado a inserção sócio-ocupacional, pouco

modificou a prática profissional interventiva em relação à prática filantrópica,

mantendo-se, dessa forma uma estrutura de prática interventiva do ponto de vista

operatório, sendo similar às protoformas da profissão. Fica a dúvida quanto à

aplicação da tese nas demais particularidades históricas da profissão.

Segundo Netto (1992) as objetivações humanas relativas ao cotidiano

compõem o material institucional do assistente social, sendo que a intervenção

profissional não extrapola este âmbito, ao contrário, manipula variáveis empíricas,

não favorecendo a suspensão do próprio cotidiano, com resultados práticos que

reproduzem e sancionam a vida cotidiana em suas dinâmicas, particularmente nas

refrações da questão social, favorecendo o recurso ao empirismo e pragmatismo, de

matriz positivista.

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Para Iamamoto (2007, p. 269) não é elucidado pelo autor a natureza sócio-

histórica da profissão, ademais no “estranho silêncio sobre a política, como instância

de mediação da relação do homem com sua genericidade”, como efeito a “alienação

tende a ser apreendida como estado e menos como processo que comporta

contratendências”, pelo obscurecimento das contradições das relações sociais.

Ainda que se reconheça que há um novo significado social para o trabalho

profissional, diante da interferência progressiva do Estado na “gestão” da questão

social, coloca-se em evidência, portanto, nas formulações de Netto, a aparência

indiferenciada que se reveste a prática profissional. Com isso, ganha relevo a

aparência da prática operada na dinâmica do cotidiano, sem a devida explicitação

das possibilidades igualmente contidas. 43

A formulação teórica sobre a profissão em Netto assume duas direções que

pavimentam as análises: natureza do cotidiano configurando uma pseudo-

objetividade; e funcionalidade do Estado no enfrentamento da questão social. Tais

condições são exteriores à profissão e podem justificar perspectivas estruturalistas

ou posturas fatalistas, quando as análises da contradição e da historicidade não

comparecem.

Análises mais recentes de Netto (2007, pp. 38-39), acerca da sustentabilidade

do projeto ético-político profissional, revelam tal angulação, buscando o fundamento

do que seria sua “inviabilização”.

O pr imeiro deles refere-se aos objet ivos e funções prof iss ionais. O e lenco de objet ivos do Serviço Soc ia l tem sido intenc ional e ac intosamente minimizado mediante a central ização das suas funções no p lano ass istenc ia l. Esta central ização, que opera a efet iva redução do Serviço Soc ial à ‘prof issão da ass is tência’ , teve iníc io no período de Fernando Henr ique e vem sendo aceleradamente induzida desde 2003 – o ‘Estado lul is ta’ (ou dos lu l is tas) perf i la -se como um Estado ass istenc ia l is ta ( . . . ) ta l redução entroniza nos meios prof iss ionais o mito da ass istênc ia, tornando -a um verdadeiro fet iche (gr i fos do autor) .

Além do reconhecimento das reformas no campo socioassistencial serem

compreendidas como condicionantes de uma regressão nos objetivos da profissão,

43 Tal argumentação pode alimentar visões mais fatalistas ou neoestruturalistas no Serviço Social, a exemplo da adjetivação da profissão como gestora da pobreza, análise que não explicitam contratendências e possibilidades de medicações no cotidiano.

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subordinando “a relativa autonomia profissional à social-democracia tardia e

impotente” (Idem, p. 39), outros aspectos fundamentam a tese da crise do projeto

ético-político, e que são “exteriores” à profissão, embora com relevância maior pela

dimensão da formação.

O segundo nível em que se inviabi l iza o projeto ét ico -pol í t ico é o que se refere aos requis i tos ( teór icos, prát icos e inst i tuc ionais) para o seu exercíc io ( . . . ) Ora, v is ive lmente desde 1998, a agress iva pol í t ica neol ibera l do Minis tro Paulo Renato – expressa nas prát icas de ‘desregulamentação ’ e de f lex ibi l ização ’ da educação super ior – opera para degradar e av i l tar a formação prof iss ional. Esta polí t ica, a que o Minis tér io da Educação, sob os governos de Lula, vem dando plena cont inuidade, já resulta numa assombrosa pro l i feração de cursos pr ivados de Serviço Soc ia l ( Ib idem, p. 39) .

As prospecções sobre a inviabilidade do projeto ético-político reforçam os

aspectos externos e conjunturais ao projeto como determinantes, embora resultem

de fato em condicionantes importantes quando as profissões são consideradas

como uma construção social. Se assim são, outros elementos como requisições

sócio-institucionais e configuração dos espaços ocupacionais, devem ser

considerados, assim como as contratendências contidas no cotidiano, nos processos

sócio-políticos.44

Cabe anotar que não circulam estudos suficientes para atribuir a

inviabilização e mesmo “derrota” do projeto ético-político, considerando, inclusive, a

“força” regulatória e, sobretudo, as possibilidades de mediação política na

compreensão do sentido da hegemonia. Outras particularidades históricas

confirmam tal ponderação, especialmente pela emergência de vanguardas críticas e

basilares para a emergência do projeto ético-político em culturas de hegemonia

desenvolvimentista ou de autoritarismo.

É emblemática a análise bastante otimista de Netto num contexto adverso à

realização do projeto ético-político, quando da afirmação programática do

neoliberalismo, ressaltando os elementos que permitem a relativa consolidação da

profissão no início da década de 1990, quando destacou os seguintes aspectos: no

plano da formação com cerca de 70 unidades de ensino; da pós-graduação

44 Netto (1996) reconhece que a ruptura com o conservadorismo foi superdimensionada e ofuscou a persistência do conservadorismo, enraizado na categoria, abafando a resistência à tradição marxista. Tal reconhecimento possibilita um amplo debate sobre o sentido da hegemonia do projeto ético-político, antes mesmo de sua eventual crise. Velhos e novos dilemas precisam ser enfrentados, quando se analisa o perfil profissional e sua relação com espaços ocupacionais.

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implantada em 7 universidades e credibilizada pela ABESS; a produção científica

com reconhecido dinamismo; ampliação da presença de assistentes sociais em

ações para além das fronteiras; ampliação do intercâmbio; ampliação do diálogo

interdisciplinar; um contingente de profissionais (60 mil) com ganhos na

representação; ganhos na realização de eventos na área; contribuição “na

elaboração da LOAS” (1996, p. 107-108).45

As possibilidades identificadas na reversão das investidas neoliberais

acentuam a “vontade política das vanguardas que se mantêm imunes à reciclagem

geral da esquerda e que resistem às tentações do possibilismo”, ou seja, a “vontade

política organizada” (NETTO 2007, p. 40). Paradoxalmente o possibilismo transita

nas análises teóricas sobre as possibilidades de crise ou ameaça ao projeto ético-

político, quando se atribui responsabilidade à própria profissão de esgotar

mecanismos jurídico-políticos, e na identificação de “setores avançados e

combativos da luta social para com eles estabelecer frentes comuns de resistência”

(BRAZ, 2007, p. 11), sem o reconhecimento de outras determinações que incidem

na profissão.

A categoria “projeto ético-político”, apesar das divergências quanto à sua

materialidade, assume uma função estratégica na articulação e unificação política

dos profissionais e dos estudantes, em torno de uma concepção de profissão,

cumprindo, nesse sentido, a função agregadora da diversidade e pluralidade,

característica de toda profissão. Entretanto, as conjecturas são insuficientes para a

antecipação dos desafios em curso: quais os determinantes da permanente crise de

legitimidade experimentada pela profissão, ainda que em alguns espaços e em

condições e relações de poder, esta representação se diferencie e mesmo se

inverta? O que é Serviço Social, qual sua especificidade, considerando o acúmulo

teórico-político e regulatório? Serviço Social é uma profissão fadada a servir/assistir

e fundamentar sua distinção e sua importância/necessidade?

45 Quando se analisam os elementos que viabilizam ou não o projeto ético-político fica a dúvida, por exemplo, se a quantidade de instituições de ensino e do contingente profissional é um problema central. Em meados da década de 1990 a proliferação do ensino privado e precarizado ocupava a agenda de debates com centralidade, além da efetividade da implementação das diretrizes. Fica a impressão da dificuldade em precisar os desafios que rebatem diretamente no Serviço Social. Paradoxalmente, a relevância da LOAS é considerado um grande avanço que fica reduzido quando não se consideram os constrangimentos de sua efetivação e os avanços recentes na vigência do SUAS.

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Para tais questionamentos as respostas não estão elaboradas o suficiente,

sendo que para as prospecções não cabem respostas fatalistas ou românticas. Fica

o imperativo das análises que privilegiem o exercício profissional, dada à natureza

interventiva da profissão, amplamente reconhecida, num contexto de “reafirmação”

do projeto ético-político profissional.

2.6 A CONCEITUAÇÃO DA PROFISSÃO PELA MEDIAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-

POLÍTICO

O debate contemporâneo sobre a profissão privilegia o reconhecimento dos

determinantes macrossocietários, diante da reestruturação do capitalismo tardio, e

sua interferência nas condições objetivas para a viabilização da formação/exercício

profissional, considerando que as profissões não resultam apenas dos processos

sociais. Sobressai o entendimento de que uma profissão deve ser “tomada como

‘corpus teóricos e práticos’ que, condensando projetos sociais (...), articulam

respostas (teleológicas) aos mesmos processos sociais” (NETTO, 1996, p. 89).

Como todo complexo da sociedade, a profissão não constitui uma instituição

monolítica e homogênea, ao contrário. Uma profissão é atravessada de

contradições, disputas político-ideológicas e teóricas, forjando as tendências

hegemônicas, o que não elimina o seu oposto, na resistência à “normatividade” e à

moralidade instituída.

Quando se analisa a crise e a construção da legitimidade profissional, alguns

aspectos relativos à subalternidade técnica podem ser destacados, a exemplo da

estratificação entre ciências e profissões; a relação subalterna com profissões que

exercem maior dominação pela cultura patrimonialista, em detrimento daquelas cuja

função atribuída socialmente é o cuidado. As profissões voltadas ao “cuidado”, à

“educação” e à “proteção social” são “femininas”, e apresentam egressos com maior

histórico de dificuldade no aprendizado, realidade predominante em cursos de

licenciatura.

Entre os determinantes que afetam a legitimidade social da profissão, para

além das assimetrias na sua identificação com as classes subalternas (IAMAMOTO,

1992), Netto (1996, pp. 108-109) ressalta, em importante ensaio sobre as

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Transformações contemporâneas e o Serviço Social, o surgimento de profissionais

em espaços antes legitimados, que disputam papéis e tarefas com os assistentes

sociais, pondo em xeque a legitimidade anteriormente alcançada”. Para o autor, os

conflitos de atribuições

( . . . ) não podem ser equac ionados à base de regulações formais ou re iv indicações corporat iv is tas. Absolutamente compreensíveis na d inâmica da d iv isão sóc io -técnica do trabalho, eles só podem ser enfrentados pos it ivamente com o desenvolv imento de novas competênc ias, sócio-pol í t icas e teór ico- ins trumentais. É nessa dupla d imensão que se podem promover (re) legit imações prof iss ionais, com o a largamento do campo de intervenção ( ‘espaço prof iss ional ’) das prof issões (NETO, 1996, p. 109) .

Nessa passagem, o autor atribui centralidade à capacidade da profissão de

construir sua legitimidade, quando a mesma é forjada nos processos sociais, o que

reforça perspectivas institucionalistas e mesmo endógenas. Para o autor, novas

competências remetem “direta, mas não exclusivamente, à pesquisa, à produção de

conhecimentos e às alternativas de sua instrumentalização” que no caso do Serviço

Social expressa o conhecimento sobre a realidade social (Idem).

As novas competências passam, portanto, pela formação profissional,

considerando as insuficiências e precarizações, as mudanças no perfil docente e

discente, nas dimensões econômico-social e cultural; passam, ainda, pela prática,

considerando as adversidades e condições desfavoráveis, mas também, a crescente

diferenciação e inovação das intervenções.

Ainda quanto ao balanço do perfil profissional é possível identificar em Netto o

reconhecimento da maioridade profissional e ao mesmo tempo uma “divisão do

trabalho” “própria das profissões amadurecidas”, ou seja, a “criação de uma

intelectualidade que passou a ser o vetor elementar a subsidiar o ‘mercado de bens

simbólicos’ da profissão”, notadamente pela tradição marxista (Idem, p. 112).46

46 Tal assertiva encontra ressonância e similaridade nas formulações teóricas interacionistas ou construtivistas, como a produção de Bourdieu, embora o autor não referencie, quanto à constituição de uma ortodoxia que produz as regras de ingresso e permanência no campo em questão, exercendo, desse modo a dominação simbólica, e mesmo a produção de bens simbólicos “consumidos”. Netto (1996, p. 277) assinala que o contexto de “colapso do socialismo real e da redução do arco de influência das esquerdas, animado pela ofensiva neoliberal” minam as possibilidades da hegemonia teórico-cultural conquistada na profissão.

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Ganha centralidade, na análise em tela, a luta cultural na arena profissional,

conectada a projetos sociais mais amplos, e a análise das transformações nos

espaços ocupacionais, para além das requisições imediatas, e relacionadas com “os

objetivos e valores do projeto social privilegiado” (Ibidem). A política comparece

como mediação fundamental, muito além do mero reconhecimento de sua existência

no contexto e renovação profissional, e a sinalização de novas competências reforça

o deslocamento da tese do sincretismo (IAMAMOTO, 2007).

A prática profissional aparece dinamizada pelas relações de poder, pelos

tensionamentos de projetos, assim, o profissional passa a ser disputado por projetos

coletivos, com explicitação das contradições nas relações sociais. Há, portanto, um

deslocamento das perspectivas fatalistas ou mesmo estruturalistas, pela disposição

das ações profissionais terem o potencial de construir mediações técnico-políticas

criativas e criadoras, na crítica e no enfrentamento dos constrangimentos políticos e

institucionais, com reforço às contratendências e valores democráticos e

emancipatórios presentes no cotidiano, embora não predominem socialmente.

Na análise sobre a profissão ganha evidência, a partir do acúmulo teórico na

tradição marxista, o reconhecimento das condições macrossocietárias, na

constituição do solo histórico e social, e as respostas profissionais.

Os projetos profissionais, na elaboração pioneira de Netto (1999, p. 95),

possuem o que se pode nominar de atributos essenciais: valores que legitimam a

autoimagem construída pela profissão; requisitos para o exercício profissional;

normas prescritivas de comportamentos. Tais elementos podem se confundir com

uma interpretação funcionalista, o que é afastado quando da associação entre

projetos profissionais e societários, pela compreensão dos projetos como estruturas

dinâmicas, que respondem tanto às alterações das necessidades sociais

decorrentes das transformações históricas, quanto expressam o desenvolvimento

teórico e prático da respectiva profissão e as transformações operadas no perfil dos

seus agentes (Idem, 95).

A explicação da profissão a partir do projeto ético-político corresponde ao

desafio de explicitar o que é Serviço Social? É possível identificar o que é Serviço

Social na contemporaneidade pela aparição “epidérmica”: produção teórica

predominante e de ampla circulação (conteúdos e direcionamentos sobre temas

centrais); instrumentos legais (valores, princípios e competências); organização

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corporativa e presença política da categoria nos espaços e mecanismos

democráticos. E o exercício profissional, particularmente na coerência da prática às

dimensões do projeto profissional? É preciso aprofundar análises sobre o exercício

profissional, nos seus modos de ser, na profissionalidade totalizada.

Segundo Netto (1999, p. 154), “(...) é no trânsito dos anos oitenta aos noventa

do século XX que o projeto ético-político do Serviço Social no Brasil se configurou

em sua estrutura básica”. O suporte sociopolítico do projeto está relacionado às lutas

sociais contemporâneas, no processo de afirmação da constituição do Estado

Democrático de Direito e à resistência à ofensiva neoliberal, aspectos que compõem

na atualidade, como já assinalado, o campo de problematizações, já que não se

registra a mobilização e resistência “expressivas à cultura neoliberal” (Idem p. 38).

A relação entre projeto profissional e ético-político requer aqui uma breve

reconstrução da categoria hegemonia, sob o risco da superficialidade. Sua

reconstrução, enquanto categoria que baliza o reconhecimento dos projetos

coletivos, parte do entendimento de que toda relação explicita conflitos sociais,

posicionamentos opostos que se expressam na vivência política dos grupos sociais.

Estes revelam forças sociais antagônicas que tendem ao fortalecimento das relações

de domínio, na relação entre coerção e consenso, sem com isso eliminar as

contratendências.47

Hegemonia expressa capacidade de unificar um bloco histórico que não é

homogêneo, mas marcado por contradições, sendo reproduzida na medida em que

consegue manter articulado um conjunto de forças heterogêneas, de modo a impedir

que o contraste que configura tais forças, resulte numa crise de hegemonia, levando

o coletivo articulado à recusa das proposições e direcionamentos ideo-políticos.

A hegemonia não se reduz à quantidade de adesões, embora seja este um

fator relevante para densidade política e massificação de posições propagadas

socialmente. Expressa, portanto, o predomínio de uma vontade coletiva, supondo o

direcionamento e a conexão direta com um projeto societário; a convivência

democrática com outros projetos coletivos subordinados à própria hegemonia, porém

em disputa; a articulação de interesses no contexto de um determinado bloco

47 A obra de Ivete Simionatto (2004) possibilita uma importante análise da incidência do pensamento de Gramsci no Serviço Social.

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histórico, considerando a superestrutura eleva-se a partir da base real, a estrutura, o

econômico-social.48

Importante afirmar que não se exclui a relação dialética de projetos sociais

novos que vão sendo construídos no enfrentamento crítico das relações tradicionais.

A hegemonia acaba sendo a conquista do poder de uma concepção, na dimensão

político, ideológica e cultural, subalternizada socialmente. Uma cultura se localiza na

subalternidade quando não se tem consciência da posição que as classes ocupam e

da operacionalidade do processo social histórico. Tal cultura é heterogênea,

influenciada ideologicamente pelas concepções da classe dominante e de culturas

precedentes.

A assimilação da categoria “hegemonia” no contexto da hegemonização do

chamado projeto ético-político unificou o coletivo profissional em torno de objetivos e

interesses comuns, tendo como legado o Serviço Social renovado e direcionado

para os desafios contemporâneos, no bojo da cultura dos direitos e da polarização

de projetos societários antagônicos. Ao mesmo tempo tal incorporação, pela

fragilidade teórica, pode expressar uma “vulgarização” do termo, com o risco de ser

uma retórica, apenas um componente do repertório profissional, já que a

materialidade do projeto ético-político profissional requer a articulação de suas

dimensões no exercício profissional em condições objetivas.

Uma das dimensões fundamentais que legitimam o exercício profissional é a

formação, as referências teórico-metodológicas sistematizadas, constitutivas da vida

social. As diferentes abordagens sistematizadas, no âmbito das Ciências Sociais

possibilitam refletir sobre o que seja o “social”, compreender o sentido da política

social e do trabalho social em sociedade. Sobressaem perspectivas que se

antagonizam entre aquelas mais descritivas e tendencialmente justificadoras, e de

outro lado contratendências críticas que apreendem as determinações e dinâmica da

vida social.

48 “Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência” (MARX, K; ENGELS, F., 1984, p. 23).

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3. ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO “SOCIAL”: MATRIZES TEÓRICAS E

PROFISSÕES

Os pensadores clássicos da Teoria Social respondem ontologicamente às

transformações do seu tempo, com construções explicativas vinculadas ideológica e

politicamente aos projetos societários mobilizados pelas classes fundamentais, no

contexto de desenvolvimento do capitalismo produtivo. Assim as matrizes teórico-

metodológicas possuem implicações políticas quando plasmadas nas práticas dos

sujeitos sociais e coletivos.

A assimilação de valores e categorias relacionados com projetos societários

direciona mecanismos regulatórios que expressam, em determinadas

particularidades históricas, maior necessidade de consenso ou coerção, para a

garantia da hegemonia, o que pode ser identificado na reprodução de maneiras de

explicar ou justificar a própria sociedade, como o apelo social pela punição e

violência, para “a garantia da ordem social”, ou, no seu polo oposto, a crítica à

ordem social, ao poder dominante que hegemoniza interesses nas instituições,

especialmente o Estado.

Um das elaborações teóricas “enraizadas socialmente”, com

desdobramentos diversos, é a perspectiva organicista de Charles Darwin (1809-

1882). O darwinismo social expressa o entendimento de que existem sociedades

inferiores e superiores. Aplica-se a concepção de que existem, assim como a

evolução das espécies animais, sociedades que evoluiriam de um estágio superior

para outro superior. Tais mudanças evolutivas garantiriam a sobrevivência, assim

como dos demais seres vivos, dos mais fortes e mais evoluídos.

O imperialismo europeu no processo de dominação de territórios é

emblemático da relação de dominação entre as culturas, com predomínio do projeto

capitalista, em sua missão civilizadora, no contexto de colonização. Afinal a

expansão do padrão industrial de produção dependia da garantia de mercados e

mão de obra assalariada (COSTA,1987).

O processo de adaptação, diferenciação social e o evolucionismo podem ser

concebidos como elementos estruturantes da vida social, e sua aplicação objetiva o

entendimento de relações hierarquizadas pela capacidade adaptativa, tendo como

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parâmetro sociedades industrializadas. Entretanto, na medida em que emerge esta

sociedade idealizada abstratamente, surgem os conflitos sociais, exigindo respostas

políticas e institucionais reguladoras, na esteira da máxima: ordem e progresso.

A compreensão de que as sociedades evoluem de inferiores a superiores, e

que existem desajustes naturais, a serem corrigidos nos processos adaptativos,

talvez seja a mais permeável socialmente. Aspecto que justifica a “aceitação” social

de mecanismos adaptativos e coercitivos que, visando o “bem-estar” social,

permitam a contensão dos conflitos e revindicações, e atinjam a “paz” social, para o

bom funcionamento e progresso social, contribuindo para reprodução evolucionista

de valores e instituições tradicionais, como a família.49

A dinamicidade da vida social era concebida por Comte em duas dimensões:

a) o estático: movimento vital responsável pela manutenção do que é permanente

para o funcionamento de toda organização social, ou seja, a família, a religião, a

propriedade, a linguagem, o direito, entre outros; b) o dinâmico: movimento vital de

passagem de para formas mais complexas de existência, ou seja, a industrialização.

Cabe aqui um destaque para a naturalização das instituições tradicionais,

como família e propriedade, considerando seu papel de reprodutoras da vida social,

sobressaindo, assim, o movimento estático da sociedade, tendo em vista

conservação para o progresso, que expressa, nesta matriz, o aperfeiçoamento da

ordem e não sua ruptura. Ações e políticas decorrentes desta perspectiva tendem a

reconhecer elementos que possam dificultar o aperfeiçoamento e a manutenção da

ordem social.

A influência da racionalidade instrumental, de controle da natureza,

obviamente influenciou e mesmo determinou a gênese do pensamento social

positivista e sua aplicabilidade ao projeto político em hegemonização. Não há

apenas uma estreita relação entre os métodos de experimentação, visando à

objetividade no controle os fenômenos, mas também da concepção de sociedade,

49 Pierre Le Play é um filósofo que se destaca na concepção aproximada entre as ciências da natureza e da sociedade, no que se refere à reprodução de determinadas instituições. Para ele a família é a unidade básica universal, permitindo, que a partir dela, surjam relações sociais mais complexas. Outra referência teórica é Herbert Spencer, principalmente por sua proposta evolucionista e organicista.

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reconhecida como um organismo social, passível de controle pelas instituições

responsáveis pela coesão social.50

Para a crítica às concepções da sociedade e o significado do trabalho social,

parte-se das formulações históricas de Durkheim, Weber e Marx. Tais concepções

acompanham a dinâmica da sociedade, no período de consolidação da

modernidade, da racionalidade constitutiva da Revolução Industrial. A síntese em

tela respalda a análise da constituição do que seja a sociedade e o trabalho no

“social” em suas dimensões constitutivas.

A interlocução do Serviço Social com as Ciências Sociais revela, no contexto

da inauguração do pluralismo, a assimilação das matrizes explicativas essenciais da

sociabilidade capitalista. Importa, aqui, explicitar a identificação de alguns elementos

das matrizes e o significado atribuído pelo Serviço Social à sociedade, o que

certamente não resultará numa síntese aprofundada, porém parcial no

desenvolvimento da presente tese.

3.1 O “SOCIAL” COESO E O TRABALHO INTEGRADOR

O positivismo de Durkheim fundamenta a compreensão, a partir da obra

Divisão do Trabalho Social (1893), da sociedade integrada por indivíduos que se

diferenciam socialmente. O social, em seus elementos de diferenciação, é

caracterizado como um todo, integrado por partes que coesas tendem à evolução.

Importante destacar as implicações da concepção de sociedade e seus

impactos, talvez os mais reproduzidos, no trabalho social. Nesse sentido, alguns

aspectos centrais para a análise da sociedade e do trabalho social, recuperados por

autores contemporâneos como Elias (1999), se sobressaem: a concepção da

interdependência entre os indivíduos, com disposições diferenciadas pela posição

50 Esta aproximação com os métodos das Ciências da Natureza e o sucesso das descobertas daquele tempo, na Física, na Química na Biologia, fez com que Comte intitulasse, inicialmente, a ciência explicativa da sociedade como “física social”. (COSTA, 1984)

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que ocupam socialmente; a sociedade regida por leis naturais invariáveis e

independentes da vontade e da ação humana.51

Por consequência, na matriz positivista, especialmente pela postura

pretensamente neutra axiologicamente, naturaliza a ordem estabelecida e idealiza o

desenvolvimento evolutivo da sociedade, na direção idealizada de sua diferenciação,

industrializada, na transição da solidariedade mecânica para a orgânica. Assim, a

diferença no social não expressa desigualdade, e sim estágio evolutivo de

complexificação da própria sociedade.

O fundamento evolucionista sustenta-se na função do contrato social52, numa

crescente diferenciação social baseada na centralidade da ciência, da técnica, na

indústria, na engrenagem entre parte e todo “harmônico”, considerando que o

indivíduo é a base da sociedade e nele centraliza, igualmente, a explicação das

consequências dos insucessos no desenvolvimento individual e coletivo.

A centralidade no indivíduo sustenta propostas evolucionistas, a exemplo de

Condorcet,53 no que se refere à regularidade do avanço da sociedade, dos estágios

progressivos de conhecimentos humanos acumulados, já que o progresso das luzes

acompanha a evolução das virtudes, um avanço inexorável, que pode ser

potencializado. Mantendo a centralidade no indivíduo o filósofo se distingue de

demais teóricos liberais, como Smith (FERRARO, 2009), pelo princípio da igualdade

de todos, para além da liberdade abstrata, porém uma igualdade dependente do

indivíduo.

51 Na teoria de Elias a sócio-gênese permite a compreensão do processo de constituição de determinados grupos, num determinado tempo e contexto. A psicogênese possibilita a identificação de sentimentos e comportamentos que conformam determinada configuração, nem sempre decodificados. A abordagem sociogênica das funções psíquicas permite analisar o processo de relação com os outros ao longo do tempo, no processo civilizatório. As relações explicitam uma dinâmica de interpenetração, transfigurando nas relações de poder a noção de nós e de outros, a autoimagem que os indivíduos fazem de si e dos outros. As redes que se configuram são socialmente tecidas, conformando uma interdependência, tanto os indivíduos como a sociedade em geral, são agentes de um processo social (ELIAS, 1999).

52 A noção de contrato social decorre de contratualistas, notadamente Hobbes e Locke, que fundamentam a diferenciação do estado de natureza do estado civil, ou político, conformando uma regulação da vida social a partir de autoridades e normas constituídas. O contrato social é “uma espécie de pacto entre os homens para estabelecer tais normas e autoridades às quais se submeterão consensualmente (...) O Estado seria o produto do contrato social, ou seja, da conjunção de vontades individuais. (MONTAÑO, DURIGUETTO, 2011, p. 23)

53 Pessupostos como progresso do homem sustentam formulações teóricas de Condorcet que atribui à República o papel de instruir a todos, contribuindo, desse modo, no aperfeiçoamento das artes e das profissões, na redução da desigualdade que a situação econômica estabelece entre os homens, visando o bem-estar (In BRUTTI, 2007).

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Tais fundamentos certamente influenciaram a educação brasileira, na

centralidade do indivíduo como caso de sucesso e insucesso, nas medidas paliativas

e moralizantes, no sustentáculo da meritocracia no acesso e permanência na escola,

e depois na universidade que “filtra” os melhores.

O princípio do contrato social e do indivíduo como base sustenta o ethos da

sociedade moderna, a centralidade na ciência, na técnica, na indústria, na ordem, na

coesão social, modelando relações que tendem a evoluir progressivamente, na

concepção analisada. Assim, o social se constrói a partir do indivíduo e não o

contrário. Observa-se, por influência do iluminismo neste fundamento, a afirmação

ideológica da inevitabilidade do progresso, dos avanços evolutivos do conhecimento

humano.

Retomando a análise das implicações no pensamento funcionalista, destaca-

se que é importante partir da conceituação de fato social 54, que possui

características que contribuem para naturalizar a compreensão do social e do

trabalho social disciplinador e ajustador. A coerção social generaliza o entendimento

de que os fatos sociais confirmam comportamentos, independente da vontade dos

indivíduos, a exemplo do idioma e da formação familiar.

O grau de coerção vai depender das sanções espontâneas e legais,

considerando os tipos de solidariedade, mecânica ou orgânica. Assim, mais uma vez

as instituições cumprem a função social do regramento da vida social, de consenso

e coerção, da internalização de valores aceitáveis socialmente, completando a

segunda característica essencial dos fatos sociais, ou seja, sua exterioridade em

relação às consciências individuais.

A terceira característica do fato social, segundo Durkheim (1995) é a

generalidade, já que se torna social todo fato que é geral, que se repete em todos os

indivíduos, ou em sua maioria, manifestando-se sua natureza coletiva, distinguindo-

os, dessa forma, das manifestações individuais e acidentais. Um exemplo de fato

54 Fatos sociais são, para Durkheim, distintos das repercussões individuais. “Eis, portanto, uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, os quais têm existência na consciência individual e através dela. Esses fatos constituem, portanto, uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. (1995, p. 3-4)

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social é o crime, pelas características, além da generalidade, de coerção,

especialmente pela aplicação das sanções com impacto nas consciências

individuais, e de exterioridade, posto que antecede os indivíduos.

Uma análise mais aprofundada da compreensão do que seja o social explicita

uma funcionalidade do pensamento social positivista à racionalidade burguesa,

sendo a desigualdade um aspecto natural do processo evolutivo, cabendo às

instituições sociais o papel de restabelecer a coesão social, superar conflitos,

reproduzir valores que previnam estados mórbidos do corpo social. Nessa

perspectiva, a ordem social é constitutiva da sociedade e as mudanças sociais

relacionadas às atividades dos indivíduos e grupos sociais, sem evidentemente

romper com algo que é anterior, ou seja, a própria ordem.

Em analogia a um ser vivo, a sociedade é um sistema de órgãos no qual

cada um tem um papel particular, sendo que determinados órgãos possuem uma

condição diferenciada e privilegiada, o que é natural, funcional e inevitável. Aspecto

que revela o caráter contrarrevolucionário de sua teoria.

Importante destacar que os chamados estados de “anomia” (ausência de

normas) podem gerar processos de conflitos, de “desagregação social”. Aspecto que

pode ser corrigido pela difusão de valores sociais agregadores, especialmente pela

atuação das instituições centrais, para a assimilação das regras legitimadas e

socialmente aceitas: a Igreja; o Estado; a escola; e a família.

A política social pode ser concebida, a partir da matriz positivista, como um

mecanismo desenvolvimentista que favorece o acesso às oportunidades, visando o

bem estar social, a inclusão e integração social. Como a integração social das

partes, assim como na fisiologia, tende à agregação entre elas e das partes com o

todo, o natural é a estabilidade, o equilíbrio, o progresso, a solidariedade social.

Os laços de coesão e de solidariedade dependem das sociedades, sendo que

nas menos desenvolvidas, como as tribais, tal solidariedade se manifesta de modo

mecânico, considerando, especialmente, a divisão incipiente do trabalho. Já a

interdependência dos indivíduos, em sociedades mais complexas e desenvolvidas

pela industrialização e divisão do trabalho, produz a solidariedade orgânica.

Entretanto, ressalta-se o papel das instituições responsáveis pela transmissão de

valores que reforcem e garantam a manutenção da integração social (DURKHEIM,

1978).

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Assim, as instituições que exercem esse controle nas sociedades

desenvolvidas se complexificam em sua função agregadora, diferentemente das

sociedades menos desenvolvidas, uma vez que a consciência coletiva expressa o

nível de reprovação que impacta sobre as consciências individuais. Dessa forma, o

mesmo fato social possui contornos diferenciados se comparado sociedades

primitivas e desenvolvidas, exigindo desta última maior mediação regulatória.

Ainda quanto ao controle da sociedade, a consciência coletiva revela o grau

de agregação de costumes, hábitos, noções, representações sociais, reforçando

uma dimensão de coerção que difunde valores que possibilitam a coesão social, de

modo que os elementos desagregadores, que dificultam os estados de equilíbrio e

controle estável, conduzem a um estado patológico, a uma ausência de normas. A

educação, por exemplo, cumpre o papel de “produzir o ser social”, sendo que a

pressão social “tende a modelar” a criança ao meio social (DURKHEIM, 1995, p.6).

Assim sendo, os estados de desorganização da sociedade devem ser corrigidos,

para o restabelecimento da ordem social e da tendência evolutiva.55

A aplicação funcionalista do pensamento social positivista descreve a

sociedade como um organismo formado por partes que interagem. A Teoria Social

em Durkheim caracterizou tipos de sociedades, ou seja, simples, primitivas e

industriais; identificou elementos de coesão social, notadamente os tipos de

solidariedade, mecânica e orgânica, que dinamizam a regularidade da ordem social;

e formas de controlar a sociedade, especialmente a divisão do trabalho, em seus

traços característicos, e a consciência coletiva, e sua relação com as instituições de

integração social.

A base darwinista de análise das sociedades pressupõe, e tem como

consequência, a centralidade no indivíduo, a diferenciação social pela

hierarquização, ou a evolução como finalidade última, a diferença em detrimento da

desigualdade, o que sustenta políticas e ações meritocráticas. Outros aspectos

possuem sintonia com a matriz positivista e sustentam propostas neopositivitas

atualizadas para a contemporaneidade: o recurso da técnica, da ciência; a

preparação dos indivíduos para a produção e suas requisições, para o consumo; a

55 As análises de Comte e de Durkheim são “fundadas sobre premissas político-sociais tendenciosas e ligadas ao ponto de vista e à visão social de mundo de grupos sociais determinados. Sua pretensão à neutralidade é às vezes uma ilusão, às vezes um ocultamento deliberado, e, frequentemente, uma mistura bastante complexa dos dois” (LÖWY, 1994, p. 32).

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subsunção do econômico e do social, com submissão dos interesses sociais e

adaptação às exigências postas. Tais aspectos condicionam, sobremaneira, a

constituição do Estado e das políticas sociais.

A partir desse referente teórico-metodológico, são produzidas, no campo do

trabalho social, inferências sobre, por exemplo, a qualidade dos vínculos e laços que

contribuem no desenvolvimento da sociedade integrada. Embora se afirme a

neutralidade axiológica como fundante da objetividade, a formulação de leis gerais e

suas consequentes generalizações, são funcionais, pela correção dos fatores de

“desequilíbrio social” ao projeto hegemônico de harmonização das relações

estruturalmente contraditórias e históricas.

Destacam-se, nas derivações teórico-metodológicas, aplicações cotidianas no

trabalho social, que reforçam o poder das instituições sociais no controle e na

moralização da sociedade; a aplicação exemplar de normas e regras sociais que

conduzam condutas individuais, considerando o impacto nas consciências do que

seja aceitável e reprovável; a hierarquização da sociedade, como somatória

interdependente de indivíduos, por prestígio e diferenciação social; análises

empiristas com reforço às características exteriores, à identificação da repetição e

generalização; o reforço das estruturas predispostas a estruturarem e não serem

estruturada pela vontade dos indivíduos; a implantação de propostas e ações

desenvolvimentistas corretivas de desequilíbrios sociais; e o reforço de elementos de

coesão e integração social, como a cooperação e solidariedade.

Considerando as orientações metodológicas desta matriz e seus

desdobramentos, compete ao serviço social “ajudar” os indivíduos e grupos a

identificar e resolver ou minorar os problemas oriundos dos desequilíbrios entre eles

e o ambiente; identificar áreas potenciais de desequilíbrios entre indivíduos e grupos

e o ambiente, a fim de prevenir este desequilíbrio (VIEIRA, 1979, p.37).

Com o propósito de promover indivíduos nos contextos sociais e “conservar”

ou estimular aspectos que contribuem para superar disfunções sociais, o assistente

social “desenvolve uma ação em benefício do indivíduo, para capacitá-lo na

orientação da sua vida”, tendo em vista a interação entre indivíduos dentro do

sistema (Idem, p.25).

A incidência da matriz positivista no âmbito do Serviço Social resultaram em

propostas modernizadas: novas competências no campo da política social e do

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planejamento, ou da chamada macro atuação, administração de serviços sociais,

além do tradicional atendimento direto, de caráter “corretivo, preventivo e

promocional, destinados aos indivíduos, grupos, comunidades, populações e

planejamento” (CBCISS, 1986, p. 28); e de definições que “ampliam” enfoques do

indivíduo em sociedade, como “globalidade”, sistema aberto. Entretanto, a

naturalização da sociedade, a proposição de “melhoramentos” da funcionalidade ao

projeto de manutenção da estrutura, são elementos mantidos.

No contexto de renovação da profissão em sua perspectiva modernizadora,

percebe-se a incidência da ideologia desenvolvimentista em sintonia com a matriz

teórico-metodológica positivista em sua versão estrutural-funcionalista, requisitando

do assistente social, no limite, competências de planejamento para além da

execução terminal de políticas. Já a teoria geral de sistemas, em sua proposta

“psicologizante” do social, expressa o aprimoramento do repertório profissional no

desenvolvimento de técnicas inerentes aos processos interventivos, atualizando as

referências teórico-metodológicas às exigências da política social refuncionalizada.

3.2 AÇÃO SOCIAL MOTIVADA POR VALORES

Para Max Weber, em “contraposição” ao pensamento positivista de Durkheim,

a ordem social não se opõe como exterior aos indivíduos. Ao contrário, as regras e

normas sociais só possuem sentido quando manifestas em cada indivíduo sob a

forma de motivação.

Os indivíduos dão sentido à ação social, processando a relação entre motivo

da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos. Tal entendimento particulariza a

contribuição weberiana na compreensão da ação humana como conduta social

dotada de sentido. Portanto, é o indivíduo, por meio de valores sociais e de suas

motivações, que produz o sentido da ação social e efeitos na realidade, na vida.

Esta última, segundo Weber, “se manifesta dentro e fora de nós, sob uma quase

infinita diversidade de acontecimentos sucessivos e simultâneos que aparecem e

desaparecem” (WEBER, 1974, p. 47).

A motivação manifesta na ação social concreta atribui um determinado

caráter, seja ele econômico, político, cultural, religioso, entre outros, direcionado e

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orientado pela tradição, razão, emoção. Assim, o caráter social da ação revela uma

resposta individual a uma motivação de outros indivíduos, e por meio dos

indivíduos.56

Capturar o sentido da ação social exige compreender suas implicações,

expressas pelos agentes da ação ou por suas condutas. Desse modo, os fatos

sociais não são “coisas”, mas acontecimentos percebidos pelo “cientista social” e

desvelados em seus significados, cabendo à compreensão dos nexos causais que

atribuem sentido a cada ação social.57

A Teoria Social faculta que os acontecimentos possuem origem nos

indivíduos, sendo a subjetividade um elemento central das ações que só possuem o

caráter de uma relação social na medida em que o compartilhamento do sentido se

efetiva. Assim, a regularidade das ações permite evidenciar tendências gerais em

uma determinada sociedade, o que, evidentemente influenciará as ações dos

indivíduos. Sendo que, somente com “relação a valores específicos particulares de

uma época, uma nação ou uma fé religiosa, que se pode selecionar, no caos infinito

dos fenômenos sociais, o que nos parece importante” (LÖWY, 1994, p. 35).58

Em Weber a sociedade moderna possui a particularidade dos mercados, dos

interesses organizados e opostos, o que explicita, na medida da sua proposta

teórica, a evidência de conflitos, que não se colocam como patologias que geram

desequilíbrios prejudiciais à evolução da sociedade. Ao contrário, permite a

56 Uma das produções de referência em Weber que exemplifica sua proposta metodológica de compreensão das sociedades é a obra “Ética protestante e o espírito capitalista” (1904), na qual é relacionado o papel do protestantismo na formação do comportamento típico do capitalismo ocidental moderno. Em Weber a relação entre religião e sociedade, por exemplo, se dá pela incorporação de valores transformados em motivos da ação. Identifica, na análise da especificidade desta relação causal, o trabalho enquanto dever e vocação.

57 Embora Weber atribua centralidade aos valores e motivações humanas, o mesmo não examina e aprofunda a gênese social dos pontos de vista e visões de mundo (LÖWY, 1994).

58 Para Weber o cientista é guiado por motivações, sendo impossível eliminar as pré-noções, particularmente na seleção dos aspectos a serem estudados. Iniciado o estudo, é preciso, entretanto, buscar a neutralidade. Assim, a objetividade não está nos fatos em si, mas no modo de reflexão. Tal postura teórico-metodológica o aproxima da razão positivista. Para a explicação dos fatos sociais Weber desenvolveu o tipo ideal. Um recurso metodológico que oferece conceitos sociológicos que permitem interpretar a realidade social. Para tanto, o tipo ideal é previamente construído e testado, considerando casos particulares. Tal modelagem auxiliaria a construção de comparações para a identificação de especificidades e semelhanças. Seu método interpretativo ressaltou a importância da análise histórica, da comparação e da compreensão qualitativa dos processos sociais. Weber não é um autêntico positivista, porém, postulou, de modo sistemático, a neutralidade axiológica das Ciências Sociais (LÖWY, 1994).

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existência de um “ordenamento social”, uma estrutura institucional capaz de regulá-

los socialmente.

Weber identifica o conflito e a luta de classes em várias dimensões,

relativamente autônomas, como a política, a religião e o direito, manifestando, ainda,

uma racionalidade peculiar, a exemplo do sentido da acumulação da riqueza

presente na razão capitalista. Entretanto, “os valores dos quais fala Max Weber não

estão, no essencial, ligados às classes sociais (como na abordagem marxista), mas

às culturas, nações ou religiões distintas e/ou opostas” (Idem, p. 34).

O elemento fundamental da interpretação weberiana da sociedade reside na

racionalidade como princípio organizativo. Desse modo, a ação é racional,

considerando finalidades e valores. No entanto, é a razão que impulsiona os

indivíduos à ação, num processo complexo de encadeamentos e de motivações.

Na proposta weberiana o trabalho social requer, especialmente, a

interpretação dos valores e das possibilidades de novas motivações racionalizadas

nas ações sociais. Prevalecem, aqui, nos limites da aplicação teórico-prática,

elementos como a racionalidade nas ações sociais; a conexão entre valores sociais

internalizados, ações sociais e suas implicações; as análises de traços

característicos de uma formação histórica, como a cultura patrimonialista e

meritocrática; descrição de tipologias de política sociais; a interpretação de valores

sociais internalizados no processo de socialização; o peso das motivações humanas

em detrimento das estruturas; e o papel dos indivíduos livres para modificar a

realidade.

O desenvolvimento do trabalho social pretensamente neutro e a compreensão

do indivíduo como uma relação de intersubjetividade encontra similaridade na

experiência fenomenológica, especialmente pela postura de “afastamento” de

preconceitos, como pressuposto básico, e o conhecimento do sujeito como “ser no

mundo” e ser “sobre o mundo”, visando uma “transformação social” (CBCISS, 1986,

p. 184; ALMEIDA, 1978), que é individualizada e, por consequência

“psicologizada”.59

59 A fenomenologia no serviço social não se mantém voltada à compreensão do social, assimila o projeto conservador no marco da renovação, resultando na reatualização do conservadorismo, recuperando conceitos como pessoa e ajuda. Transformação social restringe-se ao plano do individual por meio da superação da situação-social-problematizada (Netto, 1998).

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Perspectivas weberianas centralizam a compreensão de traços particulares

de uma sociedade, conformando tipologias, além da explicitação da burocracia, de

atributos culturais, econômicos, políticos e sociais, assim como das legislações

como aspectos determinantes das sociedades modernas.

3.3 SOCIEDADE CONTRADITÓRIA E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO:

TOTALIZANDO A ANÁLISE DO “SOCIAL”

Em Marx (1818-1883) fica revelada a contradição das sociedades em suas

relações de classe. As particularidades sócio-históricas expressam relações sociais

de produção e processos de reprodução social. Tais relações manifestam a

dominação de uma classe sobre a outra, e os consequentes antagonismos.

Uma atitude crítica diante da vida social exige saturar a realidade em suas

contradições, no movimento de totalização de suas determinantes causais,

complexos e tendências, apreendendo sua historicidade, nas determinações

presentes e nas possibilidades a serem potencializadas, em termos de processos

sociais, econômicos, políticos e culturais. Evidente que tal saturação, no emprego da

capacidade de agir racionalmente, requer a apreensão da existência da realidade. A

atitude diante da realidade, substrato da intervenção social, implica teleologia,

objetivação de escolhas entre alternativas concretas.

O cotidiano, base de intervenção e crítica, possui uma regularidade, uma

programação que prende os sujeitos ao singular, ao imediato, ao factual (NETTO,

2000). Tal causalidade é rompida pelos sujeitos com capacidade de, a partir da

heterogeneidade do cotidiano, da contradição constitutiva, suspender o próprio

cotidiano, de modo a sair e voltar deste em novos e superiores patamares de

compreensão e práticas. Isso porque a sociedade não é uma entidade de natureza

teleológica. Os indivíduos sociais agem, individual ou coletivamente, tendo por base

necessidades e interesses, implicando projeção, finalidades. Assim, apenas na vida

cotidiana o ser genérico, coparticipante do coletivo, da humanidade, se encontra em

potência, nem sempre realizável (Idem).

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Na relação entre razão e cotidiano há uma tendência das análises sobre os

fenômenos sociais ocultarem suas reais determinações. Assim, os resultados são

tidos como causas dos fenômenos. Para Marx no capitalismo os homens apreendem

a realidade de maneira inversa da sua gênese e desenvolvimento. Há, portanto, uma

inversão ontológica, por consequência, entre aparência e essência (MARX, 1978).

Marx avança no entendimento ontológico da Teoria Social, da análise sobre a

realidade, na compreensão de que o conhecimento teórico é o conhecimento do

objeto tal como ele é em si mesmo, na sua existência. Nessa matriz, há a

reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria,

o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que

pesquisa. (NETTO, 2009 p. 7)

Em Marx, a cr í t ica do conhec imento acumulado cons iste em trazer ao exame rac ional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus condic ionamentos e os seus l im ites – ao mesmo tempo em que se faz a ver i f icação dos conteúdos desse conhec imento a part ir dos processos h istór icos reais. É ass im que e le trata a f i losof ia de Hegel, os economistas pol í t icos ingleses (espec ia lmente Smith e Ricardo) e os soc ia l is tas que o precederam (Owen, Four ier) ( Idem, p. 7) .

No movimento crítico-dialético o objeto tem existência objetiva,

independentemente do pensamento do pesquisador, como supõe o idealismo. A

superação da aparência fenomênica, imediata, sendo esta um nível da realidade,

expressa a apreensão da essência do mesmo objeto. Nesta apropriação da matéria

parte-se do entendimento de que “não é a consciência que determina a vida, mas a

vida que determina a consciência”. Afinal, são “os homens que desenvolvem a sua

produção material e o seu intercâmbio material, que ao mudarem esta sua realidade,

mudam, também, o seu pensamento e os produtos do seu pensamento” (MARX,

ENGELS, 1984, p.23).

Em contraposição às propostas metodológicas empiristas, que manipulam as

variáveis do cotidiano e capturam o singular como objeto do conhecimento, passível

de comprovação empírica, as proposições decorrentes do pensamento kantiano,

que pressupõem a impossibilidade de conhecer a “coisa-em-si”, mas apenas as

sensações capturadas pelo sujeito em relação ao objeto, ou, ainda, as formulações

hegelianas em que o sujeito aparece como o processador do conhecimento

identificando-se com o próprio objeto.

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Marx, numa passagem em A Sagrada Família, afirma que os filósofos

especulativos explicam o objeto como autoatividade do sujeito, como mero resultado

de seu “próprio intelecto abstrato”, desconsiderando as determinações do mundo

real e concebendo a realidade como produto do pensamento.

Em Os Grundrisse, versão inicial da crítica da economia política, “Introdução”

redigida em 1857, Marx aborda como o pensamento captura gnosiologicamente o

real. No prefácio “Para a crítica da Economia Política” problematiza a análise de uma

cidade pelo conceito de população, sem elucidar seus elementos constitutivos, o que

não passaria de uma abstração. A análise dos seus elementos constitutivos implica

na análise do trabalho assalariado, subordinado ao capital, reproduzindo, por sua

vez, divisão do trabalho e outros aspectos determinantes. Ao se avançar nas

abstrações mais sutis é possível atingir uma rica totalidade com múltiplas

determinações e relações. Assim, o objeto aparece no pensamento como processo

de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o verdadeiro

ponto de partida (MARX, 1978).

Para Marx o contato com o mundo objetivo configura um todo caótico a ser

representado na consciência e por abstrações chegar-se ao concreto real, que por

meio das mediações revela as “legalidades particulares e gerais”. No entanto, trata-

se de uma perspectiva ontológica, descartando-se formalizações metodológicas que

desconsiderem as relações sociais numa dada formação social.

A sociedade não é um todo unificado por partes, como pressupõe o

pensamento positivista. É sim uma totalidade concreta, complexa. Assim, é preciso

descobrir as relações entre totalidades constitutivas e a totalidade em sua máxima

complexidade, ou seja, a sociedade burguesa (LUCKÁCS, 1979). “Tais relações

nunca são diretas; elas são mediadas não apenas pelos distintos níveis de

complexidade, mas, sobretudo, pela estrutura peculiar de cada totalidade”. A

unidade na diversidade da totalidade concreta que é a sociedade burguesa é

analisada na construção de um “sistema de mediações” (internas e externas) que

articulam tais totalidades (LUCKÁCS, 1979; NETTO, 2009, p. 29).

Se a história é a substância da sociedade e os homens portadores de

objetividade social, as transformações do cotidiano, por sua vez, dependem da

consciência dos indivíduos sociais, dos valores, concretizados em condições

objetivas.

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Numa análise sócio-histórica parte-se do reconhecimento de que o passado é

configurado pelas determinações que permitem os sujeitos serrem o que são. O

futuro é um tempo que interpela e desafia a sociedade, quanto às possibilidades de

reagir ao presente, antecipando neste último, finalidades, teleologias. Assim, o

presente, a cotidianidade, é o foco das atenções, e a ética é a dimensão que permite

saltos intelectivos e práticos aos sujeitos.

A racionalidade burguesa suprime as dimensões ontológicas do real que

permitem saltos civilizatórios, reduzindo a existência à imediaticidade do presente.

Assim, a tendência é dar respostas técnicas e políticas no campo do superficial, na

manipulação de variáveis empíricas do real. Tende-se ao senso comum, ao juízo

conservador das pessoas, à criminalização dos pobres, à individualização dos

problemas.

A concepção burguesa é incapaz historicamente de considerar o tempo como

uma totalidade ontológica, na articulação entre passado, presente e futuro. O apego

é pelo presente, pela disputa, pela mercantilização e “coisificação” das pessoas

(MÉSZÁROS, 2002).

A lógica destrutiva da sociabilidade burguesa parece inabalada, mesmo

mostrando suas crises orgânicas. Evidente que diante de um longo período contra-

revolucionário, ainda que alguns ventos se mostrem fortes na lógica da contra-mola

que resiste, há uma sensação de impotência, de ausência de perspectivas

projetadas por projetos societários.

Como afirma Konder (1997) quando o sujeito sai de cena o empirismo reina,

mas não o empirismo simplista, o sofisticado, alienando aqueles que olham e

confundem o real com o existente, pelo processo de alienação, uma vez que a

realidade é mais do que o existente, é também o possível. Entretanto, sua

totalização depende do rigor teórico, que confronta as contradições da realidade, de

atitude crítica, ético-política mobilizada pelos sujeitos, pela práxis, pela antecipação

no presente do que se projeta para o futuro, utilizando-se do recurso da totalidade e

da história, visando mediatizar os fatos empíricos, retirando deles a aparência de

fetiches isolados ou de coisas naturais (COUTINHO, 1994).

É com o sentido da historicidade e da objetividade de valores construídos na

teia das relações concretas que se passa a compreender a necessária e estratégica

análise da realidade sócio-histórica, das condições de vida e de trabalho da

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população, na identificação de suas necessidades, e no fortalecimento das formas

inventivas de resistir, sem sucumbir diante da aparente impossibilidade. Aspectos

que dão centralidade aos direcionamentos éticos e à incidência do pensamento

crítico na formação e no exercício profissional dos assistentes sociais brasileiros.

A aproximação do Serviço Social com o pensamento dialético e com os

“marxismos” provocou inflexões, ainda que nos limites da autocracia burguesa,

ideoculturais e sociopolíticas “estruturantes” da ruptura com o conservadorismo. O

universo da profissão se “oxigenou” de novas representações e intervenções, que

vinculam a profissão às classes subalternas, marcadas pela diversidade de

angulações e objetivações teórico-metodológicas. Tais particularidades são

identificadas no estruturalismo de Louis Althusser, explicitando um marxismo sem

Marx, com consequente supervalorização da estrutura.

No caso do Serviço Social outros aspectos particularizam a interpretação

teórica althusseriana, pela redução do pensamento a manuais; na pobreza teórica

(NETTO, 1998); a recusa da via institucional, entendida como aparelhos monolíticos;

o “militantismo” e “messianismo” (IAMAMOTO, 1992). Entretanto, é com esse

marxismo equivocado que o Serviço Social questiona a prática profissional, as

instituições, o Estado, a política social, a realidade social, inaugurando uma

perspectiva de ruptura com o tradicionalismo, com as formas conservadoras de

explicar e agir no social.

No campo do Serviço Social destaca-se a influência de Antonio Gramsci na

análise do Estado ampliado; do assistente social como intelectual orgânico; da

construção do projeto ético-político, do papel da sociedade civil na manutenção ou

construção da hegemonia; do sentido ampliado de classes pela definição das

classes subalternas. A influência de Agnes Heller possibilita uma análise consistente

do cotidiano, da ética. Em Lukács, teórico de grande influência na produção

acadêmica contemporânea, as mediações ganham sentido ontológico central na

crítica à realidade e no trabalho social.

A análise do social e do trabalho no social passa a expressar, de modo geral

e especialmente, a problematização do cotidiano, ressaltando-se o emprego da

autonomia relativa (IAMAMOTO, 1982), na perspectiva do fortalecimento das

demandas do trabalho; a afirmação de um paradigma das relações de força e poder,

balizada por relações de classe (FALEIROS, 1981); o Serviço Social como trabalho

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e as a questão social como base de fundação e de desenvolvimento da profissão,

sendo suas expressões objetos de intervenção (IAMAMOTO, 1998); e o Serviço

Social orientado pelo projeto ético-político-profissional hegemônico (NETTO,

1999).60

A produção acadêmica e o debate teórico nos espaços políticos da profissão

dinamizam o pluralismo inaugurado com a renovação do Serviço Social (NETTO,

1998), configurando particularidades analíticas que se aproximam pelo “tom” crítico,

pelo reconhecimento da contradição e pela antecipação de nova ordem societária no

presente, teleologia que passa, hegemonicamente, a orientar o trabalho social da

categoria.

Importa analisar que o significado da profissão é configurado nas

particularidades do capitalismo, especialmente no modo como são produzidas as

respostas à questão social na relação público/privado. Aspecto que, no contexto da

profissionalização do Serviço Social assume feições típicas da filantropização

estatal, do autoritarismo, da burocratização; no contexto desenvolvimentista da

modernização que segue conservadora e é aprofundada no marco monopolista,

explicitando a perspectiva da integração social à agenda governamental; no período

da redemocratização, configura-se uma cultura de democratização do Estado, de

implementação de novos espaços participativos sob a diretiva da descentralização

político-administrativa; e no contexto da cultura neoliberal, o incentivo à

“refilantropização”, diante das investidas da contra reforma, de restrição de direitos,

de responsabilização do indivíduo pelo provimento de suas necessidades sociais e

pela sua condição pessoal e social.

A centralidade na questão social como matéria de investigação e intervenção

social, possibilita o entendimento “desnaturalizante” do social. Questão social

entendida como o conjunto de expressões das desigualdades sociais da sociedade

60 Iamamoto, em “Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social” (2007), sintetiza as principais teses explicativas dos fundamentos do serviço social, destacando: o balanço crítico de Relações Sociais e Serviço Social (Iamamoto); a tese do sincretismo e da prática indiferenciada (Netto); a tese da identidade alienada (Martinelli); a tese das correlações de força e poder (Faleiros); a tese da assistência social (Yazbek); a tese da proteção social (Costa); a tese da função pedagógica do assistente social (Abreu). As particularidades analíticas expressam a riqueza de análises que são nucleadas pelo reconhecimento do caráter contraditório da sociedade e da profissão.

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capitalista, não apenas as manifestações imediatas, mas também, os nexos entre

seus elementos e processos constitutivos na relação entre capital e trabalho.61

A questão social assume novas configurações e expressões, especialmente

nas transformações das relações de trabalho e da proteção social dos

trabalhadores. Do ponto de vista conceitual, dentre os seus nexos, explicita

exclusão do acesso aos bens e serviços; a garantia de conquistas parciais,

vocalizadas pelos trabalhadores organizados; a subalternidade explicitando a

ausência de protagonismo, de poder; e a pobreza, enquanto um fenômeno

multidimensional que implica na existência de múltiplos carecimentos (YAZBEK,

1993, HELLER, 2008).

Questão social revela elementos de apreensão dos modos de ser e de pensar

dos sujeitos, e das estratégias de sobrevivência, resistência e organização;

processos de fortalecimento de relações de subserviência, de mando, favor e dádiva

(SALES, 1994).

Os processos referentes à relação entre Estado e sociedade civil diante das

alterações na esfera da produção afetam frontalmente as formas de sociabilidade

que explicitam uma imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do

trabalho social e as relações que a sustentam (IAMAMOTO, 2001).

A relação entre Serviço Social, trabalho e questão social expressa a base da

profissionalidade na contemporaneidade, demandando uma análise mais

consequente das requisições sociais e das respostas técnico políticas circunscritas

ao campo dos direitos como espaço ocupacional e político de maior legitimidade

social.

Como referência hegemônica, a matriz marxista incidirá nas bases

constitutivas do projeto ético-político profissional, direcionando a construção das

Diretrizes Curriculares, em 1982 e 1996, e das legislações profissionais,

particularmente do Código de Ética e a nova Lei de Regulamentação da Profissão

(nº 8.662/1993), base constitutiva da nova profissionalidade.

61 A opção pela centralidade categorial do trabalho se dá pelo reconhecimento de que a atividade humana incide sobre a natureza e a transforma nos bens necessários à reprodução social. É, assim, a categoria fundante do mundo dos homens. Entretanto, a existência humana é mais do que o trabalho em si, considerando a sociabilidade e as atividades resultantes pelas necessidades que surgem no desenvolvimento das relações entre os homens em atividade social.

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4. A CONSTRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL

A compreensão da categoria profissionalidade como uma construção social

balizada por projetos, na contramão das análises cristalizadas na representação

simbólica de seus agentes, nas lógicas evolutivas naturalizantes ou estruturalistas,

com menor peso às atividades coletivas, remete à compreensão mais totalizante da

profissão.

As legislações profissionais, particularmente as regulamentadoras e os

Códigos de Ética, possibilitam o reconhecimento de parte do significado da profissão

em determinados contextos, ao mesmo tempo em que revelam incongruências que

explicam parcialmente os paradoxos vividos na atualidade.

A análise da profissionalidade pelas legislações não tem o objetivo de reforçar

análises institucionalistas, mas de explicitar as definições do fazer/saber

monopolizado historicamente e pleno de sentidos mais ajustadores do que

democratizantes.

As definições que atribuem poder central à base normativo-jurídica própria e à

auto-representação são tão problemáticas quanto às formulações que reforçam a

determinação do Estado e de outras instituições externas à profissão, como se os

movimentos da cojuntura interferissem instantaneamente na profissionalidade.

A profissionalidade expressa um modo de ser da profissão no movimento

entre as requisições sociais e institucionais, a produção teórica acumulada e

“circulante” e os institutos que atribuem responsabilidades na atuação profissional

em diferentes contextos. No caso do Serviço Social compreender a relação entre os

mecanismos normativo-jurídicos engendrados nos contextos históricos particulares,

ganha centralidade. Portanto, uma legislação não é produzida por um grupo de

“esclarecidos” que regulam objetivos e prescrevem comportamentos, já que o

desenvolvimento de uma profissão é contornado pela dinâmica da própria

sociedade.

É preciso compreender as profissões como complexos multideterminados

moventes e movidos por forças sociais e profissionais. O recorte que será feito na

sequência privilegia o estatuto jurídico para a apreensão da profissionalidade, como

expressão de particularidades sócio-históricas.

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4.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E IMPLICAÇÕES VALORATIVAS NAS PRIMEIRAS

REGULAÇÕES: O SOCIAL “AJUSTÁVEL”

A regulamentação do Serviço Social é iniciada pelo Projeto de Lei 963/1948,

do Deputado Soares Filho (UDN/RJ), tendo sido apresentado em 10 de setembro de

1948 e transformado na Lei 1.889/1953, em 13 de junho de 1953, com publicação

em 20 de junho de 1953. A Lei definia “as finalidades do Ensino de Serviço Social e

sua estruturação e sobre as prerrogativas dos portadores de diplomas de assistentes

sociais e auxiliares sociais”.62

O Decreto nº 35.311, de 02 de abril de 1954, regulamentou a Lei 1.889/53, e

estabelecia, em seu Art. 2º como finalidades do Ensino em Serviço Social, “I - prover

a formação de pessoal técnico habilitado para a execução e direção do Serviço

Social; II - aperfeiçoar e propagar os conhecimentos e técnicas relativas ao Serviço

Social; III - contribuir para criar ambiente esclarecido que proporcione a solução

adequada dos problemas sociais”.

Ainda que os objetivos fossem relativamente limitados, tendo em vista o

processo de gênese da profissão, num contexto sócio-histórico de emergência da

questão social e das consequências do capitalismo em sua fase monopolista, fica

evidenciado uma requisição histórica de atenção aos “problemas sociais”, com sinais

de uma perspectiva de homogeneização das relações sócio-institucionais, com

neutralização de possíveis conflitos sociais, além das marcas da relação com a

assistência social. Aspecto que pode ser identificado na previsão, dentre as

modalidades de Cursos, de extensão “destinado a levar os problemas de assistência

social ao conhecimento da comunidade”.

62 Apenas na Constituição de 1934 a questão da educação é demarcada, destacando-se a responsabilidade da União de "traçar as diretrizes da educação nacional" (art. 5º) e "fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino em todos os graus e ramos, comuns e especializados" para "coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território do país" (art. 150º). A primeira Lei de Diretrizes Básica foi publicada em 20 de dezembro de 1961 pelo presidente João Goulart. Suas principais características são: maior autonomia aos órgãos estaduais, diminuindo a centralização do poder na União (art. 10); regulamentação de Conselhos Estaduais de Educação e do Conselho Federal de Educação (art. 8 e 9); garantia do empenho de 12% do orçamento da União e 20% dos municípios com a educação (art. 92); obrigatoriedade de matrícula nos quatro anos do ensino primário (art. 30); ensino religioso facultativo (art. 97), entra outros.

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Com duração mínima de três anos os Cursos chamados “ordinários” em

Serviço Social, contavam, na previsão legal, com as seguintes disciplinas: “I - 1ª

Série a) Sociologia; b) Ética Geral; c) Psicologia; d) Estatística; e) Noções de

Direito; f) Higiene e Medicina Social; g) Introdução ao Serviço Social; h) Serviço

Social de Casos; i) Serviço Social de Grupos. 2ª Série - a) Economia Social; b)

Legislação Social; c) Ética Profissional; d) Higiene Mental; e) Pesquisa Social; f)

Atividades de Grupo; g) Organização Social da Comunidade. III - 3ª Série. a)

Administração de Obras Sociais; b) Organização Social da Comunidade; c) Pesquisa

Social.

Além das disciplinas obrigatórias o acadêmico deveria optar por um conjunto

de disciplinas, relativas aos seguintes setores: “I - Família: a) Serviço Social da

Família; b) Puericultura; c) Economia Doméstica. II - Menores: a) Serviço Social de

Menores; b) Direito do Menor; c) Aspectos psico-pedagógicos da conduta do menor.

III - Médico Social: a) Serviço Social Médico; b) Aspectos médico sociais das

moléstias; c) Nutrição. IV - Trabalho: a) Serviço Social do Trabalho e Técnicas

auxiliares; b) Higiene e Segurança do Trabalho”. A Escola deveria garantir pelo

menos dois dos chamados Setores de Especialização.

Importante observar na análise da legislação elementos que conformam a

especificidade, as prerrogativas, ou mesmo atribuição privativa, tanto no Art. 6º que

prevê cadeiras específicas para o ensino das matérias definidas, entre elas de

Introdução ao Serviço Social; Serviço Social de Casos; Serviço Social de Grupos; e

Organização Social da Comunidade. Mas é no parágrafo 2º do mesmo artigo que

explicitado: “São privativas dos Assistentes Sociais as cadeiras III, IV, V, VI e VII e

as que vierem a ser criadas de acordo com o parágrafo anterior e assim forem

declaradas pelo Conselho Nacional de Educação”. É estabelecido no Art. 10,

parágrafo 2º que “só os Assistentes Sociais podem ocupar o cargo de Diretor de

Escola”, além de outras funções previstas, notadamente supervisores e monitores

(Art. 12).

A moralização de um perfil profissional voltado ao ajustamento do indivíduo

ao padrão instituído encontra ressonância nas condições para a “inscrição ao

concurso de habilitação”. Destaca-se como exigência o “atestado de idoneidade

moral” e o “atestado de sanidade física e mental” (Art. 15).

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Interessante notar que o agente social é incorporado à profissão de assistente

social, independente de funções administrativas, especialmente os que já atuavam

há mais de cinco anos antes da legislação. Tal conflito de regulação está presente,

na atualidade, em vários órgãos públicos e vem sendo recuperado em

regulamentações independente do Serviço Social, a exemplo do Sistema Único de

Assistência Social, diante do processo de organização da gestão do trabalho.63

Cabe sublinhar que constitui dificuldade política e institucional precisar atribuições no

âmbito das políticas sociais, quanto à definição de profissões fronteiras no que se

refere ao “social”, a exemplo do agente social, do educador social, do auxiliar social,

do cuidador social, e mesmo do psicólogo social.64

As primeiras legislações que regulamentam e direcionam o Ensino e a

profissão em Serviço Social, encontram respaldo no Código de Ética dos Assistentes

Sociais. A justificativa da necessidade de uma “Deontologia do Serviço Social”

relacionada a uma atividade imaterial, já que “trata com pessoas humanas

desajustadas ou empenhadas no desenvolvimento da própria personalidade”,

fundamentou a criação de Código de Ética dos Assistentes Sociais (1947).

O Código de Ética foi formulado pela Associação Brasileira de Assistentes

Socais – Seção São Paulo, e aprovado em 29 de setembro de 1947. A ABAS em

sua resolução nº 1 cria o Conselho de Ética e seu Estatuto, para o julgamento de

“acusações contra assistentes sociais”, funcionando assim como tribunal de ética

específico, observando que se trata de uma demanda dos próprios assistentes

sociais.

63 A Norma Operacional do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS/05), a Norma Operacional de Recursos Humanos (NOB/RH/SUAS), a Resolução nº 17 do CNAS e a Política Nacional de Educação Permanente, dão centralidade à gestão do trabalho como exigência na implementação do próprio SUAS, como pessoal em relação aos serviços/equipamentos.

64 O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional definiu por meio da Resolução Nº 383, de 22 de dezembro de 2010, as competências do Terapeuta Ocupacional nos Contextos Sociais. No Art. 1º é estabelecido que “o terapeuta ocupacional, no âmbito de sua atuação, é profissional competente para atuar em todos os níveis de complexidade da política de assistência social, do desenvolvimento socioambiental, socioeconômico e cultural”. Na Resolução nº 406/11, o Conselho definiu a especialidade terapeuta ocupacional nos contextos sociais. O movimento regulatório da referida profissão, num ambiente de disputa por legitimidade, explicita a dinâmica das profissões na esfera do Estado e de suas respectivas organizações, mas não significa massificação de tal intervenção em comparação ao Serviço Social.

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Com um ordenamento jurídico simplificado o Código está organizado em

cinco seções. A primeira trata dos deveres fundamentais dos assistentes sociais,

cabendo aqui um registro de seu conteúdo valorativo:

1. Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus , os d ire i tos natura is do homem, inspirando -se sempre, em todos seus atos prof iss ionais , no bem comum e nos d ispos it ivos de le i , tendo em mente o juramento prestado diante do testemunho de Deus.

2. Guardar r igoroso s ig i lo , mesmo em depoimentos, pol ic iais , sobre o que saiba em razão de seu of íc io.

3. Zelar pelas prerrogativas de seu cargo ou funções e respeitar as de outrem.

4. Recusar sua colaboração ou tomar qualquer at i tude que cons idere I legal , Injus ta ou Imoral .

5. Manter uma at i tude honesta, correta, procurando aperfeiçoar sua personalidade e dignif icar sua profissão .

6. Levar ao conhec imento do órgão competente da ABAS – Secção de São Paulo, qualquer transgressão a este Código.

7. Manter situação ou atitude habitual de acordo com as leis e bons costumes da comunidade (Código de Ét ica de 1947. Gr ifos nossos) .

A moralidade impressa nos deveres fundamentais reproduz o significado

social da profissão na particularidade do desenvolvimento do capitalismo, num

contexto de “acomodação” de projetos reformistas, que representando interesses e

valores plasmados em projetos conservadores, infiltram nas estruturas do Estado, a

exemplo da anterior criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, e

constituem uma ampla rede pública e privada de atuação, em resposta à questão

social.

Importante destacar que havia um contexto particular na educação que

precisa ser considerado. É emblemático a reposta do Estado em face da

convergência e conflito de projetos. O chamado Manifesto dos Pioneiros, difundido

em 1932 com intuito de tensionar o governo a estruturar a educação pública e laica,

é exemplar, engendrando condições, relacionadas com o processo de

industrialização, de centralidade da “técnica”, de implementação de políticas

educacionais. 65

65 O "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" foi escrito em 1932 durante o governo de Getúlio Vargas, expressando defesas de parte da elite intelectual que, muito embora reunisse posições ideológicas e políticas antagônicas, impulsionavam a estruturação de políticas

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Na Seção II do Código estão estabelecidos os deveres do assistente social,

com destaque para o primeiro: “Respeitar no beneficiário do Serviço Social a

dignidade da pessoa humana, inspirando-se na caridade cristã”. Observa-se aí, uma

explicita orientação religiosa nas condutas profissionais.

A Seção III trata dos deveres dos assistentes sociais para com os colegas, a

Seção IV dos deveres com a organização em que trabalha, e a Seção V apenas das

disposições gerais. Para fins das análises percorridas no desenvolvimento da

presente tese, importante ressaltar o seguinte dever do assistente social: “Tratar os

superiores com respeito, o que não implica restrição de sua independência quanto

às suas atribuições em matéria específica de Serviço Social”.

Não se encontra no Código de Ética dos Assistentes Sociais e da

Regulamentação do Ensino em Serviço Social, até então, definições mais explicitas

das competências e atribuições privativas, bem como do que seja matéria Serviço

Social, embora seja essa uma finalidade de regulamento específico. Assim, As

especificidades da profissão ficam mais restritas aos modelos aplicados, ou seja,

Serviço Social de caso, de grupo e de desenvolvimento de comunidade.

Tais definições reforçam a centralidade da formação que pelas diretrizes e

matrizes teóricas incidentes dão o direcionamento de um fazer profissional voltado

ao desenvolvimento do caráter dos indivíduos desajustados ao meio social, visando

sua promoção, a solução dos problemas sociais, por meio da pesquisa como

instrumentação da manipulação de variáveis imediatas.

educacionais. Entre os 26 intelectuais destacam-se: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Antônio F. Almeida Junior , Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. O documento se tornou o marco inaugural do projeto de renovação da educação no país. Além de afirmar a desorganização do aparelho escolar, propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. A Igreja Católica criticou o documento por ter naquele contexto controle de grande parte das escolas da rede privada. “A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões "liberais" (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional e sem abrir os seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos, elevando-as a todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todas” (Manifesto dos Pioneiros).

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4.2 A MONOPOLIZAÇÃO DO SABER E DO FAZER NO SOCIAL: O SIGNIFICADO

DA PRIMEIRA REGULAMENTAÇÃO

A organização dos primeiros instrumentos normativo-jurídicos responde a um

contexto de desenvolvimento do capitalismo com expressões imediatas de

crescimento urbano-industrial estimulado pelo Estado, com consequências sociais. A

formação profissional atende ao comando do imperativo crescente da técnica, da

industrialização acompanhada por políticas de “ajuste” e contenção dos efeitos

deletérios.

Como consequência a um projeto político de incentivo à “técnica” e

mecanismos de “controle” do social, sob a ideologização do Estado provedor e do

desenvolvimentismo, é que a profissão é regulamentada em 1957, por meio da Lei

nº 3.252, com incorporação dos agentes sociais nos termos da Lei nº 1.889/53.

A profissão passa a ser regulamentada, delimitando, assim, pela

normatividade, um campo de intervenção que evoca para si o “agir no social”, o

assistir, o servir. Etimologicamente servir vem do latim “servitum”, que significa

escravidão, servidão, gerando o substantivo “servo”, o adjetivo “servil” e o verbo

“servir”. Diferentemente dos países que atribuem ao trabalho social a tarefa de

formar trabalhadores sociais, no Brasil percebe-se uma relação direta com a

necessária formação voltada aos serviços sociais em estruturação, a exemplo do

Conselho Nacional de Serviço Social, instituído em 1938, anterior à regulamentação

da profissão, com a função de manifestar-se sobre “questões sociais” e opinar sobre

subvenções e “obras sociais”.

A legislação reflete o período de estruturação dos serviços sociais públicos

estatais e paraestatais, num contexto em que se delegam aos assistentes sociais

funções de direção e execução de serviço social, o que já evidencia a frágil distinção

entre serviços sociais e serviço social como profissão.66

66 O contexto histórico de gênese e consolidação da profissão expressa o avanço do capitalismo de base fordista, com intensificação dos mecanismos de controle dos conflitos de classe, desencadeando a criação de ministérios, caixas de aposentadoria e pensão, órgãos de incentivo à organização das instituições assistenciais, capitaneada pelo Conselho Nacional de Serviço Social e a Legião Brasileira de Assistência Social. A progressiva intervenção do Estado na questão social, diante da ideologização do desenvolvimentismo, impulsionou a origem das profissões de intervenção no social, funcional a uma política burocratizada, patrimonialista e assistencialista. A ampliação das profissões se dá num período de intensa mobilização de massa (a exemplo da Ação Libertadora Brasileira, liderada pelo fascista Plínio Salgado; esquerda – Aliança Nacional

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A Lei nº 3.252 de 1957 regulamenta a profissão de assistente social num

período de difusão ideo-política do desenvolvimentismo, base da renovação do

Serviço Social entre as décadas de 1960 e 1970. Com frágil definição das

atribuições profissionais, percebe-se uma preocupação em especificar o monopólio

profissional em funções relativas ao Serviço Social, como definido no artigo 3º:

Art . 3º São atr ibuições dos assis tentes soc ia is: a) d ireção de escolas de Serviço Socia l; b) ens ino das cadeiras ou d iscip l inas de serviço soc ia l ; c) d ireção e execução do serviço soc ia l em estabelec imentos públ icos e part icu lares; d) apl icação dos métodos e técnicas específ icas do serviço soc ia l na solução de problemas soc ia is. Ar t . 4º Só ass istentes soc ia is poderão ser admit idos para chef ia e execução do serviço soc ia l em estabelec imentos públ icos, paraestatais , autárquicos e de economia mista ( . . . ) Ar t . 5º Nas escolas of ic iais de Serviço Social , que se cr iarem, apenas Ass istentes Socia is poderão assumir os cargos docentes, de direção, secretar ia e supervisão, excetuando-se, no caso do ens ino, as cadeiras ou d iscip l inas que pelo seu programa, possam ou devam ser ens inados por outros prof iss ionais.

A expansão significativa de serviços e a requisição institucional por trabalho

qualificado são aspectos percebidos pela flexibilização na própria regulamentação,

como definido no parágrafo único do artigo 4ª: “Em caráter precário, até 31 de

dezembro de 1960, poderão ser admitidos para o Serviço Social, nos vários órgãos

públicos, paraestatais, autárquicos e de economia mista, candidatos não

diplomados, desde que estejam cursando o 3º ano de Escola de Serviço Social”.

O respaldo ético para o desenvolvimento das atribuições será atualizado

apenas em 1965 com a vigência do então novo Código de Ética em resposta ao

período de renovação. Sua justificativa está centrada na amplitude técnica e

científica do Serviço Social, com “maiores encargos e responsabilidades”, diante da

“complexidade do mundo moderno”.

O Código, “alicerçado nos direitos fundamentais do homem e nas exigências

do bem comum”, não altera seu fundamento ético, mas expressa a preocupação

com a atualização da profissão em resposta à ideologia desenvolvimentista. Assim,

Libertadora, liderada por Luis Carlos Prestes), e fortalecimento dos instrumentos de regulação de profissões e da organização política dos trabalhadores, resultando na Consolidação das Leis do Trabalho. Outro determinante fundamental a ser destacado é o processo de mundialização dos sistemas de proteção pós-segunda guerra mundial.

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em seu artigo 1º define a profissão como de caráter liberal, de “natureza

técnico‐científica”.

Comparece uma base ética liberal, amparada, ainda, no princípio da

autodeterminação, do respeito às posições filosóficas, políticas e religiosas, numa

perspectiva “liberalizante”, tendo em vista a permanência dos princípios da

autodeterminação e da dignidade da pessoa humana.

Elementos como integração social, estabilidade, bem como, colaboração para

a ordem social justa, correção de desníveis sociais e progresso, espelham um perfil

profissional que vocaliza sua prática sustentada em fundamentos teórico-

metodológicos e ideo-políticos, orientados por um projeto societário reprodutor e

“naturalizador” das relações sociais. Os comandos éticos e políticos podem ser

identificados nos artigos abaixo, relacionados justamente aos deveres profissionais.

Art . 6° O ass istente socia l deve zelar pela família , grupo natura l para o desenvolvimento da pessoa humana e base essenc ial da soc iedade, defendendo a pr ior idade dos seus d ire i tos e encorajando as medidas que favoreçam a sua estabi l idade e in tegr idade.

Art . 7° Ao ass is tente soc ial cumpre contribuir para o bem comum, esforçando-se para que o maior número de cr iaturas humanas dele se benef ic iem, capac itando indivíduos, grupos e comunidades para sua melhor integração social .

Art . 8° O ass is tente soc ia l deve colaborar com os poderes públ icos na preservação do bem comum e dos d ire itos indiv iduais, dentro dos pr inc ípios democrát icos, lu tando inclus ive para o estabelec imento de uma ordem socia l jus ta.

Art . 9° O ass istente soc ia l est imulará a part ic ipação indiv idual, grupal e comunitár ia no processo de desenvolv imento, propugnando pela correção dos desníveis sociais.

Art . 10° O ass is tente soc ia l no cumpr imento de seus deveres cív icos colaborará nos programas nac ionais e internac ionais, que se dest inem a atender às reais necess idades de melhor ia das condições de v ida para a sua pátr ia e para humanidade (Código de Ét ica de 1965) .

Prevalecem, na relação entre a formação social e o exercício profissional,

competências e atribuições direcionadas para a solução imediata de “vários

problemas sociais” (Art 19°) que afetam “clientes, grupos e comunidades”,

colaborando, por meio de “recursos pessoais e técnicos, para o desenvolvimento

solidário e harmônico do país” (Art. 22). A noção abstrata de justiça social sustenta,

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neste contexto, mediações cotidianas com efeito de reforçar valores dominantes e

justificadores da sociedade desigual estrutural.

O perfil político “da” assistente social fica restrito ao sentido da colaboração

com entidades (Art. 31), da crítica com “discrição” (parágrafo único do Art. 21), da

imparcialidade no desenvolvimento do trabalho em equipe (Art. 33), do “respeito e

cortesia devidos, usando discrição, lealdade e justiça no convívio que as obrigações

do trabalho impõem” (Art.24); do espírito de lealdade, solidariedade, devendo abster-

se “de críticas e quaisquer atos suscetíveis” que possam prejudicar o “colega”,

“observando os deveres de ajuda mútua profissional” (Art. 29).

O Decreto nº 994, de 15 de maio de 1962, que regulamenta a Lei nº 3.252/57,

que dispõe sobre o exercício da profissão de Assistente Social, especifica em seu

artigo 5º as prerrogativas profissionais, compreendidas como atribuições. Além da

direção de Escolas de Serviço Social, das responsabilidades em disciplinas

específicas, destaca-se, o planejamento e a direção do serviço social em órgão e

estabelecimentos públicos autárquicos paraestatais, de economia mista e particular;

a assessoria técnica em assuntos de Serviço Social; a realização de perícias,

judiciais ou não, e elaboração de pareceres sobre matéria de Serviço Social.

O mesmo artigo estabelecia, ainda, as seguintes atribuições: a) integrar

comissão examinadora de concursos e provas em cadeiras ou disciplinas

específicas de Serviço Social, assim como representar congregação ou corpo de

professores em conselho universitário; b) participar de comissões, congressos,

seminários e outras reuniões específicas de Serviço Social, como representante dos

poderes públicos, da classe de órgãos e estabelecimentos de Serviço Social

públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares.

Nas definições do Decreto comparece como atribuição específica matéria de

Serviço Social. Mas chama atenção a menção da prerrogativa de representar

poderes públicos, muito embora em eventos específicos, o que alimenta, desde o

princípio, a associação direta entre serviços sociais e Serviço Social.

O Código de 1975 expressa a atualização da ética profissional num contexto

desenvolvimentista e de autocracia burguesa, com forte orientação

positivista/funcionalista, pela compreensão das profissões como componentes do

“bem total humano”, a partir de valores sociais “como honestidade e verdade”, pelo

entendimento da profissão como parte de um funcionamento social maior:

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A prof issão é mais do que um trabalho or ientado para a subs is tênc ia dos que a exercem: é um dos fundamentos da estruturação da soc iedade, de sua organização em uma divers idade de grêmios prof iss ionais, representa val io so instrumento de defesa soc ia l (Código de Ét ica de 1975).

A “pessoa humana” é o valor central do Código, entendida como “centro,

objeto e fim da vida social”. Outros valores são associados: bem comum; e justiça

social. Atribui-se à comunidade profissional o significado de forma social conatural,

coessencial ao homem, e “condicionante de um certo desenvolvimento histórico da

civilização”. Para o exercício de uma função social na sociedade postulam-se, no

referido Código, os seguintes princípios:

I . Autodeterminação – que poss ibi l i ta a cada pessoa, f ís ica ou jur íd ica, o agi r responsável, ou seja, o l ivre exercíc io da capac idade de escolha e dec isão; I I . Par t ic ipação – que é presença, cooperação, sol idar iedade at iva e corresponsabi l idade de cada um, nos mais divers if icados grupos que a convivênc ia humana possa ex igir ; I I I . Subs id iar iedade que é elemento regulador das re lações entre os indivíduos, inst i tu ições ou comunidades, nos d iversos p lanos de integração soc ia l .

Entre os direitos do assistente social previstos no Código de Ética de 1975,

em seu artigo 4º, comparece a preocupação, quanto ao “status” profissional, o “a.

Reconhecimento do Serviço Social como profissão liberal, incluída entre as de nível

universitário; b. Garantia das prerrogativas da profissão, e de defesa do que lhe é

privativo; c. Acesso às oportunidades de aprimoramento da formação profissional”.

Sobressai a defesa da profissão na divisão social e técnica do trabalho, cabendo,

por indefinição regulatória, à formação profissional delimitar o campo de

especificidade.

Quanto aos deveres profissionais (Art. 5º), especificamente nas relações com

o “cliente”, destaca-se uma tendência terapêutica na delimitação ética: “a. Utilizar o

máximo de seus esforços, zelo e capacidade profissional em favor ao cliente; b.

Esclarecer o cliente quanto ao diagnóstico, prognóstico, plano e objetivos do

tratamento, prestando à família ou aos responsáveis os esclarecimentos que se

fizerem necessários”.

O credencialismo profissional identificado na regulamentação e regulação da

profissão até a década de 1980, sobretudo pela ruptura expressa no Código de 1986

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e no legado da reconceituação, é “umbilicalmente” identificado com o pensamento

social positivista, implicando uma profissionalidade ajustadora do social e difusora de

valores conservadores.

A presença de valores na vida social é algo inevitável, é ontológico. A questão

é saber que ética conduz as práticas profissionais cotidianas, ainda que não se

tenha a certeza das objetivações de finalidades conscientemente planejadas. É fato

que a ausência de conhecimento crítico e compromisso político limitam as

possibilidades de materialização de uma ética profissional democratizante ou

emancipatória.

A nova profissionalidade ganha contornos estruturantes com a incidência de

referentes teórico-metodológicos que interpelam a dinâmica da vida em sociedade,

pela crítica ao tradicionalismo predominante. A análise do fazer profissional

engendrou o modelo de competências reconstruído na direção da objetivação dos

valores e princípios éticos, configurando um novo perfil profissional.

4.3 IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E “EPISTEMOLÓGICAS” NA FORMAÇÃO

PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL: NOVO PERFIL, NOVAS

“COMPETÊNCIAS”

As décadas de 1970/80 retratam um período de transformações no Serviço

Social, no movimento de ruptura e continuidade, num contexto de maior

intensificação da superação do conservadorismo que configurou a profissão, em

sintonia às transformações societárias, dimensionada pela crise da acumulação

capitalista e a “mundialização” do paradigma da flexibilização na década de 1970, a

crise da autocracia burguesa no Brasil, mesmo num período de crescimento

econômico, e da visibilidade pública das forças sociais democráticas, notadamente a

criação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, e da Central Única dos

Trabalhadores – CUT, em 1983, expressando novas alianças políticas alinhadas a

um projeto societário que rompe com a hegemonia estabelecida. Trata-se, portanto,

de um cenário de intensificação das lutas de classes alimentadas e engendradas

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nas referências teórico-metodológicas polarizadas entre a defesa da restauração e

da ruptura da sociabilidade burguesa.

Os países latino-americanos protagonizavam processos de reconceituação no

âmbito do Serviço Social que configuravam elementos de proximidade e

particularidade, conjugando, especialmente, crescente interferência do imperialismo

estrangeiro, governos autoritários, redemocratização e participação estudantil

(CELATS/ALAETS, 1979), o que no caso da profissão possibilitou o surgimento de

uma nova vanguarda.

Especialmente na dimensão política presencia-se na América Latina uma

nova base ideo-política, capitaneada por sujeitos políticos que se organizam na

clandestinidade com apoio de setores progressistas da Igreja, na luta pela ruptura

das amarras imperialistas, luta pela transformação social e ruptura com a estrutura

excludente, concentradora (FALEIROS, 1987), num quadro histórico de

aprofundamento da desigualdade, e suas expressões mais agudizadas como a

miséria e a fome.

As transformações internas da profissão estão implicadas na dinâmica da luta

entre projetos societários, trazendo consequências diretas como a politização do

perfil profissional, “descortinando”, assim, a falsa neutralidade difundida pelo

positivismo, impulsionando a proposição de um novo projeto de formação

profissional sintonizado com as transformações societárias.

Na década de 1970 observa-se a fértil construção, aprofundada na década de

1980, de novas bases para a crítica sistemática do Serviço Social conservador,

denunciado quanto à sua vinculação funcional ao capitalismo e as formas

institucionais de subalternização da classe trabalhadora. O movimento de

reconceituação ofereceu condições para a formação da base ideo-política que

sustentaria o novo projeto profissional. Por meio da apreensão das teorias e

disciplinas sociais, a partir do rearranjo de suas tradições e do pensamento social

contemporâneo, o Serviço Social se afirma na perspectiva da validação teórica na

divisão sócio-técnica do trabalho (NETTO, 1998).

O movimento político-cultural de contestação do tradicionalismo profissional e

da própria realidade latino-americana formou suas bases sócio-históricas num

contexto de polarização de projetos societários – capitalismo em detrimento do

socialismo real, na afirmação das lutas sociais libertárias e de crítica à sociabilidade

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do capital, em sua fase expansionista; de resposta desenvolvimentista à crise do

capital nas décadas de 1960/70; e de resistência à autocracia burguesa instalada na

América Latina.

É neste contexto social, político, econômico e cultural, que se destacam as

entidades representativas dos assistentes sociais latino-americanos – Associação

Latinoamericana de Trabajo Social – ALAETS, e o Centro Latino americano de

Trabajo Social – CELATS. Tais entidades fortaleceram a ampliação do horizonte da

profissão voltada às particularidades da realidade latino-americana. Ressalta-se,

que “a presença do Brasil foi decisiva na constituição do Serviço Social crítico latino-

americano”, solidificando as bases do que hoje se denomina de projeto ético-político

profissional (IAMAMOTO, 2003, p.105). Observa-se uma presença significativa na

América Latina, inclusive na atualidade pela circulação de conhecimentos, já a

inserção internacional pode ser considerada recente, tendo em vista a filiação

brasileira junto à Federação Internacional de Trabalhadores Sociais ocorrer apenas

na gestão 1999/2002 do CFESS (TEIXEIRA, 2003).67

O que se configurava era a construção de uma “resistência político

profissional à regressão conservadora, transformada num desafio que animou o

Serviço Social brasileiro ao longo dos últimos vinte anos”. Processo que possibilitou

a construção de um projeto político-profissional, “vitalizado por um forte investimento

teórico-crítico e político de resistência ao neoliberalismo e à pós-modernidade

enquanto lógica cultural do capitalismo tardio”. O que se evidencia, é solidificação de

uma base organizativa filiada às lutas emancipatórias, com forte presença nos meios

profissionais, num contexto de “fortalecimento de um movimento sindical de âmbito

nacional representado pela Associação Nacional de Assistentes Sociais (ANAS) e

67 Nos últimos anos a atuação do Serviço Social junto à FITS vem sendo ampliada, reconhecendo-se

os limites deste espaço. Entre as ações notadamente se destaca a produção de uma definição de Serviço Social pelos representantes da América Latina e Caribe em 13 de agosto de 2011. “O/a Trabalhador Social ou Assistente Social atua no âmbito das relações entre os sujeitos sociais e, entre eles, o Estado. Desenvolve um conjunto de ações de caráter socioeducativo que incidem na reprodução material e social da vida, com indivíduos, grupos, famílias, comunidades e movimentos sociais numa perspectiva de transformação social. Essas ações visam: fortalecer a autonomia, a participação e o exercício da cidadania; capacitar, mobilizar e organizar os sujeitos, individual e coletivamente, garantindo o acesso a bens e serviços sociais; a defesa dos direitos humanos; a salvaguarda das condições socioambientais de existência; e a efetivação dos ideais da democracia e o respeito à diversidade humana. Os princípios de defesa dos direitos humanos e da justiça social são elementos fundamentais para o Trabalho Social, para que esse trabalho se realize com vistas a combater a desigualdade social e as situações de violência, de opressão, de pobreza, de fome e de desemprego” http://www.cfess.org.br/arquivos/texto-preliminar-workshop-2012.pdf.

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num forte impulso à renovação crítica do conjunto CFESS/CRESS” (IAMAMOTO,

2003, p. 107-109).

A base ético-política construída favoreceu a consolidação de uma nova

direção social estratégica, a partir da oposição ao conservadorismo na profissão, na

crise da autocracia-burguesa no final dos anos 1970 e nos anos de 1980, contexto

de afirmação da cultura da democracia política, fortalecendo a participação cívica e

política de assistentes sociais (SILVA e SILVA, 2009. p.634), da constituição de seu

auto-reconhecimento como classe trabalhadora, como intelectuais orgânicos aos

interesses dos trabalhadores.

No processo de “redemocratização” do país, experimenta os efeitos tardios,

tendo em vista o período autocrático-burguês, dos novos movimentos europeus68,

conjugando novos sujeitos coletivos que vocalizam interesses, princípios e agendas

políticas, capitaneadas, sobretudo pelos novos movimentos sociais, o novo

sindicalismo, a nova estrutura partidária e a queda da ditadura militar (SADER e

GENTILI, 1995).

A realização do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em 1979, na

cidade de São Paulo, o chamado “Congresso da virada”, expressa o momento de

posicionamento político hegemônico de um projeto profissional que revelaria, desde

sua origem, independente das particularidades assumidas, a sintonia com os

interesses e demandas coletivas da classe trabalhadora, trazendo para esfera

pública “componentes democráticos até então reprimidos na categoria profissional”

(NETTO, 2009, p. 669). O Congresso da Virada demarcou novos parâmetros para a

organização da profissão, assinalando o posicionamento ético-político, calcado no

compromisso com os setores populares (ABRAMIDES e CABRAL,1995).

Engendra-se, nos marcos de um contexto transformista, um “projeto

profissional de ruptura”, assinalado por Silva e Silva (2009), entre as décadas de

(1970/80), o que seria a base para a construção e difusão do projeto ético-político

profissional, na década de 1990, contexto de afirmação político, econômica e cultural

do neoliberalismo.

Para a memória cultural e política da profissão é sempre importante reportar

68 O ano de 1968 entrou para a história pelas manifestações estudantis que iniciaram em maio na França, e avançaram pela Europa com repercussões importantes na defesa de reformas e liberdade de expressão.

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que a designação inaugural em espaços coletivos do “Projeto Ético-Político do

Serviço Social” se deu no IX CBAS, realizado em Goiânia, em 1998, tendo como

temário “Trabalho e Projeto Ético-Político Profissional”, com ampla disseminação por

meio da produção do artigo de Netto, em 1999, denominado “A construção do

Projeto ético-político do Serviço Social”. Denominação e debate que encontrou

surpreendente e inesperada ressonância nos meios profissionais e acadêmicos

brasileiros, tendo sido publicado “em Portugal, Espanha e na América Latina”

(NETTO, 2007, p.37), compondo hoje a produção teórica especializada e o

repertório técnico-político dos profissionais.

A superação do entendimento da falsa neutralidade axiológica da prática e a

configuração de perfil politizado foi possível, sobretudo, pela aproximação com a

Igreja renovada; atividades das comunidades eclesiais de base; e incidência do

marxismo (NETTO, 1998; ABREU, 2002). A formação e o exercício profissional

darão centralidade na análise e intervenção a partir de matrizes teórico-

metodológicas, reforçando o pluralismo inaugurado.

A reforma curricular do Serviço Social iniciado nos anos 1980, respondeu ao

contexto histórico do momento e à dinâmica da profissão, sintonizada com a ótica

das relações de classe, dos projetos societários, o que permitiu posicionar-se como

constitutiva da reprodução das classes sociais e do relacionamento contraditório

entre elas (YAZBEK, 1984, p.45).

Ao mesmo tempo refletia o período de expansão anterior quando a profissão

atendeu ao “chamado” modernista, refletido na ampliação progressiva. Na América

Latina, houve um crescimento em torno de 12% quanto à abertura de novas

Escolas. No Brasil, em 1975 havia 48 Escolas e em 1984, 55 cursos, dos quais 14

pertenciam às Universidades Federais, e 32 eram ligados ao ensino privado (Idem).

A vinculação entre Serviço Social e realidade social, e a aproximação do

profissional com as demandas populares, reforçaram a necessária sustentação

teórico-metodológica consistente. A compreensão da profissão engendrada nas

relações contraditórias entre as classes fundamentais, nos processos de reprodução

social, centralizava o projeto profissional como direcionador da formação e do

exercício profissional, com recusa às práticas imediatistas, mecanicistas e

pragmáticas. Partia-se do entendimento de que o desenvolvimento da profissão é

um fenômeno histórico, um movimento resultante das determinações da realidade

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social colocadas à profissão e de sua capacidade de se legitimar diante das

demandas de classes no exercício de sua prática (IAMAMOTO, 2007). Uma prática

que requeria um suporte teórico-metodológico, o que configurou o que seria a

essência da reforma de 1982.

A XXI Convenção Nacional da ABESS, com o tema geral Proposta de

reformulação do currículo mínimo, realizada em 1979, na cidade de Natal, discutiu

os rumos da formação profissional em Serviço Social o que permitiria encaminhar

uma proposta básica ao Conselho Federal de Educação (CFE), culminando com a

aprovação do novo currículo em 1982.

Para a presente análise cabe destacar que no currículo de 1982 já

comparecem elementos que contribuem para a formação de um novo perfil

profissional, sobressaindo a preocupação de formar assistentes sociais com uma

visão global da sociedade, a partir de uma análise histórico-estrutural, capazes de

elaborar instrumentais que problematizem a realidade social. Assim, novos

conteúdos passam a ser centrais para a análise do Estado, da formação social,

econômica e política do Brasil, estrutura agrária e urbanização, processo de

mudança social e “marginalização social”, estudo da realidade nacional e local.

A ruptura com o pragmatismo é anunciada pela necessária produção de

conhecimentos sobre a realidade social, substrato da intervenção profissional. A

pesquisa foi sendo incorporada como dimensão fundamental da intervenção e como

componente estruturante do projeto profissional. Outro aspecto importante é o

debate sobre a falsa dicotomia entre teoria e prática, destacando a necessária

análise crítica das dinâmicas institucionais, no compromisso com a classe

trabalhadora, e da própria profissão que rompe em grande medida com as

perspectivas endógenas e passa a estabelecer uma nova e qualificada interlocução

com as Ciências Sociais.

Avanços importantes possibilitaram a formação de “novas competências”,

posteriormente fortalecidas na reforma curricular de 1996, como a análise das

políticas sociais enquanto espaços contraditórios, recuperando a assistência social

como política pública, a relação entre Estado e profissão, e a centralidade dos

movimentos sociais.

A análise sobre as disciplinas recomendadas espelha a fragmentação na

articulação de conhecimentos, especialmente pela separação em história, teoria e

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metodologia. Portanto, as disciplinas específicas do Serviço Social reproduziam o

entendimento de uma dicotomia entre teoria e prática, com ênfase nos processos

metodológicos, traduzindo uma visão linear da profissão e mesmo evolucionista, em

detrimento do princípio da historicidade, recuperado no entendimento dos

fundamentos históricos e teórico-metodológicos da revisão posterior. Essa

particularidade da formação profissional, até pelo movimento crítico, caudatário da

reconceituação, de superação do pragmatismo profissional, expressa a polarização

entre referentes, dinamizando o pluralismo, a tendência epistemológica na formação

e no exercício profissional condicionando “escolhas” entre, especialmente, a teoria

sistêmica, a fenomenologia ou o materialismo histórico-dialético.

O currículo de 1982 apresentou lacunas e insuficiências, mas possibilitou

avanços importantes na formação do perfil profissional, particularmente pelo reforço

dado à competência teórico-metodológica, possibilitada pela nova interlocução com

as Ciências Sociais, pela produção crítica em expansão, capitaneada pelo marxismo

acadêmico. Outros aspectos se sobressaem: a relação com o usuário como

pertencente à classe trabalhadora, superando a visão reduzida assistente social-

cliente; a centralidade nas estratégias e alianças políticas como recursos

indispensáveis para alteração das dinâmicas institucionais; a superação da falsa

neutralidade axiológica configurando um perfil político e politizante, podendo, pela

adesão aos projetos societários, fortalecer um dos polos em disputa.

O Código de Ética de 1986 incorpora a hegemonização da direção crítica

dada ao definir como princípios e diretrizes para o exercício profissional:

A devolução das informações colh idas nos estudos e pesquisas aos sujei tos soc ia is envolv idos; O acesso às informações no espaço ins t i tuc ional e o incent ivo ao processo de democrat ização das mesmas; A contr ibuição na a lteração da corre lação de forças no espaço inst i tuc ional e o for ta lec imento de novas demandas de interesse dos usuár ios; A denúnc ia das fa lhas nos regulamentos, normas e programas da inst i tu ição e não acatamento de determinação patronal que f ira os pr incíp ios e d iretr izes deste Código; O respeito à tomada de decisão dos usuár ios, ao saber popular e à autonomia dos movimentos e organizações da c lasse trabalhadora; O pr iv i lég io ao desenvolv imento de prát icas colet ivas e o incentivo à par t ic ipação dos usuár ios no processo de dec isão e gestão inst i t uc ional ; A d iscussão com os usuár ios sobre seus d ire i tos e os mecanismos a serem adotados na luta por sua efet ivação e por novas conquis tas; e a ref lexão sobre a necess idade de seu engajamento em movimentos populares e/ou órgãos representat ivos da c lasse

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t rabalhadora; O apoio às in ic iat ivas e aos movimentos de defesa dos interesses da categor ia e à divulgação no espaço inst i tuc ional das informações de suas organizações; A denúnc ia de agressão e abuso de autor idade às organizações da categor ia e aos órgãos competentes; O apoio e/ou a par t ic ipação nos movimentos socia is e orga nizações da c lasse trabalhadora (Código de Ét ica de 1986) .

A direção ética do Código de 1986, expressa uma nova postura de análise e

intervenção no social, nos espaços ocupacionais, com comando expresso de

alteração de sua dinâmica como expressão dos interesses dos usuários na direção

da transformação social.

A relação entre Serviço Social e realização dos direitos será mais centralizada

no Código de 1993, mas no Código de 1986 já comparece a relação orgânica da

profissão com os processos de defesa, ampliação e garantia de direitos; de

fortalecimento da participação popular e dos movimentos sociais. Destaca-se,

portanto, a formação de um perfil voltado ao trabalho com os usuários nos espaços

institucionais, emoldurando uma nova relação política, determinada pelo contexto de

redemocratização, de cultura dos direitos e da participação, e do legado da

renovação profissional.

As diretrizes para o trabalho social expressas no Código anunciam

competências relacionadas que configuram habilidades sociais importantes que

atualizam o Serviço Social para o seu tempo, particularmente no desenvolvimento de

práticas coletivas e protagônicas, tanto nos espaços institucionalizados como

populares, e centralmente a discussão com os usuários sobre os seus direitos e os

mecanismos para sua efetivação.

O movimento de “desfragmentação” do trabalho no social foi desencadeado

na revisão curricular de 1982, na emblemática superação do Serviço Social de caso,

grupo e comunidade, e na assunção da história, metodologia e teoria, o que não

significou “desfragmentação” dos suportes teórico-metodológicos para a

compreensão da sociedade e da profissão, nem tão pouco, superação da falsa

dicotomia entre teoria e prática.

A aproximação ou interlocução com as Ciências Sociais incide na

reconstrução de referentes teórico-metodológicos, particularizados no materialismo

dialético, no estrutural-funcionalismo, na teoria sistêmica e na fenomenologia, a

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partir do processo de renovação da profissão, em resposta às transformações

contemporâneas, à ideologia desenvolvimentista, configurando traços de uma

renovação (NETTO, 1998).

O currículo de 1982 revela uma tendência epistemológica na formação que

possui limites próprios da reconstrução em curso e possível pela forma como se

configurou a reconceituação no Brasil. Entretanto, o que se quer retratar aqui é a

construção de um projeto de formação profissional que traduz a preocupação com o

rigor teórico-metodológico, com a pesquisa, com referentes explicativos e

interventivos no social, forjando uma nova profissionalidade. Elementos estes que

serão incorporados no contexto reformista da construção da nova base normativo-

jurídica da profissão.

4.4 CONTEXTO REFORMISTA E AS DIRETRIZES CURRICULARES

Em 20 de dezembro de 1996 foi promulgada a nova lei das Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9394, abrindo espaço e impulsionando a

construção do processo de normatização das Diretrizes Gerais para o Curso de

Serviço Social.

O processo de revisão das diretrizes de 1982 e a construção das diretrizes de

1996, que balizam a formação de assistentes sociais até a atualidade, expressaram

um amplo movimento num contexto de ampliação do ensino privado, porém de

Instituições de Ensino Superior - IES referenciadas territorialmente, possibilitando

condições mais favoráveis para a direção da formação profissional pelas entidades

da profissão.69

69 A Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS promoveu e coordenou com o Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social - CEDEPSS, órgão acadêmico que na época articulava a Pós-Graduação em Serviço Social, um amplo processo de mobilização das Unidades de Ensino de Serviço Social no país. Este processo de mobilização contou com o apoio e participação da Entidade Nacional representativa dos profissionais de Serviço Social, por meio da ENESSO - Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social e do CFESS - Conselho Federal de Serviço Social. Entre 1994 e 1996 foram realizadas aproximadamente 200 (duzentas) oficinas locais nas 67 Unidades Acadêmicas filiadas a ABESS, 25 (vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais. Em 1996 foram realizadas oficinas que contaram com a assessoria de um grupo de consultores que culminou com a elaboração do documento intitulado: “Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional: novos subsídios

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O contexto histórico de construção das novas diretrizes para a formação em

Serviço Social é adverso ao projeto profissional em consolidação, tendo em vista as

investidas neoliberais, que seguem os ditames dos organismos internacionais como

o Fundo Monetário Internacional, com impactos diretos na formação e no exercício

profissional. O que se observa é a prevalência da “lógica empresarial”, da

“rentabilidade imediata”, priorizando, na relação custo/benefício, a “quantificação em

detrimento da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão” (CARDOSO, 2000,

p. 9).

Na contramão da programática neoliberal, as novas diretrizes curriculares em

Serviço Social particularizam a profissão no conjunto das relações de produção e

reprodução da vida social, de caráter interventivo no âmbito da questão social,

compreendida como fundamento sócio-histórico da própria profissão.70 Sobressai a

elaboração de um projeto nacional de formação profissional, sob a direção da agora

ABEPSS, “referendado pela Comissão de Especialistas do MEC e encaminhado ao

Conselho Nacional de Educação”. O processo de ampla revisão da formação é

acompanhado pela regulamentação ético-profissional, revelando o compromisso

com a emancipação humana, com expressiva ampliação da articulação política

nacional e internacional (IAMAMOTO. 2003, p. 109).

Nos seminários promovidos pela ABEPSS na década de 1990 sobressaem

polêmicas sobre eixos centrais da formação em Serviço Social, particularmente a

política social, os padrões de proteção social e a relação história/teoria/método.

Assim, foram resgatados elementos estruturantes da análise da profissão na

realidade social, e que dão concretude à profissão na realidade em movimento, a

partir de uma perspectiva histórico-social (ABESS/CEDEPSS, 1997).

As diretrizes curriculares de 1996 sinalizam um adensamento da análise da

profissão na história da expansão e desenvolvimento do capitalismo, com destaque

para o debate”. Na fase final do processo de revisão curricular as proposições das Unidades de Ensino foram sistematizadas, resultando em seis documentos regionais a partir dos quais a Diretoria da ABESS, a representação da ENESSO e do CFESS, o Grupo de Consultores de Serviço Social e a Consultoria Pedagógica elaboraram a “Proposta Nacional de Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social”. Proposta esta apreciada e aprovada em Assembleia Geral da ABESS durante a II Oficina Nacional de Formação Profissional, realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 1996.

70 Outro eixo central das diretrizes é a relação entre serviço social e trabalho. Tal definição traz implicações teóricas e políticas até o presente, sobretudo pela designação do serviço social como trabalho, com processos de trabalho específicos. Cf. Lessa (2000, 2008), Iamamoto (1998).

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para a fase monopolista, projetos societários, configuração do Estado e sua relação

com a sociedade civil, o movimento das classes, o pensamento social na sociedade.

A proposta curricular recupera, num novo patamar, as particularidades teórico-

metodológicas, considerando a constituição e desenvolvimento da sociedade

burguesa.

A construção do conjunto de conhecimentos indissociáveis é traduzida nas

diretrizes curriculares como núcleos de fundamentação: fundamentos teórico-

metodológicos da vida social; fundamentos da formação sócio-histórica da

sociedade brasileira e fundamentos do trabalho profissional. Núcleos que agregam

disciplinas centrais para o desenvolvimento de competências para o exercício

profissional.

A direção social dada ao projeto profissional, por ser crítico-dialética, propõe o

desenvolvimento de conhecimentos que superem a cisão entre história, teoria e

método, na perspectiva da reconstrução teórico-prática, por meio de um sistema de

mediações orientadas por projetos de sociedade, atribuindo, desse modo, novo

estatuto à dimensão interventiva.

Coloca-se em evidência o significado da competência teórica, no modo de ler,

de interpretar, de explicar a sociedade e os fenômenos particulares que a constituem

(IAMAMOTO, 2003). A leitura crítica da realidade, da sociedade, ganha centralidade,

na relação entre o imediato e mediato, visando à apreensão da constituição, do

desenvolvimento e da transformação da sociedade burguesa, das manifestações e

do enfrentamento da questão social, que passa a ser a base de constituição da

profissão e articuladora dos conteúdos da formação profissional (ABESS/CEDEPSS,

1997).

A revisão curricular foi balizada pelos seguintes pressupostos básicos:

1.O Serviço Soc ia l se part icu lar iza n as re lações soc ia is de produção e reprodução da v ida soc ia l como uma prof issão intervent iva no âmbito da questão soc ia l , expressa pelas contradições do desenvolv imento do capita l ismo monopol ista; 2. A re lação do Serviço Soc ia l com a questão socia l - fundamento bás ico de sua ex is tênc ia - é mediat izada por um conjunto de processos sócio -h istór icos e teór ico-metodológicos const i tut ivos de seu processo de trabalho; 3 - O agravamento da questão soc ial em face das part icu lar idades do processo de reestruturação produtiva no Bras i l , nos marcos da ideologia neol ibera l, determina uma inf lexão no campo prof iss ional do Serviço Soc ia l. Esta inf lexão é resultante de

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novas requis ições postas pelo reordenamento do capi ta l e do trabalho, pela reforma do Estado e pelo movimento de organização das c lasses trabalhadoras, com amplas repercussões no mercado prof iss ional de trabalho; 4 - O processo de trabalho do Serviço Soc ia l é determinado pelas conf igurações estrutura is e conjuntura is da questão soc ia l e pelas formas h istór icas de seu enfrentamento, permeadas pela ação dos t rabalhadores, do capi tal e do Estado, através das pol í t icas e lutas soc ia is (ABEPSS, 1996, p. 5-6).

A capacitação profissional - nas dimensões teórico-metodológica, ético-

política e técnico-operativa - expressa competências e habilidades na formação

profissional em Serviço Social. Nas diretrizes opera-se uma reconstrução do

conceito de competências.

A formação prof iss ional deve viabi l izar uma capac itação teór ico-metodológica e ét ico-pol í t ica, como requis ito fundamental para o exercíc io de at iv idades técnico -operat ivas, com vis tas à apreensão crí t ica dos processos soc ia is numa perspect iva de tota l idade; Anál ise do movimento h istór ico da soc iedade bras i leira, apreendendo as part icu lar idades do desenvolv imento do capi ta l ismo no país; Compreensão do s ignif icado soc ia l da prof issão e de seu desenvolv imento sóc io-h istór ico, nos cenár ios internac ional e nac ional , desvelando as possib i l idades de ação cont idas na real idade; Ident i f icação das demandas presentes na soc ied ade, v isando formular respostas prof iss ionais para o enfrentamento da questão soc ia l , cons iderando as novas art iculações entre o públ ico e o pr ivado (MEC, 1999, p.1) .

A adoção da teoria social crítica é identificada na compreensão dos núcleos

da formação sócio-histórica, da vida social e do trabalho profissional, numa

perspectiva de totalidade, historicidade e contradição para a apreensão dos

processos sociais, políticos, econômicos e culturais, recuperando-se a questão

social como matéria de investigação e intervenção.

O projeto profissional contemporâneo situa o Serviço Social como

“especialização do trabalho, inscrito na divisão social e técnica do trabalho, no

âmbito das relações entre Estado e sociedade civil, no marco de uma sociedade de

classes” (IAMAMOTO, 1998, p. 113), sendo uma profissão que produz serviços que

respondem às necessidades sociais de indivíduos, grupos e classes sociais.

O desenvolvimento do perfil profissional em sintonia com as requisições e o

projeto profissional construído, superdimensiona a mediação técnico-política no

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cotidiano, resultando na interferência positiva nos processos que alteram as

tendências e refrações da questão social.

O Código de Ética de 1993 reafirma a direção social construída no Código de

1986, sobretudo pelo compromisso da profissão com as classes trabalhadoras,

acentuando o tratamento ético-político no compromisso com a construção de nova

ordem social. Nesse sentido, posiciona a liberdade como valor humano central,

concebida como autonomia, pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais, na

direção emancipatória; a consolidação da democracia enquanto socialização da

política e da riqueza socialmente produzida e a defesa da equidade e da justiça

social enquanto universalização do acesso a bens e serviços relativos às políticas

sociais e aos programas e à sua gestão democrática.

O novo Código consolida de modo mais consequente os parâmetros éticos

construídos coletivamente, para melhor instrumentalizar a prática cotidiana do

exercício profissional. Desse modo, reafirma seus valores fundantes, ou seja, a

liberdade e a justiça social, articulando-os com as exigências da democracia,

apreendida como valor ético-político central. Com o novo Código precisou-se o

exercício profissional, com a tradução de valores, considerados:

como determinações da prát ica socia l, resultantes da at iv idade cr iadora t ip i f icada no processo de trabalho. É mediante o processo de trabalho que o ser soc ia l se const i tui , se instaura como dist in to do ser natura l, dispondo de capac idade te leológica, projet iva, consc iente; é por esta soc ia l ização que e le se põe como ser capaz de l iberdade. Esta concepção já contém, em si mesma, uma projeção de soc iedade - aquela em que se propic ie aos/às trabalhadores/as um pleno desenvolv imento para a in venção e v ivênc ia de novos valores, o que, evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e a l ienação. É ao projeto soc ia l aí impl icado que se conecta o projeto prof iss ional do Serviço Soc ia l - e cabe pensar a ét ica como pressuposto teór ico-polí t ico que remete ao enfrentamento das contradições postas à prof issão, a par t i r de uma visão crí t ica, e fundamentada teor icamente, das der ivações ét ico-polí t icas do agir prof iss ional (CFESS, 2012, p: 22) .

O Artigo 5º do Código de Ética estabelece deveres nas relações do/a

assistente social com os/as usuários/as que imputam responsabilidades que exigem

conhecimentos, competências essenciais no desenvolvimento de estratégias, com

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destaque na viabilização da participação usuária nas decisões institucionais; a

garantia da plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências

das situações apresentadas, respeitando democraticamente as decisões dos/as

usuários/as, e na democratização das informações e o acesso aos programas

disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à

participação dos/as usuários/as.

Os deveres do/a assistente social previstos no Artigo 8º preveem requisições

para o trabalho profissional e forjam posturas críticas e propositivas, particularmente

na programação, administração, execução e repasse de serviços sociais

assegurados institucionalmente; a contribuição na alteração da correlação de forças

institucionais, apoiando as legítimas demandas de interesse da população usuária; e

no empenho pela viabilização dos direitos sociais dos/as usuários/as, através dos

programas e políticas sociais; e no empenho na transparência de verbas sob a sua

responsabilidade, de acordo com os interesses e necessidades coletivas dos/as

usuários/as. Percebe-se uma relação direta entre compromissos éticos, interesses e

direitos da população usuária.

O projeto profissional contemporâneo consolida o compromisso ético-político

com as demandas da classe trabalhadora e a necessidade da construção de

mediações que potencializem transformações nos espaços sociais que favoreçam a

expansão dos direitos. Entretanto, não obstante o projeto ético-político ser

hegemonicamente de cariz crítico, convivem no meio profissional diferentes

expressões políticas de projetos coletivos, dinamizando tensões que interpelam

explícita e implicitamente a direção social construída.

Importante assinalar que as aparições neoconservadoras possuem relação

com a “dinâmica das vanguardas altamente politizadas” que ofuscaram a

“efetividade da persistência conservadora” (NETTO, 1996. p.112), profundamente

enraizada na profissão e na sociedade.

As adversidades contemporâneas, especialmente pela precarização da

formação e do exercício profissional, alimentam as polêmicas quanto à

materialização do projeto ético-político na intervenção profissional cotidiana. Velhos

dilemas podem ganhar espaço, a exemplo das perspectivas estruturalistas e

institucionalistas que atribuem maior peso ao papel do Estado na materialização do

projeto profissional, redundando em fatalismos de novo tipo. Evidentemente que

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outros elementos comparecem, notadamente a qualidade da formação profissional,

o grau de consciência política e o nível de organização da categoria. Pressupostos

elementares para a identificação de desafios políticos e regulatórios na atualidade.

4.5 LEGITIMIDADE SOCIAL CONSTRUÍDA

A trajetória histórica do Serviço Social brasileiro na construção de sua

profissionalidade revela a luta aberta pela legitimidade teórico-metodológica, técnica

e ético-política, no deslocamento político e prático do conservadorismo e seus

desdobramentos, como o pragmatismo. Tal movimento justifica uma unificação de

diferentes perspectivas teórico-políticas, no contexto da renovação profissional,

inaugurando, inclusive, o pluralismo na profissão em detrimento do tradicionalismo.

(NETTO, 1998)

A análise sobre o acúmulo de legitimidade social de uma profissão, no caso o

Serviço Social, permite afirmar que a legitimidade no campo dos serviços sociais, no

âmbito da sociedade, potencializa o credenciamento dos profissionais ao exercício

de suas prerrogativas. A legitimidade possui graus diferenciados e depende de

espaços peculiares, resultando em valorização ou desvalorização de seu

saber/fazer. A política de assistência social é emblemática na definição do quantum

de legitimidade, por ser uma das políticas de maior reconhecimento social

(IAMAMOTO 1992, SILVA E SILVA, 2009, ABREU, 2000).

A contribuição da profissão na regulamentação e implementação da política

de assistência social possui direta relação com a posição privilegiada de assistentes

sociais em espaços de poder simbólico, ou de articulação política em espaços de

controle democrático. Em menor ou maior proporção, tal legitimidade agregada ao

processo de poder profissional é identificada nas produções regulatórias e políticas,

no contexto de afirmação da cultura dos direitos e da democracia, momento em que

a profissão fortalece sua legitimidade no âmbito das políticas sociais, impulsionando

a articulação programática e ética com movimentos e formas de organização da

sociedade civil.

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A dinâmica de construção da legitimidade de uma profissão revela relações

institucionalizadas ou não de afirmação do poder no exercício de prerrogativas,

implicando produção coletiva dos produtos técnicos e éticos da profissão na

sociedade, dos conhecimentos e atitudes profissionais. Por força da hegemonia

construída, os grupos e as tendências opostas ao projeto profissional, estão

submetidos à institucionalidade produzida e transitam, na disputa por direção, na

legalidade do próprio campo social, deflagrando-se uma concorrência legítima pela

direção da profissão.71 Assim, os esquemas simbólicos de difusão de princípios

pressupostos cumprem a função política de operar a legitimação ou imposição da

dominação, por assumirem a configuração de instrumentos estruturantes e

estruturados de comunicação e de conhecimento que asseguram tal dominação.

A legitimação de uma profissão em sociedade depende, em grande medida,

da direção política dada, da capacidade do ensino e suas formas de auto-regulação

reproduzirem condições de atuação nos espaços ocupacionais, dos movimentos

entre o desenvolvimento produtivo e sua relação com o Estado, tensionado por

interesses diversos. Uma profissão adquire legitimidade na medida em que responde

às necessidades humanas, reproduzindo condições para sua utilidade social.

Numa perspectiva totalizante, o sujeito não é compreendido como mero

executor da estrutura, embora se reconheça a tendência da reprodução acrítica do

cotidiano, balizada por referentes conservadores e neoconservadores do

pensamento social, enraizados na sociedade. A relação entre a prática do sujeito e a

realidade objetiva da sociedade, é possibilitada pela interiorização de princípios,

valores e normas, que congregam os sistemas de signos simbólicos no processo de

socialização dos indivíduos sociais, permitindo, portanto, a apreensão de

representações sociais.

As profissões, assim, possuem seus sistemas de reprodução das condições

que asseguram legitimidade na sociedade, revelando uma dinâmica de disputa por

direção social, unificando os projetos coletivos diversos em torno da luta pela direta

relação entre requisições sociais e respostas técnicas, políticas e éticas. Assim, na

71 Algumas disputas são emblemáticas, a justificativa do chamado serviço social “clínico” com base nas prerrogativas instituídas, especialmente na atribuição de orientação profissional, o debate sobre a redução dos objetivos do serviço social à assistência social, pouco sistematizado, mas propagado nos espaços políticos.

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contramão de perspectivas estruturalistas e endógenas, legitimidade não se constrói

no interior da profissão, tendo em vista os intervenientes externos e sociais.

A legitimidade social da profissão encontra direta relação com a prestação de

serviços sociais, assumindo contornos da relação entre Estado e sociedade, a

exemplo das feições paternalistas, desenvolvimentistas e democráticas. No contexto

de implementação das políticas sociais relativas aos direitos conquistados forjam-se

processos interventivos que configuram um novo perfil profissional, por força do

projeto profissional redimensionado pela incidência de referentes teórico-

metodológicos e da atividade política das organizações profissionais.

Além da afirmação de prerrogativas associadas à “matéria” Serviço Social, a

legislação profissional passa a preconizar competências e atribuições profissionais,

tanto na formação como no exercício profissional, tendência relacionada com o

modelo da educação por competências, podendo ser interpretada como uma

contratendência da desregulamentação dos mercados e das profissões.

A realidade social é o substrato da intervenção cotidiana do assistente social.

As iniciativas de delimitação do saber/fazer no campo social exigem uma síntese

sobre as teorias sociais fundamentais para a compreensão e atuação na sociedade.

Seria possível delimitar o trabalho social como peculiar ao assistente social? O que é

específico da profissão no social? Essas são algumas das questões que perpassam

as reflexões sobre o trabalho social dos assistentes sociais na atualidade.

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5. TRANFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO POR

COMPETÊNCIAS: A NOVA CONDIÇÃO DE “COLABORADOR” E A

INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO

O debate contemporâneo sobre o trabalho diante das transformações

decorrentes da crise do capital é polarizado quanto à sua centralidade na

constituição da vida em sociedade, o que também contribui para confirmar sua

vitalidade de novo “tipo”: contingentes populacionais que vivem do trabalho em

contexto que “ideologiza” sua condição de descartável no mundo informatizado,

flexibilizado; instável e precarizado, quando não configura inexistência de trabalho;

desemprego e desmonte de direitos tidos como conquistas parciais, indispensáveis

historicamente na afirmação da cultura emancipatória.72

A categoria trabalho possui uma natureza contraditória, polarizada entre sua

dimensão transformadora, realizadora, como espaço de sociabilidade que possibilita

processos de organização política, de saturação cotidiana da realidade social, que

movimenta sujeitos sociais em condições objetivas pelas mediações políticas

coletivas, à emancipação humana. Ao mesmo tempo, aliena, sujeita, controla e

escraviza. Ainda em sua dimensão contraditória e na sua amplitude como categoria

central, eixos de questões se colocam como cenário, considerando as metamorfoses

no “mundo” do trabalho desde a década de 1950: 1- Quem é o sujeito coletivo

revolucionário da atualidade? 2- Como as transformações na base econômico-social

afetam a constituição das classes fundamentais em termos do seu posicionamento

nas relações sociais? 3- A “reestruturação produtiva” tem provocado morfologias

estruturantes na relação entre trabalho produtivo e improdutivo, trabalho manual e

intelectual? 4- Quais os impactos na subjetividade dos trabalhadores, num emprego

72 Entre as polêmicas destacamos o prenúncio do fim do proletariado em Adeus ao proletariado com consequências no debate sobre a centralidade do trabalho, particularmente pela crise do socialismo real. Cf. Alvim Toffer e Daniel Bell. Do ponto de vista sociológico destaco as análises de Claus Offe (1989) diante da redução progressiva da presença do operário no chão de fábrica. Os operários perderiam a centralidade revolucionária? Para Schaff (1990) o trabalho manual desapareceria como fenômeno econômico-social, assim como a classe trabalhadora, cedendo lugar à ciência como força produtiva primária. Além do irracionalismo de Schaff, Lessa (2007) destaca em Offe a redução de trabalho a emprego, cancelando o trabalho como categoria fundante do ser social. (In LESSA, 2007)

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mais generalizado da categoria, especialmente na formação de suas “identidades”,

diante das transformações?73

Interessa aprofundar o trânsito da cultura “rígida” do taylorismo, para a

“flexibilizada”, ambas contribuindo para a naturalização do fetiche da técnica. A

questão a ser percorrida no desenvolvimento da tese é a mobilidade da educação

para o trabalho baseada na concepção de competências constitutivas da lógica de

produção.

Novas exigências na transição aqui tratada requalificam a relação entre

trabalho manual e intelectual? Antes das respostas aos impactos das mudanças em

curso parte-se do entendimento de que a crise do Estado de Bem-Estar Social aflora

a crise estrutural do próprio capital. Entretanto, a análise sobre sua dinâmica tem

alargado o espaço para ocultação das próprias contradições da realidade, num

contexto de apropriação ideológica da luta social nos limites do capitalismo,

canalizando energias transformadoras na construção de uma cidadania controlada,

impulsionando a “humanização” de uma lógica de produção e, portanto, de

sociabilidade que essencialmente desumaniza.74

73 Há polêmicas em torno da distinção entre trabalho produtivo e improdutivo, diante da ampliação de “funcionários do Estado”, ou, podemos dizer de trabalhadores no setor público, considerando, inclusive a posição de classe destes. Até que ponto trabalhadores dos serviços, do Estado, são vinculados aos interesses dos trabalhadores? A análise em Marx sobre trabalho, em O Capital e Teorias da Mais-Valia, permite compreender que trabalho improdutivo é trabalho assalariado que não é produtivo. O trabalho produtivo é contratado pelo capital no processo de produção para gerar a mais-valia, num contexto de divisão social do trabalho, o que provocou a cisão do trabalho intelectual e manual. O trabalho é o controle do metabolismo social da natureza, é a produção geral dos valores de uso, sem os quais não há vida humana. “(...) Ao atuar por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio” (MARX, 1985, p. 149). Entretanto, trabalho produtivo é o que produz a mais-valia para a autovalorização do capital. Trabalho é condição da vida humana e trabalho produtivo é produtor da mais valia na sociedade capitalista. Entretanto, nem todos os trabalhadores que são produtivos estabelecem uma relação direta com o intercâmbio orgânico com a natureza, embora produzam mais-valia. O trabalho socialmente necessário ou abstrato, expressa a substância do valor, considerando o tempo necessário para a produção da mercadoria (MARX, 1985). Acerca do tema existem posições como a Poulantzas (2000) quanto à limitação de explorados entre aqueles trabalhadores produtivos. Entretanto “(...) todos os assalariados possuem contradições com os capitalistas que se expressam visivelmente no montante dos salários” (In: LESSA, 2007, p. 206). Cabe, portanto, destacar que o assalariamento é condição do trabalho produtivo, embora nem todo trabalho assalariado seja produtivo, embora componha o processo ampliado de reprodução social. As metamorfoses do trabalho não retiraram a centralidade da categoria na sociabilidade do capital.

74 Lessa em “Trabalho e Trabalhadores no Capitalismo Contemporâneo” (2007), percorre dois tempos fundamentais, na passagem dos séculos XX ao XXI, do debate sobre a centralidade do trabalho. No primeiro adeus ao proletariado as análises periféricas centram esforços nas consequências das transformações do fordismo e do Estado de Bem-Estar Social. No segundo

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Acentuando a relação de interdependência inevitável e fundamental para a

“continuidade” da humanidade o que se propõe é um novo pacto: trabalhadores

comprometidos com os propósitos da empresa, num engajamento que confunde

criatividade com novo modo de escravizar, o que possui resposta no reformismo

sindical denunciando sua impotência diante da diminuição em efeito cascata dos

postos de trabalho, no contexto de afirmação da ideologia neoliberal nos anos de

1970.

Parece estabelecido um universo cultural de imobilismo, diante da delimitação

do presente como sendo o “único parâmetro concebível para o futuro. E nem poderia

ser de outra forma, pois, perdida a referência ao sujeito revolucionário, as propostas

que se pretendem revolucionárias não têm alternativas senão se reduzirem ao

horizonte do hoje possível” (LESSA, 2007, p. 79). Entretanto, o que se observa é a

difusão de uma “crise” de referência quanto ao sujeito coletivo direcionador das

transformações na direção emancipatória, especialmente no pós-socialismo real.

Como resultante do Estado e do mercado da condição de inevitáveis,

percebe-se o apelo pela solidariedade e “inclusão” social processada e mobilizada

no pacto coletivo que não deixou de ser heterogêneo e disputado, mas que ecoou

menos, inclusive nos setores de esquerda.

Segundo Antunes a principal mutação no processo de produção flexível não

se dá pela reversão das ciências como força produtiva, e sim “na interação

crescente entre trabalho e ciência, trabalho material e imaterial, elementos

fundamentais no mundo produtivo (industrial e de serviços) contemporâneo”. No

processo de desenvolvimento dos softwares, a máquina informatizada passa a

desempenhar atividades do “saber intelectual e cognitivo da classe trabalhadora”,

aprofundando a redução do trabalho vivo (2009, p. 124).

O autor observa a redução dos “níveis de trabalho improdutivo” nas fábricas,

pelo processo toyotista de assimilação de funções improdutivas pelo trabalho

produtivo, embora não seja possível eliminar a totalidade do trabalho improdutivo na

criação de valor, ao contrário presencia-se, como tendência predominante, a

adeus ao trabalho aborda-se, de modo geral, as consequências da chamada “reestruturação produtiva”, preconizando-se o fim da classe operária como sujeito revolucionário, cedendo mais espaço a teses que afirmam o esvaziamento do potencial revolucionário do operário, subordinado à condição salarial (CASTEL, 1998). Uma das consequências é a centralidade do mercado e do “ser capitalista” como natureza constitutiva da natureza do ser social.

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ampliação de um trabalho com maior dimensão intelectual, não obstante não ser

esta a realidade do chamado “Terceiro Mundo”.

A crise de 1970 desencadeou um amplo processo de “reestruturação do

capital”, caracterizando um novo momento transformista, que se propõe reestruturar

o binômio taylorismo-fordismo, com elementos de continuidade e adequação do

sistema produtivo. Portanto, a transição do padrão toyotista e fordista para um novo

padrão de acumulação flexibilizada, não rompe o modo de produção, mas sim sua

lógica, implicando uma racionalidade ajustada a esse tempo de recomposição.

O padrão taylorista tem em sua base, para a produção em massa e em série,

a decomposição das tarefas, a fragmentação, a intensificação das atividades,

marcadas pelo ritmo da produção. Prevalece a racionalidade da repetição das

atividades fragmentadas, que no seu conjunto formava o trabalho coletivo, numa

linha “rígida de produção”, articulava “os diferentes trabalhos, tecendo veículos entre

as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o

tempo necessários para a realização das tarefas” (ANTUNES, 2009, p. 39).

A característica essencial do trabalho era sua redução ao trabalho repetitivo e

mecânico. Sua sistemática estende-se aos serviços, visando à acumulação

intensiva, “moldando” uma subjetividade de trabalhador semiqualificado, de um

“operário-massa” “treinado” para operar sua fração de trabalho na produção coletiva.

O Welfare State, no contexto configurado, agrega-se ao binômio

taylorismo/fordismo, na difusão do ideário de harmonização da relação

capital/trabalho, potenciando a retração de projetos societários emancipatórios,

sobressaindo compromissos da social-democracia, dinamizada pelos sindicatos e

partidos políticos. Tal processo compõe o caldo cultural e político da progressiva

“subordinação” das organizações dos trabalhadores ao capital (Idem, p. 41).

A cultura do tecnicismo penetra na lógica de organização dos trabalhadores

na subsunção trabalho/capital, favorecendo a intensificação do corporativismo,

atrelado ao Estado regulador dos conflitos, assim como da provisão de serviços

vinculados ao sistema de proteção social.

No final dos anos de 1960 os pilares aparentemente sólidos do compromisso

fordista de desenvolvimento que caminha em direção ao pleno emprego eclodiam,

anunciando uma crise que abriria espaço à flexibilização. Evidente que tal passagem

não significa a superação da anterior forma de gerir o trabalho. O que se evidencia

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são elementos de adequações, continuidade, complementaridade entre “formas de

gerência” e as velhas técnicas tayloristas, numa combinação que, ao mesmo tempo

renova as práticas taylorizadas e confere maior flexibilidade aos processos de

trabalho, requerido nas novas condições, mantendo-se, inclusive, o controle das

“pausas e interrupções” de base taylorista, aspectos que permitem rebater as teses

do fim do fordismo (HIRATA apud LESSA, 2009, p. 302).75

A introdução progressiva da tecnologia não alterou substancialmente as

relações de produção. Ao contrário, expressa estágios avançados de extração da

mais-valia, não tendo abalado a essência do modo de produção: propriedade

privada e relações de produção. Permanece a oposição e a complementaridade

entre trabalho manual e intelectual, num tensionamento entre os que controlam e os

que produzem “o conteúdo material da riqueza pela transformação da natureza”

(LESSA, 2007, p. 312).

No contexto de recomposição da hegemonia do capital, novas concepções de

gestão do trabalho dividem espaço com as formas rígidas de controle das atividades,

visando o aumento da produtividade, adequando a força de trabalho às exigências

do sistema produtivo. A década de 1990 será caracterizada pela expansão do

modelo de competências no espaço empresarial, “contaminando” demais setores no

“gerenciamento” de pessoas.

5.1 O FETICHE DA CONCORRÊNCIA E O “DARWINISMO” NO MERCADO

A ideologia neoliberal “cai como uma luva” no processo de aprofundamento

do capitalismo na contemporaneidade, minando as bases do senso da

“solidariedade de coletiva”, intensificando a competitividade, o egoísmo e o

75 Para Hirata (2002) a divisão sexual do trabalho permanece, mesmo diante das alterações na forma de divisão sexual do trabalho. Para a autora, a divisão social do trabalho tende a aumentar com a evolução tecnológica, inclusive no nível da divisão sexual do trabalho (apud LESSA, 2009, p. 303).

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individualismo. Sociedade livre, mercado competitivo depende do egoísmo dos

acionistas das empresas, como apregoa Friedman (1998).76

A concorrência dos mercados leva a uma intensificação da luta de todos

contra todos, conduzindo um processo de precarização do trabalho que gera

insegurança e submissão à exploração nas condições dadas. A concorrência pelo

trabalho é uma forma de preservar o próprio trabalho.

A concorrência assume feições políticas e engendra relações internas nos

mercados, e internacionais. Além da competição entre trabalhadores e empresários,

assiste-se a competição internacional entre países desenvolvidos e menos

desenvolvidos, quando a regra do jogo passa a ser a servidão aos ditames

internacionais de organismos funcionais ao sistema de exploração, polarizando

projetos, entre o bem e o mal. 77

A centralidade no mercado pela ideologia neoliberal traz consequências

importantes na configuração do presentismo, condicionando uma paralisia política,

frente às contradições. Assim, valores como solidariedade são transfigurados em

formas de mascarar as investidas exploradoras, ao passo que permanecem mais

como contratendências.

A diferenciação pela lógica das oportunidades propagada pela ideologia

positivista, com efeitos que naturalizam desigualdade, pobreza e outros fenômenos

sociais, é ativada e potencializada na falsa ilusão de que o preparo individual

garante prosperidade e distinção social. A aplicação darwinista de evolução da

sociedade, ganha contornos sofisticados e mais imobilizadores, favorecidos pelas

76 Hayek (1984) na crítica ao igualitarismo propagado pelo Estado de Bem Estar Social, mina as possibilidades da vitalidade da concorrência, centrando nos sindicatos e movimentos a responsabilidade pelas crises. O socialismo, para ele, restringe a liberdade individual, reprime e torna os indivíduos servos.

77 A implantação do neoliberalismo no mundo tem a emblemática experiência chilena, sob o comando de Pinochet, em 1973, com o desenvolvimento de reformas que resultaram em desregulamentação do trabalho, desemprego, repressão sindical, privatização, sob aos auspícios da autocracia burguesa, num contexto de crise mundial do capitalismo e do Estado de Bem Estar Social. O neoliberalismo foi instalado na Inglaterra de Thatcher, em 1979, e em 1980 na América do Norte com Reagan. A propagação da ideologia neoliberal chega com todo vigor no Brasil na década de 1990, nos governos de Collor, aprofundada em Cardoso, e com elementos de continuidade no governo de Lula. A globalização financeira está centrada nos Estados Unidos, por ser ainda a maior potência econômico-financeira e cultural, mas assume proporções mundiais diante das crises na Europa. Adota-se a mesma sistemática entre mercados e Estados Nacionais: medidas de austeridade em busca da sustentabilidade financeira.

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instituições que propagam o modelo de competências. O que se observa é a

homogeneização social pela aplicação das competências individuais e sociais.

No contexto de crise mundial e saída liberal, ocorre a instalação de uma

“sensação” coletiva de segurança no trabalho pela filiação a uma ocupação, seja ela

qual for e mesmo em condições de precarização: o importante é ter trabalho.

Trabalho precário em suas condições, remuneração e forma de contratação, é

naturalizado, subsumindo a contratendência da ruptura com a exploração capitalista.

No ambiente cultural da competição de todos contra todos ascende o espírito

colaborativo (todos em defesa da empresa, do trabalho).

A travessia de trabalhador para colaborador é alimentada pelo fetiche da

competição. O time, a equipe que defende o interesse da empresa, do trabalho de

todos. A solidariedade é, assim, transfigurada em competição considerada positiva e

necessária na manutenção temporária da segurança, com efeitos de

individualização mesmo daquilo que é coletivo, como família e sindicato.

A modelagem das consciências individuais nos quadros contemporâneos de

intenso desenvolvimento das tecnologias é alimentada pela financeirização das

relações. Propaga-se o uso das transações financeiras em busca da segurança

presente e futura. Relações são medidas pelo quantum de investimento, conjugando

financeirização da economia e da vida social.

O crescimento da riqueza é disseminado pela ocultação do crescimento da

pobreza e da desigualdade, sendo o discurso da redução de seus efeitos o

mecanismo utilizado para seu gerenciamento. O efeito desta engenharia construída

na esfera do Estado e de outros complexos, contaminados pela ideologização

neoliberal, é o favorecimento das oportunidades que em nada se distanciam das

mesmas bases no setor produtivo.

O capitalismo contemporâneo configura uma lógica de ruptura das fronteiras

de produção, convertendo soberania em protecionismo e atraso econômico,

provocando a desterritorialização da produção, ou sua flutuação entre mercados que

oferecem condições mais favoráveis à maximização dos lucros, em realidades com

subvalorização do trabalho. Os mercados são, cada vez mais, orquestrados pelos

organismos internacionais, comandados pelo Fundo Monetário Internacional e

Banco Mundial, nos contextos de crises justificadas pela lógica das finanças, num

contexto de fetiche do capital (IAMAMOTO, 2007).

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A inércia diante da barbárie do mercado, ocultada pelo fetiche da competição,

alimenta a precariedade, tornando possível a adoção de novas formas de explorar e

de controlar a difusão dos valores aliados à mercantilização e coisificação dos

indivíduos sociais, incentivados a competir para sobreviver entre os menos aptos.

Os organismos propagadores da cultura assumem, de modo geral, o papel de

difundir o fetiche do mercado pela postura competitiva, base estruturante do

“modelo” de competências na educação e no trabalho.

5.2 NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E A INDIVIDUALIZAÇÃO DO TRABALHO

Competência é a faculdade que a lei concede a funcionário, juiz ou tribunal

para apreciar e julgar certos pleitos ou questões. Designa, além da definição jurídica

ou jurisdicional, capacidade, aptidão para. Portanto, a noção de competência é

originária do universo jurídico e apropriada para a formação e o trabalho. Importante

notar que o sentido de competência expressa poder para responder, ponderar,

apreciar, avaliar e julgar.

Em seu significado etimológico deriva de com + pretere, do latim, pedir ou

buscar junto com os outros. Portanto, no seu oposto, o que nada quer ou busca com

os outros é incompetente. Outra derivação nos remete ao significado de competitio,

que significa acordo ou rivalidade, levando à ideia de competentia, que remete à

proporção, justa relação ou capacidade de responder, portanto, à noção de

competição. A vinculação entre o sentido de competência com capacidade leva à

noção de capacitas, o que significa a possibilidade de conter alguma coisa, de

apreender, de compreender algo.

A defesa da competência ganha força no pós-segunda guerra mundial como

condição para a obtenção de qualidade, num contexto de guerra fria pela agregação

de países em disputa por projetos societários polarizados (capitalismo versus

socialismo real).

A partir da compreensão etimológica de competência é possível concluir que

trata-se de um atributo que possui pessoalidade, que se realiza num determinado

âmbito, espaço que requer daquele que exerce a competência de acionar

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conhecimentos específicos, a partir da abstração e da mobilização de esforços e

recursos para atingir finalidades.

Da área empresar ia l para a educação e a escola, a passagem do uso do termo ‘competênc ia ’ fo i um passo rápido, em par t icu lar a part ir do momento em que o neol ibera l ismo começou a inf luenc iar as pol í t icas públicas, a def in ição dos curr ícu los, a nomenclatura escolar e as prát icas educac ionais (SANTOS; MESQUITA, 2007, p. 53).

O sentido da competência no campo da educação expressa a capacidade de

mobilizar conhecimentos e recursos, valores e decisões para atitudes pertinentes em

determinados âmbitos de atuação, sobre determinadas situações. Como possui

atributos “atitudinais” existe uma associação entre competência e habilidade, sendo

que a última em determinados contextos pode se constituir em uma competência.

Ainda no campo da capacidade associada com poder de realizar algo, o exercício da

competência requer a solução de situações, para o manejo dos recursos, o domínio

de conhecimentos. Evidentemente, enquanto dimensão central da tomada de

decisão a partir da abstração e do domínio do conhecimento, a competência possui

relação com experimentação, aplicação, prática, redundando no que a educação

enfatiza, superando a noção metafísica da apropriação do conhecimento pela

memorização fora do contexto: além de saber, saber-fazer.

O significado de competência na formação profissional possui relação direta

com os pressupostos darwinistas, por ensejar competição, concorrência,

“adjetivação” de qualidades individuais, tendo sido transfigurada como elemento

diferenciador nas ações gerenciais. Tal incorporação foi determinada pela influência

do paradigma neoliberal no campo das políticas públicas. Como consequência

identifica-se o aprofundamento da meritocracia e do individualismo. Ainda em

relação à delimitação do contexto, a competência requer o exercício de uma

autoridade validada socialmente, o que imputa responsabilidades inerentes à

atividade.

De modo geral a noção de competência expressa um conjunto de

conhecimentos, qualidades, capacidades e aptidões que habilitam o indivíduo à

análise e decisão sobre um determinado ofício, exigindo conhecimentos

fundamentados. Para Zarifian (2001, p. 18-19) “a competência é a conquista de

iniciativa e de responsabilidade do indivíduo sobre as situações profissionais com as

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quais ele se confronta”. Portanto, a competência expressa a aplicação de

conhecimentos adquiridos, representando, no espaço da organização do trabalho

conteúdos específicos.

No campo da educação verifica-se uma forte incidência da ideologia da

chamada “sociedade do conhecimento”, potencializando a noção de capital humano

a ser desenvolvido para os desafios contemporâneos e o avanço da tecnologia,

além da concepção da educação como um bem de consumo e uma mercadoria.

Desse modo, a educação assume a função de reprodutora do trabalho e do próprio

desenvolvimento econômico, mantendo ligações institucionais com os pressupostos

positivistas pela fragmentação dos papéis sociais na divisão social do trabalho.

A educação foi assimilando, progressivamente, a pedagogia das

competências, associando-se aos processos de “reengenharia”, típicos da

reestruturação produtiva, resultando em reavaliação e redimensionamento dos

postos de trabalho, redefinição dos conteúdos necessários para o desenvolvimento

de funções, incidindo nas profissões.

Tal dinâmica impacta diretamente no monopólio dos saberes produzidos pela

diplomação, da transmissão linear do conhecimento acumulado. A pedagogia das

competências passa a demonstrar a qualificação profissional demandada pelo

mundo do trabalho, pela empresa, com a preocupação da demonstração prática, o

que valida a própria formação, invertendo desse modo a relação de prioridade: as

requisições do trabalho reordenam a formação.

A qualificação profissional destaca, para atender o mercado, atributos

individuais do trabalhador, interferindo na classificação dos empregos, na

aproximação, com flexibilidade, entre conhecimentos adquiridos na formação

recebida inicialmente. Entretanto, as competências podem ser desenvolvidas no

espaço de trabalho, e não mais apenas pela classificação das profissões e pelos

conhecimentos adquiridos na universidade.

A partir do “comando” do mercado, as instituições de ensino adotam o

discurso da educação pelo modelo das competências, adquirindo o sentido de

contemporâneas, e as estratégias pedagógicas procuram valorizar a “relação” teoria-

prática.

As competências são desse modo, consideradas como estruturantes da

organização do trabalho, o que antes era determinado pelas profissões. Ao mesmo

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tempo as profissões, especialmente as regulamentadas, procuram abordar suas

“funções”, justificando requisições sociais a partir das competências e atribuições.

A permanente instabilidade das profissões no mercado “aprisiona” o

trabalhador a uma lógica de avaliação de resultados, de capacidades cognitivas e

atitudinais. Assim, a certificação e o credencialismo passam a contar como outras

formas de controle e avaliação do trabalho, deslegitimando a estabilidade da

diplomação e mesmo das prerrogativas. Assim, a universidade procura acompanhar

a dinâmica do mercado e do Estado na disposição de competências requisitadas.

O trabalhador assalariado passa a experimentar a avaliação de suas

capacidades nos postos de trabalho, implicando o gerenciamento das competências,

a validação de seu trabalho para a ascensão profissional, reforçando a sensação de

que o sucesso depende dele, da dedicação, da incorporação das mudanças

tecnológicas e de outras exigências do mercado, configurando a competência como

temporal e não rígida.

A regulação das profissões pelo sistema de competências procura monitorar,

medir qualificações, o que conforma uma “divisão técnica do trabalho” por

especificidades, habilidades correspondentes aos espaços ocupacionais.

No modelo das competências reforça-se a individualização do trabalho, o

dimensionamento de atitudes individuais, tendo como parâmetro competências

necessárias. No campo da formação, além da relativização do diploma, o que se

opera é uma verificação constante de competências, potencializando o “tarefismo”, a

subordinação aos reclames institucionais.

A validade dos conhecimentos adquiridos está na aplicabilidade prática,

referenciadas não pelas disciplinas necessárias para o exercício das profissões, mas

pelas competências requisitadas. Observa-se com isso que o modelo de

competências é funcional e potencializador do pragmatismo.

A sintonia entre escola e mercado é possível pela estratégia das diretrizes

curriculares, conduzidas pelo Ministério da Educação. Essas possuem a finalidade

de direcionar, regular a formação e validar o ensino. No campo do trabalho a

referência é a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, organizada pelo

Ministério do Trabalho. Tais referências configuram o espaço de mediação entre as

profissões, suas entidades organizativas e o Estado. Como um campo de poder é

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dinamizado pela vocalização dos projetos profissionais que legitimam saberes e

práticas.

No contexto de hegemonização da ideologia pós-moderna, que centraliza

habilidades individuais no trabalho, ocorre uma institucionalização de um modelo de

educação dos trabalhadores transcendendo os “muros da escola”, compondo novas

práticas que materializam valores entrelaçados com a acumulação flexível do capital,

com impacto direto na formação e no comportamento “servil” do trabalhador nos

espaços ocupacionais e na sociedade.

A funcionalidade principal, portanto, do modelo de competências é sua

correspondência econômica, social, política e cultural, a partir das exigências do

padrão de produção, possibilitando a incorporação da noção positivista do

desenvolvimento coeso da sociedade pela atitude de cada indivíduo no exercício de

papéis sociais, justificando o próprio modo de produção, “psicologizando” a relação

entre as classes sociais e os processos de trabalho.

A competência, desse modo, é apreendida como uma capacidade individual,

em desenvolvimento e “adaptação social”, reduzindo o conhecimento às

experimentações práticas. O que se observa é um reforço ao utilitarismo em

detrimento da perspectiva histórica e ontológica do conhecimento.

O espaço acadêmico será, assim, o estágio de formação de subjetividades

flexíveis, reconfigurando o profissionalismo que prepara o trabalhador para os

desafios da instabilidade e da fluidez do mundo contemporâneo, individualizando o

lugar e o “papel” do trabalhador.

5.3 O “MODELO” DE COMPETÊNCIAS NA EDUCAÇÃO

O processo de precarização das condições de acesso e manutenção de

vínculos de trabalho, no contexto do paradigma da flexibilização, promove um

verdadeiro “filtro” dos “melhores” entre os “melhores”. Além de a certificação ser um

componente de posicionamento do trabalhador/profissional no mercado, novas

exigências na gestão do trabalho, como a mobilidade, a produtividade e a

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empregabilidade, formarão a base da cultura das competências no mundo da

educação e do trabalho.

A lógica das competências está voltada aos objetivos do “negócio”, o que

implica desenvolver inovação e competências essenciais. Assim, conhecimentos e

habilidades desenvolvidas, considerando capacidades individuais, possuem uma

aplicação imediata e uma utilidade prática. Prevalece, de modo geral, uma

concepção pragmática de que a teoria deve ser colocada em prática, com desprezo

às abstrações e à criatividade, e reforço à falsa dicotomia entre conhecimento

teórico e a prática.

Há, portanto, uma intensificação da apropriação dos saberes, das

capacidades ontológicas do trabalhador pelo mundo produtivo, para o interesse

empresarial. Essa inversão promove um trânsito entre qualificação profissional e

competências profissionais (FERRETTI, 1994), numa tendência progressiva de

individualização da diferenciação dos trabalhadores, responsável pela capacitação

permanente, elemento estruturante da empregabilidade.

Pelo modelo das competências a subjetividade do trabalhador “identifica-se”,

como que numa teia de “interdependência”, aos objetivos lucrativos do empregador,

responsabilizando-se pelo sucesso do negócio, a exemplo da terminologia

“colaborador”, da extensão dos valores solidários e comunitários por meio da

responsabilidade social, e das metas coletivas de produção.

A fluidez do modelo de competência e a competição entre os trabalhadores

no mercado de trabalho facilitam os processos sutis de controle, evitando, inclusive,

as resistências. Desse modo a dimensão atitudinal do trabalhador ganha

centralidade, desde que os conhecimentos sejam mobilizados aos interesses da

organização, com capacidade de solucionar problemas e inovar na proposição de

processos, dinamizando a individualização das capacidades e méritos, em

detrimento das negociações coletivas outrora mais facilmente conduzidas pelos

sindicatos, como expressão, por vezes, da renúncia aos interesses de classe.

Diante da intensa flexibilização e precarização, os trabalhadores aceitam as

regras do jogo, se submetem às condições dadas, e podem até alimentar a falsa

ilusão de um modelo que valoriza a criatividade, o trabalho intelectual, ainda que

sejam descartados a qualquer tempo, ou que não encontrem as condições objetivas

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para o desenvolvimento das competências profissionais ajustadas às exigências das

organizações, revelando um perfil polivalente, flexível e multifuncional.

O discurso da educação por competências atendeu ao desafio de “homologar

os títulos que as universidades concedem, obrigando-os a especificar o perfil dos

formandos” (SACRISTÁN, 2001, p. 9), vinculando-se à declaração de Bolonha

(1999), na perspectiva da explicitação concreta do saber-fazer, para unificação

europeia, favorecendo a mobilidade entre os países.

Um dos primeiros órgãos a difundir avaliações sobre os sistemas de ensino

foi a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -

UNESCO, cuja finalidade é apontar os desafios no aprimoramento da educação

diante dos avanços tecnológicos e científicos. Em 1973 foi publicado o relatório

Faure (Aprender a ser), preconizando a cidade-educativa, com incidência na

literatura brasileira (SACRISTÁN, 2011).

Outros exemplos de avaliação internacional com impactos nos sistemas de

ensino podem ser citados: relatório direcionado ao Clube de Roma em 1980

(Aprender, horizontes sem limites), elaborado sob a coordenação de Boltkin, visando

à organização de sistemas com aprendizagens de qualidade; relatório para a

UNESCO (Educação: um tesouro a descobrir), elaborado por Jacques Delors, ex-

presidente da Comissão Europeia, com o objetivo de propagar um sistema mais

democrático, humanizado e solidário, diante do fracasso escolar e da necessidade

de um ensino de qualidade (baseado em pilares – aprender a conhecer, aprender a

fazer, aprender a conviver, aprender a ser); e a proposta de Edgar Morin, elaborada

para a UNESCO em 1999 (Os sete saberes necessários para a educação do futuro),

com a finalidade de educar para um futuro sustentável (Idem, p. 17-18).78

A UNESCO foi perdendo espaço para outros organismos centrados no

desenvolvimento econômico, particularmente o Banco Mundial e a OCDE

(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

78 Os sete saberes propostos por Morin estão centrados nos objetivos de: transmitir conhecimento capaz de criticar o próprio conhecimento; garantir conhecimento pertinente revelando o contexto, o global, o multidimensional e a interação complexa, propiciando uma “inteligência geral”; ensinar a condição humana para que todos se conheçam em sua humanidade comum, reconhecendo a diversidade cultural; ensinar a identidade terrestre, com a noção de desenvolvimento intelectual, afetivo e moral; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão, tanto interpessoal e intergrupal, como planetária, com abertura empática aos demais e tolerância às ideias e formas diferentes; a ética do gênero humano válida para todos (SACRISTÁN, 2011, p. 18).

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Há, portanto, uma intensificação da apropriação dos saberes, das

capacidades ontológicas do trabalhador pelo mundo produtivo, para o interesse

empresarial. Essa inversão promove um trânsito entre qualificação profissional e

competências profissionais (FERRETI, 1994), numa tendência progressiva de

individualização da diferenciação dos trabalhadores, responsável pela capacitação

permanente, elemento estruturante da empregabilidade.

A OCDE passou, em 2000, a publicar anualmente um relatório comparativo

sobre a educação nos estados membros (Education at glance), construindo as bases

para o que se conhece por relatórios PISA (International Program for Student

Assessment)79, com foco nos resultados tangíveis da educação básica, levando a

uma comparação entre os sistemas de ensino dos países, permitindo que um

determinado país seja considerado abaixo ou acima da média da OCDE.

O aprimoramento da avaliação conduziu a adoção da competência como

central, na direção da normatização de competências básicas, mais explicitado no

projeto DeSeCo (Definition and Selection of Competencies), quando o conceito de

competência é concebido como caminho para a busca de indicadores mais

completos e mensuráveis. Nesta metodologia da avaliação de competências, o que

é paradoxal no âmbito da universidade é que ela deve desenvolver capacidades de

criticar competências e não cristalizar aprendizados. Da mesma forma, o saber fazer

de uma profissão não se manifesta de uma única forma, como se os profissionais

fossem modelados, em detrimento das requisições e configurações do mercado.

O ideário neoliberal, num contexto de desmonte do Estado de Bem-Estar

Social e do pacto fordista, repercute no Brasil e encontra ambiência para sua

implementação e consolidação, com impactos na desregulamentação do mercado

financeiro e do trabalho, sob o receituário e apoio dos organismos internacionais

(BID, BIRD, UNESCO, OIT), na década de 1990.

A reforma na educação brasileira a partir da Lei nº 2208/97 e das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a educação profissional, consubstanciadas no Parecer

CNE/CEB nº 16/99 e na Resolução CNE/CEB nº 04/99 e demais orientações sobre a

organização curricular, assume a concepção do modelo de competências, com

diferentes concepções epistemológicas.

79 Programa Internacional para a Avaliação de Estudantes.

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A Política de Educação Profissional do MEC preconiza “promover a transição

entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e adultos com

conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de atividades

produtivas”.80 O foco é o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social,

diante das novas exigências do mundo do trabalho.

O marco geral das qualificações do Espaço Europeu de Educação Superior

propõe a definição de competências para cada ciclo. A referência para o modelo de

competências é o Relatório de Tuning, que ressalta as vantagens desse modelo na

educação pela transparência dos perfis; centralidade no estudante e gestão do

conhecimento; atendimento às demandas de aprendizados permanentes e de maior

flexibilidade; maiores níveis de empregabilidade; fortalecimento da educação

europeia; e linguagem mais adequada (SACRISTÁN, 2011, p. 10).81 A

recomendação europeia passa a interferir na educação no contexto das reformas

que atendem ao contexto de crise internacional.

O projeto Tuning Europa começou a ser desenvolvido a partir do ano 2000,

para a implementação da Declaração de Bolonha, que representou a pactuação

entre ministros de educação de diversos países da Europa, pelo aprimoramento da

educação, cujo modelo é a formação por competências.82

O projeto Tuning América Latina, tem por objetivo “afinar” as estruturas

educativas da América Latina, intercambiando informações e melhorando a

colaboração entre as instituições de educação superior, para “o desenvolvimento da

qualidade, efetividade e transparência” (TUNING. 2004 - 2007). Esse projeto iniciou

uma segunda etapa, denominada Alfa Tuning América Latina: Inovação Educativa e

80 BRASIL, Leis, Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997.

81 O tratado afirma a perspectiva da competitividade como expresso: “Teremos que fixar-nos no objetivo de aumentar a competitividade no Sistema Europeu do Ensino Superior. A vitalidade e a eficiência de qualquer civilização podem ser medidas através da atração que a sua cultura tem por outros países. Teremos que garantir que o Sistema Europeu do Ensino Superior adquira um tal grau de atração que seja semelhante às nossas extraordinárias tradições culturais e científicas”http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/links/language/1999_Bologna_Declaration_Portuguese.pdf. Acesso em 03 de março de 2013.

82 A União Europeia acordou oito competências chave, a partir das quais os países que a compõem, deveriam definir as suas próprias. As oito competências são as seguintes: 1) Comunicação na língua materna; 2) Comunicação em línguas estrangeiras; 3) Competência em matemática, ciências e tecnologia; 4) Competência digital; 5) Aprender a aprender; 6) Competências sociais e cívicas; 7) Sentido de iniciativa e espírito empreendedor; 8) Consciência e expressão cultural (SACRISTÁN, 2011).

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Social (2011 – 2013), cuja finalidade é prosseguir no aprimoramento e na

colaboração “entre as instituições de educação superior, em prol do

desenvolvimento da qualidade, efetividade e transparência do processo” (TUNING.

2011 – 2013).83

A propagação do modelo de competências assume contornos políticos,

disseminando o fetiche da competição, a individualização do trabalhador e seu

capital humano diferenciador dos demais. Há uma inversão evidente: de

universidade produtora de conhecimentos visando o desenvolvimento da sociedade,

para universidade formadora de indivíduos competentes, diante dos desafios do

mercado seletivo.

Para Sacristán (2011, p. 8), existem basicamente três tendências sobre o

modelo de competências: os que acham que esse sistema conduziria a uma

sociedade de indivíduos eficientes e competitivos, necessários nesta realidade

global; os que acham que desde esta ótica a educação se transformaria num

adestramento que deixaria de lado os grandes objetivos humanos da mesma; e

aqueles que consideram a possibilidade de reestruturar os sistemas educacionais

desde dentro, superando conteúdos antigos e criando uma sociedade não apenas

eficiente, senão também justa, democrática e inclusiva.

A partir de 85 competências gerais propostas por 18 países latino-americano

foram consolidadas 25: 1) capacidade de abstração, análise e síntese; 2)

capacidade de aplicar os conhecimentos na prática; 3) capacidade de organizar e

planejar o tempo; 4) conhecimento sobre a área de estudo e profissão; 5)

responsabilidade social e compromisso cidadão; 6) capacidade de comunicação oral

e escrita; 7) capacidade de comunicação em um segundo idioma; 8) habilidades no

uso das tecnologias da informação e da comunicação; 9) capacidade de pesquisa;

83 “O projeto ALFA Tuning – América Latina surge em um contexto de intensa reflexão acerca da educação superior tanto no nível regional como internacional. Até o momento Tuning tinha sido uma experiência exclusiva da Europa, um logro de mais de 135 universidades europeias que desde o ano de 2001 estão levando adiante um intenso trabalho a favor da criação do Espaço Europeu de Educação Superior”. O projeto para a América Latina foi apresentado em outubro de 2003 por um grupo de universidades latino-americanas e europeias à Comissão Europeia. “(...) Pode ser dito que a proposta Tuning para América Latina é uma ideia intercontinental, um projeto que tem se nutrido dos aportes de acadêmicos tanto europeus como latino-americanos”(http://tuning.unideusto.org/tuningal/. Acesso em 03 de março de 2013). Tendo por base o projeto Tuning Europa, foram produzidos outros documentos como o DESECO (Definition and selection of key competences) em 2005, elaborado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), definindo competências “chave”, a serem desenvolvidas nos sistemas da educação dos países da União Europeia.

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10) capacidade de aprender e capacitar-se permanentemente; 11) habilidades para

buscar, processar e analisar informação com fontes diversas; 12) capacidade crítica

e autocrítica; 13) capacidade de atuar em novas situações; 14) capacidade criativa;

15) capacidade para identificar, apresentar e resolver problemas; 16) capacidade

para tomar decisões; 17) capacidade de trabalho em equipe; 18) habilidades

interpessoais; 19) capacidade de motivar e liderar metas comuns; 20) compromisso

com a preservação do meio ambiente; 21) compromisso com seu meio sócio-

cultural; 22) valorizar e respeitar a multiculturalidade; 23) habilidades para trabalhar

em contextos internacionais; 24) habilidade para trabalhar de forma autônoma; 25)

capacidade para formular e gerenciar projetos; 26) compromisso ético; 27)

compromisso com a qualidade (TUNING, 2004 – 2007).

As sustentações teóricas sobre o modelo de competências estão centradas

na compreensão de que competências estão num patamar acima dos

conhecimentos, habilidades e atitudes, se mobilizadas e desenvolvidas integram e

potencializam tais componentes, na consecução de desempenhos.

A generalização da noção de competências na formação é forjada no

contexto de desenvolvimento da ideologia neoliberal, diante das transformações no

mundo do trabalho, revelando uma transferência do universo empresarial para o

acadêmico, implicando na reformulação curricular, na redefinição ampla de

conteúdos e procedimentos pedagógicos, personalizando processos de ensino-

aprendizado em dimensões subjetivas que correspondam às exigências e

necessidades do mercado.

As competências são identificadas nas práticas concretas, portanto sua

aplicabilidade é identificada em situações concretas. O ser humano competente

manipula os recursos que possui para a solução de um determinado problema,

aspecto que reforça a tendência à individualização, à concorrência.

5.4 A CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL PELO MODELO DE COMPETÊNCIAS

O processo de certificação profissional no Brasil é originário do projeto

CINTERFORT/OIT (Projeto 128), desenvolvido conjuntamente entre o Ministério do

Trabalho e as instituições de formação profissional, na década de 1970, para

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“aferição e certificações das qualificações adquiridas pelos trabalhadores, mediante

cursos de formação sistemática, pela experiência de trabalho ou combinação de

ambos” (STEFFEN, 2010, p. 15).

A metodologia empregada supunha o mapeamento das tarefas que os

trabalhadores com anos de experiência desenvolviam, independentemente da

formação inicial, exigindo análises comparadas entre tarefas do perfil da ocupação

com as desempenhadas pelos trabalhadores. A partir do estudo eram ofertados

cursos de aperfeiçoamento complementar à formação, culminando na certificação

profissional. Ao tempo em que o Ministério do Trabalho atestava uma qualificação

profissional eram desenvolvidos cursos que incentivassem a aquisição de

conhecimentos e habilidades.84

A compreensão de certificação profissional está mais relacionada com “o

processo de reconhecimento formal das competências que o trabalhador possui,

pouco importando onde, quando e como as adquiriu. A certificação de pessoas por

organismos de certificação acreditados pelo INMETRO segundo a NBR IS/IEC

17024: 2004” (Idem, p. 16).

Com o processo de globalização, diante da acumulação flexível,

particularmente na década de 1990, registra-se uma intensificação de processos de

certificação e desenvolvimento de competências profissionais, o que justifica a

adoção do modelo de competências pela educação e trabalho, contando com a

interferência de organismos e associação nacionais e internacionais, cujo interesse é

“modelar” práticas a partir da formação essencial e complementar, atendendo,

portanto, a múltiplos interesses, notadamente qualidade na produção e delimitação

social e técnica do trabalho. Outro aspecto a ser destacado é a complexificação das

funções diante dos arranjos produtivos, em conformidade com os regramentos

nacionais e internacionais, relativos aos avanços no campo dos direitos de cidadania

e do desenvolvimento sustentável.

A certificação de pessoas é um mecanismo que exemplifica o controle do

sistema produtivo e de organismos vinculados nos processos e resultados do

84 Outras iniciativas públicas importantes na certificação podem ser citadas, como o projeto “Avanço Conceitual e Metodológico da Formação Profissional no Campo da Diversidade no Trabalho e da Certificação Profissional” pela Organização Internacional do Trabalho e pela Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego, e a criação da norma ABNT NBR ISSO/IEC 17024 – Avaliação de Conformidade – Requisitos Gerais para organismos que certificam pessoas e acreditação dos organismos de certificação de pessoas pelo INMETRO.

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trabalho, favorecendo um clima competitivo e instável, tendo em vista a perspectiva

da manutenção dos requisitos que implicam promoções e ascensão ocupacional.

As diversas experiências conformam um modelo que segue: a centralidade na

experiência; testes de competências pelo domínio de conhecimentos e aplicação

prática; definição de uma certificação a partir de normas e regras instituídas;

processo definido de avaliação; critérios de avaliação; controle e acompanhamento

de resultados sobre a conduta do profissional certificado. Importante observar que o

profissional assume o custo do exame de sua certificação e permanente

monitoramento para manter-se certificado.85

5.4.1 Certificação das ocupações profissionais

A Classificação Brasileira de Ocupações – CBO foi publicada em 1982, tendo

sofrido alterações que não modificaram sua estrutura e concepção metodológica.86

Sua finalidade é identificar ocupações no mercado de trabalho, visando sua

classificação. Seu limite é administrativo, portanto, não possui efeito de

regulamentação, o que deve ser realizado por lei federal, e sancionada pelo

Presidente da República.

Uma das aplicações da CBO é contribuir na produção da Relação Anual de

Informações Sociais (Rais), do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

(Caged), no cruzamento de dados do Seguro Desemprego e na formulação de

políticas públicas de geração de emprego e renda. Sua finalidade, ainda, é servir de

base para o cadastramento no INSS e em pesquisas do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE).

85 São diversas as experiências de certificação de pessoas. Alguns organismos de certificação acreditados pelo INMETRO podem ser citados: Associação Brasileira de Ensaios não Destrutivos e Inspeção (ABENDI); Associação Brasileira de Manutenção (ABRAMAN); Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM); Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT); Centro de Tecnologia do SENAI/RJ; Fundação Brasileira de Tecnologia da Sondagem (FBTS) Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON/NQCP); Petrobras/SEQUI; Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais; Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros (IBCPF).

86 A última atualização da CBO foi publicada pela portaria ministerial nº. 397, de 9 de outubro de 2002.

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Sua função é reconhecer, nomear e codificar os títulos, além de descrever as

características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. As ocupações do

mercado brasileiro são organizadas e descritas por famílias, sendo que cada família

constitui um conjunto de ocupações similares correspondentes a um domínio de

trabalho mais amplo que aquele da ocupação.

A metodologia desenvolvida prioriza a descrição do trabalho pelos próprios

trabalhadores. Há, portanto, a centralidade no fazer profissional, considerando as

representações sociais, sem considerar, assim como na metodologia da

classificação de pessoas, conhecimentos da formação essencial ou

regulamentações e recomendações das entidades representativas.

A ocupação assistente social está na mesma família que economia

doméstica.87 A classificação vigente contou com a participação de 10 especialistas.

As áreas ou atividades estão descritas como: “orientar indivíduos, grupos,

comunidades e instituições; planejar políticas sociais; pesquisar a realidade social;

executar procedimentos técnicos; monitorar as ações em desenvolvimento;

promover eventos técnicos e sociais; articular recursos disponíveis; coordenar

equipes e atividades; desempenhar atividades administrativas.” A área de atuação

centraliza-se, na classificação, em competências de orientar, planejar coordenar.

A classificação das profissões de assistente social e economia doméstica

possui a seguinte descrição: “Prestam serviços sociais orientando indivíduos,

famílias, comunidades e instituições sobre direitos e deveres (normas, códigos e

legislação), serviços e recursos sociais e programas de educação; planejam,

coordenam e avaliam planos, programas e projetos sociais em diferentes áreas de

atuação profissional (seguridade, educação, trabalho, jurídica, habitação e outras),

atuando nas esferas pública e privada; orientam e monitoram ações em

desenvolvimento relacionados à economia doméstica, nas áreas de habitação,

vestuário e têxteis, desenvolvimento humano, economia familiar, educação do

consumidor, alimentação e saúde; desempenham tarefas administrativas e articulam

recursos financeiros disponíveis”. Nessa descrição, além de competências de

orientar e planejar, são descritas competências de avaliar planos, programas e

projetos. Mas cabe o destaque para prestação de serviços sociais sobre direitos e

deveres.

87 Fonte: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/tabua/ResultadoConversaoFamilia.jsf

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A caracterização do trabalho delimita instituições das esferas pública e

privada, assim como organizações não governamentais. “Podem atuar em empresas

ou instituições do setor agropecuário, comercial, industrial e de serviços. O foco de

atuação é a família (ou indíviduo). São estatutários ou empregados com carteira

assinada. Trabalham em equipe, sob supervisão ocasional, em ambientes fechados

e em horário diurno, podendo, o assistente social trabalhar em horários irregulares

durante plantões e em casos emergenciais. Eventualmente, trabalham sob pressão,

levando à situação de estresse.”

A classificação considera como competências pessoais do assistente social e

do economista doméstico: “Trabalhar com ética profissional; Manter-se atualizado;

Ouvir atentamente (saber ouvir); Demonstrar bom senso; Demonstrar sensibilidade;

Contornar situações adversas; Trabalhar em equipe; Manter-se imparcial;

Demonstrar auto-controle; Lidar com estresse; Demonstrar discrição; Manter-se

disciplinado; Manter-se firme; Demonstrar persistência; Mediar conflitos; Participar

de grupos de estudo; Demonstrar sensibilidade política; Estimular a criação de novos

recursos; Respeitar as diversidades étnicas, culturais, de gênero, de credo, de opção

sexual, etc; Demonstrar criatividade; Manter o sigilo profissional; Manter-se flexível;

e Demonstrar ousadia”.

Destaca-se a delimitação do foco na família e nas competências atributos ou

habilidades sociais no trabalho a dinâmica das relações. Entretanto, alguns

elementos sobressaem, especialmente pela crítica do Serviço Social, como a

imparcialidade, outros se aproximam do perfil profissional recomendado, a exemplo

da postura ética, da participação em grupos de estudo e do respeito à diversidade.

As atividades definidas na CBO estão centradas em eixos de ação,

particularmente na orientação, no planejamento, na pesquisa, na execução de

procedimentos, no monitoramento, na promoção de eventos, na articulação de

recursos, na coordenação de equipes e atividades, no desempenho de atividades

administrativas, na demonstração de competências pessoais. Tais atividades

demonstram uma perspectiva instrumental e distanciada das diretrizes para o

trabalho social na atualidade, especialmente na construção de mediações técnico-

políticas que fortaleçam os processos democráticos no campo dos direitos.

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A metodologia adotada pela CBO é amplamente criticada pelo CFESS, tendo

em vista a não incorporação de competências e atribuições determinadas pelas

legislações profissionais, e o fato de ter sido construída com base em

uma metodologia pouco representat iva, v is to que e labora as funções a part ir de consulta a pequeno grupo escolh ido de prof iss ionais, não abrangendo, por tanto, o univer so prof iss ional. No caso do Serviço Soc ia l brasi le iro, o d isposto na CBO para assis tentes soc iais está longe de expressar suas competênc ias e atr ibuições. O CFESS, em reunião com o Minis tér io do Trabalho, já sol ic i tou sua revisão. Desse modo, a CBO não pode ser parâmetro para def inição do t rabalho de ass istentes soc ia is” (CFESS, 2011, p. 6)

Entre as deliberações do conjunto CFESS/CRESS no eixo orientação e

fiscalização, aprovadas nos Encontros Nacionais, comparece, de modo reiterado, a

necessidade de alteração das definições da profissão na CBO88, considerando a

legislação profissional. Não obstante as insuficiências na metodologia, nos

resultados classificatórios e seus impactos, compõem a agenda política e regulatória

do Serviço Social, a melhor definição das competências e atribuições, no contexto

entre a crise e legitimidade do projeto ético-político profissional.

88 As gestões junto ao Ministério de Trabalho e Emprego são recorrentes, com registros das estratégias adotadas, sem sucesso, tendo em vista a metodologia empregada, o que pode ser identificado na ação relatada: “Acompanhamento, junto ao MTE, das alterações na descrição da profissão, veiculada no sítio da CBO – Classificação Brasileira de Ocupações, de forma agregada à profissão de economia doméstica. A ação requerida pelo CFESS, em julho de 2004, com esclarecimento sobre as características legais da profissão, competências e atribuições privativas, foi reiterada, posteriormente, por meio de ofício e, no exercício de 2009, foi intensificada, durante reunião na Divisão da CBO, a qual procedeu algumas correções na descrição das atribuições, entretanto, manteve a descrição conjunta com as atividades do economista doméstico. Segundo a chefa da Divisão da CBO, a metodologia utilizada (que agrega as profissões por “famílias”) só poderá ser alterada na próxima edição da CBO, prevista para 2011. Nesse sentido, além da pressão para a correção, está sendo produzido um documento a ser enviado ao MTE no início de 2011” (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Relatório Anual de Gestão. Brasília, 2011).

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6. PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORANEO:

LEGITIMIDADE PELA MONOPOLIZAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Na década de 1990 um paradoxo se revela na profissão e no campo dos

direitos: materialização do acúmulo político expresso na afirmação de mecanismos

Democráticos e direitos reclamáveis, resultado na aprovação da Constituição de

1988; contexto reformista neoliberal, que diante da ideologia do Estado mínimo,

conformou um panorama de “refilantropização” e restrição de direitos conquistados.

No âmbito da profissão identifica-se a materialização do projeto ético-político

profissional, forjado no processo de ampla revisão das bases teórico-práticas e ideo-

políticas da profissão. A legislação profissional, particularmente a Lei 8662/03 e o

Código de Ética de 1993 (Resolução n. 273), espelha a resposta do Serviço Social

às requisições sociais e institucionais, especialmente nas competências

demandadas para a implementação das políticas regulamentadas, o que pode ser

identificado no conteúdo das competências previstas no artigo 4º da Lei 8662/93,

especialmente em seu inciso I: “elaborar, implementar, executar e avaliar políticas

sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas,

entidades e organizações populares”. Daí a relação entre as competências, deveres

éticos e as necessidades/requisições constitutivas das legislações sociais,

notadamente a diretiva da gestão condicionada aos processos de negociação e

consensos, a partir da Constituição de 1988.

Associam-se às competências e atribuições profissionais os reordenamentos

preconizados pela descentralização com participação da sociedade civil, diante do

novo pacto federativo. A lei 8662/93 comanda “habilidades” imprescindíveis na

democracia formal, nos marcos do Estado Democrático de Direitos, observado nos

incisos

I I - e laborar, coordenar, executar e aval iar p lanos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Soc ial com participação da sociedade civi l ; VI - p lanejar , organizar e administrar benef íc ios e Serviços Soc ia is; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às pol ít icas sociais , no exercíc io e na defesa dos d irei tos c iv is , polí t icos e soc ia is da colet iv idade (Lei 8662/93).

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Tais competências são direcionadas e relacionadas com as definições éticas,

com destaque para: c - participação na elaboração e gerenciamento das políticas

sociais, e na formulação e implementação de programas sociais (Artigo 2º - direitos

do assistente social); a- contribuir para a viabilização da participação efetiva da

população usuária nas decisões institucionais (Artigo 5° - deveres do/a assistente

social nas suas relações co usuários/as); d- empenhar-se na viabilização dos direitos

sociais dos/as usuários/as, através dos programas e políticas sociais; e- empregar

com transparência as verbas sob a sua responsabilidade, de acordo com os

interesses e necessidades coletivas dos/as usuários/as (Artigo 8º - deveres do

assistente social).

Existe, portanto, uma relação entre requisições institucionais, nos marcos do

Estado Democrático de Direito, e competências profissionais que por sua vez forjam

um perfil técnico-político informado pelos conhecimentos priorizados na formação

profissional.

Observa-se que a competência de orientar se mantém na revisão da

legislação e é direcionada politicamente para a defesa dos direitos: III - encaminhar

providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V -

orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar

recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;

VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da

realidade social e para subsidiar ações profissionais. Comparece, nesta última

competência, a dimensão investigativa como uma importante dimensão do fazer

profissional, que tem a própria realidade social como substrato.

As competências são compreendidas como particularidades gerais de uma

profissão, demarcando um campo, uma particularidade, desenhando habilidades

sociais imprescindíveis para o desenvolvimento das mesmas. Já as atribuições

expressam o poder evocado, a delimitação construída em sintonia com as

requisições históricas.

Ainda no artigo 4 º, que juridicamente abarca o 5º que trata das atribuições,

comparece a legitimidade da profissão, particularmente quanto: “ X - planejamento,

organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI

- realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e

serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas

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privadas e outras entidades”. Comparece aí a ambiguidade entre “serviço social e

serviços sociais”, uma vez que a definição “serviços sociais” é geral e “serviço social”

privativo. Ao mesmo tempo, o estudo sócio-econômico não é delimitado como

privativo embora seja uma especificidade importante da profissão, revelando o

dilema da delimitação precisa da especificidade profissional.

A análise sobre os aspectos jurídicos da Lei 8662/93, sustenta-se na

compreensão de que atribuições referem-se às funções privativas do assistente

social, ou seja, suas prerrogativas exclusivas, enquanto as competências expressam

capacidade para apreciar ou dar resolutividade a determinado assunto, não sendo,

portanto, exclusivas de uma única especialidade profissional, mas a ela

concernentes em função da capacitação profissional.

O Parecer Jurídico da assessora jurídica do CFESS, Sylvia Terra89 que

subsidia as interpretações das atribuições do assistente social, apresenta uma

análise dos incisos do artigo 4º, no qual constam repetições das funções privativas

contempladas no artigo 5º, identificando visíveis contradições no artigo 4º. Assim, os

incisos II, III e VIII e XI do Art. 4º, que tratam das competências, são atribuições

privativas do assistente social, porque apresentam competências que estão

previstas no art. 5° na referida Lei concernente às atribuições:

I I . e laborar, coordenar e executar e aval iar p lanos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Soc ial com part ic ipação da soc iedade c iv i l ; I I I . encaminhar providênc ias e prestar or ientação soc ial a indivíduos, g rupos e a população; VI I I . prestar assessor ia e consul tor ia a órgãos da administração públ ica d ireta e indireta, empresas pr ivadas e outras ent idades, com relação às matér ias re lac ionadas no inciso I I deste art igo; XI. real izar es tudos soc ioeconômicos com os usuár ios para f ins de benef íc io e serviços soc ia is, junto a órgãos da administração públ ica d ireta ou indireta, empresas pr ivadas e outras ent idades.

Observa-se, também, por questões técnicas e jurídicas, uma reiteração da

fragilidade na delimitação de prerrogativas profissionais, além da tendência de ora

monopolizar o saber-fazer, ora recusar as investidas positivistas de fragmentar,

muito embora se utilize das mesmas prerrogativas. Com efeito, a tendência

89 TERRA, S. H. Parecer Jurídico n° 27/98. Assunto: Análise das competências do Assistente Social em relação aos parâmetros normativos previstos pelo art.5º da Lei 8662/93, que estabelece as atribuições privativas do mesmo profissional. São Paulo, 13/09/2000, mimeo,12 pp.

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institucionalista acaba imperando no âmbito das profissões regulamentadas,

reforçando o apelo por marcar “na Lei” espaços ocupacionais e funções.

6.1 A MONOPOLIZAÇÃO DO “SABER-FAZER”: COMPETÊNCIAS DO

ASSISTENTE SOCIAL

A disputa por legitimidade na divisão social e técnica do trabalho é

dinamizada pelos projetos coletivos que atribuem teleologia ao saber das profissões,

apostando na tradição e na legitimidade, particularmente aquelas regulamentadas,

por meio de um estatuto normativo-jurídico. No caso do Serviço Social a histórica

instabilidade e fragilidade institucional, especialmente pelo signo do “assistir”,

“servir”, o que pode reforçar uma conotação subsidiária e de aplicação de

conhecimentos científicos interdisciplinares, a legislação articulou princípios ético-

políticos com finalidade teórico-práticas.

Para Iamamoto, (2012) “o texto legal expressa, pois, um conjunto de

conhecimentos particulares e especializados, a partir dos quais são elaboradas

respostas concretas às demandas sociais”. Evidentemente, que a delimitação

normativo-jurídica não garante realização plena, já que a prática profissional é

condicionada pela “lógica do mercado capitalista” (p.30).

É amplamente debatida no âmbito profissional a aplicabilidade da legislação,

considerando os dilemas entre a autonomia estabelecida e os contextos de exercício

profissional, desafiando a própria profissão a construir mecanismos que clarifiquem e

particularizem competências e atribuições.90

90 “Segundo Terra (2007, p. 22) “o legislador, ao regulamentar a matéria, fez uma clara diferenciação, entre as atividades profissionais que são exclusivas do assistente social, especificadas no artigo 5º, ao designá-las, expressamente, como ‘atribuições privativas’ e, por outro lado, com aquelas que designou como ‘competências’, reconhecendo, consequentemente, como atividades do assistente social, porém de execução não exclusiva deste, eis que podem, também, ser exercidas, por profissionais de outras áreas do conhecimento (...) a questão, portanto, localiza-se na imperfeição da caracterização legal das atribuições privativas, em contrapartida a caracterização das competências, eis que as atribuições previstas pelo artigo 5º, se repetem em algumas disposições do artigo 4º. E isso, evidentemente, dificulta, sobremaneira, a ação de fiscalização dos CRESS e a compreensão daquilo que é privativo, bem como das atividades que podem ser compartilhadas com outros profissionais técnicos de outras áreas.”

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Para além das imperfeições jurídicas, tendo em vista a repetição de incisos,

ocasionando ambiguidades, corrigidas apenas pela interpretação da Lei,

prevalecendo à compreensão de que predomina o estabelecido em atribuições

privativas definidas no artigo 5º, a questão central é a compreensão do que seja

privativo a partir das definições legais.

Art . 5º Const i tuem atribuições privativas do Ass is tente Socia l: I - coordenar, elaborar , executar, supervis ionar e aval iar es tudos, pesquisas, p lanos, programas e projetos na área de Serviço Social ; I I - p lanejar , organizar e adminis trar programas e projetos em Unidade de Serviço Social ; I I I - assessor ia e consul tor ia e órgãos da Administração Públ ica d ireta e indireta, empresas pr ivadas e outras ent idades, em matéria de Serviço Social ; IV - real izar v istor ias, per íc ias técnicas, laudos per ic iais , informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V - assumir, no magis tér io de Serviço Soc ia l tanto a nível de graduação como pós -graduação, disc ip l inas e funções que ex i jam conhecimentos próprios e adquir idos em curso de formação regular ; VI - t re inamento, aval iação e supervisão d ireta de estagiár ios de Serviço Soc ia l; VII - d ir ig ir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós -graduação ; VII I - d ir igir e coordenar assoc iações, núc leos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Soc ia l; IX - e laborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões ju lgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assis tentes Soc ia is , ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social ; X - coordenar seminár ios , encontros, congress os e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social ; X I - f iscal izar o exerc íc io prof iss ional at ravés dos Conselhos Federal e Regionais; XII - d ir ig ir serviços técnicos de Serviço Social em ent idades públ icas ou pr ivadas; XII I - ocupar cargos e funções de d ireção e f iscal ização da gestão f inanceira em órgãos e ent idades representat ivas da categor ia prof iss ional.

Os debates sobre competências e atribuições baseados nas orientações

jurídicas, remetem ao entendimento de que é possível especificar melhor, por meio

de uma normativa “o que está contido no artigo 4º da lei 8662/93, que é privativo do

assistente social por estar contido no artigo 5º” (TERRA, 2007, p.24). Constitui um

desafio, ainda, uma definição conceitual das atribuições e competências do

assistente social, a exemplo da realização de vistorias, perícias técnicas, laudos

periciais, informações e pareceres sobre a matéria de serviço social.

Algumas questões na delimitação das atribuições privativas podem ser

destacadas: o que constitui área de serviço social? O que é a matéria da profissão e

serviços técnicos em serviço social? Fica evidente que a definição serviço social –

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no singular, e não “serviços sociais” - atribui especificidade. Ainda assim, carece de

detalhamento. Observa-se que no caso do exercício da docência são recorrentes os

arranjos que atribuem especialidade com o emprego do “serviço social”, a exemplo

de Pesquisa em Serviço Social.

O aspecto que delimita o caráter do que seja o privativo do assistente social é

a sua qualificação enquanto matéria, área e unidade de Serviço Social, o que não

significa respaldo direto na Lei. Portanto, explicitar a legislação supõe dar conta de

uma questão que não pode ser tributada de imediato ao texto legal, revelando a

flexibilidade da legislação em corresponder à formação profissional de seu tempo,

reforçando, com isso, a prerrogativa profissional de auto-regulação. Cabe, portanto,

à profissão, oferecer no campo da formação, subsídios suficientes para a

compreensão do que seja objeto/matéria e mesmo serviço social, considerando

requisições e contextos sócio-históricos que conformam a necessidade social da

profissão.

O projeto ético-político profissional baliza a direção construída pelo coletivo e

prospecta os desafios na interpelação da realidade social em suas contradições.

Assim, o estatuto normativo-jurídico da profissão oferece elementos para as

mediações necessárias no cotidiano, aportadas por conhecimentos teóricos

sistematizados e relevantes para interpretação/ação.

Considerando a profissão como dinâmica permeada por determinantes sócio-

históricos, mas também institucionais, é possível destacar parte dos processos que

forjam a própria profissão nos marcos da contemporaneidade: os referentes teórico-

metodológicos que contemplam a produção consistente de assistentes sociais no

campo da teoria social marxista91, em contraposição às perspectivas reducionistas,

configurando um caldo cultural de cariz crítico que recusa o conservadorismo em

suas múltiplas expressões e refrações na vida social; os movimentos sócio-históricos

da sociedade burguesa circunscrevem a prática social e, nela, a intervenção do

Serviço Social, sobressaindo o imperativo da análise crítica das dinâmicas sociais e

sua relação com o Estado, sobretudo na contradição elementar entre as classes, e

91 No âmbito do conhecimento da humanidade, a teoria social de Marx se expressa como referência contraditória às Ciências Sociais particulares, de caráter positivista, no sentido da ultrapassagem do mundo burguês, na direção da construção de uma nova sociedade, razão pela qual se inscreve nos debates da atualidade como a teoria que ilumina esse caminho.

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sua relação com os projetos societários e profissionais; o protagonismo individual e

coletivo da profissão, e sua relação com as condições de trabalho, no contexto de

expansão do capitalismo “financeirizado”, sobressaindo a condição assalariada.

O estatuto de estatuto de trabalhador assalariado, não é uma dimensão

secundária quando da análise da profissionalidade contemporânea. O assistente

social é subordinado a processos de alienação, restrição de sua autonomia técnica e

intensificação do trabalho a que estão submetidos os trabalhadores assalariados em

seu conjunto (RAICHELIS, 2011, p. 107: 434). Realidade que torna complexa a mera

definição do “dever fazer” e ao mesmo tempo desafia a própria profissão à produção

de novos estudos sobre as condições em que o trabalho é realizado. Como garantia

a realização da pesquisa como sendo uma das principais competências em

contextos institucionais em que impera o imediatismo e a burocracia?

O aprofundamento normativo-jurídico e conceitual dos artigos 4° e 5º da Lei

8662/93 depende do debate acadêmico-profissional, no que se refere à concepção

da profissão, já que a auto-qualificação da profissão é prerrogativa “dos seus

agentes especializados e de seus organismos representativos que, em determinados

contextos societários, confirmam a necessidade ou utilidade social dessa

especialização do trabalho” (IAMAMOTO, 2012, p. 39).

As contradições e mesmo fragilidades decorrentes da precarização da

formação aprofundam as dificuldades em manter relativa coerência entre as

prescrições legais e os contornos e demandas dos espaços institucionais. Assim,

percebe-se uma tendência nos conselhos profissionais, notadamente de Serviço

Social e Psicologia, em detalhar prerrogativas em documentos de grande circulação,

com o objetivo de unificar entendimentos sobre o que não constitui “função” e o que

“deve” ser realizado nos contextos sociais pelas respectivas profissões.

A tendência dos últimos documentos de ampla difusão no Serviço Social,

chamados “parâmetros”, é delimitar, considerando a produção teórica hegemônica,

competências e atribuições, dando ênfase à questão social como matéria de

investigação/intervenção e o modo como se particulariza em políticas ou espaços de

relevância dada a atuação significativa da profissão nesse âmbito.

Os parâmetros são produzidos entre as expectativas profissionais pela

delimitação das prerrogativas, o que pode redundar em focalismos e incompletudes,

ainda que o esforço seja totalizar objetivos profissionais e remetê-los ao estatuto

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normativo-jurídico; e a necessidade constatada pelas entidades da categoria de

direcionar o exercício profissional diante das fragilidades gritantes em termos da

formação acadêmica, dimensão fundamental para o credencialismo qualificado.

As profissões regulamentadas possuem uma dimensão de autonomia,

sempre relativa, possibilitada pela legislação profissional. As pressões por definições

complementares que especifiquem atividades e estabeleçam o que não compete

aos profissionais, revela uma tendência de fragilidade institucional.92 Os parâmetros

centrados em competência são insuficientes para romper com as práticas que

tendem à reprodução do conservadorismo ou do pragmatismo, muito embora não

tenha sido esse o objetivo. Outras estratégias são fundamentais, especialmente a

implantação de uma política de educação permanente que considere as

particularidades profissionais, e o fortalecimento da formação profissional, em

sintonia com o projeto ético-político.

As deliberações dos Encontros Nacionais CFESS/CRESS trazem de modo

sistemático conteúdos relativos ao aprimoramento de aportes normativo-jurídicos

que especifiquem atribuições.93 O Plano Nacional da Comissão de Orientação

2007/2008 consolidou, com o objetivo de se constituir num “instrumento político e de

gestão que direciona e expressa os avanços necessários em termos institucionais,

profissionais e financeiros”, as deliberações centrais relativas ao exercício

profissional, com destaque àquelas que dizem respeito às competências e

atribuições. Destacam-se as deliberações no eixo “potencialização da ação

fiscalizadora para valorizar, defender, fortalecer e publicizar a profissão”:

aprofundar a d iscussão sobre a descaracter ização da prof issão no Sis tema S (SESI, SESC, SESEF – Serviço Soc ia l das Estradas de Fer ro, SENAR – Serviço Soc ial dos Rodoviár ios, SEST – Serviço Soc ia l do Transporte) v isto a re levânc ia dessas inst i tuições, inc lus ive, ao apropr iarem -se

92 É comum nos fóruns e espaços da assistência social, assistentes sociais reivindicarem exclusividade na coordenação dos equipamentos e no desenvolvimento de outras funções de gestão no SUAS, o que reforça o corporativismo presente no meio profissional e mesmo a “confusão” entre assistência social e serviço social.

93 No 35º Encontro Nacional CFESS/CRESS (2006), realizado em Vitória – ES, deliberou-se pela sistematização de contribuições dos CRESS e do CFESS para a revisão da Política Nacional de Fiscalização - PNF, remetida para a Plenária Nacional CFESS/CRESS, de caráter deliberativo, realizada em Brasília – DF, nos dias 21 e 22 de abril de 2007.

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da expressão “Serviço Soc ial” produzir instrumentos que viabi l izem o mapeamento da conf iguração dos espaço s sócio-ocupac ionais , condições e re lações de trabalho, requis ições soc ia is em matér ia de d irei tos e qual i f icação prof iss ional . (CFESS/CRESS); ( . . . ) Realizar estudos sobre as atr ibuições dos assistentes sociais na área da saúde por meio do grupo de trabalho já const i tuído por representante do CFESS e dos CRESS, inclu indo as contr ibuições dos CRESS 7ª e 15ª regiões no que se refere às competênc ias dos ass istentes Socia is no processo de a lta e remoção de pac ientes em unidades de saúde, comunicação de óbito e demais atr ibuições. (CFESS/CRESS); ( . . . ) Elaborar novos parâmetros jurídico-normativos sobre o exercício prof issional do assistente Social , considerando, os processos sociais, as condições e relações de trabalho, e as áreas de atuação, em relação às compet ências e atribuições profissionais , as prerrogativas e pr inc íp ios ét ico -pol í t icos, contemplando in ic ia lmente as ações a seguir : e laborar normat ização referente à emissão de pareceres conjuntos entre ass is tentes soc ia is e prof iss ionais de outras categor ias, no âmbito sóc iojuríd ico e outros campos onde se desenvolvem ações interdisc ip l inares, com base no parecer Juríd ico nº 20/07; Estabelecer parâmetros de referênc ia sobre a média de atendimento de usuár io, por ass istente soc ia l, nas d iversas áreas de atuação; e laborar resolução que regule a re lação do ass istente socia l na função de ass istente técnico com aquele que está na função de per ito judic iár io (CFESS, 2007, p.72-73).

A construção de parâmetros que orientem o exercício profissional passou a

ser uma reivindicação reiterada engendrando um paradoxo: fragilidades teóricas na

formação profissional e nas estratégias de educação permanente e aprimoramento

intelectual (previsto no Código de Ética); necessidade de unificação dos

direcionamentos políticos, éticos e técnicos que fortaleçam o exercício profissional e

as atividades políticas nos espaços de controle democrático.

O CFESS em conjunto com os CRESS vem produzindo parâmetros ou

subsídios para o exercício profissional. A assistência social e a saúde foram as duas

primeiras áreas ou políticas a serem consensuadas na lógica das competências,

seguidas da educação, com a produção de subsídios. O campo sócio-jurídico vem

sendo igualmente analisado, com o mesmo propósito, o que reforça a tendência

atual.

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6.2 SERVIÇO SOCIAL E ASSISTÊNCIA SOCIAL

A relação entre a profissão e a política de assistência social revela os efeitos

de um sincretismo evidente. O campo assistencial constitui-se como um dos

espaços essenciais na gênese e desenvolvimento da profissão, nos marcos da

construção do padrão de proteção social. Como política de atuação significativa de

assistentes sociais, tanto Serviço Social como a Assistência Social, são dinamizados

por tendências de fragilidade e legitimidade institucional.

A criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, mesmo antes da

formação das primeiras assistentes sociais brasileiras, expressa a interferência

regulatória do Estado em resposta à questão social, como determinante

fundamental, impactando diretamente no significado da profissão que acompanha,

em grande medida, os contornos do próprio Estado, em resposta às tensões entre

as classes fundamentais.

Assim, nos marcos da gênese e consolidação da profissão identifica-se um

significado de profissão que reforça as práticas benemerentes e autoritárias, no

ajustamento dos indivíduos sociais94; no contexto desenvolvimentista sobressaem

perspectivas integradoras e de sofisticação do repertório técnico-instrumental,

prevalecendo o entendimento dos recursos assistenciais como uma etapa para o

desenvolvimento do indivíduo e suas inserções coletivas; no contexto da

redemocratização, assume-se o papel de desenvolver os mecanismos democráticos

no campo dos direitos, o que se aprofunda na contemporaneidade.

A produção teórica no Serviço Social contribuiu para reposicionar a

assistência social como direito, na crítica à sua trajetória histórica,95 bem como sua

94 A ação de caráter assistencialista pode ser considerada como “ajuda dos necessitados pela ação compensatória, por uma política de conveniências eleitorais e pelo clientelismo. Expande-se na esteira do favor pessoal, combinando uma atenção reduzida com a necessidade de reconhecer por parte do receptor da ajuda que está sendo prestada. Desloca a ação para o campo privado, o interesse pessoal, exacerbando a lógica de que o caráter é o da concessão e da benesse” (COUTO, 2004, p. 165). O enfrentamento da questão social pela assistência social revela dinâmicas contraditórias: apadrinhamento, clientelismo e relações de mando, reproduzindo a relação de dependência; vinculação com a filantropia no acesso ao fundo público e no desenvolvimento de ações residuais. A obra Assistência Social na trajetória das Políticas Sociais Brasileiras (SPOSATI et al, 1985) inaugura a produção teórica do Serviço Social, contribuindo para a demarcação desta política na Seguridade Social e sua definição conceitual.

95 Os processos políticos no contexto de redemocratização possibilitam as contradições da assistência social, como orgânica ao capital, enquanto volta-se para a subsistência da força de

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relação com a profissão. O movimento de reconceituação recupera a assistência

social como direito e espaço contraditório, distanciando-se das perspectivas

estruturalistas, amparadas nas análises althusserianas, que atribuem à assistência

social o papel exclusivo de conter pressões, neutralizar processos políticos, difundir

a ideologia dominante e “atrasar” a revolução (SILVA, 2009).

A negação da assistência social como espaço privilegiado de sua intervenção

(SPOSATI et al. 1985), faz parte da trajetória do Serviço Social, o que a coloca como

objeto permanente de análise nos marcos da sociedade capitalista, da constituição

do Estado social.96

Com o advento da Constituição de 1988 a assistência social atinge um

estatuto de política de proteção social, dever do Estado e direito de cidadania,

orientada por novas diretivas em sintonia com o processo de descentralização que

assume o significado de redemocratização, impulsionando instrumentos e

normatividades que fortalecem a disputa de sua institucionalidade na seguridade

social brasileira.

Novos ordenamentos induzidos pelo acesso ao fundo público conformam

espaços ocupacionais e demandam conhecimentos e intervenções que qualifiquem

a descentralização político-administrativa, como: implantação de conselhos;

realização de Conferências; elaboração da política em seu âmbito; e estruturação de

serviços. Serão novas exigências para o trabalho profissional não apenas, mas

especialmente, do Serviço Social.97

trabalho de reserva e amenização dos padrões de vida e da política salarial que imprime aos trabalhadores, e orgânica ao trabalho, por substituir a renda mínima e como espaço com potencial de construção de alternativas de organização popular.

96 No âmbito da profissão, apesar das diferentes perspectivas e analises, é consenso o transito histórico da assistência social para o campo dos direitos. “Se é verdade que a Assistência Social vincou historicamente o que alguns analistas visualizam como a ‘particularidade’ do Serviço Social, é igualmente verdade que, dominantemente até os anos 70 do século passado, aquele vinco estava hipotecado à benemerência, ao favor e a distintas formas de filantropia. É nos anos 80 que o eixo das concepções assistenciais, deslocando-se da tradição assistencialista, se vai transladar para a esfera dos direitos e vai se relacionar a políticas sociais (NETTO, 2008, p.10)”.

97 As Constituições de 1891 e 1924 são omissas quanto à responsabilidade estatal com a assistência social. A Constituição de 1934, vigente por três anos, define: "a todos cabe o direito de prover à própria subsistência e de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência" (FOWLER, 1998, p. 63) Entretanto, a definição da assistência sociais como direito de cidadania reclamável, positivo, será efetivado nos marcos da Constituição de 1988.

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Além da tradição assistencialista e de residualidade, marcas constitutivas da

assistência social, o que se observa é uma natureza frágil semelhante ao Serviço

Social: é preciso igualmente construir mecanismos normativo-jurídicos e aportes

teóricos que recusem práticas conservadoras; comparecem projetos em disputa que

tensionam as práticas no campo assistencial, com forte tendência às ações de

controle da vida privada, que desconsideram as determinações da sociabilidade

burguesa; divergências na delimitação do objeto de intervenção, conformando um

debate polarizado entre a natureza transversal ou específica da política, alimentando

o debate conceitual.

Ao mesmo tempo, no contexto de implantação da Lei Orgânica de

Assistência Social - LOAS (Lei n. 8742/93) e principalmente do Sistema Único de

Assistência Social – SUAS98, evidencia-se uma legitimidade na proteção social que

configura um campo em disputa, com inserção significativa de trabalhadores que

almejam reconhecimento de suas atribuições e competências.

A constituição de uma política regulada pelo Estado e fortemente induzida,

quanto à implantação de serviços e lógica de gestão pública, reposiciona novos

atributos em gestão e trabalho social, o que vem reconfigurando o campo da

assistência social no Brasil, que possui profundas marcas conservadoras,

assentadas no binômio assistência-repressão, reforçando processos de segregação,

de fragmentação das demandas e de “judicialização” da questão social e dos

conflitos decorrentes.

Os programas e as ações pontuais tenderam, dadas às condições objetivas

da configuração do Estado, à moralização das desigualdades expressas nas

condições de vida da população usuária dos serviços, dos comportamentos tidos

como desviantes, tendo em vista a incorporação de padrões tradicionais,

hegemonizados na prestação dos serviços a segmentos subalternizados, que são

98 O SUAS representou em seu primeiro estágio uma verdadeira reforma no âmbito do Estado, a

partir de processos indutores que solidificaram a legitimidade política fundamental para os próximos patamares. Sua regulamentação por meio da Lei n. 12.435/11 oferece as bases para a consolidação de uma nova concepção e “arquitetura” de gestão do conteúdo peculiar à proteção social não contributiva, assim como os direcionamentos que fortaleçam sua dimensão de intersetorialidade na relação com as demais políticas públicas, contribuindo na ampliação da proteção social brasileira e superação de suas marcas históricas, amplamente criticada, notadamente pela residualidade e funcionalidade aos mecanismos reforçadores da cultura do mando e do favor.

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portadores de projetos de classe e vivenciam a exploração e exclusão social,

econômica e política (YAZBEK, 1993).

O trabalho desenvolvido na política de assistência social é a mediação central

da própria política (SPOSATI, 2006), fator que eleva a responsabilidade pública na

produção de direcionamentos éticos, técnicos e políticos que se contraponham à

reatualização de práticas tradicionais e à inserção de práticas “empiristas”, que nem

ao menos expressam as diretrizes e os princípios Constitucionais da democratização

formal do acesso aos direitos, aspecto que dimensiona a necessária direção política

e construção de processos coletivos que efetivamente impactem no trabalho

cotidiano das equipes técnicas considerando a direção social produzida até então.

O SUAS, atendendo o comando da Constituição Federal e da LOAS inaugura

um novo marco regulatório que expressa o esforço da construção do conteúdo

específico da assistência social na proteção social brasileira, desencadeando e

dando movimento a processos de democratização e de qualificação do acesso aos

direitos, com consequente ampliação da esfera pública do Estado.

O SUAS possibilitou, em seus primeiros anos de implementação, a

construção de referência estatal na regulação e na expansão unificada do acesso a

um direito com duas dimensões fundamentais: é específico no acesso à proteção

social não contributiva, ou seja, na transferência de renda necessária ao

enfrentamento da questão social, cuja base expressa desigualdade estrutural; é

intersetorial já que sua dimensão assistencial comparece nas demais políticas e nas

medidas necessárias à efetivação da proteção social, ocupando o lugar de uma

política estratégica na ampliação da agenda pública para os demais direitos.

Alguns avanços expressam uma progressiva adesão federativa, sob as bases

de uma nova cultura na área e efetivo comando nacional, aos processos indutores

essenciais, a exemplo do repasse continuado e regular fundo a fundo, da

democratização da informação, dos novos mecanismos de identificação de

necessidades no âmbito dos territórios e do reordenamento da relação entre o

público e o privado, além do referenciamento de serviços estatais nos Centros de

Referência de Assistência Social - CRAS e nos Centros de Referência

Especializados de Assistência Social - CREAS.

A Lei n. 12.435/11, que regulamenta o SUAS na LOAS, oferece as bases

legais que legitimam um processo induzido em nível central, no âmbito do governo

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federal e nas instâncias políticas da assistência social, por justamente prever a

implementação da gestão do trabalho e da educação permanente como um dos

objetivos de gestão do SUAS, estabelecendo a perspectiva da unificação dos entes

federativos no sistema descentralizado e participativo, além de autorizar o

pagamento de servidores do quadro próprio com recursos federais.

Os ordenamentos institucionais e os direcionamentos políticos têm

impulsionado reordenamentos para a reconfiguração do trabalho desenvolvido na

gestão e no atendimento prestado à população, o que contribui no enfraquecimento

das marcas históricas de descontinuidade e frágil regulamentação democrática.

A base legal da política de assistência social e sua institucionalidade atribuem

centralidade às condições de acesso aos direitos, particularmente pela gestão do

trabalho. O reordenamento político-administrativo e a implantação de estruturas,

equipamentos e serviços, justificam a importância de um tratamento político e

regulatório à gestão das condições técnicas, políticas e institucionais em que são

realizados o trabalho, a gestão e o controle social.

A Norma Operacional de Recursos Humanos - NOB/RH/06 expressa um

avanço regulatório e político reestruturante da gestão do trabalho na área, por

disciplinar seus atributos essenciais e alguns parâmetros transformados em

requisitos relacionados ao financiamento federal e ao reconhecimento público da

adesão dos entes federativos ao SUAS, na aplicação relacionada com a Norma

Operacional Básica – NOB/SUAS/05.99

A NOB/RH/06 já estabelecia regras que qualificam a gestão e os serviços,

como a definição de coordenações de CRAS e de CREAS a serem ocupadas por

servidores com nível superior, do quadro próprio e com experiência em trabalhos

comunitários e gestão de serviços, programas, projetos e benefícios. No campo da

gestão foram definidas funções essenciais vinculadas à necessária composição de

um quadro de profissionais de referência para o desenvolvimento de atribuições de

gestão do sistema municipal, planejamento, gerenciamento, coordenação,

gerenciamento do Fundo Municipal de Assistência Social e do sistema de

99 A NOB/SUAS/13 acompanha a lógica dos pactos implantados na política de saúde, estabelecendo o Pacto de Aprimoramento da Gestão do SUAS como mecanismo indutor de expansão e qualificação de serviços socioassistenciais, além da implantação da chamada vigilância social, destinada à produção e monitoramento de indicadores sociais, e gestão do trabalho. Observa-se na nova NOB a requisição de novos conhecimentos e competências em gestão, sob a diretriz da participação popular.

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informação, monitoramento e avaliação.

Gestão do trabalho no SUAS supõe, especialmente, a criação e a

manutenção de estruturas de referência técnica e institucional para a orientação e o

apoio permanentes; a regulamentação de aspectos relacionados ao trabalho na

assistência social, a serem pactuados e submetidos ao controle democrático da

sociedade civil organizada e atuante nas mesas de negociação e nos conselhos e

instâncias de pactuação; a formação de uma ampla rede de formação permanente,

com envolvimento das instituições educacionais de nível superior de referência na

área e organizações profissionais; a implantação e unificação de sistemas públicos

de informação e controle dos processos de capacitação e acompanhamento da

gestão do trabalho.

Nesse sentido, seguindo a diretriz da descentralização com participação e da

construção de pactos que expressem a cooperação e a disputa democrática no

âmbito das instâncias, a gestão do trabalho é dinamizada e fortalecida pela própria

organização dos trabalhadores nessas instâncias, particularmente nas mesas de

negociação, nos conselhos e nos fóruns autônomos, que cumprem o objetivo de

alargar a agenda política e conquistar regulações condizentes com compromissos

democráticos, as conquistas do trabalho e a ampliação dos direitos, na esfera

pública da assistência social.100

Na esfera pública da assistência social ganham visibilidade temas como

admissão por concurso público; remuneração condigna; redução de jornada de

trabalho; condições éticas e técnicas de trabalho; equipes de referência na gestão e

nos serviços; saúde do trabalhador; segurança no trabalho; adequação ou

construção de Planos de Cargos, Carreira e Salários – PCCS; reorganização da

formação profissional às necessidades da política pública; e a implementação de

uma Política Nacional de Capacitação, direcionada pelo princípio da educação

permanente. Tais temáticas enfrentam condicionantes da histórica “filantropização”,

da incidência visceral das políticas neoliberais, da reestruturação produtiva e seus

impactos no setor público, da responsabilidade fiscal na destinação do recurso

100 Os indicadores de avaliação do SUAS, e nestes, a relação entre condições físicas, serviços e equipes, devem ser ampliados em cada ente federado, observando-se o princípio do federalismo cooperativo e da autonomia federada, para justamente superar inadequações, como quantitativo de profissionais nos serviços, e qualificar aspectos peculiares a cada realidade, a exemplo da demanda por atendimento e territorialização de serviços, o que reforça a importância do controle unificado, porém localizado nas particularidades.

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público, na capacidade de arrecadação dos municípios, sobretudo pelo acesso ao

fundo de participação. Revelam o limite regulatório da assistência social nela

mesma. Limite igualmente constatado na regulamentação das entidades

consideradas legalmente como filantrópicas.101

O cenário da gestão do trabalho na assistência social é, em parte, justificado

pela presença reduzida, pontual, da esfera pública estatal na sociedade, e pelo

pacto federativo estabelecido no Estado Democrático de Direitos. Entretanto, a

estruturação das condições em que o trabalho social é realizado, determina-se,

sobretudo, pelas próprias fragilidades do pacto federativo, revelando insuficiências

institucionais de toda ordem, somadas à cultura política local hegemonicamente

patrimonialista. No contexto de implementação do SUAS e nele da gestão do

trabalho, forjam-se disputas políticas alimentadas pelos acordos em torno dos

aspectos que dinamizam as divergências entre instâncias representativas e sujeitos

coletivos.102

A descentralização não é necessariamente complementar à participação, nem

aos efeitos concretos de democratização. Entretanto, no caso brasileiro a

descentralização assumirá o significado de "maior equidade na distribuição de bens

e serviços e a maior eficiência na operação do aparato estatal" (NOGUEIRA, 1997,

p. 8).

101 Os dados da Munic/IBGE (2010) retratam um aumento significativo de trabalhadores no SUAS, com acréscimo, entre 2005 e 2009, de 30,7%. Entretanto, o número de trabalhadores sem vínculo permanente cresceu 73,1%, ou seja, a maioria dos novos empregos manteve contratos de trabalho precários. Os dados demonstram um decréscimo de 12,8%, em 2005, para 8,5%, em 2009, de trabalhadores celetistas. Entretanto, os dados apontam que a metade dos trabalhadores do SUAS, ou seja 44,6%, o que amplia a lógica histórica da alta rotatividade, da baixa qualidade e precarização dos serviços. Os dados do Censo SUAS (2010), por sua vez, apresentam um panorama de persistente precarização de vínculos de trabalho, já que apenas 39% dos trabalhadores são estatutários, o que confronta com as diretrizes da gestão do trabalho na assistência social, especialmente na composição de um amplo e diversificado quadro de servidores permanentes, com estabilidade funcional, ascensão de carreira, remuneração compatível e segurança no trabalho, além de outras conquistas. Constitui um desafio avançar no quadro de pessoal diante dos limites orçamentários, da fragilidade do pacto federativo quanto à composição de recursos, além dos limites diante da Lei de Responsabilidades Fiscal.

102 As instâncias políticas representativa dos municípios e dos estados (Colegiado Nacional de Gestores e Municipais e Fórum Nacional de Gestores de Assistência Social), explicitam as divergências e convergências, no âmbito das Comissões Intergestores Bipartite e Comissão Intergestores Tripartite, em matérias que dinamizam o pacto federativo na assistência social. Observa-se uma tímida presença de sujeitos coletivos do campo da defesa dos direitos e dos trabalhadores, que no campo sindical tendem a restringir a agenda do trabalho às pautas corporativistas. Outras organizações de trabalhadores ampliam a agenda trazendo elementos para difundir e regular o significado do trabalho dos profissionais, notadamente os Conselhos de Serviço Social e de Psicologia.

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O processo de implantação das políticas a partir da diretriz da

descentralização revela constrangimentos que podem ser sublinhados: processos de

ingovernabilidade, com insuficiências e traços clientelistas; uma burocracia local com

baixa qualificação; insuficiência na capacidade fiscal local em geração de receitas;

ambiguidade quanto às competências; perda da capacidade regulatória do governo

central; fragmentação institucional com proliferação de entes administrativos;

tendência ao clientelismo. Em resumo, significa: neocolonialismo; exclusão social; e

desorganização institucional. (MELO,1996).

Nesse sentido, a implantação da gestão do trabalho no SUAS não está imune

aos efeitos dos processos recentes de descentralização, caracterizada, em geral,

como mero deslocamento de responsabilidades, além das implicações do

capitalismo contemporâneo, diante da financeirização da economia, conformando

um contexto histórico com processos continuados de informalização e flexibilização

conjugando trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários, domésticos, em

tempo parcial ou por projeto. As transformações no mundo do trabalho atingem

diretamente a classe trabalhadora, conduzindo mudanças materiais e subjetivas

(ANTUNES, 2009; RAICHELIS, 2010).

Observa-se uma intensificação no processo de regulação da gestão do

trabalho no contexto de implantação da NOB/RH/06; no reconhecimento de

profissões de nível superior por meio da Resolução n. 17 do Conselho Nacional de

Assistência Social;103 no debate político sobre o reconhecimento das profissões de

nível médio; na autorização de pagamento de pessoal do quadro próprio; a

103 O processo de definições das profissões na assistência social revelou a disputa positiva entre projetos profissionais. O reconhecimento de competências e atribuições das profissões regulamentadas consolidou a legitimidade social, especialmente do Serviço Social e da Psicologia, consideradas como indispensáveis para os serviços continuados, atrelados às condições de cofinanciamento federal. O Conselho Nacional de Assistência Social desencadeou o processo de reconhecimento das profissões de nível superior, por meio de encontros regionais e nacionais de trabalhadores, e estudos internos, culminando na Resolução nº 17, que ratifica a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e reconhece as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Segundo a resolução compõem obrigatoriamente as equipes de referência: I - da Proteção Social Básica: Assistente Social; Psicólogo. II - da Proteção Social Especial de Média Complexidade: Assistente Social; Psicólogo; Advogado. III - da Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Assistente Social; Psicólogo. As profissões que podem compor as equipes para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais: Antropólogo; Economista Doméstico; Pedagogo; Sociólogo; Terapeuta ocupacional; e Musicoterapeuta. São consideradas as seguintes profissões para compor a gestão: Assistente Social; Psicólogo; Advogado; Administrador; Antropólogo; Contador; Economista; Economista Doméstico; Pedagogo; Sociólogo; e Terapeuta ocupacional.

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elaboração de uma Política Nacional de Educação Permanente e de uma rede

nacional de Instituições de Nível superior; o repasse de recursos aos estados e

unificação de Planos Estaduais de Capacitação; a implantação de mesas de

negociação; a regulamentação de serviços; a regulação do vínculo entre as

entidades privadas e o SUAS; a regulamentação de padrões de qualidade em

relação aos serviços; a definição de competências e perfis, entre outros aspectos.

O processo de implantação da gestão do trabalho no SUAS, ativa uma ampla

e permanente agenda política e técnica, demandando a participação dos entes

federados, por meio de suas instâncias representativas, e organizações de

trabalhadores, que vocalizam prerrogativas, monopólios de saberes, alimentando

uma disputa explícita ou velada por direção social.

6.2.1 Requisições do SUAS e direção ético-política

A implantação dos atributos essenciais do SUAS tem posicionado

competências essenciais, fundamentais, específicas e compartilhadas, na lógica da

complementaridade do trabalho coletivo, depende da adesão e da participação ativa

dos trabalhadores, a partir dos projetos profissionais em disputa, com a consequente

valorização e acreditação de competências no processo de gestão.

A lógica induzida de organização de patamares formativos progressivos, da

formação inicial até o mestrado, na perspectiva da educação permanente, tende a

potencializar a produção de conhecimentos para o sistema na perspectiva do seu

aprimoramento, tendo em vista a nova fase de implantação do SUAS, que já anuncia

uma nova lógica: pactuação de prioridades e metas nacionais, planejamento e

cobertura progressiva. 104

Algumas diretrizes na gestão do trabalho orientam a organização da gestão e

a prestação de serviços, dimensionando novas requisições, que partem de algumas

definições já estabelecidas, como a composição de equipes de referência com

servidores efetivos, responsáveis pela organização e oferta de serviços, programas,

projetos e benefícios de proteção social básica e especial, considerando o número

104 Os patamares formativos estão definidos na Política de Educação Permanente aprovada no dia 13 de março de 2013.

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de famílias e indivíduos referenciados, tipo de atendimento e aquisições a serem

geradas no trabalho social; a organização das equipes de referência seguindo

padrão mínimo definido por proteção e equipamentos, considerando o porte do

município e a complexidade do serviço; a coordenação dos serviços por servidor do

quadro próprio e com perfil qualificado; o desenvolvimento de atividades nos

equipamentos CRAS e CREAS por profissionais de nível superior, assistentes

sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, antropólogos e outros trabalhadores,

observando-se as requisições e especificidades dos serviços por nível de

complexidade e número potencial de usuários.

As novas requisições no campo da assistência social, correspondentes aos

atributos de gestão e de prestação de serviços, conformam um campo de saberes e

práticas diversos, que dimensionam um conjunto de conhecimentos, competências e

perfis para o desenvolvimento das funções de gestão e atendimento.

Tais requisições estão relacionadas como os componentes que estruturam a

própria política, com destaque para: identificação e análise das vulnerabilidades

sociais e as situações de risco, e das respostas socioinstitucionais, com realização

de diagnóstico territorial e pesquisas sociais; elaboração da política e gestão da

política de assistência social em cada esfera de governo, com desenvolvimento de

processos que revertam indicadores; gestão financeira e gerenciamento do Fundo

de Assistência Social, com elaboração de instrumentos orçamentários e financeiros

na lógica unificada; organização e reordenamento de redes socioassistenciais e seu

referenciamento territorial; mapeamento, qualificação, monitoramento e avaliação de

serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, tanto estatais como

das entidades; elaboração de instrumentos de gestão da assistência social, como

planos, relatórios, pactos e protocolos; vigilância socioassistencial, gestão da

informação, monitoramento e avaliação; apoio às instâncias de pactuação e controle

social; gestão do trabalho, abrangendo quadro próprio e a rede privada; regulação

da rede socioassistencial e os processos de acompanhamento e reordenamentos;

apoio e orientação técnica aos estados, municípios e entidades; supervisão técnica

no atendimento prestado à população; coordenação das proteções, dos

equipamentos e de redes locais, para garantia e ampliação de direitos, com direção

intersetorial e interdisciplinar; trabalho socioeducativo voltado ao desenvolvimento de

capacidades/potencialidades, de consciência crítica, de recomposição de direitos, de

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construção de projetos de vida, com protagonismo, participação e desenvolvimento

da autonomia dos sujeitos de direitos.

O processo de acelerada expansão de serviços socioassistenciais tem

alimentado o debate sobre o significado da assistência social na seguridade social e

no próprio SUAS.105 Os posicionamentos críticos do Serviço Social respondem à

concepção “neofuncionalista” orientadora da Política Nacional de Assistência Social,

por trazer elementos que reforçam concepções conservadoras, amplamente

criticadas, especialmente pela negação das determinações de classe na análise da

sociedade e das demandas por direitos; pela centralidade na família, recuperando

práticas tradicionais de controle da vida privada; pela lógica das ações comunitárias

basilares do desenvolvimento do todo, na cultura integradora do social; pela

prevalência do assistencial em detrimentos de outros direitos de proteção,

reforçando o chamado “mito da assistência social” (MOTA, 2008).

O documento intitulado “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais e

Psicólogos(as) na Política de Assistência Social” se constituiu numa iniciativa por

parte dos Conselhos, base para demais políticas e espaços ocupacionais, visando

“abordar alguns parâmetros ético-políticos e profissionais com a perspectiva de

referenciar a atuação de assistentes sociais e psicólogos” (CFESS/CFP, 2007, p. 8),

com efeito de difusão dos debates acumulados entre os Conselhos, tendo por base

as respectivas legislações.

O documento parte do entendimento de que a “definição de estratégias e

procedimentos no exercício profissional deve ser prerrogativa dos(as) profissionais.

Desse modo deve-se evitar a padronização de rotinas e procedimentos pelo órgão

gestor” (Idem, p. 9). Problematiza-se, ainda, a intervenção profissional que tem como

“horizonte somente a execução de atividades arroladas nos documentos

institucionais, sob o risco de limitar suas atividades à ‘gestão da pobreza’ sob a ótica

da individualização das situações sociais e de abordar a questão social a partir de

um viés moralizante”. As preocupações partem do entendimento de que as

necessidades sociais não se constituem “problemas e responsabilidades individuais

105 Entre 2004 e 2010 houve uma expansão de serviços de 700 para 7 mil de Centros de Referência de Assistência Social, o que não significou aumento expressivo de investimento público já que os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social custeiam em aproximadamente 90% o Benefício de Prestação Continuada, ainda que o orçamento tenha progredido substancialmente.

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e grupais”, pois tais situações estão relacionadas com a “desigualdade de classe”

(Idem, p. 11).

Outros elementos destacam-se nos argumentos de crítica à política e

orientação do exercício profissional: o acesso à proteção básica não se restringe aos

CRAS; as situações de “exclusão” e de “desigualdade” devem ser enfrentadas pelo

conjunto de políticas públicas; a assistência social não possui a tarefa de realizar

exclusivamente a proteção social; é preciso delimitar os direitos socioassistenciais

considerando a vinculação com o repasse de recursos.

Após a demarcação de que “serviço social não é e não pode ser confundido

com assistência social” (Idem, p. 15), que a Seguridade Social inclui os direitos

previstos no artigo 6º, é abordada a contribuição do conjunto CFESS/CRESS na

defesa da assistência social. No caso da psicologia ressalta-se o “compromisso

social” dos psicólogos(as) com a participação e sua inserção crescente nas políticas

públicas. Além dos desafios no reconhecimento dos sofrimentos “instalados nas

comunidades”, outros comparecem como decodificação dos níveis de complexidade,

sobressai o trabalho em rede, a desnaturalização das violações, e a recusa à

“patologização” e “objetificação” da classe trabalhadora (Idem, p. 22-23).106

Com a perspectiva da ênfase no trabalho interdisciplinar e nas prerrogativas

legais do Serviço Social e da Psicologia, são apresentadas as competências e

atribuições profissionais. No caso do Serviço Social, evidenciam-se os direitos e

deveres previstos no Código de Ética (artigos 2º e 3º), sublinhando-se a

necessidade de um perfil profissional que se afaste de “abordagens tradicionais,

funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas conservadoras que tratam as

situações sociais como problemas pessoais que devem ser resolvidos

individualmente” (Ibidem, p. 25).

As competências gerais são reproduzidas das Diretrizes Curriculares,

reforçando a ênfase na formação para o credencialismo profissional na área:

apreensão crí t ica dos processos soc iais de produção e reprodução das re lações soc ia is numa perspect iva de

106 O conjunto CFESS/CRESS publicou em dezembro de 2005 nota esclarecendo a distinção entre Serviço Social e Assistência Social num contexto de expansão do SUAS. Permanece o desafio constante de construir uma especificidade quando a própria nomenclatura não favorece e mesmo as explicações: “Serviço Social, portanto, não é assistência social, embora a abarque” http://www.cfess.org.br/pdf/ssprofissao_aspolpublica2005.pdf .

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to ta l idade; anál ise do movimento h istór ico da soc iedade bras i le ira, apreendendo as par t icu lar idades do desenvolv imento do Capi ta l ismo no País e as part icu lar idades regionais ; compreensão do s ignif icado soc ial da prof issão e de seu desenvolv imento sóc io -h is tór ico, nos cenár ios internac ional e nac ional , desvelando as poss ib i l idades d e ação cont idas na real idade; i dent i f icação das demandas presentes na sociedade, v isando a fo rmular respostas prof iss ionais para o enfrentamento da questão soc ial , cons iderando as novas ar t iculaç ões entre o públ ico e o pr ivado (CFESS, 2009,p.17-18).

Partindo das “competências gerais” previstas nas diretrizes curriculares, são

particularizadas dimensões interventivas: a) abordagens individuais, familiares ou

grupais; b) coletiva junto aos movimentos sociais; c) voltada à inserção em espaços

democráticos e de controle social; d) gerenciamento, planejamento e execução

direta de bens e serviços a indivíduos, famílias, grupos e coletividade; e) realização

sistemática de estudos e pesquisas; f) pedagógico-interpretativa e socializadora de

informações, saberes no campo dos direitos.

Em tais dimensões comparecem intencionalidades balizadas pelos princípios

ético-políticos: orientação social com vistas à ampliação do acesso aos direitos;

reconhecimento da classe social como sujeito coletivo, na luta “pela ampliação dos

direitos e responsabilização estatal”, e intervenção voltada à socialização da

informação, mobilização e organização popular; estratégias que fomentem a

participação dos usuários e trabalhadores; fortalecimento da gestão democrática e

participativa; revelação das condições de vida da classe trabalhadora; fortalecimento

dos direitos e da participação.

Importante apontar um contrassenso na base da crítica formulada, ou

aspectos que merecem aprofundamentos: a assistência social não garante proteção

social exclusivamente, mas o atendimento individual, familiar ou grupal deve ser “na

perspectiva de atendimento das necessidades básicas e acesso aos direitos”

(CFESS/CFP, 2007, p. 27); é preciso definir direitos socioassistenciais, considerando

o financiamento público vinculado.

Evidente que assistência social não responde exclusivamente às demandas

de proteção social, mas sua codificação como política de proteção reforça seu status

conquistado de política de Seguridade Social. Alguns aspectos carecem de

consenso nos direcionamentos produzidos: a assistência social deve ter um

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conteúdo específico ou ela é apenas processante para as demais políticas? Uma

política pública não deve definir competências e atribuições, sua natureza

institucional permite maior incidência de concepções diversas, entretanto, os

coletivos, notadamente o do Serviço Social, evocam reformulações que afastem

categoriais conservadoras, quando o próprio documento que orienta assistentes

sociais revela “desvios” que podem ser interpretados como incoerências, a exemplo

da exclusão social e situações sociais, categorias amplamente utilizadas por

referentes neopositivistas.

Entre as diversas “competências, estratégias e procedimentos específicos,

são destacados alguns que vão desde a realização de pesquisas para identificação

de demanda, até a supervisão direta em serviço social, por procurar corresponder às

competências e atribuições profissionais, muito embora, ao exemplificar corre-se o

risco da simplificação da competência “realizar estudo e estabelecer cadastro

atualizado de entidades e rede de atendimentos públicos e privados” CFESS/CFP,

2007, p. 30).

A edição dos documentos em versões revisadas e específicas produzidas

pelos respectivos Conselhos demonstra, principalmente, a necessidade de

corresponder às peculiaridades de cada profissão e mesmo direcionamentos

específicos em consonância com os projetos profissionais. Assim, a versão

atualizada e ampliada dos “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na

Política de Assistência Social”, produzida em 2010, inaugurando a série “Trabalho e

Projeto Profissional nas Políticas Sociais”.

O documento em sua versão atualizada apresenta competências gerais,

relativas às diretrizes, e “específicas”. Importante problematizar o específico, já que

o mesmo pode se confundir com atribuições definidas na Lei 8.662/93. Uma questão

que emerge na problematização é o alcance da definição do que seja específico, já

que entre as competências destacadas no documento apenas supervisão de

estagiários em Serviço Social é privativo. Abre-se, portanto, o debate do modelo de

competências nos documentos produzidos, na contradição entre monopolização do

saber profissional e produção de direcionamentos ético-políticos para o exercício

profissional, num trabalho que possui natureza coletiva.

A partir das competências gerais da profissão são consideradas

competências, estratégias e procedimentos específicos,

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Real izar pesquisas para ident i f icação das demandas e reconhecimento das s ituações de v ida da população que subs id iem a formulação dos planos de Assistênc ia Soc ial ; Formular e executar os programas, projetos, bene f íc ios e serviços própr ios da Ass istência Soc ia l , em órgãos da Administração Públ ica, empresas e organizações da soc iedade c iv i l ; Elaborar , executar e aval iar os p lanos munic ipais , estaduais e nac ional de Assistênc ia Socia l, buscando inter locução com as di versas áreas e pol í t icas públ icas, com especial destaque para as polí t icas de Segur idade Soc ia l; Formular e defender a const i tuição de orçamento públ ico necessár io à implementação do p lano de Ass istência Soc ia l; Favorecer a part ic ipação dos(as) usuár ios(as) e movimentos soc ia is no processo de e laboração e aval iação do orçamento públ ico; Planejar , organizar e administrar o acompanhamento dos recursos orçamentár ios nos benef íc ios e serviços sóc io-ass is tenc ia is nos Centro de Referênc ia em Ass istênc ia Soc ia l (CRAS) e Centro de Referênc ia Especia l izado de Ass istênc ia Soc ia l (CREAS); Real izar es tudos s istemáticos com a equipe dos CRAS e CREAS, na perspect iva de anál ise conjunta da real idade e p lanejamento colet ivo das ações, o que supõe assegurar espaços de reunião e ref lexão no âmbito das equipes mult iprof iss ionais ; Contr ibuir para v iabi l izar a par t ic ipação dos(as) usuár ios(as) no processo de e laboração e aval iação do p lano de Ass is tênc ia Soc ia l; prestar assessor ia e consultor ia a órgãos da Administração Públ ica, empresas pr ivadas e movimentos soc ia is em matér ia re lac ionada à pol í t ica de Assis tênc ia Soc ia l e acesso aos d ire itos c iv is, pol í t icos e socia is da colet iv idade; Est imular a organização colet iva e or ientar(as) os usuár ios(as) e trabalhadores(as) da pol í t ica de Ass is tênc ia Soc ial a const i tu ir ent idades representat ivas; Inst i tu ir espaços colet ivos de soc ia l ização de informação sobre os d ire itos sóc io -ass istenc ia is e sobre o dever do Estado de garant ir sua implementação; Assessorar os movimentos soc ia is na pers pect iva de ident i f icação de demandas, for ta lec imento do colet ivo, formulação de estratégias para defesa e acesso aos d ire i tos ; Realizar v is i tas, períc ias técnicas, laudos, informações e pareceres sobre acesso e implementação da polí t ica de Ass istênc ia Socia l ; Realizar es tudos sóc io -econômicos para ident i f icação de demandas e necess idades socia is; Organizar os procedimentos e real izar atendimentos indiv iduais e/ou colet ivos nos CRAS; Exercer funções de direção e/ou coordenação nos CRAS, CREAS e Secretar ias de Ass istência Socia l; Forta lecer a execução d ireta dos serviços sóc io -ass istenc ia is pelas prefe ituras, governo do DF e governos estaduais, em suas áreas de abrangênc ia; Real izar es tudo e estabelecer cadastro atual izado de ent idades e rede de atendimentos públ icos e pr ivados; Prestar assessor ia e supervisão às ent idades não governamentais que const i tuem a rede sócio-ass istencia l; Part ic ipar nos Conselhos munic ipais, estaduais e nac ional de Assis tênc ia Soc ia l na condição de conselheiro(a); Atuar nos Conselhos de Ass istênc ia Soc ial na condição de secretár io(a) execut ivo(a); Prestar assessor ia aos conselhos, na perspect iva de forta lec imento do contro le democrát ico e ampl iação da par t ic ipação de usuár ios(as) e trabalhadores(as); Organizar e coordenar seminár io s e

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eventos para debater e formular estratégias colet ivas para mater ia l ização da pol í t ica de Ass istênc ia Social ; Par t ic ipar na organização, coordenação e real ização de conferênc ias munic ipais , estaduais e nacional de Ass is tência Socia l e af ins ; Elaborar projetos colet ivos e individuais de forta lec imento do protagonismo dos(as) usuár ios(as) ; Ac ionar os s is temas de garant ia de d ire itos , com vis tas a mediar seu acesso pelos(as) usuár ios(as); Supervis ionar d ireta e s is tematicamente os(as) estagiár ios(as) de Serviço Socia l (CFESS, 2009, p.19-22) .

O trabalho interdisciplinar também é abordado neste documento sobre o

Serviço Social no SUAS, com a preocupação de garantir atribuições e sigilo

profissional, numa perspectiva ética, alertando-se sobre a necessidade de discernir

sobre informações, atribuições e tarefas que estejam no campo de atuação de cada

profissão. No trabalho conjunto com outros/as profissionais, deve-se preservar o

caráter confidencial das informações sob a guarda dos/as assistentes sociais,

registrando-se nos documentos conjuntos aquilo que for necessário para o

cumprimento dos objetivos do trabalho (CFESS, 2009, p.25). Por fim, afirma-se que

“o trabalho em equipe não pode negligenciar as responsabilidades individuais e

competências, e deve buscar identificar papéis, atribuições, de modo a estabelecer

objetivamente quem, dentro da equipe multidisciplinar, encarrega-se de

determinadas tarefas” (idem, p.27-28).

Os parâmetros basearam-se na síntese de competências tendo por base a

Lei 8.662/03, sem estudo empírico ou aplicação de metodologias como grupo focal.

Sua finalidade de orientar o significado do trabalho fica prejudicada quando procura

“ajustar” as competências e atribuições à particularidade da assistência social.107

Assim como existe o risco dos profissionais reduzirem suas atividades às

prescrições normativas, forjando práticas aprisionadas nas definições consensuadas

no SUAS, os parâmetros podem, igualmente, “aprisionar” os profissionais e reduzir

as possibilidades de criatividade e ampliação das ações.

107 O Conselho Federal de Psicologia adota como estratégia para a produção de referências técnicas a pesquisa participativa, com mapeamento das atividades nas áreas abordadas. Os conselhos regionais mobilizam profissionais da área em estudo e consolidam contribuições e são nacionalmente sistematizadas.

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6.3 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE

A estruturação da política de saúde no Brasil possui relação direta com o

processo de organização estatal, no enfrentamento da questão social, num contexto

de conquista parcial dos direitos sociais pela classe trabalhadora. Como toda política

social, é engendrada na relação entre desoneração do trabalho e regulação do

Estado, configurado pelo tensionamento entre as classes.108

A política de saúde no Brasil possui as marcas da filantropização estatal, da

contributividade, do interesse privado e da ação residual, caudatárias de

intervenções que respondem à requisição histórica pelo controle dos trabalhadores e

suas famílias, tendo em vista o agravamento das condições de vida da população e

o necessário desenvolvimento capitalista.

O Serviço Social atuou historicamente na gestão higienecista da vida da

população, com controle educativo de hábitos de higiene e saúde, considerando os

padrões ideais de comportamento, direcionados pela racionalidade

desenvolvimentista. Outra prática que configura a origem da política e da profissão é

a aplicação da seletividade em triagens e plantões, diante da desproporção entre

rede instalada e demanda da população.

Ainda no período de maior incidência do desenvolvimentismo, o Serviço

Social atendeu à requisição social e institucional de atuação ocupacional em

hospitais e ambulatórios, com centralidade em ações mais curativas.

Matem-se historicamente a ação mimética de ajustamento do indivíduo

governado para engajar-se nos tratamentos e atendimentos processados no

cotidiano e no âmbito da saúde, com forte tendência à programação institucional, à

gestão das dificuldades no processo de tratamento, no acesso aos serviços de

saúde e demais serviços sociais.

As práticas predominantemente funcionalistas, estrutural-funcionalistas e

sistêmicas (as duas últimas no contexto da renovação profissional), acomodam-se

108 “No Brasil, a intervenção estatal só vai ocorrer no Século XX, mais efetivamente na década de 30. No século XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na prática liberal. No século XIX, em decorrência das transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de campanhas limitadas. Nos últimos anos do século, a questão saúde já aparece como reivindicação no nascente movimento operário. No início do século XX, surgem algumas iniciativas de organização do setor saúde, que serão aprofundadas a partir de 30” (BRAVO, MOTA et all (Org), 2006, p. 89).

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nas instituições consideradas totais, no mix de serviços de assistência social e

saúde, trabalho, e, com maior evidência nos hospitais. Esses últimos absorvem os

efeitos do processo de crescimento urbano desordenado e do aprofundamento da

questão social sob a inspiração fordista.

A rotina hospitalar mostra-se fragilmente permeada por práticas inovadoras e

mesmo em sintonia com o projeto ético-político, considerando a realidade cotidiana

marcada pela rotatividade, “alta social”, “localização” da família, entre outras rotinas

engendradas na dinâmica que acentua o imediato da intervenção profissional.

Outras práticas pouco sistematizadas, como a intervenção profissional na captação

de órgãos, revelam requisições de um trabalho reconhecido pelas habilidades na

abordagem familiar e do paciente, acolhedora e protetora, nos acessos aos demais

serviços. Paradoxalmente, explicita funções atribuídas, a exemplo da notícia de

óbito, pelo grau de complexidade no trato das relações ou descompromisso

subsumido no aligeiramento do atendimento.

As práticas hospitalares são marcadas, ainda, pelo modelo tradicional de

atenção, além da reprodução histórica do higienicismo e da institucionalização na

saúde mental, práticas atualizadas em realidades institucionais como comunidades

terapêuticas, que embora não sejam reconhecidas como entidades de saúde, atuam

na perspectiva da abstinência e institucionalização de novo tipo.109

A dinâmica e o ambiente hospitalar reproduzem práticas fragmentadas que

conformam a lógica fordista de ser, com atuação em massa e em série, parecendo

impossível de ser revertida. Assiste-se uma atuação, em geral, pautada pela

setorização e fragmentação. O profissional dialoga por especialidade que atende

uma parte do indivíduo-paciente. O hospital-fábrica, além de setorizado, massificado,

fragmentado, está acima das demais estruturas ligadas à saúde, e de certo modo

fetichizado, pouco alcançável para muitos e alienador.

A cultura hospitalocêntrica se reproduz nas práticas que concebem o hospital

como um ente acima das demais instituições, configurado por poderes divididos,

109 As comunidades terapêuticas no campo das políticas públicas ficam no limbo, entre a assistência social e saúde, por não se constituírem como entidades para atendimento em nenhuma das políticas. No campo da saúde as comunidades terapêuticas atuam com abstinência quando a saúde mental preconiza a redução de danos. No caso da assistência social são rearranjadas como acolhimento, embora não desenvolvam serviço socioassistencial tipificado. A disseminação do uso abusivo de álcool e outras drogas tem provocado a ampliação do debate acerca do papel dessas entidades, quando o apelo pela institucionalização ganha proporções importantes.

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hierarquizados também por quantum de poder. O paramédico não está superado,

reproduzindo uma realidade de subserviência técnico-política, que só é minimizada

quando o assistente social revela suas habilidades de solucionar, com rapidez, os

problemas imediatos (vagas, identificação de família, encaminhamento para o

sistema de garantia de direitos, acolhimento pós-alta, exames e outros

procedimentos sem coberturas, etc).

O fato de o hospital ter o sentido social de cuidado, não significa que as

práticas conjugam competência técnico-científica com humanização. As estratégias

de humanização estão distantes das práticas e são desconhecidas para muitos

profissionais de saúde. Assim como, e especialmente, a concepção da saúde

coletiva, e processo histórico da construção do direito à saúde. Quando assistentes

sociais explicitam tais entendimentos e concepções, fica subsumido na tecnificação

predominante na saúde, que sob o espírito fordista gera práticas fragmentadas,

repetitivas, corporativistas, hierarquizadas.110

Percebe-se que a utilidade social da profissão reforça uma representação

simbólica centrada na solução imediata de problemas de uma população

estigmatizada, criminalizada sociamente, com frágil ou nulo acesso aos bens,

serviços sociais, informação e condições de exercício de sua cidadania formal,

demandando dos profissionais encaminhamentos diversos. Trata-se de um contexto

institucional de carecimentos múltiplos aprofundados pela condição de saúde,

forjada nos processos de desigualdade e insuficiente resposta em matéria de

direitos.

A fragmentação das demandas por saúde são organizadas pelos profissionais

que tendem ao focalismo, obscurecendo as determinações sociais, políticas

econômicas e culturais, recorrendo a referentes distantes das abordagens

totalizantes da questão social incidente nos espaços de atuação.

A atuação profissional no campo da saúde pública possui sua gênese no

desenvolvimento de comunidade, de natureza funcionalista, cujos objetivos

gravitavam entre o corretivo e o educativo, configurando práticas de planejamento e

110 A proposta de humanização do atendimento ficou restrita a alguns procedimentos, quando na sua origem significava postura ética no atendimento, para superar a lógica “fordista”, tecnicita. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS / Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

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orientação familiar e higiene, num contexto de acentuação da miséria e de outros

carecimentos, com adoção de procedimentos que mantinham posturas de

patologização das situações e dos indivíduos, com focalização, contemplando a

tendência à fragmentação das políticas e serviços sociais.

É no campo da saúde que as intervenções terapêuticas disputam espaço em

busca de uma nova difusão teórico-metodológica, especialmente pela via da saúde

mental, a exemplo do chamado Serviço Social clínico, considerado como expressão

conservadora na contemporaneidade (IAMAMOTO, 2012).111

Saúde do trabalhador na área organizacional tem requisitado ações de

proteção e acesso aos direitos, configurando demandas que justificam a inserção

profissional, no apoio aos chamados colaboradores, especialmente no processo de

recuperação do uso abusivo de álcool e outras drogas.

No campo das novas e renovadas requisições, a atuação em clínicas de

hemodiálise, unidades de saúde, estratégia da saúde da família e Núcleos de Apoio

à Saúde da Família, tem se reproduzido, forjando competências concentradas no

acesso aos benefícios e serviços sociais, articulação de redes de garantia de

direitos, entre outras. No entanto, pela natureza das atividades há uma tendência,

especialmente na saúde complementar, de um exercício profissional voltado à

solução cotidiana de problemas, agudizando contradições inerentes à

mercantilização e restrições de direitos.

O movimento de reconceituação e a emergência do projeto ético-político

contribuíram na redefinição do perfil profissional, especialmente pela incorporação

de “competências” novas, como assessoria e orientação social em matéria de

direitos sociais, e difusão do debate e da produção profissional sobre os

determinantes sócio-históricos na saúde, como expressão da questão social.

A instituição da saúde como direito reclamável, positivo, constitucionalizado,

expressa um dos maiores avanços na reforma democrática brasileira, num contexto

de afirmação e difusão da cultura dos direitos, da responsabilização do Estado pela

garantia dos direitos, sob a diretiva da descentralização com participação da

111 A Resolução nº 218/97 do Conselho Nacional de Saúde, regulamentou as 13 profissões de saúde: Assistentes Sociais; Biólogos; profissionais de Educação Física; Enfermeiros; Farmacêuticos; Fisoterapeutas; Fonoaudiologos; Médicos; Médicos Veterinários; Nutricionistas; Odontólogos; Psicólogos; e Terapeutas Ocupacionais.

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sociedade civil organizada, sobretudo nos novos mecanismos de controle

democrático, como os conselhos e conferências.

No bojo da reforma sanitária a saúde será regulamentada como um direito

balizado pelo princípio da universalidade e por supostos que ampliam o

reconhecimento de determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais,

adotando-se um novo modelo assistencial pautado na integralidade e equidade das

ações; na democratização das informações; controle democrático; na

interdisciplinaridade nas ações.

O novo pacto federativo na saúde é construído pela definição de um Sistema

Único de Saúde, para o compartilhamento de responsabilidades na prestação de

serviços e na definição do financiamento público, sob a primazia do Estado.

Entretanto, o processo de precarização e o privatismo impactaram no projeto político

de consolidação do direito à saúde no Brasil.

O projeto de construção de uma rede universal será minado pela

implementação de programas focais: Programa de Agentes Comunitários de Saúde

(PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), com estímulo ao seguro e

focalização do SUS nos mais pobres, apesar dos avanços no acesso de camadas da

população, o sistema de imunização e de vigilância epidemiológica e sanitária; os

progressos na alta complexidade, como os transplantes, entre outros (CFESS,

2010).

O que se evidencia é o avanço do projeto voltado para o mercado,

hegemonizado na década de 1990, em detrimento do projeto de Reforma Sanitária

da década de 1970, com efeitos seletistas, privatistas e de desfinanciamento,

aspectos que restringem o acesso aos direitos e configuram o cotidiano profissional.

O projeto ético-político balizou a politização sobre a questão social e sua

relação com a política de saúde, em detrimento da concepção biopsicossocial. Para

além do reconhecimento das contribuições possíveis, em sintonia com o acúmulo

teórico-político, sobressai a análise dos elementos que particularizam a intervenção

profissional na saúde e seu alcance, dadas as novas configurações ocupacionais.

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6.3.1 Direcionamentos ético-políticos na saúde

O documento Parâmetros para a “Atuação de Assistentes Sociais na Saúde”,

publicado em 2010, tem por objetivo “referenciar a intervenção dos/as profissionais

de Serviço Social na área da saúde, buscando responder a um pleito da categoria

com orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos

assistentes sociais às demandas identificadas no cotidiano do trabalho no setor

saúde e àquelas que ora são requisitadas pelos usuários dos serviços, ora pelos

empregadores desses profissionais no setor saúde” (CFESS, 2010, p. 11-12).112

O documento procura “expressar a totalidade das ações que são

desenvolvidas pelos assistentes sociais na saúde, considerando a particularidade

das ações desenvolvidas nos programas de saúde, bem como na atenção básica,

média e alta complexidade em saúde” (Idem, p.12).

Os Parâmetros consideram que os assistentes sociais na saúde atuam em

quatro grandes eixos: “atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e

controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e

formação profissional”, sendo que para cada um desses eixos são identificadas as

principais ações desenvolvidas pelo assistente social, numa concepção de totalidade

(CFESS, 2010, p.39).

Destaca-se que para o eixo atendimento direto aos usuários, são definidas:

ações socioassistenciais; ações de articulação com a equipe de saúde; ações

socioeducativas. Neste mesmo eixo, o texto registra que na área da saúde há

requisições históricas colocadas aos assistentes sociais que não são consideradas

atribuições profissionais. Observa-se uma tendência de requisições burocráticas

/gerenciais, de apoio. 113

112 Essas formulações derivaram de um amplo processo de debates, em nível nacional, sintonizadas com deliberações dos encontros nacionais CFESS-CRESS de 2008 e 2009, culminando com a realização do Seminário Nacional Serviço Social na Saúde, em 2009.

113 “Marcação de consultas e exames, bem como solicitação de autorização para tais procedimentos aos setores competentes; solicitação e regulação de ambulância para remoção e alta; identificação de vagas em outras unidades nas situações de necessidade de transferência hospitalar; pesagem e medição de crianças e gestantes; convocação do responsável para informar sobre alta e óbito; comunicação de óbitos; emissão de declaração de comparecimento na unidade quando o atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que não o Assistente Social; montagem de processo e preenchimento de formulários para viabilização de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), medicação de alto custo e fornecimento de equipamentos

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O documento argumenta que atividades eminentemente técnico-

administrativas, assim como aquelas que demandam uma formação técnica

específica (de outras profissões da saúde), não contemplada na formação

profissional, não constituem atribuição do assistente social (idem, p.45). Fica

evidenciada, assim, a perspectiva de “auto-proteção” profissional, num campo em

que o Serviço Social não possui legitimidade imediata. Sua legitimidade política é

técnica, referenciada pelo projeto ético-político, é reconhecida entre aqueles que

compactuam dos mesmos princípios ou participam de espaços políticos em que são

vocalizadas defesas inerentes ao projeto de reforma sanitária.

Os direcionamentos éticos e técnicos para a atuação em saúde preconizam a

sintonia com o movimento dos trabalhadores e de usuários; o conhecimento das

condições de vida e trabalho dos usuários, de determinantes sociais que interferem

no processo saúde-doença; o acesso do usuário aos serviços de saúde da

instituição e da rede de serviços e direitos sociais, facilitado pela intervenção

profissional “compromissada e criativa”, de modo a “não se submeter à

operacionalização de seu trabalho aos rearranjos propostos pelos governos que

descaracterizam a proposta original do SUS de direito”; a necessária atuação

interdisciplinar; o estimulo à intersetorialidade; a tentativa de construção de espaços

nas unidades que garantam a participação popular e dos trabalhadores de saúde; a

elaboração e participação de projetos de educação permanente, procurando

assessorar o trabalho desenvolvido, bem como realizar investigações sobre

temáticas relacionadas à saúde; a efetivação de assessoria aos movimentos sociais

e/ou aos conselhos, “a fim de potencializar a participação dos sujeitos sociais

contribuindo no processo de democratização das políticas sociais”. (Ibidem, p.28)

Assim como na assistência social, as competências gerais definidas pela

ABEPSS são reproduzidas integralmente. “São essas competências que permitem

ao profissional realizar a análise crítica da realidade, para, a partir daí, estruturar seu

trabalho e estabelecer as competências e atribuições específicas necessárias ao

enfrentamento das situações e demandas sociais que se apresentam em seu

cotidiano” (CFESS, 2010, p. 33).

(órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção), bem como a dispensação destes” (CFESS, 2010, p.45-46).

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Em cada eixo de intervenção profissional são definidas ações. Nas ações

socioassistenciais destacam-se aquelas a “serem desenvolvidas”:

democratizar as informações por meio de or ientações ( indiv iduais e colet ivas) e /ou encaminhamentos quanto aos d ire i tos soc ia is da população usuár ia; construir o perfi l socioeconômico dos usuár ios , evidenc iando as condições determinantes e condic ionantes de saúde, com vistas a poss ib i l i tar a formulação de estratégias de intervenção por meio da anál ise da s ituação soc ioeconômica (habi tac ional , t rabalh is ta e previdenc iár ia) e famil iar dos usuár ios , bem como subs id iar a prát ica dos demais prof iss ionais de saúde; enfat izar os determinantes soc ia is da saúde dos usuár ios, famil iares e acompanhantes por meio das abordagens individual e/ou grupal ; facil itar e possibil i tar o acesso dos usuários aos serviços , bem como a garant ia de d ire itos na esfera da segur idade socia l por meio da cr iação de mecanismos e rot inas de ação; conhecer a realidade do usuário por meio da realização de visi tas domicil iares , quando aval iada a necess idade pelo prof iss ional do Serviço Socia l, procurando não invadir a pr ivac idade dos mesmos e esc larecendo os seus objet ivos prof iss ionais ; conhecer e mobilizar a rede de serviços , tendo por objet ivo v iabi l izar os d ire i tos soc ia is por meio de v is i tas ins t i tuc ionais, quando aval iada a necess idade pelo Serviço S oc ia l; fortalecer os vínculos familiares , na perspect iva de incent ivar o usuár io e sua famíl ia a se tornarem suje itos do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabi l i tação da saúde; organizar , normat izar e s istemat izar o cot idiano do t ra balho prof iss ional por meio da criação e implementação de protocolos e rotinas de ação ; formular estratégias de intervenção prof iss ional e subs idiar a equipe de saúde quanto as informações soc ia is dos usuár ios por meio do registro no prontuár io único, resguardadas as informações s igi losas que devem ser registradas em mater ia l de uso exc lusivo do Serviço Soc ia l ; e laborar estudos soc ioeconômicos dos usuár ios e suas famíl ias , com vistas a subsid iar na construção de laudos e pareceres sociais na perspect iva de garant ia de d ire itos e de acesso aos serviços soc ia is e de saúde; buscar garant ir o d ire ito do usuár io ao acesso aos serviços; emit ir manifestação técnica em matéria de serviço social , em pareceres indiv iduais ou conjuntos, observando o d isposto na Resolução CFESS nº 557/2009 (CFESS, 2010, p. 42-43. Gr ifos nossos).

No eixo “Ações de articulação com a equipe de saúde”, a humanização

aparece como central, na perspectiva “ampliada”, considerando as determinações

sociais no processo saúde-doença, na direção de uma nova cultura de atendimento

centrada “na construção coletiva do SUS” (Idem, p. 53). Nesse eixo foram

destacadas ações detalhadas que compõem procedimentos cotidianos, com

destaque para: o esclarecimento de atribuições e competências; a elaboração em

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equipe de propostas de trabalho, “por meio da realização de seminários, debates,

grupos de estudos e encontros”; a construção de propostas de “treinamento e

capacitação do pessoal técnico administrativo”; identificação e trabalho sobre

“determinantes sociais”, assim como “a discussão sobre as suas reais necessidades

e possibilidades de recuperação, face as suas condições de vida”; realização em

conjunto com a equipe do atendimento à família e/ou responsáveis em caso de

óbito, “cabendo ao assistente social esclarecer a respeito dos benefícios e

direitos referentes à situação”; participação em “ações socioeducativas nos

diversos programas e clínicas”; avaliação de “questões sociofamiliares que

envolvem o usuário e/ou sua família”; participação em “projeto de humanização

da unidade na sua concepção ampliada”; realização de notificação” em situações de

violência (CFESS, 2010, p. 54).

Nas Ações Socieducativas, são previstas ações voltadas às orientações

reflexivas e de socialização de informações realizadas por meio de abordagens

individuais, grupais ou coletivas ao usuário, família e população, com destaque para:

sensibilização dos “usuários acerca dos direitos sociais, princípios e diretrizes do

SUS, rotinas institucionais, promoção da saúde e prevenção de doenças por meio

de grupos socioeducativos”; democratização de informações da rede de

atendimento e direitos sociais; realização de debates e oficinas; realização de

atividades socioeducativas nas campanhas preventivas; democratização de

rotinas e o funcionamento da unidade por meio de ações coletivas de orientação;

socialização de informações e potencialização de ações socioeducativas em

atividades nas salas de espera; elaboração de “materiais socioeducativos”, que

facilitem o conhecimento e o acesso dos usuários aos serviços oferecidos pelas

unidades de saúde e aos direitos sociais em geral; mobilização para participação;

atividades em grupo sobre temas de interesse dos usuários (CFESS, 2010, p. 56).

No eixo “Mobilização, Participação e Controle Social”, comparecem ações

voltadas para a mobilização e participação social de usuários, familiares,

trabalhadores de saúde e movimentos sociais em espaços democráticos de

controle social e nas lutas em defesa da garantia do direito à saúde, visando

contribuir na organização da população e dos usuários enquanto sujeitos políticos.

Assim, sobressaem, atividades que estimulem a “participação dos usuários e

familiares para a luta por melhores condições de vida, de trabalho e de acesso aos

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serviços de saúde”; a mobilização e capacitação de usuários, trabalhadores e

movimentos sociais para participação em espaços de controle social; a contribuição

da participação no processo de elaboração, planejamento e avaliação nas unidades

de saúde e na política local, regional, municipal, estadual e nacional de saúde; a

articulação permanente de diversas entidades para fortalecer a participação social; a

participação da ouvidoria da unidade; a participação em conselhos de saúde; a

contribuição na “discussão democrática e a viabilização das decisões aprovadas nos

espaços de controle social; o estimulo à educação permanente; o estímulo à criação

e/ou fortalecimento de espaços coletivos; o incentivo à “participação dos

usuários e movimentos sociais no processo de elaboração, fiscalização e

avaliação do orçamento da saúde”; a participação na organização de conferências; a

democratização junto aos usuários e demais trabalhadores da saúde dos “locais,

datas e horários das reuniões dos conselhos de políticas e direitos, por local de

moradia dos usuários, bem como das conferências de saúde, das demais áreas de

políticas sociais e conferências de direitos”; a socialização sobre processo eleitoral;

o estímulo ao “protagonismo dos usuários e trabalhadores de saúde nos diversos

movimentos sociais”; a identificação e articulação de instâncias de controle social e

movimentos sociais no entorno dos serviços de saúde” (CFESS, 2010, p. 59- 60).

No eixo “Investigação, Planejamento e Gestão” comparecem ações que visam

o fortalecimento da gestão democrática e participativa, em favor dos usuários e

trabalhadores de saúde, com destaque para: a elaboração de planos e projetos de

ação profissional; contribuição no planejamento estratégico das instituições de

saúde, “procurando garantir a participação dos usuários e demais trabalhadores da

saúde inclusive no que se refere à deliberação das políticas”; a participação na

gestão das unidades de saúde de forma horizontal; a elaboração do perfil e das

demandas da população usuária; a identificação das manifestações da

questão social por meio de estudos e sistema de registros; a realização de”

avaliação do plano de ação” por meio das ações e resultados; a participação nas

Comissões e Comitês temáticos; a realização de estudos e investigações com

relação aos determinantes sociais da saúde; a identificação e estabelecimento

de prioridades entre as demandas, para “a reorganização dos recursos

institucionais por meio da realização de pesquisas sobre a relação entre os recursos

institucionais necessários e disponíveis, perfil dos usuários e demandas (reais e

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potenciais)”; a participação em estudos relativos ao perfil epidemiológico e condições

sanitárias; a realização de “investigação de determinados segmentos de usuários

(população de rua, idosos, pessoas com deficiências, entre outros), objetivando a

definição dos recursos necessários, identificação e mobilização dos recursos

existentes e planejamento de rotinas e ações necessárias”; o fortalecimento do

potencial político dos espaços de controle social; a participação em

“investigações que estabeleçam relações entre as condições de trabalho e o

favorecimento de determinadas patologias”; a realização de estudos da política

de saúde; o fornecimento de subsídios para a reformulação da política de saúde; a

“criação de estratégias e rotinas de ação, como por exemplo fluxogramas e

protocolos, que visem à organização do trabalho”; a integração da equipe de

auditoria, controle e avaliação; a sensibilização de gestores da saúde para a

“relevância do trabalho do assistente social nas ações de planejamento, gestão e

investigação” (CFESS, 2010, p.63).

No último eixo de intervenção, “Assessoria, Qualificação e Formação

Profissional” são previstas atividades que visam o aprimoramento profissional,

objetivando a melhoria da qualidade dos serviços prestados aos usuários. Envolve a

educação permanente e formação de estudantes, por meio de assessoria, para o

fortalecimento do controle. As ações previstas visam formular estratégias coletivas

para a política de saúde da instituição; criar “campos de estágio e supervisionar

diretamente”; participar ativamente dos programas de residência; participar de

cursos, congressos, seminários, encontros de pesquisas; participar e motivar os

assistentes sociais e demais trabalhadores da saúde na implementação da

NOB/RH/SUS; qualificar o trabalho do assistente social e/ou dos demais

profissionais da equipe de saúde por meio de assessoria e/ou educação continuada;

elaborar plano de educação permanente; criar fóruns de reflexão sobre o trabalho

profissional; assessorar entidades e movimentos sociais, “na perspectiva do

fortalecimento das lutas em defesa da saúde pública e de qualidade” (CFESS, 2010,

p. 64-65).

Observa-se uma tendência nos parâmetros da saúde de detalhamento de

atividades específicas da rotina de trabalho, passando a impressão da frágil

possibilidade do assistente social compreender os requisitos técnicos e éticos para o

exercício profissional na área. Alguns aspectos chamam mais a atenção: a distinção

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entre ação socioassistencial (podendo ser confundida com serviço socioassistencial

no SUS), com socioeducativa, quando esta última constitui uma dimensão da

prática, ou mesmo sua natureza; o fortalecimento de vínculos comparecendo como

conceito, criticado nos Parâmetros da Assistência Social, por sua vinculação com

matrizes neoconservadoras; a centralidade na identificação de determinantes

sociais; as competências nas ações socioassistenciais vinculadas às atribuições

centrais; a previsão de um eixo mais detalhado no campo da assessoria, com maior

evidência embora não reflita a realidade de uma atuação mais expressiva no âmbito

dos serviços, do atendimento; a relação entre ações e diretivas éticas, além da

desfragmentação e recuperação do projeto de Reforma Sanitária.

As ações profissionais “são orientadas pelos fundamentos teórico-

metodológicos, ético-políticos e procedimentos técnico-operativos, tendo por

referência o projeto profissional do Serviço Social construído nos últimos trinta anos”

(Idem, p. 65). Ressalta-se que as intervenções profissionais voltadas ao

desenvolvimento de condições para o fortalecimento da gestão democrática, a

identificação dos determinantes sociais e demais estudos previstos, exigem

conhecimento teórico e capacidade de sistematização da prática e produção de

novos conhecimentos, o que se constitui um desafio central diante da precarização

da formação e das condições de trabalho.

6.4 CONSOLIDAÇÃO DO MODELO DE COMPETÊNCIAS NO SERVIÇO SOCIAL

Os Parâmetros e outros documentos produzidos pelo CFESS em conjunto

com os CRESS, demonstram uma evidente preocupação da categoria em unificar o

exercício profissional nas particularidades. Da mesma forma que a metodologia

aplicada para a descrição das ocupações, há um descompasso entre a configuração

dos espaços ocupacionais e os direcionamentos ético-políticos, ainda que o objetivo

seja difundir posicionamentos. Entretanto, a organização textual sugere prescrição

de atuação profissional, como “deve ser”, correspondendo aos anseios imediatos da

categoria, o que só reforça a tese da fragilidade predominante com legitimidade

construída cotidianamente. Daí a importância do fortalecimento de estratégias que

permitam o aprimoramento intelectual, a educação permanente.

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A área sócio-jurídica constitui uma das primeiras em atuação profissional e

carece, ainda, de direcionamentos e regulações que potencializem as disputas por

legitimidade, especialmente por configurar uma realidade de menos poder.114 Ainda

no campo sociojurídico, o Relatório Parcial do GT Sociojurídico registra que “sobre

as atribuições assumidas pelos assistentes sociais, na área sócio-jurídica, nota-se

grande diversidade de ações, explicada em parte pelos diferentes formatos

institucionais e modos de inserção na dinâmica organizacional” (CFESS, 2011,

p.40).

O chamado de campo sócio-jurídico possui uma diversidade de instituições e

órgãos, quais sejam: Ministério Público; Poder Judiciário; Sistema de Aplicação de

Medidas Socioeducativas; Sistema Penal/Penitenciário; Defensoria Pública/Serviços

de Assistência Judiciária Gratuita, Segurança Pública. São contextos de controle,

pela expressão simbólica do poder instituído. Trata-se de um espaço institucional

marcado pelo poder simbólico da autoridade judiciária e por mecanismos que nem

sempre expressam justiça social.115

A análise sobre a inserção do Serviço Social no campo sócio-jurídico requer o

reconhecimento da relação contraditória entre sistema de justiça, segurança pública

e políticas sociais, na esfera pública do Estado, tensionado para vigiar e punir, com

dimensões que reforçam sua feição punitiva, reguladora da vida social, alimentada

pela cultura que criminaliza os desiguais, e requisita a adoção de mecanismos

114 No livro publicado pelo CFESS contendo os registros das palestras do II Seminário Nacional O Serviço Social no Campo Sociojurídico na Perspectiva da Concretização de Direitos, realizado em 2009, encontram-se alguns debates sobre as atribuições profissionais (CFESS, 2012). Outras palestras abordaram questões pertinentes ao debate sobre as atribuições, embora esse tema não tenha sido central nas abordagens: Condições de trabalho e demandas profissionais no campo sociojurídico (Valéria Forti); Serviço Social no campo sociojurídico: possibilidades e desafios na consolidação do projeto ético-político (Eunice Fávero e Sâmya Rodrigues); Identidade e autonomia do trabalho do/a assistente social no campo sociojurídico (Elisabete Borgianni) (cf. CFESS, 2012). Destaca-se a discussão sobre Competências e Atribuições Profissionais na Lei de Execução Penal, a palestrante Tânia Pereira aponta a necessidade realização de levantamento nacional sobre as atribuições nesse campo, pois ainda há indiferenciação entre o Serviço Social e a assistência social prevista na LEP. A autora também registra que há uma considerável diversidade sobre o Serviço Social no sistema penal em todo o Brasil, o que precisaria ser mais bem conhecido e debatido. Finaliza sua contribuição abordando a realização do exame criminológico pelos/as assistentes sociais.

115 Os sistemas de garantia de direitos no campo sócio-jurídico possuem dimensões de defesa (Ministério Público Estadual, Judiciário, Defensoria Pública, Polícia Judiciária e Conselhos Tutelares); controle democrático (conselhos de políticas e de defesa); atendimento/acesso aos direitos (políticas públicas).

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punitivos, embora a concepção do Estado Democrático de Direitos afirme o

contrário.116

As iniciativas para a definição de atribuições profissionais no Judiciário

concentram-se na defesa de prerrogativas profissionais diante das ameaças de

flexibilização e terceirização. Observa-se uma tendência de reprodução das

definições legais: elaborar, implementar, coordenar, executar e avaliar planos e

políticas sociais, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação de Serviço

Social; elaborar pesquisas e estudos, ampliando o conhecimento do Serviço Social

na área do exercício profissional no âmbito do Judiciário; chefiar unidades de

Serviço Social; atuar na capacitação de autoridades judiciárias; assessorar sobre

fenômenos sociais, culturais, interpessoais e familiares; realizar estudo social; emitir

laudos e pareceres; articular rede de atendimento; entre outras.117

Nesta área fica mais evidenciada a necessidade social de uma profissão que

produza respostas técnicas e éticas que traduzam os fenômenos sociais e humanos.

Sobressaem competências e atribuições como: realização de estudos e pesquisas;

orientação social usuários, famílias, sociedade civil; produção de relatórios, laudos,

diagnósticos, estudos e pareceres; identificação e fortalecimento das redes de

proteção e promoção de direitos; socialização de informações em matéria de

direitos/legislação social; assessoria técnica em matéria de direitos, políticas

públicas e serviço social.

A natureza do trabalho social num campo pleno de ritos de poder, hierarquia e

formalismos, requer mediações técnico-políticas coletivizadas e consistentes no

processo de convencimento; no reforço às formas de desnaturalização da

desigualdade e da reprodução dos mecanismos de assistir e punir; na adoção de

medidas que fortaleçam a cultura do direito.

116 A Constituição de 1988 define um novo pacto federativo em torno da construção do Estado Democrático de Direitos, implicando o poder público e a sociedade no desenvolvimento de políticas públicas, aliadas aos objetivos de justiça social. Assim, a previsão de mecanismos sofisticados de participação e de controle democrático, redireciona as instituições públicas e privadas na construção de um sistema universal de proteção social, projeto que será afetado frontalmente pela ideologia neoliberal que preconiza a redução do papel do Estado em favor dos objetivos do mercado.

117 Funções do Assistente Social Judiciário no atendimento aos Magistrados, Funcionários e Servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AASPTJ-SP, mineo, s.d.

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A atuação profissional em instituições de defesa e garantia de direitos

requisitam o posicionamento profissional em matéria de questão social e políticas de

proteção social, considerando as transformações contemporâneas. Funcionalidade

que demanda um perfil qualificado na análise dos fenômenos sociais e das

respostas sócio-institucionais, implicando afirmação de valores sociais antecipadores

de padrões civilizatórios e emancipatórios.

O “modelo de competências” difundiu-se na formação e no exercício

profissional, sendo que a assistência social e a saúde constituíram-se como

experimentos de uma tendência a se consolidar. Observa-se que o modelo de

competências tem sido utilizado como estratégia para a garantia de legitimidade

social, sem a devida crítica de seus limites quando se considera o projeto ético-

político profissional, num contexto de crise na formação profissional.

Assim como nas demais áreas, a atuação profissional na educação é

considerada como implementação das legislações profissionais (Código de Ética

Profissional de 1993, Lei de Regulamentação da Profissão - Lei 8.662/1993) e

Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996). Tais instrumentos são expressões do

projeto ético-político profissional, iniciado no final da década de 1970 e constituem a

referência para a construção de particularidades profissionais.

Há um reconhecimento de que a inserção de assistentes sociais na política de

educação responde às requisições socioinstitucionais de ampliação das condições

de acesso e de permanência da população nos diferentes níveis e modalidades de

educação, resultando, assim, da histórica agenda de luta dos movimentos sociais

em defesa da universalização da educação pública, e paradoxalmente às definições

governamentais baseadas nas recomendações neoliberais de organismos

internacionais, visando à adequação da formação às exigências do mercado de

trabalho.

No que se refere ao exercício profissional, algumas dimensões se

sobressaem: abordagens individuais e junto às famílias dos/as estudantes e/ou

trabalhadores e trabalhadoras da Política de Educação; intervenção coletiva junto

aos movimentos sociais como condição fundamental de constituição e

reconhecimento dos sujeitos coletivos frente aos processos de ampliação dos

direitos sociais; dimensão investigativa para a compreensão das condições de vida,

de trabalho e de educação da população; dimensão do trabalho profissional relativa

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à inserção dos/as assistentes sociais nos espaços democráticos; dimensão

pedagógico-interpretativa e socializadora das informações e conhecimentos no

campo dos direitos sociais e humanos, das políticas sociais, de sua rede de serviços

e da legislação social que caracteriza o trabalho do/a assistente social; dimensão de

gerenciamento, planejamento e execução direta de bens e serviços, no âmbito da

Política de Educação (CFESS, 2013, p 54).

O documento Subsídios para o Serviço Social na Educação (CFESS.GT

EDUCAÇÃO, 2011) apresenta uma caracterização da inserção do Serviço Social no

âmbito da política de educação, considerando as particularidades do trabalho do

assistente social, tendo como referência os seguintes focos: garantia do acesso da

população à educação formal; garantia da permanência da população nas

instituições de educação formal; garantia da qualidade dos serviços prestados no

sistema educacional; garantia da gestão democrática e participativa na política de

educação. Nesse ordenamento, o documento não apresenta um tratamento

específico sobre atribuições, mas para cada um dos focos são apresentadas

atividades e instrumentais utilizados pelos assistentes sociais, resultantes do

levantamento realizado nos Estados pelos CRESS (idem, p.42-45).

Em outra passagem do documento, onde se encontra uma das contribuições

de Ney Almeida, assessor do grupo de trabalho, encontram-se referências sobre

atribuições profissionais nesta área, quando se propõem para os debates sobre o

trabalho do/a assistente social na Educação:

A delimitação de ações de natureza socioassistenciais que assegurem as prerrogat ivas do exerc íc io prof iss ional do/a ass istente soc ia l e que não conf igurem processos f ragmentadores da real idade soc ia l, em part icu lar , que não reforcem a dicotomia entre o socia l e o educac ional ; A del im itação de ações socioassis tenc ia is que não d i luam as par t icu lar idades do campo educac ional e que interdite o processo de “assistencial ização” e f ragmentação do trabalho do/a assistente social ; A del im itação de ações soc ioeducat ivas vol tadas para a valorização da autonomia dos sujeitos sociais e de sua efet iva part ic ipação nos processos de gestão das unidades educacionais e da própr ia pol í t ica de educação em seus d iferentes es paços de contro le soc ia l ; A condução de abordagens individuais e grupais que não conf igurem novas versões de velhas prát icas prof issionais , mas possib i l idades de apreensão e enfrentamentos ins t i tuc ionais condizentes com a dinâmica e as estratégias colet ivamente construídas na prof issão; O desenvolv imento de ações inter inst i tuc ionais que u l trapassem

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as poss ib i l idades restr i tas e as armadi lhas ideológicas das chamadas “parcer ias” e que af irmem a centralidade das redes socioassistenciais públicas como instâncias potencializadoras dos direitos sociais ; A art iculação com outras inst ituições públ icas e poderes no sentido de assegurar os direitos sociais e humanos, evitando-se a ampl iação dos processos de judic ia l izaç ão dos conf l i tos inst i tuc ionais; Desenvolver ações vol tadas para as famíl ias cons iderando-as em suas d iferentes d imensões e conf igurações, sobretudo, como suje ito polí t ico no processo pol í t ico-pedagógico que part icu lar iza a área de educação; Desenvolver atividades de assessoria aos diferentes sujeitos sociais no âmbito da educação que favoreçam a consol idação de uma concepção de educação a l icerçada na garant ia do acesso ao conjunto dos d ire itos soc iais e à c idade; A construção de um trabalho prof iss ional que re i tere sua d imensão te leológica a par t ir da incorporação de instrumentais de planejamento, aval iação e s is temat ização, par t icu larmente, a part ir da elaboração de projetos de intervenção que valorizem a dimensão crít ica, proposit iva e invest igativa do exercício profissional e que explicitem os compromissos ét icos e polít icos construídos colet ivamente no Serviço Social (CFESS.Grupo de Trabalho Educação, 2011, p.55-57) .

Observa-se uma preocupação com a direção ético-política de um trabalho

profissional que recuse a assistencialização, o que pode significar não restrição à

assistência social, além da recusa ao tradicionalismo e à fragmentação. As

competências estão mais voltadas à potencialização dos direitos sociais e do papel

dos sujeitos coletivos. Ressalta-se que a conceituação de ações socioassistenciais

pode, paradoxalmente, reforçar a redução do Serviço Social à assistência social,

pela definição conceitual.

A profissão é inscrita num contexto mais amplo configurado por complexos

que interferem na delimitação dos objetos por contingências e condições objetivas

para o desenvolvimento dos processos interventivos. A delimitação de competências

e atribuições tende a acompanhar as legislações profissionais, por ser uma profissão

regulamentada. Entretanto, os significados construídos não estão restritos à

normatividade. Há um espaço importante da prática na construção da legitimidade e

difusão de valores e princípios éticos.

O fato de a profissão ser regulamentada configura uma condição de maior

implicação ética, pelo impacto na vida de indivíduos e coletivos, aspecto que reforça

a dimensão educativa da prática. A ética, nesse sentido, se constitui como mediação

fundamental na teleologia voltada ao fortalecimento de valores que engenfram uma

nova cultura e justificam a finalidade histórica da profissão.

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ANÁLISES CONCLUSIVAS

O acúmulo teórico-político do Serviço Social permite posicionar a profissão

como de natureza interventiva, sendo a realidade social seu substrato e as

expressões da questão social objeto de investigação/ação, no âmbito das políticas

sociais, engendradas nas relações complexas entre as classes direcionadas por

projetos societários em disputas.

Uma profissão não é, tão somente, resultado dos esforços de sua auto-

representação ou autoimagem. É fruto de condições concretas, de processos

sociais, políticos, econômicos e culturais, da produção teórica que constrói

argumentos sólidos para a monopolização na divisão social e técnica do trabalho, de

seu estatuto normativo-jurídico, conduzido por valores sociais e princípios éticos.

Portanto, a profissão constrói seus supostos em sintonia com as requisições sociais

e institucionais que justificam sua necessidade histórica, e produz conhecimentos e

saberes a partir deste lugar social, configurando-se ao mesmo tempo como profissão

e área de conhecimento.

As diferentes concepções sobre o trabalho no social têm seu nascedouro nas

Teorias Sociais, “conectadas” com projetos de sociedade, divergentes em termos de

concepção ideo-política. A tendência predominante no trabalho social desenvolvido

no cotidiano é a potencialização dos mecanismos de gerenciamento, programação e

controle da vida social, podendo, dessa maneira, reforçar as ultrageneralizações

reforçadoras das disposições reprodutoras de condições desiguais. Tendo em vista

o processo de precarização e a natureza interventiva da profissão (com respostas

mais imediatas do que mediatas), corre-se o risco, ainda que sob a hegemonia do

pensamento crítico, de atuações neo-pragmáticas e neo-conservadoras, acentuadas

diante da ideologização da chamada pós-modernidade.

A crise de projetos, amplamente difundida nos marcos da mundialização do

capitalismo financeiro, expressa uma contratendência do trabalho social legitimado

nos processos democráticos e emancipatórios, o que requer a potencialização de

valores latentes, porém abafados pelo aprisionamento das amarras do cotidiano. A

construção de novas práxis é possível pela incidência de categorias que interpelem

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o concreto aparente e alcancem o concreto real. Movimento analítico-crítico

dependente de abstrações, inovações, totalizações, historicidade, coletivização.

A profissionalidade contemporânea recusa, de modo hegemônico, as práticas

reiterativas do existente, programadoras da alienação reinante. Trata-se de uma

legitimidade construída no campo democrático-popular, na atuação político-

profissional protagônica, diante dos novos instrumentos e diretivas democráticas no

espectro do Estado Democrático de Direito, conduzida para a “hegemonização” dos

espaços sócio-institucionais, na trama das relações de força e poder.

A legislação profissional, e nela a ética, constitui o arcabouço da legitimidade

construída no contexto de afirmação de novos valores que formam a base ideo-

política que resiste à cultura instituída. A relevância pública da profissão forjou-se no

ordenamento normativo-jurídico, na produção teórica crítica, sobretudo, na prática

inovadora, o que vem sendo pouco referenciada quando se aborda o projeto ético-

político profissional.

As análises sobre as possibilidades de crise ou ameaça à materialidade do

projeto profissional transitam em perspectivas que apresentam discursos

institucionalistas, por superdimensionarem os recursos regulatórios da profissão,

especialmente pelas organizações profissionais. O que se conclui, provisoriamente,

é que a profissionalidade do Serviço Social configurou-se, historicamente, entre a

fragilidade institucional, que impulsiona as organizações à autodefinição

permanente, e a legitimidade construída no campo democrático e dos direitos.

A tendência à auto-regulação responde às demandas de uma profissão que

embora seja liberal e tenha competências de assessoramento em matéria de direitos

e políticas sociais, é assalariada, marcada pela condição de assistir, o que no

imaginário social remete ao imediato, a um componente protetivo voltado

essencialmente ao atendimento, ao emergencial ou urgente, o que constrange as

possibilidades de materialização dos direcionamentos ético-políticos.

A base teórico-política acumulada e difundida no Brasil posicionou a

profissão, no contexto de afirmação da legitimidade social, no campo da produção

científica de referência, o que foi certamente indispensável para o afastamento do

universo do voluntarismo, do pragmatismo funcionalista e da psicologização

baseada na propagação de valores e manipulação de comportamentos.

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O processo de precarização da formação profissional em curso pode reforçar

a dimensão de fragilidade profissional, além de outros componentes do exercício

profissional, como a ampliação do contingente de profissionais e o recurso do cargo

genérico para a descaracterização da profissão e do cumprimento da carga horária

reduzida para 30 horas (ainda que tenha sido uma conquista). Além disso, é

inegável o alargamento do mercado de trabalho profissional, notadamente no âmbito

das políticas de seguridade social, e mais ainda na política de assistência social,

com a implantação do SUAS. Ao mesmo tempo identifica-se o aprofundamento da

precarização das condições em que este trabalho se realiza.

O modelo de competências incide no Brasil, tanto na educação como no

trabalho, num contexto de paradigma da flexibilização, aspecto que reforça e

condiciona a individualização, o “espírito egoísta”, diante da corrida por um lugar na

divisão social e técnica do trabalho. O Serviço Social incorpora o discurso da

competência e, embora propague a necessária dimensão teórico-metodológica e

ético-política, portanto em sentido reconstruído a partir do projeto profissional,

transita no modelo, reproduzindo a fragmentação das “áreas” ou políticas sociais, a

começar pela assistência social e saúde, avançando para a educação e o sistema

de justiça.

A metodologia não difere da forma utilizada na aplicação do “modelo”,

especialmente pelo trabalho: um grupo que consolida competências e atribuições

em suas áreas de atuação. Corre-se o risco da simplificação e da fragmentação, tão

condicionada pelo Estado no âmbito da política social, e do reforço a um processo

de auto-representação que expressa parte das intervenções, transfigurando

requisições, ocultando processos interventivos. Com isso, não se suprime sua

utilidade política de unificar entendimentos na área em questão. Entretanto, o efeito

“fordista” na produção de normas e parâmetros revela uma evidente resposta à

precarização da formação, polo decisivo na delimitação do que seja atribuição de

uma profissão, em sintonia com as requisições.

A análise da profissionalidade, no que se refere à dimensão regulatória,

revela a prevalência da elaboração de políticas; da pesquisa social; da produção de

estudos, laudos e pareceres; da orientação social. Seriam estas de fato as principais

competências desenvolvidas no cotidiano? Não seriam necessários estudos sobre a

configuração real dos espaços ocupacionais, sob pena do reforço a uma

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transfiguração do realmente existente? Há de fato uma prevalência de assistentes

sociais brasileiros na elaboração de políticas, já que esta é a competência em

evidência? Sabe-se do predomínio de intervenções relacionadas ao atendimento e

orientação no âmbito dos serviços sociais, a articulação de sistemas e garantia de

direitos, entre outras competências pouco visibilizadas. Empiricamente o que se

observa são intervenções mais direcionadas às respostas às demandas imediatas

de proteção social, que requerem posicionamento técnico e ético. No entanto, são

recorrentes os estudos sociais e outros instrumentos com implicações éticas, que

não fundamentam decisões e encaminhamentos necessários na garantia de direitos.

Ao contrário, são funcionais aos esquemas institucionais de programação da vida

social. Nesse sentido, a mera vocalização do que se faz, quando se trata de uma

profissão que depende mais da legitimidade construída do que das tradições, pode

ocultar o real e afastar as possibilidades de qualificação teórica, técnica e ética.

Seria possível delimitar atribuições privativas a partir do entendimento do que

seja matéria Serviço Social? Muitos são os dilemas neste tema. Não há dúvidas do

necessário detalhamento dos artigos 4º e 5º, sem reproduzi-los, tão somente, em

cada área. É preciso capturar com mais profundidade as particularidades de

atuação, aliando estratégias que fortaleçam o aprimoramento intelectual com

educação permanente.

Novos estudos sobre a configuração dos espaços sociocupacionais podem

demandar a incorporação de outras atribuições tão presentes no cotidiano

profissional e que não se esgotam na orientação e nem se restringem aos

procedimentos e instrumentos como visita domiciliar, realização de seminários e

outros procedimentos “meios”. É preciso avançar teórica e normativamente na

definição do que seja um trabalho social e suas particularidades no Serviço Social, já

que a especificidade da profissão é significada teoricamente em resposta às

necessidades humanas.

A natureza interventiva da profissão no cotidiano exige o aprofundamento da

natureza educativa e protetiva, potencializadora de valores sociais e de

protagonismos. Da mesma forma, o conhecimento sobre a institucionalidade das

políticas não está restrito aos direcionamentos éticos que fortalecem a sociedade

civil, a exemplo do comando da elaboração de políticas com participação de

usuários e da sociedade civil. Outros atributos constituem as prerrogativas que foram

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sendo construídas nas últimas décadas e que são inovadoras pela análise e

construção das políticas por dentro, o que reforça os saberes acumulados

historicamente e que possuem a marca do Serviço Social.

A base legal por si só não garante sustentabilidade ao projeto ético-político

profissional. É indispensável considerar a relação entre as determinações mais

gerais, particularizadas no cotidiano de trabalho, e as possibilidades concretas de

interferência nos processos sociais, pela conformação de um sistema de mediações;

a formação profissional e o aprimoramento intelectual contínuo.

Além da produção teórica consistente e relevante, especialmente pela crítica

às respostas neoliberais e às contribuições na qualificação política dos direitos

Constitucionalizados e em processo de regulamentação, a base normativo-jurídica

da profissão expressa um avanço extraordinário em termos da moralidade incidente

no exercício profissional.

A Lei n. 8662/93, que regulamenta a profissão, e o Código de Ética do

Assistente Social de 1993, são instrumentos que capturam os movimentos de

resignificação social da profissão, e explicitam avanços seminais na solidez do

projeto ético-político profissional. Esta base normativo-jurídica vem sendo ampliada

com outras regulamentações do exercício profissional, como a Resolução n. 493/06,

que dispõe sobre as condições éticas e técnicas, e a Resolução n. 533/08, que

regulamenta a Supervisão Direta de Estágio.

A natureza complexa do exercício profissional e o contexto com evidências de

regressão demandam das organizações profissionais o adensamento da

legitimidade conquistada pelo aprimoramento dos avanços, o fortalecimento das

estratégias que potencializam as “saídas” no âmbito da sociedade, particularmente

na ação programática com sujeitos coletivos que partilham dos mesmos princípios

da profissão; a construção de novas formas de interferência para além da resistência

política, mas que estejam à altura dos efeitos em grande escala da reconfiguração

da profissão, sobretudo pela formação em massa e precarizada.

O que significa um contingente de aproximadamente 10.524 concluintes

egressos de cursos presenciais em relação a 3.243 egressos de cursos na

modalidade à distância? O número de egresso de Cursos à distância tende a

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reduzir, considerando a oferta de vagas ser extraordinariamente maior? 118 Os

posicionamentos de não qualificação do ensino à distância seriam suficientes? Que

fatores interferem na expansão de cursos em serviço social em comparação aos

demais cursos? A legitimidade profissional tem contribuído para a expansão? Que

aspectos têm interferido na extinção de cursos, como pedagogia, que não é

regulamentada e, portanto, não sofre a interferência regulatória de um órgão de

classe?119 A realidade comprova a interferência decisiva do Estado, o papel

estratégico de algumas corporações e a necessidade de novos estudos.

A intervenção profissional é condicionada por determinantes sócio-históricos e

institucionais, assim como pelas repostas profissionais vinculadas aos projetos

coletivos. Dessa forma, o exercício profissional é operado em condições e relações

de trabalho concretas e dinâmicas, tendo como respaldo a legislação profissional e

os fundamentos construídos na formação e no aprimoramento intelectual

permanente.

A profissionalidade contemporânea do Serviço Social requer a análise das

condições em que o trabalho social é realizado, o reconhecimento da complexidade

das operações feitas no cotidiano. Trata-se de um trabalho que se realiza no âmbito

da política social, do sistema de proteção social com todos os seus contornos e

constrangimentos político institucional, como fragmentação, meritocracia e

focalização. Aspectos tensionados por contratendências sócio-culturais que

interpelam a realidade e na esfera pública constroem possibilidades de

fortalecimento de mecanismos de gestão democrática.

118 O Portal do MEC disponibiliza informações sobre o ensino em Serviço Social. Para ilustrar a

problematização ressalta-se que num universo de 20 instituições de ensino são autorizadas mais de 50 mil vagas em todo o Brasil. Foram identificados apenas os cursos com avaliação (O Conceito Preliminar de Curso (CPC) e Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), totalizando 9: Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) 3.000 Vagas; Universidade de Uberaba (Uniube) – 55 Vagas; Universidade Norte do Paraná – (Unopar) - 21.150; Universidade de Santo Amaro (Unisa) - 2.300 Vagas; Universidade Tiradentes (Unit) – 1.100 Vagas; Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) – 4.000 Vagas; Universidade Anhanguera (Uniderp) - 16.800; Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) - 3.000; Universidade do Tocantins (Unitins) - 2.760 Vagas. (http://emec.mec.gov.br/, acesso em 28 de março de 2012).

119 Uma rápida comparação permite identificar 20 cursos em serviço social, sendo 01 em extinção; 01 em Direito; 136 em Administração; nenhum em psicologia; nenhum em Economia Doméstica; 03 em Enfermagem, sendo 01 em extinção; 02 em Biblioteconomia; 180 em Pedagogia (licenciatura), sendo 37 extintos e 27 em extinção; 02 em Engenharia Civil; 08 em Biologia; 16 em Filosofia; 10 em Ciências Sociais, com 5 extintos.

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Alguns atributos e condicionantes configuram o trabalho do assistente social:

(a) trabalho que sofre os efeitos das determinações da sociedade desigual no

usufruto da riqueza produzida socialmente e das repostas insuficientes do Estado,

diante da hegemonia de projetos que reproduzem a desigualdade de classe,

cedendo em reformas que pouco interferem na estrutura da sociedade; (b) trabalho

constrangido por determinações da formação social, com rebatimentos diretos na

vida da população atendida, na cultura política identificada no cotidiano do exercício

profissional, nas instâncias e dinâmicas institucionais; (c) trabalho social realizado

em condições adversas, herdeiras da prevalência do privado, da redução do Estado

sob a cultura neoliberal, enfraquecendo as possibilidades de ampliação dos direitos

reclamáveis, dentre eles o direito ao trabalho e os mecanismos e possibilidades

sociais e políticas para o pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais, quanto às

capacidades humanas (SILVEIRA, 2011).

O estatuto normativo-jurídico atribui um significado de trabalho, seja na gestão,

na assessoria ou no atendimento, de domínio da legislação social e dos processos

sociais e políticos relativos aos direitos. Definição que comanda a articulação de

forças sociais democráticas e de estratégias democratizantes, o que pressupõem

compreensão das dinâmicas institucionais, das relações de força e poder e

capacidade técnica e teórica para intervenção nos espaços contraditórios.

O exercício profissional exige mediações complexas na apreensão da

dinâmica dos processos sociais, das contradições no âmbito da sociedade e nos

espaços sócio-institucionais, e com análise de determinantes sócio-econômicos,

políticos e culturais da desigualdade em suas manifestações cotidianas. Processo

que requer: i) análise crítica das expressões da questão social, das repostas sócio-

institucionais e das forças sócio-políticas, com democratização de poder, acessos e

participação; ii) realização de mediações capazes de ativar processos que revertam

tendências e condições materiais de vida, com impacto na subjetividade política dos

sujeitos; apreensão de potencialidade e possibilidades na alteração de processos,

para a recomposição e ampliação dos direitos, que em sua institucionalidade releva-

se como espaço de disputas políticas; iii) ações estratégicas e táticas, com direção

social coletiva e alianças democráticas que fortaleçam os movimentos sociais em

contraposição aos interesses conservadores e à cultura neoliberal; iv) posturas que

preservem e defendam prerrogativas profissionais no contraponto à precarização da

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formação e do exercício profissional; v) defesa e enraizamento do projeto ético-

político profissional nos espaços de atuação, com fortalecimento das entidades

organizativas da profissão, em defesa do pleno desenvolvimento dos indivíduos

sociais na direção emancipatória, dos direitos humanos e da democracia

(socialização de renda, riqueza e participação), da equidade e da justiça social, da

eliminação de todas as formas de preconceito e da garantia do pluralismo, do

compromisso com a qualidade dos serviços prestados, entre outras lutas legítimas.

O reconhecimento convencionado na legalidade do Serviço Social,

compreendido aqui como campo/disciplina do conhecimento e de intervenção, de

que a questão social constitui a base de fundação e de desenvolvimento da

profissão, conduziu, hegemonicamente, as intervenções para a identificação e o

enfrentamento das manifestações da própria questão social nos espaços

ocupacionais. Assim, o Serviço Social é posicionado como um subproduto da

dinâmica da vida social, sendo, também, resultado da atividade do coletivo de seus

profissionais.

Os riscos com a evidente reconfiguração do perfil profissional, na ofensiva do

pragmatismo e do neoconservadorismo, têm exigido a produção e o aprimoramento

dos mecanismos legais e jurídicos quanto à sua aplicabilidade, além de sinalizar

algumas insuficiências quanto ao alcance da regulação do exercício profissional e a

capacidade técnica e operacional das instituições de formação e dos CRESS em

desenvolverem uma burocracia e uma intensa institucionalidade na aplicação da

norma, a exemplo das regras que implicam eticamente os profissionais envolvidos

na supervisão direta, demandando inclusive avaliação das condições éticas e

técnicas, plano de trabalho, entre outras previsões.

A direção política do conjunto CFESS/CRESS pela garantia da centralidade

na defesa, fiscalização e orientação do exercício profissional não supõe retorno ao

corporativismo, ao contrário, responde ao desafio conjuntural de potencializar a

capacidade de agregar o coletivo profissional em torno de um projeto coletivo. O

acirramento das disputas internas na profissão e a reconfiguração da formação e do

exercício profissional têm provocado respostas novas e inclusive para além das

competências institucionais do conjunto CFESS/CRESS, como a capacitação

permanente, requisitando um controle público mais efetivo do sistema de registro e

de cadastro do exercício profissional em suas particularidades.

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A difusão da profissionalidade legitima exige persuasão, convencimento,

regulação, organização, protagonismo individual e coletivo, formação continuada. O

imperativo e o disciplinador não se sobrepõem à adesão crítica e consciente do

coletivo profissional. É preciso aprofundar estratégias que concretizem princípios

ético-políticos, contando mais com a adesão consciente do coletivo profissional do

que com mecanismos de coerção.

Nesse sentido a dimensão político-pedagógica da Política Nacional de

Fiscalização precisa ser potencializada, sem, contudo, avançar na interferência

regulatória do exercício profissional. A fiscalização dos Conselhos ampliou “sua

dimensão disciplinadora”, e incorporarou a dimensão político-pedagógica “na defesa

da profissão e dos princípios ético-políticos, consubstanciados no Código de Ética

1993 e na Lei de regulamentação no 8662/93”. Trata-se de uma “dimensão que

fundamenta a adoção de um conjunto de estratégias democráticas no âmbito da

profissão e da sociedade”, o que certamente deve ser fortalecido (SILVEIRA, 2007,

p. 12).120

As transformações recentes na formação e no exercício profissional têm

centralidade nos fóruns da categoria, especialmente na análise das possibilidades

institucionais de manter a hegemonia, reconhecendo que o projeto profissional não

depende exclusivamente da vontade de seu coletivo, sendo necessário apreender

os efeitos da conjuntura nacional e internacional na própria profissão.

120 A Política Nacional de Fiscalização atualizada no IV Seminário Nacional de Capacitação das Comissões de orientação e Fiscalização e Plenária Ampliada CFESS/CRESS, de caráter deliberativo, ocorrida entre os dias 19 e 22 de abril de 2007, possui as seguintes dimensões: a dimensão afirmativa de princípios expressa a concretização de estratégias para o fortalecimento do projeto éticopolítico profissional e da organização política da categoria em defesa dos direitos, das políticas públicas e da democracia e, consequentemente, a luta por condições de trabalho condignas e qualidade dos serviços profissionais prestados, expressando, portanto, a afirmação dos compromissos, prerrogativas e princípios profissionais; a dimensão normativa e disciplinadora abrange ações que possibilitem, a partir da aproximação das particularidades sócio-institucionais, instituir bases e parâmetros normativo-jurídicos reguladores do exercício profissional, coibindo, apurando e aplicando penalidades previstas no Código de Ética profissional, em situações que indiquem violação da legislação profissional. É a dimensão que explicita o sentido regulatório e de regulamentação da profissão com conteúdo tico-político, bem como a recomposição de direitos violados à luz do Código de Ética da profissão; a dimensão político-pedagógico compreende a adoção de procedimentos técnico-políticos de orientação e politização dos assistentes sociais, usuários dos serviços relativos às políticas sociais, instituições e sociedade em geral, acerca dos princípios e compromissos ético-políticos do Serviço Social, na perspectiva da prevenção de violações da legislação profissional (SILVEIRA, 2007).

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O fortalecimento de uma direção política que garanta a centralidade do

exercício profissional, do tratamento consistente da intervenção profissional na

realidade cotidiana, com defesa de prerrogativas construídas, reconhecidas e

legitimadas, não significa um retorno ao corporativismo passional, ao contrário,

sinaliza a afirmação da relevância pública da profissão que possui implicações

éticas, a defesa da qualidade na prestação de serviços sociais à população,

dimensão importante da própria sustentabilidade política do projeto profissional,

movimento vivo, revelador de uma postura que não sucumbir diante das

adversidades.

O conjunto CFESS/CRESS tem construído novos mecanismos que agreguem

o coletivo profissional ao projeto ético-político dinaminzando dessa forma, a

legitimidade profissional. Mas é preciso capturar as interferências da dinâmica social

nas profissões, o que pressupõem, também, a produção de conhecimentos sobre o

exercício profissional.

Acertar nas estratégias que dão sustentabilidade ao projeto pela mediação da

base legal, supõe coletivização, ampla participação, exercício democrático na

construção dos entendimentos coerentes com as prerrogativas conquistadas na

prestação pública do Serviço Social.

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214

ANEXO A - GRAFICO DE DISTRIBUIÇÃO DE CURSOS POR REGIÃO

Gráfico 1: Distribuição de Cursos por região

11%

17%

46%

21%

6%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste

Fonte: INEP/MEC, 2011

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215

ANEXO B – GRAFICO 2: GRADUAÇÃO PRESENCIAL E A DISTÂNCIA POR

REGIÃO

Gráfico 2: Graduação presencial e à distância por região

312

10.524

12

3.243

28

1.297

1

1.113

49

2.068

1

656159

5.135

4

921

62

1.659

4 189 14365

2364

-

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

Total Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste

Graduação Presencial Número deCursos

Graduação Presencial Número deConcluintes

Graduação a Distância Número deCursos

Graduação a Distância Número deConcluintes

Fonte: INEP/MEC, 2011

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ANEXO C – TABELA 1: BASE NORMATIVO-JURIDICA DO EXERCÍCIO

PROFISSIONAL

Tabela 1 - Base normativo-jurídica do exercício profissional

REGULAMENTAÇÕES PRODUZIDAS ENTRE 1990 E 2000

LEGISLAÇÃO/ RESOLUÇÃO

OBJETO ANO

Lei n. 8662/93 Dispõe sobre a organização da profissão, competências e atribuições. 1993

Código de Ética do/a assistente social

Dispõe sobre princípios e diretrizes para o exercício profissional, competências dos Conselhos Federal e Regionais, direitos e responsabilidades do assistente social.

1993

Resolução n. 383 Caracteriza o assistente social como profissional da saúde 1999

REGULAMENTAÇÕES PRODUZIDAS ENTRE 2000 e 2010

Resolução n. 418 Define a tabela de referência de honorários profissionais 2001

Resolução n. 427 Dispensa do pagamento de anuidade aos profissionais que completam 60 anos

2002

Resolução n. 443 Institui procedimentos para o Desagravo Público 2003

Resolução n. 489 Veda práticas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoa do mesmo sexo, no exercício profissional

2006

Resolução n. 493 Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional 2006

Resolução n. 512 Regulamenta normas gerais para o exercício da fiscalização profissional e atualiza a Política Nacional de Fiscalização

2007

Resolução n. 533 Regulamenta a supervisão direta de estágio no Serviço Social 2008

Resolução n. 554 Dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição de vítimas crianças e adolescentes no processo judicial, sob a metodologia do Depoimento Sem Dano/DSD, como sendo atribuição ou competência do profissional assistente social.

2009

Resolução n. 556 Regulamenta procedimentos para a lacração de material técnico-sigiloso do Serviço Social

2009

Resolução n. 557 Dispõe sobre a emissão de pareceres, laudos, opiniões técnicas conjuntos entre assistentes sociais e psicólogos

2009

Resolução n. 559 Dispõe sobre a atuação do assistente social na qualidade de perito ou assistente técnico, quando convocado a prestar depoimento como testemunha, pela autoridade competente

2009

Resolução n. 569 Regulamenta a vedação da realização de terapias associadas ao título e/ou ao exercício profissional do assistente social

2010

Resolução n. 572 Dispõe sobre a obrigatoriedade de registro nos CRESS dos assistentes sociais que exerçam funções ou atividades de atribuição do assistente social, mesmo em contratos sob a nomenclatura de cargos genéricos

2010

Resolução n. 590 Regulamenta o procedimento de aplicação de multas pelos CRESS, por descumprimento da Lei 8.662/93 e em especial por exercício da profissão de assistente social sem registro no CRESS competente.

2010

Fonte: Pesquisadora, 2013

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ANEXO D – QUADRO 1: ATIVIDADES CBO

Quadro 1 - Atividades CBO

GACS – Atividades

A - ORIENTAR INDIVÍDUOS, FAMÍLIAS, GRUPOS, COMUNIDADES E INSTITUIÇÕES

A.1 - Esclarecer dúvidas A.2 - Orientar sobre direitos e deveres A.3 - Orientar sobre acesso a direitos instituídos A.4 - Orientar sobre rotinas da instituição A.5 - Orientar sobre cuidados especiais A.6 - Orientar sobre serviços e recursos sociais A.7 - Ensinar a otimização do uso de recursos A.8 - Orientar sobre a otimização do uso de recursos A.9 - Desenvolver programas de educação alimentar para sadios A.10 - Orientar sobre normas, códigos e legislação A.11 - Orientar sobre processos, procedimentos e técnicas A.12 - Orientar sobre aspectos ergonômicos do trabalho A.13 - Organizar grupos sócio-educativos A.14 - Facilitar grupos sócio-educativos A.15 - Assessorar orgãos públicos e entidades civis A.16 - Assessorar empresas na elaboração de programas e projetos sociais A.17 - Organizar cursos, palestras, reuniões

B - PLANEJAR POLÍTICAS SOCIAIS

B.1 - Elaborar planos, programas e projetos específicos B.2 - Delimitar o problema B.3 - Definir público-alvo B.4 - Definir objetivos e metas B.5 - Definir metodologia B.6 - Formular propostas B.7 - Estabelecer prioridades B.8 - Estabelecer critérios de atendimento B.9 - Programar atividades B.10 - Estabelecer cronograma B.11 - Definir recursos humanos B.12 - Definir recursos materiais B.13 - Definir recursos financeiros B.14 - Consultar entidades e especialistas B.15 - Definir parceiros

C - PESQUISAR A REALIDADE SOCIAL

C.1 - Realizar estudo sócio-econômico C.2 - Pesquisar interesses da população C.3 - Pesquisar o perfil do usuário C.4 - Pesquisar características da área de atuação C.5 - Pesquisar informações ´in loco´ C.6 - Pesquisar entidades e instituições C.7 - Realizar pesquisas bibliográficas e documentais C.8 - Estudar viabilidade de projetos propostos C.9 - Levantar número de usuários C.10 - Coletar dados

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C.11 - Organizar dados coletados C.12 - Compilar dados C.13 - Tabular dados C.14 - Difundir resultados da pesquisa C.15 - Buscar parceiros C.16 - Pesquisar a satisfação do usuário

D - EXECUTAR PROCEDIMENTOS TÉCNICOS

D.1 - Registrar atendimentos D.2 - Denunciar situações-problema D.3 - Requisitar acomodações e vagas em equipamentos sociais D.4 - Formular relatórios D.5 - Formular pareceres técnicos D.6 - Formular rotinas e procedimentos D.7 - Formular cardápios para sadios D.8 - Integrar grupos de estudo de casos D.9 - Formular instrumental (Formulários, questionários, etc) D.10 - Requisitar mandado de busca

E - MONITORAR AS AÇÕES EM DESENVOLVIMENTO

E.1 - Acompanhar a execução de programas, projetos e planos E.2 - Analisar as técnicas utilizadas E.3 - Apurar custos E.4 - Verificar resultados de programas, projetos e planos E.5 - Verificar atendimento dos compromissos acordados com o usuário E.6 - Criar critérios e indicadores para avaliação E.7 - Aplicar instrumentos de avaliação E.8 - Avaliar cumprimento dos objetivos de programas, projetos e planos propostos E.9 - Avaliar satisfação dos usuários

F - PROMOVER EVENTOS TÉCNICOS E SOCIAIS

F.1 - Determinar natureza e objetivos do evento F.2 - Escolher local F.3 - Preparar programação F.4 - Divulgar o evento F.5 - Comprar material promocional F.6 - Preparar o convite F.7 - Selecionar material técnico-científico F.8 - Preparar material de divulgação F.9 - Contratar pessoal e serviços F.10 - Providenciar material operacional F.11 - Convidar público-alvo e participantes F.12 - Preparar lista de convidados F.13 - Preparar anais para publicação

G - ARTICULAR RECURSOS DISPONÍVEIS

G.1 - Identificar equipamentos sociais disponíveis G.2 - Identificar recursos financeiros disponíveis G.3 - Negociar com entidades e instituições G.4 - Formar parcerias G.5 - Obter recursos financeiros, materiais e humanos G.6 - Formar uma rede de atendimento G.7 - Identificar vagas no mercado de trabalho para colocação/recolocação G.8 - Identificar possibilidades de geração de renda G.9 - Intensificar os contatos G.10 - Realocar recursos disponíveis G.11 - Propor verbas orçamentárias G.12 - Participar de comissões técnicas G.13 - Participar de conselhos municipais, estaduais e federais de direitos e

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políticas públicas

H - COORDENAR EQUIPES E ATIVIDADES

H.1 - Coordenar projetos H.2 - Coordenar grupos de trabalho H.3 - Recrutar pessoal H.4 - Selecionar pessoal H.5 - Escalar pessoal H.6 - Atribuir tarefas à equipe H.7 - Treinar pessoal H.8 - Supervisionar trabalho dos técnicos da área H.9 - Supervisionar estágios curriculares

I - DESEMPENHAR TAREFAS ADMINISTRATIVAS

I.1 - Preencher formulários I.2 - Providenciar documentação oficial I.3 - Cadastrar usuários, entidades e recursos I.4 - Controlar fluxo de documentos I.5 - Administrar recursos financeiros I.6 - Controlar custos I.7 - Controlar dados estatísticos I.8 - Fazer estatísticas I.9 - Requisitar reforço policial

Z - DEMONSTRAR COMPETÊNCIAS PESSOAIS

Z.1 - Trabalhar com ética profissional Z.2 - Manter-se atualizado Z.3 - Ouvir atentamente (saber ouvir) Z.4 - Demonstrar bom senso Z.5 - Demonstrar sensibilidade Z.6 - Contornar situações adversas Z.7 - Trabalhar em equipe Z.8 - Manter-se imparcial Z.9 - Demonstrar auto-controle Z.10 - Lidar com estresse Z.11 - Demonstrar discrição Z.12 - Manter-se disciplinado Z.13 - Manter-se firme Z.14 - Demonstrar persistência Z.15 - Mediar conflitos Z.16 - Participar de grupos de estudo Z.17 - Demonstrar sensibilidade política Z.18 - Estimular a criação de novos recursos Z.19 - Respeitar as diversidades étnicas, culturais, de gênero, de credo, de opção sexual, etc Z.20 - Demonstrar criatividade Z.21 - Manter o sigilo profissional Z.22 - Manter-se flexível Z.23 - Demonstrar ousadia

Fonte: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTitulo.jsf

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ANEXO E – LISTA DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS

Atividade Legislação

Administrador Lei nº 4.769/65

Advogado Lei nº 8.906/94

Aeronauta Lei nº 7.183/84

Lei nº 7.565/86

Agrônomo Lei nº 4.950-A/66

Lei nº 5.194/66

Arquivista/Técnico de Arquivo Lei nº 6.546/78

Decreto nº 82.590/85

Arquiteto Lei nº 4.950-A/66

Lei nº 5.194/66

Arquivista Lei nº 6.546/78

Artista/Técnico em Espetáculos de Diversões

Lei nº 6.533/78

Decreto nº 82.385/78

Assistente Social Lei nº 8.662/1993

Atleta Profissional de Futebol Lei nº 6.354/76

Lei nº 9.615/98

Atuário Decreto-Lei nº 806/79

Decreto nº 66.408/70

Auxiliar em Saúde Bucal Lei nº 11.889/2008

Biólogo e Biomédico Lei nº 6.684/79

Bombeiro Civil Lei nº 11.901/2009

Contador e Contabilista Decreto-Lei nº 9.295/46

Corretor de Imóveis Lei nº 6.530/78

Corretor de Seguros Lei nº 4.594/64

Dentista Lei nº 4.324/64

Lei nº 5.081/66

Economista Lei nº 1.411/51

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Economista Doméstico Lei nº 7.387/85

Enfermeiro Lei nº 2.604/55

Lei nº 7.498/86

Engenheiro Lei nº 4.9550-A/66

Lei nº 5.194/66

Lei nº 7.064/82

Engenheiro de Segurança do Trabalho Lei nº 7.410/85

Enólogo Lei nº 11.476/2007

Estatístico Lei nº 4.739/65

Farmacêutico Lei nº 3.820/60

Fisioterapeuta Lei nº 6.316/75

Lei nº 8.856/94

Fonoaudiólogo Lei nº 6.965/81

Geógrafo Lei nº 6.664/79

Geólogo Lei nº 4.076/62

Guardador e Lavador Autônomo de Veículos

Lei nº 6.242/75

Guia de Turismo Lei nº 8.623/93

Jornalista Decreto-Lei nº 972/69

Leiloeiro Decreto nº 21.981/32

Leiloeiro Rural Lei nº 4.021/61

Mãe Social Lei nº 7.644/87

Massagista Lei nº 3. 968/61

Médico Lei nº 3.268/57

Lei nº 6.932/81

Motoboy Lei nº 12.009/2009

Mototaxista Lei nº 12.009/2009

Museólogo Lei nº 7.287/84

Músico Lei nº 3.857/60

Nutricionista Lei nº 6.583/78

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Lei nº 8.324/91

Oceanógrafo Lei nº 11.760/08

Orientador Educacional Lei nº 5.564/68

Professor Lei nº 3.857/60

Lei nº 9.696/98

Psicólogo Lei nº 4.119/62

Lei nº 5.766/71

Publicitário Lei nº 4.680/65

Químico Lei nº 2.800/56

Lei nº 4.950-A/66

Radialista Lei nº 6.615/78

Relações Públicas Lei nº 5.377/67

Representante Comercial Lei nº 4.886/65

Secretário Lei nº 7.377/85

Sociólogo Lei nº 6.888/80

Técnico de Segurança do Trabalho Lei nº 7.410/85

Técnico em Prótese Dentária Lei nº 6.710/79

Técnico em Radiologia Lei nº 7.394/85

Técnico em Saúde Bucal Lei nº 11.889/08

Trabalhador Avulso Lei nº 4.860/65

Lei nº 5.085/66

Lei nº 7.002/82

Lei nº 9.719/98

Trabalhador Doméstico Lei nº 5.859/72

Decreto nº 71.885/73

Trabalhador Rural Lei nº 5.889/73

Treinador de Futebol Lei nº 8.650/93

Vendedor Pracista ou Viajante Lei nº 3.207/57

Veterinário Lei nº 4.9450-A/66

Lei nº 5.517/68

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Vigia Lei nº 7.313/85

Vigilante Lei nº 7.102/83

Zootecnista Lei nº 5.550/68

Fonte: https://www.webcontabil.com.br/ver_noticia_publica.php?v1=93116&v2=www.sevilha.com.br