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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Victor Hugo Ramão Fernandes Concepções linguísticas dos séculos XVI e XXI: o pronome numa perspectiva historiográfica Mestrado em Língua Portuguesa SÃO PAULO 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Victor Hugo Ramão Fernandes

Concepções linguísticas dos séculos XVI e XXI:

o pronome numa perspectiva historiográfica

Mestrado em Língua Portuguesa

SÃO PAULO

2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Victor Hugo Ramão Fernandes

Concepções linguísticas dos séculos XVI e XXI:

o pronome numa perspectiva historiográfica

Mestrado em Língua Portuguesa

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de Mestre em

Língua Portuguesa sob a orientação da Prof. Dra. Neusa

Maria Barbosa de Bastos.

SÃO PAULO

2018

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Uno e Trino.

À Virgem Santíssima.

A seu Castíssimo Esposo, São José, e a todos santos que intercedem sem cessar.

À minha esposa, Shirley, a quem dedico tudo. Por todo companheirismo e fidelidade.

À minha mãe, Marinês, pelos cuidados de toda minha vida até hoje, incomparáveis.

A meu pai, José, por sempre me incentivar a dar o melhor.

A meus avós, sobretudo, minha vó Ana. Por todo exemplo e amor.

A meus filhos espirituais, sobretudo do MJ, que me são fonte de alegria e disposição.

Aos meus irmãos de comunidade, da paróquia e dos grupos de oração.

A meu diretor espiritual, Pe Cristiano, e aos Padres Marcos e Renan, pelos conselhos.

Aos meus alunos das redes estadual e municipal de ensino em Guarulhos.

Aos meus colegas de trabalho, professores e gestores.

Aos meus professores da PUC, que me abriram os caminhos da pesquisa acadêmica.

À Lourdes, que me auxiliou muitas vezes e socorreu em momentos importantes.

À Prof. Dra. Nancy dos Santos Casagrande e ao Prof. Dr. Ricardo Cavaliere que

tiveram o cuidado de ler este trabalho e muito me instruíram sobre ele.

À minha querida orientadora, Prof. Dra. Neusa Barbosa Bastos, a quem tenho enorme

gratidão por ter me acompanhado durante esses anos de modo tão generoso.

A CAPES pelo aporte financeiro.

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AGRADEÇO A CAPES PELA BOLSA,

POR MEIO DA QUAL ESTE TRABALHO FOI POSSÍVEL.

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Ó doce chaga, que repara os corações feridos,

Abrindo larga estrada para o Coração de Cristo.

Prova do novo amor que nos conduz a união!

Porto do mar que protege o barco de afundar!

Em Ti todos se refugiam dos inimigos que ameaçam:

Tu, Senhor, és medicina presente a todo mal!

Quem se acabrunha em tristeza, em consolo se alegra:

A dor da tristeza coloca um fardo no coração!

Por Ti Mãe, o pecador está firme na esperança,

Caminhar para o Céu, lar da bem-aventurança!

Ó Morada de Paz! Canal de água sempre vivo,

Jorrando água para a vida eterna!

Esta ferida do peito, ó Mãe, é só Tua,

Somente Tu sofres com ela, só Tu a podes dar.

Dá-me acalentar neste peito aberto pela lança,

Para que possa viver no Coração do meu Senhor!

(Poema à Virgem, São José de Anchieta)

Totus tuus ego sum

et omnia mea tua sunt

Mariae.

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RESUMO

O presente trabalho examina os conceitos e as descrições relacionados aos

pronomes pessoais, possessivos e relativos, nos séculos XVI e XXI, sob a perspectiva

da Historiografia Linguística. Para tanto, analisamos a Grammatica da língua

Portuguesa (1540) de João de Barros e a Moderna Gramática Portuguesa (2009) de

Evanildo Bechara, em sua 37ª edição. Tal pesquisa se funda na importância da classe de

palavras e no período histórico e no período linguístico escolhidos para a pesquisa, além

de abarcar a questão sob diferentes perspectivas de Portugal e do Brasil. Com base nos

procedimentos metodológicos da Historiografia Linguística, postulados por Koerner

(1996, 2014) e Swiggers (2009, 2010), seguimos os princípios de Contextualização,

Imanência e Adequação. Dessa maneira, este trabalho contribui com as pesquisas de

Historiografia Linguística, oferecendo um estudo de uma das primeiras gramáticas da

língua portuguesa, a Grammatica da língua Portuguesa (1540), voltado para os

pronomes pessoais, possessivos e relativos. A partir disso, realizamos uma análise

comparativa dessas concepções gramaticais com as de uma obra recente, a Moderna

Gramática Portuguesa (2009). Detivemo-nos diante da questão do como os pronomes

pessoais, possessivos e relativos eram compreendidos naquele período e do como o são

atualmente. Por fim, concluímos que tanto os ditames linguísticos que precediam ambas

as obras como a emergência de novos estudos foram fundamentais para a compreensão

dessa classe de palavras, especialmente dos tipos analisados.

Palavras-chave: pronomes, gramáticas, historiografia linguística, século XVI;

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ABSTRACT

This work examines the concepts and the descriptions related to the pronouns,

possessive and partial, in the 16th and 21st centuries, from the perspective of

Historiography of Linguistic. To do so, he analyzes a Grammatica da lingua

Portuguesa (1540) by João de Barros and a Moderna Gramática Portuguesa (2009) by

Evanildo Bechara, in its 37th edition. The research is valid for the importance of class

words and for the historical and linguistic period, besides covering and lacking on

different perspectives from Portugal and Brazil. Based on the methodological

procedures of Historiography of Linguistic, postulated by Koerner (1996, 2014) and

Swiggers (2009, 2010), we follow the principles of Contextualization, Immanence and

Adequacy. In this way, this work contributes as researches of Historiography of

Linguistic, offering a study of one of the first grammars of the Portuguese Language, a

Grammatica da lingua Portuguesa (1540), focused on personal, possessive and relative

pronouns. From this, we perform a comparative analysis of grammatical conceptions as

a recent work, a Moderna Gramática Portuguesa (2009). We reflected in front of the

subject, as the personal, possessions and possessives pronouns were understood in that

period and as they are. Finally, we conclude that both the linguistic dictates that precede

both works as an emergence of new studies were fundamental to an understanding of

this class of words, especially of the types analyzed.

Keywords: pronouns, grammars, historiography of linguistic, 16th century;

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................... 10

1. HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA: PRINCÍPIOS .............................................. 14

1.1 Conceitos de Historiografia Linguística ............................................................. 15

1.1.1 Definições de HL para Koerner .................................................................. 15

1.1.2 Definições de HL para Swiggers ................................................................. 21

1.1.3 Paralelos teórico-metodológicos .................................................................. 27

1.2 Panorama da HL no Brasil ................................................................................. 30

1.2.1 Grupos de Pesquisa ...................................................................................... 31

2. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA .................................................................. 33

2.1 João de Barros e a Grammatica da língua portuguesa ...................................... 34

2.1.1 A maturidade de um Império: a Portugal Renascentista ......................... 34

2.1.2 Concepções linguísticas: o Século XVI ....................................................... 38

2.1.3 Do pioneirismo sobre uma gramática de Língua Portuguesa .................. 47

2.2 Evanildo Bechara e a Moderna Gramática Portuguesa .................................... 48

2.2.1. Um mundo multiverso: o Brasil na virada do terceiro milênio .............. 49

2.2.4. Concepções Linguísticas: do século XX ao limiar do século XXI ........... 56

3. DO PRONOME E SEUS ACIDENTES: ANÁLISE DA GRAMÁTICA

BARROSIANA ............................................................................................................... 64

3.1 Fundamentos da Grammatica da língua Portuguesa: possíveis objetivos e

concepções linguísticas .............................................................................................. 65

3.1.2 Partes da Grammática da Lingua Portuguesa ................................................. 70

3.2 Do Pronome e seus acidentes .............................................................................. 72

4. DOS PRONOMES: O CONTRASTE MODERNO .................................................. 81

4.1 Fundamentos da Moderna Gramática Portuguesa: possíveis objetivos e

concepções linguísticas .............................................................................................. 82

4.1.2 Partes da Moderna Gramática Portuguesa ................................................. 86

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4.2 Dos pronomes ....................................................................................................... 90

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 105

Fontes Primárias ...................................................................................................... 105

Fontes Secundárias .................................................................................................. 105

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este estudo se insere no Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua

Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na linha de pesquisa

História e Descrição da Língua Portuguesa, delimitando-se à Historiografia Linguística,

a fim de abordar nosso objeto de pesquisa: os conceitos e a sistematização da classe de

palavras dos pronomes, especificamente, dos pessoais, dos relativos e dos possessivos,

usando, para isso, uma gramática do século XVI e outra do fim do século XX.

Num primeiro momento, a partir de uma análise das primeiras gramáticas1 da

Língua Portuguesa, do século XVI, a Grammatica da lingua Portuguesa2, de João de

Barros (1496-1570). Num segundo momento, efetuando uma análise comparativa

desses tipos de pronomes, a partir de uma das gramáticas mais atuais, do século XXI, a

Moderna Gramática Portuguesa3, de Evanildo Bechara (1928). Isso sob uma

perspectiva da Historiografia Linguística e fundamentando-se na importância do

fenômeno linguístico (a classe de palavras do pronome e seus tipos) e no período

histórico (o século XVI).

Desde as gramáticas do grego, perpassando pelo latim, e em diversas línguas4

até o português, moderno e contemporâneo5, os pronomes apresentam-se como objeto

de estudo gramatical. No entanto, há em sua síntese conceptiva, e nas variações de

termos que os identificam genericamente como tal, certas questões que podem elucidar

as diferentes normativas e usos, assim como podem ser alteradas pelas práticas

linguísticas que vigoram nas diferentes gramáticas. Essas questões abrangem: seus

1 Usaremos o termo com inicial em letra minúscula para fazer menção às obras gramaticais,

enquanto o termo com inicial em letra maiúscula servirá para fazer menção à disciplina de

estudo linguístico, a Gramática, ou a um modelo gramatical.

2 Usaremos, por vezes, apenas Grammatica, sempre em itálico.

3 Usaremos, por vezes, apenas Moderna Gramática, sempre em itálico.

4 Usaremos o termo com inicial em letra minúscula para fazer menção à linguagem, ou a línguas

variadas – genericamente, enquanto o termo com inicial em letra maiúscula servirá para fazer

menção à Língua Portuguesa, ou a uma Língua específica.

5 Levamos em consideração a proposta de periodização de Bechara (2009, p.), pela qual a

Grammática da lingua Potuguesa é situada no período do português moderno, enquanto a

própria Moderna Gramática Portuguesa é situada no período do português contemporâneo.

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conceitos; a compreensão normativa dos pronomes pessoais do caso reto e do caso

oblíquo; a descrição e conceituação dos casos possessivos; e, por fim, a descrição e

conceituação dos pronomes relativos. Enxergando esses aspectos do ponto de vista

linguístico, considerando-se que uma língua tem historicidade e seus fenômenos são

marcados ao longo do tempo, justifica-se um estudo de caráter historiográfico e de

análise gramatical.

A língua, portanto, apresenta um caráter inquestionável de transformação. Da

mesma forma, seus estudos se modificam ao longo da história, por meio de novas

descobertas e até redescobertas. Essas transformações muitas vezes são registradas das

mais variadas formas, o que abre espaço para o resgate sempre salutar de suas

características marcantes. Os pronomes, estudados em nossa cultura desde a

Antiguidade Clássica, sofreram e sofrem transformações tanto quanto ao uso como em

seus conceitos e definições. De modo particular, as gramáticas fazem o trabalho duplo

de descrever e de sistematizar os pronomes e seus tipos, conforme o espírito da época

em que são estudados.

As primeiras gramáticas de nossa Língua6 enfrentaram o trabalho de conceituar,

caracterizar e recomendar usos da classe gramatical do pronome lançando mão dos

recursos teóricos de que dispunham. Assim o fazem as gramáticas modernas7, que

assumem um papel mais claro quanto a descrever, prescrever e/ou sistematizar,

fazendo-se revelar as concepções linguísticas que têm do mesmo fenômeno linguístico:

o pronome em Língua Portuguesa.

Nesta maneira, a Historiografia Linguística apoia este estudo, por consistir numa

área de pesquisa que abrange todas as formas de pensamento linguístico nos tempos em

que foram manifestados, valorizando a linguagem em seu aspecto histórico-científico

assim como as personagens que refletiram sobre ela. A Historiografia Linguística torna-

se, portanto, o fundamento teórico central do trabalho.

6 A primeira gramática da Língua Portuguesa é atribuída a Fernão de Oliveira, datada em 1536,

enquanto se atribui a João de Barros a segunda gramática da Língua Portuguesa, datada em

1540. Sendo, no entanto, considerada a de João de Barros “uma verdadeira gramática”,

conforme Buescu (1978, p. 6).

7 Referimo-nos às gramáticas da fase diversificada (CAVALIERE, 2001, p. 67),

cronologicamente as da virada entre o século XX e XXI, que se podem caracterizar por uma

expansão teórica para o “ambiente sem fronteiras dos usos linguísticos”. Isso, conforme

veremos no segundo capítulo desta dissertação.

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A Grammatica da lingua Portuguesa, a segunda desta Língua, ao dar-se

publicada durante uma intensa modificação do mundo europeu e da sua influência

determinante em todo o mundo, torna-se objeto fundamental desta pesquisa. A obra de

João de Barros encontra-se em relevância dentro deste trabalho, obviamente, por se

tratar de uma das primeiras gramáticas em um momento de sistematização da Língua

Portuguesa.

A 37ª edição, revisada e ampliada, da Moderna Gramática Portuguesa8, uma das

mais atuais gramáticas da Língua, ao inserir-se num contexto de intenso processo de

globalização e emergência de significativos avanços das pesquisas linguísticas –

algumas das quais questionam a própria necessidade de uma Gramática – torna-se o

contraponto à gramática do século XVI. A obra de Evanildo Bechara importa nesta

pesquisa por trazer o pensamento linguístico na virada do século XX para o século XXI,

depois do importante acordo da comunidade lusófona9 quanto à ortografia, ampliando

assim o contato de diversos países e realidades usuais da Língua Portuguesa. No cenário

moderno, o autor contribui para o estudo descritivo e normativo apontando reflexões

sobre linguagem advindas de diferentes vertentes.

Desse modo, a pesquisa disserta a respeito do fenômeno gramatical dos

pronomes pessoais, relativos e possessivos em língua portuguesa tomando como corpus

duas gramáticas produzidas em dois períodos distintos: um do século XVI e outro do

século XXI, sob a perspectiva da Historiografia Linguística.

O problema a ser refletido está em como os pronomes pessoais, relativos e

possessivos são descritos, conceituados e normatizados em dois momentos: no primeiro,

quando a Língua Portuguesa foi, pela diáspora10, levada aos mais dispersos territórios do

mundo; e no segundo, quando a globalização interrelaciona as variedades linguísticas da

8 A 1ª edição é de 1961. A 37ª edição é de 1999, no entanto, uma nova 37ª edição foi publicada

em 2009 para conformar o texto ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que entraria em

vigor no Brasil nesse mesmo ano.

9 Comunidade Lusófona refere-se aos países de Língua Portuguesa que estão envolvidos no

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique,

Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste).

10 Diáspora refere-se ao processo histórico de emigração portuguesa para diversas regiões do

mundo a partir das Grandes Navegações, estas entre os séculos XV e XVI.

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lusofonia. Enfim, estudamos como os pronomes eram compreendidos pelos gramáticos

renascentistas11, assim como são compreendidos pelos gramáticos modernos.

A fim de darmos respostas a esse problema, estabelecemos alguns objetivos que

que se distinguem em sua amplitude como Geral e Específicos da seguinte forma,

respectivamente:

I. Geral

Contribuir com as pesquisas de Historiografia Linguística, possibilitando

um estudo voltado para os pronomes pessoais do caso reto, do caso

oblíquo e os pronomes relativos em duas gramáticas: uma das

primeiras gramáticas, do século XVI; e outra correspondente ao século

XXI, trazendo à luz um estudo sobre descrições e normas dessa classe

nas gramáticas de João de Barros e Evanildo Bechara, oferecendo,

assim, paralelos entre esses gramáticos e a ampliação das concepções

da classe gramatical.

II. Específicos

Identificar como os pronomes eram compreendidos no século XVI a

partir da Grammatica da lingua Portuguesa, de João de Barros;

Analisar essas perspectivas à luz do clima de opinião do período;

Identificar como os pronomes são compreendidos no século XXI a partir

da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara;

Analisar essas perspectivas à luz do clima de opinião do período;

Distinguir comparativamente normas e descrições gramaticais dos

séculos XVI e XXI, a partir da gramática de João de Barros e da

gramática de Evanildo Bechara.

11 Buescu (1978, p. 6) trata a obra de João de Barros (1540) exemplar do Renascimento.

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1. HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA: PRINCÍPIOS

A Historiografia Linguística tem assumido um importante papel para a

compreensão da linguística, na sua evolução enquanto ciência e na construção de

paradigmas de seu desenvolvimento. Emergindo como disciplina desde a década de

1970, ela amplia a própria consciência da identidade linguística remetendo-se à sua

memória enquanto ciência, ou simplesmente “estudo da linguagem”. Nesse aspecto, a

Historiografia Linguística colabora com o olhar lançado sobre a língua e, neste trabalho,

sobre a Língua Portuguesa.

Como as demais disciplinas voltadas às ciências da linguagem, a Historiografia

Linguística está voltada teórica e metodologicamente para determinados pesquisadores.

Centram-se, portanto, nos conceitos de História e de Historiografia Linguística, com as

contribuições de Koerner (1996, 2014) e Swiggers (2009, 2010, 2014) para a

determinação dos limites teóricos deste estudo. A partir de um comparativo teórico

desses dois referenciais, serão abordados alguns aspectos da posição de Auroux (2014),

principal teórico do que se convencionou chamar de História das Ideias Linguísticas.

Com base em seus conceitos e caminhos metodológicos no cenário acadêmico

brasileiro, contribuem para a fundamentação deste trabalho Bastos (2004) e Palma

(2004), além dos que se empenham em pesquisas historiográficas no Instituto de

Pesquisas Linguísticas Sedes Sapientiae da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo. Altman (2012) e Batista (2013) também se tornam referência do estudo no

ambiente nacional.

São, portanto, esses os paradigmas teóricos e metodológicos aos quais esta

pesquisa deve se ater, de modo a colaborar com os demais estudos voltados à

Historiografia Linguística. Segue-se, assim, os conceitos de Historiografia Linguística,

trazendo as definições de Koerner e Swiggers, além de um comparativo, e o panorama

da HL no Brasil, considerando os grupos de pesquisa que se formaram em torno dela.

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1.1 Conceitos de Historiografia Linguística

A fim de melhor situar nosso trabalho teoricamente, voltemo-nos para os

conceitos de Historiografia Linguística, assim como as implicações do fazer

historiográfico de acordo com Koerner e Swigers, respectivamente.

Por reconhecermos as contribuições da linha de pesquisa em conformidade com

Silvayn Auroux, veremos um quadro em que se apresenta um paralelo teórico dos dois

principais estudiosos da Historiografia Linguística com as definições teórico-

metodológicas, conhecidas como da História das Ideias Linguísticas.

Assim, fareemos a apresentação dos parâmetros teórico-metodológicos nas quais

está incluído este trabalho.

1.1.1 Definições de HL para Koerner

Koerner (2014, p. 18) define o termo Historiografia Linguística (HL)12

como um

resumo de Historiografia das Ciências da Linguagem, nos seguintes termos:

Hoje em dia, o que é normalmente referido como ‘historiografia

linguística’ (forma abreviada da designação mais precisa

‘historiografia das ciências da linguagem’, em que o termo ‘ciência’

no sentido estrito da ‘ciência natural’ é claramente evitado) constitui

uma investigação metodologicamente informada e a apresentação de

acontecimentos passados na evolução da disciplina designada de

‘linguística’ ou ‘ciências da linguagem’.

Essa apresentação da disciplina de estudo na qual nos baseamos lança dois

campos de pesquisa essenciais para se determinar como teoria, metodologia e objeto de

estudo.

O primeiro seria ‘Historiografia’, que nos remete à escrita da história, de forma a

assumir os meandros e desafios de reconhecer a linha tênue entre memória, realidade e

discurso. Nessa linha, resume Batista (2013, p. 38) que “a historiografia (como

construção discursiva analítica da História) coloca-se como um discurso de observação

sobre o conjunto de eventos que dão forma à corrente histórica”.

O segundo seria a categoria Linguística que visa a resumir o termo “ciências da

linguagem”, escrita em plural, porque se pode discutir a definição de ciência, assim

12 Usaremos, por vezes, o termo HL para Historiografia Linguística.

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como se pode questionar o que seria uma ciência linguística. Para resolver essa última

questão, o termo “ciências da linguagem” exprime qualquer momento histórico em que

se estudou a linguagem, quer em sua definição, quer em seu uso ou qualquer de suas

implicações, em outras palavras, tudo o que se pode chamar de ciência e tudo que se

debruça sobre linguagem.

Assim, Batista (2013, p. 40) afirma:

Linguística (e adjetivos correspondentes) é um termo que deve ser

entendido em Historiografia Linguística (ou mesmo nas outras áreas

que tratam da história dos estudos sobre a linguagem) em sentido

amplo, não restrito aos desenvolvimentos dos saberes sobre línguas e

linguagem situados nos séculos XIX e XX, períodos aos quais se

costuma atribuir a temporalidade inaugural da ciência da linguagem.

Dessa maneira, a Historiografia Linguística assume uma postura de valorização

dos mais diversos estudos sobre a linguagem, independentemente de seu tempo. Em

paralelo, Wedwood (2002, pp 10; 18-19) postula:

A linguística, tal como é hoje compreendida, inclui todos os tipos de

exame dos fenômenos da linguagem, inclusive os estudos gramaticais

tradicionais e a filologia. (...) Se a linguística é o estudo da linguagem

em todos os seus aspectos, raciocinam eles, então a história da

linguística deve abranger todas as abordagens do passado do estudo da

linguagem, quaisquer que tenham sido os métodos usados e os

resultados obtidos.

A partir disso, entende-se que a HL é “o modo de escrever a história do estudo

da linguagem baseado em princípios científicos” (KOERNER in CASAGRANDE,

2005, p. 25).

Ainda nessa linha de pensamento, Koerner postula que a HL é “uma

investigação metodologicamente informada e a apresentação de acontecimentos

passados na evolução da disciplina designada de ‘linguística’ ou ‘ciências da

linguagem’” (KOERNER, 2014, p. 18), o que implica dois momentos importantes na

pesquisa historiográfica: a investigação e a apresentação.

Ao apresentar a HL como uma investigação e uma apresentação,

compreendemos que a disciplina se utiliza de duas abordagens: a primeira de

profundidade, ao se entreter com determinados fatos linguísticos em seu contexto e em

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suas implicações; a segunda de visão panorâmica, pois, ao situar o fato linguístico

historicamente, abrange-se um aspecto linear do curso evolutivo das ciências da

linguagem. Dessa maneira, a HL é compreendida tanto como escrita da história (mais

uma vez) como análise linguística de um determinado conhecimento a respeito da

linguagem.

Koerner (2014, p. 18) distingue claramente a Historiografia da História da

linguística:

Se a atividade de estabelecer as res gestae do estudo da linguagem é

chamada de ‘historiografia linguística’, o seu resultado deveria ser

designado de ‘história da linguística’. Por outras palavras, a ‘história

da linguística’ é o produto e não a atividade de a estabelecer.

Determina-se a historiografia como atividade científica, pesquisa, enquanto a

história corresponde seu objeto de pesquisa e resultado.

A fim de conhecermos os princípios lançados por Koerner para a HL, importa

esclarecer as questões da ‘metalinguagem’ e da “influência” refletidas por ele. Segundo

o autor, há um problema para o historiógrafo da linguística na compreensão de teorias

do passado que consiste no “uso da terminologia atual na descrição de fases anteriores

do desenvolvimento do pensamento linguístico” (KOERNER, 1996, p. 8). O autor

segue:

Nenhum escritor consegue escapar da questão ao discutir teorias do

passado, na medida em que se deve tentar, ao mesmo tempo, torna-las

acessíveis ao leitor do presente e não distorcer sua intenção e

significado originais. A menos que o único objetivo do historiógrafo

seja colecionar antiguidades, isto é, descrever conceitos desenvolvidos

muitos anos atrás unicamente nos próprios termos utilizados, ele será

tentado a usar um vocabulário técnico moderno na sua análise.

Dessa maneira, o historiógrafo13

se vê diante do problema de escrever sobre o

passado, ignorando as diferenças de conceitos decorrentes dos distintos momentos

históricos, aquele em que está e no qual seu objeto de estudo está. Ou, de outra maneira,

o problema estaria em não tornar aqueles conceitos autenticamente compreendidos,

analisados, mas assumindo-os apenas pelos termos em que foram concebidos.

13 Usaremos, por vezes, historiógrafo da Linguística.

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Além da ‘metalinguagem’, outro risco para o historiógrafo da Linguística está

em, ao descrever determinadas ideias linguísticas, associar certos conceitos a supostas

origens, o que chamamos de ‘influência’. Essa ‘influência’ pode ser “real ou provável,

sugerida ou alegada, no desenvolvimento de uma ideia linguística, ou de um conceito

particularmente central” (KOERNER, 2014, p. 92).

Segundo Koerner (2014, p. 102), muitas vezes atribui-se ‘influência’ sem que se

ocupe em definir o termo, podendo significar, por um lado, que se trata de quando

“certas ideias faziam parte da bagagem intelectual de um determinado período”, o que

seria uma significação demasiado ampla. Se o for, abarcam-se visões de um mesmo

período, sem que se considere sua real contribuição para os estudos linguísticos, tal

como se pode distorcer o sentido de conceitos linguísticos associando-os a outras

concepções de conhecimento ou a concepções divergentes, embora de período histórico

similar.

Enfim, para que ambos problemas – e outros – possam ser enfrentados com base

metodológica informada, Koerner (2014) propõe alguns princípios metodológicos.

Segundo Koerner (2014, p. 58), “a solução para o problema dos possíveis abusos

da linguagem técnica por parte do historiógrafo da Linguística pode estar na adoção dos

três princípios (...)”. Esses princípios são denominados de: Contextualização, Imanência

e Adequação.

O primeiro princípio consiste na “apresentação das teorias linguísticas propostas

em períodos mais antigos tem a ver com o estabelecimento do ‘clima de opinião’ geral

do período em questão” (KOERNER, 2014, p. 59).

Bastos e Palma (2004, p. 11), a respeito desse princípio, explicam que

(...) as mais variadas correntes – filosóficas, políticas, econômicas,

científicas e artísticas – ao se interinfluenciarem, marcam

indelevelmente todo um determinado período histórico, e dentro dele,

portanto, o pensamento linguístico e a sociedade em geral.

Assim, o historiógrafo da Linguística posiciona as principais correntes de

pensamento que tenham relação com o principal objeto de estudo que se configura na

ideia linguística. Dessa maneira, permite-se à devida caracterização de ‘influências’ e,

assim, oferecer um quadro de teorias que serviram de acervo ao estudo linguístico

tratado.

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19

Esse conjunto de correntes formam o que se é chamado de ‘clima de opinião’.

Um “clima formado pelo endosso e pelo abandono de valores”, a partir da revisão de

paradigmas” (BASTOS e PALMA, 2004, p. 11). Podemos dizer, a partir disso, que esse

quadro de influências que determinaram a ciência, num certo contexto, é resultado de

uma corrente de revisão de modelos anteriores, de forma a continuar ou descontinuar

certas tendências do pensamento.

O segundo princípio trata de “tentar estabelecer uma compreensão completa do

texto linguístico em questão, tanto do ponto de vista histórico como crítico, talvez até

mesmo filológico” (KOERNER, 2014, p. 59). É um momento de análise, cujo princípio

se estabelece criticamente, mas com respeito à historicidade e ao ‘clima de opinião’

previamente exposto. Atenta-se a esse exposto que “o quadro geral da teoria a ser

investigada, assim como a terminologia usada no texto, deve ser definido internamente

e não em referência à doutrina linguística moderna” (KOERNER, 2014, p. 60).

Bastos e Palma (2004), em conformidade com essa linha, afirmam que essa

compreensão e exposição crítica do texto linguístico não pode desviar-se da fidelidade

em que foi dito, mas “cabe-lhe respeitar não só o quadro geral da teoria em questão,

como também as acepções terminológicas definidas internamente”. Isso nos coloca

diante de uma questão denominada de ‘metalinguagem’, que diz respeito à linguagem

utilizada para explicar o pensamento linguístico. Tal questão já fora tratado

anteriormente.

O terceiro princípio deve ser compreendido como aquele em que “o

historiógrafo pode aventurar-se a introduzir aproximações modernas do vocabulário

técnico e do quadro conceptual apresentado na obra em questão” (KOERNER, 2014, p.

60). Chama de ‘princípio de adequação’, o que corresponde ao momento em que o

pesquisador reapresenta as contribuições históricas da obra, comparando-as às

terminologias contemporâneas.

Koerner (2014) entende haver quatro motivações para a pesquisa sobre História

da Linguística: a compilação de História da Linguística; a História de campanha, ou de

propaganda; a História isolada; e, por último, a Historiografia Linguística.

A compilação da História é associada à motivação de se formar um panorama

linearmente evolutivo. Para aqueles que se debruçaram sobre a História da Linguística

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20

por essa motivação, há um desenvolvimento científico contínuo formado por patamares,

dentre os quais se entendem como representantes. Segundo Koerner (2014, p. 19):

O resultado destas considerações pode ser descrito, com mais

precisão, como a compilação de histórias que consideram a evolução

da área como tendo decorrido de uma forma essencialmente unilinear,

com os desenvolvimentos mais recentes a representarem um avanço

relativamente a atividades anteriores.

A segunda motivação é semelhante à primeira. A diferença é que, enquanto os

motivados pela compilação da História da Linguística supõem um curso evolutivo

unilinear, os motivados por uma História propagandística estão avivados por uma

oposição às ideias linguísticas anteriores e, por isso, oferecem uma nova proposta, como

um novo paradigma. O exemplo clássico desse tipo de historiografia, segundo Koerner

(2014, p. 21) concerne a Cartesian linguistics, de Chomsky.

Quanto ao terceiro tipo, associa-se a algum problema linguístico para o qual vale

a pena formar um histórico das abordagens frente a tal questão. Segundo Koerner (2014,

p. 22), pode ocorrer em um “campo específico de investigação” e “tem frequentemente

uma atitude mais holística”.

Por fim, a quarta motivação é a da própria Historiografia Linguística. Para esses

motivados pela própria HL, há um esforço num modelo teórico e metodológico que

reforce a cientificidade da disciplina, a fim de colocá-la em condição e reconhecimento

iguais a qualquer área de pesquisa da Linguística. Também implica o caráter de

compreensão da História, pela qual se distingue a Historiografia Linguística de uma

mera formulação panorâmica da História da Linguística para uma interpretação.

Koerner (2014, p. 23) afirma que

Este quarto tipo, hoje normalmente designado de ‘historiografia

linguística’, reivindica que a história da linguística não deveria ser

meramente subserviente à disciplina, mas deveria assumir uma função

comparável à da história da ciência para o cientista das ciências

naturais. Em síntese, ao reconhecer a importante distinção entre

crónica e história, os recentes investigadores que contribuíram para a

história da linguística deram um passo à frente ao distinguir história e

historiografia.

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21

Assim, expomos não somente os objetivos de se escrever sobre uma História da

Linguística, como também seus modelos e linguagens. Esses modelos expressam

diferentes interpretações quanto ao passado da Linguística, embora possam ser

questionados por seus métodos.

1.1.2 Definições de HL para Swiggers

Swiggers (2010, p. 2) afirma que a Historiografia Linguística é

(...) o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento

linguístico ; ela engloba a descrição e a explicação, em termos de

fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser

‘positivo’, i.e. estimulante, ou ‘negativo’, i.e. inibidores ou

desestimulantes), de como o conhecimento linguístico, ou mais

genericamente, o know-how linguístico foi obtido e implementado.

Como conhecimento linguístico, Swiggers (2009, p. 2) postula: “el corpus global

de conocimientos y reflexiones em relación con el fenómeno (antropológico) del

linguaje y el hecho (histórico) de las lenguas”14.

Desde que expressem algum conhecimento sobre língua, em qualquer tempo e

espaço, a Historiografia Linguística pode tomar os mais variados objetos de estudo.

Compreendemos todas as ideias a respeito de língua expressos de modo minimamente

científico, quer estejam em gramáticas, em dicionários, em discursos ou documentos de

políticas linguísticas, em manuais didáticos e, logicamente, em dissertações, em teses e

em livros sobre Linguística.

Por curso evolutivo, entendemos tudo o que se formulou no passado, não

exclusivamente como um panorama ou linha do tempo, mas também o que foi refletido

em um espaço e tempo definidos, que comumente chamamos de recorte. Trata-se da

história da Linguística, nesse sentido.

Como “história da linguística”15

, Swiggers (2009, pp. 68-69) define:

como el conjunto cronológico y geográfico de los acontecimientos, los

hechos, los procesos de conceptualización y de descripción, y los

14O corpus global de conhecimentos e reflexões em relação com o fenômeno (antropológico) da

linguagem e o fato (histórico) das línguas. (tradução nossa).

15 Entre aspas e com iniciais em letra minúscula para distinguir a terminologia do autor, no

sentido concebido por ele, de uma História da Linguística genericamente entendida.

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22

productos que han moldeado tradiciones de pensamiento y de que

hacer linguísticos.16

Para o autor belga, a HL é um estudo interdisciplinar, essencialmente um estudo

que envolve as ciências da História, das Ciências Sociais e da Linguística, e pode,

inclusive, abranger um sem número de outras áreas de conhecimento. A HL ainda se

relaciona com essas disciplinas de modo intradisciplinar e extradisciplinar.

Por intradisciplinar, destacamos o fato de que ao se fazer historiografia, os

conhecimentos relevantes de outras disciplinas para a pesquisa – especificamente a

Filosofia, a História, a Linguística e a Sociologia da Ciência (SWIGGERS, 2010, p. 2) –

não podem ser vistos senão como parte integrante dela; em vez de estudos que se

associam entre si eventualmente, esses estudos de diferentes disciplinas, confluindo uns

com os outros são a própria HL.

Quanto à condição extradisciplinar, entendemos como o aspecto argumentativo e

histórico-comparativo das formas como o próprio conhecimento linguístico foi

elaborado, proposto, preservado, sustentado. Também, às outras questões que vão para

além das disciplinas, mas que tratam do conhecimento da linguagem.

Assim, Swiggers (2009, p. 2) especifica historiografia como:

El proceso de descripción y de comprensión de los productos así como

del que hacer que constituyen y caracterizanla (historia de la)

disciplina em cuestión. Concebida de tal modo, la historiografía

abarca uma prosopografía de autores (cf. Stammerjohann ed. 1996) y

una documentación (bio)bibliográfica [=epihistoriografía], y,

principalmente, uma descripción (analítica y sintética) combinada con

uma interpretación. Tanto la descripción como la interpretación

pueden, y suelen, tomar formas diferentes, según el objeto y el periodo

descritos, según el tipo y la cantidad de materiales a disposición del

historiador, y según la perspectiva y la metodología adoptadas por este

último.17

16Como o conjunto cronológico e geográfico de acontecimentos, feitos, processos de

conceituação e descrição e materiais que moldaram tradições do pensamento e do fazer

linguísticos. (Tradução nossa).

17 O processo de compreensão e descrição dos materiais, assim como sua produção, que

constituem e caracterizam a (história da) disciplina em questão. Concebida de tal modo, a

historiografia abarca uma descrição de perfil de autores (cf. Stammerjohann, ed. 1996) e uma

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Podemos, assim, definir a HL como a descrição analítica e interpretativa de um

corpus global de conhecimentos e de reflexões a respeito do fenômeno da linguagem e

da língua, com perspectiva e metodologia adotadas por um historiador.

Swiggers (2010, p. 3) estabelece uma variada relação de entradas e de saídas

para o fazer historiográfico num organograma que demonstra o conjunto de

competências que interagem no trabalho do historiógrafo.

Vejamos o organograma (SWIGGERS, 2010, p. 4)18

:

estruturas linguísticas/fatos

reflexão e descrição linguística

╔ epi-historiografia

historiografia linguística

↓ ↑

meta-historiografia

construtiva

crítica

contemplativa

╔ simboliza uma relação de ‘integração material’ (informação factual)

↑ simboliza a relação entre descrição e objeto (de descrição)

↓ ↑ simboliza alimentação cruzada e enriquecimento mútuo

No organograma apresentado, a Historiografia Linguística – no centro – formula

uma reflexão e uma descrição linguísticas (SWIGGERS, 2010, p. 4), apresentando um

documentação (bio) bibliográfica[=epihistoriografia], e, principalmente, uma descrição

(analítica e sintética) combinada com uma interpretação. Tanto a descrição como a interpretação

podem, normalmente, tomar formas diferentes, segundo o objeto e o período descritos, segundo

o tipo e a quantidade de materiais a disposição do historiador, e segundo a perspectiva e a

metodologia adotadas por este último. (Tradução nossa)

18 Mantivemos as iniciais em letras minúsculas, conforme a edição da obra.

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conjunto de ideias que constitui a própria “história da linguística” (id., ibid. p. 5), o que

produz um novo sentido histórico sobre uma determinada questão linguística pensada

no passado.

Essa descrição linguística expressará determinadas estruturas do conhecimento

linguístico de aspecto factual – estruturas linguísticas/fatos – (SWIGGERS, 2010, p. 4),

ou seja, a descrição trará à luz as situações que foram objeto de estudo, de

questionamento, naquele determinado tempo-espaço.

Tomamos como exemplo uma pesquisa que reflita sobre como o texto foi

pensado em meados do século XX. O historiógrafo se debruçará sobre a Gramática de

Texto que foi formulada e defendida por certo período. Ao descrever e refletir sobre a

defesa de uma gramática de texto que se supôs durante os anos 50, o pesquisador

apresentará a história da linguística. Por outro lado, ao apresentar aquele pensamento

linguístico, o próprio texto, como objeto de estudo, passa a ser discutido. Dessa

maneira, a historiografia linguística (narrativa descritivo-explicativa) faz uma reflexão e

uma descrição linguística que traria em pauta a Gramática de Texto (História da

Linguística) e esta traria em pauta o Texto como objeto de estudo (estrutura

linguística/fato).

Além disso, envolvem-se na pesquisa historiográfica a “epi-historiografia” e a

“meta-historiografia”.

Quanto ao primeiro, trata-se de uma relação lateral (SWIGGERS, 2010, p. 5),

que consiste na história dos agentes – “pesquisadores individuais, ou grupo de

pesquisadores de uma língua” – e dos materiais – “papiros, manuscritos, livros, artigos,

textos eletrônicos, etc.” (id., ibid., p. 5) – produzidos pela Historiografia. O

historiógrafo, ao tratar de um determinado pensamento linguístico, estará paralelamente

fazendo a historiografia dos pensadores e dos meios como foi expresso esse

pensamento.

Quanto à meta-historiografia, trata-se da relação crítica, construtiva e/ou

contemplativa (SWIGGERS, 2010, p. 5) do historiógrafo com os métodos, modelos,

entre outros aspectos da própria historiografia.

Embora não haja relevante distinção, como demonstraremos em outro momento,

em relação aos princípios metodológicos de Koerner (2014), já expostos, Swiggers

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(2010) compreende haver três fases para a pesquisa historiográfica: a fase heurística, a

fase de análise argumentativa e a fase histórico-comparativa.

A historiografia linguística tem que partir de uma fase heurística, e

avançar através de uma análise “argumentativa” e de uma síntese

histórico-comparativa, em direção a uma hermenêutica historicamente

fundamentada do conhecimento/know-how linguístico. (SWIGGERS,

2010, p. 2)

A fase heurística corresponde a uma fase de seleção de documentos que

expressem o pensamento linguístico. Esse pensamento linguístico é denominado no

organograma como “estruturas linguísticas/fatos” e são descritos como:

(...) os fatos (selecionados), ou conjuntos de fatos relacionados às

estruturas linguísticas e às situações linguísticas que (no passado)

foram objeto de reflexão linguística, ou de descrição; (SWIGGERS,

2010, p. 4)

Essa seleção deve, portanto, refletir as estruturas e situações linguísticas que

tenham sido objeto de reflexão linguística. Isso nos remete tanto aos problemas

linguísticos de um determinado momento, quanto às soluções apresentadas por aqueles

que se debruçaram sobre eles. Há, dessa forma, tanto a documentação dos fatos, como a

documentação das reflexões, formando o que chamamos corpus.

Sobre a fase heurística, Swiggers (2009, p. 4) afirma:

El primer problema que encuentra el historiógrafo de la lingüística es

el de la disponibilidad y accesibilidad de los textos fuentes. Aquí

mucho queda por hacer: pensamos em la edición y traducción de

numerosos textos lingüísticos de la Antigüedad y de la Edad Media,

enla (re)edición com comentario de varios textos de los Tiempos

Modernos (siglos XVI, XVII y XVIII), em la edición de materiales

inéditos (textos de archivos, correspondencia de lingüistas, borradores

y apuntes), y em la traducción de textos lingüísticos de tradiciones “no

occidentales”.19

19 O primeiro problema que encontra o historiógrafo da linguística é o da disponibilidade e

acessibilidade dos textos fontes. Aqui, há muito a se fazer: pensemos na edição e tradução de

numerosos textos linguísticos da Antiguidade e da Idade Média, na (re) edição com comentário

de vários textos do Tempos Modernos (séculos XVI, XVII e XVIII), na edição de materiais

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Aqui, compreendemos que disponibilidade esteja ligada à questão de

preservação e acesso aos documentos. No entanto, quanto à acessibilidade,

compreendemos como referente à mesma questão apontada por Koerner (2014) como

de ‘metalinguagem’, ou seja, estamos tratando do acesso não somente ao documento em

si, mas de seu ‘sentido’.

Paralelo à questão da disponibilidade e acessibilidade, Swiggers (2010, p. 2)

aponta para uma concentração de pesquisas historiográficas sobre os “grandes textos”.

Alimenta o interesse dos pesquisadores sobre documentos tidos como marginais que,

segundo ele, são capazes de apresentar um background das ideias linguísticas,

demonstrando de que maneira os centros de pensamento linguístico interferiram na

compreensão das realidades linguísticas.

A segunda fase, de análise argumentativa, consiste na descrição e na

interpretação do corpus selecionado. Tal descrição e interpretação devem-se atentar a

três aspectos: cobertura, perspectiva e profundidade (SWIGGERS, 2010, p. 2).

Por cobertura, entendemos toda a delimitação temática, tanto histórico-

geográfica quanto linguística. Lima (2015, p. 28) afirma que “diz respeito a qual

período, qual campo geográfico e qual temática constituem o objeto de tratamento

historiográfico”20

.

Por perspectiva, entendemos a relação que se estabelece entre o objeto de estudo

e o conhecimento linguístico. Assim, uma perspectiva pode ser interna, no caso de se

tratar aspectos intrínsecos da linguagem; ou pode ser externa, quando se trata do

contexto em que o fato linguístico está inserido.

Por profundidade, entendemos como a abordagem descritiva compreende o fato

linguístico, dependendo da disponibilidade dos documentos. Segundo, Lima (2015, p.

28):

O autor afirma que este parâmetro se determina não só pela intenção

ou vocação do pesquisador, mas, sobretudo, pelo objeto de estudo e

pela documentação disponível, podendo a análise ser mais uma

apresentação de dados, de textos ou uma análise destes dados, ou

inéditos (textos de arquivos, correspondência entre linguistas, rascunhos e notas) e na tradução

de textos linguísticos de tradições “não ocidentais” (tradução nossa)

20 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

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ainda uma tentativa de explicar os grandes processos de evolução na

história da linguística.

Por fim, a terceira fase corresponde à “síntese histórico-comparativa, em direção

a uma hermenêutica historicamente fundamentada do conhecimento/knowhow

linguístico” (SWIGGERS, 2010, p. 2). Por meio dessa fase, o historiógrafo traz sua

análise à comparação do pensamento linguístico historicamente estabelecido,

delineando as diferenças e as semelhanças com o paradigma em que ele – o

historiógrafo – se encontra.

Portanto, Swiggers sugere com suas fases aquilo que corresponderia aos

princípios de Koerner, propondo um trabalho metodologicamente informado.

1.1.3 Paralelos teórico-metodológicos

Por alguma razão, as linhas teórico-metodológicas dos estudos orientados para a

História da Linguística parecem confluir, de modo a tornar o historiógrafo capaz de

refletir sobre eles paralelamente e encontrar semelhanças.

Há esforços em outros campos de estudo linguístico no sentido de reunir

contribuições teóricas distintas. Nesse caso, há historiógrafos que consideram relevantes

tanto os fundamentos teóricos comumente reconhecidos como Historiografia

Linguística, situados sobretudo em Koerner e Swiggers, como daqueles tidos como da

História das Ideias Linguísticas, em Auroux.

Sintetizando os modelos de Swiggers e Koerner, com seus princípios e suas

fases, oferecem-nos Bastos e Palma (2004, p. 13) os seguintes procedimentos

historiográficos:

(...) podemos sintetizar os cinco pontos fundamentais utilizados na

constituição de nossa metodologia do trabalho historiográfico: 1º

ponto – princípios básicos: a) contextualização; b) imanência e c)

adequação; 2º ponto – passos investigativos: a) seleção; b) ordenação;

c) reconstrução e d) interpretação; 3º ponto – questão das fontes: a)

primárias e b) secundárias; 4º ponto – as dimensões cognitiva e social:

a) cognitiva – interna e b) social – externa; e, por fim, constituindo-se

o 5º ponto – os critérios de análise em que se detectam as

“categorias”.

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Uma vez expressos os princípios básicos (Contextualização, Imanência e

Adequação), podemos nos voltar para os “passos investigativos”: a) selecionar, o que

implica observar todos os documentos que sirvam à pesquisa; b) ordenar, pois, havendo

documentos que sirvam à pesquisa, cabe ao historiógrafo determinar a ordem em que

cada um deve ser apresentado, se segundo aspectos cronológicos, ou obedecendo a

razões diversas; c) reconstruir, diz respeito à compreensão desses documentos,

ocupando-se do problema da ‘metalinguagem’, de modo a oferecer um entendimento à

comunidade científica moderna, os expostos linguísticos do período/pensamento

abordado; e) interpretar, a partir da reconstrução, de modo a examinar, nos documentos,

aquilo que contribui, de fato, à pesquisa.

Durante os ‘passos investigativos’, o pesquisador da HL se coloca diante de dois

tipos de ‘fontes’ que se caracterizam como ‘primárias’ e ‘secundárias’, ambas a serem

selecionadas, ordenadas, reconstruídas e interpretadas.

As fontes primárias correspondem aos textos que expressam determinadas

acepções linguísticas dos períodos escolhidos. Como parte da fase heurística

apresentada por Swiggers, compreende o desafio do acesso e da importância desses

documentos. Tais textos podem ser tratados filosóficos sobre a linguagem, as

gramáticas, os dicionários, os livros didáticos, entre outros.

As fontes secundárias correspondem a todo acervo teórico e todo tipo de

documentos que acrescentem às fases de pesquisa que culminam com a interpretação

crítica. Esses são documentos teóricos, pesquisas do mesmo campo, históricos,

linguísticos, além de outros.

Lima (2015, pp. 28-29) considera semelhanças nas definições metodológicas

desses dois grupos de estudo sobre a História da Linguística e forma um paralelo, como

vemos a seguir:

Konrad Koerner Pierre Swiggers Sylvain Auroux

1 Contextualização: diz Metodologia heurística: Definição puramente

respeito à fase em que envolve o momento da fenomenológica do

o historiógrafo seleção do objeto a ser objeto: subjaz à

estabelece o clima de estudado, no qual o necessidade de se ter

opinião que envolve o historiógrafo deve fazer respeito às terminologias

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objeto de pesquisa, ou

seja, esta fase constitui-

se a partir de um

profundo estudo

histórico do período

temporal recortado.

um estudo crítico da

“história textual” das

fontes. Nesta fase, cabe

pesquisar as edições, as

traduções e os estudos já

realizados sobre o

objeto. Além disso, o

autor, cabe a busca das

fontes periféricas que

auxiliem no

esclarecimento das

fontes canônicas.

usadas na época em que foi

produzido o objeto em

análise.

2 Imanência: nesta fase

o historiógrafo há de se

esforçar para olhar o

objeto sem se deixar

contaminar pelo saber

linguístico estruturado

a partir de sua

formação, ou seja, há

de se volver com o

olhar do homem

daquele período

temporal estabelecido,

buscando compreender

como se estabeleceu o

pensamento linguístico

naquele momento.

Metodologia

hermenêutica:

nesta fase, diz o

autor, ser necessária uma

interpretação

contextualizada dos

textos fonte. Aqui se

devem estabelecer as

relações entre textos,

autores, grupos de

pesquisa, tradições.

Da neutralidade

epistemológica: implica

em não julgar se algo é ou

não é ciência, mas em

considerar a palavra ciência

apenas como uma palavra

descritiva.

3 Adequação: é o passo

que permite as

associações entre o

objeto de estudo

selecionado, ou seja, o

pensamento linguístico

passado e o que se tem

Metodologia da

redação histórica: onde

o autor propõe ao seu

leitor uma “história”

sistemática do passado

linguístico reconstruído.

Entre os aspectos

Historicismo moderado:

diz respeito à importância

de se destacarem os fatos

históricos, assim como

outros fatores que

influenciaram o

aparecimento de

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hoje no quadro da apontados pelo autor, e determinado instrumento

linguística moderna. que envolvem esta fase linguístico, sem, no

está a categorização entanto, considerar

profunda feita pelo demasiadamente os aspetos

historiógrafo. externos e contextuais,

sobrepondo-os aos internos,

ou seja, o objeto em si

mesmo.

Assim, podemos perceber que há basicamente três momentos determinantes no

processo dos estudos historiográficos da Linguística: a) de coleta de dados e estudo de

época; b) de análise e estudo corpus em neutralidade; c) de reconstrução do pensamento

linguístico, estudado de modo a apresentá-lo em linguagem próxima à Linguística

contemporânea ao historiógrafo.

A valorização de algum desses aspectos pode alinhar uma determinada pesquisa

a um campo de estudo específico, sem que haja razões para desconsiderar um campo em

relação ao outro.

1.2 Panorama da HL no Brasil

A Historiografia Linguística, conforme as proposições de EFK Koerner e Pierre

Swiggers assentou-se no Brasil na década de 1990, juntamente com aquelas de

SylvainAuroux, que seriam reconhecidas com da História das Ideias Linguísticas.

Anteriormente a isso, entretanto, há uma tradição em descrição panorâmica da

História da Linguística que tem relevância sobretudo na obra postumamente publicada

de Joaquim Mattoso Câmara Júnior (1904-1970), intitulada de História da Linguística

(1975). Outros trabalhos sem a mesma notoriedade foram “publicados em revistas, anais

de congresso ou em prefácios a obras de outros interesses linguísticos” (BATISTA,

2013, p. 25).

A esse respeito, Altman (2012, p. 15) afirma:

A prática de fazer preceder ao problema descritivo ou teórico que se

aborda seu percurso histórico, como de hábito também no Brasil

(ALTMAN, 1996), desenvolveu-se de forma secundária em relação a

outros interesses, tomando frequentemente a forma ou de uma

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introdução panorâmica aos manuais de linguística geral (rever, por

exemplo, SAUSSURE, 1993; JESPERSEN, 1949; BLOOMFIELD,

1933), ou de capítulo inicial às teses acadêmicas. De maneira geral,

essas “introduções históricas” visam mostrar os avanços da disciplina,

ou de parte da disciplina, em relação a estágios anteriores. Ou seja,

muitos dos pesquisadores do século XIX, e mesmo do XX, que se

dedicaram a historiar a linguística, estavam em alguma medida

interessados ou na promoção de uma determinada teoria ou na

manutenção do que entendiam ser a unidade essencial da disciplina

como um todo. Vista dessa maneira, a historiografia linguística parece

cumprir ora a função de moldura para uma questão que se coloca no

presente, ora uma função terapêutica, destinada a remediar a

fragmentação das ciências da linguagem que se considera excessiva.

Desse modo, retomamos as motivações de Koerner (2014). Embora se possa

dizer que aqueles trabalhos sejam historiográficos, suas motivações não são as mesmas

de um estudo orientado para aquilo que conhecemos, dentro do escopo teórico e

metodológico expostos, como Historiografia Linguística.

A partir de uma maior divulgação das propostas teóricas e metodológicas de

Koerner e Swiggers, além de Auroux, e consequente reconhecimento, a HL estabeleceu-

se como disciplina na esfera das ciências da linguagem em meio à comunidade

científica brasileira.

1.2.1 Grupos de Pesquisa

Conforme Batista (2013), destacam-se dois grupos no Brasil na área que

corresponde à Historiografia Linguística e um reconhecido como correspondente à

História das Ideias Linguísticas.

O primeiro grupo está ligado à Universidade de São Paulo (USP), denominado

de Grupo de Estudos em Historiografia Linguística, do Centro de Documentação em

Historiografia Linguística (CEDOCH, Departamento de Linguística da USP). Destaca-

se nesse grupo Cristina Altman.

O segundo grupo está ligado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e

denomina-se Grupo de Pesquisa em Historiografia Linguística, do Instituto de Pesquisas

Linguísticas Sedes Sapientiae (IPPUC-SP), cuja participação inclui pesquisadores

ligados à Universidade Presbiteriana Mackenzie. Destacam-se nesse grupo Neusa

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Barbosa Bastos e Dieli Palma. Atualmente, o grupo trabalha com as pesquisas de livros

didáticos de Língua Portuguesa para Ensino Médio da década de 80 do século passado.

O terceiro grupo, que se identifica com as orientações teóricas e metodológicas

de Sylvain Auroux, envolve pesquisadores no projeto “História das Ideias Linguísticas:

Ética e Política de Línguas”. Destaca-se nesse grupo Eni Orlandi.

Sobre a distinção entre os dois primeiros grupos e o terceiro – da Unicamp –,

correspondem a tradições que se diferenciam, mas não se divergem. Quanto a isso,

Altman (in Batista, 2013) afirma que “a oposição entre historiografia ou história das

ideias é, entretanto, uma falsa questão”. Assim, supõe-se que, embora possam se

distinguir os métodos e motivações, ambos modelos estão fundamentados teórica e

metodologicamente e contribuem para a comunidade acadêmica.

Além desses, há o Grupo de Trabalho em Historiografia da Linguística

Brasileira, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística

(ANPOLL), fornecendo um esforço conjunto de caráter nacional tanto na realização de

pesquisas quanto no empenho de consolidar a HL como disciplina linguística no país.

Em meio às contribuições da comunidade científica brasileira para com

Historiografia Linguística, citamos a coleção História Entrelaçada, já no sexto volume.

A coleção faz “uma reflexão acerca do percurso histórico das gramáticas de Língua

Portuguesa, numa perspectiva historiográfica” (Bastos, Palma et alli., 2004). Do século

XVI até a década de 1970, a coleção tem apresentado os diferentes pensamentos

linguísticos de cada período, expressos nas gramáticas e manuais didáticos

selecionados.

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2. CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

Bakhtin (2006) afirma que “a consciência individual é um fato socioideológico”.

Tal postulado leva os estudos historiográficos a respeitar, de modo sistemático, o

critério social e ideológico em que determinada obra linguística foi produzida, pois,

parafraseando o autor russo, a consciência do autor corresponde ao grupo social e

ideológico com o qual foi formado e se identifica.

O discurso científico, independente do que se pode pressupor como ‘ciência’,

não foge à característica marcante de qualquer outro discurso, sendo resultado, como já

dito, de um processo social, histórico e ideológico. Por isso, é determinante conhecer o

processo de um pensamento linguístico específico para conhecê-lo. Sem isso, o uso dos

termos e as proposições perdem seu sentido contributivo das correntes linguísticas, quer

sejam da época em estudo, quer sejam as subsequentes.

Ao encontro, Koerner (2014) defende o princípio da contextualização, já

descrito neste trabalho no primeiro capítulo, o qual compreende o estudo acerca das

condições sociais e intelectuais, no acesso a determinados conhecimentos. É a partir

desse estudo que se chegam ao mais adequado entendimento dos postulados

linguísticos, assim como caracteriza melhor o que chamamos de ‘influência’, a qual

consideraremos contribuições práticas e/ou teóricas observáveis de outras obras e outros

autores.

Em linha semelhante, Swiggers (2010) apresenta, denominando-se como fase

heurística, a seleção de documentos que correspondem ao pensamento linguístico.

Inferimos, a partir disso, que se sustente uma criteriosa observação e uma síntese dos

fundamentos científicos e linguísticos que permeiam o objeto de estudo a que se

determina descrever em HL.

Dessa maneira, devemos nos ater a uma breve biografia dos autores – João de

Barros e Evanildo Bechara, respectivamente –, seguida de uma abordagem do ‘clima de

opinião’ do período em que as obras a serem estudadas se inserem para, enfim,

apresentarmos alguma ‘influência’.

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2.1 João de Barros e a Grammatica da língua portuguesa

João de Barros foi um português nascido em Vila Verde, próximo a Viseu,

nordeste de Portugal (BUESCU, 1978, p. 54). Acredita-se que tenha nascido em 1496 e

falecido em 1570 (BASTOS, 1981, p. 93.). Fora um filho ilegítimo do nobre Lopo de

Barros e, por isso, recebeu alguns tratos de nobreza, sendo-lhe permitida a educação no

paço real “em estreita amizade com D. Manuel I e também com D. João III” (id., ibid.,

p. 93).

Em 1516, foi Moço de Guarda-Roupa do então príncipe D. João (BUESCU,

1978, p. 55.) e, depois que este fora coroado, chegou a exercer cargos públicos de

relevância como Governador da Fortaleza de São Jorge da Mina; Tesoureiro da Casa da

Índia, Mina e Ceuta; e, Feitor da Casa da Índia. Sua proximidade com a Corte permitiu-

lhe boa influência e acesso aos mais variados documentos.

Bastos (1981) descreve-o como “novelista e poeta (Crônica do Imperador

Clarimundo); filósofo erásmico (Rópica Pnefa ou Mercadoria Espiritual); historiador

(Décadas); e pedagogo (Gramática da Língua Portuguesa)”. Buescu (1978), ao

descrever uma de suas obras, afirma que “na sua Ásia, concorrem informações

geográficas, etnológicas e até linguísticas, em que podemos distinguir uma atitude

precursora do corporativismo linguístico”.

Sigamos, primeiro, com um perfil do período em que se insere o gramático,

pedagogo, pensador português João de Barros. Depois, num segundo momento, uma

breve apresentação de dois gramáticos de seu tempo com quem Barros se relacionou ou

certamente conheceu suas obras. Por fim, trataremos sobre o pioneirismo acerca da

primeira gramática de língua portuguesa.

2.1.1 A maturidade de um Império: a Portugal Renascentista

Podemos considerar o período em que vive João de Barros como o período de

maturidade da expansão portuguesa, fruto da luta contra os mouros em Ceuta, iniciada

no século XV. O avanço marítimo está condicionado a três características que

entendemos como fundamentais: uma é de aspecto geográfico, dado o espaço ocupado

pelo povo português na faixa ocidental da Europa, sem outras rotas de comércio

marítimo senão pelo Atlântico; outro é de aspecto político-econômico, consequente de

um ambiente mercantilista favorável em séculos anteriores; e, por último, de aspecto

religioso, pois, o estabelecimento do reino português se deu em disputa religiosamente

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motivada pela expulsão dos mulçumanos que ocupavam a Península Ibérica e que se

estendeu a uma cruzada para além das fronteiras europeias. Obviamente, poderíamos

adentrar em outros aspectos, mas determinamo-nos a tratar desses três que nos

pareceram mais relevantes.

Quanto aos aspectos geográficos, Portugal forma-se num espaço entre as

montanhas do leste português e os 854 km de costa marítima, território em que o país se

acomodou. Sua costa era o extremo oeste do continente europeu, tido por muitos como

o fim do mundo, e fazia a ligação por mar entre o norte da Europa e os importantes

portos do Mediterrâneo. Seus grandes estuários colaboravam para condicionar Portugal

à vocação das navegações.

“No extremo sudoeste, ou ‘cabo do mundo’ então conhecido, e

colocado no cruzamento das grandes estradas marítimas (mediterrânea

e atlântica), fazia de Portugal o país europeu mais próximo, ao mesmo

tempo, da África e da América e, por isso, em posição privilegiada no

globo para as empresas da expansão marítima” (MARTINS

AFONSO, s/d, p. 126)

Tanto mar à frente, aliada às condições cada vez mais precárias na agricultura,

fez com que os lusos enxergassem nas águas salgadas a alternativa econômica

favorável. D. Fernando estimulou consideravelmente, por meio de isenções fiscais, a

chegada de matérias-primas necessárias para a tecnologia náutica da época, quer vindas

do interior ou do estrangeiro, além de dispensar dos serviços militares aqueles que se

dedicavam à construção naval. Como consequência do domínio turco no Oriente Médio,

as arriscadas viagens mediterrâneas visando ao comércio com a Ásia foram se tornando

ainda mais complicadas. O avanço português sobre o norte da África trouxe o sonho de

um caminho alternativo às rotas comerciais tradicionais, gerando grande expectativa de

que contornar a África não só era possível, como estava próximo de acontecer. Isso

significaria que Portugal poderia deter o monopólio comercial com Índia e China, o que

motivava grandes investimentos na empresa lusa. Esses investimentos advinham de

recursos de uma coroa bem centralizada – em distinção das demais coroas europeias que

muitas vezes sofriam com guerras entre senhores feudais. Em outras palavras, a

expansão marítima era a maior oportunidade lusa, sem ela, Portugal poderia cair no

ostracismo de uma agricultura pouco atrativa, dependente de importações vindas do

norte da Europa ou do Mediterrâneo, sob os riscos de uma invasão espanhola, ou moura.

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Por fim, as navegações tiveram um arraigado espírito de Cruzadas. Não nos

esqueçamos de que a formação do Reino de Portugal foi dada a partir de motivações

religiosas numa guerra entre cristãos e mulçumanos. Apesar de afirmações de convívio

pacífico entre fieis dos dois lados, Ameal (1949, p. 25) explica também que os árabes se

dirigiam em ondas sobre a Europa, muitas vezes saqueando, violando e destruindo.

Assim, conforme as Cruzadas diminuíam no leste europeu, acrescia na Península Ibérica

e, por isso, dada a extinção da Ordem dos Templários, D. Dinis funda a Ordem de

Cristo (1319), “a quem entregou os bens dos templários” (MARTINS AFONSO, s/d, p.

132). A Ordem de Cristo seria a coluna que concederia recursos e um espírito religioso

de conquistas à expansão portuguesa. Enfim, Ameal (1949, p. 169) confirma a tese de

que o homem medieval (ainda nos referimos ao século XV) “compreende que a sua

plenitude, de facto, no serviço de Deus”. Por isso, entendemos que a política das

navegações tem forte vínculo com a visão religiosa expansionista dos portugueses, uma

espécie de gênese das conquistas mulçumanas com a da reconquista cristã de espírito

cruzado.

Os passos tomados foram de: primeiro conhecer o Atlântico Norte, o que incluía

terras insulares e a costa noroeste do continente africano, a partir de 1415 (conquista de

Ceuta); seguiram-se então para o golfo de Guiné, a partir de 1470; chegando, enfim, ao

sudoeste africano e de lá ao importante cabo da Boa Esperança, pelo navegador

Bartolomeu Dias, em 1488. O projeto alcançaria seu objetivo em 20 de maio de 1498,

com Vasco da Gama, depois de 370 anos de soberania portuguesa. Tal feito seria

realizado apenas dois depois de João de Barros nascer, e sua vida estaria marcada pelo

progresso socioeconômico consequente do período.

Graças às navegações, Portugal foi-se estabelecendo em diversos pontos em

África, América e Ásia. Administrava-os por diferentes modelos que diferiam quanto

aos objetivos no controle local, quanto à autonomia e quanto ao povoamento. Nas

primeiras décadas, no Brasil e nas ilhas do Atlântico, havia uma administração bastante

autônoma, por meio de donatarias, que ofereciam aos donatários direitos sobre os

produtos, mas também a obrigação de proteger a terra e torná-la produtiva. O próprio

Barros seria donatário da capitania do Pará, junto com Aires da Cunha e, conforme

Buescu (1978, p. 59), aventurar-se-ia em uma tentativa de encontrar ouro no Brasil,

resultando em um fracasso que o deixaria em certa penúria. Quanto à África Ocidental,

formavam-se feitorias administradas por um capitão, auxiliado por um ouvidor e um

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feitor, dentre as quais estava a fortaleza de São Jorge da Mina da qual João de Barros

fora feitor, em tempos em que seu ouro já era escasso. Na Ásia, a administração

chefiada por um vice-rei era bastante hierarquizada com capital em Goa, de onde

partiam decisões de ordem militar, civil e financeira, para diversos pontos do continente

e da África Ocidental.

Em Lisboa, funcionava a Casa da Índia, da qual João de Barros fora feitor.

Como feitor, deveria administrar o local, diretamente fiscalizado pelo próprio rei. A

Casa era um lugar em que

Corriam todos os negócios do Oriente, através das suas 4 mesas ou

repartições: mesa grande, das roupas e pedrarias; mesa das drogas ou

especiarias; mesa das armadas; e mesa da tesouraria – o que tornava

este famoso estabelecimento simultaneamente, alfândega, capitania do

porto e Ministério do Ultramar. (MARTINS AFONSO, s/d, p. 199)

A capital do império português era o principal centro comercial da Europa na

primeira metade do século XVI, com mais de 100 mil habitantes, entre os quais 7 mil

estrangeiros (MARTINS AFONSO, p. 199). Muitos homens do interior português e de

diversos pontos do Velho Mundo acorriam à cidade, a fim de se sustentar e/ou lucrar

com os negócios.

Portugal investira de tal maneira no comércio com o Oriente que tudo no país

respirava as navegações. Nas ciências, a Geografia, a Astronomia, a Cartografia, as

Ciências Naturais e Náuticas, a Medicina, entre outros, recebiam novos produtos e

experiências notáveis para se redescobrirem certos rumos, justamente graças aos relatos

e observações de marinheiros, cronistas, religiosos e inclusive estudiosos que

embarcavam pelo mundo. Na literatura, certamente a cultura portuguesa recebeu sua

maior obra, Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, publicada em 1572. Na arquitetura,

na escultura e em outras artes, diversas referências às navegações e a navegadores

ilustres, com traços de exuberância, sinal das muitas descobertas e tons pelo mundo, e

desenhos da Ordem de Cristo e da esfera armilar.

Prosperou, além das ciências e dos negócios, o projeto difusor da fé

compartilhada pelos portugueses. Primeiro por meio dos freis franciscanos, seguidos

pela importante Companhia de Jesus, de Inácio de Loyola, Portugal estendeu sua

condição de protetor da igreja local aos mais diversos cantos do mundo. Erguia-se uma

feitoria, lá haveria uma cruz. A relação entre a expansão do império português era tão

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íntima do projeto de evangelização, que seminários e colégios administrados por ordens

religiosas espalharam-se pelo mundo, à medida que os navegadores descobriam e

tomavam posse das terras em nome do rei.

A convicção religiosa quinhentista não se expressava somente pela atividade

missionária. João III, rei entre 1502 e 1557, de quem João de Barros fora próximo, foi

responsável pela formação da Inquisição portuguesa, ratificada na Bula Cum ad nihil

magis, de 1536. Apelidado de O Piedoso, preocupado com a dispersão do

protestantismo surgido no centro do continente, ocupa-se de promover os meios de

evitar inquietações públicas por conta da fé. Apesar de no imaginário popular tal

instituição ser objeto de muitas censuras, a Inquisição ajudou a estabelecer um processo

de julgamento em diversas ocasiões em que as questões de crença se tornavam razão de

contenda. Antes dela, não havia nenhum aparato que se ocupasse de realizar

investigação sobre acusações de cunho religioso que, muito antes da Inquisição, já eram

motivo de condenações, públicas ou oficiais.

Definimos, assim, um retrato do período em que João de Barros vive e escreve a

Grammática. Período marcado pela maturação das conquistas portuguesas resultantes

de um longo processo de formação do país que se desenrolou num clima de expansão

territorial, de determinação religiosa e de atratividades econômicas. Esse período ponta

para um universo que nos revela os dilemas das pessoas da época, como o fidalgo

português que conhecera o rei D. João III, foi administrador público, donatário de terras

no Brasil, intelectual quinhentista, católico fervoroso e que viveu num centro comercial

da Europa do século XVI.

2.1.2 Concepções linguísticas: o Século XVI

Humanista e católico, tinha visão crítica capaz de analisar e posicionar-se sobre

tudo o que não fosse dogma. Autodidata, ampliou sua formação de grande erudição dos

clássicos. Assim, podemos destacar a condição social, intelectual e religiosa do

gramático, determinando, de alguma forma, os meios pelos quais empreenderia suas

análises sobre a Língua Portuguesa.

Destaquemos o período da Renascença em que João de Barros está inserido

como um período de grande movimentação intelectual, a ponto de estabelecer

verdadeiro paradigma na civilização ocidental. Nesse tempo, houve um sobressalto

científico que transformou o pensamento europeu capacitando-o para a expansão

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política, econômica e cultural; um fenômeno linguístico caracterizado pela intensa

normatização das línguas; e, por fim, um estabelecimento do estado português – e

consequente expansão política-cultural – que justificará a obra de João de Barros.

Buescu (1998, p. 18) descreve o panorama como “vocacionado para as grandes e

definitivas opções”. Isso porque, segundo ela, o período se determinou dentro da

“célebre controvérsia em torno da analogia e da anomalia” (Id., ibid., p. 15). Ou seja,

situa-se em meio à questão entre a valorização do sistema e do uso, entre a simetria

convencional e a criatividade, entre o estável e o instável.

Se, por um lado, os analogistas tenderiam naturalmente para o latim, os

anomalistas tenderiam naturalmente para as línguas vernáculas. Assim, estes

valorizariam a poética, enquanto aqueles a gramática. De que modo então o pensador

humanista seria levado à gramatização sob um ponto de vista mais intelectual?

Buescu (1998, p. 18) postula que tal problema teria sido resolvido por dois

modos:

1) Efetuando o cisma necessário, em direção a um formalismo, entre a

gramática e a filosofia (conciliação antiga) e entre a gramática e a

teologia (conciliação medieval), ainda que mantendo aquela dentro

dos esquemas tributários do pensamento e da terminologia lógica de

Aristóteles. Embora acolhendo as pertinências dogmáticas de certas

questões para linguísticas de um legado medieval é, neste momento

que a Gramática surge como ciência autônoma, como objeto e

metodologia próprios.

2) Optando, no contexto referido da controvérsia entre analogistas e

anomalistas, por uma posição híbrida, de paradoxal conciliação.

Efetivamente, é essa a grande opção dos gramáticos do Renascimento.

Observando – o que já Dante fizera, no Convívio, ao referir-se à

“artificiosa gramática” – a variabilidade das línguas românicas,

incodificáveis, segundo os modelos antigos, é, afinal, o conceito de

anomalia, que vem, paradoxalmente, pôr ordem no desordenado: as

línguas são anômalas mas codificáveis.

Desse modo, em primeiro lugar, a Renascença se posicionou no pensamento

linguístico, separando o estudo linguístico da Filosofia e da Teologia; e, em segundo

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lugar, numa “posição híbrida, de paradoxal conciliação” entre analogia e anomalia,

portanto, superando suas tendências em favor de um novo contexto.

Vale notar, no entanto, que essa ruptura, ou descontinuidade, no trato do

pensamento científico da época com as ideias linguísticas não impede certa

continuidade, ou permanência, dos valores medievais, entre os quais a reverência à

Gramática Latina, por exemplo.

Ao longo desse período, houve, segundo Auroux (2014, pp. 35-36), uma

mudança na concepção de cientificidade, a qual só foi possível pela transformação das

ciências da linguagem. Pois, na passagem de uma concepção tradicional de ciências da

natureza para uma concepção físico-matemática, houve uma profunda mudança na

concepção das linguagens para um sentido mais prático da língua.

Nesse contexto, Buescu (1998, p. 19) afirma:

É esse, pois, o perfil mental do homem do Renascimento e, no caso

sobre o qual nos debruçamos, de João Barros e de Fernão de Oliveira:

a curiosidade presencialista, por um lado, em relação ao mundo

circundante, a par de um majestático sentimento de veneração pelo

legado cultural dos Antigos, por via dos Romanos, sem que isso

jamais signifique aceitação passiva e acrítica. Essa majestade, com

efeito, parece ser a marca ou o traço distintivo da latinitas aos olhos

dos Humanistas de Quinhentos e para ela apela numerosas vezes João

de Barros, adepto da monumental gravidade do discurso e da ação.

Surge, então, um interesse pela língua em seu estado mais prático, pois, essa

mudança de visão científica incitará uma busca por mais observação e comprovação.

Ainda que não houvesse no período uma preocupação com a língua em uso, estava claro

que não importava tanto as línguas clássicas que se verificavam estáticas, mas as

línguas nacionais que careciam de estudo sistemático e eram faladas naturalmente pelos

povos, portanto, estavam abertas à observação e, consequentemente, à comprovação.

O elemento das línguas vernáculas que se pretendia observar e comprovar era a

tese de que era possível dotá-las de um sistema igual ou parecido com o dos latinos e

gregos. João de Barros, como homem de seu tempo, afirma justamente propor à língua

portuguesa, naturalmente falada e, portanto, observável e comprovável, uma “arte”, que

será verificada ao longo de todo seu texto essa condição de sistema semelhante ao dos

latinos e gregos.

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Outras duas realidades revolucionárias marcarão o homem do século XVI: a

descoberta de novas terras e a imprensa. Uma capaz de interferir diretamente na

compreensão que o homem ocidental tinha de si e do mundo, desfazendo “mitos” que se

passavam como “verdades” e revelando um universo de coisas que, a partir de então,

precisavam ser compreendidas e explicadas. Outra capaz de acelerar os processos

informativos e comunicativos em uma civilização conformada aos livros pesados, às

longas viagens, à informalidade das notícias e aos discursos fortemente marcados pela

pessoalidade.

Quanto ao primeiro, Auroux (2014, p. 57) concorda com os que entendem que,

com a chegada do homem europeu aos quatro cantos do mundo, houve “uma mudança

de visão de mundo fechado (o cosmos antigo e medieval) para um universo infinito”.

Assim, o universo finalmente amplia-se, de forma a obrigar o homem europeu a

reformular seu pensamento a respeito de si e do cosmos, além de assimilar novas

realidades. Quanto ao segundo, destaca como “um motor decisivo para a gramatização e

a estandardização dos vernáculos europeus” (Id., ibid., p. 31).

Assim, João de Barros situa-se num contexto de decisivas transformações no

pensamento europeu, pelas quais as línguas vernáculas, com base na tradição gramatical

latina, ganhariam destaque. Tal destaque estaria vinculada à superação das questões

entre analogia e anomalia, assim como à nova visão de mundo estabelecida com a

descoberta de novas rotas marítimas e à tecnologia de imprensa que favoreceu, como

veremos, uma tendência de se pôr em gramática essas línguas vernáculas.

Desse modo, o pensamento linguístico sofreu importantes influências

desencadeando um interesse pelas línguas vernáculas. Diversos intelectuais, fossem

literários, pedagogos, religiosos, procuraram realçar cada qual a língua de sua

comunidade e começaram a descrevê-la de modo a torná-la em meio relevante de

comunicação escrita. Essa descrição deu origem às primeiras gramáticas da maior parte

das línguas modernas da Europa. Tal fenômeno aconteceu de modo inter-relacional e

espontâneo, promovendo uma busca na compreensão das linguagens.

Esteve no auge, então, o que Auroux (2014, p. 35) chamará de “segunda

revolução técnico-linguística”. Tal revolução consiste na Gramatização, quando uma

“rede homogênea de comunicação centrada inicialmente na Europa” foi capaz de

espalhar pelo mundo em contato com essa rede um grande número de publicações de

gramáticas, cujas técnicas de descrição e de explicação da Língua foram compartilhadas

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entre si. Essa revolução técnico-linguística, tida como a segunda – uma vez que a escrita

também constitui uma técnica linguística desenvolvida entre povos que compartilhavam

seus saberes –, desenvolve-se ao longo de um período que vai do século V de nossa era

até o século XIX. A Gramatização, em seu contexto histórico, é compreendida,

portanto, como um conturbado período de divisão do Império Romano e início de sua

desintegração no Ocidente, indo até a industrialização, considerada por ele como

consequência prática das mudanças nas ciências da natureza.

Quanto à fase tida como de Gramatização clássica, e que corresponde à da

Grammática da lingua Portuguesa, como razões para a produção de uma gramática do

vernáculo, mostra-nos Auroux (2014, p. 50):

Em um contexto no qual já existe uma tradição linguística, a

necessidade de aprendizagem de uma língua estrangeira, (...), é

potencialmente a primeira causa da gramatização (...). Essa

necessidade é capaz de responder ela mesma a vários interesses

práticos:

i) acesso a uma língua de administração;

ii) acesso a um corpus de textos sagrados;

iii) acesso a uma língua de cultura;

iv) relações comerciais e políticas;

v) viagens (expedições militares, explorações);

vi) implantação/exportação de uma doutrina religiosa;

vii) colonização.

A segunda causa da gramatização, concerne essencialmente à política

de uma língua dada (ela é, pois, suscetível de afetar a língua materna)

e pode se reduzir a dois interesses:

viii) organizar e regular uma língua literária;

ix) desenvolver uma política de expansão linguística de uso interno ou

externo.

Destaquemos as viagens de explorações (v) por meio das quais surgiu entre os

europeus o apetite colonizador (vii) e a inevitável necessidade de se normatizar a língua

materna com o objetivo de impor aos povos conquistados (ix).

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Esse contexto é perfeitamente encontrado em Portugal. Talvez, nenhum outro

país europeu tenha se adiantado tanto no esforço pelas viagens e pelas conquistas, de

modo que o pequeno reino lusitano aventurava-se pelo norte da África muito antes de se

conquistar a América. A esse respeito, afirma Casagrande (2005, p. 43):

Calcados em princípios cristãos, com os quais fomos

presenteados, junto às contas e às miçangas coloridas, a partir do

instante em que os autóctones ergueram a cruz e prostraram-se diante

dela, os portugueses, que aqui aportaram há 500 anos, traziam como

herança o espírito empreendedor que , desde 1184, fizera com que

seus ancestrais visitassem Marseille e Montpellier, estabelecendo as

primeiras relações comerciais de que se tem notícia Cerca de 400 anos

antes de chegar ao Brasil os lusitanos já se aventuravam pelo

Mediterrâneo com o objetivo de estreitar relações com outros povos.

Percebe-se com isso o quanto Portugal, sendo um país pequeno e até pouco

povoado, procurou no comércio marítimo a via de desenvolvimento econômico. Senão

pela necessidade, revelada logo na formação do estado português, os portugueses não

buscariam tão brevemente a perícia das navegações e não teriam condições de chegar,

por via marítima, à Índia e China, de modo pioneiro.

Quanto à língua, esses fatos permitem o entendimento de uma relação bastante

íntima, uma vez que, estabelecendo-se as conquistas políticas, estabelecem-se as

conquistas linguísticas, as quais, sem uma gramática sistematizada, tornam-se

praticamente inviáveis. Fernão de Oliveira chegou a escrever em sua obra que “porque

milhor he que ensinemos a Guiné cá que sejamos ensinados de Roma” (OLIVEIRA,

1536).

Além das conquistas políticas, há uma questão importante para a formação do

estado português: sua identificação religiosa. Constituindo-se como nação no processo

de Reconquista cristã da Península Ibérica, Portugal insere-se num ambiente fortemente

religioso e isso estará associado, mais tarde, à expansão das escolas jesuíticas que não

dispensavam o ensino da Língua Portuguesa.

A esse respeito, Casagrande (2005, p. 47) defende:

Esse espírito empreendedor abrigava, além de interesses políticos e

comerciais que beneficiassem sua pátria, o desejo de salvar aquelas

almas. Através da bula papal assinada em 1442 pelo Papa Eugênio IV

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– e renovada pelo Papa Nicolau V, em 1452 -, os portugueses teriam a

concessão do monopólio no comércio com a África, com autorização

de fazer a guerra contra os infiéis, tirar-lhes as terras e escravizá-los.

Barros, sobre os povos a serem conquistados, afirma que “per esta nóssa árte

aprenderem a nóssa linguágem, com que póssam ser doutrinádos em os preçeitos da

nóssa fe, que nella uám escritos” (BARROS, 1540, p. 58) 21. O que explicita as

motivações religiosas para a escrita de sua obra.

Contribui muito para compreender a gramática de João de Barros, portanto, essa

rede de comunicação que permitiu a transferência de um modelo teórico e

metodológico, por um lado, somando-se aos interesses políticos, econômicos e

religiosos, por outro, que motivaram a escrita de uma gramática normativa em Língua

Portuguesa. Dessa maneira, o português entra numa célebre lista de gramáticos das

línguas vernáculas que marcaram a história, ao escrever suas obras durante, sobretudo, o

final do século XV e ao longo do século XVI.

A Grammatica da lingua Portuguesa, de João de Barros, foi escrita em 1540,

como vimos, dentro de um processo por que passou diversas línguas europeias. Por essa

razão, devemos nos voltar para duas referências na formação de gramáticas em língua

vernácula que, pela proximidade com Barros, podem tê-lo ajudado em sua composição

e, assim, podem ser consideradas como “influência”, pela perspectiva de Koerner (2014,

p. 56). Antonio de Nebrija e Fernão de Oliveira anteciparam-se a Barros no esforço de

descrever suas línguas, sendo o primeiro pioneiro da gramatização da Língua

Espanhola, enquanto o segundo foi o primeiro a formar uma descrição da Língua

Portuguesa.

Conforme nos aponta Auroux (2014, pp. 38-39), antes de se publicar a

Grammatica da lingua Portuguesa já havia gramáticas do Irlandês, do Islandês, do

Provençal, do Gaulês, do Francês, do Italiano, do Espanhol, do Tcheco e do Alemão.

Considerando que muitas dessas línguas tinham pouca proximidade com o Português,

entendemos que João de Barros parecia conhecer ao menos três dessas línguas de raiz

latina: o francês, o italiano e o espanhol. Na obra, Barros (1540, pp. 53-54) chega a

afirmar:

21 Usaremos uma adaptação que se aproxime da ortografia original, de forma que a torne

inteligível à moderna.

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Hũa destas ȩ a Italiana, na outra a françesa, e a outra a espanhól (F)

Quál destas á por melhór, e mais elegante (P) A que se mais confórma

com a latina, assi em uocábulos como na orthografia. E nesta párte

muita uantaiem tem a italiana e espanhól, á francesa: e destas duas

aque se escreue como se fála, e que menos cõsoãtes lȩua perdidas.

Se Barros conheceu as três línguas citadas, uma em particular parece-nos ser

mais importante: a Espanhola. Por uma questão de identidade nacional, visto que os

portugueses, os catalães, os galegos, os bascos e os castelhanos formavam o conjunto de

povos ibéricos que ansiavam por formar suas próprias pátrias, depois da saída do

elemento árabe da região, tinham de digladiarem-se umas com as outras em busca de

confirmar parte do território peninsular para si. Nesse contexto, a língua tornar-se-ia o

sinal preponderante de identidade que lhes permitia reclamar um espaço, e nenhum

outro povo soube aproveitar disso melhor que o português. Sobre isso, Buescu (1978, p.

67) afirma:

Vem em primeiro lugar, entre as outras línguas, o castelhano, a mais

perigosa rival do português, obstáculo para o prestígio que queriam

vê-la alcançar os grandes paladinos quinhentistas da língua.

Com efeito, embora raras vezes Barros se refira concretamente à

língua castelhana, cujo prestígio como língua literária e de cultura foi

crescente até meados do século XVII, sente-se que é principalmente,

visando essa rivalidade perigosa para o desenvolvimento da língua

portuguesa que Barros constrói a apologia contida no Diálogo.

Assim, fica clara a importância de Nebrija no contexto de João de Barros, uma

vez que havia a necessidade de contrapor o Português ao Espanhol ao tempo em que

precisava estabelecer um modelo gramatical para uma língua vernácula, é de se supor

que Nebrija tenha servido de referência.

Cordeiro (2008, p. 120) apresenta-nos algumas compreensões quanto ao

humanista espanhol:

No contexto de Nebrija, a gramática é a arte ou ciência responsável

pelo estudo da palavra enquanto signo que estabelece congruências,

analogias, entre a racionalidade humana e o mundo real. A linguagem

humana é sinal de uma inteligência singular, que diferencia o homem

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dos animais. Essa inteligência, por sua vez, informa os sons

articulados e lhes outorga significado.

Tais pressupostos, segundo Cordeiro (2008, p. 121), aproximavam-no aos

‘modistas’ que no século XIV confrontavam-se com os ‘nominalistas’. Resumidamente,

para aqueles, havia uma correspondência entre a palavra (signo) e a coisa (a que se

refere), assim como o sujeito ao falar conhece o signo e seu referente, de modo que o

primeiro permite que se conheça o segundo. Quanto aos ‘nominalistas’, estes refutavam

o conhecimento do sujeito quanto ao objeto conhecido, de modo a não haver universal

correspondência entre o signo e o mundo extralinguístico, levando-os a defender que a

ideia de ciência deveria fundar-se em termos próprios e não universais.

Embora esteja associado à tradição gramatical latinista e modista, Antonio de

Nebrija também valoriza as correntes modernas do Renascimento, sendo um de seus

maiores expoentes na cultura espanhola. Cordeiro (2008) afirma que é pela valorização

do uso que Nebrija transporta seus valores tradicionais para uma nova forma de estudo

linguístico.

Dessa maneira, entendemos que o espanhol está alinhado ao conjunto de ideias

de seu tempo, de modo a conformar os conceitos das línguas tidas como vulgares a

esses modelos. De um modo bem amplo, podemos indicar que Nebrija alia os conceitos

mais tradicionais da língua com aspectos que são próprios do humanismo renascentista.

Quanto a Fernão de Oliveira, Casagrande (2005, p. 69) traz-nos um esboço do

pensamento de Oliveira da seguinte forma:

No tocante a sua obra, podemos afirmar que Fernão de Oliveira

baseou-se em gramáticas latinas, direcionando seus estudos à palavra,

de modo que se deteve mais profundamente na formação de palavras e

nas descrições fonéticas.

Podemos perceber a partir da leitura de sua obra, que o autor tinha

como objetivos principais: a) tecer louvores à língua portuguesa,

indicando que sua estrutura era semelhante às línguas de prestígio,

como o latim e o grego; b) descrever a língua portuguesa por meio do

bem falar e do bem escrever; c) trabalhar a ortografia portuguesa

Dessa maneira, entendemos que Fernão de Oliveira ocupa-se da ortografia e da

fonética, o que demonstra um olhar linguístico ocupado com o que considera bem falar

e bem escrever. Para tanto, procura descrever o que entende como melhor maneira de se

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usar a língua, preocupado em fazer-se entender em cada detalhe da pronúncia. Essas

características mostram-nos sua vertente mais “presencialista”, conforme Buescu (1978,

p. 8). Ainda segundo Buescu (1978, p. 53), a publicação de Fernão de Oliveira é

“eminentemente pragmática, baseada numa experiência pedagógica e humana”, além de

“altamente expressiva dum espírito aberto e atento à obra circundante”.

A Fernão de Oliveira podemos destacar a formação de uma gramática

tipicamente renascentista, mas com um caráter bastante premonitório a respeito do valor

que deu aos aspectos fonéticos que séculos mais tarde se tornariam a tônica da

linguística.

Sem dúvida, tanto as carências de uma gramática sistemática, mas com alto

valor ortográfico de Fernão de Oliveira, como o modelo completo de Nebrija

influenciaram João de Barros na articulação de uma gramática de caráter normativo e

tão próximo dos modelos clássicos, que se pode dizer ser a primeira gramática da

Língua Portuguesa.

2.1.3 Do pioneirismo sobre uma gramática de Língua Portuguesa

Tratemos da questão sobre o pioneirismo da produção gramatical de Língua

Portuguesa: seria João de Barros ou Fernão de Oliveira quem desenvolveu a primeira

gramática da Língua? Mesmo que se considere a obra de Oliveira a primeira, Barros

ainda reserva grande importância pelo seu papel de pioneirismo na formação de uma

gramática verdadeiramente sistemática.

Fernão de Oliveira escreveu sua Grammatica da Lingoagem Portuguesa, em

1536. Apenas quatro anos depois é que João de Barros escreveria sua Grammatica da

lingua Portuguesa. Ambos se conheciam, de modo que, segundo Buescu (1978, p. 50),

Fernão de Oliveira assumiu a educação de Barros.

No entanto, a obra de Oliveira não terá a mesma dimensão sistemática, tratando-

se mais como uma “primeira anotação” (OLIVEIRA, 1536), conforme ele próprio

escrevera. Do ponto de vista moderno sobre a constituição de uma gramática, a obra de

Oliveira distingue-se mais pela descrição fonética e pela persuasão para uso da língua

portuguesa do que por uma formação normativa.

A obra de João de Barros, por outro lado, é tida como “uma verdadeira

gramática, dotada de uma sistematização e dum caráter não só vincadamente

pedagógico, mas também normativo” (BUESCU, 1978, p. 6). Nesse sentido, Bastos

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(1981, p. 94) afirma que “ele é realmente o primeiro, se se considerar o sentido que é

dado à arte, em sua gramática, isto é, sistematizar a língua com a finalidade de mostrar

como falar e escrever bem”.

Portanto, a Grammatica da lingua Portuguesa de João de Barros pode ser

assumida como a primeira gramática realmente normativa em nossa língua. O próprio

autor, em sua obra, afirma sobre a serventia de uma gramática como para “hũ módo

cȩrto e iusto de falár, & escreuer” (BARROS, 1540, p. 2).

2.2 Evanildo Bechara e a Moderna Gramática Portuguesa

Evanildo Cavalcante Bechara é um gramático e filólogo brasileiro da cidade de

Recife (BECHARA, 2008, p. 45). Nascido em 1928 em Pernambuco, fica órfão de pai

aos 11 anos de idade e, por isso, passa a viver no Rio de Janeiro, junto de seu tio-avô,

onde recebe as instruções do período ginasial (id., ibid., p. 46). Durante o colégio,

procura dar aulas particulares de Matemática, embora só recebesse alunos de Português

e Latim. Concluído os estudos básicos, prossegue para o curso clássico na Faculdade do

Instituto La-Fayette (id., ibid., p. 46).

Ainda entre seus 15 e 16 anos, conheceu o professor Said Ali por meio de quem

conheceria Lindolfo Gomes, Mattoso Câmara, Antenor Nascentes, entre outros

membros da Academia Brasileira de Filologia (BASTOS, 2008, p. 18). Ao terceiro ano

do curso clássico, torna-se assistente de Latim do professor Ernesto Faria e, ao terminar

a faculdade, presta sua livre-docência com a tese O futuro românico (id., ibid. p. 20-21).

Em 1954, assume como professor no renomado Colégio Pedro II e chega à cátedra de

Filologia Românica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UEG (atual UERJ),

em 1964.

Quanto à sua relação com Said Ali, ela foi mais do que significativa, pois foi por

ele que Evanildo foi inserido no mundo das pesquisas linguísticas. Segundo o próprio

Bechara, quando ainda cursava o ginasial da época, teve contato com a obra

“Lexeologia do portuguez historico” (1921), de Said Ali (BECHARA, 2008, p. 13). A

partir daquele momento, Evanildo Bechara procurou ler as obras do filólogo, conheceu-

o e frequentou sua casa. Quando em 1954, em concurso para o Colégio Dom Pedro II,

apresentou a tese “Estudos sobre o meio de expressão do pensamento concessivo em

português”, a influência do filólogo chegou a ser considerada pelo próprio autor como

do “espírito de Said Ali” (id., ibid., p. 22).

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Bastos et alli (2008, p. 8) descrevem-no como “pesquisador excelente” e

Cavaliere (2008, p. 91) destaca certo “espírito empreendedor”. Preti (2008, pp. 62, 64)

considera-o um gramático de linha tradicional, embora demonstre algum “apoio à

renovação”, para quem não há “oposição à língua oral”. Seja como filólogo, como

gramático ou como catedrático da língua portuguesa, Evanildo Bechara é objeto de

diversos estudos e de muitos elogios.

Sigamos, primeiro, com um perfil do período em que se insere o gramático,

filólogo, linguista pernambucano Evanildo Bechara. Depois, num segundo momento,

uma apresentação do período linguístico dos estudos brasileiros sobre linguagem, mais

propriamente à fase diversificada, em que as tendências linguísticas de todo século XX

desembocam na obra de Evanildo Bechara.

2.2.1. Um mundo multiverso: o Brasil na virada do terceiro milênio

Considerado por muitos o melhor gramático da atualidade, Evanildo Bechara é

um estudioso de língua atento ao seu tempo, sem deixar de se orientar pela tradição

gramatical brasileira. Para melhor compreender a obra, exige-se uma adequada leitura

do ‘clima de opinião’ que vai da segunda metade do século XX até o início do século

XXI. A edição da Moderna Gramática Portuguesa de 2009 é a 37ª22 de um trabalho

iniciado em 1961, cujos propósitos são tidos como os mesmos pelo autor em seu

prefácio, no entanto, revisada e ampliada, após “leitura atenta dos teóricos da

linguagem” (BECHARA, 2009, p. 19).

Antes de nos atermos às concepções linguísticas que marcam o período em que

Bechara escreve sua gramática, apresentaremos um pouco do cenário político e

econômico do momento. Para isso, somos levados a considerar todo o fim do século XX

como meio de se entenderem as mudanças significativas que moldaram a década de

1990 e o início do século XXI, importando para nós uma leitura de mundo que possa

nos ajudar a interpretar as mudanças linguísticas do início do século XXI. Cremos,

assim, que esses aspectos não correm em paralelo às transformações da linguística

moderna e das produções de gramática, mas fazem parte de uma ampla mudança

cultural e comportamental.

22 Como já dissemos em nota nas Considerações Iniciais deste trabalho, a 37ª edição é de 1999,

entretanto, em 2009, uma nova 37ª edição pôs o trabalho em conformidade com o Acordo

Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

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A fim de estabelecermos uma contextualização geral desse período sobre o qual

nos debruçaremos, tomamos por parâmetro Oliveira (2013, p. 53) o qual distingue três

fases sociopolíticas dos países de Língua Portuguesa. Para cada fase, trataremos de fatos

que consideramos importantes para compreendermos o período em que a Moderna

Gramática Portuguesa, em sua 37ª edição, foi escrita. Assim, as fases são:

[1] A Guerra Fria propriamente dita, que significou para os dois países

de então, Brasil e Portugal, pelo tipo de inserção possível o Bloco

Ocidental da época, um longo período de governos autoritários.

[2] A longa transição para a normalização democrática no Brasil e em

Portugal e para a paz nos Países Africanos de Língua Oficial

Portuguesa (...) e Timor-Leste no pós-25 de Abril.

[3] O período pós-2004, a partir das novas relações de poder e das

novas inserções internacionais dos países de língua portuguesa na

economia mundial.

A primeira fase, cuja importância consiste apenas para melhor apresentarmos

como foi o período subsequente, corresponde às décadas de 50, 60 e 70, fortemente

marcadas pelo impacto da II Guerra Mundial e início da Guerra Fria. Faccina,

Casagrande e Hanna (2008), afirmam a esse respeito que:

O pós-guerra mostrou-se, a princípio, aterrorizante, pois o mundo

poderia explodir a qualquer instante, afinal o homem construiu a

bomba atômica e seus efeitos o tiraram do eixo lógico. (...)

A citação dos historiadores é pertinente para contextualizarmos o

clima de opinião desse momento de conflitos interno e externo; isso

resultou em mudança comportamental em todos os segmentos da

sociedade.

Essa mudança de comportamento pode ser expressa de variadas maneiras, mas o

suspense de uma nova guerra de grandes proporções contribuiu para a valorização do

uso de tecnologias como forma de embate das potências, em um clima de engajamento

ideológico (de um lado e de outro), que intensificou o câmbio de informações.

Entendemos, dessa forma, que o pensamento ocidental da segunda metade do século,

influenciado pelo clima sociopolítico da Guerra Fria, foi de disputas pela novidade

científica e alinhamento ideológico (trata-se do esforço intelectual para se posicionar no

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espectro das ideias sociopolíticas) que permitiram a emergência de novos paradigmas,

num acúmulo de proposições como nunca se havia visto.

No Brasil, as disputas ideológicas e a polarização geopolítica se refletiram em

forças autoritárias, como afirma Oliveira (2013, p. 58)

Conter o suposto comunismo e os movimentos de reivindicação

popular no contexto da manutenção de estruturas capitalistas antigas, e

geradoras de pobreza, foi um dos principais objetivos dos 41 anos da

ditadura salazarista em Portugal, por um lado, e dos oito anos do

Estado Novo brasileiro (1937-45) e depois dos 21 anos do regime

militar (1964-1985), por outro.

Podemos, assim, entender que a primeira fase se forma: historicamente, entre o

fim da II Guerra Mundial e início da Guerra Fria, e marca o Brasil por um breve período

democrático e pelo golpe de 1964. Podemos sintetizar o clima de época como de um

persistente racionalismo, envolto numa atmosfera solvente e em crise.

A segunda fase corresponde ao período das décadas 80 e 90, antecedentes da 37ª

edição, revisada e ampliada, da Moderna Gramática Portuguesa. O Brasil seria

marcado pelo fim da Guerra Fria e início da Globalização. Em âmbito doméstico, o

período assistiria ao declínio da ditadura militar e a uma abertura democrática e

econômica.

De um mundo quase sempre dividido ao meio, as questões sociopolíticas e

culturais passaram a conviver com a multilateralidade. Assim expressam Palma e

Mendes (2008, p. 158) que “a partir dos anos de 1980, a economia mundial inicia um

processo de Globalização em que diversos setores da atividade econômica se integram,

isto é, passam a atuar em conjunto no mundo inteiro”. Para o homem do fim do segundo

milênio, a desconstrução dos paradigmas político-ideológicos da Guerra Fria e o acesso

rápido a informações permitiriam um volume inimaginável de proposições, seja pela

rápida assimilação, seja pela contestação frequente. A esse respeito, mostram-nos Palma

e Mendes (Id., ibid., p. 158):

Gigantescas redes de comunicação por fibra óptica e por satélites

possibilitam o tráfego de informações de televisão, de rádio e de

telefone, bem como o de dados dos mercados financeiro, comercial,

científico, etc. Destaca-se, nesse setor, a internet, rede mundial de

computadores que teve sua origem nos Estados Unidos do final da

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década de 1960 e que, atualmente, interliga os usuários do mundo

inteiro. Seu auge ocorre a partir dos anos 1990, com o aumento do

número de usuários e de aplicações.

Esse montante de informações, associadas a uma percepção de fim da luta

ideológica, permitiu uma cultura da diversidade e uma estigmatização dos sistemas

político-ideológicos. Gera-se um clima de unidade e de diversidade, de individualidade

e de interdependência relacional, de localidade e de globalidade, sem concretude, mas

formada a partir da relatividade entre esses aspectos.

Portanto, o fim da Guerra Fria tornou o ambiente, em vez de mais homogêneo

numa suposta superação dos embates político-ideológicos, ainda mais diversificado em

que se formaram grupos que disputavam o espaço de sua identidade em um mundo

ainda mais global, mas, agora sem um “território” a disputar. O contraste entre um

mundo globalizado e uma localidade que busca inserção, tornou a diversidade e a

confluência de pensamentos o tom da virada do milênio.

No Brasil, vemos o advento de um novo período democrático marcado pelas

ideias plurais e pelas garantias de liberdade individual. Essa condição, consequência do

cenário global, obrigaria o país a dar respostas ainda mais democráticas nos âmbitos

político-econômico, educacional e linguístico, tanto na relação entre Estado e Sociedade

quanto nas relações internacionais.

No plano econômico, além de sucessivos fracassos de política monetária,

podemos apontar algumas medidas que caracterizariam o Brasil do terceiro milênio: a

abertura econômica, que tornou o mercado interno “mais atraente a investimentos

estrangeiros” (AQUINO, 2013, p. 106); a formação do Mercosul, entre os países da

Bacia do Prata, que estreitou, entre os membros, “laços econômicos e culturais”

(PALMA et MENDES, 2008, p. 159); e, o Plano Real, que se revela “prático e bem-

sucedido no controle da inflação” (id., ibid., p. 160). Resumimos o cenário econômico

da virada do milênio com Aquino (2013, p. 107) para quem a tríade acima permitiu um

Fluxo de investimentos associado com a baixa capitalização das

empresas nacionais levou a uma especialização produtiva industrial

dos anos 1990. Concomitantemente, a abertura econômica levou a

uma situação (somada à apreciação cambial) de desnacionalização da

indústria pela via das fusões e aquisições, e assim resultante da queda

do capital nacional na participação tanto nas vendas da indústria

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quanto no investimento. Esse processo foi catalisado pela política de

investimento industrial em infraestrutura, e pelo aumento das

exportações intra-firma entre filiais de multinacionais presentes nos

países do Mercosul.

Com o fim do regime militar, tornou-se tendência a pluralização de ideias e a

abertura para novas concepções pedagógicas. A fim de se democratizar também o

ensino, houve o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de

20 de dezembro de 1996. A lei cuja finalidade era disciplinar a educação escolar a partir

dos novos princípios democráticos, estabeleceu em seu Art. 3º os seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II –

liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de

concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à

tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de

ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos

oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII –

gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da

legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de

qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI –

vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

(BRASIL, 1996, p. 2)

O primeiro princípio da LDB contribuiu para amplo acesso às escolas em

diferentes realidades sociais ou geográficas, sobretudo nas redes públicas. A gratuidade

de ensino, agora contando com grandes redes públicas, facilitou a entrada das

comunidades mais carentes do país no público educativo. Para cumprir as metas de

escolarização, o Estado já vinha intensificando recursos para a construção de escolas

que em meio século eram raras e bastante elitizadas. O esforço em atender um padrão de

qualidade fez com que se estabelecessem estruturas de avaliação externa da qualidade

de ensino, entre os quais o ENEM.

Concomitantemente, as escolas se viram incapazes de atender à demanda, de

modo a superlotar salas de aula, sem estruturas nem preparo profissional para lidar com

um público cujas origens não remontam à cultura escolar. A qualidade do ensino caiu

severamente, enquanto os professores acostumavam-se a práticas pedagógicas que

divergiam das tradicionais.

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Portanto, a segunda fase se destaca pela quebra acelerada dos paradigmas

modernos que se expressavam pelas políticas autoritárias, pelos modelos educacionais

padronizados e pelos estudos linguísticos estruturalistas. As motivações político-

econômicas de abertura contribuem para a dilatação das redes públicas de ensino.

Dentro desse cenário de mudanças, surge um amplo espaço para a diversificação de

ideias e de práticas, permitindo aos estudos gramaticais lançar mão de diferentes teorias

linguísticas, tanto como fundamento como meio de apologia a suas bases.

Enfim, a terceira fase constitui-se no pleno desenvolvimento do período

anteriormente citado: de diversificação de ideias e de práticas. De modo que as

novidades das décadas de 70, 80 e 90 tenham se tornado verdadeiros padrões em

qualquer esfera política, cultural ou intelectual.

No campo político internacional, especialmente entre os países de Língua

Portuguesa, vale menção a independência do Timor Leste em 2002. A emancipação

timorense foi importante para a concepção para as interações entre os países lusófonos,

pois o pequeno país necessitava de professores de Língua Portuguesa quando ainda

persistia dois padrões ortográficos.

Com relação aos aspectos socioculturais, ressaltamos que a internet foi

determinante para o período, pois, ao passo que se populariza no início do terceiro

milênio, permitiu às pessoas das mais diversas camadas sociais realidades de qualquer

parte do mundo. Por causa dos smartphones, a internet vai além das informações

instantaneamente apresentadas – característica marcante do final do século XX – e, sim,

de uma intercomunicação sem barreiras, por meio das redes sociais, aproximando

línguas, culturas e cotidianos, separados por milhares de quilômetros. A facilidade de

acesso a uma cultura de consumo massivo viabilizou uma percepção da realidade

condicionada às impressões pessoais, divulgadas por meio de twitters, instagrans,

snapchats, youtubers e tantos outros meios. O mundo deixou de ser o que se vê, para ser

aquilo que se posta.

É nesse contexto que se estabelece a oficialização do Acordo Ortográfico da

Língua Portuguesa, resultado das tentativas de inserção global (no mundo da internet)

das comunidades lusófonas. Por isso, a 37ª edição da Moderna Gramática Portuguesa

que é datada de 1999, recebe a versão estudada aquela revisada, ampliada e atualizada

conforme o Acordo Ortográfico, publicada em 2009. O Acordo fora ratificado em 1º de

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janeiro de 2009, passando a vigorar, oficialmente, em todos os membros da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a partir de 2015.

Sobre o Acordo, Oliveira (2013, p. 60) afirma que o momento imediato pós-

Guerra Fria dava a impressão de haver “dois claros vencedores: os Estados Unidos da

América e a língua inglesa”. Essa condição, no entanto, viu-se passageira, uma vez que

a hegemonia da língua, da política e da economia americanas tomou contornos globais,

embora convivesse com uma sociedade global organizada por blocos multilaterais de

acordo com os interesses internacionais, nas esferas econômicas, políticas e linguísticas.

Dada a dispersão dos modelos globais estáticos, os países de Língua Portuguesa

propuseram-se a buscar uma política que protegesse seu patrimônio linguístico, ao

mesmo tempo que se buscasse ganhar e manter mercado. Assim, vemos que

Dadas essas pressões, entre outras, podemos propor que o Acordo

Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 assinado por todos os

países de língua oficial portuguesa e ratificado por todos, menos

Angola e Moçambique, e sua tardia entrada em vigor no Brasil, a

partir de 2009 e em Portugal a partir de 2011, foi o primeiro indício do

avanço das pressões por uma normatização convergente. (OLIVEIRA,

2013, p. 70)

Essa normatização convergente assume, portanto, o papel de ser una e plural em

perfeita consonância com as ideias da época. Ela também se insere justamente em um

momento em que a norma é discutida em círculos de intelectuais, que compreendem a

necessidade de uma “aproximação com o português popular” (OLIVEIRA, 2013, p. 68).

A 37ª edição da Moderna Gramática Portuguesa é marcada pela primeira ortografia

resultada de um acordo, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

Quanto à política educacional brasileira, no início do século XXI, apesar de não

ter havido melhorias substanciais no ensino fundamental, houve um investimento

significativo na tentativa de se ampliar o acesso à escola pública. As universidades

federais ganhavam novos campi em locais distantes dos grandes centros econômicos,

com modelos de administração descentralizada. Instituições privadas de pequeno e

médio porte receberam grande impulso com o Prouni (Programa Universidade para

Todos), instituída pela lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, por meio do qual

diversas bolsas de estudo contribuíram para que um grande número de jovens e adultos

ingressassem no ensino superior. Outras instituições voltaram-se para a Educação à

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Distância (EaD), regulamentada naquele momento pelo decreto 5.622, de dezembro de

2005, facilitando ainda mais a diplomação e a qualificação de nível superior para a

parcela limitada por distâncias geográficas e/ou financeiras.

Foi a essa nova geração de alunos, especialmente do ensino superior que, direta

ou indiretamente, a Moderna Gramática de 2009 seria publicada. Devemos considerar

que, em seu prefácio, Bechara (2009, p. 6) ocupou-se de anunciar sua gramática “aos

colegas de magistério, aos alunos e ao público estudioso de língua portuguesa”.

Portanto, Moderna Gramática portuguesa está calcada no cenário social,

político e econômico que se estabeleceu nas três décadas que a precederam. Um mundo

ocupado com as tensões humanas, consequência dos conflitos de larga escala e do poder

de destruição adquiridos pelas potências. Com maior interação econômica e

comunicativa, emerge uma hiper-realidade, tomada por inúmeras informações e

impressões pessoais quer do cotidiano, quer de fatos marcantes para o país ou para o

mundo. Esse acesso ilimitado ao mundo pautou a política educacional direcionando-a

para o Ensino à Distância (EaD). Num universo em que quase todos tem acesso a quase

tudo, Evanildo Bechara formula uma gramática na linha da tradição gramatical atenta

aos estudos linguísticos.

2.2.4. Concepções Linguísticas: do século XX ao limiar do século XXI

Dado o contexto sociopolítico do final do século XX e esboçando alguns

importantes aspectos do século XXI, neste momento tratemos das concepções

linguísticas desse tempo. Para tanto, buscaremos apresentar uma divisão dos períodos

de estudos de língua no país, sugerida por Cavaliere (2001). A partir dela, procuraremos

apontar aquelas concepções que se tornaram relevantes para Moderna Gramática.

Quanto às tendências linguísticas do meio brasileiro, Cavaliere (2001, p. 62)

propõe a distinção periódica dos estudos no país entre: período racionalista (1802 a

1881), período científico (1881 a 1941) e período linguístico (1941 até hoje).

Considerando que a obra de Evanildo Bechara a que nos propomos analisar é de 1999,

cabe a nós nos debruçarmos sobre o período linguístico, seguindo a proposta de

periodização que nos pareceu adequada. Esse período dos estudos de língua no Brasil

teria início em 1941, com a inserção da disciplina de Linguística Geral na antiga UDF

(atual UERJ), sob os auspícios de Mattoso Câmara Jr.

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O período linguístico é caracterizado sobretudo pelo paradigma saussuriano e

pelo que Cavaliere (2001, p. 62) denomina de “cisma teórico-metodológico”, ou seja, o

estabelecimento do dilema entre Filologia e Linguística, assim como a consolidação

deste último como “ciência autônoma dentro da Universidade”. Segundo ele,

Percebe-se haver na época noção inequívoca de que a lingüística

merecia estudo teórico específico, emergindo como disciplina em

nível superior e evidenciando-se como objeto da pesquisa

universitária. Com efeito, em todo o percurso até então traçado nos

estudos lingüísticos, o objeto imediato da descrição era a língua

vernácula.

Ainda sobre essa bifurcação dos estudos referentes à linguagem, tomemos

Altman (2012, p. 69) que cita uma formação de profissionais da língua em dois grupos:

linguistas e gramáticos, cujas competências e áreas de interesses se distanciariam. Aos

primeiros se atribuiria “a tarefa de descrever como o falante diz alguma coisa”, de forma

análoga a de um naturalista – exemplo comum de se ver. Enquanto os segundos

galgariam para si “a tarefa de apontar como esse falante deve dizer” (Id., Ibid., p. 70).

Uma dicotomia, mas que, para a autora, reflete mais uma prevalência dos aspectos reais

da língua adotada por cada uma desses grupos, seja ela de tradição gramatical ou de

análise linguística. Altman (Id., Ibid., p. 70) questiona:

Se admitirmos, entretanto, que ambos efetuam recortes sobre a

‘realidade’ que se propõem representar, isto é, elegem certos aspectos

do ‘real’ em detrimento de outros, a quem atribuir, em última

instância, a autoridade sobre a seleção e hierarquização dos fatos

linguísticos que constituem uma gramática de uma língua natural?

No entanto, se, por um lado, podemos observar posicionamentos ainda

discordantes entre essas vertentes, por outro, podemos reconhecer que os próprios traços

da Gramática de Língua Portuguesa, sobretudo no Brasil, puderam lançar mão de

muitos dos posicionamentos trazidos pela linguística saussuriana marcante na época.

Vale recordar que, a partir da perspectiva dicotômica entre langue e parole, Eugênio

Coseriu (1979) ampliaria a reflexão linguística para uma concepção tripartida da língua

que influenciaria a gramática de Bechara (2009).

Nesse clima de estabelecimento das novidades estruturalistas do período

linguístico nos estudos universitários sobre linguagem, temos o advento a Nomenclatura

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Gramatical Brasileira (NGB). Talvez como rescaldo do que Cavaliere (2001, p. 50)

entende por período normativo ou mesmo do período científico, podemos considerar

que a Nomenclatura é constituinte de uma disposição para as padronizações vigente na

cultura e, consequentemente, nas políticas linguistas, que se posiciona sempre a

normatizar a produção humana, inclusive intelectual.

A NGB é estabelecida pela resolução 36, em 28 de janeiro de 1959. Franco,

Almeida e Zanon (2008, p. 46) enfatizam a influência de Artur de Almeida Torres na

divulgação da NGB, o qual supunha dar concórdia às diferentes posições dos estudiosos

da linguagem de sua época. Destaquemos a conclusão de Franco, Almeira e Zanon

(2008, p. 68):

Ela foi aceita, entrou em uso e uniformizou a terminologia gramatical.

Até hoje, as gramáticas expositivas seguem o padrão imposto pela

NGB, ainda que produzam notas de discordância, com a solução

proposta pela “nomenclatura” promulgada. As gramáticas, chamadas

pedagógicas, para uso direto do alunato pouco têm inovado, mas

procuram amenizar um estudo homogêneo com figuras, cores e

“tirinhas” de jornal ou textos jornalísticos.

Evanildo Bechara em seu prefácio de 1961, mantido na 37ª edição, afirma estar

de acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Segue ao afirmar que “os termos

que aqui se encontrarem e lá faltam não se explicarão por discordância ou desrespeito; é

que a NGB não tratou de todos os assuntos aqui ventilados”, de forma a demonstrar sua

adesão à nomenclatura.

Além da necessidade de se ampliar o número de “estabelecimentos oficiais”, o

país precisou investir em formação de professores, ampliando os cursos de Letras, quer

em instituições públicas, quer em instituições privadas. Cavaliere (2012, p. 230)

demonstra como, a partir da década de 1970, o perfil dos estudos gramaticais se altera

em consequência das políticas educacionais que intentam a universalização do ensino.

Segundo ele

Com a criação e rápida multiplicação dos cursos de Letras, a figura do

pesquisador-docente que atuava em classes de ensino básico veio a ser

substituída pela do pesquisador-docente que atua em classes de nível

superior. Está nesse fato a semente de uma geração de nomes

meritórios dos estudos linguísticos brasileiros que passaram a publicar

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textos somente para o público seleto das universidades, visto que se

propunham a aplicar nas novas propostas de descrição os fundamentos

teoréticos de sua pesquisa.

Da necessidade de se pôr os estudos gramaticais para o âmbito universitário,

depois do advento da Linguística no Brasil, formou-se uma fase, já apontada, de

influências estruturalistas. Mas, esse cenário se altera bastante à medida que novas

correntes linguísticas chegam do exterior. Cavaliere (2001, p. 67) aponta, então, para

uma fase do período linguístico dos estudos brasileiros sobre a linguagem, a qual

denomina de fase diversificada. Nessa fase, que surge em meados dos anos 1980, a

gramática expande-se para além das questões da norma, para levar em consideração

variadas expressões teóricas sobre a linguagem. Assim,

Cria-se, pois, um cenário em que cooperam modelos teoréticos

díspares, não obstante tangentes, como o da sociolinguística

laboviana, do funcionalismo inspirado no trabalho de T. Givón, na

pragmática de Stephen Levingson, a par do campo imenso aberto pela

análise do discurso (em seus conhecidos ramos: o francês e o anglo-

saxão), com significativa presença da semântica argumentativa

inspirada no trabalho de Oswald Ducrot e Patnck Charaudeau, entre

outros. (CAVALIERE, 2001, p. 67)

Dessas novas tendências que se marcaram por modelos teóricos, às vezes,

divergentes, podemos citar a influência da Pragmática no campo dos estudos

linguísticos associados à gramaticografia brasileira. Esta forçará os estudos para a

linguagem tida “em uso”, como nos explica Fiorin (2006, p. 166)

A Pragmática estuda a relação entre a estrutura da linguagem e seu

uso, o que fora deixado de lado pelas correntes anteriores da

Linguística, que criaram outros objetos teóricos. O estudo do uso é

absolutamente necessário, pois há palavras e frases cuja interpretação

só pode ocorrer na situação concreta da fala.

No contexto da Pragmática, encontramos o funcionalismo e a gramática

funcional. Neves (2008, p. 123) afirma que a abordagem do funcionalismo não se

restringe à “investigação do uso da língua, mas, ainda, como a explicação da natureza

da linguagem em termos funcionais”. Nessa linha

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O termo gramática funcional implica, como funcional, uma

fundamentação em significados e, como gramática, uma interpretação

de formas linguísticas. Entende-se, assim, que a gramática codifica o

significado, e o faz sem relacionar simplesmente porção a porção, ou a

relação a relação, mas provendo o isolamento de variáveis e suas

possíveis combinações na consecução de funções semânticas

específicas.

Desse modo, se o uso e a função da linguagem alcançam agora o foco dos

estudos, o cânon dos textos literários perde credibilidade como corpus da descrição

linguística por eles estarem distantes no tempo, uma vez que se formam

majoritariamente de obras do século XIX e início do XX. Nessa tendência, Cavaliere

(2012, p. 229) aponta para, além da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo

Bechara, a Gramática Houaiss da língua portuguesa, de José Carlos de Azeredo, e para

o Guia de uso do português: confrontando regras e usos, de Maria Helena de Moura

Neves, como exemplares de uma descrição linguística. Tanto no caso de Azeredo e

quanto no caso de Neves, nessa preocupação em ir além dos textos canônicos da

literatura nacional e portuguesa, utilizam-se tanto da literatura corrente quanto de textos

jornalísticos e acadêmicos. Ainda assim, tanto Cavaliere (2012) quanto Neves (2002)

entendem que não se deve abrir mão da linguagem escrita.

Não é essa a tônica de Evanildo Bechara que, apesar de levar em consideração

esses estudos, atento à concepção de norma no plano histórico da língua, permanece

usando-se do cânon literário para exemplificar as características gramaticais que aponta.

De modo que entendemos a Moderna Gramática como exemplar do período linguístico

em sua fase diversificada muito por sua concepção de linguagem que abarca tanto os

níveis linguísticos e os planos da língua, de Coseriu, quanto os sensos de subjetividade,

de Benveniste, e de comunicação, de Jakobson.

De fato, Eugênio Coseriu é, dentro de uma perspectiva de estudos linguísticos, a

principal referência de Bechara. Coseriu foi professor de Linguística Geral e Indo-

europeia (1951-1963) no Uruguai, onde foi visitado pelo brasileiro, e “proferiu três

conferências na Biblioteca Nacional” do Brasil (BECHARA, 2008, 25). Foi nesse

tempo que o gramático brasileiro aprofundou seus conhecimentos sobre o linguista a

ponto de trabalhar na tradução de Lições da Linguística Geral. O próprio Evanildo

Bechara testemunha como “grande lição” a “preservação dos estudos sobre a linguagem

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61

realizados antes da institucionalização da Linguística” (Id., Ibid., p. 26). Vê-se que,

apesar de ampliar os estudos linguísticos de que toma partida, a lição que Bechara adota

do linguista é a de “preservação” dos estudos.

Para Coseriu (1979, p. 35), o falar é o único ato concreto da linguagem e

inseparável dela, sendo a realização da língua, a base. Por isso, estabelecer uma

dicotomia entre “langue”, entidade ideal, abstrata e social, e a “parole”, casual, concreta

e individual, “fica longe de abarcar e esgotar toda a realidade da linguagem” (Id., Ibid.,

p. 43). O que se postula é que o plano social da linguagem é “sistema normal e sistema

funcional” (Id., Ibid., p. 46), sendo um correspondente à acomodação histórica da língua

a uma comunidade, de forma a produzir formas sociais normais de fala, e a outra às

oposições funcionais mais abstratas.

Assim, Coseriu (1979, p. 76) esquematiza quatro conceitos fundamentais: “1.

Sistema – 2. Norma – 3. Fala”, além do tipo linguístico do qual só trataremos mais

adiante. Dessa maneira, o pensamento coseriano estabelece o que Duarte (2001, p. 160)

define como graus de abstração e de formalização, que se expressam em sua tripartite:

sistema, norma e fala. Sendo a norma o meio pelo qual o texto (nível individual da

linguagem) adequa-se dentro de um sistema funcional (nível social mais abstrato) e

apreende um sistema normal (nível intermediário de uso coletivo) que se impõe numa

determinada comunidade.

Nessa esteira, o teuto-romeno distingue três níveis linguísticos que Santos

(2014, p. 64) explica como “o nível universal do falar em geral, o nível histórico das

línguas e o nível individual dos textos”. Valoriza-se, assim, a língua em uso de modo a

colocar o concreto como objeto inicial de estudo, do qual se abstrai para outros dois

níveis. Pois, Coseriu (1979, p. 214) entende que pode haver uma “gramática do falar”,

que descreve o ato individual e concreto da linguagem; uma “linguística do texto”, para

tratar de um nível particular, antevendo tanto um estudo do discurso; como uma

“linguística das línguas” em seu nível histórico e, portanto, mais abstrato.

Conclui-se que

Assim, a norma – uso intermediário – estabelece o que é normal,

costumeiro, usual (o permitido: o que se diz) e o que é anormal, por

não ser o costumeiro, o usual (o interdito: o que não se diz) dentro de

uma comunidade linguística. Nesse sentido, a norma é coerciva,

enquanto que a língua não é. (DUARTE, 2001, p. 160)

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Coseriu influiu no modo de Bechara pensar a língua, concernindo numa visão

linguística de universalidade, o que significa que os estudos sobre a linguagem devem

considerar todos os aspectos de seu objeto de estudo: fala, texto, discurso, sistema,

norma. A partir disso, o gramático propõe um estudo descritivo e normativo que

perpassa e responde às correntes linguísticas, sem deixar de ser coerente com a tradição

normativa brasileira.

Outra importante contribuição para os estudos linguísticos, com maior ou menor

influência, foi a caracterização da linguagem, a partir de sua subjetividade. Dentre

tantos significativos estudiosos, ao defrontarmo-nos com o pronome, buscamos em

Émile Benveniste – citado na obra de Evanildo Bechara – uma referência na linguística

do último quarto do século XX. Importa a subjetividade da linguagem, porque revela a

relação das pessoas na produção linguística. Como afirma Guedes (2010, p. 20), “a

partir de Benveniste, está aberto o caminho investigativo para a oposição EU/TU dentro

da teoria linguística”.

Para Benveniste (2005, p. 286), “é na linguagem e pela linguagem que o homem

se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua

realidade que é a do ser, o conceito de ‘ego’”23. Isso significa que a linguagem é o meio

pelo qual o ser humano se compreende conscientemente como aquele que é, e é por

meio dela que se constrói sua própria realidade do ser. A partir disso, compreende-se

que, se a linguagem é subjetiva porque expressa o ‘ego’, esse sujeito se coloca em

relação a um ‘tu’, formando a oposição do EU/TU. Tal oposição revela as pessoas do

ato linguístico, pois afirma Benveniste (id., ibid., pág. 287) que “os próprios termos dos

quais nos servimos aqui, eu, e tu, não se devem tomar como figuras mas como formas

linguísticas que indicam a ‘pessoa’”. Nesse conjunto, aquilo que não é nem eu nem tu

constitui-se como não-pessoa.

Porém, para tomarmos essa relação EU/TU como num ato comunicativo,

voltamo-nos a outra contribuição significativa na Linguística do final do século XX, a

da Teoria da Comunicação, de Roman Jakobson (2010). Para melhor entendermos essa

relação, tomamos do escritor russo sua Teoria, priorizando as funções da linguagem.

Conforme Winch e Nascimento (2012, pp. 221-222):

23 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

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Para estabelecer as funções da linguagem, Jakobson tomou por

referência três funções básicas da língua propostas por Karl Buhler –

função expressiva; função conativa, função de representação -, e

também os fatores constitutivos do ato de comunicação verbal. Como

fatores constitutivos, o lingüista apresenta: 1) remetente (codificador);

2) mensagem; 3) destinatário (decodificador); 4) contexto (ao qual se

faz referência durante a comunicação e deve ser de possível

compeensão ao destinatário); 5) código (deve ser parcial ou totalmente

comum ao remetente e ao destinatário); e, 6) contato (canal físico a

partir do qual se estabelece a comunicação; envolve também uma

conexão psicológica entre remetente e destinatário).

Para Jakobson (2010, p. 156), “o referente envia uma mensagem ao

destinatário”. Isso significa que todo ato comunicativo é atribuído à relação de um ‘eu’

com um ‘tu’, configurando-se como básicos. Nessa perspectiva, importam-nos as

funções da linguagem que se centram nas duas pessoas do ato comunicativo: a função

emotiva ou expressiva, centrada no remetente; e, a função conativa, centrada no

destinatário. Quanto a essa segunda, o estudioso evidencia maior relevância do

vocativo.

Portanto, entendemos o quanto a segunda metade do século XX, tomada política,

social, econômica e culturalmente por grandes transformações, viu prevalecer uma

diversificação considerável dos estudos linguísticos convergentes praticamente apenas

pelo alto grau com que contemplaram a linguagem em uso. Em âmbito nacional, com

introdução da Linguística como um campo autônomo em relação à Filologia, deu-se um

processo progressivo de transformações que culminaria nessa pluralização das vertentes

das ciências da linguagem, a partir da década de 80.

Essa diversificação de tendências da Linguística está no âmbito do advento da

Pragmática que promoveu os estudos da linguagem em seu uso. De maneira paralela à

influência pragmática, que ganharia forma nas gramáticas funcionais, Bechara (2009)

procura em Coseriu um ponto de equilíbrio entre as ideias pré-linguísticas e aquelas

posteriores consideradas linguísticas. Será pelo modelo coseriano das partes da

linguagem, com seu sistema-norma-fala, que encontraremos um fio condutor que

entrelaçará outros importantes contributos para as ciências da linguagem, dentre os

maiores para o estudo dos pronomes aqueles dados por Benveniste e Jakobson.

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3. ANÁLISE DA GRAMÁTICA BARROSIANA: DO

PRONOME E SEUS ACIDENTES

Dada a apresentação do “clima de opinião” em que a Grammatica da língua

portuguesa, que corresponde ao princípio koerniano da Contextualização, voltamo-nos

para o texto quinhentista a fim de caracterizarmos as concepções de João de Barros

sobre pronomes. Atentos às implicações da metalinguagem e partindo das observações

já feitas pelo contexto da obra, assim como às principais referências do autor, a análise

prende-se ao quadro geral da teoria do pensamento linguístico abstraindo-se da

linguística moderna.

Esse momento, como já exposto no início deste trabalho, é denominado por

Koerner (2014) de princípio de Imanência. A imanência, que consiste “em tentar

estabelecer uma compreensão completa do texto linguístico em questão, tanto do ponto

de vista histórico como crítico, talvez até mesmo filológico” (p. 58), leva em

consideração a terminologia adotada pelo gramático e busca apresentar suas concepções

nesse quadro terminológico.

Também vimos que Swiggers (2010), em sua segunda fase entendida como de

análise e interpretação do corpus, entende que a análise de perfil historiográfico

compreende três aspectos: cobertura, perspectiva e profundidade. Nossa análise a seguir

determina-se:

a. Quanto à cobertura: geograficamente, tratando de Portugal;

temporalmente, do século XVI; e, tematicamente, da classe gramatical do

Pronome;

b. Quanto à perspectiva: de caráter interno, de modo a centrar-se nas

questões linguísticas;

c. Quanto à profundidade: apresenta e analisa dados encontrados na

gramática barrosiana.

Para tanto, a análise se volta, no primeiro momento, ao objetivo e à concepção

de Gramática de João de Barros; num segundo momento, à concepção de classes

gramaticais; e, no terceiro, à do pronome e suas variações nomeadamente o pronome

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65

pessoal e o pronome relativo. Consideramos, nesses momentos, as definições

encontradas no corpus e comparamos com a tradição gramatical24

.

3.1 Fundamentos da Grammatica da língua Portuguesa: possíveis

objetivos e concepções linguísticas

A Grammatica da lingua Portuguesa constitui-se pela descrição gramatical

publicada em 1540. Faz parte de uma trilogia de estudos da Língua Portuguesa

composta entre 1539 e 1541. A primeira parte da obra é denominada de Cartinha com

os Preceitos e Mandamentos da Santa Madre Igreja, cujo objetivo central é explanar

um método de alfabetização na língua materna, uma vez que os alunos não tinham um

ensino sistemático de sua própria língua e, depois de aprenderem a ler e escrever,

poderiam aprender latim. A Cartinha também consiste em uma instrução dos

mandamentos da Igreja católica e algumas orações. A terceira é conhecida como

Diálogo em lovvor da nossa lingvagem na qual contém um elogio à educação, à fé e à

língua materna produzida a partir de um diálogo entre o pai e o filho. Tratemos, então,

de situar os objetivos e as concepções de gramática que se depreendem da obra.

A fim de elucidarmos os objetivos da obra, voltamo-nos para os proêmios das

duas primeiras partes dessa trilogia: o proêmio da Cartinha e o da Grammatica.

O proêmio da Cartinha demonstra o intuito inicial de Barros ao escrever sua

trilogia e é endereçada ao príncipe Dom Felipe, falecido antes da publicação da segunda

parte que seria a Grammatica. Nesse proêmio, introduzido por um pensamento que

atribui a Esopo, João de Barros marca sua visão de língua, comparando-a à agricultura.

Em princípio, apresenta a oposição entre as hervas e os produtos agriculturáveis e

afirma ser a terra madre das primeiras e madrásta dos segundos, de forma a considerar

mais fácil aprender uma linguagem que seja própria a aprender aquela que é estrangeira.

O meio, portanto, de se aprender uma língua culta como latim ou grego é aprender a

língua de que se é filho, mas, conforme vai demonstrando, é necessário primeiro tomar

o leite: “ante que se tráte da grammática poerey os primeiros elementos das leteras, em

módo de árte memoratiua” (BARROS, 1539). Com base nesse primeiro proêmio,

entendemos que para o gramático quinhentista há uma íntima relação entre os estudos

24 Referimo-nos tanto à Gramática Latina quanto à Gramática Tradicional de Língua

Portuguesa, ambas sem uma referência específica, mas tomadas de forma genérica.

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da língua e seu ensino, de modo que, antes que se chegue ao ensino da gramática

portuguesa é necessário um caminho de alfabetização.

De modo semelhante, no proêmio da Grammatica, propriamente dita, o

português expõe seu entendimento, reforçando o que já vimos, de que aquela primeira

parte cabe aos “mininos das escolas de ler & escreuer” (BARROS, 1540), de modo a

expressar que a segunda parte serve como “os preceitos da nossa gramatica” como

“fundamêto & primeiros elementos da Grãmatica” (id.,ibid.). Demonstra, assim, que a

obra deve ser seguida como modelo de conhecimento da língua, por se tratar de um

estudo gramatical, diversamente à Cartinha, cujos objetivos são para o ensino de “ler e

escrever” (BARROS, 1540). Apesar de se diferirem quanto ao objeto, ambas são obras

de ensino de língua, deixando claro o objetivo pedagógico da Grammatica.

O método pedagógico da Cartinha se constrói a partir de memorização, de

ilustração e de exemplificação, o que, para Fernandes (2005), pode se considerar um

trabalho “precursor na didáctica moderna”, sobretudo pelas ilustrações. Para

desenvolver seu aspecto bastante pedagógico na Grammatica, Barros (1540, p. 2)

seguirá para uma associação entre as “partes da diçam” (as classes gramaticais) com as

do xadrez, de modo a relacionar o papel das peças com o que denomina de

“Ethimologia dos uocábulos”. Nessa analogia com o xadrez, como o tabuleiro do jogo,

o Verbo e o Nome são considerados “reis”, os quais são acompanhados por suas

‘damas’ que seriam, respectivamente, o “Aduerbio” e o “Pronome”.

Além da analogia que seguirá a obra inteira, Barros (1540, p. 1) apresenta a

preocupação de fazer com que os alunos progridam em escala, do menor para o maior,

da cartinha para a gramática, afirmando que

esta, por ser o primeiro leite de sua criaçam: pareçenos que ficáua esta

sem fundamento nam declarando a ós que uirem esta sómête que na

primeira he o príncipio onde está dedicada ao príncipe nosso Senhor.

Ainda sob a perspectiva de um conhecimento de progressão, das partes para o

todo, o autor referencia sua obra anterior como sendo o meio pelo qual se deve entender

sua Grammatica. Dada essa realidade, a gramática para Barros, não é

predominantemente uma obra clássica de divulgação científica, como muitos

humanistas à época faziam, mas era um manual de ensino de uma língua corrente e

oficial, entretanto, de pouco valor intelectual. Esse ensino de Língua Portuguesa a que

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João de Barros se propõe, portanto, visa a auxiliar num ensino primordial: o ensino do

Latim, mas também do Grego, por meio dos quais se pode alcançar toda a literatura

científica da época. Nesse sentido, o autor cita diversas vezes a Gramática Latina,

ocupando-se de exemplificar as expressões conhecidas da oralidade de Língua

Portuguesa em uma gramática clássica ao aprendente. Faz uso, assim, não somente de

alegorias, mas também de termos técnicos tirados das gramáticas referenciais, latinas e

gregas.

Apesar disso, os “mininos” de Portugal não são o único público da sua

gramática. Barros também se ocupa de um ensino da língua para os povos a serem

conquistados. Assim, entende que, por meio da gramática, “na fala como na escritura,

uenhamos em conhiçimento das tenções alheas” (BARROS, 1540, p. 1). No proêmio da

Cartinha, não ignora que a língua portuguesa é “em Africa & Assia por amos, armas &

leys tam amada & espantosa”, e ainda nessas terras será a língua por meio da qual

“muitos pouos da gentilidade sam metidos em o curral do Senhor” (BARROS, 1539, p.

2). Isso deixa claro que, além de se ensinar gramática da língua portuguesa como meio

de aprendizagem das línguas clássicas, é mister usá-la como instrumento de conquista e

evangelização.

Desse modo, notamos que João de Barros escreve sua Grammatica da Lingua

Portuguesa intuindo o ensino da língua quer para nativos portugueses quer para os

povos a se conquistar. Tal ensino estava imbuído de uma concepção pedagógica de

ensino em progressão, utilizando-se ilustrações (Cartinha), memorização, alegorias e

comparações, além de descrições técnicas (Grammatica)

Com relação às suas concepções linguísticas sobre Gramática, Barros (1540)

afirma que “Nós podemos lhe chamar artefício de paláuras”. Essa expressão retoma em

parte o trabalho gramatical clássico de origem greco-romana, sendo arte a tradução da

téchne grega, termo com o qual se nomeia a gramática de Dionísio de Trácio. Segundo

Neves (2002),

a gramática de Dionísio é uma téchne (arte) porque tem certo grau de

infalibilidade e generalidade, menor que o da epistéme (que seria a

ciência exata, de que são exemplos a astronomia e a geometria) e

maior que o da empeiría (que seria simples exercício e memória).

Há, portanto, um entendimento de gramática como uma ciência lógica,

caracterizada por certa “infalibilidade e generalidade”, ou seja, é racional, embora trate

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de um objeto virtual que é a língua. Dessa maneira, fica entre as ciências exatas e o

conhecimento adquirido por meio de “simples exercício e memória”.

Apenas para compararmos, em linha distinta a Barros, Fernão de Oliveira (1536)

refere-se à sua obra em seu proêmio como uma “notação em alghuas cousas do falar

portugues”, dando a ela ao mesmo tempo um destaque, o de “primeyra”, e uma

modéstia. Esta afirma que se trata “em dizer não tudo mas apontar alghuas partes

necessárias da ortografia”. Tal postura delineia um método mais descritivo, como um

interesse menos pedagógico em relação a Barros, apoiado em uma observação bastante

científica, considerando o modelo de cientificidade da época25.

Nebrija (1492) refere-se a sua gramática como “artefício”. Termo parecido com

o qual Anchieta (1595) nomearia mais tarde sua gramática da língua tupi: “arte”.

Oliveira chega a citar o termo “arte” ao se referir à “natureza dos nossos homes porq

ella por sua võtade busca & tem de seu a perfeyção da arte q outras nações aquirem com

muyto trabalho”. Desse modo, ambos se alinham, em princípio, à tradição gramatical de

origem grega que se firmaria no meio latino e em tempo medieval.

A concepção linguística apresentada também é a de uma gramática normativa ou

prescritiva26. A esse respeito aponta-nos Barros (2001, p. 17):

Das citações apresentadas, três elementos devem ser ressaltados:

a) o caráter pedagógico e prescritivo da gramática;

b) a questão do "uso e da autoridade dos doutos";

c) a obediência aos esquemas da gramática latina.

Ao tratar sua gramática, não do ponto de vista especulativo, o qual entendemos

como meramente descritivo – característica mais marcante a Fernão de Oliveira –, João

de Barros coloca-se na condição de normatizador da Língua. É no seu pensamento

linguístico que o gramático une a necessidade de ensinar didaticamente à concepção de

linguagem com a norma.

25 Conforme afirmamos no capítulo anterior, compreendemos o modelo descrito por Auroux

(2014, p. 36).

26 Ressaltamos que nem o termo “normativa” nem o termo “prescritiva” deve ser compreendido

estritamente à luz da linguística moderna. Norma e prescrição dizem respeito à intenção do

autor de estabelecer um padrão para a língua, seguindo o modelo das gramáticas gregas e

latinas.

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Mais uma vez, vemos em Barros (2001, p. 17) a exemplificação do que para se

caracteriza como um discurso da norma:

A Gramática, por sua vez, fornece, segundo o autor, “os preceitos da

nossa gramática”, mas tem também caráter pedagógico. O termo

gramática é definido como um “modo certo e justo de falar e escrever,

colheito do uso e autoridade dos barões doutos” (p. 1). Diz ainda o

autor que vai examinar a língua “não segundo convém à ordem da

gramática especulativa, mas como requer a perceitiva, usando dos

termos da Gramatica Latina, cujos filhos nós somos, por não

degenerar dela”.

Podemos sintetizar, assim, que a compreensão de gramática que João de Barros

sustenta é a de uma ciência linguística com bases tradicionais voltadas para os gregos e

latinos dos quais formula um modelo, e que descreve um padrão de língua segundo seu

prestígio. De acordo com ele:

Grammatica ȩ uocabulo grægo: quer dizer, ciencias de leteras. E

segundo a difinçám que lhe os grãmáticos derã: e hú modo certo e

iusto de falar, & escreuer, colheito do uso, e autoridáde de barões

doutos. Nós podemos lhe chámar artefíco de palauras, postas ê seus

naturáes lugáres: pêra que mediãte ellas, assy na fála como na

escritura, uenhamos em conhicimento das tenções alheas. (BARROS,

1540, p. 2)

Percebemos, no entanto, o que Buescu (1998, p. 18) afirma como um “cisma

necessário” entre a Gramática e a Filosofia (paradigma clássico) e a Gramática e a

Teologia (paradigma medieval), transformando a Gramática numa ciência autônoma.

Sob tal ótica, não cabe à gramática a reflexão sobre a natureza da linguagem

(perspectiva filosófica), nem sobre sua origem na ‘Criação’ (perspectiva teológica), mas

de esforçar-se em estudar (ciência) as letras a partir da fala e da escrita considerada justa

e certa – aspecto normativo ainda a ser abordado.

Por outro lado, se não há uma categórica afirmação de perspectiva teológica na

obra, não podemos negar que ela esteja permanentemente presente no pensamento

barrosiano de linguagem. Essa religiosidade estaria expressa de diversas formas, quer

nas citações a “sam Bernárdo”, ou na catequese formada posteriormente à apresentação

das “leteras” em sua Cartinha, mas importa-nos a maneira mais impressiva dessa

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religiosidade que se percebe na profundidade do seu texto. Um importante exemplo

disso está, ao longo da definição da classe do Pronome, na sua afirmação de que “Assy

que podemos dizer, ser inuentada esta párte da óraçám pera boa órdem e perfeito

intendimento da linguagẽ”. Há aqui uma clara demonstração de que a linguagem

expressa uma ordem natural e, ainda que de produção humana, possui uma relação com

uma lógica que se supõe ser universal. Assim, compreendemos as expressões “órdem” e

“perfeito intendimento”, como de uma lógica a ser entendida à luz da religiosidade

presente e marcante nos escritos de João de Barros. Seguindo esse raciocínio, há um

entendimento de um mundo naturalmente ordenado no ato criador de Deus e, do qual, o

homem é um colaborador de livre-arbítrio (colaboração expressa no termo “inuentada”).

Desse modo, temos apresentado a Grammatica da lingua Portuguesa como parte

de uma trilogia que envolve: a Cartinha, a Grammatica e os Diálogos. Tratamos de

apontar a preocupação pedagógica em que se insere a obra e do como João de Barros

compreende o ensino de modo processual e com vistas ao Latim. Por fim, apontamos a

concepção de Gramática do autor dentro de uma tradição greco-latina e com um caráter

normativo do papel de sua obra em relação à Língua Portuguesa.

3.1.2 Partes da Grammática da Lingua Portuguesa

A Grammatica da Lingua Portuguesa é formada por uma introdução de

“difinçám da grãmatica” (BARROS, 1540, p. 2) seguida de quatro partes que consistem

em Ortografia, Prosodia, Ethimologia e Syntaxis. Explicaremos o que seriam cada uma

das quatro partes antes de voltarmo-nos para aquela em que se enquadra o pronome.

A Ortografia, intitulada de “Das leteras”, é a parte da gramática que, segundo o

autor, “trata da letera” (BARROS, 1540, p. 3). Nessa parte, João de Barros define a

letra como “amais pequena párte de qualquer diçám que se póde escrever: aque os

latinos chamáram nóta, e os gregos carater, per cuia ualia e poder formamos as

palàuras”. Entendemos, a partir disso, que o autor compreende a letra como uma parte

da diçam, ou seja, da fala, não se distinguindo dela. Procura, além disso, diferenciar a

Língua Portuguesa daquelas em que se baseia, de modo a assumir um termo próprio do

vernáculo, uma vez que poderia, tranquilamente, adotar os termos “nóta” ou “carater”.

A Prosodia corresponde ao estudo da “syllaba” que, segundo Barros (1540, p. 4)

é o “aiũntamẽto de hũa uogal, cõ hũa e duas e as uezes tres cõsoantes, que iũtamente faz

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ẽ hũa só uóz. Nessa parte, o autor ocupa-se de explicar o número de letras, o tempo

sonoro de cada sílaba e ainda cita os acentos, discernindo a altura das vogais.

A quarta parte é denominada de Contrviçam, ou Syntaxis, que trata da

“cõueniẽçia antre as partes, póstas ẽ seus naturáes lugares” (BARROS, 1540, p. 30). Em

outras palavras, trata da ordem dos termos na frase e, segundo o gramático, “dvas

cousas aquȩcem á contruiçam: concordánçia, e regimento”. Nessa parte, João de Barros

descreve a concordância e a regência: do adjetivo em relação ao substantivo; dos

relativos com seus antecedentes; da preposição em casos genitivo, dativo e ablativo; das

conjunções, em que distingue duas espécies que se denominam copulativa e disjuntiva,

embora considere haver outras.

A Gramática também se estende às figuras de linguagem, descrevendo-as em

longa lista, pelo uso de termos que ora retomam os gregos, ora retomam os latinos. Por

fim, a Gramática faz uma descrição das letras para distinguir uma a uma,

complementando a parte da Ortografia.

Quanto à parte Da Diçam, terceira pela ordem, João de Barros (1540, p. 4) a

define como “a que os latinos chamam, Ethimologia, que quer dizer naçimẽto da diçã”.

O autor faz uma referência aos estudos da origem das palavras, mas não a faz e afirma

que “se quiseßemos buscar o fundamento e raiz donde ueȩram os nóssos uocabulos,

seria ir buscar as fõtes do Nilo”27. Em vez disso, aplica-se a classificar as partes da

“diçam” ao que corresponde em termos atuais das classes gramaticais. Entendemos a

“diçam”, que no português atual seria “dicção” ou “dizer”, o discurso de modo que as

classes gramaticais estariam relacionadas com suas origens etimológicas, para

estabelecer-se, assim, seu significado.

João de Barros considera haver, na Língua Portuguesa, nove partes da “diçam”.

Ainda no início de sua gramática, Barrros (1540, p. 2) afirma: “Assy que podemos da

quy entẽder, ser anóssa linguagem cõpósta destas noue pártes: Artigo, que ȩ próprio dos

Grægos e Hebreus, Nome, Pronome, Vȩrbo, Aduȩrbio, Partiçipio, Cõiunçam,

Preposiçam, Interieçam, que tem os latinos”. Dessa maneira, ele inclui o adjetivo no

Nome.

27 Importa recordarmos que, até então, não eram conhecidas as nascentes do Rio Nilo,

descobertas pelos ingleses no século XIX.

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Assim, o Pronome está na parte Da diçam na Grammatica da lingua

Portuguesa.

3.2 Do Pronome e seus acidentes

Para João de Barros (1540, p. 15), o Pronome é “hũa párte da óraçám que se

põem em lugár do próprio nome: e por isso dissemos que era cõiuta a elle per

matrimónio, e da quy tomou o nome”. O que leva a entender que o pronome consiste no

termo usado no lugar de substantivos e que é assim classificado por sua relação com o

substantivo, também chamado de “nome”.

A definição do pronome como o substituto do nome é a mesma usada por

Dionísio de Trácio. De acordo com Bassetto (1998, p. 74) a “palavra latina

correspondente, e através dela a das línguas ocidentais, é um simples decalque do termo

grego: = pro, ‘em lugar de’ e = nomen, donde ‘pronome’”. Na esteira da

tradição gramatical ocidental, Barros entende que o pronome serve como substituto do

nome. Mais que isso, o autor não problematiza o termo, nem oferece outra

nomenclatura, mantendo seu objetivo pedagógico de fazer com que o leitor de sua

Grammatica assimile e memorize da maneira mais fácil possível.

Após a definição, João de Barros (1540, p. 15) exemplifica o termo com a

oração “Eu escreuo esta Grãmática pera ty”, indicando quais seriam os pronomes do

período e seus substantivos correspondentes

Esta párte, eu, se chama, Pronome: aquál básta pera se entender oque

disse, sem acreçetár o meu próprio nome Ioam de Bárros, em cuio

lugár serue. Esta, também e Pronome da Grãmática: Ty, está em lugár

de António como se dissese: Eu Ioam de Bárros escreuo esta

Grammática pera ty António. Etirando cada nome destes o seu

Pronome: dizendo Ioam de Bárros escreuo Grãmática pera António.

Fica esta linguágem imperfeita.

Indica, no exemplo, então, dois pronomes pessoais (Eu e ty) e um demonstrativo

(esta). Sendo Eu = Ioam de Barros, primeira pessoa do discurso; ty = António (filho

caçula do rei D. João III); e, esta = Grammática. O pensamento que se depreende dos

exemplos, somados à definição terminológica, expressa a tradicional interpretação dos

pronomes como aquele que substitui o nome. Barros não se preocupa em explicar como

o pronome “esta” substitui o termo “Grammática”, sendo que este permanece expresso.

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Quer por razões pedagógicas, quer por uma postura conservadora, a primeira gramática

da língua portuguesa não oferece uma problematização da definição de Pronome e se

atém aos exemplos que oferecem simplicidade à significação.

Apenas para citar uma possível confusão entre os tipos de pronomes, João de

Barros (1540, p. 15) soma aos demonstrativos os pronomes pessoais da primeira e

segunda pessoa do singular, afirmando: “Eu, nós, tu, uós, este, estes, sam demõstratiuos:

por q cásy demóstrã a cousa, per semelhante exẽplo. Este liuro ȩ do principe nósso

senhor”. Isso indica uma visão pela qual esses são considerados pronomes

demonstrativos, porque seus referentes encontram-se no momento da fala, ou seja, os

objetos de significação estão diante do locutor ou do interlocutor. Assim, João de Barros

parece não distinguir os pronomes pessoais dos demonstrativos como diferentes

classificações e, em vez disso, pressupõe a característica de demonstração à função do

pronome. De modo semelhante, considera o pronome “Elle, esse cõ seus pluráles” como

relativo, pois faz “relaçã e lẽbrança da cousa dita”, o que compreendemos ser uma

referência dentro do discurso, ou seja, que não tem um referente no momento da fala.

Apesar disso, o autor também aceita que “Elle” tem como principal ofício a função

demonstrativa.

João de Barros (1540, p. 15) considera haver seis “açidẽtes” no pronome que

seriam: Espȩçia, Genero, Numero, Figura, Pesoa, e Declinaçã per cásos”. Os acidentes

são características próprias dos pronomes, correspondendo às formas múltiplas que

estes têm, mas não subclasses, de modo que um pronome pessoal, por exemplo, possa

ser de espécie primitiva, em número singular, estando no caso ablativo.

Com relação à “espȩçia” (p. 15), o autor afirma serem de dois tipos que seriam o

primitivo e o derivado. Os pronomes primitivos são “eu, tu, sy, este, esse, elle”,

enquanto os derivados são “meu, teu, seu, nósso, uósso”. Ao que indica, Barros

considera que aqueles são formas primitivas dos quais derivariam esses, sem considerar

os casos de declinação, ou mesmo diferenças de gênero, número figura ou pessoa.

Ainda que ele classifique os pronomes “meu, teu, seu, nósso, uósso” como possessivos.

Isso demonstra o quanto não devemos entender os acidentes a que o autor se refere

como classes de pronomes, mas como características de que dispõem.

Quanto à “figura” (p. 15), considera as distinções entre “simplex” e “compósto”.

Sendo simples as preposições eu, tu, este e esse, e compostas as primeiras

acompanhadas do termo “mesmo” – eu mesmo, tu mesmo; e as palavras “aqueste e

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aquesse”. Sendo “aqueste e aquesse” formas equivalentes a “aquele”, mais comum ao

português contemporâneo.

Quanto a gênero, pessoa e número, João de Barros (1540, p. 16) afirma que os

pronomes da língua portuguesa possuem “qvátro gêneros”: masculino, feminino, neutro

e comum de dois (portanto, poderiam ser masculino e/ou feminino). Dessa maneira,

seguindo seu exemplo, “este” é masculino, “esta” é feminino, “isto” é neutro e os

pronomes “eu, tu, de sy” são exemplos de pronomes comuns de dois. Quanto às

pessoas, “sam tres” que conforme a explicação do autor são: primeira, quem fala;

segunda, a quem se fala; e, terceira, de quem a primeira fala. Quanto ao número, dois:

singular e plural.

Quanto às pessoas, destacamos sua relação direta com o ato da “fala”, ato

destacado pelo gramático, pois há: o que fala, aquele a quem se fala e aquele de quem se

fala. Ora, esta preocupação com o ato de falar indica seu caráter presencialista de quem

se ocupa de uma língua não engessada, mas daquela que se ouve e que carece de uma

arte, técnica por meio do qual será explicada e ensinada. Em relação ao número,

destacamos o fato do gramático considerar o pronome “nós” plural de “eu”, indicando

considerar que aquele pronome plural assume a primeira pessoa do discurso garantindo

assim sua relação com este pronome singular.

Por fim, tratemos do que João de Barros (1540, p. 16) indica serem os “cásos”.

Recordamos que os casos são elementares da gramática latina e levam em consideração

a função da palavra na sintaxe simples, sendo considerados para os pronomes o

nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo. Em conformidade com a

tabela apresentada pelo autor, formulamos esta:

PRIMEIRA PESSOA SEGUNDA PESSOA TERCEIRA PESSOA

Singular Plural Singular Plural Singular Plural

Nominativo EU NÓS TU VÓS Carece

Genitivo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS DE SI

Dativo A MIM A NÓS A TI A VÓS A SI

Acusativo ME NÓS TE VOS SE

Vocativo Ó EU Ó NÓS Ó TU Ó VÓS Carece

Ablativo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS DE SI

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Destacamos de sua declinação, primeiramente o quanto a primeira gramática da

língua portuguesa tinha a gramática latina como parâmetro, pois, os casos em latim

eram fundamentais para a compreensão e formação das orações, em distinção às línguas

neolatinas, cuja formação não dependia das declinações para serem entendidas, mas da

ordem sintática e das preposições.

Em suma, podemos dizer que apenas havia alterações na primeira e na segunda

pessoa, entre o nominativo – caso do Latim que equivale à função sintática do sujeito na

Gramática descritivo-normativa – e o acusativo – equivalente ao objeto direto. Nos

demais, eram as preposições ‘de’ e ‘a’ que marcavam os casos, sendo isto reconhecido

pelo próprio João de Barros (1540, p. 16), ao afirmar que há variação de significado em

vista do uso das preposições. Vemos, por exemplo, que não há distinção na tabela

barrosiana nas formas dadas pelo genitivo, comum aos adjuntos adnominais que

indicam restrição ou posse, pelo dativo, comum aos objetos indiretos, e pelo ablativo,

comum aos adjuntos adverbiais. Assim, podemos notar dois tipos de ‘cásos’ como são

entendidos na Grammática, aqueles que são acompanhados de preposição e os que não

são acompanhados de preposição.

CASOS SING. PLURAL SING. PLURAL

Nominativo EU NÓS TU VÓS

SEM PREPOSIÇÃO Acusativo ME NOS TE VOS

Genitivo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS

COM PREPOSIÇÃO Dativo A MIM A NÓS A TI A VÓS

Ablativo DE MIM DE NÓS DE TI DE VÓS

O uso da preposição para indicar os casos foi a forma encontrada por João de

Barros para explicar como algumas declinações comuns à Língua Latina se encontram

na Língua Portuguesa. As gramáticas de línguas neolatinas abandonariam mais tarde a

fórmula dos casos, mas o gramático humanista, em vez disso, formula uma

reapresentação desses e encontra os mesmos casos a que estava acostumado na Língua

Latina em sua Língua Portuguesa. Se considerarmos o ambiente linguístico de

superação do dilema entre analogistas e anomalistas, entendemos que para Barros não

bastava dizer que havia carência na sua língua pátria, mesmo podendo valorizar sua

diferenciação, em outra linha garante uma analogia e responde com observação

realística à anomalia.

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Esse fenômeno de abundância de preposições, de fato ausentes na Língua Latina,

é marcante quando são apresentados os casos. Sem eles, parece-nos normal que para

cada função, a palavra seja acompanhada de um termo prepositivo, embora saibamos

que as razões estruturais variam, caso de regência, ou caso de complemento nominal, ou

mesmo adjunto adnominal. Não ignoremos também os diferentes sentidos que uma

mesma preposição pode dar. Para aquele momento, as declinações expressavam essa

diversidade em relação os latinos.

Em tese, mudam-se as palavras nas pessoas pronominais apenas em três

oportunidades em conformidade com sua função sintática que seriam:

NOMINATIVO ACUSATIVO CASOS COM PREPOSIÇÃO

EU ME MIM

TU TE TI

NÓS NOS Não muda em relação ao nominativo.

VÓS VOS Não muda em relação ao nominativo.

Enfim, as variações dos termos pronominais que podemos indicar a partir das

explanações de João de Barros são: eu > me > mim; tu > te > ti; nós > nos; vós > vos.

Embora, o autor não tenha depreendido essas como variações por caso, uma vez que,

notando não haver desinências, conclui que há somente variações em singular e plural.

Quem nos indica tal concepção é Buescu (1978, p. 63), quando afirma que o gramático

português se não discerniu, pressentiu, certas “inovações românicas”, entre as quais, o

“desaparecimento da declinação”.

Quanto ao caso vocativo, como não há uma mudança na forma entre este e o

nominativo, João de Barros encontra na interjeição “ó” o meio de expressar o caso

característico da Língua Latina. Mais uma vez, percebemos o esforço de se enquadrar a

Gramática da Língua Portuguesa nos moldes da Gramática do Latim.

Por outro lado, chama a atenção o trato dado à terceira pessoa. Apontado como

um pronome relativo e demonstrativo, o termo “Elle” não é referenciado como o

nominativo da terceira pessoa. Na sua primeira explicação, afirmou que “Eu”

substituiria a palavra “Ioam de Barros”, tanto quanto “ty” substituiria o nome do

príncipe “Afonso”, de modo que tanto “Eu” quanto “ty” seriam pronomes. Mas, em

nenhum momento se referiu ao pronome “Elle” como um substituto de um sujeito.

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Igualmente, Nebrija (1496), em seu Quinto livro, apresenta as declinações dos

pronomes em terceira pessoa a partir do segundo caso, e omite o primeiro.

A razão disso é, certamente, o fato de as gramáticas latinas também não

contarem com um nominativo para pronomes da terceira pessoa. Isso não exclui, do

nosso ponto de vista, que a mentalidade clássica já antevia as distinções entre pessoa e

não-pessoa, de modo a conceber que haja um “eu”, o que fala, tanto como há um “tu”,

aquele a quem se fala, mas o outro pode ser qualquer coisa, ou qualquer um, e, portanto,

não se configura como pessoa.

Assim, os casos para pronomes da terceira pessoa seriam apenas o genitivo, o

dativo, o acusativo e o ablativo. Variam suas formas entre “se” e “si”, sendo esta última

sempre acompanhada de preposição, enquanto aquela, em conformidade com as

declinações da primeira e da segunda pessoa, não são acompanhadas de preposição.

Além disso, a terceira pessoa não encontra variação de número em suas formas,

enquadrando-se melhor ao que Barros considera como “comum de dois”.

Depois das declinações dos pronomes pessoais, seguem-se as declinações dos

pronomes possessivos. Antes de apresentar sua tabela de declinações, João de Barros

define os possessivos como “aietiuos”, e entende que suas declinações derivam das

declinações dos pronomes pessoais de caso genitivo.

Expomos as tabelas dos possessivos, conforme apresentado na gramática em

estudo, na ordem das pessoas: primeira, segunda e terceira. No mesmo molde dos

pessoais, adaptamos a escrita quinhentista. Assim, seguem as tabelas:

Primeira Pessoa

CASOS SINGULAR PLURAL

Nominativo MEU MINHA NOSSO NOSSA

Genitivo DE MEU DE MINHA DE NOSSO DE NOSSA

Dativo Á MEU Á MINHA Á NOSSO Á NOSSA

Acusativo MEU MINHA NOSSO NOSSA

Vocativo Ó MEU Ó MINHA Ó NOSSO Ó NOSSA

Ablativo DE MEU DE MINHA DE NOSSO DE NOSSA

Segunda Pessoa

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CASOS SINGULAR PLURAL

Nominativo TEU TUA VOSSO VOSSA

Genitivo DE TEU DE TUA DE VOSSO DE VOSSA

Dativo Á TEU Á TUA Á VOSSO Á VOSSA

Acusativo TEU TUA VOSSO VOSSA

Vocativo Ó TEU Ó TUA Ó VOSSO Ó VOSSA

Ablativo DE TEU DE TUA DE VOSSO DE VOSSA

Terceira Pessoa

CASOS SINGULAR PLURAL

Nominativo SEU SUA SEUS SUAS

Genitivo DE SEU DE SUA DE SEUS DE SUAS

Dativo Á SEU Á SUA Á SEUS Á SUAS

Acusativo SEU SUA SEUS SUAS

Vocativo Carece Carece Carece Carece

Ablativo DE SEU DE SUA DE SEUS DE SUAS

As disposições dos pronomes possessivos em Barros (1540) assemelham-se aos

pronomes pessoais quanto às declinações. Dessa vez, no entanto, não indica o vocativo

da terceira pessoa, tanto plural quanto singular. Segundo o entendimento do autor, já

exposto, os pronomes possessivos seriam adjetivais, de modo que variam de número e

de gênero (masculino/feminino/comum de dois), conforme o substantivo com o qual

concorda. Os possessivos derivariam dos pronomes pessoais, especificamente do caso

genitivo, assim, fica a impressão de que a associação entre o possessivo e o genitivo está

na função de posse que ambos compartilham. Assim, contrasta com a Gramática Latina,

o gramático entendeu haver o vocativo para os possessivos da segunda pessoa do

singular (ó teu, ó tua), na mesma linha de Nebrija (1496).

Além disso, na tabela de Barros (1540), parece haver uma confusão na

concordância dos pronomes possessivos uma vez que este indica a terceira pessoa do

plural caracterizada pelo ‘s’ final, em distinção ao singular. Como sabemos, o pronome

pessoal concorda com o objeto possuído, a partir do que, a caracterização do possuidor

advém de uma derivação do pronome pessoal.

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Quanto aos pronomes relativos, o autor mantém as declinações e diferencia entre

os que considerava propriamente relativos e os interrogativos, sendo ambos

considerados relativos. Segue a tabela de declinações:

Interrogativos

SINGULAR PLURAL

Nominativo QUEM QUAL QUAIS

Genitivo DE QUEM DE QUAL DE QUAIS

Dativo A QUEM A QUAL A QUAIS

Acusativo QUEM QUAL QUAIS

Ablativo DE QUEM DE QUAL DE QUAIS

Relativos

SINGULAR PLURAL

Nto QUE O QUAL A QUAL QUE OS QUAIS AS QUAIS

Gto DE QUE DE QUAL DA QUAL DE QUE DOS QUAIS DAS QUAIS

Dto Á QUE AO QUAL Á QUAL A QUE AOS QUAIS AS QUAIS

Acto QUE O QUAL A QUAL QUE OS QUAIS AS QUAIS

Ablto DE QUE DO QUAL DA QUAL DE QUE DOS QUAIS DAS QUAIS

Barros (1540, p. 35) destaca em sua “Constrviçam” o quanto os relativos

dependem de uma concordância de gênero, número e pessoa com seu “anteçedente”.

Exemplifica: “como eu amo os moços os quáes fólgam de aprender”. O gramático

ressalta a importância do artigo na definição dos “acidẽtes” gênero e número, que no

caso estabelecem a concordância para plural e masculino.

Tamanha é a proximidade entre os nomes e os pronomes na concepção de Barros

(1540), que o autor não cita os relativos em sua “Constrviçam” como pronomes e sim

como “nomes relativos”. Ao que indica, não o faz por considerar os relativos

substantivos ou mesmo adjetivos, mas por sua natureza “matrimonial” com o nome.

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A Grammática da Lingua Portuguesa é coerente aos seus objetivos em sua

apresentação dos pronomes, pois, oferece uma descrição simples, com referências

clássicas.

A simplicidade com que descreve a Língua é perceptível nas afirmações

categóricas dos termos e nas exemplificações imediatas quando há. Essa dinâmica

decorre tanto de seu objetivo pedagógico, uma vez que intenta o ensino da Língua

Portuguesa para jovens nativos e para estrangeiros, quanto de seu caráter normativo28.

As referências clássicas são consequência do espírito da época que valorizava

sobretudo o Latim como língua das ciências, mas também como língua da Igreja. Aqui,

podemos distinguir o interesse humanístico de um ensino cuja finalidade é oferecer aos

jovens o acesso a todo patrimônio cultural do Ocidente, de um segundo interesse mais

catequético, cujo objetivo é garantir o acesso ao culto e aos textos sagrados católicos,

distanciando-se do movimento protestante que abraçava as línguas vernáculas em seus

textos sagrados e em seus cultos.

Ao observar as definições e mesmo os exemplos da primeira gramática da língua

portuguesa, não podemos nos prender às classificações modernas. O melhor – e quase

exclusivo – parâmetro seriam as gramáticas medievais da Língua Latina. A

compreensão de pronomes em João de Barros obedece aos princípios gramaticais de

tradição, formulando uma analogia dos termos das línguas clássicas equiparando-os aos

da sua própria. Em nenhum momento que descreve os pronomes da Língua Portuguesa,

Barros apresenta alguma realidade de sua língua que não encontre paralelo no Latim, ou

por semelhança ou por dessemelhança.

28 Consideremos o aspecto normativo do modo como descrevemos e explicamos os objetivos da

Gramática como está no início do 3º capítulo.

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4. ANÁLISE DA MODERNA GRAMÁTICA: DOS

PRONOMES

Realizada a análise dos pronomes, conforme descritos na Grammática da lingua

Portuguesa, a qual corresponde ao princípio da Imanência, já descrito, voltamo-nos para

a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, mais precisamente ao capítulo

Dos Pronomes. Escolhida como exemplar moderno dos estudos linguísticos sobre o

pronome, em atenção às concepções linguísticas que entendemos serem importantes

para a sua compreensão, a gramática da virada para o terceiro milênio vem oferecer-nos

um contraste das perspectivas mais atuais dos pronomes em relação àquelas do século

XVI.

Como vimos, o terceiro princípio é aquele em que “o historiógrafo pode

aventurar-se a introduzir aproximações modernas do vocabulário técnico e do quadro

conceptual apresentado na obra em questão” (KOERNER, 2014, p. 60). Chamado de

‘princípio de adequação’, trataremos das contribuições históricas da obra de João de

Barros, comparando-as às terminologias contemporâneas de Evanildo Bechara.

Esse momento estabelece-se em conformidade teórica à terceira fase do estudo

historiográfico apresentada por Swiggers (2010, p. 2). Na terceira, fase realiza-se uma

“síntese histórico-comparativa, em direção a uma hermenêutica historicamente

fundamentada do conhecimento/knowhow linguístico”. Dessa forma, a Moderna

Gramática é tomada como exemplar do conhecimento linguístico atual, por meio do

qual faz-se uma síntese comparativa com a Grammática da lingua Portuguesa.

Para isso, faremos uma descrição e uma análise da gramática de Evanildo

Bechara, em sua 37ª edição de 2009 revisada, ampliada e adequada ao Acordo

Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Para compreendermos essa obra, iremos aos

seus prefácios – tanto o da primeira quanto da 37ª edição –, pelos quais observaremos

seus possíveis objetivos. Depois disso, daremos importância à parte da Teoria

Gramatical, pois explica as concepções e as expressões gramaticais adotadas ao longo

de todo o trabalho. Dadas essas disposições, trataremos dos pronomes pessoais, dos

possessivos e dos relativos numa análise comparativa em relação à obra barrosiana.

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4.1 Fundamentos da Moderna Gramática Portuguesa: possíveis

objetivos e concepções linguísticas

No prefácio da 1ª edição da Moderna Gramática Portuguesa, de 1961, Bechara

(2009, p. 21) aponta para o principal intento ao escrever sua obra: “levar ao magistério

brasileiro, num compêndio escolar escrito em estilo simples, o resultado dos progressos

que os modernos estudos da linguagem alcançaram no estrangeiro e em nosso país”.

Assim, o gramático brasileiro define o público principal, os professores, ao qual é dado

tanto o adjetivo de ‘colegas’, indicando proximidade, quanto o substantivo ‘magistério’,

o que nos faz concluir que se trata do professorado de ensino superior, do qual o próprio

Bechara faz parte. Além do público, apresenta-se um diferencial a fim de se justificar a

obra: a contribuição dos então recentes estudos linguísticos.

No prefácio da 37ª edição, Bechara (2009, p. 19) expressa que a obra, apesar de

atualizada e revisada, tem os “mesmos propósitos”, além de se dirigir aos mesmos

“colegas de magistério”. Entretanto, para atender aos mesmos objetivos, a atenção ao

estado mais atualizado das ciências linguísticas torna essa edição singular. Se, no

prefácio da 1ª edição, confessa ter de assumir termos que faltam na NGB, o que indica

as próprias novidades de seu trabalho, na 37ª, o autor entende que as linhas teóricas que

adota em seu trabalho podem favorecer uma “reformulação da teoria gramatical”.

Desse modo, não podemos entender a Moderna Gramática – em qualquer edição

– senão como um trabalho ocupado, ao mesmo tempo, com sua função pedagógica e

com seu caráter científico no ambiente das pesquisas linguísticas. Por isso, é uma

gramática descritiva e normativa e em conformidade tanto com a tradição gramatical29

quanto com as inovações teóricas da linguagem.

Bechara (2009, p. 28) inicia sua “Teoria Gramatical” com uma definição de

linguagem que, para ele, é “qualquer sistema de signos simbólicos empregados na

intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos, isto é,

conteúdos da consciência”. A expressão “qualquer” pode pressupor uma totalidade de

casos, dos quais todo sistema de signos simbólicos empregados para uma

29 Bechara (2009, p. 39) refere-se à “gramática tradicional” diversas vezes. Entendemos que

essa referência diz respeito à tradição gramatical que vigorava até a fase diversificada, do

período linguístico.

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intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e sentimentos seria

linguagem, mas o autor usa o termo para se referir ao conjunto mais ou menos estável

de realidades que se caracterizam dessa forma. A definição abarca ao mesmo tempo os

conceitos de subjetividade da linguagem quanto da intersubjetividade. Sua percepção de

linguagem como “conteúdos da consciência” faz-se eco à ideia de Benveniste (2005, p.

286) de que é por meio da linguagem que o ser humano assume um ‘eu’. Por outro lado,

quando se refere aos “signos simbólicos” e à intercomunicação social, remete-nos às

concepções de Jakobson (2010, pp. 156-158) de código e das funções da linguagem

submetidas à comunicação. Entretanto, é no termo “sistema” que o autor condensa sua

definição, transmitindo a ideia de estrutura, afinal, a linguagem é um processo mais ou

menos organizado, o que conforma sua perspectiva àquilo que Benveniste (2005, p. 22)

considera como princípio fundamental da linguística moderna, o fato de que “a língua

forma um sistema”.

Nesse quadro, a língua é a linguagem por excelência. Bechara considera

“língua” a formação histórica de certas comunidades, a partir de um sistema de

“isoglossas”, ou seja, uma estabilização de características de linguagem comuns a um

espaço geográfico. Em outras palavras, a língua é a linguagem de uma determinada

comunidade historicamente formada, conceituação que corresponde àquilo que Coseriu

(1979) considera “sistema normal” de que tratamos. Assim, quando o autor se dispõe a

apresentar uma gramática moderna da Língua Portuguesa, tem para si

fundamentalmente a caracterização da Língua como um sistema normal de símbolos

próprio de uma comunidade historicamente definida, que expressa conteúdos de

consciência em função de um outro.

Sua concepção de língua/linguagem compreende não um conjunto ideal de

expressões simbólicas, mas uma realidade de três planos e três níveis. Tais planos são:

universal, correspondente ao todo expressivo da linguagem; histórico, concernente à

linguagem normalizada em determinado espaço/tempo, ou às línguas; e, individual,

quanto ao ato comunicativo que se expressa no texto. Os níveis consistem em: falar

geral, que indica a competência de se expressar a partir de “congruências em relação aos

padrões universais” (BECHARA, 2009, p. 33); falar idiomático, tratando-se da

competência de se expressar em uma língua particular; e, falar individual que é o ato da

fala.

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Ao citar o ato da fala, o autor utiliza-se do termo “texto”30, que constitui a

concretude do uso da linguagem. É, finalmente ao texto, ao ato comunicativo, que

Bechara (2009, p. 33) atribui um saber técnico, gramatical. Não estamos, obviamente,

tratando de uma gramática de texto e, sim, da competência individual de usar os

recursos sistêmicos da linguagem (como um todo) e de uma língua particular.

Essas competências próprias do falar revelam os “planos de estruturação”

próprios de uma língua funcional, tida como “uma realidade linguística idealmente

homogênea e unitária” (BECHARA, 2009, p. 38). Os planos de estruturação são a

expressão tripartite de Coseriu (1979) ampliada para mais um aspecto coerente aos

estudos do teuto-romeno que expressam um certo sistema comum às línguas do mesmo

tipo. Essa compreensão dos planos de estruturação de uma linguagem funcional,

portanto, são: fala, a realização da linguagem, mais ou menos condizente à parole

saussuriana; norma, que diz respeito àquilo que se estabelecera como normal em uma

determinada língua; sistema, condizente à estrutura funcional da linguagem que

expressa, na forma ou no conteúdo, uma lógica particular do idioma, associável à

langue saussuriana; tipo linguístico, já citado, corresponde às ocorrências comum e

incomum de um mesmo grupo de línguas, formando o plano mais abstrato da

estruturação.

Assim, a gramática pode ser descritiva, normativa, geral, comparada, histórica e

histórica interna. Quanto às gramáticas históricas, Bechara (2009, p. 56) entende que há

aquela ocupada em realizar um estudo diacrônico de uma língua funcional31, por outro

lado, há aquela que se ocupa de estudar os aspectos diacrônicos de uma língua histórica.

No que tange à gramática comparada, entende que realiza a comparação entre línguas

com algum “parentesco” (Id., Ibid., p. 56). No que diz respeito à gramática geral, estuda

aqueles “fundamentos teóricos dos conceitos gramaticais” ou os “fatos gramaticais

comuns” às línguas (Id., Ibid., p. 55).

A Moderna Gramática Portuguesa assume-se como uma gramática descritiva e

normativa. No Prefácio da 37ª edição, Bechara (2009, p. 19) afirma ter se atualizado “no

30 Em tabela apresentada na página 36 de sua Moderna Gramática Portuguesa (2009) para a

sistematização das explicações dadas nas páginas anteriores, Bechara utiliza o termo “discurso”

como atividade linguística (enérgeia). Apesar disso, ao tratar das atividades da linguagem em

seus diferentes planos utiliza o termo “texto”, supomos que para diferenciar a atividade do

produto. 31 O sentido de língua funcional aqui é o mesmo do autor (BECHARA, 2009, p. 38), já tratado.

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plano teórico da descrição do idioma” e por trazer fatos gramaticais apresentados por

outros estudiosos “à orientação normativa”. Por isso, ao tratar das diferentes formas de

gramática, Bechara explana mais longamente sobre os tipos descritivo e normativo.

Entende como gramática descritiva aquela “que registra e descreve” o sistema de

uma língua. Para compreendermos essa conceituação, precisamos estar atentos à

distinção de sistema, que não se configura aos usos costumeiramente assumidos como

exemplares, mas às condições de funcionalidade estrutural da língua, no que tange a sua

forma ideal, a língua funcional. Segundo o autor da Moderna Gramática, tal estudo tem

um caráter científico, por isso, esta se reveste de uma metodologia, a fim de examinar

de modo isento. Esse exame deve elucidar os aspectos fonético-fonológico,

morfossintático e léxico. Fica claro, o quanto Bechara distingue seu papel na construção

de uma gramática, a partir de uma atividade científica. A compreensão do termo

“científica” dá margem à compreensão de estudo de um objeto específico, por meio de

um método igualmente específico, de modo a sobrelevar a observação em detrimento

dos juízos de valor.

Entretanto, sua gramática não se restringe à atividade descritiva, assumindo

também um caráter normativo. Bechara (2009, p. 52) entende que a finalidade de uma

gramática normativa é pedagógica, o que compreende oferecer àqueles que estudam a

Língua Portuguesa uma “exemplaridade idiomática” para “circunstâncias especiais do

convívio social”. Como exemplaridade idiomática, entendemos um conjunto de

realidades de uso linguístico que, a partir daquela normalidade à qual nos referimos,

tornam-se típicas das relações sociais envoltas em grau de formalidade. Mas, como

devemos tomar como exemplar algum modelo de expressão da língua? O tom

conservador de Evanildo Bechara se expressa na escolha dos “escritores corretos e dos

gramáticos e dicionaristas esclarecidos”. Isso remete, certamente, àqueles trabalhos que

contam com o prestígio social.

Concluímos, assim, que, em vista de um propósito que mescla tanto a divulgação

científica quanto a promoção pedagógica, Evanildo Bechara concebe sua gramática à

luz da Linguística moderna, sem perder as importantes referências tradicionais de

estudo da Língua Portuguesa. A partir das perspectivas modernas da língua, entende a

linguagem como expressão da consciência de função intercomunicativa, ou seja, acolhe

a compreensão de que a linguagem é fruto e meio de consciência de um ‘eu’ que se

contrapõe a um ‘tu’, de um remetente que envia uma mensagem a um destinatário.

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De modo mais abrangente, o gramático parte das perspectivas de níveis da

linguagem e de sua realidade tripartida – Sistema, Norma e Fala – para descrever um

“sistema funcional” e apresentar seu modelo exemplar, sem ignorar a realidade mais

concreta da língua: o texto. Assim, distingue sua obra como descritiva e normativa,

enfatizando uma metodologia científica e atualizada ao tempo que conserva os aspectos

mais prestigiados da língua portuguesa.

Comparativamente, quanto às perspectivas gramaticais de Barros (1540) e

Bechara (2009), apesar do tempo que os distancia, mantêm-se algumas características

similares. Ambos se preocuparam com a função pedagógica da gramática; ambos

respeitaram os modelos de suas tradições; e, ambos se ocuparam de introduzir

inovações.

4.1.2 Partes da Moderna Gramática Portuguesa

A Moderna Gramática Portuguesa é dividida, além da Introdução que conta

com a Teoria Gramatical, em cinco partes: Fonética e fonologia; Gramática descritiva

e normativa; Pontuação; Noções elementares de estilística; e, Noções elementares de

versificação. Explicaremos o que seriam cada uma das cinco partes, antes de voltarmo-

nos para aquela em que se enquadra o pronome.

A parte denominada de Fonética e fonologia, segundo Bechara (2009, p. 53),

estuda “o aspecto físico-fisiológico”. O autor aponta a Fonética, em distinção à

Fonologia, como aquela ocupada com a produção sonora, caso das articulações

fisiológicas. Por outro lado, a Fonologia centra-se no estudo dos fonemas, investigando

o som do ponto de vista linguístico, na formação das palavras. Partindo desses

conceitos, podemos relacionar à parte da Sylaba, na gramática barrosiana, à Fonologia,

guardadas suas proporções. No entanto, não há nada comparável ao estudo da Fonética

na gramática quinhentista.

A Pontuação trata dos sinais gráficos de função sintática. Bechara (2009, p. 604)

reconhece que a pontuação é recente “na história da escrita”, apesar de entender que há

“uma continuidade de alguns sinais desde os gregos, latinos e alta Idade Média”. João

de Barros (1540, pp. 49-50) trata dos sinais de pontuação em sua Orthografia e

considera-os como “hũa das cousas prinçipáes da orthografia”, ou seja, embora não seja

um sinal alfabético, a pontuação é considerada um elemento ortográfico.

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Na parte denominada Noções elementares de Estilística, Bechara (2009)

apresenta a Estilística como disciplina à parte da gramática, cujo objeto de estudo é o

estilo, o qual se constitui pela linguagem afetiva. Para o gramático, o estilo se configura

num conjunto de processos de expressão psíquica e de apelo, de valor estético. Aqui,

percebemos uma clara contraposição entre a concepção moderna de estudos linguísticos

e a renascentista32

, pois se para Bechara (2009) não se deve “baralhar” a gramática e a

estilística, tampouco reduzir o estilo a figuras de linguagem, Barros (1540, pp. 34-39)

não faz outra coisa senão citar em sua Das figuras uma lista considerável de figuras,

algumas das quais podem ser citadas modernamente como figuras de linguagem.

Quanto à parte Noções Elementares de Versificação, nela Bechara (2009) se

dedica às questões de métrica, tratando dos versos, das sílabas poéticas e do ritmo. Não

encontramos paralelo na obra de João de Barros.

Enfim, a segunda parte de sua gramática, posterior à Fonética e Fonologia, é a

da Gramática Descritiva e Normativa. Bechara (2009) principia citando os dez grupos

de palavras: substantivo, adjetivo, artigo, numeral, pronome, verbo, advérbio,

preposição, conjunção e interjeição. Contudo, entende que esses termos são tratados

sem distinção de “natureza e funcionalidade”, de modo que, se se levarem em

consideração “critérios categoriais, morfológicos e sintáticos”, podem ser entendidos

não como categorias de um mesmo fenômeno linguístico, mas diferentes realidades.

A partir de uma diferenciação que leva em consideração os critérios de

categoria, de morfologia e de sintaxe, Bechara (2009) aponta para a significação lexical,

a qual compreende a relação entre as palavras e o mundo extralinguístico. Logo,

importa reconhecer que empedrar tem relação com pedra, sendo o primeiro uma

variação do segundo, formando uma “série de palavras” (Id., ibid., p. 109), cuja

significação se estende a pedreiro, pedregulho, pedraria e todos referem-se a realidades

extralinguísticas. Independe, para isso, qualquer discussão sobre o objeto pedra.

Tendo apresentado a questão do significado lexical, Bechara (2009, p.109)

apresenta a questão das categorias, que correspondem ao “como da apreensão do

mundo extralinguístico”33

. Para o autor da Moderna Gramática, as categorias dizem

respeito a um “modo de ser das palavras no discurso” (Id., ibid., p. 109), refletindo

32 Referimo-nos aos dois exemplares de cada período, a Moderna Gramática Portuguesa e a

Grammática da lingua Portuguesa. 33

Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

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variadas expressões da realidade na linguagem, como é próprio do verbo indicar aquilo

que acontece ou que se faz, ou como é do adjetivo caracterizar as coisas. Essas

categorias, entretanto, não formam “classes léxicas fixas” (Id., ibid., p. 109) porque,

como vimos, a significação lexical estabelece-se em uma realidade na língua. Por

exemplo, rosa pode ser substantivo ou adjetivo, da mesma forma que viver pode ser um

substantivo num determinado enunciado, não podendo, portanto, serem catalogados em

uma classe fixa de palavras, exatamente por não importar os objetos a que se referem,

mas sua significação no discurso.

É capital compreendermos a forma como Bechara entende as categorias,

sobretudo, porque em sua obra afirma não considerar os pronomes uma categoria. Para

o gramático, “constituem o substantivo, o adjetivo, o verbo e o advérbio as quatro

únicas reais ‘categorias gramaticais’ da língua” (BECHARA, 2009, p. 110), porque

somente elas têm referências extralinguísticas, ou seja, expressam um “modo de ser das

palavras no discurso” (Id., ibid., p. 109). Conforme apresenta,

Assinalando com F a forma física, com L o significado léxico e com C

o significado categorial, as palavras abstratas podem ser constituídas:

a) como puras “formas” (F), por exemplo “amo” em português, e

somente levando em conta sua forma, pode-se classificar apenas pelo

seu lado material: é uma palavra dissílaba; é uma palavra paroxítona;

é uma palavra com três fonemas, etc.; b) como “formas léxicas” ou

“lexemas” (FL), por exemplo o português verde, independentemente

dos diferentes significados categoriais, isto é, como adjetivo ou como

substantivo; c) como “formas categoriais” ou “categoremas” (FC), por

exemplo, quadro, papel, como substantivos, independentemente dos

diferentes significados léxicos (“quadro de um pintor”, “quadro de

futebol”, “folha de papel”, “papel de um ator”) e d) como palavras

com significado léxico e categorial (FCL), por exemplo, em português

amo ‘senhor’, substantivo, e amo ‘quero bem’, verbo. Somente as

palavras abstratas dotadas com FC ou com FCL podem ser

classificadas categorialmente graças ao elemento C; isto significa que

uma mesma palavra FL poderá figurar em classes distintas se

apresenta diferentes significados C, como foi o caso de verde

(adjetivo: “folha verde”, e substantivo: “o verde da folha”) e amo

(substantivo e verbo). Em suma: não podemos querer que a palavra

verde, substantivo, pertença à classe da palavra verde, adjetivo, apenas

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porque tem o mesmo significado lexical, isto é, apelando para um

traço que nada tem que ver com o critério com que está constituída a

classe verbal. (Id., ibid. 2009, p. 111)

Portanto, retomando o exemplo, a palavra rosa terá a mesma forma física tanto

em “rosa é minha cor favorita”, como em “a caneta é rosa”; também terá o mesmo

significado lexical, referente à cor; entretanto, difere em seu significado categorial,

sendo um substantivo no primeiro enunciado e um adjetivo no segundo.

Por outro lado, os pronomes não possuem referências extralinguísticas, mas

servem para articular-se na significação àqueles termos, estes sim, que se referem a

objetos da realidade. Dessa forma, são consideradas “palavras categoremáticas”

(BECHARA, 2009, p. 112), juntamente com os numerais, pois servem a um

“significado estrutural”.

Antes de tratarmos do significado estrutural, importa compreendermos o

significado instrumental, conforme a Moderna Gramática. Para Bechara (2009, p. 110),

o significado instrumental corresponde àqueles morfemas ou “palavras morfemáticas”

que servem como instrumentos para “combinações gramaticais”, como o ‘s’ final que

indica a pluralidade. Dentre as palavras com significação instrumental, estão as

preposições e os artigos, pois, em vez de referirem-se a uma realidade ou a um elemento

sintático, servem para ampliar o sentido de palavras de significação lexical. Além do

artigo e da preposição, tradicionalmente tidas como classes, incluem-se entre os de

significação instrumental as desinências, assim como o ‘s’ final, os prefixos e os

sufixos, etc.

Esse significado instrumental reflete-se em um significado estrutural, que

“resulta das combinações de unidades lexemáticas ou categoremáticas com unidades

morfemáticas e morfemas, dentro da oração” (BECHARA, 2009, p. 111). Dessa

maneira, as palavras de significado léxico e categorial, por meio de unidades, tanto

morfemáticas quanto lexemáticas, formam combinações gramaticais que se refletem em

um significado estrutural. Assim, em “O garoto viu o carro e desviou-se dele a tempo”,

o pronome ele, contraído à preposição de, não faz referência a um elemento

extralinguístico – não tem significado lexical. Mas, indica um outro termo servindo a

uma combinação gramatical na oração, ou servindo à estrutura. O pronome, conforme

Bechara (Id., p. 112), tem um significado categorial associando-se às autênticas

categorias, pois “são substantivos, adjetivos, advérbios e – em algumas línguas que não

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o português – até verbos”. Logo, não é uma categoria, mas uma classe de palavras

categoremáticas.

Logo, conforme o esquema adotado pelo gramático brasileiro, em distinção ao

quinhentista português, os estudos gramaticais dividem-se em cinco. Enquanto os

estudos de estilística, na Moderna Gramática, dividem-se em duas partes – noções de

estilística e noções de poética –, na Grammatica sequer é considerada uma parte,

estando Das Figuras em separado. Ressaltando que Das Figuras tomam diversas

expressões idiomáticas, algumas das quais seriam consideradas figuras de linguagem,

que não constam na gramática moderna. Por outro lado, a Prosódia e a Orthografia

formavam partes separadas de estudo, constando alguns de seus aspectos na Fonologia

e Fonética. Quanto à Pontuação, não encontra uma parte na gramática quinhentista,

porém, é tratada em Da Orthografia. Ethimologia e Syntaxis, ambas têm seus conceitos

implicados na Gramática Descritiva e Normativa, constituindo a duas partes em Barros

(1540) e a uma só – a maior, entretanto – em Bechara (2009).

Para Bechara (2009), classes gramaticais distinguem-se de classes verbais,

correspondendo as primeiras às categorias. Nesse caso, haveria apenas quatro categorias

gramaticais: substantivo, adjetivo, verbo e advérbio. Cabe, assim, ao numeral e ao

pronome a classificação de palavras categoramáticas, as quais estariam associadas ao

significado estrutural e categorial, e não gramatical, associando-se às autênticas

categorias.

Diferentemente, Barros (1540) entende haver dez partes da “diçam”

considerando, além das quatro constatadas como classes gramaticais por Bechara

(2009), a interjeição, o artigo, a preposição, a conjunção, o numeral e, enfim, o

pronome. Entretanto, embora não coloque na mesma relevância a categoria do advérbio,

Barros (1540) compreende que a classe do pronome se distingue da do nome, que inclui

o adjetivo, e da classe do verbo. Enquanto nome e verbo são “reis”, o pronome é

“dama”, ou seja, está em diferente nível de classificação.

Assim, os pronomes estão na parte da Gramática Descritiva e Normativa.

4.2 Dos pronomes

Para Evanildo Bechara (2009, p. 162), o Pronome “é a classe de palavras

categoremáticas que reúne unidades em número limitado e que se refere a um

significado léxico pela situação ou por outras palavras do contexto”. Assim, o gramático

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reafirma sua posição quanto à classificação de palavras entre gramaticais ou categorias

(substantivo, adjetivo, verbo, advérbio), morfemáticas (artigo, preposição e conjunção)

e categoremáticas (numeral e pronome). Também considera limitado o número de

unidades pronominais, o que é um fato relevante, pois, distintamente às categorias,

justamente por não ter um significado léxico, ou por fazer referências genéricas34

, os

pronomes são sempre os mesmos, não acompanhando as novidades culturais e

científicas que precisam ser “nomeados”.

Inclusive por situar o pronome entre as palavras categoremáticas, Bechara

(2009, p. 162) mantém a histórica ligação entre pronomes e substantivos, afirmando que

“de modo geral”, aquele significado lexical a que se refere o pronome é um “objeto

substantivo”. Ou seja, o pronome não é uma categoria, mas refere-se a palavras de

significado lexical, cuja classificação é de categoria, sobretudo, o substantivo. Assim, o

gramático distancia-se em muito da concepção expressa pela obra barrosiana – a qual

não só relaciona o pronome ao nome, como entende que sua razão de ser está nessa

outra classe –, embora não possa ignorar que, dentre outras funções, o pronome

funciona geralmente como um substituto dos substantivos.

Ressaltamos que Barros (1540), como faz Bechara (2009), não põe a classe do

pronome no mesmo grupo que as classes do substantivo, do adjetivo e do verbo. Para o

gramático português, os nomes fazem a função de “reis” na linguagem, da mesma forma

que, para o gramático brasileiro, os substantivos e os adjetivos têm um “modo próprio

de ser” no discurso. Assim, enquanto Barros (1540) considera a classe do pronome a

“dama” de um jogo de xadrez, numa classificação menor, assim o faz Bechara (2009)

por não considerar o pronome uma categoria, mas uma classe categoremática. Divergem

os gramáticos quanto à condição do advérbio, que para o renascentista é igualmente

uma “dama”, ao contrário do moderno, para quem o advérbio estaria em condição

similar às categorias do substantivo, do adjetivo e do verbo.

Por outro lado, a Moderna Gramática considera o papel dos pronomes de

referenciar as pessoas do discurso. Logo após a definição, Bechara (2009, p. 162)

aponta para as pessoas nos seguintes termos: “São duas as pessoas determinadas do

discurso: 1.ª eu (a pessoa correspondente ao falante) e 2.ª tu (correspondente ao

ouvinte)”. Sua consideração toma as contribuições relevantes sobre a natureza dos

34 Bechara (2009, p. 112) assume que, quando se refere a um elemento extralinguístico, o

pronome o faz genericamente.

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pronomes da Linguística moderna, como sobre a concepção de discurso, compreendida

como ato comunicativo envolvendo um eu/remetente e um tu/destinatário. Ainda nessa

perspectiva, o autor trata da sua perspectiva dêitica, associada aos aspectos semânticos

de marcas extralinguísticas, que inclui os pronomes demonstrativos e a terceira pessoa.

Quanto aos tipos de pronomes, Bechara (2009, p. 163) indica haver os “pessoais,

possessivos, demonstrativos (abarcando o artigo definido), indefinidos (abarcando o

artigo indefinido), interrogativos e relativos”. Desses, como já expusemos, trataremos

apenas dos pessoais, dos possessivos e dos relativos.

Quanto aos pronomes pessoais, Bechara (2009, p. 164) divide-os em pessoa e

número. A fim de mantermos coerência com as explanações sobre pronomes na obra de

Barros (1540), apresentaremos em tabela os pronomes pessoais dispostos:

PESSOAS SINGULAR PLURAL

1ª EU NÓS

2ª TU VÓS

3ª ELE ELA ELES ELAS

Diferentemente do gramático quinhentista, Bechara (2009, p. 164) propõe-se a

elucidar o caso do plural em primeira pessoa, sobre o que afirma: “o plural nós indica eu

mais outra ou outras pessoas, e não eu + eu”35

.

Enquanto Barros (1540) toma o modelo clássico gramatical e, por isso, conforma

a Língua Portuguesa aos casos de declinação próprios do Latim, Bechara (2009) toma o

modelo gramático tradicional como ponto de partida. Isso faz com que o gramático

apresente a fórmula dos pronomes conforme a tradição gramatical dividindo-os em:

pessoa, número e, apenas na terceira pessoa, gênero. Mas, a fim de atualizar os

conceitos de gramática normativa em consideração à linguística novecentista36

,

concorda que a terceira pessoa é uma entidade negativa em relação às duas pessoas

“determinadas do discurso” (Id., Ibid., p. 164), ou seja, a terceira pessoa é a não-

primeira e a não-segunda. Reconhece, assim, a perspectiva tradicional de uma terceira

35 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

36 Referimo-nos às novidades dos estudos linguísticos de todo século XX, a partir de Curso da

Linguística Geral, compilação de textos do suíço Ferdinand Saussure.

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pessoa ao tempo que abarca sua natureza não-pessoal compreendida pela linguística

moderna. Ora, se há apenas duas pessoas no discurso, não haveria uma terceira, mas

afirmá-lo exigiria reformular a clássica tabela dos pronomes e, provavelmente, não

consideraria a sua real compreensão por parte do gramático. Por isso, aceita-se uma

terceira pessoa e faz-se a ressalva: é uma pessoa “negativa” (BECHARA, 2009, p. 163).

Bechara (2009, p. 164) explica que, para cada pronome pessoal que se ocupa da

função de sujeito – e, assim, é denominado de reto –, há um pronome pessoal do caso

oblíquo. Segundo afirma, o pronome pessoal oblíquo “funciona como complemento e

pode apresentar-se em forma átona ou forma tônica”. A relação entre o pronome pessoal

reto e o oblíquo se estabelece a partir da função do pronome na oração e depois

subdivide-se pela fonética. Sistematizam-se os pronomes da seguinte forma, adaptada

de Bechara:

PRONOMES PESSOAIS RETOS PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS

ÁTONOS

(sem prep.)

TÔNICOS

(com prep.)

SINGULAR

EU ME MIM

TU TE TI

ELE/ELA LHE, SE, O/A ELE/ELA, SI

NÓS NOS NÓS

PLURAL VÓS VOS VÓS

ELES/ELAS LHES, SE, OS/AS ELES/ELAS, SI

Diante desse esquema, podemos retomar a gramática renascentista e observar

que aquilo que estava definido conforme os casos latinos passa a ser descrito a partir das

relações sintáticas e da fonologia. Ou seja, a diferença na forma física37

de eu para me e

mim – palavras com o mesmo significado categorial/estrutural – que antes era explicada

pelos casos, correspondendo ao modelo clássico, agora se explica a partir das distinções

de função sintática (sujeito/complemento direto/indireto) e da performance fonológica

(átono/tônico). Nesse quadro, Bechara (2009, p. 164) não ignora a necessidade da

37 Tomamos o termo escolhido por Bechara (2009, p. 111), para a forma com que a palavra se

apresenta.

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39 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

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preposição (classe de palavras morfemáticas) para a disposição dos pronomes oblíquos

tônicos, afirmando que “as tônicas vêm sempre presas a preposição”38

.

Essa característica própria dos pronomes oblíquos tônicos foi exposta no modelo

barrosiano, quando os pronomes da Língua Portuguesa foram encaixados nos casos

genitivo, dativo e ablativo, os quais corresponderiam aproximadamente na gramática

tradicional aos casos de adjunto adnominal (indicando restrição ou posse), objeto

indireto e adjunto adverbial, respectivamente. Na Moderna Gramática, a função

exercida pelo pronome oblíquo tônico, em relação ao átono, é eclipsada pelo aspecto

fonológico, provavelmente, por causa das contribuições da Fonética e da Fonologia que

se desenvolveram ao longo dos mais de quatro séculos que separam João de Barros de

Evanildo Bechara.

Para demonstrarmos as semelhanças e os contrastes entre as listas de Barros

(1540) e Bechara (2009), apresentamos a seguinte tabela:

GRAMMATICA (1540) MODERNA GRAMÁTICA (2009)

Nominativo Outros casos Caso reto Caso Oblíquo

EU ME/MIM EU ME/MIM

TU TE/TI TU TE/TI

Carece

SE/SI

ELE O/LHE/SE/SI

ELA A/LHE/SE/SI

NÓS NOS/NÓS NÓS NOS

VÓS VOS/VÓS VÓS VOS

Carece

SE/SI

ELES OS/LHES/SE/SI

ELAS AS/LHES/SE/SI

Além de diferir os pronomes oblíquos entre átonos e tônicos, Bechara (2009, p.

165) menciona os casos de pronome oblíquo reflexivo e recíproco. Explica o significado

do pronome reflexivo como sendo o mesmo que “a mim mesmo, a ti mesmo”,

exemplificando por “Eu me vesti rapidamente”39

. Este pode ser comparado ao que

Barros (1540) denomina de pronome composto, afirmando haver o caso de “me” e

“mim mesmo”, embora não mencione que o pronome “me”, constante no ablativo,

possa significar o mesmo que “mim mesmo”, provavelmente porque não havia a

38 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

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40 Destaque em itálico, conforme a edição da obra.

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construção simples do reflexivo. Quanto ao pronome recíproco, Bechara (2009) relata

apenas os pronomes “nos”, “vos” e “se”, divergindo dos reflexivos por envolver uma

ideia de “um ao outro”. Barros (1540) sequer menciona essa perspectiva de uso dos

pronomes.

Outro fator importante, em Bechara (2009, p. 179), é o reconhecimento dos

pronomes oblíquos átonos “o”, “a” e “lhe”, ausentes na gramática renascentista. Eles

tornam possíveis as combinações de pronomes átonos, de modo que um pronome, em

função de objeto indireto, contrai-se a outro pronome, este em função de objeto direto.

Disso, encontram-se construções como “Eles pediram férias. O patrão lhas concedeu”,

em que combinam os pronomes “lhe”, referente a “eles” e “as”, referente a “férias”,

encontradas apenas no gramático moderno.

Para Barros (1540) os pronomes da terceira pessoa eram “se” e “si”, nenhum

deles nominativo, visto que as palavras “ille”, “illa” e “illud”, das quais os pronomes

“ele” e “ela” se originam, eram tidos como pronomes demonstrativos e podem ser

traduzidos, em Língua Portuguesa, por “aquele”, “aquela” e “aquilo” em algumas

circunstâncias. Bechara (2009, p. 176) apresenta o pronome “se” para destacar sua

construção reflexiva e recíproca, característica de que os pronomes “o”, “a”, “lhe” e

plurais não compartilham. Bechara (Id., p. 178) também constata a concorrência de “si”

e “ele” na reflexidade, possibilidade surgida, segundo ele, a partir do século XVIII.

Por fim, cabe ressaltar os casos de pronomes oblíquos contraídos à preposição

“com”, ignorados em Barros (1540). Esses são citados por Bechara (2009, p. 165) da

seguinte maneira:

Se a preposição é com, dizemos comigo, contigo, consigo, conosco,

convosco, e não: com mi, com ti, com si, com nós, com vós.

Empregam-se, entretanto, com nós e com vós, ao lado de conosco e

convosco, quando estes pronomes tônicos vêm seguidos ou precedidos

de mesmos, próprios, todos, outros, ambos, numeral ou oração

adjetiva

Quanto aos pronomes relativos, Bechara (2009, p. 171) define-os como “os que

normalmente se referem a um termo anterior chamado antecedente”. Como exemplo,

apresenta a frase “Eu sou o freguês que por último compra o jornal”40

, destacando a

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palavra “que” como pronome relativo por referir-se a “freguês”, seu antecedente. A fim

de diferenciá-lo da conjunção integrante, o gramático aponta que é característica do

pronome relativo exercer função sintática na oração em que está inserido, como a

palavra “que” exerce a função de sujeito no exemplo. Também caracteriza, a partir do

exemplo, a condição de adjunto adnominal que pode exercer o pronome relativo.

Em seguida, encontramos a lista de pronomes relativos: “qual, o qual (a qual, os

quais, as quais), cujo (cuja, cujos, cujas), que, quanto (quanta, quantos, quantas), onde.”

(BECHARA, 2009, p. 171).

Apesar de “quem” não aparecer na lista supracitada, é o primeiro a ser descrito

como “o que se refere a pessoas e a coisas personificadas”, especificando que “sempre

aparece precedido de preposição” e que funciona como pronome substantivo.

Diferentemente, o pronome “o qual” aparece tanto como substantivo como adjetivo,

podendo referir-se a pessoas ou a coisas. O pronome “que” pode se referir tanto a

pessoas como coisas, mas funciona como substantivo. Quanto ao pronome “cujo”,

Bechara (2009, p. 172) afirma que “sempre com função adjetiva, reclama, em geral,

antecedente e consequente expressos e exprime que o antecedente é possuidor do ser

indicado pelo substantivo a que se refere”. Além disso, cita casos em que “cujo” pode

ser usado sem consequente, embora considere seu uso arcaizante, como no caso de “a

obra cujo comentador eu sou”. Em relação ao pronome “quanto”, toma-o como aquele

“que tem por antecedente um pronome indefinido (tudo, todo, todos, todas, tanto)”

(BECHARA, 2009, p. 172).

Considerando que a exposição de Barros (1540) sobre os pronomes relativos é

bastante direta, deixando à parte de Constrviçam certos detalhes de uso, parece-nos

pouca coisa a comparar com a explanação de Bechara (2009). Em grande parte,

concordam sobre os pronomes relativos referirem-se a antecedentes, apontando o

segundo para algumas exceções. Os pronomes do primeiro encontram-se todos no

segundo, neste a lista é acrescida com os pronomes “onde”, “que” e “cujo (a) (s)”.

Dadas essas explicações, o gramático aponta para os casos em que o pronome

relativo não tem um antecedente. Casos de “quem” e “onde” de valor absoluto, segundo

os quais, não há uma referência no texto, mas se refere a uma ideia, parecendo-se mais

com os pronomes indefinidos. Exemplifica em “Moro onde quero”, de modo que

“onde” não expressa um elemento linguístico anterior, porém, serve como relativo entre

“moro” e “quero”.

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2ª pessoa TEU TUA TEUS TUAS

Quanto aos pronomes possessivos, são tratados como pronomes adjetivos, tal

qual o considera Barros (1540), conforme expressa logo após a definição dos tipos de

pronome. Segundo Bechara (2009, p. 163), os pronomes “meu” e “teu” são aqueles que

se referem às pessoas do discurso, “eu” e “tu”, enquanto ao pronome possessivo da

terceira pessoa, dado seu “caráter relativamente indeterminado” faz necessária, em

certas ocasiões, explicação como em “seu mesmo”.

Os pronomes possessivos são definidos na Moderna Gramática como aqueles

que indicam a posse das “três pessoas do discurso” (BECHARA, 2009, p. 166), tendo

considerado apenas a condição genérica da terceira pessoa, quando trata do caráter

adjetivo dos pronomes. O fato é que, se o pronome é aquele que substitui o nome, como

afirma o gramático quinhentista, difícil é considerar os possessivos da classe do

pronome, como supõe Bassetto (1998, p. 76), apesar de os adjetivos serem considerados

nomes na gramática de Barros; por outro lado, se os pronomes são palavras

categoremáticas que funcionam tanto como substantivo, adjetivo, advérbio e verbos –

este não em Língua Portuguesa (BECHARA, 2009, p. 112) –, os possessivos teriam

caráter pronominal.

Entretanto, apesar de Bechara (2009, p. 166) definir os pronomes possessivos

como aqueles que indicam posse, mais adiante trata dos casos em que estes assumem

“variados matizes contextuais” (Id., Ibid., p. 183) para além do sentido de posse. São

casos em que o pronome indica a proximidade numérica, como em “Quando tinha lá

meus trinta anos”; ou casos em que indica uma relação afetiva, como em “Este é nosso

herói” ou “Minha querida professora”, enfim.

A tabela dos pronomes possessivos de Bechara (2009) apresenta-se de

semelhante forma:

SINGULAR

1ª pessoa MEU MINHA MEUS MINHAS

3ª pessoa SEU SUA SEUS SUAS

1ª pessoa NOSSO NOSSA NOSSOS NOSSAS

PLURAL 2ª pessoa VOSSO VOSSA VOSSOS VOSSAS

3ª pessoa SEU SUA SEUS SUAS

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Vale citar que os pronomes possessivos são apresentados por Barros (1540)

atrelados aos casos latinos e, por isso, não apontam para uma concordância com o

número do objeto possuído, de modo que “seus”, “suas” e variados são associados,

exclusivamente, à terceira pessoa do plural. Bechara (2009), ao contrário, expõe

claramente essas posições, de modo a exibir o “seu” e o “seus” tanto como forma da

terceira pessoa do singular como da terceira pessoa do plural em sua tabela. Assim faz

com “meus”, “minhas”, “teus”, “tuas” e outros, evidenciando sua concordância com o

objeto possuído, em vez de concordar com o possuidor.

Logo, persistem os questionamentos quanto à categorização dos possessivos. De

modo geral, não substituem nenhum substantivo, nem adjetivo, nem advérbio.

Funcionam claramente como adjetivos significando a posse de um determinado

substantivo, ou de outro pronome – como em “Ela é minha”. Esse significado de posse

pode ser acrescido de alguma conotação, variando seu significado, sem deixar de perder

seu significado categorial adjetivo. Para Bassetto (1998, p. 76)

Considerando que não substituem o nome, mas indicam uma relação

de posse com alguma das pessoas do discurso, não parece que se

enquadram na definição de pronome dada acima.41

No pensamento

dos primeiros gramáticos gregos, porém, seriam pronomes porque se

relacionam semanticamente com um pronome, derivando-se dele,

devendo ter por isso a mesma natureza, tanto mais que se relacionam

sempre com as pessoas do discurso, para as quais se palmou a

designação de pronome. Contudo, não há qualquer substituição.

Realmente, a definição da classe dada por Barros (1540) não incluiria os

pronomes possessivos. Já a definição de Bechara (2009, p. 162) aponta uma saída, ao

afirmar que os pronomes se referem “a um significado léxico pela situação”, o que

incluiria um adjetivo. Assim, os pronomes pessoais fazem “referência” às pessoas do

discurso e à terceira pessoa, as quais não se estabelecem senão pelo discurso,

recordando que a existência de um “eu” está vinculada à linguagem, ou seja, os

pronomes pessoais não se referem, de fato, a um elemento extralinguístico. Na mesma

esteira, os pronomes relativos se referem a seus antecedentes, outro elemento

estritamente linguístico. Os outros casos não estudados neste trabalho apontam para

alguma similitude: os pronomes, em geral, tratam de elementos linguísticos, não se

41 Bassetto (1998, p. 76) refere-se à definição de Dionísio de Trácio a qual considera os

pronomes possessivos uma espécie derivada de pronome.

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referindo a objetos específicos do universo extralinguístico e, por isso, não são

considerados uma categoria. Entretanto, os pronomes possessivos não fazem referência

a nenhum objeto linguístico, pois caracterizam os objetos extralinguísticos. Tal questão,

assim, nem na gramática quinhentista, pouco na gramática moderna, não é satisfeita.

Entendemos, por fim, que a Moderna Gramática Portuguesa é coerente aos seus

objetivos, quando explana do ponto de vista descritivo e normativo os pronomes,

propondo um novo linguístico à tradição gramatical.

Partindo da perspectiva linguística de sistema, norma e fala, de Coseriu (1979),

os pronomes são descritos em sua natureza sistêmica, da qual os compreende como

palavras categoremáticas de importante significado estrutural e instrumental. Também

os toma quanto ao uso normal, ou seja, apresenta a normatividade, intentando expressar

pedagogicamente, como quem instrui, o que se diz em Português e como se diz,

apontando muitas vezes para as inevitáveis exceções.

Para tanto, faz constante referência àquilo que o próprio compreende como

gramática tradicional. Nessa esteira, expõe suas divergências sempre partindo de uma

conceituação – ou nomenclatura – tradicional, quando não as confirma. Assim, para

tratar dos pronomes, trata das classes gramaticais, ainda que seja para divergir da

tradição gramatical, talvez aprofundá-la. Quando lista os pronomes, pessoais, relativos

ou possessivos, mantém os tradicionalmente conhecidos, opondo-se mais quanto às

funções e às naturezas do que ao cânone estabelecido.

O autor dialoga mais com outros gramáticos e linguistas, os “colegas de

magistério” e “público estudioso da língua” (BECHARA, 2009, p. 19) do que com os

alunos, se entendermos em ampla extensão. A linguagem mais técnica e os exemplos

tirados de textos clássicos exigem de seu leitor conhecimento da tradição gramatical e

atenção às tendências da Linguística da última centena de anos.

Cumpre, portanto, o papel a que se propôs. Uma gramática descritiva e

normativa “revista, atualizada e ampliada”, amadurecida pela “leitura atenta dos

teóricos da linguagem” (BECHARA, 2009, p. 19)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa tem por tema as concepções linguísticas acerca da classe de

palavras dos pronomes, especificamente, dos pessoais, dos relativos e dos possessivos,

usando, para isso, uma gramática do século XVI e outra do fim do século XX.

Empreendemos esse esforço por compreendermos quão importantes são os objetos de

descrição e análise, assim como os períodos escolhidos para tanto.

As análises realizadas neste trabalho permitiram-nos compreender os conceitos e

as descrições sistemáticas da classe de palavras dos pronomes, genericamente, e dos

tipos pessoais, possessivos e relativos, tal como esses conceitos e essas descrições se

apresentavam no século XVI. Essas concepções foram-nos apresentadas pela

Grammatica da lingua Portuguesa (1540), de João de Barros, as quais comparamos

com um estudo recente, a Moderna Gramática Portuguesa (2009), de Evanildo

Bechara, conforme os princípios de Koerner (1996, 2014) e os passos metodológicos de

Swiggers (2009, 2010).

Nossos objetivos específicos, inicialmente definidos, foram concluídos. Tivemos

três conclusões que abrangem desde a compreensão de Gramática até os tipos de

pronomes a que nos determinados estudar com relação aos objetivos que se

apresentaram:

identificar como os pronomes eram compreendidos no século XVI, a

partir da Grammatica da Língua Portuguesa, de João de Barros;

analisar suas perspectivas à luz do clima de opinião do período.

Concluímos, num primeiro momento, que Barros (1540) apropriou-se do modelo

gramatical latino para explanar seu próprio estudo da Língua Portuguesa. Dessa

apropriação, mantiveram-se três importantes concepções gerais: da Gramática como

téchne, o que abrange uma compreensão universal desse ramo das ciências; das classes

de palavras, conforme o modelo clássico, apresentadas de acordo com os casos latinos;

e do pronome como extensão do substantivo.

Num segundo momento, notamos que Barros (1540) supera as dificuldades

resultantes do modelo fixo ao contribuir com novas perspectivas. Isso acontece quando

aponta para as preposições como meio de acomodação dos pronomes aos casos latinos

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em Língua Portuguesa. Oferece fato novo ao deixar registrado que não há desinências

entre os pronomes senão aquelas de plural/singular e masculino/feminino.

Num terceiro momento, evidenciamos uma concepção da natureza das classes

gramaticais, que faz distinguir o substantivo, o adjetivo e o verbo, num grupo categorial

– o dos “reis” – diferentemente do pronome. Guardadas as proporções, antevê a

negatividade da terceira pessoa, pois apresenta a carência de um nominativo entre os

pessoais, como há de um vocativo entre os possessivos, embora isso estivesse conforme

à Gramática Latina. Relaciona os possessivos aos pessoais em função do caso genitivo e

caracteriza-os como pronomes adjetivos. Tal é a relação dos pronomes com os

substantivos que os relativos também são denominados de nomes e pouco se fala sobre

eles no capítulo reservado à categoria pronominal, pois importa sua função na

construção frasal e, por isso, recebem atenção no capítulo reservado à sintaxe.

Concernente aos outros três objetivos, consideramos tê-los atingido. Esses se

referiam:

à identificação de como os pronomes são compreendidos no século XXI,

a partir da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara;

à análise de suas perspectivas à luz do clima de opinião da época;

à análise comparativa das normas e das descrições gramaticais dos

séculos XVI e XXI, a partir da gramática de João de Barros e da

gramática de Evanildo Bechara.

Notamos a importância das concepções impressas na gramática quinhentista,

quando as comparamos com sua Moderna Gramática. A partir de um contraste entre

sua gramática e a de Barros (1540), evidenciam-se certas similitudes que consideramos

importantes: ambos estabelecem uma relação de continuidade das tradições gramaticais

que lhes antecedem; ambos expandem esses modelos a que tomam por referência; e

ambos levam em consideração os aspectos pedagógicos e descritivos da Gramática. Em

relação aos pronomes pessoais, possessivos e relativos, assemelham-se em alguns

aspectos, pois: ambos compreendem haver distinção de natureza categorial do pronome

entre as classes gramaticais que chegaram a eles; ambos distinguem as pessoas do

discurso; ambos têm reservas à terceira pessoa, tanto aos pessoais quanto aos

possessivos; ambos relacionam os pronomes possessivos aos pessoais; ambos

compreendem os relativos em função de um antecedente.

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Com relação às semelhanças associadas às concepções gramaticais, como

afirmamos, ambos estabelecem uma relação de continuidade com os estudos

linguísticos que lhes antecederam. Enquanto Barros (1540) apresenta os pronomes a

partir dos casos latinos, Bechara (2009) mantém as exemplificações literárias e as

terminologias comuns à Gramática Tradicional. Apesar disso, ambos se preocupam em

expandir os modelos, Barros (1540) expande o modelo latino já ao propor uma

gramática em língua vernácula, enquanto Bechara (2009) apropria-se das contribuições

de diferentes modelos teóricos voltados à língua e à linguagem. Inclusive como

característica pedagógica, a fim de apresentar um modo padronizado de uso linguístico

dos pronomes, além de uma disposição científica, atrelada à observação dos fatos

linguísticos.

Concernente às semelhanças associadas à categoria dos pronomes, e aos tipos

pessoais, possessivos e relativos, importa a diferença categorial que dão ao pronome em

relação aos outros. Mais pedagógico que Bechara (2009), Barros (1540) expõe essa

diferença ao fazer uma analogia entre os nomes e os reis, ao tempo que o gramático

moderno lança mão de uma classificação distinta da tradição gramatical, a de classe de

palavras categoremáticas. Esses pronomes são qualificados em função da fala, tanto

para Barros (1540), quanto para Bechara (2009), de modo a indicar quem fala/o

remetente e a quem se fala/o destinatário. Para o gramático português, a terceira pessoa

não apresenta um nominativo entre os pessoais, tampouco possui o vocativo entre os

possesivos. Para o brasileiro, a terceira pessoa é negativa à primeira e à segunda e o seu

possessivo é genérico. Ambos apontam para a importância das preposições na colocação

dos pronomes pessoais oblíquos. Se, para o gramático renascentista os possessivos

advêm do genitivo dos pronomes pessoais, para Bechara (2009), aqueles são adjetivos

de posse destes. Os relativos são associados, sobretudo, à função de conector frasal,

estando sempre correlato ao termo antecedente.

Quanto às diferenças, essas expõem os séculos de contribuição dos estudos

linguísticos entre a Grammatica da lingua Portuguesa e a Moderna Gramática

Portuguesa. Barros (1540) não compreendia a possibilidade de diferentes naturezas

categoriais o que o fez encontrar numa analogia ao xadrez uma expressão da realidade

linguística. Da mesma forma, estabelecia íntima relação entre a palavra que denomina a

classe com sua natureza, ou seja, pronome é aquele que substitui o nome, por isso é

denominado assim. Por outro lado, Bechara (2009) distingue os fatos linguísticos das

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descrições históricas e preocupa-se em definir os pronomes a partir de sua função

linguística.

No que diz respeito aos pronomes pessoais, Bechara (2009) aponta para uma

mudança importante se comparada a Barros (1540), o aspecto fonético determinante na

distinção entre os oblíquos átonos e tônicos. Ao que indica, a própria Língua se

encarregou de dar novos ares à realidade dos pronomes oblíquos como no caso das

combinações, ignoradas na gramática do século XVI. Barros (1540) também não se

preocupa em definir claramente de que modo o pronome “nós” é plural de “eu”, uma

vez que não há mais de um “eu”, contrariamente a Bechara (2009) que se ocupa de

afirmar que “nós” é plural enquanto “eu + outros”.

No que tange aos pronomes possessivos, sua própria classificação como

pronome fica em xeque na definição barrosiana. Se o pronome substitui o nome, o que

para Barros (1540) inclui o adjetivo, a que nome os possessivos substituem? Bechara

(2009), entretanto, tem como partida uma definição mais abrangente e percebe que o

pronome, como adjetivo, assume um significado instrumental e estrutural para além da

substituição. Apesar disso, ambos garantem a classificação dos possessivos entre os

pronomes.

Com relação aos pronomes relativos, Bechara (2009) apresenta a novidade do

pronome “cujo” e suas variações ausentes em tabela divulgada por Barros (1540). Além

disso, o gramático moderno entende haver exceções quanto à necessária referência a um

antecedente, algo não apontado pelo renascentista.

Assim, entendemos ter apresentado como os pronomes pessoais, relativos e

possessivos são descritos e normatizados em dois momentos: no primeiro, quando a

língua portuguesa foi, pela diáspora, levada aos mais dispersos territórios do mundo; e

no segundo, quando a globalização inter-relaciona as variedades linguísticas da

lusofonia.

Portanto, chegamos ao fim desta pesquisa, certos de que muito ainda pode ser

feito com relação aos objetos deste estudo. Isso, porque algumas possibilidades

emergem, por um lado, quanto ao uso dos pronomes na variedade escrita da Língua

Portuguesa dos séculos a que nos detivemos. Por outro lado, abrem-se questionamentos

com relação às perspectivas linguísticas dos gramáticos, o que oferece uma

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oportunidade de estudo sobre as tendências de continuidade e descontinuidade em suas

obras.

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