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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP BEATRIZ BONTEMPI GOUVEIA Formação dos coordenadores pedagógicos em Boa Vista do Tupim/BA: uma experiência colaborativa, o fio por trás das missangas Mestrado em Educação: Psicologia da Educação São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

BEATRIZ BONTEMPI GOUVEIA

Formação dos coordenadores pedagógicos em Boa Vista do Tupim/BA: uma

experiência colaborativa, o fio por trás das missangas

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

BEATRIZ BONTEMPI GOUVEIA

Formação dos coordenadores pedagógicos em Boa Vista do Tupim/BA: uma

experiência colaborativa, o fio por trás das missangas

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Profª. Drª. Vera Maria Nigro de Souza Placco.

São Paulo

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

GOUVEIA, Beatriz Bontempi. Formação dos coordenadores pedagógicos em

Boa Vista do Tupim/BA: uma experiência colaborativa, o fio por trás das

missangas. São Paulo: 2012. 171 páginas.

Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

Área de Concentração: Educação – Psicologia da Educação

Linha de Pesquisa: Processos psicossociais na formação de professores

Orientadora: Profª. Drª. Vera Maria Nigro de Souza Placco

Palavras-chave: Coordenação Pedagógica; Coordenador Pedagógico; Formação de

formadores; Formação permanente.

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução

total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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GOUVEIA, Beatriz Bontempi

Formação dos coordenadores pedagógicos em Boa Vista do Tupim/BA:

uma experiência colaborativa, o fio por trás das missangas

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para a obtenção

do título de Mestre em Educação: Psicologia da

Educação, sob a orientação da Profª. Drª. Vera

Maria Nigro de Souza Placco.

A banca examinadora da Dissertação de Mestrado, em sessão pública

realizada em

_____ / _____ / ______, considerou a candidata:

1) Examinador(a): Prof(a). Dr(a).

2) Examinador(a): Prof(a). Dr(a).

3) Presidente: Prof(a). Dr(a).

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Dedico esse trabalho ao Guilherme, meu amor,

pelo incentivo, apoio e torcida.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu marido querido, Guilherme, que tanto me incentivou e me ajudou.

Agradeço sua paciência e todo o seu amor.

Às minhas duas bonecas, Dora e Helena, que me esperaram bastante nos

últimos meses. Dora me acompanhou de pertinho em todo o processo de escrita,

queria saber o que já havia lido e se podia me ajudar com algum de seus livros.

Helena, por sua vez, sem compreender a finalidade de tanto trabalho, perguntou por

que ao invés de estudar para ser Mestre, não preferia ser o Dunga, um anão muito

mais divertido.

Aos meus queridos pais, Pedro e Irene, que me mostraram, desde sempre, a

oportunidade de ser feliz pelo conhecimento. Agradeço por todo o amor que me

embalaram e pela disposição permanente em me ajudar.

Às minhas irmãs, Luciana e Carolina, pela amizade, amor e por toda

aprendizagem da vida.

Aos meus sogros, Ernani e Verinha, pelo incentivo e carinho.

À minha orientadora, Profa. Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco, pelo

acolhimento desde o primeiro dia, pelo olhar atento e interessado, pela confiança,

disponibilidade, e por contribuir tanto na minha formação e com este trabalho.

À Profa. Dra. Marli André e Profa. Dra. Vera Trevisan de Souza, pela

atenção dispensada a meu trabalho e pelas contribuições preciosas na Banca de

Qualificação, um momento muito formativo para mim.

A toda a equipe de Boa Vista do Tupim: formadoras, coordenadores,

professores e alunos que me receberam tão bem e contribuíram com muito

empenho para viabilizar esta pesquisa.

À Cybele Amado, pela concepção e desenvolvimento do Projeto Chapada,

pelo compromisso absoluto com a melhoria da qualidade do ensino nas escolas em

que atua. Pelo privilégio da amizade e hospitalidade carinhosa e inesquecível.

Às queridas Cida, Neury, Giovana e Bete, parceiras de trabalhos e também

responsáveis por construírem uma rede colaborativa na Chapada. Meninas

guerreiras e comprometidas. Pela gentileza e disponibilidade em me ajudar nesta

pesquisa.

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À Silvia Carvalho, um exemplo de liderança pedagógica e competência. Pelo

seu apoio, parceria, carinho e, em especial, sua ajuda e interesse neste trabalho.

Inteligência admirável.

À Regina Scarpa, com quem tanto aprendo sobre educação e sobre a vida.

Pela sua generosidade com os amigos e sua militância pela educação pública

brasileira. Pela colaboração de sempre, amizade e carinho. Um modelo para mim.

À Telma Weisz, minha mestra, que há tantos anos compartilha seus saberes

com fervor e com quem aprendo sempre. Pela interlocução instigante, por sua

dedicação e compromisso com a alfabetização no ensino público. Pelo afeto e

amizade.

À Débora, minha querida amiga e grande parceira de trabalho. Pelas

aprendizagens e orientações na educação das filhas. Pelas boas risadas. Ao seu

marido Rubens, pela generosidade intelectual e leitura atenta.

À Aninha Inoue pelo incentivo, parceria e por sua conduta e liderança

irretocáveis.

À equipe de formadoras do Instituto Avisa Lá pela boa parceria,

cooperativismo e reflexão constante. À Cisele, Ana Benê, Silvana e Clélia pelo

companheirismo e sensibilidade. À Priscila Monteiro, amiga querida, que me inspira

pela sua luta na educação matemática.

Às queridas Virgínia Gastaldi e Dayse Gonçalves, pela interlocução

estimulante, colaboração profícua e amizade. À Eli Midori e Luciana Sigalla, pelo

acolhimento e disponibilidade.

À Gorette, pela revisão minuciosa e competente. À Dani, pela amizade de

tantos anos e pela preciosa ajuda na tradução.

À Martinha Durante, minha amiga tão querida. E aos três anjos, Rô, Marília e

Eliane que me ajudaram a manter a casa em ordem e o clima sempre tão alegre!

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A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio

que, em colar vistoso, vai compondo as missangas.

Mia Couto – O Fio das missangas

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi analisar o processo de construção do papel formador dos coordenadores pedagógicos que atuam nas escolas do Ensino Fundamental I da rede pública no município de Boa Vista do Tupim, na Chapada Diamantina/BA. Esse município integra o Projeto Chapada, programa do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, organização não-governamental que investe na formação das equipes técnicas que atuam nas Secretarias Municipais de Educação, as quais, por sua vez, são responsáveis pela formação dos coordenadores pedagógicos que atuam nas escolas. Neste trabalho, pretendeu-se refletir sobre o processo formativo dos coordenadores pedagógicos e suas necessidades formativas, sob a ótica dos coordenadores e de suas formadoras. O esforço político do município de implementar uma estrutura de formação permanente, desde a Secretaria, com as equipes técnicas, até a escola, com o coordenador, revelou bons resultados na qualidade da aprendizagem dos alunos e no desenvolvimento profissional dos professores. Foi possível identificar, no conjunto de dados analisados (levantados através de entrevistas, grupo de discussão e observações nas escolas) que os coordenadores reconhecem a formação dos professores como sua principal função nas escolas; conseguem viabilizar na rotina, com o apoio político e técnico da Secretaria Municipal de Educação, diferentes espaços dedicados à formação; reconhecem e valorizam a presença de seus formadores e o esforço deles em atender às suas necessidades formativas. O pressuposto da rede de formação do município de Boa Vista do Tupim é de que a melhoria da qualidade da escola pública não é fruto de uma ação isolada, externa e pontual de formação. Ao contrário, pressupõe um conjunto de ações interligadas, envolvendo os diversos atores que compõem o cenário educativo. Os coordenadores são responsáveis pela formação dos professores, porém não podem assumir esta tarefa, sozinhos. Todos os sujeitos envolvidos nesta cadeia de formação se corresponsabilizam e oferecem o apoio técnico e formativo ao sujeito da formação que está interligado. A rede colaborativa é concebida como baliza para as ações formativas e como espaço de participação democrática, de relações horizontais e muita parceria. Compreender como o município de Boa Vista do Tupim conseguiu viabilizar esse processo de construção do papel formador do coordenador com êxito pode representar uma contribuição deste trabalho à área da coordenação pedagógica, à formação de professores e à própria educação.

Palavras-chave: Coordenação Pedagógica; Coordenador Pedagógico; Formação de formadores; Formação permanente.

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ABSTRACT

The objective of this study was to analyse the process for the creation of the training role of the educational coordinators working in the state primary schools network of the municipality of Boa Vista do Tupim, in Chapada Diamantina/BA. This municipality is part of Projeto Chapada, a program of Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, a non-governmental organisation, which invests in the training of technical teams operating in the Municipal Education Departments, which in turn are responsible for training educational coordinators who work in schools. This study considers the training process for educational coordinators and their training requirements from the perspective of the coordinators and their trainers. The political efforts made by the municipality to implement an ongoing training structure, from the Department with its technical teams to the coordinator at schools, has achieved good results for the quality of learning of students and the professional development of teachers. An analysis of all the data collected (interviews, discussion group, observation of schools) revealed that the coordinators see training as their main function in schools. Thanks to political and technical support from the Municipal Education Department, they managed to create dedicated training spaces in the schools’ routines; and they recognise and value the presence of their trainers and the efforts to meet their training needs. The premise of the training network in the municipality of Boa Vista do Tupim is that it is not possible to improve the quality of state schools through isolated, external and individual training activities. On the contrary, the current system involves a series of interconnected actions, involving the different stakeholders in the educational sphere. The coordinators are responsible for teacher’s training, but they cannot undertake this task alone. All parties involved in this training chain bear joint responsibility and offer training and technical support to the trainer within the network. The collaborative network is designed to serve as a foundation for training activities and as a space for democratic participation, horizontal relations and extensive partnerships. Understanding how the municipality of Boa Vista do Tupim managed to implement this process for successfully creating the training role of the coordinator will be a way in which this study can contribute to the area of educational coordination, the training of professionals and to education itself.

Key words: Educational Coordination; Educational Coordinator; Training of trainers; Ongoing training.

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LISTA DE SIGLAS

AC - Atividade Complementar

CP - Coordenador Pedagógico

FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICEP - Instituto Chapada de Educação e Pesquisa

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IDECA - Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Ação

Comunitária

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira

MEC - Ministério da Educação

ONG - Organização Não-Governamental

PUC - Pontifícia Universidade Católica

SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEMEC - Secretaria Municipal de Educação

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................

2. O CONTEXTO PROFISSIONAL E A PESQUISA......................................

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO PROFISSIONAL..........................................................

2.2. OBJETIVOS DA PESQUISA.........................................................................

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..................................................................

3.1. ESTUDOS CORRELACIONADOS..................................................................

3.2. REFERENCIAIS PARA PENSAR NO CONTEXTO ATUAL DA FORMAÇÃO

PERMANENTE....................................................................................................

3.2.1. A formação permanente e o desenvolvimento profissional............

3.2.2. A formação articulada ao contexto de trabalho..............................

3.2.3. A formação e as redes colaborativas de aprendizagem................

3.2.4. O papel do conhecimento didático na formação............................

3.2.5. A formação permanente e o papel do coordenador pedagógico...

3.2.6. A rotina como estrutura de apoio para o trabalho do coordenador

pedagógico..................................................................................................

3.2.7. O coordenador pedagógico e as estratégias formativas................

4. O CONTEXTO DA PESQUISA...................................................................

4.1. O PROJETO CHAPADA.............................................................................

4.2. BOA VISTA DO TUPIM...............................................................................

5. METODOLOGIA..........................................................................................

6. ANÁLISE DOS DADOS..............................................................................

6.1. ARTICULAÇÃO.........................................................................................

6.1.1. As redes colaborativas...................................................................

6.1.2. A Rotina (tempo e espaço)……………………………………………

6.1.3. As práticas profissionais de escrita................................................

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6.2. FORMAÇÃO.............................................................................................

6.2.1. O papel formador dos coordenadores............................................

6.2.2. As ações da Secretaria e as necessidades formativas dos

coordenadores.............................................................................................

6.2.3. O conhecimento didático / os conteúdos da formação..................

6.2.4. As estratégias de formação............................................................

6.2.4.1. A tematização da prática.............................................................

6.2.4.2. A situação de dupla conceitualização.........................................

6.3. TRANSFORMAÇÃO....................................................................................

6.3.1. O processo de avaliação................................................................

6.3.2. Resultados......................................................................................

6.3.2.1. Mudanças observadas na aprendizagem dos professores.........

6.3.2.2. Mudanças observadas na aprendizagem das crianças..............

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................

APÊNDICES...................................................................................................

APÊNDICE A – RELATO DE OBSERVAÇÃO 1 – PLANEJAMENTO...........................

APÊNDICE B – RELATO DE OBSERVAÇÃO 2 – PLANEJAMENTO...........................

APÊNDICE C – RELATO DE OBSERVAÇÃO 3 – SESSÕES SIMULTÂNEAS DE

LEITURA............................................................................................................

APÊNDICE D – RELATO DE OBSERVAÇÃO 4 – SALA DE AULA.............................

ANEXOS............................................................................................................

9. ANEXOS - NOTÍCIAS DE JORNAIS SOBRE BOA VISTA DO TUPIM.....

ANEXO A – TRIBUNA DA BAHIA.........................................................................

ANEXO B – IG EDUCAÇÃO...............................................................................

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1. INTRODUÇÃO

“Podia me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui?”

“Isso depende muito do lugar para onde você quer ir”, disse o Gato.

Lewis Carroll – Alice no País das Maravilhas

Desde 2004 coordeno um programa de formação de coordenadores

pedagógicos e formadores de coordenadores. Nesse período, pude acompanhar a

formação dos formadores em 107 municípios, localizados em diferentes regiões do

país. As experiências de formação são distintas em cada lugar, dadas as condições

sociais, materiais, estruturais, históricas e geográficas, entre outras. Apesar do

aparente desejo, não são todas as redes que conseguem tornar a formação um

processo contínuo, formando os coordenadores para atuarem também como

formadores e transformar as escolas em espaços de formação permanentes.

Descrevo, mais adiante, alguns resultados e implicações desse trabalho que tanto

me desafia. Por agora, importa dizer que a minha atuação como formadora levou-me

a procurar na pesquisa uma melhor compreensão de alguns aspectos do processo

de formação do papel formador dos coordenadores pedagógicos.

A pesquisa nasceu do desejo de analisar um processo de formação bem

sucedido. Um desejo aliado a duas inquietações: por que pode dar tão certo em

alguns municípios e não em outros? O que fez esse município para que os

resultados fossem tão bons? O município escolhido para a pesquisa foi Boa Vista do

Tupim, localizado na Chapada Diamantina/BA. Em 2009 a rede municipal de Boa

Vista do Tupim obteve o melhor índice do Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB)1 de todo o Estado da Bahia (5.8) quase o triplo do verificado em 2005

(2,2). Uma das hipóteses para tal resultado é o trabalho de formação docente que

vem sendo realizado pelos coordenadores pedagógicos das escolas, coordenadores

esses também formados para isso, no âmbito do Instituto Chapada. O presente

estudo teve como objetivo analisar o processo de construção do papel formador dos

coordenadores pedagógicos em Boa Vista do Tupim. Foram definidas como

questões do estudo:

1 O IDEB sintetiza duas medidas: dados sobre aprovação escolar e médias de desempenho nos

sistemas nacionais de avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Prova Brasil. A escala varia de zero a dez.

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1. Quais foram as principais ações da Secretaria Municipal de Educação

de Boa Vista do Tupim que contribuíram para a construção do papel

formador do coordenador pedagógico?

2. Quais as principais necessidades formativas dos coordenadores

durante o processo de constituição de seu papel de formador dentro da

escola?

3. Como os formadores contribuíram para construir a rede colaborativa de

formação?

Essa inquietação me colocou em movimento, me pôs a andar. E esse

deslocamento tem sua cota de sofrimento e de prazer. No início do mestrado, a

minha sensação era de procura, parecida com a da Alice. Ao contrário do gato, eu

sabia o que queria pesquisar desde o início, porém não sabia o melhor caminho. Por

onde ir? No decorrer da pesquisa, fui encontrando caminhos, mas mantendo o

exercício de tornar provisório o que parecia definitivo.

nunca sei ao certo se sou um menino de dúvidas

ou um homem de fé certezas o vento leva

só dúvidas ficam de pé

Paulo Leminsky

Movida pelas dúvidas, segui com a pesquisa.

Foi trabalhoso, e um pouco sofrido, transitar no espaço entre o

conhecimento já produzido e a iminência de um conhecimento novo. E foi muito

prazeroso encontrar algumas respostas para um processo bem sucedido de

formação de coordenadores, como veremos ao final da análise deste estudo. A

pesquisa me pôs em relação com os autores de outros trabalhos e me convocou a

organizar e a produzir novas ideias. Posso dizer que a pesquisa foi uma experiência

transformadora.

Para sintetizar o caminho percorrido no decorrer do estudo e os principais

resultados alcançados, este texto tem a seguinte organização:

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• no capítulo 2, faço uma breve contextualização do meu percurso

profissional e apresento os objetivos da pesquisa;

• no capítulo 3, apresento a fundamentação teórica e os principais

autores que me ajudaram a pensar no contexto atual da formação permanente;

• no capítulo 4, apresento o contexto da pesquisa: a estrutura e o

funcionamento do Projeto Chapada e as características do município de Boa Vista

do Tupim;

• no capítulo 5, defino o delineamento metodológico, descrevendo os

caminhos percorridos;

• no capítulo 6, analiso os dados recolhidos durante a pesquisa,

organizados segundo as categorias definidas, tanto com base no corpo teórico

apresentado, quanto por aquilo que emergiu dos próprios dados;

• no capítulo 7, organizo as considerações finais, procurando expor as

implicações e problematizações deste estudo e alguns encaminhamentos possíveis

dele decorrentes.

Por fim, gostaria de dizer que embora as perturbações inerentes ao

processo de novos conhecimentos tenham provocado angústias, a satisfação de

compreender algo novo e encontrar caminhos foi arrebatadora. É a boa sensação de

encontrar realização pessoal na ação sobre o conhecimento e reconhecer a

aprendizagem como transformação da perspectiva cultural.

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2. O CONTEXTO PROFISSIONAL E A PESQUISA

2.1. Contextualização profissional

[...] rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é [...] Raduan Nassar – Lavoura Arcaica

O início da minha carreira profissional foi embalado por um idealismo

inabalável. Entendia que a minha paixão pela educação e pelas crianças eram

suficientes para enfrentar quaisquer adversidades que pudessem aparecer. Entendia

que as reclamações dos professores, dos gestores e dirigentes da educação

significavam falta de vontade política ou falta de apreço pela profissão. Posso dizer,

a meu favor, que a juventude é assim mesmo, cheia de impulsos onipotentes,

ideários românticos e, por isso, não há como escapar da ingenuidade. O fato é que

hoje olho para trás e vejo que essa postura quase quixotesca e um pouco

pretensiosa, não me envergonha, mas revela o quanto o tempo e a experiência me

foram preciosos para construir novos observáveis. E o fato de ganhar novos

observáveis e fragilizar a ingenuidade não quer dizer que eu tenha perdido um

ideário e a militância pela educação. Pelo contrário. Sinto-me mais fortalecida para a

luta, no entanto com lentes mais limpas e claras para reconhecer as condições em

que os caminhos podem ser recriados. O fervor e o desejo continuam a impulsionar

minhas ações, porém sei que não bastam.

Os bons resultados dependem de um conjunto de ações e destaco a

necessidade “do outro” e “com o outro”. Isto é: para promovermos e fomentarmos

processos de aprendizagem precisamos de uma rede colaborativa, precisamos

acionar o outro e nos conscientizarmos dos limites do trabalho solitário.

Como bem diz Raduan Nassar, se estivermos atentos ao fluxo do tempo,

podemos aprender com sua sabedoria, recebendo dele seus favores. O tempo, na

educação e as várias experiências formativas das quais participei abriram novas

possibilidades de compreensão e entendimento. Devo dizer que o desejo é continuar

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a integrar grupos que tragam em sua cadência: compromisso, trabalho, afeto e a

implicação de todos os envolvidos. Esta é a beleza do grupo. Tudo isso embalado

pela coragem que precisamos para as mudanças e com a convicção de que o

conhecimento é uma oportunidade de ser feliz pela autoria.

Iniciei minha carreira profissional na sala de aula, atuando na Educação

Infantil, com diferentes idades. Depois de alguns anos, fui trabalhar em uma

organização não-governamental (ONG), o Instituto Avisa Lá2, dedicada à formação

de professores de Educação Infantil e de primeiras séries do Ensino Fundamental.

No Instituto, comecei atuando em uma função nomeada “professora de apoio”:

desenvolvia um projeto didático em uma sala de aula, atuando com as crianças,

enquanto a professora observava. Além de desenvolver o projeto em sala de aula,

era responsável por desenvolver também um projeto de formação com a equipe de

professores. Discutíamos as etapas dos projetos, as decisões didáticas e

buscávamos teorizar as ações observadas na prática, descontextualizando o

conhecimento, na tentativa de encontrar ações generalizáveis para outras situações

didáticas, outros projetos. Depois de quatro anos como professora de apoio, passei

a integrar a equipe das formadoras e, portanto, não entrava mais em sala de aula. A

carga horária de formação com as professoras, coordenadoras e diretoras aumentou

e também aumentaram os desafios em relação às melhores estratégias de

formação, ao desenvolvimento de projetos de formação e à responsabilidade em

ajudá-las com a gestão da aprendizagem de todos os sujeitos envolvidos.

Após três anos atuando como formadora, recebi o convite para coordenar

um novo projeto do Avisa Lá, o Programa “Além das Letras"3. O objetivo do

2Instituto Avisa Lá “é uma organização não-governamental (ONG), sem fins lucrativos, com finalidade

pública. Tem como objetivos contribuir para a qualificação e o desenvolvimento de competências dos educadores, que atuam em instituições educacionais e atendem crianças de baixa renda; oferecer suporte técnico para ONGs, agências governamentais, escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental; atuar como centro de produção de conhecimento em Educação por meio de site na internet, com produção de vídeos de formação e publicações; e contribuir para a formulação e implementação de políticas públicas que resultem em Educação de maior qualidade. A sua missão é melhorar a qualidade da Educação por meio do desenvolvimento profissional e pessoal de educadores e do fortalecimento do potencial educativo das escolas e centros educacionais.” (Trecho transcrito do site do Instituto Avisa Lá – www.avisala.org.br). 3“O Programa Além das Letras nasceu do sonho da equipe do Instituto Avisa Lá de que é possível

alfabetizar crianças de baixa renda para que, ao completarem o Ensino Fundamental, além de saberem ler e escrever efetivamente, elas sejam capazes de entender e atribuir novos significados ao que leem e consigam se comunicar plenamente por meio da escrita. A primeira ação do programa é

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Programa é ajudar na formação das equipes de formadores das Secretarias

Municipais de Educação para que elas se fortaleçam do ponto de vista técnico e

possam, assim, ajudar cada vez mais na formação dos coordenadores pedagógicos

da rede. O conteúdo foco do Além das Letras é o conhecimento didático em

alfabetização. Desde 2004 estou à frente desse programa, com o desafio de ajudar

as equipes a organizarem a formação dos coordenadores pedagógicos. O Programa

atua no mínimo dois anos com cada rede. Depois desse período, as equipes locais

dão continuidade à formação dos coordenadores sem o apoio da consultoria da

equipe do Instituto Avisa Lá. Há municípios em que o programa tem o apoio de

parceiros financiadores, e há outros que assumem os custos da consultoria técnica

do Avisa Lá com recursos próprios das Secretarias. Desde o início do programa, já

participaram 107 municípios, de diferentes regiões do país. O Mapa 1 ilustra a

abrangência do programa e a participação dos diferentes Estados.

Atuamos, principalmente, em municípios de médio porte (de 50.001 a

100.000 habitantes) e pequeno porte (até 50.000 habitantes), segundo classificação

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). E também capitais, como

Manaus (AM), Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS), Teresina (PI),

Natal (RN). A experiência do Além das Letras foi fundamental para a decisão do

objeto desta pesquisa. Ao ajudar os municípios integrantes do Programa Além das

identificar os municípios que realizam um bom trabalho. Desde 2004, o Além das Letras vêm selecionando e divulgando boas práticas de formação em alfabetização desenvolvidas pelas equipes técnicas das secretarias municipais de educação de cinco regiões do País. Com este grupo de municípios, foi criada a Comunidade Além das Letras. Essa comunidade virtual busca estimular o aperfeiçoamento de educadores, a troca de experiências bem sucedidas e a construção de conhecimento na área. Isso é feito em parceria com as equipes técnicas dos municípios participantes, por meio do desenvolvimento de projetos de formação continuada para coordenadores pedagógicos e professores. Tais experiências devem contemplar um diagnóstico local e um plano de ação visando melhorias na qualidade das práticas de leitura e de escrita dos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. O fortalecimento e ampliação das iniciativas locais pretendem influenciar na alfabetização das crianças, garantindo, no âmbito municipal, a utilização de princípios mais eficazes de formação continuada por meio de atuação com os técnicos formadores, coordenadores pedagógicos e professores das redes públicas de educação. A rede é composta por uma união de diferentes parceiros e foi constituída para realizar o Programa Além das Letras: o Instituto Avisa Lá (IAL), responsável técnico e idealizador do Programa; a Fundação Avina, apoiador inicial; o Grupo Gerdau, patrocinador e a IBM, parceira tecnológica. Além disso, o suporte ao planejamento, à gestão, à busca de parceiros e à coordenação tecnológica são de responsabilidade do Instituto Razão Social. A Ashoka, a Undime, a Unesco e o Unicef são parceiros institucionais. A Comunidade Além das Letras conta com uma equipe constituída por profissionais dos Institutos Avisa Lá e Razão Social.” (Trecho transcrito do site do Programa Além das Letras – www.alemdasletras.org.br).

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Letras a pensar em estruturas de formação, pudemos observar resultados notáveis

em redes que passaram a investir na formação das equipes técnicas e dos

coordenadores. Esses resultados dizem respeito à aprendizagem dos

coordenadores, professores e alunos, ou seja, todos os sujeitos envolvidos nessa

cadeia distributiva de formação. As Secretarias de Educação desses municípios

reorganizaram a forma de pensar a formação: organizaram uma equipe técnica que

tinha como atribuição principal a formação dos coordenadores; portanto, ofereciam

formações regulares, faziam supervisões e observações nas escolas. Durante esse

período, pude observar algumas características específicas de cada rede e

características comuns entre elas, como, por exemplo, o tempo e a continuidade

política como fatores importantes para a manutenção da formação, a importância da

equipe de formadores das Secretarias para assegurar a formação dos

coordenadores pedagógicos e, sem dúvida, o diferencial quando se tem uma rede

colaborativa balizando o processo. Estas são observações de uma formadora, do

lugar de quem está absolutamente envolvida, atuando e participando na formação.

Mapa 1 – Municípios participantes e que já participaram do “Programa Além

das Letras”

Fonte: Instituto Avisa Lá

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Em paralelo ao Avisa Lá, assessorei algumas redes municipais de ensino,

no trabalho desenvolvido com alfabetização na Educação Infantil e nas séries inicias

do Ensino Fundamental. Coordenei também uma escola particular durante três anos,

com o objetivo de conhecer um pouco mais o cotidiano de uma coordenadora que

acumula várias atribuições, além da formação dos professores. Foi uma experiência

fundamental para vivenciar todas as demandas que uma coordenadora recebe da

instituição e para tentar desenhar uma rotina que privilegiasse o trabalho da

formação.

Em 2000 e 2001, participei da formação dos “PCN em Ação” (Parâmetros

Curriculares Nacionais), por vários municípios pelo Brasil, e da elaboração do

material do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) do

Ministério da Educação (MEC), coordenado por Telma Weisz e Rosaura Soligo.

Essa experiência dos PCN em Ação, viajando pelos municípios e, ao mesmo

tempo, o desafio da elaboração do PROFA, contribuíram para que eu pudesse

conhecer um pouco mais a forma pela qual as redes municipais de educação

vinham estruturando a formação dos professores e também para aprofundar o meu

conhecimento sobre a didática da alfabetização. Um tempo em que fiz parte de um

grupo que desejava mudanças. A convocação era para reflexões, era para que

todos os participantes se colocassem diante dos objetos de conhecimento sem

medo, era para a urgência das realizações. Entendíamos, cada vez mais, que só

haveria transformações na qualidade da aprendizagem das crianças se os

professores tivessem a possibilidade de refletir sobre suas ações de modo mais

regular, mais constante. As ações promovidas pelas Secretarias de Educação não

poderiam ser episódicas, pontuais; seria necessário haver uma política de formação

dos coordenadores pedagógicos que atuam nas escolas. Os coordenadores podem

ser os parceiros mais experientes dos professores, podem ser articuladores de uma

rede de aprendizagem dentro da escola, podem garantir que a reflexão seja

constante, que o contexto de trabalho seja o objeto de discussão atrelado à

teorização necessária e também podem ser corresponsáveis pela qualidade da

aprendizagem dos alunos. A formação dos coordenadores contribui para tornar as

escolas espaços de formação permanente de seus professores.

Portanto, desde a época em que integrei a equipe de formadoras do MEC

(1999 a 2001), temos discutido a importância dos coordenadores assumirem o lugar

de parceiros e articuladores de aprendizagem dentro das escolas.

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Concomitantemente à concepção e início do desenvolvimento do Programa

Além das Letras, conheci o Projeto Chapada. Primeiro conheci Cybele Amado,

coordenadora executiva do Projeto e também do Instituto Chapada, e depois as

outras formadoras integrantes do Projeto. Fiquei encantada e aprendi muito com

elas sobre a importância de formarmos os quadros locais de formadores. O Projeto

também investia na formação de coordenadores. No entanto, a diferença em relação

à minha experiência com o Além das Letras é que os formadores do Projeto

Chapada podiam acompanhar esta formação por mais tempo e não apenas por dois

anos. Já estavam há seis anos investindo na formação do coordenador como um

formador dentro da escola. O Projeto Chapada elaborou uma política de formação

de coordenadores e investia, de modo intenso, na formação dos conteúdos

relacionados à alfabetização e aos conteúdos da formação.

Em 2009, os índices relacionados à alfabetização de alguns municípios

passaram a chamar a atenção: notava-se um avanço importante. Desde então, a

cadeia formativa e a formação dos coordenadores vem se consolidando nos

municípios integrantes do Projeto.

Em 2011, fui convidada a coordenar a elaboração de um guia para a

formação de coordenadores pedagógicos. O objetivo do material é apoiar o trabalho

dos coordenadores nas escolas e referencia-se na experiência desenvolvida por

uma rede de municípios integrantes do Projeto Chapada, origem dos exemplos nele

apresentados. Durante o ano de 2011, fui duas vezes à Chapada Diamantina

conhecer mais de perto o trabalho de formação realizado por alguns municípios:

Souto Soares, Iraquara e Boa Vista do Tupim. Nas visitas, acompanhei formações,

observei coordenadores pedagógicos atuando e professores em atividade com seus

alunos, além de conhecer as documentações produzidas pelos diferentes atores

envolvidos no processo de formação: formador, coordenador, professor e produções

das crianças. No decorrer do ano, coordenei a elaboração do guia, realizada por

quatro coordenadoras regionais (responsáveis pela formação dos formadores das

Secretarias), integrantes do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP).

Esse material foi resultado de uma parceria entre o MEC (apoio institucional), o ICEP

(realização) e o ITAÚ BBA (apoio financeiro). Posso dizer que esta experiência foi

um grande presente para mim. Foi a oportunidade de organizar o conhecimento

disponível sobre a formação dos coordenadores e me ver diante do que preciso

saber mais. Para atender a esse desafio, foram necessárias muitas leituras e

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estudos e, nesse contexto, foram surgindo questões sem respostas imediatas.

Compreender melhor o processo de formação dos coordenadores era uma delas.

No próximo item justifico a escolha do objeto da pesquisa e explico os

motivos que me levaram a realizá-la em Boa Vista do Tupim, município integrante do

Projeto Chapada.

2.2. Objetivos da pesquisa

Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever. Clarice Lispector – A Hora da Estrela

A formação permanente é um direito do professor, segundo a Lei de

Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96. Portanto, é um dever das escolas e Secretarias

de Educação assegurar que as formações aconteçam dentro da carga horária de

trabalho prevista e remunerada do professor.

Temos observado que há um esforço por parte das Secretarias e escolas em

organizarem as formações. No entanto, parte delas é concebida e desenvolvida

desarticuladamente dos contextos de trabalho das escolas. Isto é, o conteúdo da

formação não se articula com as necessidades de aprendizagem dos professores.

Segundo Imbernón (2010, p.17),

[...] a aquisição de conhecimentos por parte do professor está muito ligada à prática profissional e condicionada pela organização da instituição educacional em que esta é exercida. [...] Na formação, não há problemas genéricos para todos, nem, portanto, soluções para todos; há situações problemáticas em um determinado contexto prático. Assim, o currículo de formação deve consistir no estudo de situações práticas reais que sejam problemáticas.

De fato, em geral, os problemas que os professores enfrentam no dia a dia

estão vinculados ao ensino ou à aprendizagem escolar de determinados conteúdos

e, para eles, é muito relevante encontrar interlocução formativa para refletir sobre o

conhecimento didático e sobre as melhores condições de ensino para incidir em uma

melhor qualidade de aprendizagem dos alunos. Como bem destaca Nóvoa (2007,

p.9):

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[...] grande parte dos programas de formação contínua tem-se revelado de grande inutilidade, servindo apenas para complicar um quotidiano docente já de si fortemente exigente. Os professores devem recusar o consumismo de cursos, seminários e acções que caracteriza o “mercado da formação” e que alimenta um sentimento de “desactualização” dos professores. A concepção da Educação Permanente obriga-nos a pensar ao contrário, construindo os dispositivos de formação a partir das necessidades das pessoas e da profissão, investindo na construção de redes de trabalho colectivo que sejam o suporte de práticas de formação baseadas na partilha e no diálogo profissional.

Para os professores, é fundamental fazer parte de uma equipe colaborativa

de trabalho. A dimensão do trabalho coletivo, como bem evidenciam Placco e Silva

(2009, p. 27), nasce de processo de formação intencionalmente desenvolvido. É

preciso constituir uma equipe em que haja corresponsabilidade pela qualidade da

educação oferecida aos alunos. Desse modo, o professor é considerado como um

profissional e não como um aluno. E um profissional com uma responsabilidade

social definida por sua profissão, que é ensinar. Canário (1997) afirma que a escola

é o lugar onde os professores aprendem e que, portanto, as formações devem ser

centradas nas escolas. Reconhecer que o investimento nas ações de formação

continuada dos professores impacta na melhoria da qualidade do ensino não se

constitui um fato novo. A inovação é conceber, de fato, a escola como espaço de

formação permanente. Nesse contexto, vem ganhando especial atenção o papel

formador do coordenador pedagógico, ou do profissional responsável pela

organização do grupo de professores em uma instituição. Tem-se discutido, cada

vez mais, sua responsabilidade com a formação continuada dos professores dentro

da escola e seu papel como mediador para as trocas de experiências, de dúvidas,

de conhecimentos e saberes no grupo, valorizando e promovendo a construção

colaborativa do conhecimento.

O problema observado é que, em muitos lugares, os coordenadores não

conseguiram ocupar o lugar de formadores, não conseguiram assumir o papel de

articuladores de uma rede de aprendizagem dentro das escolas. A pesquisa sobre

as funções e atribuições do coordenador pedagógico, realizada por Placco, Almeida

e Souza (2011), mostra que uma das razões é que o tempo destinado ao trabalho

com os professores, muitas vezes, é substituído por tarefas burocráticas e/ou

demandas cotidianas da escola, como, por exemplo: organização de horários,

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resoluções de questões legais e ou serviço de orientação educacional. A falta de

clareza do que pode ser a formação permanente dentro da escola desloca o

coordenador de suas funções prioritárias na escola: promover o processo de

formação dos professores e se corresponsabilizar pela gestão da aprendizagem dos

alunos. No entanto, para redimensionar o papel do coordenador na escola, não

basta entregar-lhe uma rotina redesenhada ou uma lista com suas novas funções. É

preciso inseri-lo em um processo de formação, para que possa impulsionar a

reflexão do grupo e contribuir com a prática dos professores. Pensar em

redimensionar o papel do coordenador nas escolas, necessariamente, traz a

pergunta: quem forma o coordenador?

Pois bem, parece-me que aqui temos uma problemática. Isto é, por um lado,

temos a importância das escolas se tornarem espaços permanentes de formação e

os coordenadores reconhecidos como formadores e articuladores de uma rede de

aprendizagem nas escolas e, por outro, temos o dado recente de que, atualmente,

no Brasil, segundo a pesquisa de Placco, Almeida e Souza (2011), os

coordenadores não desenvolvem seu trabalho tendo em vista o eixo “formação de

professores”.

Nesse contexto, destaca-se o trabalho de formação realizado pelo Projeto

Chapada, que defende a escola como um espaço de formação permanente de seus

professores e atribui ao coordenador pedagógico o papel de transformar os horários

de trabalhos coletivos em espaços de formação, estudo e reflexão sobre a prática

realizada em sala de aula.

Nos últimos anos, o projeto investiu, prioritariamente, na formação das

equipes técnicas das Secretarias e na formação dos coordenadores pedagógicos

que atuam nas escolas. Conforme se verificou, em 2010, na avaliação externa

realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Ação

Comunitária (IDECA), contratado pelo principal financiador do projeto para

acompanhar os resultados das ações de formação, quando os coordenadores

acompanharam sistematicamente a atuação dos professores em sala de aula, a

média dos alunos na prova IDECA de 3° ano aumentou 122,7%.

Temos visto a dificuldade encontrada por muitos municípios em formar seus

coordenadores para que atuem como formadores nas escolas. E o Projeto Chapada

apresenta resultados de aprendizagem surpreendentes, com condições materiais

adversas e, no entanto, com uma política de formação e condições para a

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institucionalização de uma rede distributiva de formação.

O presente estudo tem como objetivo analisar o processo de

construção do papel formador do(a) coordenador(a), na Rede Municipal de

Educação de Boa Vista do Tupim, município integrante do Projeto Chapada. A

importância de compreender a construção desse papel do coordenador pedagógico,

como um formador dentro da escola, justifica-se pelos bons resultados de

aprendizagem alcançados pelos alunos das escolas do município avaliado. Formar

coordenadores foi a principal estratégia para atender ao objetivo central do Projeto

Chapada e ela foi assumida pelo município considerado neste estudo.

Para alcançar essa compreensão, foram propostas as seguintes questões

de pesquisa:

1. Quais foram as principais ações da Secretaria Municipal de Educação

de Boa Vista do Tupim que contribuíram para a construção do papel formador do

coordenador pedagógico?

2. Quais as principais necessidades formativas dos coordenadores

durante o processo de constituição de seu papel de formador dentro da escola?

3. Como os formadores contribuíram para construir a rede colaborativa de

formação?

Compreender como o município de Boa Vista do Tupim conseguiu viabilizar

este processo de construção do papel formador do Coordenador Pedagógico (CP)

com êxito, pode representar uma contribuição deste trabalho à área da coordenação

pedagógica, à formação de professores e à própria educação.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. Estudos correlacionados

Para ampliar a reflexão sobre as ações do coordenador pedagógico na

escola e, especificamente, o papel formador que pode assumir, objeto desta

pesquisa, foi necessário conhecer dissertações e teses realizadas sobre essa

temática. Para tanto, utilizei informações contidas no site do Banco de Teses da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os

descritores utilizados na busca foram:

1. Coordenação pedagógica;

2. Coordenadores pedagógicos;

3. Formação de formadores

Estes descritores foram utilizados tendo em vista sua pertinência em relação

os objetivos propostos neste trabalho. Naquele site, pude acessar os resumos das

dissertações de mestrado e teses de doutorado realizadas no Brasil, no período de

2006 a 2010. No total, foram lidos 46 resumos.

Como podemos notar na Tabela 1 abaixo, há uma maior quantidade de

trabalhos com temas correlacionados ao proposto por esta pesquisa em nível de

mestrado do que de doutorado. Não são muitos trabalhos e há aumento de sua

frequência até 2009, no mestrado. No entanto, não há elementos para se avaliar

esse aumento como uma tendência, uma vez que há uma diminuição desse número

em 2010.

Tabela 1: Publicações de trabalhos correlacionados, disponíveis no Banco de Teses da CAPES

2006 2007 2008 2009 2010

Teses 1 1 3 2 2

Dissertações 3 8 7 12 7

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Depois da leitura dos resumos, selecionei cinco pesquisas, entre teses e

dissertações, para uma leitura mais aprofundada, entendendo que poderiam

contribuir e dialogar com o meu trabalho.

A seguir, comentarei brevemente do que tratam essas pesquisas e, mais

adiante, retomarei algumas delas para a análise dos resultados.

A primeira tese que destaco é Pelas telas, pelas janelas: a coordenação

pedagógica e a formação de professores nas escolas (CUNHA, 2006) cujo tema,

encaminhamentos e resultados apresentaram contribuições importantes ao meu

trabalho. Algumas das perguntas propostas por CUNHA (2006), de antemão, já me

interessaram pela identidade em relação ao papel do sujeito pesquisado:

Qual a prática das coordenadoras em relação às ações de formação

nas escolas?

Quais as possibilidades e dificuldades presentes no cotidiano das

coordenadoras para organizar essa formação?

Como veem o seu trabalho?

Os pressupostos do seu estudo também estão muito alinhados à concepção

desta pesquisa e sua leitura foi contributiva e esclarecedora. Cunha (2006) parte de

três pressupostos para responder às perguntas lançadas:

1. a ideia de que a formação continuada contribui para o desenvolvimento

pessoal e profissional dos profissionais da educação;

2. os professores e coordenadores aprendem sobre si, sobre os outros e

sobre o seu trabalho em contexto, o que justifica um investimento na formação nos

contextos de trabalho coletivo;

3. os coordenadores, a despeito de suas dificuldades e limitações, têm

um papel importante na organização das dinâmicas formativas nas escolas.

As respostas encontradas pela pesquisadora contribuíram para uma

aproximação à complexidade que os coordenadores enfrentam em sua rotina para

exercer o papel de formadores e também para projetar novas ações de formação

potencialmente transformadoras.

Ao mesmo tempo em que as coordenadoras defendem a importância do

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diálogo, do espaço de formação continuada dentro da escola e o diálogo entre a

prática e a teoria no trabalho colaborativo, elas expressam a dificuldade em conciliar

todas as suas atribuições. O saldo, segundo Cunha, é que se sentem

sobrecarregadas na função.

De modo análogo, a segunda tese que destaco, O coordenador

pedagógico e o desafio da formação contínua do docente na escola

(DOMINGUES, 2009), discute algumas condições para o coordenador pedagógico

assumir a formação contínua na escola. O estudo procurou evidenciar que a

atividade do coordenador pedagógico, na formação contínua centrada na escola, é

um saber-fazer multideterminado, decorrente da formação pessoal, da organização

institucional e das políticas públicas. O estudo amplia os conhecimentos referentes à

ação do coordenador pedagógico, motivado pela problemática constituída em torno

dos limites e das possibilidades de desenvolverem projetos de formação contínua

considerando que é uma competência profissional pouco estruturada.

Para buscar resposta à sua indagação principal, Domingues faz um estudo

aprofundado nas referências teóricas que discutem a formação contínua do docente

na escola. E, se, por um lado, parece tão claro que a escola é um lugar profícuo

para a formação porque congrega a atividade profissional, a possibilidade de

reflexão sobre a ação e um profissional específico para promovê-la, a pesquisadora

aponta aspectos que revelam a complexidade desse espaço formativo. Não é tão

simples quanto parece. A autora conclui (2009, p.199):

Realizar o trabalho de formação na escola de forma crítica e reflexiva exige do coordenador a consciência dos inúmeros fatores determinantes desse trabalho e a assunção de uma posição de liderança, aspecto esse destacado como atributo da coordenação, o que implica o desafio de construir uma formação sólida, afinada com a complexidade e a diversidade das situações pedagógicas na escola. Para tanto, as formações inicial e continuada não podem estar alicerçadas numa perspectiva instrucional, baseada em prescrições e orientações, e precisam estar organizadas para ampliar as expectativas e concepções desse profissional, para que atue em qualquer situação.

De acordo com Domingues, a formação centrada na escola expõe o

coordenador como o principal responsável pela valorização dos conhecimentos

docentes e pela construção do coletivo escolar. E, conforme as entrevistas

realizadas pela pesquisadora revelaram, será necessário investir em algumas ações

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para os coordenadores desenvolverem uma consciência crítica sobre sua atividade

profissional (2009, p.201):

Na construção da formação centrada na escola, como uma modalidade

que tem por base a relação entre o fazer e a reflexão crítica sobre o mesmo;

No trabalho com os problemas reais da escola (o que requer uma

competência para identificá-los coletivamente);

No desenvolvimento de uma equipe envolvida nos projetos da escola;

No investimento na formação contínua ao longo do exercício

profissional;

No exercício da reflexão crítica sobre o seu próprio fazer;

No reconhecimento dos professores como profissionais detentores de

saberes, mesmo que sejam saberes práticos;

Na busca por parcerias que assegurem às propostas formativas da

unidade a participação da direção e da supervisão;

Na ousadia substantiva da inovação, da reinvenção das concepções e

dos fazeres, da criação como aspecto fundamental nos projetos formativos, na

postura a ser desenvolvida e na atividade do coordenador.

Os caminhos identificados para o trabalho dos coordenadores ensejam a

conclusão da autora de que as possibilidades de uma prática emancipadora da

coordenação pedagógica estão associadas ao uso que se faz da relativa autonomia

da escola (2009, p.201) e também dialogam diretamente com meus dados de

pesquisa. Retomarei algumas reflexões desse trabalho na análise dos resultados.

A terceira pesquisa: Formação continuada em uma concepção crítico-

reflexiva: desafio aos coordenadores formadores de professores nas escolas

da rede municipal de São Luís-MA (VITURIANO, 2008) procura compreender a

formação na escola para entender melhor o papel de um formador nesse contexto. A

pesquisadora defende a escola como um local privilegiado da formação docente,

considerando que, neste espaço, é possível consolidar uma formação reflexiva

sobre a prática, embora entenda que a escola não seja o único espaço em que a

formação possa se desenvolver a partir de uma reflexividade.

Segundo a autora, os formadores entrevistados reconhecem que são muitos

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os desafios a enfrentar na função de coordenador-formador na escola. Para eles, só

é possível mobilizar o grupo de professores na escola para a formação, se o

formador for capaz de (2008, p.87):

Tematizar boas situações nos encontros, transformar as situações cotidianas em conteúdos formativos, ter clareza da concepção teórica que deve estar na base de sua ação, problematizar as situações reais que interferem diretamente na gestão de sala de aula, estabelecer a relação entre teoria e prática e priorizar o conhecimento didático como um dos conteúdos da formação a ser trabalhado pelo coordenador-formador [...]

A pesquisadora organiza algumas condições apontadas pelos formadores

como indispensáveis para uma formação de qualidade. São elas: a atuação em uma

perspectiva reflexiva, o acompanhamento à gestão da sala de aula, concebendo-a

como elemento norteador da formação continuada na escola, a atuação em uma

perspectiva dialógico-coletiva e não burocratizada e participação em espaços

coletivos de formação para formadores.

Esse trabalho revela condições importantes para uma boa atuação do

coordenador pedagógico e entende que é preciso dar mais atenção aos formadores

de professores, já que são estes profissionais que podem assegurar a qualidade da

formação.

Outra importante pesquisa revista foi A coordenação pedagógica em

questão: diálogos nos círculos de debates (CAMPOS, 2010). A autora entende

que, se o coordenador pedagógico faz parte da equipe de gestão, deve construir

saberes para além dos saberes da docência. Na tentativa de contribuir com o debate

sobre os saberes necessários para uma boa atuação do coordenador pedagógico e,

considerando a complexidade dessa função, especialmente no que diz respeito à

formação contínua de professores em serviço, no âmbito da unidade escolar, a

pesquisadora sistematiza alguns saberes revelados durante os encontros com os

coordenadores entrevistados. São eles: saber fazer acontecer o trabalho coletivo;

compreender a função social da escola no mundo contemporâneo; incluir os

professores como sujeitos do processo de ensinar e aprender; escutar os

professores; possibilitar que se manifestem e assumir o diálogo como conceito

fundamental do trabalho; coordenar o grupo de educadores, articulando teoria e

prática; articular formação coletiva e interações individuais; acolher as críticas,

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reclamações, queixas; saber pesquisar, estudar, construir bases teóricas que

possam fundamentar suas ações, discussões, reflexões. Conforme afirma a autora,

esses saberes não são estáticos e se constroem e reconstroem continuamente.

A próxima pesquisa também contribuiu para compreender o papel dos

formadores, embora a problemática central se diferencie das anteriores. Trata-se da

dissertação Quem forma quem? – Instituição dos sujeitos (SOLIGO, 2009). A

autora pesquisa a relação instituições-sujeitos, mais especificamente a relação entre

instituições/organizações educativas e os profissionais que nela atuam. Após

analisar algumas evidências reveladas por 32 memoriais de sujeitos que trabalham

principalmente na área da educação (dados da pesquisa), Soligo apresenta uma

série de recomendações para os que pensam e fazem as políticas de educação e

formação de educadores. Nas palavras da autora (p.146):

Recomendações para a elaboração e implementação de políticas de formação, direcionadas para o desenvolvimento pessoal e profissional nos aspectos que podem, ainda que de forma indireta, favorecer a ampliação do nível de profissionalismo, da competência no trabalho e, consequentemente, da qualidade do ensino.

No total são 16 recomendações, todas elas apoiadas nos resultados dos

memoriais. Destaco, a seguir, apenas aquelas recomendações que conversam

diretamente com a minha problemática, embora avalie que todas elas sejam

coerentes, importantes e contributivas para o debate sobre as políticas de formação.

Portanto, destaco as seguintes recomendações (2009, p.146):

É recomendável jamais esquecer que a formação profissional tem um

fim em si mesma, sim, que é garantir o necessário conhecimento dos sujeitos a que

se destina, mas que, no caso do Magistério (e de outras profissões similares), é

principalmente um meio para garantir o necessário conhecimento dos sujeitos a que

a ação dos profissionais se destina: os alunos, no caso dos professores, e os

professores, no caso dos formadores.

É recomendável que a Secretaria de Educação planeje as ações de

formação de modo sistêmico, e não isolado, uma vez que esta representa apenas

um dos fatores que interferem na aprendizagem dos alunos – um fator

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importantíssimo, mas apenas um, dentre muitos. As políticas que interferem, direta

ou indiretamente na qualidade do ensino, devem ser concebidas como resultado de

um planejamento estratégico pautado ao mesmo tempo nas necessidades da Rede

e nas ideias que a Administração pretende difundir.

É recomendável que se considere a formação centrada na escola como

uma modalidade privilegiada, mas somente se a equipe escolar tiver recursos para

desenvolvê-la adequadamente e receber apoio efetivo da Secretaria de Educação,

seja por meio da formação dos coordenadores pedagógicos e/ou dos professores,

seja por meio de ações de acompanhamento, seja de todas essas formas. Sob

nenhuma hipótese, se pode deixar as escolas abandonadas à própria sorte, com o

argumento pseudodemocrático da autonomia e de que é lá o locus mais importante

da formação continuada.

É recomendável que as metodologias de formação tomem de fato os

profissionais da educação como sujeitos e protagonistas de seu processo formativo

e se pautem principalmente na tematização da prática, na reflexão sobre situações-

problema reais e/ou simuladas, em propostas que possibilitem a constituição de

contextos favoráveis para o desenvolvimento pessoal e profissional. Procedimentos

como estudar, pesquisar, discutir questões teóricas, devem estar, acima de tudo, a

serviço de uma prática de melhor qualidade.

É recomendável criar dispositivos para que os profissionais da

educação reconheçam a necessidade de produzirem conhecimento compartilhável,

para que se convençam de que são capazes, para que se animem a produzi-lo

coletivamente e para que recebam apoio efetivo, em especial no que diz respeito

aos procedimentos de registro escrito.

É recomendável não esquecer que um grupo representa um contexto

favorável para a aprendizagem e pode contribuir para o desenvolvimento pessoal e

profissional de seus membros quando há interesses compartilhados, respeito real

pelo outro, aceitação das diferenças, solidariedade em atos, acolhimento, escuta,

crença na possibilidade da construção coletiva de conhecimento, convicção de que

ali se encontrarão respostas ainda que parciais para as necessidades, dúvidas e

questões que inquietam – e, se possível, é ainda melhor quando há afeto real,

manifesto em atitudes e gestos.

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Além das pesquisas revistas pelo Banco de Teses da Capes, gostaria de

destacar duas outras que apresentam análises que me ajudaram a delinear melhor

os objetivos específicos e o roteiro de perguntas para a coleta de dados.

A primeira delas é A formação de professores: um tema em discussão. A

formação dos formadores de professores: um tema em suspensão (PELISSARI,

2005). Embora esteja no Banco da Capes, foi defendida um ano antes do período

que pesquisei e tive conhecimento dela pela proximidade pessoal e profissional que

tenho com a autora.

O objetivo do estudo de Pelissari foi analisar o processo de formação

profissional do formador de professor, mais especificamente, daquele que

desenvolve práticas de formação continuada em contextos de ensino público

(professores, diretores, técnicos de secretarias, coordenadores pedagógicos,

psicopedagogos, psicólogos e outros), ou seja, que assume a função de formador.

Para a autora, não há dúvida de que o ato de formar é complexo e ela, assim como

Campos (2010), entende que, para tornar-se formador é necessário desenvolver um

corpo de saberes específicos que extrapolam os saberes docentes. A partir da

análise das entrevistas realizadas em seu estudo, Pelissari (2005, p.64-72) formulou

seis desafios que considera postos hoje ao contexto de formação continuada e,

especialmente, aos formadores de professores. São eles:

1. Formar em um contexto mais investigativo/reflexivo do que

transmissivo.

2. Saber analisar as necessidades formativas dos professores.

3. Saber analisar as práticas dos professores em sala de aula.

4. “Operar” como um estrangeiro: o trânsito entre as funções de professor

e formador.

5. Compreender os processos de aprendizagem do adulto-professor.

6. Fazer parte de um coletivo de formadores: o trabalho colaborativo.

A definição desses desafios nos ajudam a compreender um pouco mais o

papel do formador e suas necessidades formativas. E, de modo muito esclarecedor,

o estudo ressalta que, para se constituir um formador, é preciso dialogar com o

conhecimento disponível, investir na própria formação e reivindicar espaços de

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reflexão para o desenvolvimento dos saberes específicos necessários para sua

função. Isto é, o formador precisa investir na autoformação, nas palavras da autora

(2005, p.80): “Os dados revelam que o diferencial no perfil de um formador de

professores é seu desejo de aprender e não apenas ensinar.”

A outra pesquisa cujo tema e resultados apresentaram contribuições

importantes ao meu trabalho foi realizada por Placco, Almeida e Souza (2011). Essa

pesquisa foi realizada pela Fundação Carlos Chagas, sob encomenda da Fundação

Victor Civita. As autoras realizaram uma extensa revisão bibliográfica dos últimos 30

anos e observaram um crescimento maior de pesquisas a partir de 2003. Segundo

as autoras (p.236):

O aumento do número de pesquisas sobre a coordenação pedagógica, nos anos recentes, revela certo consenso sobre a importância desse profissional nas escolas, por um lado, e a necessidade de compreender suas atribuições e práticas e, ao mesmo tempo, fundamentar princípios para suas ações. No que concerne aos temas, objetivos e questões investigadas nessas pesquisas, eles são muitos e variados, contudo, a imensa maioria circunscreve-se nos três eixos apontados no item anterior, quais sejam: articulação dos processos pedagógicos e educativos, transformação das classes pedagógicas e de ensino; e formação de professores.

A pesquisa foi organizada em duas fases: a primeira, quantitativa, teve como

objetivo traçar um perfil dos coordenadores pedagógicos brasileiros e investigar a

sua relação com a Educação; a segunda, qualitativa, procurou compreender como

se estruturam e se articulam as atribuições de Coordenação Pedagógica, em

escolas de ensino fundamental e médio.

Os resultados da pesquisa revelam que o potencial formativo dos

coordenadores não é aproveitado como poderia, na maioria das regiões do país.

Segundo as autoras, as tensões encontradas pelos coordenadores podem ser

classificadas em três naturezas: externas às escolas (sistema educacional), internas

(demandas burocráticas), necessidades e expectativas do próprio coordenador

(entre o desejo do que quer fazer e o que precisa fazer).

Os coordenadores reconhecem que realizar a formação dos professores é

muito importante e é parte de sua função. No entanto, expressam suas dificuldades

com a sobrecarga de trabalho, com a falta de boas condições de trabalho e de uma

formação específica para eles.

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As pesquisas revistas apontam para a importância do papel formador dos

coordenadores, porém também para a dificuldade em viabilizar essa função na

prática.

3.2. Referenciais para pensar no contexto atual da formação permanente

Para ensinar há uma formalidade a cumprir: saber.

Eça de Queiroz – Prefácio dos “Azulejos” do Conde de Arnoso

O campo de estudos deste trabalho é o papel formador dos coordenadores

e, embora, tenhamos dissertações e teses que contribuam ou dialoguem, de forma

direta, com este estudo, ainda há poucos livros editados que tratem,

especificamente, desse campo (salvo as coletâneas de artigos sobre o coordenador

pedagógico, organizadas por Almeida e Placco, das Edições Loyola, que

representam uma contribuição importante). No entanto, não há como apartar a

reflexão sobre o papel formador que os coordenadores pedagógicos podem

desempenhar dentro de uma escola, da reflexão sobre a formação. Por isso, é que,

além dos trabalhos revistos, apresento, a seguir, alguns autores, cujas ideias e

posições teóricas ajudam a delinear os fundamentos desta pesquisa. Ideias que são

fundantes para este trabalho, como: a formação permanente e o desenvolvimento

profissional, a formação articulada ao contexto de trabalho, as redes colaborativas

de aprendizagem, o papel do conhecimento didático na formação, o papel do

coordenador pedagógico para a formação permanente, a rotina como estrutura de

apoio para o trabalho do coordenador pedagógico e as estratégias formativas.

Destaco de cada autor apenas as referências que contribuíram para a construção

das definições do campo de estudos, naquilo que há de mais específico.

Assim como nos estudos correlacionados, retomarei alguns autores mais

adiante para a análise dos resultados. Os trabalhos escolhidos foram: Nóvoa (1997,

2007, 2009), Marcelo (2001, 2009), Imbernón (1998, 2010), Canário (1997, 2000),

Vaillant (2003), Placco (2010), Placco, Almeida e Souza (2011), Placco e Souza

(2006, 2008), Lerner (2002), Lerner, Stella e Torres (2009), André (2010), Davis et al

(2011), Marcelo e Vaillant (2001, 2010), Schön (1997), Gatti (2009), Shulman (2005).

Há uma distância do momento que se realiza a leitura de cada texto para o

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momento de compartilhá-la, como uma dissociação da capacidade de se fazer e

explicar o que se fez. Refletir sobre o conhecido abre portas para novas relações

com o conhecimento. Não é tarefa fácil, no entanto imprescindível. Vamos a ela.

3.2.1. A formação permanente e o desenvolvimento profissional

Tal como previsto no artigo 67 da LDB, os sistemas de ensino devem

promover a valorização dos profissionais da Educação, assegurando-lhes, nos

termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério, o aperfeiçoamento

profissional contínuo, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse

fim (DAVIS et al., 2011, p.96). Portanto, as escolas precisam se organizar para

utilizar os horários coletivos de formação e promover momentos de reflexão sobre a

prática e estudos articulados ao contexto de trabalho de sua equipe.

A concepção de formação permanente deste estudo parte de dois

pressupostos. O primeiro deles é a oposição à ideia da formação continuada com

caráter e função compensatória por causa das fragilidades e inevitáveis lacunas da

formação inicial. A defesa é para que a formação seja sempre permanente,

independente da qualidade da formação inicial.

Marcelo (2001, p.2), ao refletir sobre a aprendizagem dos professores em

tempos pós-modernos, denota que a formação inicial tem uma data de validade.

Segundo o autor,

No podemos seguir esperando que la formación profesional inicial nos dote de un bagaje de conocimientos del que podamos disponer a lo largo de toda nuestra vida profesional activa. Por el contrario, tanto por la aparición constante de nuevas ocupaciones y profesiones, como por el imparable avance de los conocimientos, se requiere de las personas, de los ciudadanos una actitud de permanente aprendizaje.

Outro pressuposto é o entendimento de que o professor deve ser visto como

um profissional e não como um aluno. O professor é um profissional com uma

responsabilidade social definida por sua profissão que é ensinar, com uma

experiência prática e um contexto de trabalho. A relação do formador e professor

não deve ser de professor e aluno, mas de dois profissionais da educação, com

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conhecimentos e experiências diferentes, e os dois se corresponsabilizando pela

qualidade da aprendizagem dos alunos.

O objetivo do processo de formação é contribuir para o desenvolvimento de

um profissional autônomo, que saiba autorregular suas ações práticas, avaliando-as

conceitualmente. Essa possibilidade de reflexão sobre a própria prática implica na

capacidade de observação e análise das próprias atitudes. Isto quer dizer que o

professor precisa distanciar-se da prática imediata para uma reflexão com certo

rigor, podendo confrontar suas ideias com conhecimento teórico. Para tanto,

conforme defende Nóvoa (1997, p. 27):

A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas da formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas.

É uma ideia oponente à corrente da racionalidade técnica, em que a

atividade profissional é, sobretudo, instrumental, e o professor é como se fosse um

instrumento de transmissão de saberes produzidos por outros. No modelo da

racionalidade, dá-se também uma separação entre o conhecimento teórico e o

prático. Gomez (1997, p.100) assinala, de modo claro, os limites e lacunas da

racionalidade técnica como perspectiva de formação:

Os problemas da prática social não podem ser reduzidos a problemas meramente instrumentais, em que a tarefa profissional se resume a uma acertada escolha e aplicação de meios e de procedimentos. De um modo geral, na prática não existem problemas, mas sim situações problemáticas, que se apresentam frequentemente como casos únicos que não se enquadram nas categorias genéricas identificadas pela técnica e pela teoria existentes. Por essa razão, o profissional prático não pode tratar estas situações como se fossem meros problemas instrumentais, susceptíveis de resolução através da aplicação de regras armazenadas no seu próprio conhecimento científico-técnico.

Nóvoa (1997, p.25) traz uma perspectiva de formação crítico-reflexiva,

compreendendo que a formação não se constrói por acumulação, mas através de

um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas. Portanto, não se trata de uma

formação que apenas se oferecem informações na bandeja, ou a transmissão de

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informações técnicas. Trata-se de criar bons contextos de reflexão articulados às

situações práticas do cotidiano do professor.

Nesta perspectiva, entendemos que uma instituição educativa

contemporânea deve funcionar como lugar de reflexão, de circulação e apropriação

de conhecimentos, para inserção singular em uma realidade complexa. Para isso, as

ações de formação objetivam incentivar a busca do conhecimento, apoiar o

planejamento e a reflexão sobre as aprendizagens dos alunos e não apenas a

transmissão de informações técnicas e teóricas.

Em síntese, como diz Gatti (2009, p.98):

Esse desenvolvimento profissional parece, nos tempos atuais, configurar-se com condições que vão além das competências operativas e técnicas, aspecto muito enfatizado nos últimos anos, para configurar-se como uma integração de modos de agir e pensar, implicando num saber que inclui a mobilização de conhecimentos e métodos de trabalho, como também a mobilização de intenções, valores individuais e grupais, da cultura da escola; inclui confrontar ideias, crenças, práticas, rotinas, objetivos e papéis, no contexto do agir cotidiano, com seus alunos, colegas, gestores, na busca de melhor formar as crianças e jovens, e a si mesmos.

De acordo com Imbernón (2010, p.46-47), para o desenvolvimento

profissional, não basta apenas promover a formação permanente nas escolas. Ela é

um dos elementos importantes, porém não é o único e nem o decisivo. Nas palavras

do autor (2010, p.46):

O desenvolvimento profissional é um conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professor progrida em sua vida profissional. A melhoria da formação ajudará esse desenvolvimento, mas a melhoria de outros fatores (salário, estruturas, níveis de decisão, níveis de participação, carreira, clima de trabalho, legislação trabalhista etc.) tem papel decisivo nesse desenvolvimento. Podemos realizar uma excelente formação e nos depararmos com o paradoxo de um desenvolvimento próximo da proletarização no professorado porque a melhoria dos outros fatores não está suficientemente garantida.

Para o autor (2010, p.49), o desenvolvimento profissional do professor pode

ser um estímulo para melhorar a prática profissional, crenças e conhecimentos, com

o objetivo de aumentar a qualidade docente, de pesquisa e gestão. Um outro

aspecto destacado por Imbernón (2010, p.47) é que o desenvolvimento profissional

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não se refere a um profissional isolado, mas ao coletivo ou institucional, e integram

os processos que melhoram a situações de trabalho, as habilidades e atitudes de

todos os trabalhadores da escola.

Marcelo (2009, p.10) entende que falar em desenvolvimento profissional, ao

invés de formação permanente, contempla melhor à concepção do professor

enquanto profissional do ensino, e o termo desenvolvimento traz uma conotação de

continuidade. No entanto, o autor aponta que o conceito de desenvolvimento

profissional modificou-se bastante na última década, em função da evolução da

compreensão de como se produzem os processos de ensinar e aprender. E conclui

que irá aparecer uma nova perspectiva do que se entende por desenvolvimento

profissional com a presença das seguintes características: baseia-se no

construtivismo e não no modelo transmissivo; é um processo a longo prazo; assume-

se como um processo que tem lugar em contextos reais; está diretamente

relacionado com os processos de reforma da escola; o professor é compreendido

como um prático reflexivo; o desenvolvimento profissional é concebido como um

processo colaborativo e pode adotar diferentes formar em diferentes contextos.

Ainda segundo Marcelo (2009, p.11), se entendemos o desenvolvimento

profissional como um processo que se constrói à medida que os docentes ganham

experiência, sabedoria e consciência profissional, precisamos considerar a

identidade como um elemento fundamental para o desenvolvimento profissional.

Marcelo e Vaillant (2010, p.152) ressaltam que o desenvolvimento

profissional se constitui um direito, mas também um compromisso profissional e

social dos professores, o que reforça a importância e o caráter inseparável da

identidade para o desenvolvimento profissional:

La formación constituye un derecho, pero también um compromiso profesional y social del profesorado. La “buena” formación es la respuesta al compromiso que los profesionales de la formación hemos asumido, y al compromisso social que la educación – em cualquiera de sus niveles-tiene, de oferecer uma formación de excelencia a nuestros estudiantes. Es por eso, precisamente, que debemos entender el desarrollo professional como un verdadero elemento identitario de la profesión docente.

André (2010, p.175), no artigo em que analisa o processo de constituição do

campo de formação de professores, após apresentar as concepções de

desenvolvimento profissional de diferentes autores, ressalta que:

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Precisamos estar atentos ao fato de que esse conceito é muito abrangente, o que pode levar a uma diluição do objeto. Há um risco de fomentar a dispersão dos estudos em lugar de delimitá-los. Daí a necessidade de clarearmos muito bem o conceito.

E, mais adiante, conclui (2010, p.176):

O que podemos concluir das leituras dos autores mais recentes é que a formação docente tem que ser pensada como um aprendizado profissional ao longo da vida, o que implica envolvimento dos professores em processos intencionais e planejados, que possibilitem mudanças em direção a uma prática efetiva em sala de aula.

Assim, a conclusão de André (2010) parece certeira para o debate entre os

autores: a concepção da formação docente como um aprendizado profissional ao

longo da vida, como um processo contínuo de desenvolvimento profissional.

3.2.2. A formação articulada ao contexto de trabalho

Uma das ideias de grande relevo para este trabalho é a de que a aquisição

de conhecimentos dos professores está muito ligada à prática profissional, por isso é

tão importante desenvolver uma formação no interior da escola. De acordo com

Imbernón (2010, p.17), na formação não há problemas genéricos para todos e nem

soluções para todos. Há situações problemáticas em um determinado contexto

prático. Portanto, ainda segundo o autor, o currículo de formação deve consistir no

estudo de situações práticas reais que sejam problemáticas.

De modo análogo, Canário (1997, p.9) afirma que os professores irão

aprender, de fato, a sua profissão, nas escolas. A consolidação da aprendizagem da

docência se dá no contexto do trabalho, a partir do trabalho pedagógico realizado

nas escolas. Segundo Placco e Souza (2006, p. 81-82), a continuação e

consolidação da aprendizagem acontece no meio da problemática, na

experimentação de sucessos e fracassos, na prática de ensino, refletida e dialogada.

A afirmação de Canário, (1997, p.9) de que “a escola é o lugar onde se aprende a

ser professor”, aponta a importância dos contextos de trabalho para o

desenvolvimento profissional. Segundo o autor, é no contexto de trabalho que se

decide o essencial da aprendizagem profissional, coincidente com um processo de

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socialização profissional (2008, p.10):

A chave para a produção de mudanças (simultâneas) ao nível dos professores e ao nível das escolas passa, então, a residir na reinvenção de novos modos de socialização profissional, o que constitui o fundamento mais sólido para encarar como uma prioridade estratégica o desenvolvimento de modalidades de formação “centradas na escola”, por oposição e contraste com a oferta formalizada, descontextualizada e escolarizada que é dominante.

Não raramente, observamos práticas em que a formação continuada é

reduzida a atualizações sobre as últimas descobertas científicas ou a apenas

informar os professores sobre os processos de desenvolvimento dos alunos, de

acordo com as teorias psicológicas. No entanto, sabemos que o bom desempenho

pedagógico não se esgota aí. Essa estratégia acaba por levar a uma dicotomia entre

conhecimento e prática, ao invés da aproximação desses universos, com vistas à

construção de conhecimento pedagógico. Parece que o grande desafio está em

congregar o conhecimento dos professores com o dos pesquisadores.

A pesquisa sobre a formação continuada de professores realizada por Davis

et al (2011) apontaram que a política de formação de grande parte das Secretarias

Municipais de Educação investigadas estão centradas em práticas consideradas

“clássicas”4 (CANDAU, 1997), ou seja, cursos preparados por especialistas para

aprimorar os saberes e as práticas docentes. Portanto, nestas Secretarias, não é um

objetivo central da formação contemplar as demandas dos professores e das

escolas. Não se observa a escola como espaço de formação e os professores não

são reconhecidos como produtores de conhecimentos.

Nóvoa (2009, p.32) entende que a formação de professores deve assumir

um forte componente da prática, centrada na aprendizagem dos alunos e no estudo

de casos concretos, tendo como referência o trabalho escolar. De fato, entendemos

que a consideração pelos problemas reais que os professores enfrentam é uma

condição para que eles atribuam mais sentido às propostas de formação

apresentadas. Prioritário é construir a necessidade da formação com os professores

4 Conforme nos informam Davis et al (2011, p.125), essa expressão, utilizada pela professora Vera

Maria Candau, na década de 1990, continua atual e é muito empregada nos estudos sobre formação continuada de docentes.

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e não apresentar propostas distanciadas dos problemas que observam, das

dificuldades que enfrentam. A escuta dos problemas enfrentados pelos professores,

e propostas que acionem seus conhecimentos prévios, suas representações acerca

dos conteúdos abordados são fundamentais em um projeto de formação. Como

disse Nóvoa, em tom poético, em recente participação no Seminário de Educação

Rural (2011), “o desenvolvimento profissional acontece a partir do coração da

profissão”.

O saber profissional provê recursos para enfrentarmos o desconforto do

ensino. A tomada de decisão na situação de ensino tem uma boa parcela de

improviso, e o desafio permanente dos professores é como desempenhar bem o seu

papel em um campo tão movediço. O domínio de um conjunto de saberes de

diferentes tipos é essencial para enfrentar sua função multifacetada. Schön (1997,

p.83) propôs dois momentos diferentes de reflexão que nos mostram a possibilidade

de as situações práticas se tornarem um objeto sobre o qual se pode pensar. O

processo de reflexão na ação diz respeito ao saber que é mobilizado na prática

profissional, ao saber que permite agir. Quando está em sala de aula, o professor

lida com imprevistos e busca soluções coerentes com sua concepção. Como diz

Schön: “esse processo de reflexão na ação não exige palavras”. Quando está fora

da sala, o professor faz de sua prática um objeto de análise e reflexão. Isto é,

distanciado da ação, ele reflete sobre sua prática, buscando novas estratégias de

atuação; é um olhar retrospectivo. Schön nomeou este momento de reflexão sobre a

reflexão na ação e ressaltou a importância deste momento para a formação: “o

professor pode pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que lhe

deu e na eventual adopção de outros sentidos”. A reflexão sobre a reflexão na ação

exige o uso de palavras e pode ser propulsora de uma sistematização de um novo

conhecimento construído.

O movimento das reflexões contribui para o professor, gradativamente,

sentir-se mais fortalecido e, assim, utilizar os instrumentos conceituais e as

estratégias de análise para a compreensão e reconstrução da prática. Saber fazer é

uma atividade intelectual diferente de saber explicar o que se faz. À medida que o

professor tem oportunidade de se distanciar da própria prática para pensar sobre

ela, ganha novas condições para explicar suas ações.

Os autores mencionados, até então, valorizam a prática como objeto

fundamental da formação. Eles propõem ou dialogam com uma formação

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profissional baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização da

prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da

reflexão, análise e problematização de situações vivenciadas no âmbito do exercício

profissional. No entanto, não é uma valorização da prática em detrimento da teoria.

Pelo contrário. O entendimento é de que, sem teoria, não há avanços, não há novos

conhecimentos e não há mudanças na prática. Trata-se da teorização da prática, de

transformar o contexto de trabalho em objeto de reflexão e de recuperar o valor do

estudo teórico para atribuir sentido à prática. Cunha (2006, p.47) sintetiza muito bem

este diálogo da teoria e da prática, no contexto da formação docente:

É preciso admitir que só é possível ler, reler, aprofundar e atualizar a prática se o próprio repertório de informação e reflexão é alimentado pela interlocução com colegas e autores, todos parceiros. O que se considera é que o contato com experiências e reflexões possa ser útil para a compreensão e solução de problemas presentes na prática dos profissionais e que a teoria dos autores possa dialogar com as teorias construídas pelos professores.

3.2.3. A formação e as redes colaborativas de aprendizagem

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.

Ditado africano

Por esta altura, seguimos embalados pela ideia de que a formação

permanente não deve apoiar-se somente pela oferta de cursos, em uma perspectiva

desarticulada do contexto de trabalho dos professores.

Agora, caracterizaremos outro aspecto da concepção de formação

subjacente a este trabalho de pesquisa. Para a escola ser vista como um lócus de

formação permanente, é preciso mobilizar toda uma aldeia, como bem diz o ditado

africano. A perspectiva colaborativa de formação, diferentemente da individualizada,

implica na criação de condições que favoreçam um trabalho coletivo, o que

demanda esforços conjuntos de todos os atores educacionais em prol da qualidade

do ensino. Se não houver ações colaborativas nas escolas e ações institucionais das

Secretarias para apoiar e validar as formações, do ponto de vista político,

dificilmente os educadores irão reconhecer a formação como um benefício tanto

individual como coletivo (DAVIS et al., 2011, p.139).

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A má notícia é que a pesquisa de Davis et al (2011) revelaram que, embora

a maioria das Secretarias Municipais de Educação tenha como intenção fortalecer a

escola como um espaço formativo, para assegurar que a formação continuada se

processe de maneira contínua e sistemática, arraigando-se no cotidiano das escolas

e das Secretarias, o foco da formação ainda está apoiado na perspectiva

individualizada e na oferta de cursos episódicos. A boa notícia é que as poucas

Secretarias que investiram em uma estrutura de formação mais colaborativa

obtiveram resultados bem sucedidos e conseguiram criar uma organização estável

para o desenvolvimento de projetos formativos. Parece que, quando estas estruturas

de formação tornam-se mais estáveis, mais organizadas, na rede, há uma tendência

a permanecerem, pois a qualidade da participação dos sujeitos envolvidos é

ampliada e refinada.

Imbernón (1998, p.102) denominou perspectiva colaborativa quando há uma

fusão da perspectiva interna do que se faz dentro da escola com as perspectivas

externas da equipe de apoio. O autor ressalta que uma das certezas oriundas de

seu trabalho e experiência é que a formação é uma tarefa, principalmente, coletiva e

contextualizada e não se pode empreender uma formação baseada no isolamento.

No entanto, ele lembra que não podemos nos esquivar da tendência dos processos

coletivos se burocratizarem. Ou seja, não é tarefa fácil os professores assumirem

como tarefa coletiva a intervenção no processo de seu desenvolvimento profissional,

processo que parte de suas necessidades em um contexto específico de situações-

problema e que o objetivo é a reflexão e inovação da prática pedagógica.

Para o autor, as ideias relacionadas ao desenvolvimento de uma cultura

colaborativa na formação, como princípio e metodologia, poderiam ser resumidas da

seguinte forma (IMBERNÓN, 2010, p.72):

Romper com o individualismo da formação

Considerar a colaboração como colegialidade, mais do que como

estratégia de gestão

Entender a colaboração como um processo de participação,

implicação, apropriação e pertencimento

Na colaboração, partir do respeito e do reconhecimento do poder e da

capacidade de todos os envolvidos

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Redefinir e ampliar a liderança escolar

Poderão ajudar na formação colaborativa: a pesquisa-ação, a

elaboração de projetos de mudança e a narração.

3.2.4. O papel do conhecimento didático na formação

No contexto desta pesquisa, o conhecimento didático assume um papel

central. Nas falas dos entrevistados, ele é mencionado reiteradas vezes. Recorrerei

a Shulman (2005), Lerner (2002) e Bolívar (2005), na tentativa de compreender

melhor o significado do conhecimento didático, seu papel e importância em um

processo de formação.

Segundo Lerner (2002, p.104), dois fatores foram essenciais para produzir

progressos no trabalho de formação dos docentes: a conceitualização da

especificidade do conhecimento didático e a auto reflexão dos formadores sobre a

própria prática. A autora lembra (2002, p.105) que os trabalhos de Guy Brousseau,

no marco da Didática da Matemática francesa, foram fundamentais para que a

especificidade do conhecimento didático se constituísse um tema prioritário na

formação. A característica majorante dos trabalhos de Brousseau é a rejeição da

simples importação de saberes de outras ciências, concebendo a didática de cada

ramo do saber como uma ciência autônoma, cujo objeto de estudo é a comunicação

do conhecimento. Lerner explica (2002, p.105):

O saber didático, ainda que se apoie em saberes produzidos por outras ciências, não pode ser deduzido simplesmente deles; o saber didático é construído para resolver problemas próprios da comunicação do conhecimento, é o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino, é produto da análise das relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico; é elaborado através da investigação rigorosa do funcionamento das situações didáticas.

A questão da especificidade do conhecimento didático é importante, ao se

pensar na prática da formação, pois trata-se de focar nas interações que se

produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino; é produto da análise

das relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico. Uma

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boa imagem para compreender melhor estas interações é um triângulo:

Objeto de conhecimento

Professor Aluno

O professor, o aluno e o saber (ou objeto de conhecimento) são as partes

constitutivas da relação didática, considerando as possíveis interações entre os três

vértices. O conhecimento didático é o olhar sobre o triângulo em interação e ação.

O professor precisa conhecer o objeto de conhecimento que pretende ensinar,

conhecer o processo de aprendizagem dos alunos para este objeto e as melhores

condições didáticas, isto é, melhores condições de ensino para incidir na

aprendizagem.

Shulman é uma referência importante quando se trata de conhecimento

didático. Ele é considerado o pai da linha de pesquisa sobre o pensamento do

professor. Para o autor, era necessário pesquisar sobre como os professores

pensam e compreendem os diferentes assuntos que ensinam e é essa ênfase dada

ao conhecimento que sustenta o estudo sobre o conhecimento pedagógico do

conteúdo, aspecto central de suas teorias (2005).

Para Bolívar (2005, p.10), Shulman consegue atribuir uma identidade

epistemológica a um campo de investigação e de formação dos professores nas

didáticas específicas:

Y es que, como ha planteado el equipo de Shulman, si la Didáctica es un conjunto de principios genéricos aplicables a cualquier disciplina, no hay una identidad epistemológica de las didácticas específicas, y la formación del profesorado puede organizarse – como hasta ahora – en cursos independientes de ambos tipos; pero si hay un conocimiento de la materia específicamente didáctico, es aquí donde se sitúa el posible estatus propio y justificación de una didáctica específica.

Shulman entende que, quando os professores são requisitados para explicar

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o que sabem aos outros, certamente aprendem a entender melhor suas disciplinas.

Mas, além disso, há também uma evolução no entendimento quanto aos modos de

ensino capazes de transmitir o conteúdo da forma mais compreensível possível para

os outros. Para Shulman, não basta conhecer o conteúdo a ser ensinado, é preciso

conhecer as quatro dimensões relevantes para o ensino (GROSSMAN; WILSON;

SHULMAN, 2005, p.18):

conhecimento do conteúdo específico: compreensão dos fatos,

conceitos, procedimentos, processos, etc.

conhecimento substantivo: refere-se aos marcos explicativos da

disciplina.

conhecimento sintático: conhecimento das formas de como o novo

conhecimento é inserido no campo. As estruturas sintáticas de uma disciplina são as

evidências utilizadas pelos membros da comunidade para guiar a investigação no

campo.

crenças sobre a matéria: as crenças dos professores sobre o ensino e

a aprendizagem estão relacionadas com o que pensam sobre o ensino, o como

aprendem (oriundas de suas experiências) e como conduzem as suas classes, com

seus alunos. Os autores destacam que as crenças dos futuros professores sobre a

matéria são tão influentes quanto suas crenças sobre o ensino e a aprendizagem.

Ao considerar as dimensões descritas acima, é possível, segundo Shulman,

transformar o conteúdo em conteúdo ensinável.

O conhecimento didático do conteúdo tem um status próprio para o autor.

Para ele, é mais do que a intersecção do conhecimento sobre a matéria e os

princípios gerais da didática. É a capacidade para transformar o conhecimento da

matéria em representações didáticas para os alunos (BOLÍVAR, 2005, p.16). Em

uma primeira apresentação, Shulman definiu o conhecimento didático do conteúdo

da seguinte forma (SHULMAN, 1987, p.15 apud BOLÍVAR, 2005):

La capacidad de un profesor para transformar su conocimiento del contenido en formas que sean didácticamente poderosas y aún así adaptadas a la variedad que presentan sus alumnos en cuanto a habilidades y bagajes.

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Sabemos que, geralmente, o professor e o aluno possuem uma relação

assimétrica em relação ao saber. E, nesse sentido, o que se espera da relação

didática é que o professor conheça o conteúdo a ser ensinado, conheça a disciplina

na qual ele está inserido, o processo de aprendizagem do aluno, as melhores

condições didáticas específicas para o conteúdo em questão. Se assim for, essa

forma de relação pedagógica poderia incidir na aprendizagem do aluno,

possibilitando a este uma ação mais ativa, mais interessada, e tornar a relação um

pouco mais simétrica.

3.2.5. A formação permanente e o papel do coordenador pedagógico

A pesquisa recente de Placco, Almeida e Souza (2011) revelou que a

maioria dos coordenadores investigados, ao falarem de suas atribuições na escola,

manifestou uma tensão entre o desejado (como entendem a função, abrangendo

acompanhamento a professores e alunos) e o vivido (o que concretamente realizam

na escola, que é prioritariamente o atendimento às demandas administrativas). O

fato é que muitos coordenadores estão deslocados de suas reais funções nas

escolas. A maior parte de sua rotina é ocupada com demandas administrativas e,

muitas vezes, não se sabe qual é o seu campo específico de atuação: ficar à

disposição dos pais, atender ao telefone, checar os materiais, substituir professores,

chamar a atenção de alunos desobedientes, fiscalizar o trabalho do grupo, etc.

Enfim, quando não se sabe quais são suas atribuições e não se tem um campo

definido de atuação, parece que tudo cabe. E, nessas situações, os coordenadores

são engolidos por essas demandas e por esse cotidiano, pois não saberiam fazer de

outro jeito e, dessa forma, também se sentem úteis na instituição.

Redimensionar o papel do coordenador nas escolas implica organizar uma

formação em rede, como tratávamos anteriormente. O fato é que a atuação do

coordenador como um formador remete à reflexão de quem forma o formador. Para

que os coordenadores se reconheçam como formadores e se fortaleçam como

autoridades técnicas nas escolas, precisam contar com apoio e interlocução de

formadores mais experientes, que também atuem nas redes. É a cadeia formativa já

mencionada:

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Secretarias de Educação

Equipes Técnicas

Coordenadores Pedagógicos e Diretores Escolares

Professores

Alunos

As equipes técnicas (constituídas por formadores mais experientes) são

responsáveis pela formação dos coordenadores e diretores escolares e estes, por

sua vez, são responsáveis pela formação dos professores. E todos são

corresponsáveis pela qualidade da aprendizagem dos alunos.

O coordenador assume a liderança pedagógica das escolas junto com os

diretores escolares. É importante que se definam as atribuições de cada um, para

que não haja confusão e nem desorganização na gestão da escola. Cabe ao CP a

formação dos professores e ser o principal articulador de redes de aprendizagem. E

o diretor tem o desafio de realizar uma gestão com o foco na aprendizagem dos

alunos. Portanto, não se trata de polarizar as funções, como: ao CP cabe o

pedagógico e ao diretor, o administrativo, pois ambos realizam uma gestão com

vistas à aprendizagem dos alunos.

Afirmar que a formação dos professores é responsabilidade dos

coordenadores pedagógicos implica, necessariamente, em criar espaços na rotina

para que a formação aconteça, ou seja, é a concretização da formação na rotina da

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escola. Portanto, a rotina se configura como um instrumento de planejamento que

organiza os conteúdos do trabalho do coordenador no tempo e no espaço, com o

objetivo de garantir a articulação das suas distintas atribuições.

3.2.6. A rotina como estrutura de apoio para o trabalho do

coordenador pedagógico

Conforme mencionado acima, a pesquisa de Placco, Almeida e Souza

(2011), revelou que muitos coordenadores estão deslocados de suas reais funções

nas escolas e acabam engolidos por demandas administrativas. Placco (2010, p.50),

defende a rotina como instrumento de planejamento, como estrutura de apoio, e

entende que o coordenador pedagógico pode orientar-se por metas e objetivos para

definir as suas atribuições na escola, em função de prioridades estabelecidas

coletivamente, de necessidades expressas. Cunha (2006, p.164) concorda e

complementa que o coordenador precisa gerenciar as intercorrências, que não

podem ser erradicadas completamente, de modo que seu trabalho, suas intenções e

metas não fiquem à mercê dos imprevistos.

Placco (2010, p.47), reconhece, em seu estudo, que o cotidiano do

coordenador é pontuado por experiências que o levam a uma “atuação

desordenada, ansiosa, imediatista e reacional, às vezes até frenética”, e aponta a

importância de refletir e questionar esse cotidiano para poder transformá-lo e

avançar nas suas ações e nas dos educadores. A autora recorre às contribuições de

Matus (1991, apud PLACCO, 2010) e Gonçalves (1995, apud PLACCO, 2010) para

analisar quatro conceitos que contribuem para o planejamento das ações do

cotidiano de modo que colaborem para a concretização do projeto político-

pedagógico da escola e para o coordenador assumir suas reais atribuições. Os

quatro conceitos são: importância, rotina, urgência e pausa, que podem ser

reorganizados a partir de dois pares: importância e rotina, urgência e pausa. As

definições das atividades são assim descritas pela autora (2010, p.48–49):

As atividades de importância são aquelas previstas no projeto

pedagógico, tendo em vista atender às metas e finalidades a longo, médio e curto

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prazo. São aquelas estabelecidas como ações prioritárias para o atendimento das

necessidades pedagógicas da escola.

As atividades de rotina são aquelas direcionadas para o funcionamento

do cotidiano, visam à estabilidade. Sua função prioritária é cumprir com manutenção

e funcionamento da escola.

As atividades de urgência são aquelas direcionadas para atender os

imprevistos. São ações reacionais e significam o rompimento das rotinas.

As atividades de pausas são aquelas direcionadas para o atendimento

das necessidades individuais e caracterizam-se pelo descompromisso com os

resultados (descanso, férias).

Portanto, o duo importância e rotina é marcado pelo planejamento prévio,

pela organização e o duo urgência e pausa é decorrente da dinâmica da escola, dos

imprevistos, das necessidades emergentes. Ao alinharmos com Placco (2010, p.57)

que “a função fundamental do coordenador pedagógico é cuidar da formação e do

desenvolvimento profissional dos professores”, o desafio é trazer as ações

formativas para o lugar das importâncias, concretizá-las na rotina e saber negociar

os imprevistos e as urgências, para que não se sobreponham às importâncias.

O desafio prioritário é que a rotina não se torne a “garota interrompida”,

como identificou Christov (2010, p.62). Isto é, que a rotina não seja interrompida o

tempo todo com imprevistos, resultando em um trabalho fragmentado. A metáfora de

Christov (2010) revela uma insatisfação, uma dissonância em relação a uma visão

sistêmica do trabalho educativo. A autora observa que muitos coordenadores são

levados ao estresse por serem interrompidos em sua função, por acreditarem que

são impotentes e não se sentirem reconhecidos na sua função essencial. No

entanto, Christov alerta os coordenadores da importância de identificarem em que

medida são vítimas e cúmplices nesse processo de interrupção de suas ações

fundamentais na escola. A aposta da autora é na capacidade dos coordenadores

não se deixarem interromper.

O entendimento neste trabalho é que a sustentação das ações formativas do

coordenador, de ações colaborativas na escola e das atividades que lhe competem,

decorre do reconhecimento de sua função formadora e da implantação de uma

rotina que suporte o seu exercício profissional.

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3.2.7. O coordenador pedagógico e as estratégias formativas

Ao considerar a formação dos professores como uma das funções principais

do coordenador pedagógico, somos convocados a pensar na organização dessa

formação, para que haja, de fato, a criação de espaços de reflexão articulados aos

contextos de trabalho dos professores. Isto é, o desafio é pensar como os

coordenadores comunicam aos professores, em contextos formativos, os

conhecimentos didáticos de que esses professores necessitam para ensinar mais e

melhor. Como os convidam a refletir sobre as ações realizadas em sala de aula e a

planejar ações futuras cada vez com mais intencionalidade educativa?

Lerner (2002, p. 104) alerta que não podemos perder de vista que os

caminhos da formação devem ser guiados pela convicção de que os professores

são sujeitos que constroem conhecimento como resposta a problemas desafiantes

para eles, e de que a interação com o objeto de conhecimento e com os outros

sujeitos desempenha um papel fundamental nessa construção. O problema, como

ainda aponta Lerner, é que as perguntas dos professores só podem ser respondidas

em relação a cada conteúdo específico, porque estão relacionadas com a natureza

do saber que se quer comunicar.

Neste estudo, focaremos em duas estratégias de formação: as situações de

dupla conceitualização e a tematização da prática, que serão desenvolvidas mais

adiante na análise dos dados.

No próximo capítulo apresentarei o contexto da pesquisa: a estrutura e o

funcionamento do Projeto Chapada e, em seguida, as características do município

de Boa Vista do Tupim e a estrutura da rede de ensino.

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4. O CONTEXTO DA PESQUISA

4.1. O Projeto Chapada

Foto 1 – Chapada Diamantina

Foto: Beatriz Gouveia

A Chapada Diamantina é uma área montanhosa, localizada no Estado da

Bahia, com 370 km de comprimento por 228 km de largura, habitada ou visitada

pelos seres humanos desde tempos imemoriais, como testemunham pinturas

rupestres nos municípios de Iraquara e Seabra. A partir de 1844, foram descobertos

importantes veios diamantíferos no rio Mucugê, e, a partir deste momento,

transformou-se no ponto de interesse de exploradores do valioso minério,

destacando-se economicamente pela produção de diamantes (daí o seu nome),

mas, desde o início do século XX, entrou em grave processo de decadência, após o

esgotamento das minas. Desde então, foi praticamente esquecida pelos governos

centrais e, no ano 2000, detinha o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento

Humano) da Bahia. A par da situação econômica, a educação local passava por

sérias dificuldades. Porém, na zona rural do município de Palmeiras, havia

acontecido uma experiência de educação de dois anos, cujos resultados atraíram a

atenção das cidades vizinhas e isso provocou o encontro dos educadores de 12

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municípios.5

No início dos anos 2000, Secretários de Educação de 12 municípios,

professores, representantes de associações locais, com o apoio de uma

organização não governamental, uniram-se no processo de elaboração de projeto

cujo objetivo era a alfabetização dos alunos das escolas públicas municipais, através

da formação permanente em contexto de trabalho dos professores.6 Era o início do

Projeto Chapada. O processo de construção do Projeto Chapada, em conjunto com

os municípios, fez com que o resultado final fosse uma proposta bem articulada às

necessidades e realidades locais. A estratégia também serviu para preparar as

condições necessárias para a entrada efetiva do Projeto nos municípios e contribuiu

para que todos os integrantes tivessem um sentimento de pertencimento,

entendendo que o Projeto Chapada era deles, uma construção coletiva. Esse

entendimento fez toda a diferença. O fato de as prefeituras locais arcarem com 50%

dos custos do Projeto (os outros 50% dos custos eram financiados por uma empresa

parceira do Projeto) contribuiu também para gerar um compromisso e empenho

diferenciados.

O Projeto Chapada começou atuando apenas no município de Palmeiras.

Em 2000, já abrangia 12 municípios; em 2005, somava 25 municípios, e atualmente,

envolve 30 municípios da Bahia7.

As principais frentes desse projeto promovem:

1. A formação de lideranças regionais para atuar como formadores

educacionais.

2. A formação de coordenadores pedagógicos (desde 2000), diretores

5 Trecho transcrito do material Coordenador Pedagógico: função, rotina e prática, que está no prelo, e

cuja elaboração foi coordenada por mim (2012, p. 12). 6 Trecho transcrito do material Coordenador Pedagógico: função, rotina e prática, que está no prelo, e

cuja elaboração foi coordenada por mim (2012, p. 13). 7 Municípios com adesão em 2000: Boa Vista do Tupim, Boninal, Ibitiara, Iraquara, Jacobina,

Lençóis, Mucugê, Novo Horizonte, Palmeiras, Piatã, Seabra, Souto Soares. Municípios com adesão em 2005: América Dourada, Andaraí, Bonito, Cafarnaum, Iaçu, Irará, Itaberaba, Itaetê, Miguel Calmon, Morro do Chapéu, Ouriçangas, Piritiba, Tapiramutá, Utinga, Wagner. Municípios com adesão em 2009: Aramari, Marcionílio de Souza, Mundo Novo, Santanópolis. Município com adesão em 2010: Pindobaçu

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escolares (desde 2008) e professores (desde 2000), o que favorece uma abordagem

integrada e apropriada dos conteúdos curriculares, o desenvolvimento de

competências e a construção de novos conhecimentos e metodologias na área da

leitura e escrita.

3. A formação de equipes técnicas das Secretarias Municipais de Educação

parceiras, para mobilização de ações afirmativas à qualidade do sistema público,

garantindo assim a sustentabilidade da formação continuada nos municípios.

Do Projeto Chapada, nasceu o Instituto Chapada de Educação e

Pesquisa (ICEP), uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público –

OSCIP, com sede em Caeté-Açu, distrito de Palmeiras, na Chapada Diamantina/BA.

Com o apoio do Programa Crer Para Ver, da Natura Cosméticos, constituiu-se

uma organização que acredita na educação como principal instrumento de inclusão,

de crescimento social e democracia (OLIVEIRA, 2010). Portanto, toda a história já

construída pelo Projeto Chapada contribuiu para o nascimento do Instituto, em 2006.

Conforme citado anteriormente, as ações desse projeto de educação

centraram-se na formação permanente de professores, de equipes técnicas e de

coordenadores pedagógicos e diretores escolares, com foco na erradicação do

analfabetismo nas séries iniciais. A primeira ação dos municípios envolvidos foi

instituir o papel do coordenador pedagógico nas escolas e implementar uma

estrutura de formação, com equipes técnicas nas Secretarias de Educação, para

apoiar o trabalho de formação permanente dos educadores.

Ao implementar o papel do coordenador pedagógico, as Secretarias sabiam

que não poderiam deixá-los sozinhos em seu trabalho. A condição necessária para

uma boa atuação deveria ser assegurada, isto é, formar uma rede de educação que

ofereceria o apoio institucional de que precisavam. A proposta era criar uma rede

colaborativa que buscava, efetivamente, a qualidade do ensino nas escolas públicas

municipais.

Desde então, o projeto Chapada vem desenvolvendo ações de formação de

formadores em 26 municípios. Esta tem sido sua estratégia principal para atender ao

objetivo central descrito no documento de apresentação do Projeto: “Garantir à

criança e adolescente a sua permanência na escola e o pleno desenvolvimento das

competências na área de leitura e escrita”. É o reconhecimento de que, para mudar

os resultados na qualidade da aprendizagem dos alunos, é preciso que as escolas

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se tornem o lócus de formação permanente e o coordenador pedagógico, por sua

vez, o parceiro mais experiente dos professores, responsável pela formação

continuada da equipe. E quem se ocupa do trabalho de formação dos

coordenadores é uma das novas figuras formativas (MARCELO, 1998): o

profissional formador de formadores. Para a constituição deste modelo de formação,

a liderança do Projeto Chapada elaborou uma estrutura e uma metodologia de

trabalho com todos os formadores e coordenadores pedagógicos das Secretarias

Municipais de Educação envolvidas.

No Instituto Chapada, há uma equipe de 03 coordenadoras regionais. Duas

delas são formadoras das equipes técnicas (supervisores pedagógicos e diretores

pedagógicos) do Projeto Chapada e a outra atua como formadora das equipes

técnicas do Projeto de Ed. Infantil. Em cada Secretaria integrante do projeto, há uma

equipe de diretores pedagógicos, responsáveis pela formação dos diretores

escolares (de cada unidade escolar) e uma equipe de supervisores técnicos,

responsáveis pela formação dos coordenadores pedagógicos, que, por sua vez, se

responsabilizam pela formação dos professores. O Projeto conta com uma

assessoria externa, responsável por contribuir com a reflexão sobre o trabalho

desenvolvido e apontar novas possibilidades para a formação.

O quadro8 a seguir mostra como estão organizados, para cada sujeito, as

ações de formação continuada na rede dos municípios envolvidos no Projeto

Chapada.

Responsáveis pela Formação

Sujeitos da Formação

Atividades/Frequência

Diretora presidente do Instituto Chapada

.Secretários Municipais de Educação

Reuniões semestrais – discussão de assuntos relacionados à gestão. Os Secretários dos municípios integrantes do Projeto Chapada se reúnem no município de Seabra, semestralmente.

8 Este quadro foi elaborado a partir de informações retiradas de outro, mais amplo, publicado no

relatório de sistematização e avaliação elaborado pelo IDECA, em 2007.

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Assessoria externa9

.Coordenadoras Pedagógicas Regionais . Formadores .Formadores de equipes téc-nicas aspirantes a forma-dores do Projeto Chapada

Reuniões bimestrais para supervisão do trabalho e estudo.

Coordenadoras Pedagógicas Re-gionais do Projeto Chapada

.Formadores do Projeto Cha-pada .Equipes técnicas das Secre-tarias

. Reuniões mensais para acompanhamento e avaliação do trabalho realizado pelos formadores. . Reuniões mensais com as equipes técnicas das Secretarias para reflexão e estudo dos conteúdos da formação.

Formadores do Projeto Chapada

.Equipes técnicas dos mu-nicípios .Coordenadores pedagógi-cos, diretores escolares e professores

. Reuniões mensais com as equipes técnicas para planejamento e acompanhamento das práticas pedagógicas e gestão da aprendizagem. É um momento de disparar conteúdos e aprofundar conhecimentos. A discussão é dentro do contexto de cada município. . Oficinas bimestrais com os coordenadores do município. . Oficinas semestrais com todos os coor-denadores para compartilhar experiências exitosas e definir metas para a região.

Coordenadores pedagógicos

. Professores . Oficinas pedagógicas mensais de formação . Encontros semanais de planejamento . Acompanhamento nas escolas . Grupos de estudos

9 A assessora de 2003 a 2009 foi Regina Scarpa (atualmente coordenadora pedagógica da Fundação

Victor Civita) e, desde 2010, é Maria Claudia Molinari (professora de Ciências da Educação na Universidade de La Plata).

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O esforço político dos municípios integrantes do Projeto Chapada, de

implementar uma estrutura de formação permanente, desde a Secretaria com as

equipes técnicas até a escola com o coordenador, revelaram bons resultados na

qualidade da aprendizagem dos alunos e no desenvolvimento profissional dos

professores. Estes bons resultados foram atestados nas últimas avaliações

nacionais (Prova Brasil) e os índices do IDEB de todos os municípios, envolvidos no

Projeto Chapada, aumentaram para além das projeções do Governo Federal. Neste

contexto, destaca-se o município de Boa Vista do Tupim, integrante do projeto

Chapada, que obteve o melhor índice de todo o Estado da Bahia, 5.8 (2009).

Mapa 2 – Localização da Chapada Diamantina

Fonte: Site do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa - ICEP

Estive três vezes na Chapada Diamantina, desde que iniciei o mestrado em

agosto de 2010. A primeira vez foi em março de 2011. Foram cinco dias de estadia e

foi quando pude conhecer a sede do Instituto Chapada no Vale do Capão, onde

fiquei hospedada. O Capão já está nos roteiros do ecoturismo há bastante tempo. É

um lugar de uma beleza inegável. A paisagem natural é caracterizada por uma

vegetação rasteira e muitas flores. Na minha visita, pude apreciar orquídeas

maravilhosas e muitos beija-flores. Outra característica são os entrecortes nas

serras que levam a cavernas, grutas e cachoeiras. Isso tudo no meio do sertão

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baiano. É uma paisagem especialmente tocante.

Ainda na primeira vez, fui a mais duas cidades: Souto Soares e Iraquara.

Conversei com as equipes técnicas, fiz observações em sala de aula e acompanhei

formações dos coordenadores pedagógicos. As cidades são precárias, há muitas

ruas de terra no centro urbano e as instalações das escolas são simples. A renda

per capita anual de Souto Soares é de R$ 2.859,00 e a de Iraquara R$ 2.987,00

(medidos em 2009), o que corresponde a uma renda mensal de R$ 238,25 e R$

249,00. No entanto, a precariedade dos recursos são contrastados com o

refinamento dos discursos dos coordenadores e professores. Quando perguntei a

eles sobre suas rotinas, os objetivos e conteúdos propostos, fiquei impressionada

com a apropriação que demonstravam sobre suas funções e práticas profissionais.

Conversei com várias professoras e com frequência escutei falas como:

agrupamentos produtivos, leitura diária para os alunos aprenderem sobre a

linguagem escrita, capacidade dos alunos em desenvolver comportamentos leitores,

intervenções didáticas planejadas, planejamento com intencionalidade, crianças que

podem produzir textos antes de saberem ler e escrever convencionalmente, entre

outros. Também ouvi dos coordenadores das escolas visitadas falas como: a

reflexão sobre a prática é que precisa ser o conteúdo da formação; sem estabelecer

um foco, não tem como os professores aprofundarem o conhecimento sobre um

conteúdo; sou corresponsável pela aprendizagem dos alunos; no horário de

planejamento, trazemos a prática para ser teorizada. As referências teóricas que

prontamente lembraram foram: António Nóvoa, Delia Lerner e Claudia Molinari. Nas

salas de aula, não foi diferente. As professoras pareciam muito seguras do que

deveriam propor e como. Nessa ocasião, observei seis atividades, no entanto

destaco aqui duas delas: uma realizada em um 2º ano e outra em uma sala de 1º

ano. Ambas foram realizadas na escola Ouricuri, no município de Souto Soares. As

outras foram realizadas na Educação Infantil e, portanto, não estão diretamente

relacionadas a este estudo.

A atividade realizada no 2º ano era a seguinte: os alunos, divididos em

pequenos grupos de cinco participantes cada, receberam quatro resenhas literárias

de diferentes títulos de histórias. A consigna era ler as quatro resenhas, discutir no

grupo qual delas mobilizava mais o interesse do leitor, escolher uma delas e

justificar para o grupo os motivos da escolha. Então, se um grupo escolhia a resenha

do livro O Bom Gigante Amigo, deveria justificar que parte do texto convidava mais à

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leitura, despertava mais o interesse. Durante a observação, pude notar algumas

negociações entre as crianças, algumas defendendo um título, justificando a escolha

com o uso de partes do texto da resenha, como por exemplo: “mas aqui está escrito

assim: você não imagina o que te espera nesta impressionante história de Maria

Angula – e agora, a gente fica com muita vontade de saber o que acontece, vamos

escolher esta daqui”. E este era mesmo um dos objetivos esperados, ou seja, de

que não houvesse uma decisão uníssona, mas que a atividade provocasse opiniões

diferentes e discussões sobre características da linguagem do texto que poderia

mobilizar mais a atenção, despertar mais o interesse do leitor.

Além de avaliar que a atividade estava plenamente ajustada às

necessidades de aprendizagem do grupo e que, também, ofereceu boas condições

didáticas, gostaria de destacar a familiaridade dos alunos com a leitura: falaram de

autores, de títulos, destacaram trechos das resenhas para analisar a linguagem

utilizada, enfim, absolutamente compatível com o que se espera nas melhores

escolas particulares de grandes centros urbanos. Ali, naquela situação, não havia

desigualdade do ponto de vista da aprendizagem da leitura e da escrita.

A outra atividade foi realizada em uma sala de 1º ano, na mesma escola. A

atividade era uma leitura em voz alta pela professora. Segundo relato da equipe da

escola, essa atividade faz parte da rotina diária de todas as classes, isto é, todos os

dias, as professoras escolhem livros, preparam a leitura previamente e asseguram

um momento do dia para realizá-la para os alunos. É uma atividade comum de se

observar nas escolas em geral, no entanto, o que se nota é que as professoras

dessas escolas nem sempre preparam a leitura e acabam fazendo ou de uma forma

automatizada, sem envolvimento com o texto, ou com uma leitura truncada, sem

ritmo, sem a entonação adequada. Não foi o caso desta professora. Ela escolheu a

história “A Formiguinha e a Neve”, adaptada pelo João de Barro (Braguinha). Depois

de apresentar a história às crianças, anunciando o título e o autor, ela comenta que

existem outras versões da mesma história. Em seguida, inicia a leitura. As crianças

estavam sentadas no chão em uma roda. Algumas sentadas com as pernas

cruzadas, outras com as pernas esticadas, outras deitadas. O fato é que estavam

absolutamente envolvidas pela leitura fluente da professora (foto 2). Não havia

dúvida de que tinha preparado a leitura. Ela não sabia que eu faria uma observação,

mas mesmo que soubesse, o comportamento leitor apresentado pelo grupo revelava

um ensino intencional, planejado e muito respeitoso com os alunos. No final da

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leitura, as crianças comentam o que gostaram e as partes que sentiram um pouco

de medo. A professora conduz a conversa com uma tranquilidade de quem tem

intimidade com a situação. Depois, as crianças pedem mais histórias e não se ouvia

nem um suspiro naquela sala, tamanha a concentração e interesse dos alunos com

a leitura.

Foto 2 – Atividades escolares - Roda de leitura – 1º ano – Escola Ouricuri – Souto Soares, BA. Livro lido: A formiguinha e a Neve

Foto: Beatriz Gouveia

Foto 3 – Espaço externo da Escola Ridalva de Mello Figueiredo

Foto: Beatriz Gouveia

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Destaco também uma das formações que assisti, da coordenadora com seu

grupo de professores da escola Leolino José Fernandes, no município de

Iraquara/BA. Estavam todos os professores da escola reunidos para um encontro de

duas horas. A escola atende Educação Infantil e Ensino Fundamental I.

A coordenadora inicia o encontro lendo o livro Caindo na Real, de Rubem

Alves. Antes de iniciar a leitura, ela faz uma série de propostas de antecipações do

conteúdo do texto, a partir da capa, do título, e o grupo participa, fazendo

antecipações adequadas. Depois de terminar a leitura, a coordenadora provoca uma

conversa, perguntando as opiniões do grupo sobre o texto lido e se recomendariam

aquela história para alguém. O comportamento da coordenadora em relação ao livro

era exatamente o que se espera que as professoras tenham em sala de aula com

seus alunos. E, antes de prosseguir para a atividade seguinte, a coordenadora

pergunta quais foram as ações dela durante a leitura que eles poderiam realizar em

sala de aula. Os professores responderam:

[...] planejou a leitura (preparou a leitura, conheceu o texto antes de trazer para a leitura em voz alta), perguntou sobre nossas hipóteses do que poderia tratar essa história, a partir do título e da ilustração da capa, fez a leitura com fluência, sem interrupções e depois de terminar, conversou, perguntou nossa opinião, se recomendaríamos o livro para alguém.

Na sequência, a coordenadora apresenta alguns slides com os resultados da

aprendizagem dos alunos na última série da Educação Infantil da escola, no final de

2010. A proposta era analisar os dados, a partir da pergunta: o que estes resultados

nos dizem? O gráfico apresentado em um dos slides é o geral da escola e a

coordenadora pergunta qual é a relação do quadro geral com o quadro de cada

classe (imagem 1).

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Imagem 1 – Apresentação em Formação de Professores

Fonte: Escola Leolino José Fernandes, Iraquara-BA

Depois de as professoras analisarem os dados em pequenos grupos, a

coordenadora pergunta: o que podemos olhar e fazer para acompanhar a

aprendizagem dos nossos alunos?

As professoras respondem: sondagens frequentes, observações diárias das

escritas e plano de ensino.

Na última parte do encontro, depois de relacionarem o quadro geral com os

quadros das classes e pensarem nos instrumentos de acompanhamento das

aprendizagens dos alunos, a coordenadora propõe que pensem em metas para o

final do semestre, nas palavras dela: “se hoje tenho 10 alunos com escrita pré-

silábica, qual é meta que pode se definir para junho? E quero que quantifiquem.”

Todos se reúnem para pensar nas metas, e todos se comprometem com a

aprendizagem das crianças até junho. Elas falam: todos precisam avançar. Uma

professora do G5 (Grupo 5, que trabalha com crianças de 5 anos) diz: “até junho,

não quero nenhuma criança com hipótese pré-silábica no meu grupo”.

Nessa minha primeira visita, tive a oportunidade de me aproximar da cadeia

formativa concebida, estruturada e em funcionamento.

A segunda visita foi em agosto de 2011, para participar do II Seminário de

Educação Rural, realizado no município de Seabra: um evento que concentrou as

atenções das lideranças pedagógicas e administrativas da região. O seminário

contou com a participação do Prof. Dr. Antonio Nóvoa, (reitor da Universidade de

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Lisboa), do Prof. Dr. Sérgio Niza (professor da mesma universidade), duas

presenças internacionais que conferiram prestígio especial para essa região e

também: Dra. Telma Weisz (assessora pedagógica do Programa Ler e Escrever, da

Rede Estadual de Ensino de São Paulo), que tratou da importância da avaliação nas

redes, Regina Scarpa e Ângela Dannemann (coordenadora pedagógica e diretora

executiva da Fundação Victor Civita, respectivamente) que apresentaram os

resultados das pesquisas sobre a formação continuada dos professores e dos

coordenadores pedagógicos, realizadas em parceria com a Fundação Carlos

Chagas e, por fim, Ana Siro, coordenadora do projeto Centros de Lectores (em

Buenos Aires), responsável por cursos de atualização docente sobre o ensino da

leitura e escrita no contexto escolar. É autora do livro: Narrar por escrito do ponto de

vista de um personagem, em parceria com Emília Ferreiro.

No seminário, havia, aproximadamente, 800 participantes entre professores,

coordenadores e diretores.

Destaco do seminário, o discurso de Regina Scarpa, assessora do Projeto

Chapada de 2003 a 2009. Em tom poético e político, ela trouxe ao centro da

discussão, os bons resultados da rede de municípios do Projeto Chapada e a

capacidade que vêm demonstrando de superar mitos:

A Chapada Diamantina é um lugar de muitas lendas, mas também de superação de muitos mitos... 1º mito: Nada se pode fazer com o problema da descontinuidade administrativa que tanto emperra as políticas educacionais. O Projeto Chapada mostrou que é possível envolver prefeitos, vice-prefeitos e a classe política de forma geral num pacto pela qualidade da Educação. As gestões se sucedem, mas, na maioria dos municípios tem havido a preocupação em manter equipes e condições de trabalho. 2º mito: Crianças pobres da zona rural nunca poderão ter o mesmo nível de aprendizagem de outras que vivem em zona urbana, imersas na cultura escrita. O Projeto Chapada está mostrando ao Brasil que isso não é verdade... que quando a escola assume a sua responsabilidade social de ensinar, ela garante as melhores condições para a aprendizagem da leitura e da escrita, o acesso a livros de variados gêneros e de qualidade literária ou informativa. Os números do IDEB têm revelado isso. Em Educação é assim, o resultado demora a aparecer, mas quando aparece, tende a ficar. 3º mito: Os professores de zona rural não podem desenvolver um trabalho de excelência, pois não tiveram uma boa formação profissional a que teriam direito. O Projeto Chapada mostrou que é possível envolver os professores num processo de formação permanente, de estudo e de reflexão sobre a prática, discutindo e

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trocando com colegas e recebendo ajuda de seus coordenadores pedagógicos e, assim, realizar um trabalho docente sério e da melhor qualidade. 4º mito: Não é possível realizar um bom trabalho de formação em larga escala, pois não há quadros de formadores. O Projeto Chapada mostrou que é possível formar uma rede de formadores locais competentes, sabidos, estudiosos, que nada deixam a desejar em relação aos melhores formadores do país. 5º mito: O sonho acabou. O Projeto Chapada reúne os maiores sonhadores desse país... educadores que acordam todos os dias com a convicção de que podem fazer a diferença na vida de 80 mil crianças. Eu fico imaginando que daqui a alguns anos veremos nascer aqui, na Chapada Diamantina, centenas de Chicos Buarques, escritores, poetas, músicos, professores... enfim, quem viver verá!

Seu discurso retrata a força da rede e suas realizações. É uma rede

marcada por motivações profundas para mudanças. O desejo é de intervir para

possibilitar o desenvolvimento de potencialidades, para melhorar a qualidade da

aprendizagem de todos os sujeitos envolvidos na formação.

Na sequência, caracterizo o município de Boa Vista do Tupim e o que me

levou a escolhê-lo como contexto da pesquisa.

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4.2. Boa Vista do Tupim

Foto 4 – Cena na zona rural de Boa Vista do Tupim

“De pé, com o livro na mão, a menina de 6 anos, de uma escola multisseriada da zona rural, lê para a avó e para a mãe. Esta foto simboliza o mais belo final feliz que já vi. Representa o desfecho de uma história perversa de analfabetismo que não mais seguirá sendo contada por gerações nesta família”.

Foto: Giovana Zen – Legenda: Regina

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A foto foi tirada por Giovana Zen (formadora do Instituto Chapada), na zona

rural de Boa Vista do Tupim, e a legenda escrita pela supervisora técnica da

Secretaria de Educação, neste trabalho chamada por Regina, responsável pela

formação dos coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental I. Regina contou

que a menina leitora da foto é a primeira a ler, de toda a família. O acesso à leitura e

a escrita recria a história e ajuda a romper com a exclusão tão conhecida e repetida.

É a possibilidade de transformar a história, ao invés de repeti-la.

Por ser de lá do sertão Lá do cerrado

Lá do interior, do mato Da caatinga, do roçado

Gilberto Gil

Boa Vista do Tupim está localizada na região da caatinga na Chapada

Diamantina na Bahia. No município, há 17.841 habitantes e o IDH é 0,605. Na rede

municipal de educação, há 44 escolas, 21 diretores escolares, 20 coordenadores

pedagógicos, 327 professores e 4.791 alunos (Educação infantil a Fundamental II).

Na equipe técnica da Secretaria, há 04 supervisores técnicos responsáveis pela

formação dos coordenadores pedagógicos dos diferentes segmentos e dos diretores

escolares:

Educação Infantil

Ensino Fundamental I

Ensino Fundamental II e Ensino Jovens e Adultos

Formação dos diretores escolares

O salário de um professor com formação superior é de R$ 918,14 e o do

professor pós-graduado R$1.009,96. O salário do coordenador pedagógico e do

diretor escolar com mais de 300 alunos é de R$1.399,58 (para uma jornada de 40

horas semanais) e o do diretor escolar com menos de 300 alunos é de R$ 987,52.

O município conta com uma população maior na zona rural. Há muitas

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escolas isoladas localizadas nos povoados do município. A mais próxima situa-se a

11 quilômetros do centro e a mais distante situa-se a 72 quilômetros. Como as

estradas são de terra, o tempo gasto nesses percursos é considerável.

A renda per capita anual é de R$ 4.100,00 e, na zona urbana, a maior fonte

de renda são os trabalhos gerados pela prefeitura.

A receita direcionada para a educação escolar é proveniente do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB).

O município ganhou destaque na região da Chapada Diamantina e no

Estado da Bahia por ter conseguido o resultado mais alto do IDEB em 2009: 5,8,

quase o triplo do verificado em 2005: 2,2.

Nos últimos dois anos, os mapeamentos da aprendizagem das crianças, no

final do 1º ano, apontam que 74,6% (2010) e 74,3% (2011) terminaram o ano lendo

e escrevendo convencionalmente.

Há imagens que despertam textos e a foto que abre este capítulo é uma

delas (foto 4). Mais do que despertar um texto, desperta uma mobilização, uma

inquietação. Com tantas condições adversas, como pobreza, salários baixos,

escolas distantes umas das outras, um coordenador para 2, 3 escolas, ausência de

biblioteca pública, ausência de livrarias, um número alto de adultos analfabetos

(30,3% ou 3.817, medido em 2010), há um índice importante de crianças lendo e

escrevendo no final dos 1ºs anos, há projetos institucionais de leitura e há um evento

anual na cidade em torno da leitura chamado de DIA L, Dia da Leitura. Nesse dia, é

realizado o Seminário Intermunicipal de Leitura e todas as escolas do município vão

até ao centro divulgar seus trabalhos, seus projetos institucionais locais. O município

se sobressai nos resultados, em relação a vários outros no mesmo Estado,

considerando-se ainda que, em muitos outros municípios, há melhores condições

salariais, materiais, sociais – e os resultados na aprendizagem dos alunos são

piores.

Em minha visita à cidade para coletar dados, tive a oportunidade de

acompanhar duas salas de aula, durante um período. Na sala do 1º ano, fiquei muito

impressionada com a adequação da atividade proposta pela professora: duplas

foram criteriosamente planejadas, considerando os saberes e o perfil de cada um,

com desafios diferentes para as duplas. O ajuste do desafio revela o respeito pelas

necessidades de aprendizagem e revela, também, a concepção de que as crianças

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aprendem à medida que enfrentam desafios, mobilizando recursos intelectuais de

que dispõem para tentar solucioná-los. No apêndice deste trabalho, há o relato de

observação completo dessa aula (relato de observação 4).

A parceria com o Projeto Chapada iniciou-se em 2001, com a condição de

que o município criasse o cargo do coordenador pedagógico e o formador do

coordenador, o que foi feito. Os efeitos desta parceria serão desenvolvidos no

capítulo da análise dos dados.

A seguir apresento a metodologia adotada nesta pesquisa e, na sequência,

a análise dos dados.

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5. METODOLOGIA

Conforme já mencionado, o objetivo desta pesquisa é analisar o processo da

construção do papel formador dos coordenadores pedagógicos, no município de Boa

Vista do Tupim/BA, integrante do Projeto Chapada. Esse objetivo supõe colocar o

foco do trabalho nos sujeitos envolvidos, diretamente, nesse processo: os

coordenadores do Ensino Fundamental I e os formadores dos coordenadores.

Portanto, os instrumentos utilizados na pesquisa foram dirigidos a estes dois

profissionais da rede municipal: os coordenadores pedagógicos e os formadores dos

coordenadores.

Foram adotados dois instrumentos diferentes para obter as respostas às

questões desta pesquisa. Com as formadoras dos coordenadores, foram realizadas

entrevistas individuais e com os coordenadores, foi feito um grupo de discussão.

Segundo Ludke e André (1986, p.33), a entrevista, ao lado da observação,

representa um dos instrumentos básicos para a coleta de dados na abordagem

qualitativa de pesquisa. As autoras destacam que a grande vantagem da entrevista

sobre as outras técnicas é que permitem a captação imediata e corrente da

informação desejada. Escolhi as entrevistas para as formadoras, porque cada uma

delas atua em um segmento diferente na Secretaria: uma é formadora dos

coordenadores do Ensino Fundamental I (um dos segmentos focados nesse estudo),

a outra é formadora dos diretores escolares. Por assumirem atribuições distintas

dentro da Secretaria, avaliei que seria mais interessante privilegiar o olhar particular

para cada uma das questões propostas. Isto é, a intenção era ouvir como cada uma

compreende o processo de formação dos coordenadores pedagógicos, suas

necessidades formativas, o papel da rede colaborativa, entre outras questões. A

dimensão desses aspectos envolvidos na formação, para cada uma das

entrevistadas, parecia central para a minha análise.

Já para os coordenadores pedagógicos, a escolha foi pelo grupo de

discussão. O objetivo também era a escuta dos pontos de vista de cada um dos

coordenadores participantes, porém, em um contexto de interações, de trocas,

possibilitando espaços para consensos e dissensos a respeito dos aspectos

envolvidos no processo de formação da Secretaria. De acordo com Weller (2006,

p.241), o grupo de discussão é um método que privilegia as interações e uma maior

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inserção do pesquisador no universo dos sujeitos e no meio pesquisado. Consoante

à concepção de Weller, Gatti et al (2009, p.22) afirmam que:

O grupo de discussão permite a identificação e o levantamento de opiniões que refletem o grupo em um tempo relativamente curto, otimizado pela reunião dos participantes e pelo confronto de ideias que se estabelece, assim como pela concordância em torno de uma mesma opinião, o que permite conhecer o que o grupo pensa. O objetivo é coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre os participantes, informações acerca de um tema específico, permitindo que eles apresentem, simultaneamente, seus conceitos, impressões e concepções. O que caracteriza o grupo de discussão é que as pessoas que compõem o grupo têm uma experiência em comum.

Portanto, conforme os objetivos citados acima, o grupo de discussão parecia

ser a melhor opção como técnica de pesquisa.

Depois de definir as técnicas de pesquisa de acordo com meus objetivos, o

próximo passo foi planejar um roteiro de perguntas, tanto para as entrevistas com as

formadoras, como para o grupo de discussão com os coordenadores pedagógicos.

As três questões principais do estudo (descritas abaixo) foram desdobradas

em outros questionamentos, de modo que o conjunto das respostas pudesse auxiliar

na compreensão dos objetivos da pesquisa:

1) Quais foram as principais ações da Secretaria Municipal de Educação de

Boa Vista do Tupim que contribuíram para a construção do papel formador do

coordenador pedagógico?

2) Quais as principais necessidades formativas dos coordenadores durante o

processo de constituição de seu papel de formador dentro da escola?

3) Como os formadores contribuíram para construir a rede colaborativa de

formação?

Perguntas e objetivos para as entrevistas com as formadoras

Pergunta Objetivo

1. Quais foram as principais ações das formadoras, que atuam na Secretaria Municipal de Educação, que contribuíram para a construção do papel formador do coordenador pedagógico?

Compreender a visão da trajetória de formação dos CPs.

2. Conte como é a estrutura e o Conhecer a estrutura e o

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funcionamento da formação que realiza: horas de reuniões, horas de trabalho coletivo, seleção dos quadros, horas de estudo...

funcionamento do trabalho das formadoras.

3. O que é ser formador para você? Conhecer a concepção de seu papel de formador.

4. Quais os principais desafios enfrentados pelo coordenador pedagógico ao assumir o papel de formador dentro da escola e compor a liderança pedagógica?

Conhecer os principais desafios enfrentados pelos CPs para se tornarem formadores. Saber o que os formadores compreendem desse processo.

5. Como os coordenadores respondem aos desafios? Descreva como os coordenadores que desen-volvem bem o trabalho e respondem às suas expectativas, fazem o trabalho, e descreva também, como aqueles que não respondem bem às expectativas respondem aos desafios e fazem o trabalho.

Saber quais foram os recursos e estratégias utilizados pelos coordenadores para responderem aos desafios. Saber se os formadores conhecem os recursos dos CPs para responderem aos desafios.

6. Como você ajudou os CPs a responderem aos desafios? A depender da resposta anterior, perguntar: como você disse, alguns CPs demonstraram mais dificuldades em alguns momentos. Quais foram as ajudas diferenciadas que você ofereceu?

Verificar como os formadores ajudaram os CPs a responderem aos desafios, quais foram as ajudas diferenciadas que ofereceram, que recursos ofereceram, que ações de formação propuseram para fortalecerem os CPs como formadores.

7. Quais as atividades que você desenvolve como formador(a), desde o início do Projeto Chapada?

Conhecer um pouco da rotina dos formadores e identificar o tempo destinado para autoformação e para a formação dos CPs.

8. Descreva a rotina de uma semana de trabalho de um(a) formador(a).

Conhecer um pouco da rotina dos formadores e identificar o tempo destinado para autoformação e para a formação dos CPs.

9. De que forma os coordenadores conseguiram organizar o tempo da rotina para privilegiar a função de formadores? Averiguar se os CPs atendem mais de uma escola ou se alguns são CPs de uma escola apenas. Se houver essa diferença, pedir para contarem um pouco como funciona e saber a diferença da atuação.

Saber se os formadores sabem ou ajudam os CPs a realizar melhor a gestão do tempo, para que a formação possa ganhar lugar privilegiado na rotina. Conhecer as atuações dos CPs na prática: há um CP por escola ou um CP atende mais de uma escola.

10. Quais as principais necessidades formativas dos coordenadores durante o processo de constituição de seu papel de formador dentro da escola? E quais as suas necessidades formativas para

Identificar o que os formadores reconhecem como necessidades formativas dos CPs durante o processo de constituição de seu papel de formador.

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ajudá-los nessa formação? Você recebe formação específica para isso? O que se destaca, nessa formação, a seu ver? A formação ocorre só na área de Língua? E as outras áreas? São discutidas, refletidas? Como são trabalhadas na formação?

Identificar as próprias necessidades formativas para ajudar outro formador em formação. Conhecer como as áreas de conhecimento são distribuídas na formação.

11. Como você conseguiu manter o desenvolvimento dos planos de formação dos coordenadores, apesar das mudanças das gestões políticas?

Conhecer as estratégias dos municípios para manterem os planos de formação dos coor-denadores, apesar das mudanças das gestões políticas.

12. O que você entende por uma rede colaborativa de aprendizagem?

Conhecer a compreensão da formadora do que é uma rede colaborativa de aprendizagem.

13. Como você diria que contribuiu para formar uma rede colaborativa de aprendizagem?

Conhecer a compreensão da formadora do seu papel para a formação da rede colaborativa de aprendizagem.

14. Como você conseguiu a colaboração dos coordenadores?

Conhecer possíveis estratégias para envolver os CPs na rede de formação.

15. Qual a importância da colaboração dos CPs para o seu trabalho e para a rede colaborativa de aprendizagem?

Identificar a importância que o CP tem para o formador na criação da rede colaborativa de aprendizagem.

16. Você já foi coordenador(a) antes de ser formador(a)?

Conhecer um pouco mais do percurso/trajetória do(a) entrevistado(a) e analisar se ser coordenador é uma condição para ser formador no Projeto Chapada.

17. Como você assumiu o cargo de formador(a)?

Conhecer o processo de admissão ao cargo.

18. O que você trabalha no seu cotidiano com os CPs?

Conhecer os conteúdos da formação e os eixos que são considerados.

19. Como você fez para discutir os conceitos de formação e as estratégias formativas com os coordenadores?

Conhecer estratégias de trabalho do formador.

20. Qual foi o papel das avaliações externas para a formação que você realiza? Houve algum impacto? Como você avalia a importância das avaliações externas na formação e, especi-ficamente, nos planos de formação que elaboram a cada ano?

Conhecer o papel que as avaliações externas exercem na formação realizada pelos formadores e na elaboração dos planos de formação a cada ano.

21. Fale um pouco sobre a prática de escritas profissionais no seu trabalho como formador(a). O que você lê e escreve? Com que frequência? Para quem? Com que objetivo?

Conhecer o papel das escritas profissionais na prática das formadoras: o que leem e o que escre-vem, frequência, objetivo, destinatário, intenção comunicativa.

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Perguntas e objetivos para o grupo de discussão com os coordenadores pedagógicos

Pergunta Objetivo

1. Quais foram as principais ações das formadoras, que atuam na Secretaria Municipal de Educação, que contribuíram para a construção do seu papel formador?

Compreender a visão da trajetória de formação dos CPs.

2. O que é ser coordenador(a) para você?

Conhecer a concepção do papel de formador para o CP.

3. Quais os principais desafios que você enfrentou ao assumir o papel de formador dentro da escola e compor a liderança pedagógica?

Conhecer os principais desafios enfrentados pelos CPs para se tornarem formadores.

4. Como você respondeu aos desafios? Você teve muitas dificuldades? Quais foram as principais dificuldades?

Saber quais foram os recursos e estratégias utilizados pelos coordenadores para responderem aos desafios.

5. Como os formadores ajudaram você a responder aos desafios?

Verificar como os formadores ajudaram os CPs a responderem aos desafios, que recursos ofereceram, que ações de formação propuseram para fortalecerem os CPs como formadores.

6. De que forma você conseguiu organizar o tempo da rotina para privilegiar a função de formador? E os CPs que são responsáveis por mais de uma escola, ou seja, são formadores de várias escolas, como organizam a rotina? Como viabilizam a formação de várias escolas no dia a dia?

Conhecer melhor a gestão do tempo para que a formação pudesse ganhar lugar privilegiado na rotina.

7. Quais são as atividades que você desenvolve como coordenador que considera mais rele-vantes?

Identificar as atividades que os CPs consideram mais relevantes para a aprendizagem do seu grupo.

8. Quais são as atividades que você desenvolve como coordenador que considera mais relevantes para a formação do seu grupo de professores?

Identificar as atividades de formação que os CPs consideram mais relevantes para a aprendizagem do seu grupo.

9. Como você organiza o trabalho de reflexão sobre a prática (discussão de atividades em sala de aula) com os professores? Quem ou o quê (materiais) o ajudam nessa tarefa?

Conhecer com que regularidade e instrumentos metodológicos os coordenadores organizam o trabalho de reflexão sobre a prática. Indiretamente, analisar a importância que atribuem a esta prática.

10. Quais são as suas principais necessidades formativas para a

Identificar o que os CPs reconhecem como necessidades formativas durante

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constituição de seu papel de formador dentro da escola?

o processo de constituição de seu papel de formador.

11. Considerando todo o processo de formação de que participa no Projeto Chapada, o que mais contribuiu para você se tornar um formador?

Identificar mais elementos para compreender a visão da trajetória do papel de formador dos CPs.

12. Como você conseguiu manter o trabalho de formação dentro das escolas, apesar das mudanças das gestões políticas?

Conhecer as perspectivas dos CPs sobre a permanência dos projetos de formação dentro das escolas, apesar das mudanças das gestões políticas.

13. O que você entende por uma rede colaborativa de aprendizagem?

Conhecer a compreensão dos CPs do que é uma rede colaborativa de aprendizagem.

14. Como você diria que contribuiu para formar uma rede colaborativa de aprendizagem?

Conhecer a compreensão dos CPs do seu papel para a formação de uma rede colaborativa de aprendizagem.

15. Qual a importância das formadoras para o seu trabalho e para a rede colaborativa de aprendizagem?

Identificar a importância que as formadoras têm para os CPs para a criação da rede colaborativa de aprendizagem.

16. Que mudanças você tem observado no trabalho dos professores desde que iniciou um trabalho mais formativo na escola?

Identificar se os CPs observam mudanças no trabalho dos professores, que sejam resultado do trabalho de formação desenvolvido por eles.

17. Que mudanças você tem observado na qualidade da aprendizagem dos alunos desde que iniciou um trabalho mais formativo com os professores da escola?

Identificar se os CPs observam mudanças na aprendizagem dos alunos e que consideram resultado do trabalho de formação desenvolvido por eles.

18. Você já foi professor(a) antes de serem coordenador(a)?

Conhecer um pouco mais do percurso/trajetória do(a) entrevistado(a) e analisar se ter sido professor é uma condição para ser coordenador no Projeto Chapada.

19. Como você assumiu o cargo de coordenador(a)?

Conhecer o processo de admissão ao cargo.

20. Qual foi o papel das avaliações externas para a formação que você realiza? Houve algum impacto? Como você avalia o lugar das avaliações externas na formação e, especificamente, nos planos de formação que elaboram a cada ano?

Conhecer o papel que as avaliações externas exercem na formação realizada pelos CPs e na elaboração dos planos de formação a cada ano.

21. Fale um pouco sobre a prática de escritas profissionais no seu trabalho de coordenação. O que você lê e escreve? Com que frequência? Para quem? Com que objetivo?

Conhecer o papel das escritas profissionais na prática dos CPs: o que leem e o que escrevem, frequência, objetivo, destinatário, intenção comunicativa.

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A coordenadora executiva do Projeto Chapada e o Secretário Municipal de

Educação colocaram-se à minha disposição para colaborar com a coleta de dados.

Portanto, tive total apoio e boas condições para realizar o estudo no município.

Foram entrevistadas 02 formadoras e foi realizado um grupo de discussão

com a participação de 04 coordenadores pedagógicos que atuam no Ensino

Fundamental I.

A proposta era realizar o grupo de discussão com 05 coordenadores, no

entanto, no dia em que foi feito o grupo, um deles teve um imprevisto no

deslocamento para a Secretaria (onde foi realizado o grupo de discussão) e não

pôde participar.

As entrevistas foram realizadas no mesmo dia, porém individualmente. As

duas formadoras entrevistadas compõem a equipe técnica da Secretaria Municipal

de Educação e são responsáveis pela formação de segmentos diferentes. Na

Secretaria, o nome desse cargo é supervisora técnica. A seguir uma breve

caracterização de cada uma das formadoras entrevistadas (foram utilizados nomes

fictícios para preservar sua identidade):

A formadora Silvia, 35 anos, é responsável pela formação dos diretores

escolares. Iniciou sua carreira profissional como professora de Ensino Fundamental

I, depois foi coordenadora por 04 anos e supervisora técnica por 05 anos. Na

sequência, assumiu a função de diretora pedagógica em 2009. Portanto, ela está

nessa função há 3 anos. Por ser ela formadora dos diretores escolares, sua

entrevista não responde diretamente aos objetivos da pesquisa. A maior parte de

suas respostas diz respeito à sua rotina com os mesmos e, por isso, não foram

aproveitadas. No entanto, algumas respostas de caráter mais geral foram

importantes para entender o funcionamento da estrutura de formação da rede, o que

nos levou a manter aqui seus dados de caracterização.

A formadora Regina, 33 anos, é supervisora técnica, responsável pela

formação dos coordenadores pedagógicos do Ensino Fundamental I. Iniciou a

carreira profissional como professora de Ensino Fundamental I, depois foi

coordenadora por 5 anos e então assumiu a função de supervisora técnica, em

2006. Portanto, ela está nesta função há 6 anos. Regina também acumula outra

função, que é de formadora do Projeto Chapada, isto é, além de ser a responsável

pela formação dos coordenadores do Ensino Fundamental I de Boa Vista do Tupim,

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ela faz a formação dos coordenadores de dois municípios (Utinga e Andaraí). Esses

dois municípios também participam do Projeto Chapada. No entanto, constituíram há

pouco tempo uma equipe técnica e, por isso, recebem o apoio da formação da

Regina, mais experiente.

As duas formadoras entrevistadas responderam às questões com muita

tranquilidade e fluência. Cada entrevista durou em média uma hora e meia.

O grupo de discussão foi realizado com quatro coordenadores pedagógicos:

um homem e três mulheres. Os quatro são coordenadores de mais de uma escola,

pois a rede municipal conta com escolas em povoados distantes (podem distar até

70 km do centro da cidade), com apenas uma ou duas salas de aula e, na maioria,

são multisseriadas. Nas escolas isoladas ou multisseriadas (como são chamadas),

os coordenadores acompanham o trabalho dos professores. No entanto, não ficam o

tempo todo na escola, conforme explicarei melhor, mais adiante.

A seguir uma breve caracterização de cada um dos coordenadores

entrevistados (foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos

entrevistados):

Coordenador Pedro, 32 anos, foi professor antes de ser coordenador.

Assumiu a coordenação há dois anos. É responsável pela coordenação de quatro

escolas: uma regular e as outras multisseriadas.

Coordenadora Eliane, 32 anos, foi professora antes de ser

coordenadora. Está na função há sete anos. É responsável pela coordenação de

duas escolas regulares.

Coordenadora Flávia, 37 anos, foi professora antes de ser

coordenadora. Está na função há nove anos. É responsável pela coordenação de

quatro escolas: uma regular e as outras multisseriadas.

Coordenadora Mariana, 32 anos, foi professora antes de ser

coordenadora. Está na função há dez anos. É responsável pela coordenação de

cinco escolas: uma regular e as outras multisseriadas.

Podemos verificar que os quatro participantes do grupo assumem a

coordenação de mais de uma escola. Eles ficam dois dias por semana na escola

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maior, localizada na zona urbana (com exceção de Pedro que não trabalha na zona

urbana), e, nos outros dias, atendem as escolas multisseriadas. A maioria das

escolas multisseriadas tem apenas um professor que atua com crianças de

diferentes idades. Os coordenadores recebem os professores uma vez por semana

na Secretaria de Educação, para realizar o planejamento e desenvolver o projeto de

formação. A cada 15 dias, eles vão até a escola para realizar observações em sala

de aula. Eles alegam que não conseguem ir até a escola semanalmente, por causa

da quantidade de escolas em que trabalham e a dificuldade com o transporte. A

coordenadora Mariana, por exemplo, é responsável por quatro escolas; então, em

uma semana, ela consegue ir até duas escolas e, na outra semana, para as outras

duas. Portanto, as observações e o acompanhamento in loco são quinzenais.

A discussão teve, praticamente, duas horas de duração. Todos falaram

bastante e não houve desacordos. Um complementava a fala do outro e pareciam

muito afinados nas respostas, nas ideias e posições.

Nos dias em que passei na cidade de Boa Vista do Tupim, além de realizar

as entrevistas e o grupo de discussão, pude acompanhar algumas formações

realizadas pela coordenadora das escolas Cora Ribeiro, Selika Nazareth, Belmiro

Cincurá, Campos Sales e Arnaldo Pimentel de Sá (com exceção da escola Cora

Ribeiro, todas as outras são multisseriadas). Embora a observação não faça parte

da metodologia desta pesquisa, os relatos de observação contribuem como dados

de contextualização, que me permitem reafirmar metodologias explicitadas pelos

formadores e coordenadores e resultados da aprendizagem do aluno. Por outro

lado, essa mesma observação me permitiu observar graves problemas em relação à

matemática, que mostram que a formação de professores, voltada para a

Alfabetização e área de Língua Portuguesa, negligenciando a área de Matemática,

pode ocasionar graves falhas na formação e na aprendizagem dos alunos. Os

relatos das observações encontram-se no apêndice deste trabalho (relato de

observação 4).

Tanto as entrevistas realizadas com as formadoras dos coordenadores,

quanto com o grupo de discussão, foram transcritas, sintetizadas e feita uma

pequena edição para suprimir os vícios de linguagem. Depois de leituras e releituras

do material transcrito, prossegui para a análise.

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6. ANÁLISE DOS DADOS

Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta. Dar-lhes a volta toda.

José Saramago10

“Ainda não sei bem”, disse Alice suavemente. “Gostaria de

dar uma olhada em volta primeiro, se me permite.” “Você pode olhar em frente e dos lados, se quiser”, disse a

Ovelha, “mas não pode olhar em volta de você ... a não ser que tenha olhos atrás da cabeça.”

Lewis Carroll - Através do espelho

Durante as entrevistas e o grupo de discussão, fui tomada por uma

sensação de euforia: as falas dos entrevistados pareciam todas interessantes, e

vislumbrava a possibilidade de várias análises e relações. Depois de terminar a

coleta dos dados, as transcrições, revisões e edições dos materiais, segui para as

leituras e releituras e então entendi que não conseguiria dar a volta toda, como bem

disse Saramago. O desejo é ver tudo, de todos os lados, mas compreendi que, em

pesquisa, há de se fazer um recorte. É preciso dar andamento e direção a partir do

recorte definido. Portanto, o subaproveitamento dos materiais coletados seria

inevitável. E assim, conformada em ver de frente e, quiçá, dos lados, prossegui na

análise.

Os resultados serão apresentados e analisados em três categorias:

formação, articulação e transformação. Estas três categorias foram retomadas na

recente pesquisa sobre o coordenador pedagógico e a formação de professores

realizada por Placco, Almeida e Souza (2011). As autoras propõem a formação,

articulação e transformação como aspectos indissociáveis de um princípio que

direciona a compreensão do que seja a coordenação pedagógica (2011, p.276):

Os movimentos de articulação, formação e transformação são partes de uma engrenagem, engendrados em um todo e indicam atitudes,

10 Trecho de fala de José Saramago, no filme Janela da Alma – depois de ser contada a história da

coroa, no teatro de Lisboa, da plateia e dos camarotes, via-se uma coroa magnífica, linda, mas, do lado de trás, onde ele assistia o espetáculo, a coroa era oca, cheia de pó e teia de aranha.

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ações e expectativas, que se traduzem em ações de gestão do PPP (projeto político pedagógico), dos grupos de educadores da escola, em ações de formação de professores e em outras ações do cotidiano escolar.

Segundo as autoras, estes três eixos estruturam e promovem ações e

reflexões na prática da coordenação pedagógica e, ao ler as transcrições e os

dados, observo como aparecem interligados e articulados nas falas dos sujeitos da

pesquisa. Portanto, tomo-lhes emprestadas essas categorias, para este trabalho.

Iniciarei a análise considerando a articulação e destacando, em especial, o

papel da rede colaborativa construída por todos os atores envolvidos na formação, a

rotina instituída para consolidarem o papel de formadores e as escritas profissionais.

Depois, a análise continuará segundo o eixo da formação, destacando o papel

formador dos coordenadores, as necessidades formativas, o conhecimento didático

e as estratégias de formação. Por fim, caminhamos para a transformação,

sublinhando o processo de avaliação e os resultados da formação.

6.1. Articulação

A categoria articulação será organizada a partir de três eixos:

a construção de uma rede colaborativa

a rotina

as práticas profissionais de escrita

6.1.1. As redes colaborativas

Posso dizer que a gente aqui tem se esforçado e tem conseguido construir uma rede colaborativa porque entendemos que

ninguém pode ir muito longe, ninguém pode fazer tão bem um trabalho sozinho, ninguém pode fazer nada sozinho.

Regina (formadora)

Na palestra proferida em Seabra/BA, no II Seminário de Escola Rural, em

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agosto de 2011 (já comentada em capítulo anterior), António Nóvoa comentava a

necessidade de recusarmos a lógica individualista e isolacionista e valorizarmos

cada vez mais a criação de redes coletivas de trabalho. Ele ressaltou que não é

tarefa fácil, mas, depois de vivenciar a experiência da rede, não é possível viver sem

ela. Na ocasião, Nóvoa fez uma analogia da experiência da rede com uma frase de

Fernando Pessoa, referindo-se a experiência de beber coca-cola: “A coca-cola

primeiro estranha-se, depois entranha-se”. E concluiu que uma vez criada a cultura

da rede coletiva e colaborativa, não conseguimos mais viver sem ela.

É o que, de certa forma, também aponta a pesquisa de Davis et al (2011),

conforme já mencionado na pág. 41 deste estudo: as poucas Secretarias que

investiram em uma estrutura de formação mais colaborativa obtiveram resultados

bem sucedidos e conseguiram criar uma organização estável para o

desenvolvimento de projetos formativos. Parece que, quando estas estruturas de

formação tornam-se mais estáveis, mais organizadas na rede, há uma tendência a

permanecerem, pois a qualidade da participação dos sujeitos envolvidos é ampliada

e refinada.

A fala de Regina na epígrafe revela a dimensão do outro em sua prática. Na

entrevista ela traz a sua concepção de rede colaborativa envolvendo outros

parceiros:

Então, rede, eu entendo que é como a gente partilha, como a gente socializa as nossas aprendizagens, as experiências exitosas que cada escola vai conseguindo realizar, que cada sujeito especificamente na instância da qual faz parte, seja um coordenador pedagógico, seja diretor, seja professor, como é que vão conseguindo resolver as suas questões. Fazer parte de uma rede colaborativa na instância municipal e também fazer parte de uma rede maior como é o Projeto Chapada, por exemplo, é poder aprender localmente com as diversas experiências que a gente realiza, mas é bom a gente também estar inserido em uma rede mais ampla em que se pode aprender com as experiências dos nossos parceiros. E não apenas dessa cidade, mas de outros lugares, então conhecer o que eles têm feito, e que soluções eles têm encontrado para os mesmos problemas [...]. Então, acho que a coisa da rede de colaboração é isso, um espaço muito fértil para que todos possam crescer.

A rede colaborativa é uma grande articulação entre todos os atores

envolvidos. Conforme diz Regina (formadora), articular o seu trabalho com o de

outro município é poder aprender com experiências diferentes, aprender

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possibilidades de soluções para os mesmos problemas.

Podemos afirmar que o outro nos ajuda a dimensionar o nosso papel, nosso

lugar, nossa responsabilidade e a possibilidade dos avanços. É o que, sabiamente, o

poema Tecendo a Manhã, tão conhecido, de João Cabral de Melo Neto diz:

Um galo sozinho não tece uma manhã; ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.

Promover o espírito colaborativo que emana do poema é um desafio muito

grande para os atores envolvidos em uma rede de educação. Quando se consegue,

o desejo é manter, mas, para tanto, é preciso que todos integrantes da cadeia

formativa se responsabilizem por mediar e articular as ações de formação,

reconhecendo e valorizando a importância da construção de relações cada vez mais

simétricas com seus sujeitos da formação.

Desde o início, todos se sentem autorizados a participar desse espaço como pessoas que têm algo a agregar, como pessoas que têm algo para contribuir, quer dizer, esses coordenadores não vêm receber uma formação, vamos dizer repassar; em termos muito frequentes há outras concepções que não seja a formação, mas viemos juntos fazer essa formação desse grupo. É obvio que tem uma responsabilidade que me compete do ponto de vista de planejar, do ponto de vista de organizar esse trabalho, mas todos se sentem participantes e autorizados a contribuir. Então essa questão é a da valorização daquilo que o outro sabe, a valorização daquilo que o outro traz, a forma como se lida com aquilo que o outro não sabe naquele momento, mas que pode aprender justamente por participar de um grupo que colabore, que compartilhe, enfim, então esses são alguns cuidados para a gente ir construindo isso. Acho que a gente já sabe do papel importante que as interações têm para favorecer o aprendizado, então essa, por exemplo, é o princípio que na formação dos professores se discute, quer dizer, como tirar proveito da interação entre as crianças para que elas possam aprender, para que elas possam avançar. Então é parecido com o que a gente traz para a dimensão da formação dos coordenadores, e essas interações e essas partilhas entre pares são valorizadas, elas são tidas como algo importante da gente manter, para que todo mundo possa aprender juntos e possa tirar muitos bons proveitos disso. (Regina, formadora).

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Podemos emprestar a reflexão sobre a constituição de grupos de Souza

(2010, p.34), para pensar na fala da formadora Regina. Segundo a autora, o trabalho

de construção do grupo propicia sua ascensão a outros movimentos, e a cada nova

estrutura de funcionamento, as pessoas crescem no e pelo grupo, pela oportunidade

de vivenciar diferentes papéis, de encarar e lidar com as diferenças, percebendo-se

com igualdade e diferença, num movimento dialético constante.

De fato, podemos afirmar que a perspectiva colaborativa também traz um

contexto de aprendizagem. Não há como promover mudanças qualitativas, sozinho.

A proposta é que a qualidade do ensino oferecido para os alunos seja uma

corresponsabilidade de toda uma equipe. Esta rede de responsabilidade pela

qualidade da educação começa na Secretaria de Educação, que se organiza para

apoiar, do ponto de vista institucional, às formações desenvolvidas nas escolas.

Cabe às Secretarias criarem condições institucionais e assegurarem amparo político

e técnico para que as escolas construam-se como espaços de formação permanente

e de práticas pedagógicas bem sucedidas. Em outras palavras, as Secretarias

precisam constituir equipes de formadores que se responsabilizem pela formação

dos coordenadores e diretores e se corresponsabilizem pela qualidade da

aprendizagem dos alunos. Os diretores e coordenadores, por sua vez, assumem a

formação dos professores nas escolas e também se corresponsabilizam pela

qualidade da aprendizagem dos alunos. A ideia é de uma cadeia distributiva de

formação, valorizando o que de melhor tem a ação coletiva, as trocas de

experiências, a complementariedade dos saberes, tornando a colaboração um valor

profissional.

No entanto, Imbernón (2010, p.71) alerta que não devemos nos confundir:

A formação colaborativa é um processo de desenvolvimento que leva tempo e requer um considerável esforço, e o ensino obrigatório implica uma estrutura cada vez mais complexa, que necessita de uma organização coletiva e democrática, compartilhando o conhecimento com outras instâncias de socialização. Mas isso não quer dizer que seja uma empresa, como alguns quiseram acreditar, senão um território flutuante, no qual se desenvolve um confronto entre diferentes formas de entender a educação e a sociedade. É na tolerância e na compreensão dessas diferenças que se encontra o desafio do trabalho em grupo dos professores.

Souza (2010, p.34) também ilumina a necessidade da compreensão das

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diferenças:

Os vínculos se constroem pautados pelo respeito ao outro, pelo reconhecimento das diferenças do outro. “Gosto dele porque é diferente, porque ele não sou eu”.

Vimos que a rede colaborativa é um valor para Regina, formadora dos

coordenadores. A seguir, veremos como as ideias e opiniões dos coordenadores

que participaram do grupo de discussão parecem alinhadas com a da formadora. Ao

serem questionados sobre o que entendem por uma rede colaborativa de

aprendizagem e se entendem que fazem parte de uma, Pedro (CP) se pronuncia:

Uma das questões desse ano que vimos que melhorou é que precisamos trocar mais os materiais que dão certo, precisamos ter mais momentos para planejar junto com os outros coordenadores [...]. Nós sabemos que existe a especificidade de cada escola, mas às vezes o problema é comum e uma colega que tem mais experiência pode me ajudar a fazer uma pauta melhor. Então, isso é uma questão que está fortalecendo; já vinha, mas nesse ano fortaleceu mais e eu acredito que é bom e vai ajudar. Alguns são bons numa coisa e outros em outra, então, quando nos ajudamos, vai formando essa rede colaborativa.

E Flávia (CP) traz a ideia da rede colaborativa na linha da cadeia formativa:

E é assim: é formação continuada mesmo, porque nós recebemos formação através de Regina, os professores através de nós e aí, chega às crianças, eu acho que essa é a rede colaborativa.

Eliane (CP), com muita clareza, organiza as falas dos colegas e

complementa:

Todos se sentindo corresponsáveis pelo resultado do processo, sendo ele significativo ou não. Quando fazemos parte de uma Rede, não nos sentimos sozinhos, sabemos que temos o outro ali para nos apoiar, para nos ajudar, por isso que essa rede vem se fortalecendo a cada dia: porque nós nos importamos uns com os outros e com o resultado dos outros. Não é porque o resultado de Pedro está de uma forma e o meu está de outro, que eu não vou me sentir responsável, que não tenho nada a ver com o trabalho dele lá. Não, eu me sinto responsável, ele se sente responsável. Então, uma vai aportando o outro naquilo que pode e precisa, por isso que fazemos parte dessa rede.

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E, por fim, Mariana (CP) traz mais um argumento que sustenta e valoriza o

trabalho colaborativo:

Quando sai o resultado geral, ele vai ser positivo ou negativo para a rede, se minha escola está bem e a de Pedro está ruim, vai cair o índice, então, por isso, temos que ser colaborativos, um precisa ajudar o outro, porque não é a minha escola e sim a Rede.

Os quatro coordenadores do grupo de discussão apontam que a rede

colaborativa é fundamental, no entanto, os argumentos para justificar a sua

importância são diferentes e complementares:

para promover as trocas de experiências, materiais e reflexões

entre os profissionais;

a criação de uma cadeia formativa dentro da rede, em que um

se responsabiliza pela formação do outro e todos se corresponsabilizam

pela aprendizagem dos alunos;

a possibilidade dos diferentes atores e dos colegas ampararem e

apoiarem uns aos outros;

a parceria e colaboração para um resultado comum, que pode

ser o índice que indica a qualidade da aprendizagem dos alunos da rede

ou o plano de ação dos coordenadores.

Pelos depoimentos, tanto da formadora como dos coordenadores, a rede de

formação parece estar harmoniosamente articulada, as ações de formação estão

interligadas, isto é, os coordenadores são responsáveis pela formação dos

professores, e se corresponsabilizam pela qualidade dos resultados da

aprendizagem das crianças, e recebem apoio político e institucional das equipes

técnicas das Secretarias e do Instituto Chapada. Todos os sujeitos envolvidos nesta

cadeia de formação se corresponsabilizam e oferecem o apoio técnico e formativo

ao sujeito da formação que está interligado. Dessa forma, evita-se o isolamento que

costumamos observar na prática dos coordenadores pedagógicos.

Podemos dizer que a melhoria da qualidade da escola pública de Boa Vista

do Tupim não é fruto de uma ação isolada, externa e pontual de formação. Ao

contrário, pressupõe um conjunto de ações interligadas, envolvendo os diversos

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atores que compõem o cenário educativo. Como diz Nóvoa (2009, p.40), a

competência coletiva é mais do que o somatório das competências individuais. Para

o autor, trata-se da necessidade de um tecido profissional enriquecido, da

necessidade de integrar na cultura docente um conjunto de modos coletivos de

produção e regulação do trabalho.

Placco e Souza (2008, p. 27) sintetizam, de modo preciso, a importância do

coletivo na formação:

Qualquer processo formativo e qualquer prática educativa só avançam se abordados na perspectiva do trabalho coletivo. Este pressupõe integração de todos os profissionais da escola, a não-fragmentação de suas ações e práticas e, fundamentalmente, o compromisso com a formação do aluno. A ação coletiva implica o enfrentamento dos desafios presentes na escola, de modo que uma ação coesa e integrada dos gestores da escola – direção e coordenação pedagógico-educacional – e dos demais profissionais da educação, a partir de uma reflexão sobre o papel desses gestores na articulação e parceria entre os atores pedagógicos, reverta em um processo pedagógico que melhor atenda às necessidades dos alunos.

Contudo, não podemos perder de vista que as culturas colaborativas reais

não são aquelas que se realizam apenas em reuniões, ou em situações episódicas,

pontuais. Conforme lembra Imbernón (1998, p.106), as culturas colaborativas reais

se caracterizam por apresentar contatos mais profundos e permanentes, que se

manifestam no trabalho diário dos professores. Os coordenadores entrevistados

revelam familiaridade com a prática colaborativa. Podemos exemplificar com trechos

como:

Apesar de cada um no seu quadrado, mas é um quadrado que se torna um só, quando nós precisamos, nos ajudando, ou então, quando temos esse momento para poder refletir sobre os resultados de cada grupo, quando vamos compartilhando as experiências que eu tenho no meu núcleo, que ele tem no seu núcleo. Nós vamos vendo como a SEMEC (Secretaria de Educação Municipal), que faz parte dessa rede, pode também nos apoiar, em que o gestor público que faz parte dessa rede pode nos apoiar, o que é que o Instituto Chapada, que é inserido nessa rede, pode nos apoiar. Nessa rede, um se sente responsável pelo outro. (Eliane, CP) A Rede tem que ser colaborativa, e aí o plano de ação da escola de Pedro, talvez seja um plano bom que eu possa adaptar para a minha escola, e como nós fazemos essa parceria, quando comunicamos nossos saberes, as nossas faltas, os nossos documentos isso vai

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fortalecer mesmo a rede. (Mariana, CP)

Silvia, formadora dos diretores, valoriza o papel do Projeto Chapada para a

constituição de uma rede colaborativa entre os municípios participantes:

Esse conceito de Rede Colaborativa de Aprendizagem começou a se apresentar um pouco mais para mim acho que a partir de 2007. E foi logo quando Boa Vista apresentou um IDEB muito bom, e em algum lugar, aparecia esse conceito, essa expressão de Redes Colaborativas. Eu fiquei pensando sobre isso e logo me voltei para o Instituto Chapada, eu vejo no Projeto Chapada a materialização da rede colaborativa de aprendizagem. Então são pessoas, nesse caso são municípios, são redes, que comprometidos com a causa pública, resolvem unir esforços para aprender juntas aquilo que não sabiam. Fazer formação continuada é um desafio, e todos integrantes da rede estão movidos por uma causa comum que é a qualidade da educação pública. Essa Rede Colaborativa vai se constituindo: são municípios que se apoiam, que dialogam entre si, que trocam experiências, que se ajudam. E a gente transpõe isso para rede municipal de que maneira? A gente começa a pensar em Rede colaborativa, em escolas que se ajudam, em professores que se ajudam, em coordenadores que ajudam professores, diretores que ajudam a comunidade escolar.

É possível observar que o processo de rede foi desencadeado pelo Instituto

Chapada, e, para o ICEP, o trabalho em rede é um princípio estruturante para

atender o objetivo de aprimorar a qualidade da educação pública. No entanto, a rede

só se mantém porque é realimentada pelas experiências de formação dos

municípios e pelo compromisso dos envolvidos. Os relatos dos coordenadores e

formadora são reflexivos e coerentes, e refletem a riqueza de uma experiência do

ponto de vista da fundamentação que a originou. Não é um conhecimento intuitivo,

eles falam de uma prática que foi conceitualizada. De fato, ao ouvir os depoimentos

dos coordenadores e formadora, posso dizer que, para esse grupo, as redes

colaborativas também balizam suas ações formativas e constituem-se em espaços

de participação democrática, de relações horizontais e muita parceria. Por um lado,

a ideia do coletivo e o movimento de interligar os diferentes profissionais que atuam

nas escolas, nas secretarias, no Instituto Chapada, tornam observáveis os limites do

trabalho solitário. E, por outro, revelam a abertura de possibilidades, quando se tem

o olhar do outro, validando o que de melhor tem a diversidade.

A fala da Regina (quando trata dos tempos da formação, que

aprofundaremos mais adiante) ilustra, claramente, o quanto a estrutura formativa é

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concebida, em um contexto colaborativo, e todos se corresponsabilizando pelos

resultados. Nesse momento, ela relata a boa parceria entre ela e suas colegas

formadoras da equipe técnica.

[...] tem o trabalho de formação da equipe técnica da qual eu faço parte, que são 16 horas mensais nessa parceria com o ICEP. Além disso, temos nossos momentos, as nossas reuniões internas com a equipe técnica, onde a gente planeja e segue avaliando e encaminhando os desdobramentos do trabalho, porque a gente é uma equipe que vai se corresponsabilizando, no meu caso mais diretamente pela formação dos coordenadores pedagógicos do Fundamental I e pela supervisão técnica desse segmento. No caso de Cora, pela Educação Infantil; Marta, pelo Fundamental II e Silvia, pelos diretores. Mas aí a gente senta para ver como é que a gente elabora nosso plano de ação, que conteúdo a gente prioriza e como eles se articulam nessas diferentes instâncias. Então são algumas reuniões que a gente planeja o que a gente vai fazer, mas, em algumas outras, a gente também precisa estudar como a gente vai resolver esses problemas: que encaminhamentos a gente vai fazer, é um momento mesmo de troca de materiais que podem aportar o trabalho.

Portanto, partimos de que, para construir o papel formador do coordenador,

existe o movimento de uma rede formativa. Esta rede é como um pano de fundo que

contribui para a realização de boas articulações formativas (e potencialmente

formativas) dos diferentes atores envolvidos.

Não há dúvida de que, nessa rede, há o reconhecimento do outro. As falas

indicam que há intervenções dos atores envolvidos, para que desenvolvam

potencialidades e busquem juntos melhores resultados. É uma força coletiva e

conjunta para enfrentar a complexidade dos problemas educacionais. Imbernón

(2010, p.65) acentua que a colaboração é um processo que permite compreender

melhor o trabalho educativo e dar melhores respostas às situações problemáticas da

prática.

6.1.2. A Rotina (tempo e espaço)

Vimos, no segundo capítulo, a importância da rotina como estrutura de apoio

para o exercício profissional do coordenador pedagógico. Ou seja, para organizar a

sua rotina, o coordenador pode orientar-se por metas, objetivos e clareza em relação

às suas atribuições na escola.

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Por agora, seguimos conhecendo as rotinas dos coordenadores

entrevistados, e como a formadora contribuiu para esta construção, sem perder de

vista o entendimento de rotina apresentado neste estudo, e as atividades dedicadas

para a formação e autoformação propostas acima.

As perguntas sobre a rotina e a organização do tempo lançadas no grupo de

discussão pediam para os coordenadores pedagógicos contarem a rotina e, depois,

como conseguiram organizar o tempo para privilegiar a função de formadores;

pediam também para avaliarem quais as atividades desenvolvidas como

coordenadores que consideram mais relevantes.

Todos os coordenadores falaram e seus relatos foram complementando os

anteriores. Eliane iniciou:

Eu acho que se formos descrever como organizamos a rotina, vamos acabar elencando os pontos principais da função do coordenador: eu sei que tenho que acompanhar os processos que acontecem na sala de aula, eu sei que preciso ter os momentos de AC11 (atividade complementar) com os professores, ter momentos de grupo de estudo e também preciso ter momentos individualizados com meus professores, porque esses momentos coletivos não resolvem coisas específicas da didática de determinados professores que estão ali precisando de um foco. Os planejamentos, nós fazemos por ciclo; grupo de estudo, fazemos por ciclo, dependendo do conteúdo, mas são necessários também os acompanhamentos, os atendimentos que chamamos de individualizados, de sentar com aquele professor especifico para discutir com ele a sua demanda, porque existem demandas coletivas e demandas de cada um, e é importante que ponhamos isso na nossa rotina de coordenador, como nosso papel. Também faz parte da gestão da escola um momento específico de sentar com o diretor, ver dados, discutir o funcionamento da escola, e acabamos ficando também com um pouco do administrativo, ajudando o diretor nisso. Então essa é a nossa rotina, vamos distribuindo essas etapas formativas dentro dela. E qual seria a mais importante, a que poderíamos estar privilegiando? Todas são importantes, se fazem necessárias e jamais devem sair de nossa rotina.

Eliane parece considerar todas as suas atividades da rotina como formativas

e não consegue hierarquizá-las segundo a importância e necessidade; todas são

igualmente valorizadas.

11 Atividade complementar: momento de trabalho coletivo. Em geral tem como principal objetivo

construir coletivamente respostas para os problemas pedagógicos enfrentados pelo grupo. Em algumas regiões, é chamada de horário de trabalho coletivo (HTC).

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Mariana (CP) complementa com informações sobre a frequência e destaca a

sua prioridade na rotina:

Em relação à carga horária, o planejamento é semanal, com duas horas, grupo de estudo é mensal, com quatro horas, reunião com diretores é mensal, e a atividade complementar é semanal. [...] Para mim, de prioridade é o planejamento - é uma coisa que não pode faltar.

Flávia (CP) traz mais uma atividade da rotina: o dia dedicado à formação do

coordenador:

E Eliane se esqueceu de colocar um ponto importante na agenda que é a formação de coordenadores. Temos esse dia específico para a nossa formação.

Quando perguntados sobre as possíveis interrupções durante o dia, como o

atendimento a pais sem agendamento prévio, os coordenadores mostraram clareza

em relação às suas funções e uma contundência com o compromisso estabelecido

com os professores nos momentos de formação.

Quando estamos nesse momento de planejamento, não vamos interromper para atender os pais e quando estamos na sala de aula, não interrompemos para atender o diretor. Nós até atendemos questões quando estamos na secretaria da escola e o diretor chega lá, nós o apoiamos, mas não é tarefa do coordenador atender os problemas de conflito entre pais e a escola, especificamente, isso é mais o papel do diretor. (Pedro, CP) Quando bate na porta, quem resolve mais é o diretor; só são algumas questões relacionadas ao pedagógico que é o coordenador. (Mariana, CP)

Pedro e Mariana revelam que suas rotinas não são facilmente interrompidas.

Parecem orientar-se, com clareza, pelos objetivos e atribuições definidos

para os coordenadores nas escolas.

Na pesquisa de Placco, Almeida e Souza (2011), vimos que as rotinas

revelam o quanto a maioria dos coordenadores investigados parece deslocada de

suas funções formadoras. De fato, a maior parte da rotina é ocupada com demandas

cotidianas que não se relacionam com seu papel formador. Engolidos por essas

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demandas, não conseguem construir uma experiência, no campo da formação e no

campo pedagógico. Pois bem, o grupo de coordenadores deste estudo parece

conhecer muito bem as suas atribuições e o principal papel que deve desempenhar

nas escolas. A relação das atividades apresentadas diz respeito à formação e,

quando perguntados sobre as interrupções, Pedro esclarece o que não é papel do

coordenador, e que não interrompe o momento do planejamento para atender os

pais e, quando está em sala de aula (observando ou atuando com o professor), não

interrompe para atender o diretor.

Os quatro coordenadores relatam atividades relacionadas ao

acompanhamento do trabalho do professor, ao acompanhamento das

aprendizagens dos alunos, à formação dos professores e à gestão da escola como

um todo, junto com o diretor. Para eles, tudo, de certa forma, está articulado à

formação. Nas palavras de Mariana:

Plano de ação, pautas de reunião de pais, pautas de conselho de classe, tudo acaba sendo formativo.

Podemos verificar que as atividades descritas pelos coordenadores estão

articuladas a uma rotina em que o papel formador se evidencia, isto é, a uma rotina

que pretende ajudar os professores a qualificar o seu trabalho. Vejamos as

atividades mencionadas:

Atividades de AC relatadas por Eliane (CP), os professores reunidos

para um momento de aprofundamento do conhecimento didático: “eu sei que preciso

ter os momentos de AC (atividade complementar) com os professores, ter momentos

de grupo de estudo”. Os encontros coletivos são fundamentais para reconceitualizar

ou aprofundar o conhecimento didático. Nesses momentos, os coordenadores têm a

oportunidade de promover o estudo, as trocas de experiências, as análises das

atividades realizadas em sala de aula, é um espaço privilegiado para a reflexão

sobre a prática pedagógica. Geglio (2010, p.117), ao refletir sobre o papel do

coordenador pedagógico na formação do professor em serviço, enfatiza a

importância dos momentos coletivos. Para ele, o coordenador pedagógico atua

como agente da formação continuada quando reúne o conjunto de docentes para

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discutir questões e problemas pedagógicos, pertinentes à sala de aula.

Observações/acompanhamento do trabalho do professor e da sala de

aula – observação em sala de aula e atendimentos individuais, para atender às

necessidades de aprendizagens individuais: “acompanhar os processos que

acontecem na sala de aula e momentos individualizados com meus professores,

porque esses momentos coletivos não resolvem coisas específicas da didática de

determinados professores que estão ali precisando de um foco. [...] são necessários

também os acompanhamentos, os atendimentos que chamamos de individualizados,

de sentar com aquele professor especifico para discutir com ele a sua demanda,

porque existem demandas coletivas e demandas de cada um, e é importante que

ponhamos isso na nossa rotina de coordenador, como nosso papel”. Eliane mostra

que o acompanhamento em sala de aula faz parte da rotina do CP. É, de fato, um

momento essencial de formação. Podemos dizer que é na sala de aula que o

trabalho da formação se materializa, pela reflexão do professor sobre a articulação

dos aspectos didático-pedagógicos e relacionais. Quando o coordenador se

constitui um parceiro de trabalho do professor, as observações em sala de aula

podem ser muito formativas. De fato, quando a parceria é afinada, no sentido de

compartilharem os objetivos e a função da observação, o planejamento da aula

observada, as necessidades de aprendizagem dos alunos e professor, há uma

chance grande desse momento ser formativo. A devolutiva do coordenador também

é fundamental para o professor compreender o objetivo das observações em sala de

aula. Na leitura de Geglio (2011, p.118), verificamos também a importância que ele

atribui ao acompanhamento, pelos coordenadores pedagógicos, das atividades dos

professores em sala de aula. Para o autor, este acompanhamento mais

individualizado é uma oportunidade de discutir e analisar os problemas decorrentes

desse contexto em uma perspectiva diferenciada e de partilhar responsabilidades

com os professores.

Planejar os encontros de orientação com cada professor ou série –

acompanhar os planejamentos por ciclos, como lembra Mariana (CP): “os

planejamentos, nós fazemos por ciclo, grupo de estudo, fazemos por ciclo,

dependendo do conteúdo”. E: “[...] Para mim, de prioridade é o planejamento - é uma

coisa que não pode faltar”. Este é um momento em que os coordenadores analisam

produções de alunos junto com os professores, avaliam os saberes dos alunos,

planejam atividades ajustadas às necessidades de aprendizagem do grupo e as

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melhores condições e intervenções didáticas.

Momento de estudo e autoformação – momento para a formação dos

coordenadores e estudo. Flávia lembra: “E Eliane se esqueceu de colocar um ponto

importante na agenda, que é a formação de coordenadores, que também faz parte

na hora que organizamos a agenda, tem esse dia específico para a nossa

formação”. É o espaço em que os CPs levantam materiais de estudo, realizam

leituras e dedicam-se a um aprofundamento conceitual. Este momento está

articulado a uma rotina em que se destaca o papel formador do coordenador e

também está presente em outra categoria (formação).

A grande dificuldade apontada pelos coordenadores é o fato de serem

responsáveis pela coordenação de mais de uma escola. Na verdade, alguns chegam

a ter seis escolas. Por mais que as escolas sejam pequenas, de uma sala apenas,

são comunidades distintas, são distantes do ponto de vista geográfico, o que

dificulta o encontro e apresentam necessidades específicas, relacionadas às suas

realidades, de seus professores e alunos. Como explica Regina (formadora):

Todos os coordenadores pedagógicos têm mais de uma escola; quem tem menos, tem duas, porque uma realidade que a gente ainda tem muito presente em Boa Vista são as escolas multisseriadas, que são aquelas classes menores. Então o coordenador é coordenador de uma escola maior, que fica em um povoado, em um assentamento, e ali nas adjacências daquela região, tem algumas escolas multisseriadas que são escolas de uma única classe, com um único professor, em que esse coordenador também faz a coordenação, o acompanhamento, ele é o coordenador também dessas escolas. Então não é uma única, todos os coordenadores têm mais de uma escola.

Na avaliação dos coordenadores:

Uma dificuldade que temos é não trabalhar só em uma escola. Eu acho que nós três, no caso, temos uma escola maior e, no meu caso, tem mais três escolas isoladas, que são em regiões bem diferentes. Então, essa questão também contribui não positivamente para o nosso trabalho, porque temos que dois dias estar numa escola, outro dia na outra e outro dia na outra. E cada escola traz uma demanda e esse é um grande desafio para nós, fazer com que atendamos as necessidades das nossas escolas, principalmente as escolas isoladas que não têm um diretor na escola, não tem como ter porque é uma sala única. Então, isso dificulta muito o nosso trabalho também. (Pedro)

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É um diretor para todas as escolas isoladas, que chamamos multisseriadas, então, não tem como o diretor estar em todas essas escolas, então, acaba que o coordenador acaba fazendo um pouco esse papel de diretor também. O meu caso é um pouco diferente, porque eu trabalho com duas escolas que são uma de frente da outra, o que diferencia é que tem mais alunos, são mais professores, mas me ajuda de estar uma perto da outra e dá para atender melhor do que os coordenadores que têm cinco escolas isoladas, têm uma grande mais cinco escolas isoladas. (Eliane) O atendimento individual é quinzenal porque não tem como fazermos semanal, pela quantidade de escolas que tem, e o transporte, então, nessa semana, eu vou a duas escolas e, na próxima, vou às duas outras. (Mariana)

E Regina (formadora), na sua entrevista, descreveu com detalhes a rotina

dos coordenadores com mais de uma escola:

O atendimento às escolas multisseriadas traz implicações do ponto de vista do tempo do coordenador. Por exemplo, pegando o exemplo da coordenadora que eu fui acompanhar hoje: ela é uma coordenadora que tem uma escola aqui na sede, que é a Escola Cora Ribeiro, que é uma escola relativamente pequena, mas é uma escola que funciona do 1º ao 5º ano, tem várias classes e funciona de manhã e à tarde. Essa coordenadora, além desta, tem mais 4 escolas multisseriadas aqui próximas - na beira da estrada. Então são escolas que fazem parte do núcleo dessa coordenadora, ela tem essa escola maior aqui e tem essas 4 escolas que são multisseriadas, e o que isso implica? Quando essa coordenadora organiza a rotina, por exemplo, na segunda-feira, era para ela estar no Cora Ribeiro, então hoje é o dia que ela está lá naquela escola e organiza, orienta e acerta com seus professores e ela pode ter um momento de discussão com a diretora daquela escola. Na terça-feira, que ela está fazendo acertos com os professores das multisseriadas, então é um dia que ela não está na Cora Ribeiro, que ela está fazendo orientações de trabalho com esse grupo. Na quarta-feira, ela retorna ao Cora Ribeiro, dessa vez para acompanhar as classes dos professores, vendo o que está sendo planejado, orientado, é o outro dia que ela passa o dia inteiro nessa escola acompanhando o trabalho dos professores. Na quinta-feira ela está acompanhando as classes multisseriadas, então ela organiza essa junta de acompanhamento para poder ir nesse dia nessas escolas, e na sexta-feira é o dia do nosso grupo de formação do coordenador. Isso é só uma ilustração da rotina do coordenador que tem mais de uma escola, então em geral ele dedica um dia para estar naquela escola e planejar. [...] em relação aos acompanhamentos, a frequência é menor nas escolas multisseriadas, quer dizer, o coordenador acompanha semanalmente seus professores, mas não necessariamente ele tem condição, dependendo da quantidade de escolas que ele ainda coordene. É um desafio que a gente ainda tem de ir com a frequência e a regularidade semanal em cada uma das

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classes, isso ele não consegue fazer ainda, vai depender da quantidade. Por exemplo, tem uma coordenadora que tem duas escolas e são aqui na sede e são uma de frente com a outra, então essa coordenadora consegue transitar com muito mais facilidade, é só atravessar a rua e já está ali. E obviamente que ela tem os momentos formalizados dentro da rotina em que ela está em uma e em outra escola, mas essa condição de estar próxima da instituição, próxima das questões que os professores têm, que as escolas têm, enfim, ela é diferenciada nesse sentido.

Embora as condições não sejam as mais favoráveis, os coordenadores

descrevem uma rotina que contempla atividades formativas, o acompanhamento da

aprendizagem dos professores e alunos, e uma boa parceria com os diretores. As

queixas dos coordenadores revelam dificuldades com a gestão do tempo e em

atender uma demanda tão diversificada, no entanto, pelas falas deles e da

formadora, não há um deslocamento da função.

6.1.3. As práticas profissionais de escrita

Um dos aspectos importantes para que as reflexões desses diferentes

momentos da rotina promovam novas aprendizagens é o registro escrito. Como diz

Telma Weisz (2001, apud BRASIL, 2001. p. 103):

O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um espaço para que a reflexão sobre a prática ultrapasse a simples constatação. Escrever sobre alguma coisa faz com que se construa uma experiência de reflexão organizada, produzindo, para nós mesmos, um conhecimento mais aprofundado sobre a prática, sobre as nossas crenças, sobre o que sabemos e o que não sabemos.

O registro escrito mantém viva a importante engrenagem de escrever e

refletir sobre o que se faz. É o espaço que documenta o pensamento. Nos registros

é possível notar os avanços nas próprias ações, à medida que se volta à prática

desenvolvida para compreendê-la melhor e para ter parâmetros para analisar o que

se faz. É uma tarefa imprescindível, porém nada fácil.

Nos registros, busca-se alcançar na reflexão o miolo propulsor, aquele que

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aquece e impulsiona ideias e novas possibilidades de trabalho. O esforço exigido

para essa tarefa ganha significação quando está articulado a situações emocionais e

sociais; porque há um interesse pelo conhecimento por si mesmo; porque há um

compromisso com o grupo de agregar contribuições; porque há um compromisso

político com o aprimoramento da formação dos professores e aprendizagem dos

alunos.

Domingues (2009, p. 170) defende que o registro é um aliado do

coordenador pedagógico, porque é fundamental para a escrita das pautas, amplia a

reflexão, ajuda a compreender os avanços construídos, para estabelecer relações

com a prática e para promover estudo dos textos e autoformação.

Os coordenadores deste estudo destacam a importância do registro para a

sua atuação e as formas pela qual ele aparece no cotidiano deles:

A devolutiva escrita nós fazemos para o acompanhamento em sala de aula. Depois de dar a devolutiva oralmente, nós, coordenadores, escrevemos e entregamos ao professor a devolutiva daquela aula com os pontos positivos e os pontos onde eles precisam melhorar. (Flávia) Eu já faço diferente, faço a minha devolutiva escrita e às vezes eu encaminho e às vezes sentamos com ela e discutimos as coisas que coloquei na devolutiva. Ou eu entrego, ou sento e discuto junto... (Mariana) Quem lê os nossos escritos praticamente são os professores, a Regina é quem lê mais [...]. Ela lê as pautas, quando tem esses registros seja lá de planejamento, de um atendimento, de um grupo de estudos, ela também lê porque isso faz parte até para ela nos ajudar em nosso trabalho. O público que lê os nossos escritos é a Regina e os professores. Essa semana mesmo eu fiz um relato sobre uma observação de algumas atividades de uns meninos do primeiro ano, aí eu enviei um para a Regina e outro para a professora, para as duas olharem e depois sentarmos para conversar. (Eliane)

Os coordenadores escrevem registros de devolutivas para os professores,

embora a formadora também os receba e, por sua vez, escreve uma devolutiva aos

coordenadores. Portanto, os registros têm propósitos diferentes, isto é, para o

professor, o coordenador escreve uma devolutiva comentando a aula, discutindo

aspectos positivos e também apontado problemas, tematizando questões da prática.

E a devolutiva da formadora para o coordenador pode discutir questões do conteúdo

proposto, mas também as estratégias de formação e como o coordenador tematizou

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as questões levantadas com o professor.

Um registro que ganhou um espaço maior no ano de 2011 para a equipe de

coordenadores foi a escrita do protocolo. Este registro tem uma parte bem descritiva

e outra mais reflexiva. Ele envolve o planejamento da aula, o registro da aula feito

pelo coordenador com as falas do professor e as falas das crianças – o coordenador

observa a aula, escreve tudo o que o professor faz (como apresenta a consigna,

como organiza as crianças, as intervenções, enfim, toda a sua conduta) e também

registra as ações e falas das crianças.

Teve uma situação que nós fizemos no ano passado: a questão do protocolo. Nós fizemos o plano de aula com o professor, o professor fez o registro daquela aula e o coordenador fez um registro da aula do professor. E isso foi para a Regina, então, ela teve o registro da visão do professor da aula e a visão que o coordenador teve do desenvolvimento dessa aula. Então, teve o registro do professor, do coordenador e do planejamento e o protocolo da aula. [...] Então protocolo é esse kit em que entra registro do professor e do coordenador, o planejamento da aula, da professora e a resposta que a criança deu. O interessante é esse kit que ajuda a sistematizar esse planejamento. (Pedro)

Depois que os coordenadores preparam esse kit (como Pedro nomeou), ele

segue para a formadora, que o utiliza para se aproximar dos vários sujeitos

envolvidos na formação, isto é, tanto para se aproximar do que pensam as crianças,

o que elas já compreendem, suas dificuldades, como também para conhecer melhor

as ações dos professores, as intervenções que conseguem realizar, as intervenções

que deixam de fazer. E por fim, para acompanhar os coordenadores, conhecer os

observáveis e as fragilidades tanto em relação ao conteúdo, quanto às estratégias

de formação, como explica a formadora:

Uma outra sequência, uma outra estratégia que a gente pode fazer, vinculada ao conteúdo, é analisar e vão nos chegando, graças a Deus, bastante material para essas discussões, protocolos de aulas, de escrita, de leitura pelas crianças, para poder discutir a relação entre o conteúdo que se quer ensinar e o conteúdo que essas crianças sabem, as intervenções que o professor faz, em que condições o professor faz e assegura. Então, é analisar os protocolos, o estudo dos textos, enfim, o dispositivo de formação. (Regina)

Fujikawa (2006, p.128), em seu estudo sobre o registro como pretexto e

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como objeto de discussão da prática pedagógica, evidencia que o registro escrito

constitui um instrumento de reflexão e uma oportunidade de formação:

Na escrita de sua prática, o educador (professor ou coordenador) assume a autoria daquilo que faz, de suas escolhas e opções, avaliando as decisões tomadas, revelando as concepções sob as quais apoia suas ações.

A autora destaca ainda que compartilhar os registros pode constituir-se em

oportunidades formativas para os educadores que, juntos, podem construir o

trabalho pedagógico, trocando informações, estabelecendo parcerias e se

corresponsabilizando pelo trabalho desenvolvido.

A escrita é uma prática profissional para este grupo de coordenadores e se

manifesta de diferentes formas e com diferentes intenções comunicativas. Eles

relatam que as principais escritas profissionais de seu trabalho são: os

planejamentos de suas ações, as devolutivas que fazem aos professores de suas

observações em sala de aula, os protocolos de aula, os registros de sua prática.

6.2. Formação

A categoria formação será organizada a partir de quatro eixos:

o papel formador dos coordenadores pedagógicos

as ações da Secretaria e as necessidades formativas dos

coordenadores

o conhecimento didático / os conteúdos da formação

as estratégias de formação

6.2.1. O papel formador dos coordenadores

O coordenador pedagógico tem um papel fundamental na perspectiva

colaborativa de formação, pois ele é considerado peça-chave para o

desenvolvimento da formação permanente, no âmbito das escolas. Ou seja, é o

coordenador que está na escola, ao lado do professor e que pode concretizar uma

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boa parceria de formação. É o CP que tem as condições para propor bons

momentos de formação nos horários de trabalho coletivo, previstos na escola, para

organizar grupos de estudos, para planejar as ações didáticas junto com os

professores, para fazer as orientações por séries, para exercer, de fato, o papel de

um articulador de aprendizagens. Ao assumir este papel, o CP se corresponsabiliza,

junto com o professor, pela qualidade da aprendizagem dos alunos.

Segundo Bruno e Christov (2009, p.61), a liderança dos coordenadores é

construída com a experiência e com o desejo de compreender o seu papel:

Liderança é algo que abarca, inclusive, características pessoais, já presentes na identidade/subjetividade do coordenador, antes mesmo de ele assumir essa função. Mas, se entendemos que identidade e subjetividade apresentam a possibilidade do movimento, transformando-se e recriando-se, podemos afirmar que a liderança do coordenador é, também, algo que se constrói com a experiência, aliando-se desejo de liderar e reflexão sobre o modo de ser coordenador.

O papel do coordenador é compreendido de forma semelhante entre os

participantes do grupo de discussão. As falas são concordantes e complementares.

Para Pedro, ser coordenador:

É cuidar para que a aprendizagem das crianças aconteça, é por isso que estamos na escola. Apesar de outras funções, essa é a principal: fazer com que a aprendizagem aconteça e nós temos uma rotina, de acompanhar a aula do professor, ver o que está indo bem, o que precisa melhorar, como apoiar esse professor, estar planejando junto com eles, visando qualificar o que não foi bem na aula e aprofundar esse conhecimento através de um grupo de estudos, que é outra etapa formativa. Então, o coordenador tem o principal papel de ser o formador dos professores, de contribuir para que os professores a cada dia qualifiquem tanto a parte teórica quanto a prática. [...] Então, a função do coordenador é ir além da informação, é fazer com que dentro de uma escola se torne um lugar de construir aprendizagem junto do coordenador, do professor e das crianças, então, eu acho que nossa função primordial é essa, é fazer com que a aprendizagem da escola, das crianças aconteça.

Eliane (CP) acrescentou:

Hoje o coordenador está assumindo a postura de formador de professores, antes era só um fiscalizador dos processos que aconteciam dentro da instituição, mas com essa nova postura do coordenador de assumir a formação pedagógica de seus

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professores, isso é que faz a diferença. [...] E isso vem fazendo a diferença na formação dos nossos professores, isso vai chegando à aprendizagem dos alunos.

Mariana (CP) destaca que só é possível para o coordenador assumir o papel

formador dentro da escola, se houver um grupo de professores parceiros:

Eu acho que a gente só consegue ser coordenador se tivermos um grupo de professores parceiros, aquele que está o tempo todo querendo que essa formação aconteça. Se não tivermos essa credibilidade junto a eles, essa formação também não acontece; depende muito do grupo que tivermos.

Vimos que há uma concordância no grupo de que uma das principais

atribuições do coordenador é assumir a formação dos professores dentro da escola.

É ser um articulador de aprendizagens e colaborar para assegurar na escola um

espaço de formação permanente. Para Cunha e Prado (2008, p.39), a formação

dentro da escola pode ser potencializada quando conta com o coordenador

pedagógico enquanto mediador do trabalho docente coletivo. Os autores concordam

também com a defesa de que os coordenadores pedagógicos são interlocutores

privilegiados entre os professores, em suas reflexões sobre a prática. Portanto, o

eixo da articulação se relaciona com o da formação.

É interessante observar que os coordenadores do grupo parecem ter muito

claro que ser formador é, a sua função primordial e fazer a aprendizagem acontecer

é o desdobramento principal desta função. No entanto, formar é compreendido,

principalmente, como acompanhar, planejar, qualificar, apoiar e refletir sobre o

conteúdo pedagógico, funções que envolvem o acompanhar, o mediar, o articular.

Uma coordenadora destaca que a parceria só pode ser produtiva se houver

confiança e disponibilidade do grupo de professores.

Domingues (2009, p.97) denota que a formação assumida pelo coordenador

sofre influências das expectativas dos professores. Eles podem direcionar o trabalho

da coordenação, tornando-o mais fácil ou mais difícil. O fato é que a boa relação

com a equipe também é um aspecto que faz parte do trabalho e da profissionalidade

do coordenador. Portanto, podemos dizer que a afirmação de Domingues corrobora

a fala de Mariana (acima).

Para realizar bem o seu trabalho como formador, o CP precisa garantir um

espaço real de interlocução, colocando-se no lugar de parceiro dos professores. É

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preciso que considere o potencial intelectual de seu grupo, suas representações,

sem perder de vista a busca por uma relação de confiança, e uma discussão

honesta sobre os desafios da sala de aula. É preciso cuidar desta parceria

formador/professor, para não exigir sem oferecer instrumentos, para não deixá-los

sozinhos e desarmados, para a música não vibrar alta demais para um corpo,

lembrando a linda metáfora de Clarice Lispector em “Perto do Coração Selvagem”.

Ambos devem aprender a dizer o que sabem, o que não sabem e, juntos, buscarem

respostas e soluções.

Especificaremos, mais adiante, os diferentes momentos que compõem a

rotina de formadores dos CPs deste grupo. No entanto, destaco aqui trechos de

suas falas sobre sua atuação como formadores, e a boa relação que vêm

construindo com os professores. Flávia (CP) diz, de um modo mais genérico, que há

uma mudança na relação quando os professores entendem qual é, de fato, o papel

do coordenador e qual pode ser sua contribuição:

Quando há um relacionamento entre formador e professor, as coisas mudam, eles começam a entender melhor o porquê desse acompanhamento. Eu acho que, quando eles acreditam qual é o papel do coordenador pedagógico, qual é o papel deles, então quando eles começam a entender isso, eles também já começam a mudar a postura.

Pedro (CP) fala sobre a relação colaborativa (professor e coordenador) e a

contribuição formativa do CP, ao exemplificar uma situação de acompanhamento

(quando o coordenador observa uma atividade em sala de aula, combinada

previamente, e, em seguida, dá uma devolutiva para o professor):

E eu acho que também uma coisa que fez bastante diferença no acompanhamento, tanto quando eu era professor, quanto agora que estou desempenhando a função de coordenador, a questão é que hoje os professores entendem que a aprendizagem da criança não é apenas de responsabilidade dele, também é do coordenador. Então isso os ajuda a compreenderem que nós estamos lá não só para ver o que não está bom, mas também para ver o que está bom, e como nós juntos faremos para ajudar a essas crianças. Porque se a turma não for bem, não é porque o professor é ruim, eu sou o formador dele e se ele não está indo bem, eu tenho minha parcela. Então, ele entendendo isso, vai perceber que eu estou lá não só para ver o que ele sabe fazer, mas também o que eu sei fazer, porque o reflexo do professor é o reflexo do coordenador.

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E, exemplifica, com uma situação em que a professora passa a

compreender a observação do coordenador como um apoio da formação:

[...] Recentemente, teve uma professora que saiu da educação infantil e foi para o fundamental I e quando propus o primeiro acompanhamento para ela, ela não quis, pediu para ser em outro dia. E quando chegou esse dia, eu entrei, ela me recebeu bem. Era uma turma do segundo ano e uma atividade de alfabetização. No meio da atividade, fiz uma intervenção com uma criança e ela ficou observando como eu fazia. Depois de terminar, trocamos essa experiência e ela no final falou: pode vir todo dia, se é assim, se for para me ajudar, pode vir. Ela percebeu que eu estava ali para trocarmos experiência, aprendermos juntos e não para ver se ela sabia ou não.

Pedro mostra em seu relato como é possível redimensionar a observação

em sala de aula. É possível deslocá-la do lugar de fiscalização e controle para o

lugar da formação e parceria. Veremos como Eliane (CP) complementa a fala de

Pedro:

Eu já fiz isso que o Pedro falou, antes eles pensavam que eu ia ali só para sentar no final da sala e ficar vidrada na postura dele, ver o que ele estava fazendo e eu via que isso os deixava mais nervosos e sentia como que uma repulsa de ter uma pessoa olhando para eles. Enquanto eles estão ali fazendo intervenções ou acompanhando um grupinho de alunos, eu também estou próxima noutro grupinho e não deixando de observar. Então, isso faz com que eles gostem de eu estar na sala. Depois, no momento de sentar para dar a devolutiva daquele acompanhamento, você se sentir corresponsável pelos resultados, dar um norte. É interessante dar o material para estudar, ou levar umas atividades, pode dizer, você não acha que esse tipo de atividade fica melhor? Montar uma aula com eles, em conjunto, montar uma aula pensando nesse grupo de alunos, nessas dificuldades... Então isso vai distanciando aquele olhar que eles tinham antes, do coordenador, e começam a sentir necessidade. Acho que se uma escola aqui do município não tiver coordenador, eles reclamam. Se o coordenador faltar ou tirar uma licença, é um problema, porque eles sentem essa necessidade. [...] Então, isso vem mudando, essa postura do coordenador e essas estratégias de que vamos lançando mão para ajudá-los vêm contribuindo para que eles não sintam mais, digamos, a repulsa do coordenador ir para a sala.

Podemos dizer que Eliane destaca a intencionalidade formativa, ou seja, a

ação planejada do coordenador e compartilhada com o professor para ajudá-lo a

avançar em seus conhecimentos. Pelo relato dos coordenadores, podemos pensar

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que os professores desta rede compreenderam a necessidade e o papel das

observações, à medida que os CPs tornaram esta atividade mais formativa. É

interessante observar que quando os professores percebem que os coordenadores

os ajudam a avançar, eles os legitimam como parceiros mais experientes; é como se

atribuíssem a eles uma autoridade técnica. No caso da rede de Boa Vista do Tupim,

uma eventual falta dos coordenadores é uma ausência sentida.

A formadora Regina também entende que o papel principal do coordenador

pedagógico é assumir a formação dos professores, mas alerta que não podemos

perder de vista suas outras atribuições na escola, ligadas à articulação e

transformação:

É um desafio para o coordenador não perder de vista que, embora ele vá se responsabilizar diretamente pela formação dos professores, ele não pode perder de vista a sala de aula, é de lá que os problemas didáticos precisam ser discutidos e os conteúdos exemplificados e aprofundados. É de lá que surge tudo isso, é para lá que volta tudo isso. Então é um desafio que se relaciona com a gestão das relações interpessoais dentro da escola, que se relaciona à gestão do currículo dessa escola, que se relaciona à gestão das aprendizagens dos estudantes, que se relaciona com o seu desafio de se manter nesse movimento de autoformação.

No entanto, podemos notar que as outras atribuições a que Regina se refere

também são potencialmente formativas: acompanhar a sala de aula e conhecer os

problemas didáticos são conteúdos altamente formativos, à medida que, como ela

mesma diz, “é de lá que surge tudo isso, é para lá que volta tudo isso”. E também, a

tríade de gestões que ela destaca está diretamente relacionada à formação: a

gestão das relações interpessoais dentro da escola, a gestão do currículo dessa

escola, a gestão das aprendizagens dos estudantes.

Na extensa pesquisa realizada por Placco, Almeida e Souza (2011, p.240),

encontramos que:

[...] no que concerne às atribuições do CP pela legislação, pode-se concluir que há atribuições explicitamente formativas (que se referem ao papel do CP como formador de professores), outras potencialmente formativas (referem-se às atribuições que tangenciam o papel formativo do CP, pois dependem do significado que o CP dê a elas), que são a maioria e, finalmente, atribuições que não se referem ao papel formativo do CP. No entanto, mesmo essas últimas, dependendo do sentido que lhes atribuam, apresentar-se-ão como formativas.

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Para as autoras, a legislação vigente nos Estados sobre as atribuições dos

CPS é favorecedora, no sentido de estabelecer e orientar o trabalho, mas

dificultadora pelo acúmulo de tarefas que atribui ao CP. De qualquer modo, a

legislação constitui-se como um dos elementos que conferem ao CP o papel

formador dos professores (PLACCO, ALMEIDA E SOUZA, 2011).

Os coordenadores do grupo apresentam as várias atribuições que

desempenham no seu cotidiano nas escolas. No entanto, conforme vimos em

Placco, Almeida e Souza (2011), eles também atribuem um caráter formativo a todas

as suas atribuições. Veremos o que eles dizem:

Até com o diretor, quando vamos sentar, é formativo. (Flávia) Plano de ação, pautas de reunião de pais, pautas de conselho de classe, tudo acaba sendo formativo. (Mariana)

Para estes coordenadores, as atribuições que desempenham na sua prática

profissional são formativas. Para eles, prioritário é assumir o papel formador nas

escolas. Não seria exagero dizer que, para este grupo, trabalhar e formar não são

atividades distintas (NÓVOA, 1997, p.29).

Pois bem, até o momento, vimos como os coordenadores e a formadora

compreendem o papel da rede colaborativa nas suas práticas e na estrutura e

funcionamento da formação. Vimos também como concebem o papel do

coordenador pedagógico e suas principais atribuições na escola. Seguimos na

categoria formação, agora com o foco nas necessidades formativas dos

coordenadores.

6.2.2. As ações da Secretaria e as necessidades formativas dos

coordenadores

Canário (1997, p.12) é um defensor de que a formação dos professores

deva ser articulada ao contexto de trabalho. Para ele, só é possível deslocar-se da

lógica da reciclagem (perspectiva cumulativa da aquisição de conhecimentos, ideia

de que a formação continuada é uma extensão e complemento da formação inicial)

para a lógica da recursividade (perspectiva que valoriza os saberes adquiridos pela

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experiência e atribui um papel central ao sujeito que aprende), a partir do momento

em que o exercício contextualizado do trabalho passa a ser o referente principal das

práticas e modalidades de formação. O autor entende que é na escola que os

professores aprendem a sua profissão. Porém, ele ressalta que afirmar que os

professores aprendem a sua profissão na escola não significa que eles só aprendam

a sua profissão nas escolas. A aprendizagem da profissão e o desenvolvimento

profissional correspondem a um percurso pessoal e profissional, que supõe a

combinação de diferentes modalidades de formação.

Marcelo e Vaillant (2001, p.129) afirmam que o princípio que fundamenta a

concepção da escola como lócus da formação e do desenvolvimento profissional é

compreender que a escola é o lugar onde aparecem e podem ser resolvidos a maior

parte dos problemas do ensino. Esse tipo de formação privilegia o contexto de

trabalho e contribui para uma maior implicação dos professores. No entanto, os

autores chamam a atenção para algumas condições para que essa formação tenha

êxito:

Pero, téngase en cuenta que el desarrollo profesional de los profesores centrado en la escuela presenta algunas condiciones que han de tenerse en cuenta para asegurar su éxito. En primer lugar, nos referimos a la necesidad de liderazgo por parte de personas (director, profesores) como elementos motores del sistema escuela. El liderazgo en la escuela puede verse influido por el clima organizativo, es decir, por las relaciones que se establecen por los miembros de la escuela, por su cultura grupal, así como por las relaciones existentes con el entorno. En tercer lugar, Griffin (1987) destaca la importancia de los propios profesores como elementos determinantes del éxito de la formación orientada a la escuela. Por último, la naturaleza del desarrollo profesional, es decir, su carácter, sensible al contexto, evolutivo, reflexivo, con continuidad y participación, hace más viable el éxito de la formación orientada a la escuela.

Seguimos analisando as falas dos entrevistados, para compreender se as

condições apresentadas por Marcelo e Vaillant estão asseguradas na rede e se há

outras dimensões formativas propostas, para além do contexto da escola.

Os coordenadores, diante da pergunta sobre as principais ações da

formadora que contribuíram para construírem o papel formador, apontaram:

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A Regina ajuda a gente a pensar também como formadoras nos espaços formativos nas sextas feiras12. A gente vem discutindo sobre formas de ensino, a gente pensa e organiza pautas para planejamentos, para estudos e de uns tempos para cá, nós estamos fortalecendo as pautas de encontros e conselhos de classe, que essa é uma das ações da formadora. (Mariana) Acrescento também os acompanhamentos da formadora para com o coordenador. Agora nós já temos, na agenda do formador, dias específicos para acompanhar grupos de estudos, planejamento, momentos de pré-conselho, de conselhos de classe. Do ano anterior para cá, nós temos tido acompanhamento individualizado, tem um dia na semana que a formadora Regina senta com o coordenador para discutir coisas específicas dele, as necessidades que ele sente, como ele está solucionando, como está resolvendo, qual o impasse. Então, temos também esse espaço que nos ajuda muito, porque tem o coletivo e o individual, e isso vai qualificando ano após ano, e tem contribuído bastante para o nosso processo de crescimento e aperfeiçoamento enquanto formadores de professores. (Eliane) O que faz a diferença é que a formadora Regina não fica aqui só entre as quatro paredes; ela vai até a escola e com isso traz os problemas que ela percebe na sala de aula, na nossa formação e retorna com a gente para discutir como melhorar. Essa ida e vinda, da prática para a teoria, faz a diferença para que a gente demarque o que vemos aqui na formação e lá na sala de aula, nos grupos de planejamento com os professores, como é que isso está chegando, e isso, com o olhar dela, nos ajuda a montar e repensar o nosso planejamento e a cada dia estar melhorando. Eu não estou desde o início como os outros, comecei em 2009. Então, do trabalho que ela fazia lá conosco, vai dando essa condição, para que, mesmo não estando no lugar de coordenador, a gente vivencia o que está sendo discutido aqui. (Pedro) E a outra ação é a devolutiva individual. Ela sempre dá uma devolutiva, do que está bem e o que a gente precisa para melhorar, e outro foco que eu vejo como ação é sempre ter avaliação, estamos sempre avaliando o nosso trabalho, o trabalho dos professores, vendo os pontos que ainda não estão bem, e esses pontos nós incluímos no plano de formação, nós focamos o que não está bem mesmo na sala de aula. (Flávia) A participação dela nos planejamentos é outra ação: ela ia para acompanhar, essa semana ela já incluiu na minha rotina de ir para o planejamento para ela também participar. Então, nós organizamos o planejamento juntas e a intenção é como isso vai voltar para as transformações coletivas. (Mariana)

12 Os encontros semanais da formadora (Regina) com os coordenadores acontecem às sextas-feiras

em um período de 4 horas de duração na Secretaria Municipal de Educação.

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A gente forma um Mini Grupo de Estudo e isso que a Mariana acabou de falar é fruto de acompanhamento, porque se ela não tivesse ido para os planejamentos, se não estivesse acompanhando a rotina do coordenador, ela não teria como fazer essa outra ação. [...] esse olhar do formador, esse acompanhamento de perto do formador vem significando e qualificando o que nós estamos fazendo em alguns processos nas escolas. (Eliane)

Os coordenadores apontam as seguintes contribuições da formadora para

aprimorarem o seu desenvolvimento profissional:

apoio no planejamento das pautas, nas formas de ensino e na

condução dos conselhos de classe;

acompanhamento individual para atender as questões

específicas de cada coordenador, contribuindo com o processo de

crescimento e aperfeiçoamento dos coordenadores enquanto formadores

de professores;

acompanhamento de salas de aulas para atrelar a prática e a

teoria;

devolutivas individuais das observações;

participação nos planejamentos de cada coordenador;

criação de mini grupos de estudos para aprofundar conteúdos

específicos.

Podemos observar que os momentos são ora individuais e ora coletivos. E,

em todos, a prática assume o centro da discussão.

A formadora Regina destaca que, para atender às necessidades de

formação do seu grupo de coordenadores, ela precisa acompanhá-los de perto, para

conhecer os planejamentos, as dificuldades, os observáveis, as necessidades de

aprendizagem, compreender melhor as dúvidas expostas por eles e também se

aproximar das ressonâncias de sua formação na sala de aula:

Os coordenadores definem a agenda deles para acompanhamento, e isso vai me dando a possibilidade de visualizar o que o coordenador está acompanhando, em que situações ele está orientando mais diretamente na escola, e como isso se vincula com o que eu estou discutindo com eles e no que a gente pode contribuir mais diretamente.

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Então, na minha agenda do mês passado, por exemplo, eu acompanhei a coordenadora Flávia, em uma situação em que ela iria observar a sala de aula. Aí eu observei mais de perto essa coordenadora no mês de março, em que ela acompanhou algumas situações de leitura, algumas práticas de leitura com autonomia que estavam acontecendo na sala de aula com os professores. Como esse foi um conteúdo que a gente discutiu bastante no plano de formação, então seria interessante para mim, ir na sala de aula, olhar como é que isso está reverberando na prática dos professores, como isso está sendo posto na sala. Mas uma coisa que a gente procura deixar claro, desde sempre, é que meu lugar na sala não é no lugar do coordenador, ele está ali acompanhando a sua professora, ele tem uma relação e uma implicação com aquela atividade que está sendo desenvolvida ali que não é a mesma que a minha. Não deixo de sentar com esse coordenador e discutir quais foram os observáveis que ele elegeu para aquela situação que ele foi acompanhar e daquilo que ele de fato viu. Então isso me ajuda a poder entender como os coordenadores pedagógicos estão planejando os acompanhamentos que eles fazem, o que eles elegem como importante de observar na prática dos professores, que critérios usam, ou como eles organizam a devolutiva na discussão posterior ao ensino dada ao coordenador. Enfim, assim a gente vai identificando se há algumas assimilações deformantes, se são pessoas que a gente precisa discutir melhor e como eu oriento essa coordenadora a fazer isso.

Eliane (CP) valoriza a interface teoria e prática que baliza a formação

oferecida por Regina e a formação que realiza com os professores:

Eu diria que Regina vai nos motivando a sermos formadores, esse entrelace entre teoria e prática, a formação que fazemos vai nos motivando, vai nos impulsionando e o desejo de querer fazer, de contribuir com a formação, porque nessa função de formadores nós trabalhamos muito com a prática, não é uma coisa só da teoria, não ficamos só estudando textos e teóricos, especialistas nisso, especialistas naquilo. Mas a importância que damos à prática, tanto do coordenador quanto do professor, e estudar e fazer experimentos, isso nos ajuda, vai nos motivando e o Chapada tem muito isso, trabalhar a prática desses profissionais, utilizar essa prática como ferramentas para o nosso trabalho.

E Pedro (CP) complementa e acentua a relação da teoria com o contexto de

trabalho:

Eu acho que o que a Eliane trouxe é que não vem de cima para baixo, é uma questão que possibilita fazer do nosso município, da nossa sala de aula um laboratório de experiências para ver o que os teóricos falam. [...] isso nos traz a motivação de ver a criança aprendendo a partir daquilo que estudamos, vendo a dificuldade e trazendo como resolvemos isso, eu acho que isso é algo que nos

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impulsiona a trabalhar e onde vemos resultados, vemos as dificuldades, mas também os avanços.

Na entrevista, ao responder à mesma pergunta (sobre as principais ações de

formação da formadora), Regina acentua o vínculo da formação com o contexto de

trabalho e a ajuda que oferece para os coordenadores reconhecerem as

necessidades formativas dos professores. Ela entende também que a chave é trazer

o conhecimento didático como principal foco da formação e também os conteúdos

relacionados à gestão:

Se você perguntar o que é que contribui para fortalecer essa competência profissional dos coordenadores é pensar quais conteúdos de formação são importantes de serem discutidos com esse profissional. Então a gente vai delineando conteúdos que tem a ver com as situações didáticas que se desenvolvem na escola, porque já que o coordenador pedagógico é alguém que dentro da escola tem essa função de articular e organizar também a formação do seu grupo de trabalho, do seu grupo de professores, ele precisa ser alguém que detenha esse conhecimento para poder ajudar os seus professores. E além do conhecimento das situações didáticas, ele também precisa ter o conhecimento sobre como fazer isso, de como ensinar os professores, esse conhecimento de como fazer essa formação continuada de professores. Então são os principais conteúdos que a gente vem assumindo nesse processo de formação da equipe de coordenadores, conteúdos relacionados ao conhecimento didático das situações didáticas que se desenvolve na escola. [...] E também os conteúdos relacionados à gestão, às questões de interação com o grupo, porque o coordenador é esse articulador, ele é um líder dentro da escola, ele é alguém que, junto com o diretor escolar, compõe essa dupla gestora. [...] Então, os coordenadores necessitam, do ponto de vista da formação, aprender sobre como se faz a gestão das escolas, eles precisam saber o que é uma necessidade formativa do professor, entender toda essa gestão que se desdobra em várias dimensões dentro da escola, desde a gestão do currículo, das práticas do ensino que estão instaladas nas classes, a gestão das aprendizagens dos meninos. É uma necessidade formativa do coordenador pedagógico saber como fazer a formação de professores. Quais são as melhores estratégias, que estratégias podem ser generalizáveis para a situação que ele aborda em outros aspectos e outros conteúdos, e quais são mais específicas, para tratar, por exemplo, a questão da alfabetização, enfim, são necessidades que se vinculam a conhecimentos de gestão, a conhecimentos didáticos, a conhecimentos sobre formação continuada.

No final, Regina reflete sobre as suas necessidades formativas:

Eu acho que tem também uma relação com isso, em uma outra

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dimensão, mas que também são necessidades minhas como formadora: cada vez mais avançar na ampliação do conhecimento sobre as didáticas, para poder auxiliar os coordenadores, para poder fazer essa formação dos coordenadores, para poder analisar a eficácia dessas estratégias de formação e daquilo que a gente aprende sobre estratégia de formação. Então, há uma necessidade formativa, minha como formadora saber também quais são as melhores estratégias de formação e como elas se diferenciam.

Regina também aponta que os coordenadores do município não são

concursados e estão no cargo por terem sido identificados como pessoas que

poderiam contribuir para qualificar a prática dos professores. Nas palavras dela:

São pessoas que revelaram, em algum momento, ter o perfil de poder, dentro de uma instituição, dentro de um grupo de pessoas, assumir essa liderança e poder contribuir com a melhoria das práticas pedagógicas e com as melhorias delas decorrentes ali naquela instituição. Então, a gente observa que os coordenadores se comprometem com isso, que têm clareza de qual é o seu papel, de qual é a sua função, todos os coordenadores entendem a importância da sua formação, da sua autoformação, e que, portanto, dão valor aos espaços de formação continuada em grupo, aos nossos encontros coletivos. [...] São coordenadores que são dispostos a trazer mesmo as suas práticas, as produções ao centro de discussões, abrindo de fato aquilo que eles estão fazendo para que isso seja discutido, para que isso possa ser compartilhado com o grupo, para escutar o outro, como o outro está resolvendo também no seu trabalho problemas e dilemas que são os que ele também enfrenta. São coordenadores que tem uma disponibilidade para aprender, para estudar e que entendem que estudar é imprescindível para seguir ensinando o outro. Precisa estudar bastante.

Portanto, constatamos que os coordenadores reconhecem que as principais

ações de formação que contribuem para se tornarem melhores formadores articulam

as situações didáticas e a teoria, sem perder de vista o atendimento para as

questões gerais e as individuais (de cada escola). Para a formadora, não é muito

diferente, salvo que destaca também a importância dos conteúdos relacionados à

gestão. Todos elogiam os parceiros da formação.

A Secretaria de Educação oferece para os coordenadores pedagógicos uma

formação semanal de 4 horas, com a formadora da equipe técnica, o

acompanhamento da formadora na escola com observações em sala de aula e dos

encontros de formação realizados pelos coordenadores e o acompanhamento do

planejamento semanal. No total os coordenadores têm aproximadamente 40 horas

de formação com a formadora da Secretaria. Além disso, o ICEP oferece

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assessorias externas bimestrais de 16 horas cada uma.

Em relação a outros cursos e o investimento na autoformação, os

coordenadores respondem que estudam, realizam leituras e preparam materiais à

noite com as propostas da própria rede. No entanto, quando pergunto

especificamente de outros cursos, eles contam o que estão cursando e manifestam

o desejo de se qualificarem como profissionais cada vez mais:

Com relação a estudo, cada um está se especializando naquilo que deseja, por exemplo, a maioria faz Especialização em Gestão Escolar, outros Psicopedagogia, a Flávia faz especialização em Educação Infantil e também em Educação Física, eu, depois que terminar a Gestão quero fazer também Coordenação Pedagógica. [...] cursamos aqui no município próximo, em Itaberaba. Então, é assim, por gostar e querer se qualificar, nós procuramos estudar, se o município não tem faculdade, vamos à cidade vizinha, que é o polo de Itaberaba, lá tem faculdades instaladas. (Eliane)

Depois da fala de Eliane, as coordenadoras Flávia e Mariana quiseram

contar sobre outras duas ações que envolvem autoformação e autonomia. Uma

delas é o Caixa Literário: cada coordenador coloca R$10,00 por mês no caixa e

então é feito um sorteio. Com o total, o coordenador sorteado compra livros para o

seu acervo pessoal. O esquema é feito assegurando que cada coordenador receba

o dinheiro em um mês. Mariana acentua que também compram livros, independente

do caixa literário:

Todo mês um coordenador recebe esse dinheiro para a compra de livros de acervo pessoal, fora os livros que compramos fora desse caixa.

A outra ação é um livro de resenhas que os coordenadores estão

escrevendo para publicar e distribuir para as escolas do município e região. Nas

palavras de Flávia:

Além disso, nós estamos confeccionando um livro de resenhas, onde também cada um irá escolher um livro para falar sobre análise linguística, cada coordenador irá resenhar um livro.

Marcelo e Vaillant (2001, p.19-20) lembram a importância da autoformação

para o seu próprio desenvolvimento profissional:

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La autoformación es una formación en la que el individuo participa independientemente, y tenie bajo su propio control los objetivos, los procesos, los instrumentos y los resultados de la propia formación [...] La autoformación aparece como un proceso por el cual las personas, individualmente o en grupo, asumen su propio desarrollo, se dotan, como sujetos adultos que son, de sus propios mecanismos y procedimientos de un aprendizaje que es, principalmente, experiencial (Galvani, 1995).

Se, por um lado, há a defesa da autoformação, pelos autores citados acima,

por outro há também o alerta para que a formação se amplie, embora também

lembrem que esta não pode ficar restrita à escola, para que haja interlocução em

outros espaços. Domingues (2009, p.115), apoiada nos estudos de Garrido (2007

apud DOMINGUES, 2009), Fusari (1997; 2007 apud DOMINGUES, 2009), Christov

(2001; 2005 apud DOMINGUES, 2009) e Libâneo (2003 apud DOMINGUES, 2009)

aponta que a formação centrada na escola, com o foco na compreensão da

realidade escolar e seus desafios, é um aspecto fundamental para boas mudanças

educativas. Contudo, também alerta para o perigo da formação ficar restrita à

escola, sob apenas o olhar de um formador, não pela incapacidade do formador,

mas pela vantagem de os professores terem suas questões problematizadas em

outros espaços.

Vimos que a principal formação recebida pelos coordenadores é a oferecida

pela Secretaria Municipal de Educação, por meio da equipe formadora. Para além

desta formação, eles fazem cursos de especialização em uma Universidade, no

município vizinho, e promovem algumas ações entre eles, como a escrita do livro de

resenhas e o caixa literário.

Retomando a temática abordada neste item, isto é, as ações da Secretaria e

as necessidades formativas dos coordenadores, notamos que os coordenadores

valorizam as ações de formação da formadora (Regina) e destacam os encontros

coletivos e o acompanhamento que é feito, individualmente, aos coordenadores em

seus contextos de trabalho.

Podemos dizer, então, que, pelos relatos dos coordenadores e formadora,

as condições apresentadas por Marcelo e Vaillant (2001) para que a formação

centrada na escola seja bem sucedida são atendidas pela rede formativa de Boa

Vista do Tupim:

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1. necessidade de liderança na escola (presença dos coordenadores

pedagógicos),

2. a liderança da escola pode ser influenciada pelas relações

estabelecidas no grupo de professores, pelos membros da escola,

3. protagonismo dos professores para o êxito da formação dentro da

escola,

4. respeito pela natureza do desenvolvimento profissional, ou seja,

promover a continuidade, a participação e a reflexão.

Ainda em relação às necessidades formativas, é importante ressaltar que os

entrevistados reclamam por um investimento na formação das outras áreas de

conhecimento, para além das práticas de leitura e escrita. Em suas falas, podemos

notar que se ressentem de não contribuírem com a formação dos professores nas

outras áreas de conhecimento. Para eles, não há resultados relevantes, nas outras

áreas, porque não há o mesmo investimento na formação:

Eu acho que, como formadoras, nós não podemos ser só formadoras de língua portuguesa. Eu acho que o que precisamos mesmo é aperfeiçoar a nossa prática e a dos professores com relação aos outros conteúdos. Nós fazemos uma pauta, pensamos na leitura pelo aluno, pensamos na produção de texto, tudo em relação à língua, e a matemática fica aonde? E as outras disciplinas? Isso é bem pouco discutido em nossos encontros, e o tempo todo eu sentindo desejo de mudança, seja lá via projetos ou então, alguém que quisesse vir nos ajudar. O foco de Regina (formadora) é a Língua Portuguesa, então, eu acho que as outras disciplinas precisam ser mais olhadas. (Mariana, CP)

Eliane (CP) compactua com Mariana e reclama pela fala de atendimento de

outros conteúdos na formação:

Até então, nós estamos sendo formadores de professores da Língua Portuguesa, é como Mariana falou, as demais áreas estão sendo esquecidas, nessa semana mesmo eu fui trabalhando com eles do como é que podemos utilizar o ábaco, como podemos utilizar aquele material dourado para trabalhar com os nossos alunos. As professoras estavam trabalhando com a numeração decimal, mas estávamos na prática só daquela discussão de pegar o livro didático, ler seu conteúdo. [...] Nisso, eles tem dificuldades, mas porque até então o nosso foco era a Língua Portuguesa, e precisamos mudar, é uma necessidade nossa enquanto formadores de professores, é sermos assistidos nas demais áreas do conhecimento.

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A decisão de focar nos conteúdos de leitura e escrita está relacionada ao

objetivo central do Projeto Chapada: garantir à criança e adolescente a sua

permanência na escola e o pleno desenvolvimento das competências na área de

leitura e escrita. O município de Boa Vista do Tupim, ao firmar a parceria com o

Projeto Chapada, definiu as práticas de leitura e escrita como principais conteúdos

da formação. Um outro aspecto de relevância é o princípio da homologia dos

processos, que rege o desenvolvimento da formação. De acordo com Niza (1993,

mimeo, p.30), o princípio da homologia dos processos é:

Uma metodologia de formação que consiste em experienciar através de todo o processo de formação, as atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de organização que se pretende que venham a ser desempenhados nas práticas pedagógicas com as crianças. Isto é, formam-se os professores a partir de um sistema inspirado nos mesmos conceitos e princípios que o professor em formação utilizará mais tarde com os seus próprios alunos.

Portanto, o processo de formação procura contemplar os mesmos princípios

do trabalho que se realiza com os professores e também com as crianças, se não do

ponto de vista das estruturas, certamente do ponto de vista do funcionamento.

Os coordenadores reconhecem que a formação desenvolvida na área de

leitura e escrita respeita o tempo necessário para a aprendizagem efetiva dos

principais conceitos envolvidos na formação. Ou seja, consideram que a formação

não pode ser realizada em uma perspectiva transmissiva. Parece claro ao grupo que

o tempo do ensinar é distinto do tempo de aprender. E, portanto, sabem que não

basta oferecer um livro didático para aprimorar a prática dos professores nas

diferentes áreas de conhecimento.

Na fala de Regina (formadora), notamos o desejo de ter apoio externo para o

investimento em matemática e a clareza de que o livro didático e algumas

orientações não irão contribuir para a transformação do conhecimento dos

professores:

Na nossa formação, o forte são as didáticas de leitura e escrita, é o que a gente realiza de fato. A gente tem dado pouca ênfase às outras áreas, o máximo foi dar algumas orientações, que não tem o mesmo aprofundamento do ponto de vista dos conhecimentos didáticos, os pontos de vista de conhecimento do próprio objeto de ensino, de prover alguns materiais. Por exemplo, quando a gente está discutindo as práticas de leitura, como é que isso também pode ser transposto para as situações de ler para estudar, nas demais

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áreas como ciências, aulas de história, geografia, por exemplo. Mas esse é um desafio. A gente está pleiteando, vendo se o município consegue bancar uma parceria com uma outra instituição que pudesse trazer uma contribuição mais direta, por exemplo, a discussão sobre matemática. Mas é algo que para nós ainda é uma fragilidade, é uma coisa que a gente toca realmente muito pouco e o máximo que a gente tem conseguido fazer é como ajudar os coordenadores a transpor, do ponto de vista dos conteúdos didáticos e do ponto de vista do conhecimento da formação continuada, o que pode ser generalizável para a abordagem de outros conteúdos. Mas ainda é frágil essa questão em relação a outras áreas.

E Eliane (CP) aponta o que pode ser generalizado e o que não pode ser:

Até então, a única mudança que tem é a que o professor aproveita a discussão da língua portuguesa e leva para as outras disciplinas. Quer dizer, como pode trabalhar com o ler para estudar com outras disciplinas, como pode trabalhar a leitura com autonomia nas outras disciplinas. Mas, por exemplo, Ciências não dá, tem que propor experiências, mas como fazer isso? Na Matemática, tem muito com material concreto, mas, o que fazer? Então, fica muito no livro didático.

Como disseram Regina e Eliane, alguns comportamentos leitores e

escritores são transpostos para o estudo nas outras áreas, porém a maioria não é

generalizável. De fato, como vimos em Lerner (2002), reconhecer a especificidade

do conhecimento didático é um aspecto fundamental na prática da formação. É

preciso olhar para as interações produzidas entre o professor, os alunos e o objeto

de ensino; analisar as relações entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo

específico. Portanto, para haver mudanças qualitativas na aprendizagem dos

professores e alunos em relação aos conteúdos da matemática será preciso

organizar uma formação em torno do conhecimento didático produzido na

matemática, e o mesmo para as outras áreas. Conforme verificamos nas

observações de atividades de sala de aula, pudemos constatar as dificuldades dos

alunos em realizar contagens simples, em recitar os números até vinte, em realizar

cálculos mentais. Nos apêndices deste trabalho há mais informações sobre o que se

pôde observar dos conhecimentos dos alunos a respeito da matemática (relato de

observação 4).

Veremos, no próximo item, o lugar e a importância do conhecimento didático

na formação para o grupo entrevistado.

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6.2.3. O conhecimento didático / os conteúdos da formação

Como já mencionado anteriormente neste estudo, o conhecimento didático

assume um papel importante no processo de formação desse grupo de

coordenadores e na análise desse processo.

O conhecimento didático da leitura e escrita é o eixo central da formação na

rede municipal de Boa Vista do Tupim. O entendimento da equipe é que, para uma

transformação na qualidade da aprendizagem dos alunos em relação à

alfabetização, era preciso focar no conhecimento didático da leitura e escrita. Isto é,

o entendimento é que os coordenadores e professores precisavam conhecer melhor

o objeto de conhecimento a ser ensinado, os processos de aprendizagem dos

alunos em relação a esse conteúdo, as condições didáticas e intervenções docentes

para incidir na aprendizagem dos alunos.

A orientação de assumir o conhecimento didático da leitura e escrita como

eixo estruturante da formação foi do Projeto Chapada. O município de Boa Vista do

Tupim, por sua vez, acolheu a proposta e organizou a formação dos últimos dez

anos em torno do conhecimento didático da leitura e escrita.

Lerner (2002, p.104) destaca que os problemas que os professores

enfrentam no dia a dia estão vinculados ao ensino ou à aprendizagem escolar de

determinados conteúdos; portanto, os conhecimentos mais relevantes para os

professores são os conhecimentos didáticos. A autora lembra que, por muito tempo,

os formadores colocaram em primeiro plano, quando se tratava da formação em

leitura e escrita, os conteúdos psicológicos e linguísticos. Mas, as perguntas dos

professores costumavam ser: como eu faço para que os alunos aprendam

determinado conteúdo? Qual destas atividades precisa ser feita primeiro e qual

depois? Qual é a intervenção mais adequada quando aparece este tipo de erro? O

conhecimento didático, embora se apoie em saberes produzidos por outras ciências,

tem autonomia; é construído para resolver problemas próprios da comunicação do

conhecimento, das interações produzidas entre o professor, o aluno e o objeto de

conhecimento. Quanto mais investigações forem feitas sobre o funcionamento das

situações didáticas, os professores terão mais contribuições sobre as condições

didáticas e poderão incidir com mais qualidade na aprendizagem dos alunos.

Regina (formadora) relata que os conteúdos discutidos na formação estão

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diretamente relacionados às situações didáticas que precisam ser propostas em sala

de aula para melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos. O fato é que, para

um trabalho de formação com qualidade, é preciso conhecer o objeto de

conhecimento que se pretende ensinar, os processos de aprendizagem dos alunos e

as possíveis intervenções docentes.

Se você perguntar o que é que contribui para fortalecer essa competência profissional dos coordenadores, é pensar justamente isso, quer dizer, quais conteúdos de formação são importantes de serem discutidos com esse profissional. Então, a gente vai delineando conteúdos que tem a ver com as situações didáticas que se desenvolvem na escola, então são conteúdos vinculados aos conhecimentos didáticos das situações de ensino. Já que o coordenador pedagógico é alguém que, dentro da escola, tem essa função de articular e organizar também a formação do seu grupo de trabalho, do seu grupo de professores, ele precisa ser alguém que detenha esse conhecimento, para poder ajudar os seus professores. E, além do conhecimento das situações didáticas, ele também precisa ter o conhecimento sobre como fazer isso, de como ensinar os professores, esse conhecimento de como fazer essa formação continuada de professores. A gente tem colocado um acento nas questões relacionadas à alfabetização, nas questões relacionadas às situações didáticas que se vinculam às práticas de leitura, de escrita, da produção dos textos.

Bolívar (2005, p.10), em seu estudo sobre o conhecimento didático, faz uma

breve digressão histórica a respeito das concepções construídas no decorrer do

século passado. Para a presente pesquisa, vale iluminar, em especial, o relato do

autor sobre a tendência, nos últimos vinte anos, de valorizar mais o “como se

ensina”, do que “o que se ensina”. Para ele, houve uma separação artificial dos

conteúdos e das práticas docentes, como se conteúdo e didática fossem quase

campos separados.

Ao reconhecermos a identidade epistemológica das didáticas específicas,

compreendemos que o COMO se ensina depende estreitamente de O QUE se

ensina. Isto é, ao definirmos o conteúdo, definimos as práticas. Apoiados no

conhecimento didático defendido por Shulman (2005), entendemos que as respostas

para as interrogações dos professores variam necessariamente em função da

natureza do saber que se quer comunicar.

A equipe de Boa Vista do Tupim tem investido, exclusivamente, na formação

em torno do conhecimento didático da leitura e escrita. Regina (formadora) faz uma

breve cronologia dos conteúdos tratados desde 2006:

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A psicogênese da língua escrita é um conteúdo que trabalho com o grupo desde 2006 – as idas e vindas em relação a este conteúdo ocorreram, tanto em função da chegada de CPs novos, quanto em função das ressignificações/atualizações do conhecimento do grupo como um todo. Mais recentemente (2011/2012), estudamos acerca dos conflitos que o aprendiz vivencia quando da hipótese silábica, via contribuições de Emília Ferreiro sobre a questão das alternâncias grafo-fônicas e da desordem com pertinência. Os conteúdos vinculados aos contextos de alfabetização inicial, como: leitura pelo aluno, escrita pelo aluno, leitura pelo professor e produção oral de texto com destino escrito são aprofundados todos os anos. No ano passado (2011), fizemos um acento na discussão sobre práticas de leitura na continuidade e este ano estamos aprofundando o estudo sobre produção de textos e análise linguística.

A equipe formativa de Boa Vista do Tupim lança mão da produção de

conhecimento didático da leitura e escrita para organizar a formação dos

professores. Se for um professor alfabetizador, por exemplo, o conteúdo-foco será

os conhecimentos didáticos da leitura e escrita e os conteúdos da formação dos

coordenadores serão os conhecimentos didáticos e como se ensina esses

conhecimentos, como serão comunicados aos professores. Portanto, o coordenador,

além de compreender os conhecimentos didáticos, precisa também encontrar a

melhor forma de comunicá-los aos professores. Dessa forma, eles têm a

oportunidade de construir ou aprofundar conhecimentos sobre o objeto de ensino

(conteúdo específico), ao mesmo tempo em que aprendem a como comunicá-lo.

O próximo passo é, justamente, olhar para as estratégias de formação, na

tentativa de compreender como os coordenadores de Boa Vista do Tupim

comunicam o conteúdo, ou melhor, os caminhos que eles escolhem e percorrem

para realizar a formação dos professores.

6.2.4. As estratégias de formação

As estratégias formativas são os caminhos que o formador escolhe para

realizar a formação, para comunicar os conhecimentos didáticos. Não se trata de

dinâmicas de grupo para motivá-los ou simplesmente aproximá-los uns dos outros,

mas de atividades que têm como objetivo principal o desenvolvimento de

competências profissionais: a interação para a realização de tarefas que dependem

do trabalho coletivo, o uso dos conhecimentos disponíveis, o procedimento de

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estudo, a reflexão sobre a prática, a avaliação do percurso de formação, o exercício

da leitura e escrita, da discussão, da explicitação de pontos de vista, da

sistematização, da análise de materiais, situações e ações do grupo. (SOLIGO,

2001, apud BRASIL, 2001, p.103).

Então tem esses dois caminhos: o planejamento e a realização de situações em que os coordenadores aprendem, via estratégias de formação, e a discussão sobre a estratégia em si, como se planeja, como se planeja uma situação daquela natureza, quais estratégias são mais adequadas para abordagens de quais conteúdos, que não são necessariamente todas. Nem sempre há tematização da prática, assim como não são todos os conteúdos que são possíveis de serem discutidos em uma situação de dupla conceitualização, por exemplo. Então é discutir quais são as melhores estratégias para ensinar quais conteúdos. (Regina, formadora)

A seguir veremos como os coordenadores e a formadora consideram e

compreendem as estratégias de formação apontadas por eles: as situações de dupla

conceitualização e a tematização da prática. Regina (formadora) destaca que cada

uma delas é mais indicada para determinado contexto.

6.2.4.1. A tematização da prática

Segundo Lerner, Stella e Torres (2009, p.53), a tematização da prática, ao

propor a análise de situações de sala de aula, torna-se, talvez, a melhor estratégia

para fornecer dados para reflexão. Para as autoras, a tematização:

Ayuda al docente a identificar problemas, a pensar en las possibilidades de resolución, a investigar. Crea interrogantes que dan sentido al estúdio de material bibliográfico; permite al maestro ver la situación desde outras perspectivas, problematizar, imaginar posibles hipótesis, identificar dificultades para buscar alternativas de acción, elaborar propuestas de intervención didáctica, reflexionar y discutir su adecuación.

A formadora Regina lança mão da tematização da prática na formação que

realiza com os coordenadores:

Como que cada um vai conseguindo fazer chegar à formação dos seus professores os desdobramentos relacionados àqueles

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conteúdos e às salas de aula, aquelas situações que a gente vem tratando na formação? Acionando, como uma estratégia privilegiada, a tematização das práticas desses coordenadores. O exemplo de uma atividade de hoje: eu montei com uma coordenadora em particular, um dispositivo que foi planejar uma reunião de AC e realizar em parceria com essa coordenadora e filmar esse encontro, porque a ideia é que depois nós voltemos juntas a discutir questões que nós levantamos sobre os problemas que o coordenador enfrenta ao planejar e ao realizar esse tipo de situação. Que a gente possa avaliar o que foi feito, enfim o que a gente pode aprender com isso e que a gente possa trazer isso para tematizar com os outros coordenadores. Então, acho que esse é um caminho, é um dispositivo de identificar questões que são questões que estão frágeis, ou que precisam de um investimento maior no trabalho que os coordenadores realizam. Nem sempre é possível discutir com todo mundo pelo tempo que a gente tem; então uma possibilidade é pegar um coordenador, eleger um coordenador que já faz aquilo e tem conseguido fazer melhor, ou alguém que tenha essa disponibilidade, para que você possa sentar junto, planejar. E trazer isso para o espaço coletivo para que todos possam discutir e, possamos juntos aprender.

Regina conta como organiza a tematização da prática na formação e como é

possível aproveitar uma situação de um coordenador para a reflexão no coletivo,

com todos os coordenadores. Nessas situações, Regina tem um duplo desafio: por

um lado, discutir o conteúdo proposto na tematização da prática, sejam intervenções

docentes, os processos de aprendizagem dos alunos e professores, a natureza do

objeto que se quer ensinar, etc. e, por outro lado, discutir a estratégia em si, ou seja,

como os coordenadores que também são formadores compreendem a estratégia, o

melhor contexto para utilizá-la, condições mais favoráveis para o seu uso, o

planejamento e a condução do formador durante a tematização.

Para aprender sobre as estratégias de formação não basta vivenciá-las, mas explicitá-las. Então a formadora, ao planejar, por exemplo, uma situação de tematização para o grupo de coordenadores pedagógicos, precisa realizar a estratégia e discutir o que é uma situação de tematização da prática. [...] Então precisa prever, planejar e ao mesmo tempo discutir essas estratégias.

Os coordenadores, por sua vez, aprendem a propor tematizações da prática

e focam no seu principal objetivo, que é a reflexão sobre as situações didáticas, uma

vez que seus sujeitos são os professores. Portanto, reflete-se sobre as situações

didáticas e não sobre a estratégia em si.

Os coordenadores relataram que realizam tematizações com frequência.

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Quando solicitados a contarem o processo para realizar uma tematização da prática,

Eliane descreveu os passos de uma tematização, a partir de uma aula

documentada:

Filmamos uma aula, o professor e o coordenador fazem registros sobre essa aula. Então, vou analisar a aula, e posso pedir ajuda para Regina para montar a devolutiva para o professor - só se achar necessário, senão montamos sozinha sem precisar de um apoio. Esta aula volta para esse professor, nós sentamos com ele, vamos tematizar aquela aula, analisamos, ouvimos também o professor, depois, temos um momento em que os coordenadores veem e analisam também essa aula. A tematização da prática é bem recorrente na nossa rotina, vemos que é necessário, essencial, eu prefiro com a prática documentada em vídeo. E com relação ao protocolo, eu tenho uma professora que ela tem fobia de câmera, entra em desespero, então, o que nós fizemos para tematizar a prática dela, nós gravamos com um celular a aula dela toda, pois o nosso foco eram as intervenções. Então, nós gravamos o áudio da aula dela. O protocolo que falamos é pegar um trecho da aula e descrever realmente desde o que o professor fala, o que ele fez ali no momento, e as respostas dos alunos. Montamos um protocolo, analisamos a prática de um professor, no coletivo. Então, trazemos a prática do professor para o centro de nossas discussões.

A descrição de Eliane mostra que a principal intenção da tematização é

colocar a prática no centro da discussão e analisá-la, discuti-la. Para Lerner, Stella e

Torres (2009, p.53), a tematização é uma ferramenta privilegiada de formação, pois

é possível analisar a prática realizada na sala de aula a partir de registros realizados

em vídeo e por escrito. A ressalva, como vimos no relato de Regina, é que, para

avançar na análise, é preciso teorizar, conceitualizar, pois a análise da prática pela

prática não contribui para os avanços na compreensão do que é feito, como é feito e

porque é feito. Para ajudar os professores a avançarem na compreensão dos

diferentes aspectos envolvidos na sua prática educativa, os coordenadores recorrem

às teorias subjacentes às práticas analisadas.

De modo análogo, Carvalho, Klisys e Augusto (2006, p. 126) defendem que:

[...] tematizar é refletir sobre uma prática e extrair desse ato um conhecimento novo. É passar por níveis crescentes de abstração gerados a partir da construção de novos observáveis sobre a prática pedagógica, que possibilita converter um pensamento em uma experiência e vice-versa. Tematizar tanto significa organizar uma prática em palavras como traduzir conceitos em uma prática.

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Para Weisz (2000, p. 123), podemos tornar a prática um objeto de reflexão:

Devemos olhar para a prática de sala de aula como um objeto sobre o qual se pode pensar. [...] O trabalho de tematização é uma análise que parte da prática documentada para explicitar as hipóteses didáticas subjacentes.

A tematização da prática só pode ser realizada se ela estiver documentada.

O registro da aula (que pode ser escrito ou gravado em vídeo) favorece uma

reflexão sobre a prática vivida. Os professores e os formadores, diante da prática

documentada, se colocam em posição de investigar, de levantar hipóteses, de

problematizar as decisões e encaminhamentos apresentados. É uma estratégia que

contribui para identificarmos dificuldades, para planejarmos soluções e para

reelaborarmos continuamente nossas representações e ações práticas. É um

instrumento fortalecido para mudanças didáticas, na medida em que está inserido

em um processo mais amplo e profundo de reconstrução conceitual.

6.2.4.2. A situação de dupla conceitualização

A situação de dupla conceitualização é uma estratégia que o coordenador

utiliza quando observa que o grupo de professores sabe pouco sobre o conteúdo

que precisa ensinar. E, ao mesmo tempo, que precisa aprender mais sobre o

conteúdo, também precisa aprender sobre como ensinar este conteúdo, ou seja,

quais são as melhores condições didáticas e intervenções educativas para

comunicá-lo aos seus alunos.

Como explica Lerner (2002, p. 107):

As situações de dupla conceitualização têm um duplo objetivo: conseguir, por um lado, que os professores construam conhecimentos sobre um objeto de ensino, e por outro, que elaborem conhecimentos referentes às condições didáticas necessárias para que seus alunos possam apropriar-se desse objeto.

Essa estratégia consiste em duas etapas: em um primeiro momento, o

objetivo é que os professores construam conhecimentos sobre determinado

conteúdo e, para tanto, os formadores propõem uma situação desafiadora para o

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grupo. Por exemplo, se o formador observa que há uma dificuldade no seu grupo em

ensinar os alunos a escrever bons textos, ele pode propor uma sequência de

situações em que os professores são convidados a escrever diferentes tipos de

textos, a partir de diferentes propostas:

Uma proposta de escrita de um texto sem gênero definido, como: tema

livre, minhas férias, etc.

Uma proposta de escrita de um texto com gênero definido, no entanto

sem destinatário escolhido, como: escreva uma carta, ou escreva uma notícia;

Uma proposta de escrita de um texto com gênero, destinatário e

intenção comunicativa definidos, porém sem repertório conhecido do gênero a ser

escrito, como: escreva um artigo de opinião para ser publicado no jornal do bairro

sobre sua posição acerca do IDEB da escola ser exposto publicamente no portão

(mas sem conhecer bem as características discursivas do gênero artigo de opinião,

por exemplo);

Outra proposta de escrita de texto com todas as condições oferecidas,

isto é, gênero, destinatário e intenção comunicativa definidos e repertório oferecido.

Nesse primeiro momento, o objetivo é que os professores vivenciem uma

situação de aprendizagem de escrita de textos e possam identificar, durante o

processo, os procedimentos envolvidos nesta tarefa, como: o planejamento do que

irão escrever, o roteiro, a necessidade de considerar o leitor, a revisão e os

comportamentos escritores.

A segunda etapa é quando o coordenador propõe uma reflexão sobre a

relação entre as condições oferecidas, em cada uma das propostas, e a qualidade

do resultado da produção. É o momento em que os professores elaboram, junto com

os formadores, os conhecimentos referentes às condições didáticas, isto é, às

condições que precisam ser asseguradas para melhor impactar na aprendizagem

dos alunos. Para pensar nas condições de ensino, é preciso fazer um exercício de

descontextualização, sair da situação vivida e buscar a formulação geral que poderá

ajudar nas situações didáticas em sala de aula.

Lerner, Stella e Torres (2009, p.25) explicam que a especificidade dessa

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estratégia formativa consiste em favorecer que os professores exerçam

comportamentos próprios de leitores e escritores, para depois então conceitualizar

tanto os comportamentos exercidos, como as características da situação didática da

qual participaram.

Em resumo, podemos dizer que a situação de dupla conceitualização é uma

estratégia de formação que primeiro propõe uma situação de aprendizagem

contextualizada para o professor vivenciar, para depois conceitualizá-la, buscando

as melhores condições didáticas para ensinar os alunos.

A formadora Regina parece ter claro o lugar da situação de dupla

conceitualização na formação dos coordenadores:

Com relação à dupla conceitualização, por exemplo, realizar situações em que os coordenadores sejam participantes de uma estratégia de dupla conceitualização para aprender um determinado conteúdo que na formação a gente vai apontando, mas também discutir a estratégia em si, como uma estratégia a ser aprendida e que os coordenadores também tenham condição de usar essa mesma tecnologia de formação nos seus dispositivos. Então prever, planejar e, ao mesmo tempo, discutir essas estratégias.

De fato, a situação de dupla conceitualização é uma estratégia indicada

quando os formadores observam que seus sujeitos da formação conhecem pouco

ou precisam reconceitualizar o que irão ensinar. Trata-se de uma estratégia

formativa que propõe aos professores duas aprendizagens quase que simultâneas:

a primeira sobre o objeto que pretende ensinar e a segunda sobre as características

da situação didática, como as condições didáticas e as intervenções docentes

necessárias para ensiná-lo.

Os coordenadores deste estudo aprenderam a estratégia com a formadora e

também a empregam na formação que realizam com os professores nas escolas. No

grupo de discussão, Eliane contou em que momentos valem-se da estratégia:

A situação de dupla conceitualização é uma das estratégias de que às vezes lançamos mão, mais no Grupo Formativo mensal que temos para trabalhar com o professor. Por exemplo, ano passado nós vimos que os professores estavam com dificuldades de como trabalhar a Produção Textual, então, nós os colocamos diante dessa situação, eles fazendo isso para depois trabalhar como eles iriam trabalhar com os alunos. Por isso, usamos muito a dupla conceitualização nos grupos de estudo.

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Resumindo, podemos dizer, apoiadas em Lerner (2002, p.109), que essa é

uma estratégia formativa eficaz quando é imprescindível que os professores

revisem, aprofundem ou ampliem seus conhecimentos sobre um conteúdo particular

e quando precisam conhecer as condições didáticas para ensiná-lo aos alunos.

Seguimos para a próxima categoria (transformação) para a discussão sobre

as avaliações e os resultados do processo de formação.

6.3. Transformação

A categoria transformação está organizada a partir de dois eixos:

O processo de avaliação

Resultados

6.3.1. O processo de avaliação

A avaliação é um processo que precisa estar alinhado ao planejamento e à

formação. As informações que as avaliações, externas ou internas, fornecem podem

contribuir para a identificação de dificuldades, de lacunas e a compreensão de suas

causas. Dessa forma, as avaliações funcionam como indutores de novas políticas de

formação e de novos planejamentos para atender de forma mais ajustada às

necessidades das escolas. Nesse contexto, os formadores (tanto a supervisora

técnica, como os coordenadores) assumem um papel relevante, ao interpretarem e

compreenderem os resultados e transformá-los em ações formativas para

superarem as dificuldades.

Não temos, neste estudo, dados sobre o processo de avaliação dos

professores e dos coordenadores, mas dados de como os formadores (formadora e

coordenadores) utilizam os resultados das avaliações externas do desempenho dos

alunos para o planejamento das ações de formação.

No município de Boa Vista do Tupim, já foram realizadas duas avaliações

externas pelo IDECA, uma em 2007 e outra em 2010. Essas avaliações foram

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encomendadas pelo financiador do Projeto Chapada. A primeira avaliação (2007)

tinha como objetivo contribuir para uma mensuração objetiva de resultados e sugerir

ajustes e correções para ampliá-los e consolidá-los. O objetivo da segunda

avaliação (2010) também foi mensurar, de forma objetiva, os resultados, mas

também apontar processos já consolidados ou aspectos que mereceriam

intervenções mais específicas. A avaliação dos resultados do IDECA baseia-se no

levantamento de informações objetivas sobre as práticas dos agentes educacionais

e o desempenho dos alunos em competências e habilidades indicadas pelo SAEB

como apropriadas para a série e idade (Relatório 2010).

A outra avaliação comentada pelos entrevistados é a Prova Brasil, que

integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Segundo o

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) do

Ministério da Educação, a Prova Brasil é uma avaliação para diagnóstico em larga

escala e tem como objetivo avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema

educacional brasileiro. A nota da Prova Brasil é utilizada para compor o resultado do

IDEB.

A formadora Regina faz uma análise da importância dos resultados das

avaliações externas para redimensionar ações na formação e reorganizar

planejamentos:

Os resultados dessas avaliações (referindo-se ao IDEB, Prova Brasil e IDECA) impactaram nas nossas decisões formativas quando, por exemplo, a gente vai observar o IDEB de 2.2, em 2005 e a gente vai cruzar isso com os investimentos que vinham sendo feitos na formação dos coordenadores e dos professores. A gente vai cruzar isso com o que se estava assegurando e o que não se estava assegurando em sala de aula. A gente vai se dando conta da necessidade de nós criarmos os nossos próprios instrumentos, por exemplo, de termos diagnósticos. O ICEP vem ajudando muito nessa direção, de ter instrumentos institucionalizados para poder acompanhar com uma frequência e com uma regularidade que nos permita, em um tempo mais curto, chegar aos resultados de sala de aula. Então, essas avaliações externas foram ajudando nessa direção. Assumir como conteúdo da formação de coordenadores e da formação de professores, por exemplo, a discussão sobre práticas de leitura, uma continuidade para alfabetização inicial, é uma decisão que também decorre dessa reflexão sobre os resultados de uma avaliação externa como a Prova Brasil, por exemplo. A avaliação do IDEB também mostrou esses resultados pra gente. Então, quer dizer, essas avaliações vão dando conta de que os resultados não são tão bons e que a gente precisa melhorar. Essas avaliações também vêm funcionando como indutoras do currículo, tanto do currículo da sala

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como no currículo da formação desses educadores. Então elas cumprem, sim, esse papel de indutoras curriculares.

No grupo de coordenadores, nota-se também uma valorização das

avaliações e a compreensão de seu papel de indutora curricular. Eliane (CP)

comenta o quanto as avaliações contribuíram para aprimorarem o trabalho de pós-

alfabetização. Na sua análise, a Prova Brasil foi a alavanca para olharem com mais

atenção para os alunos já alfabetizados, porém sem dominarem ainda os

procedimentos mais elementares de leitura:

Essas avaliações externas acabaram abrindo os nossos olhos para muitas coisas, porque o trabalho da leitura com autonomia no nosso município era muito fragilizado, nós dávamos muita ênfase à leitura e escrita na alfabetização inicial, eram os nossos focos. E essa parte dos procedimentos de leitura e o pós- alfabetização ficavam um pouco fragilizados, nós não dávamos muita ênfase, não olhávamos muito para isso. Então, através do primeiro IDEB, Prova Brasil, que foi realizado aqui em nosso município, quando nós recebemos os resultados, onde ficamos bem aquém, foi muito ruim. Então, pegamos aqueles resultados e vimos quais eram as habilidades que estavam por trás de cada questão, como nós trabalhávamos, por que os nossos resultados foram aqueles? O que nós estávamos investindo na formação desses alunos pós-alfabetização, o que nós fazíamos com eles? Então foram surgindo perguntas e questões para poder explicar o porquê eles estavam daquele jeito. A Prova Brasil nos motivou a fazer o trabalho pós- alfabetização com leitura com autonomia, com a produção textual; foi a alavanca para abrirmos os olhos e vermos que estávamos cometendo um crime com esses meninos que já estavam alfabetizados, que os meninos não estavam sabendo dos procedimentos mais elementares de leitura. Até então, não era o nosso foco, nós não trabalhávamos com eles, simplesmente dávamos um texto, os meninos liam, dava algumas respostas e era esse o nosso trabalho. Então, depois disso começamos a colocar o foco realmente nos nossos procedimentos e estratégias de leitura. As avaliações externas foram abrindo os nossos olhos e nos despertando para trabalhar as práticas sociais de leitura com as nossas crianças.

Neste outro trecho, Mariana (CP) destaca os resultados negativos da última

avaliação do IDECA e mostra a necessidade de reorganizarem os planos:

E o IDEB do ano passado veio nos ajudar a pensar que todos os planos feitos não estão bons. E quando Eliane diz que hoje os professores não conseguem analisar as produções de texto, e quais conteúdos precisam ser ensinados é porque o resultado do IDECA também não foi positivo em relação à produção de texto. Então, não está bem, alguma coisa está errada, vamos agora buscar o caminho

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para superar isso.

Eliane (CP) acentua o valor das avaliações internas, propostas pelo

município e a importância dos professores aprenderem a analisar as produções dos

alunos, sabendo avaliar o que os alunos sabem e o que não sabem a respeito dos

conteúdos propostos. Para a coordenadora, este foi um avanço em relação à

avaliação na rede municipal:

Nesses últimos meses, nós estamos nos debruçando muito sobre as produções dos nossos alunos, pode ver que os professores já começam a aprender a analisar as produções das nossas crianças. Antes só fazíamos as produções textuais ou para fazer parte de um portfólio e arquivá-lo para que os pais pudessem ver. Ou então fazíamos a produção porque era necessário fazê-la na nossa rotina, mas as aulas das produções textuais vêm se qualificando mais, nós estávamos nos debruçando sobre as produções dos meninos e vimos que tantas coisas que vínhamos lutando para eles garantirem e não conseguiam. Hoje estão garantindo melhor, e através dessa análise que os professores vêm fazendo, que outrora não faziam, já vem ajudando os professores a retirar dali conteúdos que precisam ser trabalhados. Então, isso é avanço: os professores começarem a analisar as atividades das crianças pensando nessa análise como indutora do currículo deles. O que foi que fizemos: analisamos todas as crianças, tiramos o que de ortografia precisava ser trabalhado, o que de pontuação precisava ser trabalhado, que características do texto teríamos que trabalhar. [...] Então, esse olhar do professor de querer conhecer, de saber as necessidades dos alunos, de querer saber o que ele precisa ofertar para seus meninos, a depender do grau de aprendizagem que ele se encontra, isso vem mudando. Eu olhar e saber não só o que o menino não sabe. Às vezes os professores, e nós nos incluímos nisso, quando pegamos uma atividade de nossos alunos, nós somos caçadores de erros, mas o que aquela atividade nos revela também, são os saberes, então, é preciso olhar isso também.

Para Marcelo e Vaillant (2010), a avaliação desempenha uma função

fundamental, que contribui para explicar a docência por meio dos resultados

alcançados e, eventualmente, pelas experiências mal sucedidas. Para os autores,

há razões de sobra para afirmar que a avaliação docente pode ajudar muito a

melhoria da educação. Neste caso, não temos a avaliação dos professores, mas do

desempenho dos alunos. De toda forma, podemos emprestar a afirmação dos

autores para pensar na contribuição dessas avaliações para redimensionar os

caminhos dos formadores, dos planejamentos dos professores, com o objetivo final

de melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos.

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6.3.2. Resultados

O tempo, a coerência e a continuidade são temas centrais para a formação

continuada. De fato, para que haja mudanças na aprendizagem dos alunos e na

prática dos professores, é preciso combinar tempo para consolidar a política de

formação, coerência das propostas teóricas e das bases conceituais durante o

processo formativo e a continuidade dos agentes de formação (formadoras e

coordenadores).

Na pesquisa de Davis et al (2011, p.116), sobre formação continuada no

Brasil, vemos que as Secretarias Municipais de Educação que conseguiram

constituir e solidificar sua política de formação têm uma visão clara da proposta de

formação oferecida aos professores, e suas equipes:

[...] tiveram ainda, a possibilidade de permanecer em suas funções durante sucessivas gestões, algo que assegurou a continuidade de trabalhos e ações. Criou-se, com isso, um círculo virtuoso: a continuidade das equipes de gestão facilita a identificação das necessidades da rede e leva, portanto, a um aprimoramento das práticas formativas.

Na Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista do Tupim,

observamos a presença dos três aspectos (tempo, a coerência e a continuidade) um

articulado ao outro.

Regina (formadora) chama a atenção para a continuidade política:

Aqui em Boa Vista, a gente tem vivido uma particularidade que eu acho que também contribui para os resultados: o fato de, nesses últimos 12 anos, se manter o mesmo grupo político, então não houve alteração nesse lugar, isso é um ponto. Houve uma mudança obviamente de gestores, mas são gestores que dão continuidade à mesma política.[...]Há uma associação dentro desse mesmo grupo político partidário que vem assumindo a gestão pública do município, ao longo desses anos, então isso é um fator.

Silvia, formadora dos diretores, ressalta a vontade política do Secretário de

Educação como um fator favorável para a continuidade da estrutura da formação.

Ela lembra que ele é da área de Educação, trabalhava como coordenador em uma

escola do município e, embora tenha se tornado um gestor, com novos desafios, ele

conhece os problemas apresentados pela equipe técnica:

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Isso é importante porque a gente vê em muitas redes essa descontinuidade. A vontade política do Secretário de Educação, que atua desde 2005, faz toda a diferença. Ele conseguiu manter uma equipe de formadores, e conseguiu depois contemplar todos os atores. Então o diretor passou um tempo sem formação e em 2009 esse diretor passou a ter formação e tem lugares que o supervisor técnico, além de fazer a formação do coordenador pedagógico, ele faz também a do diretor escolar. Sabendo quanto isso demanda tempo, tanto para um ator quanto para outro, é inviável: um dos dois lados vai ficar comprometido; então ele conseguiu manter isso. Eu vejo isso como vontade política. [...] Ele era um coordenador. Eu acho que para ele ficava até difícil dizer um não para gente, porque trabalhava com a gente, e ele sabia de onde tinha vindo, fazia parte desse grupo. E é óbvio que ele foi se tornando um gestor, e nós continuamos educadores. Ele se tornar um gestor faz diferença? Faz, porque ele teve que em alguns momentos priorizar algumas questões, e em alguns momentos, nós tivemos atritos, óbvio que temos atritos.

Os coordenadores também apontam a permanência do grupo político como

fator relevante para a manutenção da política de formação. Eliane parece mesmo

acreditar que a continuidade está condicionada à permanência do mesmo grupo

político partidário:

Houve mudanças de gestão, mas continuam com pessoas, digamos, do mesmo grupo, não mudou o grupo político, mudou o Prefeito, mas continua o mesmo partido político que vem defendendo os mesmos princípios da formação. O ruim é quando entra um gestor que muda todo o quadro de coordenadores e que quebra a formação. [...] Apesar de terem tido algumas mudanças, de um coordenador precisar sair por questões pessoais, por exemplo, não os prejudicou, porque eles já substituem com professores que estão dentro do quadro, que já vem seguindo esses princípios. [...] Nós podemos estar errados, mas essa questão de partidarismo é muito forte e eu tenho quase certeza de que, se, por exemplo, um candidato de outro partido ganhasse, esse grupo não ficaria por ser cargo de nomeação, cargo de confiança, não é concurso. Nós somos concursados enquanto professores, mas não enquanto coordenadores, então, por ser cargo de confiança, quem sabe se outro candidato de outro partido político ganhar, nós não ficamos; muda todo um quadro, já é um quebra muito grande na formação, irão colocar pessoas sem experiência porque aqui tem anos de experiência, tem experiência de 10, 8, 7, 5 anos de investimento (referindo aos anos de experiência dos 4 coordenadores participantes do grupo de discussão), não é um dia. Então, se tiram essas pessoas, colocam outras pessoas que irão começar agora essa formação; não irá continuar mesmo, os gestores escolares vão mudar.

Se, por um lado, tem-se a hipótese de que a continuidade deve-se à

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permanência do grupo político partidário no poder, por outro, Regina (formadora)

acredita que os bons resultados na aprendizagem dos alunos e na prática dos

docentes também são responsáveis pela manutenção na política de formação:

Mas tem uma outra questão que também tem a ver com o fato de como a gente vem aprendendo a comunicar os resultados que decorrem desse investimento, dessa formação. Eu acho que ter resultados satisfatórios é um aspecto de convencimento desses gestores. Quer dizer, a gente está mantendo alguém lá atrás que teve essa ideia e aí fez esse empreendimento e que resultou tudo isso. Então a gente vem conseguindo melhorar os resultados de alfabetização inicial, por exemplo, embora ainda seja muito desafiador. Eu me lembro de que, em 2000, entre os idos de 2000 até 2005, que foi quando se constituiu, por exemplo, a equipe técnica que até então não existia, que é quando a gente começa a fazer esse trabalho de formação, nessa perspectiva e estrutura que nós temos aqui... Então os resultados não eram bons, o IDEB em 2005 foi 2.2. [...] E hoje a gente já tem um resultado melhor, embora seja um resultado que precise avançar bastante, o IDEB é de 5.8. [...] Então acho que isso é um aspecto de sustentação dessa decisão de uma política que mantém uma estrutura que dá certo. É ver os resultados aparecerem, a gente sabe que resultados em educação nunca é uma coisa assim, os de verdade não são, demoram mesmo um tempo para aparecer, mas quando eles aparecem acho que podemos olhar para isso.

Uma ação empreendida pelo Projeto Chapada para tentar assegurar a

continuidade da política de formação nos municípios é a realização de Fóruns, nos

anos eleitorais. Como explicam Pedro (CP) e Regina (formadora):

Cybele, líder do Projeto Chapada, todo ano que tem eleição faz um Fórum, onde os candidatos a prefeitos participam, assinam um termo, e garantem que vão continuar essa parceria, continuar com a política de formação, mas nós sabemos que só está garantido naquele momento. (Pedro) Tem uma outra coisa também importante que aí já é uma ação do Projeto Chapada que a gente vem aprendendo a fazer junto, que são os fóruns de educação. A gente reúne os professores enfim, a comunidade mais ampla de educadores e comunidade local que trazem as suas propostas. A ideia tem a ver com uma defesa pelos resultados da rede, o que precisa se manter e, tudo que é preciso para melhorar. Então, os candidatos se comprometem com a continuidade desse trabalho e dessa estrutura de formação. (Regina)

Vimos então, que, em Boa Vista do Tupim, não houve mudança de grupo

político partidário nos últimos 12 anos, o que favoreceu a manutenção da política de

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formação. Vimos também que há uma ação empreendida pelo Projeto Chapada, no

período de transição de gestão, chamada fórum de educação, que reúne

representantes da comunidade e candidatos à prefeitura e à Câmara, para discutir

os resultados da educação e propor um termo de compromisso, na tentativa de

assegurar a continuidade do programa de formação.

Por agora, temos a continuidade e o tempo como elementos presentes no

processo de formação do município estudado. A coerência das propostas não

depende apenas da permanência do grupo político; é necessário que os resultados

expressem a melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos. Regina

(formadora) conta que a iniciativa dos seminários avaliativos é relevante para que a

comunidade, e os atores que fazem a política pública de formação, conheçam as

principais ações formativas e os resultados:

Uma dinâmica, por exemplo, que a gente faz aqui todos os anos são os seminários avaliativos. Nesses seminários, a gente convida o prefeito, os vereadores, instâncias diversas não só relacionadas à esfera da educação, mas instâncias diversas da comunidade e atores da política pública. E, então, a gente apresenta os resultados. Discute-se quais foram os investimentos que a educação fez naquele ano e quais são os resultados que a gente tem. Então, essa forma de comunicação implica no quanto nos responsabiliza, nos compromete com esses resultados que serão publicados. Eu acho que também devolve para os que fazem a política pública essa possibilidade de ter um termômetro de como que esses investimentos vão chegando.

Esse espaço dos seminários, criado pelo município, e realizados

anualmente, convoca os atores envolvidos na formação a se comprometerem e se

corresponsabilizarem, ainda mais, com os resultados. É uma forma democrática de

apresentar as ações realizadas, os investimentos depreendidos e os resultados

alcançados. Nestes últimos 12 anos, os resultados melhoraram e, portanto, a

estrutura de formação e o programa de formação foram mantidos. Isto é, a

Secretaria continuou a se organizar para apoiar a formação desenvolvida nas

escolas.

Ao comentar uma boa prática de formação colaborativa, a pesquisa de Davis

et al (2011, p.139) destaca uma Secretaria com características semelhantes às

encontradas na Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista do Tupim:

A Secretaria se organiza para dar apoio à formação desenvolvida

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nas escolas, oferecendo-lhes condições para criar, de forma institucionalizada, espaços de formação capazes de aprimorar o coletivo de seus profissionais no próprio ambiente de trabalho. Assegura-lhes, ainda, a oportunidade de planejar e/ou repensar sua atuação com base nas demandas de suas respectivas escolas, considerando o currículo e as necessidades de aprendizagem dos seus alunos. Esse cuidado tem sido recorrentemente discutido na literatura disponível (ALARCÃO, 2003; CANDAU, 1997; IMBERNÓN, 2010), que salienta a necessidade de a Formação Continuada dispor de uma organização minimamente estável para o desenvolvimento de projetos formativos que favoreçam o respeito, a liderança democrática e a participação de todos. Sem um clima de colaboração na escola, dificilmente os educadores vão reconhecer a formação como um benefício tanto individual como coletivo.

Veremos, a seguir, algumas mudanças observadas durante o

desenvolvimento da política de formação do município.

6.3.2.1. Mudanças observadas na aprendizagem dos professores

As respostas dos coordenadores sobre as mudanças observadas no

trabalho dos professores, depois que iniciaram um trabalho mais formativo, apontam

para um maior compromisso e empenho em realizar planejamentos mais coerentes

e adequados à realidade dos alunos e maior autonomia para analisar os resultados

da aprendizagem das crianças e planejar as situações didáticas. Pedro (CP)

ressalta que um ganho importante foi o fato de os professores passarem a

reconhecer que também estão em processo de aprendizagem

Hoje, se você chegar para um professor, você não vê aquele discurso de que ele sabe tudo, ele tem consciência de que precisa aprender, e esse é o primeiro passo, quando se tem consciência de que é preciso aprender, é o primeiro passo de que eu preciso melhorar. Então, o que eu vejo de mais positivo para mim é o quanto fazíamos e o quanto avançamos e o quanto eu preciso aprender para garantir a aprendizagem de qualidade. Isso é o que fica mais forte no nosso grupo de professores, eles têm consciência de que também precisam muito.

Mariana (CP), por sua vez, destaca o conhecimento sobre a teoria da

psicogênese da língua escrita:

Eu acho que a maior aprendizagem mesmo é com relação à

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psicogênese, porque acabamos dando uma atenção maior, tanto que os nossos resultados também são melhores. Quando fazemos o diagnóstico da escrita, tem mais de 90% de meninos na escola com escrita alfabética no 1º ano. Mas, quando fazemos diagnóstico de leitura e produção de texto, o resultado já não é o mesmo, eu acho que o nosso avanço maior está sendo em relação à psicogênese da língua escrita.

Eliane (CP) aponta que, além de conhecerem mais o processo de

alfabetização, os professores passaram a analisar as produções das crianças,

avaliando as necessidades de aprendizagem de seus grupos:

Há um investimento grande na alfabetização de nossos alunos, Mariana já traz isso e também nos últimos anos nós estamos investindo na leitura com autonomia e na produção textual. Nós estamos nos debruçando muito sobre as produções dos nossos alunos, pode ver que os professores já começam a aprender a analisar as produções das nossas crianças. [...] Então, isso é avanço, os professores começarem a analisar as atividades das crianças pensando nessa análise como indutora do currículo deles. [...] Os professores vêm mudando a sua prática com relação a isso, nós vamos vendo o quanto alguns já estão investindo na sua autoformação, sentindo a necessidade de buscar, a necessidade de estudar, de ver mais de perto quem são realmente essas crianças que chegam às nossas mãos, aí são algumas mudanças que vamos observando que os professores já fazem.

É interessante notar que os coordenadores referem-se às mudanças e

aprendizagens que estão intimamente relacionadas com as condições oferecidas.

Isto é, podemos observar uma coerência da intencionalidade formativa dos

coordenadores com os resultados apontados. De modo geral, os coordenadores

indicam mudanças nos conteúdos de alfabetização, na compreensão da teoria da

psicogênese, na necessidade do estudo e reflexão permanente e da

responsabilidade e compromisso com a melhoria da qualidade da aprendizagem dos

alunos. Todos estes são conteúdos da formação da formadora e dos coordenadores.

Podemos também inferir que o reconhecimento da necessidade do estudo e reflexão

permanente está relacionado com a formação centrada na escola e a rotina

institucionalizada que assegura diferentes momentos de formação. Canário (1997)

destaca que a chave para a produção de mudanças no trabalho dos professores

reside na prioridade estratégica de realizar a formação centrada nas escolas. Para o

autor, é uma forma de se opor à oferta formalizada e descontextualizada de

formação e conceber a escola como lócus de formação, privilegiando a reflexão

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articulada ao contexto de trabalho, no diálogo com a teoria. As formações realizadas

pelo Projeto Chapada, pelas formadoras e coordenadores são centradas nas

necessidades da prática educativa, mesmo quando realizadas fora do espaço

escolar.

6.3.2.2. Mudanças observadas na aprendizagem das crianças

Em relação às mudanças observadas na qualidade da aprendizagem dos

alunos, as respostas dos coordenadores indicam maior autonomia nas práticas de

leitura e escrita, aumento na frequência do uso da biblioteca e maior envolvimento

dos alunos com as práticas de leitura. Portanto, assim como com as mudanças

observadas na prática dos professores, notamos uma relação direta entre o

conteúdo proposto e desenvolvido na formação e os resultados evidenciados nas

falas dos coordenadores:

Em relação à leitura, nossas crianças estão lendo mais. Eles hoje levam livros para casa, leem, os pais vão à escola. E também na produção da leitura com autonomia na alfabetização inicial, nós já estamos vendo mudanças. Eles precisam melhorar? Precisam também na leitura com autonomia, mas eles já têm um grande avanço. (Flávia) Nós vemos que, antigamente, quando o professor pedia para ler, dava um frio e torcíamos para não dar o tempo de chegar a hora, e hoje ficamos felizes ao chegarmos à escola e quando o professor fala: quem vai ler amanhã, na roda da leitura, é uma briga, porque todo mundo quer e nós vemos claramente nisso uma postura muito boa deles, na questão da leitura. (Pedro)

Da mesma forma, o resultado destacado pela formadora Regina foi o avanço

em relação à alfabetização inicial, também conteúdo da formação:

Hoje a gente tem um resultado melhor, embora seja um resultado que ainda precise avançar bastante, o IDEB é de 5.8. Do ponto de vista da alfabetização inicial, a gente já consegue terminar com mais de 70% das crianças no primeiro ano alfabéticas, então são crianças de 6 anos alfabéticas. E isso, do ponto de vista de rede, porque a gente tem escolas que já terminam com 90% de crianças alfabéticas no primeiro ano. E olha que lá atrás a gente falava de crianças de 7 anos na primeira série e de 8 anos na segunda série, hoje as crianças com 6 anos estão no 1º ano terminando o ano alfabéticas. A gente já tem várias escolas que terminam com mais de 80% de

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crianças no primeiro ano alfabéticas. Então, acho que isso é um aspecto de sustentação dessa decisão de uma política que mantém uma estrutura de formação que dá certo. É ver os resultados aparecerem. A gente sabe que resultados em educação nunca é uma coisa assim, rápida. Os de verdade não são, demoram mesmo um tempo para aparecer, mas quando eles aparecem acho que podemos olhar para isso.

Regina aponta um aspecto importante em sua reflexão: a importância da

manutenção da política de formação para os bons resultados. Conforme vimos, as

mudanças são possíveis, quando combinados o apoio político, a continuidade das

lideranças formativas, a coerência conceitual e teórica das propostas de formação,

porém, levam tempo para se consolidar. Portanto, quando a formadora chama a

atenção para as escolas que têm 70%/80% de crianças terminando o 1º ano

alfabéticas, é porque reconhece o esforço implicado nesse processo de formação e

o tempo dispensado.

Cunha e Prado (2008, p.38), apoiados nas ideias de Canário (2000),

destacam a necessidade da reflexão sistemática para que os professores comecem

a agir de modo diferente:

[...] uma das dimensões fundamentais da formação centrada na escola, baseada nas experiências dos professores, consiste em criar situações que permitam aos professores aprender a pensar e a agir de modo diferente, pois a reflexão, conduzida de modo sistemático e finalizado, permite transformar a experiência num saber utilizável.

As mudanças estão dialeticamente relacionadas às oportunidades de

reflexão e o tempo dedicado para os conteúdos da formação.

Seguimos agora para as considerações finais. Ao chegar perto do final,

posso dizer que, na tentativa de encontrar respostas e recriar caminhos, as

perguntas deste estudo provocaram um percurso de estudo e de reflexão embalados

pelo necessário rigor metodológico. Em mim, provocaram um movimento de

renovação e abertura.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo analisar o processo de construção do papel

formador dos coordenadores pedagógicos na rede municipal de Boa Vista do Tupim,

município integrante do Projeto Chapada, e compreender como o município

conseguiu viabilizar esse processo.

A contribuição dos trabalhos acadêmicos revistos, de outras investigações e,

especialmente, dos autores estudados, me ajudou a delinear os fundamentos desta

pesquisa. Portanto, este trabalho foi escrito e construído a partir de outras vozes. O

caminho percorrido apontou para a importância do papel formador dos

coordenadores, porém também para a dificuldade em viabilizar esta função na

prática.

O diálogo com as posições teóricas dos autores estudados me colocou em

contato com ideias que foram fundantes para este trabalho, como: a formação

permanente e o desenvolvimento profissional, a formação articulada ao contexto de

trabalho, as redes colaborativas de aprendizagem, o papel do conhecimento didático

na formação, o papel do coordenador pedagógico para a formação permanente, a

rotina como estrutura de apoio para o trabalho do coordenador pedagógico e as

estratégias formativas. Os autores recorridos foram: Nóvoa (1997, 2007, 2009),

Imbernón (1998, 2010), Canário (1997, 2000), Placco, Almeida e Souza (2011),

André (2010), Marcelo e Vaillant (2001, 2010), Schön (1997), e outros, o que me

possibilitou configurar a complexidade do tema e desenvolver algumas

considerações sobre o contexto da formação.

Apoiada nas indagações desse estudo preliminar, segui para a coleta de

dados. Realizei um grupo de discussão com quatro coordenadores e entrevistas

individuais com duas formadoras da Rede Municipal de Educação de Boa Vista do

Tupim/BA. Os materiais foram transcritos, sintetizados, e, depois de leituras e

releituras, dei seguimento para a análise a partir das categorias: formação,

articulação e transformação.

O levantamento das conclusões será organizado a partir das três questões

propostas no estudo, finalizando com reflexões sobre o processo de construção do

papel formador dos coordenadores pedagógicos na rede municipal de Boa Vista do

Tupim, município integrante do Projeto Chapada.

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1. Quais foram as principais ações da Secretaria Municipal de

Educação de Boa Vista do Tupim que contribuíram para a construção do papel

formador do coordenador pedagógico?

A Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista do Tupim, ao firmar

parceria com o Projeto Chapada há dez anos, instituiu o papel do coordenador

pedagógico nas escolas e implementou uma estrutura de formação, criando uma

equipe técnica na Secretaria para apoiar o trabalho de formação permanente dos

educadores. O processo de formação na Rede foi desencadeado pelo Projeto

Chapada, porém foi mantido devido ao apoio político das lideranças do município e

pelo compromisso de todos os atores envolvidos com os resultados da qualidade da

aprendizagem dos alunos. Se, por um lado, havia o desejo político de melhorar os

resultados da aprendizagem e o compromisso dos envolvidos, por outro entendiam

que seria necessário viabilizar os caminhos para a formação.

Os pressupostos desse processo da Rede é que as escolas precisam tornar-

se espaços de formação permanentes e os professores serem considerados como

profissionais e não alunos, isto é, profissionais com uma responsabilidade social

definida por sua profissão, que é ensinar. E, para tanto, foi organizado um grupo de

coordenadores para assumirem o trabalho de formação dos professores nas

escolas. A proposta era que a formação estivesse estreitamente articulada ao

contexto de trabalho dos professores, que fosse centrada nas escolas (CANÁRIO,

1997).

Os coordenadores então passaram a ocupar o lugar de formadores, de

articuladores de uma rede de aprendizagem dentro das escolas. Mas, esse processo

não foi de um dia para o outro. Para os coordenadores tornarem-se formadores e

agirem como formadores e, quem sabe, se reconhecerem como autoridades

técnicas diante de um grupo, não bastava apenas nomeá-los ou entregar-lhes uma

nova rotina e uma lista de atribuições. A Secretaria de Educação, em parceria com o

Projeto Chapada, propôs caminhos para que a construção do papel formador do

coordenador fosse feita com a consistência e seriedade necessárias.

O primeiro caminho foi inserir todos os envolvidos em um processo de

formação. Isto é, criar uma cadeia distributiva da formação. A Secretaria compôs

uma equipe de formadores, com educadores mais experientes da rede, para que

pudessem apoiar, acompanhar e fazer a formação dos coordenadores. E essa

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equipe, por sua vez, contava com o apoio de formadores do Projeto Chapada.

Todos os sujeitos envolvidos nessa cadeia tinham apoio e interlocução de

formadores mais experientes.

Com o pressuposto de que o papel prioritário dos coordenadores é realizar a

formação dos professores nas escolas, e, com as equipes já constituídas, iniciaram

o desenvolvimento de projetos de formação na área de leitura e escrita, conteúdo

definido pelo Projeto Chapada e acolhido pela Secretaria em função dos baixos

índices de aprendizagem. Para desenvolvê-los, a equipe de formadoras, junto com a

equipe dos coordenadores, desenhou uma rotina que assegurasse os momentos da

formação: garantiu momentos de discussão coletivos, de grupos de estudos, de

planejamentos, de observação em sala de aula e momentos para o

acompanhamento individual. As pautas dos coordenadores para propor cada uma

dessas ações foram – e ainda são – discutidas e acompanhadas pelos formadores.

Nessas pautas, a premissa teórica é a homologia dos processos, ou seja, procuram

contemplar os mesmos princípios do trabalho que o professor em formação utilizará

mais tarde com os seus próprios alunos. Quer dizer, do ponto de vista do

funcionamento, consideram que a formação não pode ser realizada em uma

perspectiva transmissiva. Compreendem que o tempo do aprender implica em

acionar representações, reflexões, relações das situações práticas com a teoria e

aproximações sucessivas com o conteúdo proposto. Para um aprofundamento do

conteúdo e mudanças nas práticas, é preciso tempo e continuidade das discussões.

Esta premissa está diretamente relacionada ao tempo dedicado às práticas de

leitura e escrita na formação dos coordenadores e professores do município e aos

resultados na aprendizagem dos alunos, que se destacaram nesta área do

conhecimento.

Outro caminho a destacar é a decisão de o conhecimento didático da leitura

e escrita assumir um papel central na formação. A proposta foi tratar das interações

que se produzem entre o professor, os alunos e o objeto de ensino e discutir os

problemas que estão vinculados ao ensino ou à aprendizagem escolar de

determinados conteúdos, e sobre as melhores condições de ensino para incidir em

uma melhor qualidade de aprendizagem dos alunos. De fato, buscou-se o

entendimento quanto aos modos de ensino capazes de transmitir o conteúdo da

forma mais compreensível possível para os outros (SHULMAN, 2005). A

preocupação da equipe de formação é que os conteúdos não sejam tratados da

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prática pela prática, mas que haja sempre a teorização, para a compreensão do que

é feito, como é feito e porque é feito.

Portanto, no que diz respeito às ações da Secretaria descritas acima: a

constituição de equipes de formação, o apoio político, técnico e institucional e os

pressupostos teóricos escolhidos para balizarem o processo de formação foram

desencadeadas junto com o Projeto Chapada e é esta parceria que contribui para

viabilizar a formação nas escolas e tem conseguido manter o pleno funcionamento

da cadeia formativa, com todos os envolvidos se corresponsabilizando pela

qualidade da aprendizagem dos alunos.

2. Quais as principais necessidades formativas dos coordenadores

durante o processo de constituição de seu papel de formador dentro da

escola?

Aprender o tempo todo pode ser uma frase genérica ou mesmo um clichê

desprovido de significado. Não raramente ouvimos profissionais da educação

falando da necessidade da aprendizagem permanente. No entanto, não parece este

o caso, na estrutura de formação de Boa Vista do Tupim, onde esta fala corresponde

ao que, de fato, se observa nas escolas. Os coordenadores reconhecem a

necessidade do estudo permanente e asseguram diferentes momentos na rotina

para a formação dos professores, assim como para a sua própria formação.

Para constituírem o papel de formadores, os coordenadores investem na

própria formação e aproveitam os espaços de reflexão organizados pela Secretaria

para construírem saberes específicos necessários para sua função.

Os coordenadores deste estudo apontaram as seguintes contribuições da

formadora para aprimorarem o seu desenvolvimento profissional:

apoio no planejamento das pautas, nas formas de ensino e na

condução dos conselhos de classe;

acompanhamento individual para atender as questões específicas de

cada coordenador, contribuindo com o processo de crescimento e aperfeiçoamento

dos coordenadores enquanto formadores de professores;

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acompanhamento de salas de aulas para atrelar a prática e a teoria;

devolutivas individuais das observações;

participação nos planejamentos de cada coordenador;

criação de mini grupos de estudos para aprofundar conteúdos

específicos.

Os espaços de formação destacados são ora individuais e ora coletivos. Em

todos eles a formação está articulada ao contexto de trabalho.

Conforme já analisamos nas falas dos coordenadores, esses espaços da

formação assegurados pela formadora contribuem para atender às suas

necessidades formativas.

Para Regina, formadora, a chave para atender as necessidades formativas

dos coordenadores é trazer o conhecimento didático como principal foco da

formação e também os conteúdos relacionados à gestão. Ela também ressalta o

vínculo da formação com o contexto de trabalho e a ajuda que oferece para os

coordenadores reconhecerem as necessidades formativas dos professores.

Outro aspecto relevante é que, ao considerar a formação dos professores

como uma das funções principais do coordenador pedagógico, é inevitável pensar

na comunicação dos conhecimentos didáticos de que esses coordenadores

necessitam para ensinar mais e melhor aos professores. Ou seja, é necessário

discutir os caminhos que o formador escolhe para realizar a formação. E a definição

dos caminhos está relacionada ao que se quer ensinar. A tematização da prática e a

situação de dupla conceitualização são as estratégias de formação utilizadas pelos

coordenadores. A pertinência de cada uma delas no processo de formação é um

tema recorrente na formação com os coordenadores.

Ainda em relação às necessidades formativas, os coordenadores reclamam

por investimento na formação das outras áreas de conhecimento. Notamos que se

ressentem de não trabalharem com outros conteúdos na formação, além da leitura e

escrita. É nítido que esta é uma fragilidade desse processo de formação. Embora

entendamos que o tempo e continuidade são aspectos fundamentais para promover

reconceitualizações do conhecimento, já são dez anos sem colocar outros

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conteúdos no centro da formação. Esta é uma necessidade formativa apontada pelo

grupo de coordenadores e corroborada pelas formadoras.

3. Como os formadores contribuíram para construir a rede

colaborativa de formação?

Mia Couto, citado na epígrafe desta dissertação, traduz com linda metáfora o

que parece ser um dos elementos chave para a compreensão do êxito da estrutura

de formação no município de Boa Vista do Tupim: os resultados na formação dos

coordenadores e dos professores, e as aprendizagens dos alunos são as missangas

que deixam o colar vistoso, e o fio invisível que o sustenta é a rede colaborativa da

formação.

Este estudo partiu do pressuposto de que a melhoria da qualidade da escola

pública não é fruto de uma ação isolada, externa e pontual de formação. Ao

contrário, pressupõe um conjunto de ações interligadas, envolvendo os diversos

atores que compõem o cenário educativo. Os coordenadores são responsáveis pela

formação, porém não podem assumir esta tarefa, sozinhos.

Podemos dizer que a rede de formação do município de Boa Vista do Tupim

parece estar harmoniosamente articulada, as ações de formação estão interligadas,

isto é, os coordenadores são responsáveis pela formação dos professores, e se

corresponsabilizam pela qualidade dos resultados da aprendizagem das crianças, e

recebem apoio político e institucional das equipes técnicas das Secretarias e do

Instituto Chapada. Todos os sujeitos envolvidos nessa cadeia de formação se

corresponsabilizam e oferecem o apoio técnico e formativo ao sujeito da formação a

ele interligado. Dessa forma, não há o isolamento que costumamos observar na

prática dos coordenadores pedagógicos. Imbernón (1998, p.102) ressalta que uma

das certezas oriundas de seu trabalho e experiência é que a formação é uma tarefa,

principalmente, coletiva e contextualizada e não se pode empreender uma formação

baseada no isolamento.

Os coordenadores e as formadoras se reconhecem como parte integrante de

uma rede colaborativa. Sentem-se um entre todos e com todos. A rede é concebida

como baliza para as ações formativas e como espaços de participação democrática,

de relações horizontais e muita parceria. Ela traz uma abertura de possibilidades: é o

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olhar do outro, validando o que de melhor tem a diversidade. Não há dúvidas do

poder decisivo que a engrenagem dessa rede tem para o êxito da estrutura de

formação.

A partir da análise e fechamento do conteúdo destas três questões,

podemos dizer que as principais condições para viabilizar o processo de construção

do papel formador dos coordenadores pedagógicos de Boa Vista Tupim foram: o

apoio político favorecedor de uma estrutura de formação, a compreensão e a

efetivação de uma rede colaborativa, em que todos se corresponsabilizam pela

qualidade da aprendizagem dos alunos, o apoio técnico oferecido pelo Projeto

Chapada, a formação centrada nas escolas, a organização de uma rotina garantindo

diferentes momentos de formação e um conjunto de pessoas que se dedicam, que

se envolvem, que se comprometem com a melhoria do ensino público. E, por

estarem profundamente implicadas em todo o processo de formação, esses

profissionais reconhecem os resultados exitosos de seu trabalho e também as

lacunas, como, por exemplo, as necessidades urgentes de formação em outras

áreas do conhecimento.

Palavras finais

A experiência de investigação é uma possibilidade de sair do contexto

afirmativo, indicativo. É olhar a partir de perguntas e não de respostas.

Como escrevi acima, não tenho dúvidas do poder de uma rede colaborativa

de aprendizagem. Ela pode mobilizar o melhor de seus integrantes e, juntos,

promoverem mudanças importantes.

Entendo que a cadência de formação construída no município estudado tem

conseguido garantir um espaço real de interlocução, um tempo em que formadores e

professores planejam juntos, pensam juntos, refletem e projetam juntos. Além de

lançar mão do repertório de estratégias de formação que seguem refletindo, a

formadora e os coordenadores não perdem de vista o momento de aprendizagem de

seu grupo, do potencial intelectual que apresentam e do movimento de apontar e

acolher. Cuidam da parceria para não exigir sem oferecer instrumentos, para não

deixá-los sozinhos.

A valorização da rede colaborativa, a compreensão do papel formador dos

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coordenadores pedagógicos e o necessário apoio político e técnico a todos os

envolvidos em um processo de formação são aspectos, desta pesquisa, que podem

inspirar e contribuir com outras estruturas de formação.

Por fim, ressalto que a esperança deste estudo é dar uma contribuição para

a melhoria das formações dos coordenadores e professores. Reconhecendo as

limitações desta pesquisa em relação às suas fronteiras, espero que novas

pesquisas sejam propostas, mantendo o movimento compulsório de atender às

novas exigências sociais de formação.

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APÊNDICES – Relatos de Observação

APÊNDICE A – Relato de Observação 1 – Planejamento

Foto 5 – Observação de reunião de planejamento - Coordenadora e professoras de 1º ano da Escola Cora Ribeiro, Boa Vista do Tupim

Foto: Beatriz Gouveia

No dia 16 de abril de 2012 observei uma situação de planejamento da

coordenadora Mariana (nome fictício) e as professoras de 1º ano da Escola Cora

Ribeiro do município de Boa Vista do Tupim/BA. (Foto 5) O encontro de

planejamento é semanal e por série.

No encontro que observei, a coordenadora pediu que as professoras

planejassem atividades de leitura pela criança, para serem propostas durante a

semana, antecipando as intervenções que poderiam realizar durante a atividade.

Antes de iniciarem o planejamento, a coordenadora entregou para as duas

professoras uma cópia da reportagem “Saber a teoria para ensinar bem” da revista

Nova Escola. Então, as três fizeram uma leitura compartilhada e discutiram as

intervenções da professora para as crianças pensarem sobre a escrita, discutiram as

condições didáticas e a qualidade das intervenções da professora.

Enquanto as professoras discutem e pensam nas melhores propostas de

atividades, a coordenadora observa, faz anotações e seleciona materiais de leitura.

Assim que acabam de planejar, a coordenadora, antes de verificar o que fizeram,

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pede que elas proponham os melhores agrupamentos dos alunos, considerando os

saberes atuais de cada um e também pede que antecipem o passo a passo da

atividade (consigna e condução) e intervenções. Lembra que as intervenções devem

propiciar a reflexão e a discussão entre as duplas.

A coordenadora é muito problematizadora: ela pede a cada uma das

professoras para escrever o que irá fazer em sala, como irá apresentar a

consigna,conduzir a proposta e como fará as intervenções. Ela faz perguntas,

devolve os problemas, não dá respostas prontas. A professora escreve algumas

intervenções e a coordenadora pergunta: e se ele não encontrar a resposta correta,

o que você vai fazer? Se as crianças se enganarem, o que você vai fazer? O que

você pode perguntar?

A impressão é que Mariana quer mostrar às professoras que o planejamento

é o momento de esgotar tudo o que se pode antecipar sobre as ações das crianças

e o que o professor pode problematizar, perguntar – é quando ele coloca em jogo o

que sabe para planejar as melhores intervenções, e mesmo assim, muitos

imprevistos acontecerão. Quanto mais puder antecipar, melhor.

O horário do encontro de planejamento encerra, e já é final de tarde, mas

elas não vão embora, ficam na escola até terminarem todos os passos dos

planejamentos da semana.

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APÊNDICE B – Relato de Observação 2 – Planejamento

No dia 17 de abril de 2012, observei uma reunião de planejamento da

coordenadora Mariana (nome fictício) e quatro professoras de escolas

multisseriadas, localizadas na zona rural do município de Boa Vista do Tupim/BA.

Esse encontro de planejamento é semanal e reúne as professoras, coordenadas por

Mariana, que atuam em escolas isoladas multisseriadas (1º ao 5º ano). As

professoras vão até a Secretaria de Educação para participar do planejamento e são

substituídas por professoras estagiárias nas salas de aula.

A coordenadora começa o encontro lendo o texto “Espírito Aberto”, de

Martha Medeiros. É um texto divertido e as professoras adoram.

Depois da leitura, ela pergunta se as professoras trouxeram os materiais.

Trouxeram os planos de ensino? O que vocês trouxeram de materiais?

Antes de mostrarem os materiais, uma professora pergunta se o grupo não

quer assinar a revista Mundo Jovem, pois acha interessante e gostaria de receber

em sua casa. Todas aprovam a ideia e analisam a forma mais rápida de

operacionalizar a assinatura.

A coordenadora pede que pensem nas atividades que irão propor na

semana seguinte, considerando os saberes de seus alunos, especialmente lançando

mão do critério: alunos com escritas alfabéticas e não alfabéticas, sem considerar as

séries. O critério que as professoras consideram, enquanto planejam, é a

possibilidade de seus alunos atribuírem valor sonoro convencional às letras ou não.

As professoras são da zona rural, o que pode nos levar à falsa ideia de que

estão distantes de materiais recentes. Ledo engano. Elas parecem muito

atualizadas. Quando abrem suas sacolas, tiram muitos materiais interessantes:

fábulas de Lima Barreto, contos populares de Câmara Cascudo e também textos

que encontram nas pesquisas que fazem nos livros que recebem do MEC. Elas

também têm repertório literário próprio, falam em vários autores que têm lido para os

alunos: Ziraldo, poemas do Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Clarice Lispector,

Adriana Falcão, entre outros.

As professoras planejaram uma atividade de leitura de lista de títulos de

histórias e, para este planejamento, a coordenadora discutiu uma série de condições

didáticas: para descobrir onde está escrito cada título, que conhecimentos sobre o

sistema de escrita as crianças precisam ter? As crianças com escrita silábica com

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valor sonoro convencional terão desafios? Com quais títulos?

As professoras planejaram uma atividade de leitura com os seguintes títulos:

A bela e a fera

A bela adormecida

Os três porquinhos

A pequena sereia

O gato de botas

A coordenadora perguntou qual lista poderia propor mais desafios para os

alunos: a que elas pensaram ou a relacionada abaixo:

O pequeno príncipe

O pequeno polegar

O príncipe sapo

O gato de botas

O grupo discutiu qual das duas listas poderia propor mais desafios,

considerando os saberes atuais de cada um no grupo. Concluíram que a segunda

lista é mais desafiadora porque todos os títulos têm a mesma letra inicial, o que

levaria as crianças a investigar a segunda palavra. A segunda palavra de três títulos

também inicia com a mesma letra, o que também provocaria um novo desafio e as

convocaria a investigar o meio das palavras.

Elas discutiram como uma criança com escrita silábica com valor sonoro

convencional faria a leitura. Depois discutiram como uma criança com escrita pré-

silábica poderia participar dessa atividade no mesmo momento. Por fim, decidiram

que agrupariam as crianças com escrita pré-silábica com as crianças com escrita

silábica com valor sonoro convencional.

Uma professora disse que achava que seus alunos iriam ler qualquer uma

das listas com facilidade e a coordenadora então intervém e diz que ela precisa

atualizar as sondagens, pois essa observação revela que eles já devem ter novas

hipóteses de escrita. A professora diz que eles leriam qualquer uma das listas

propostas com facilidade, mas que, na hora de escrever, seria um pouco mais difícil.

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A coordenadora pediu que ela fizesse mais atividades de escrita e que, na semana

seguinte, iria avaliá-las e fariam um novo mapeamento das escritas, uma nova

avaliação.

Depois planejaram também uma atividade envolvendo tirinhas (quadrinhos).

Elas viram que o Maurício de Souza publicou histórias em quadrinhos com

personagens do futebol: Neymar, Ganso, Robinho, e gostariam de já utilizá-las em

sala de aula. Conversaram sobre a possibilidade de viabilizar a compra das revistas.

O próximo assunto da pauta do planejamento foi a sequência de poesias

que estão desenvolvendo. A coordenadora pergunta quais poetas estão lendo na

semana em curso. Uma professora disse que estava lendo Cecília Meirelles, outra,

Manuel Bandeira. Uma professora perguntou se poderia ler um poeta de Itaberaba

(cidade próxima de Boa Vista de Tupim) e a coordenadora retomou um combinado

que haviam feito de escolher dois poetas para aprofundar mais o conhecimento

sobre a obra deles. Lembrou a importância de ler antes os poemas, preparar a

leitura, cuidar da entonação e apresentá-los ao grupo, comentando sobre a vida do

poeta e alguma curiosidade dos textos lidos, se houver. Ela chama a atenção que,

se começarem a ler vários poetas, corre-se o risco de não prepararem corretamente

a leitura.

A coordenadora anuncia que farão um encontro mensal de formação a mais.

São encontros extras para atender um grupo de professores de escolas que não têm

tido um resultado muito bom. No primeiro semestre, o conteúdo dos encontros

extras será “leitura pelo aluno” e o outro conteúdo será “leitura com autonomia”.

Sobre o conteúdo leitura com autonomia, a coordenadora chama a atenção

para os diagnósticos que ela analisou e nos quais observou que as crianças ainda

têm muitas dificuldades. Ela chama atenção para a estratégia usada pelas

professoras: entrega-se o texto para as crianças e espera-se que elas façam

sozinhas. Uma professora diz que, se não está dando resultado, então alguma coisa

está errada, avalia que a estratégia não está boa, parece que o propósito é um e a

estratégia é outra. Os textos lidos são sobre os animais que estão em extinção na

Chapada, no entanto não há materiais suficientes, então é preciso pensar em outras

estratégias e materiais. Mariana pede cuidado para não levarem textos que não têm

relação com o conteúdo estudado. Ela aproveita e distribui um texto retirado da

revista Ciência Hoje sobre os animais em extinção. Distribui também texto retirado

de um material do MEC/SAEB sobre a importância de atividades coletivas antes de

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serem feitas individualmente.

As professoras se despedem e saem do encontro com várias atividades

planejadas, textos para serem lidos e uma delas com a tarefa de realizar um novo

mapeamento do estado atual das escritas de seus alunos.

A diretora me mostrou a escola – as salas de aula – e me contou sobre as

sessões simultâneas de leitura que começaram naquele dia. As crianças fizeram as

inscrições no dia de minha visita e, dali a dois dias, começariam as leituras. As

professoras fizeram as resenhas dos livros e colocaram nos cartazes – depois as

crianças se inscreveram nas histórias que lhes pareceram mais interessantes de

serem lidas.

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APÊNDICE C – Relato de Observação 3 – Sessões simultâneas de

leitura

Foto 6 – Cartazes das sessões simultâneas de leitura – Escola Cora Ribeiro

Foto: Beatriz Gouveia

No dia 17 de abril de 2012, observei também uma situação de leitura de

resenhas na Escola Cora Ribeiro. Explico: No intervalo, depois de terem tomado o

lanche, as crianças de diferentes séries do Ensino Fundamental I se dirigiram ao

corredor central da escola, onde estavam afixados cartazes com imagens de capas

de livros e, ao lado, a resenha da história. (Foto 6) Embaixo de cada cartaz havia um

papel com várias linhas dispostas como lista para que as crianças se inscrevessem

em uma das histórias. Dali a dois dias, haveria na escola sessões simultâneas de

leitura e as crianças deveriam escolher a história que gostariam de ouvir, a partir das

resenhas apresentadas.

As sessões simultâneas de leitura é uma prática que envolve toda a escola.

As professoras escolhem alguns livros, escrevem resenhas ou utilizam alguma já

escrita em catálogos ou jornais, e fixam os cartazes com a imagem da capa, o título

destacado e a resenha para as crianças escolherem uma delas. As crianças

inscrevem seus nomes nas listas correspondentes a cada título e então, no dia

marcado, geralmente quatro ou cinco dias depois da exposição dos cartazes, as

professoras leem as histórias. Portanto, em cada sala, há a leitura de um dos títulos

para as crianças que se inscreveram, independente da série em que estão. Além

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dos comportamentos leitores envolvidos nessa situação, como a necessidade da

leitura das resenhas literárias, dos critérios que lançam mão para escolher a história,

das comparações que estabelecem entre elas, é também um ótimo momento de

integração entre as crianças de diferentes séries.

Foi muito interessante observá-las porque, para escolher uma, precisavam

ler todas as resenhas e leram com muita empolgação. Duas meninas,

aparentemente muito amigas, leram todas as resenhas e, em seguida, negociavam

em qual iriam se inscrever, porque queriam ficar juntas, mas haviam gostado de

histórias diferentes. Uma tentou convencer a amiga de que a história que havia

escolhido era melhor do que a da outra, utilizando trechos da resenha: “mas aqui

está dizendo que esta história da Chapeuzinho tem um final muito surpreendente”.

No final, elas preferiram se separar nesta atividade, pois ambas pareciam convictas

das histórias que queriam ouvir.

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APÊNDICE D – Relato de Observação 4 – Sala de aula

Foto 7 – Sala de aula – 1º ano da Escola Cora Ribeiro

Foto: Beatriz Gouveia

No dia 17 de abril de 2012, observei duas atividades com os alunos da sala

do 1º ano da Escola Cora Ribeiro: uma de leitura e outra de matemática Quando

entrei na sala, eles estavam sentados em roda no chão, terminando a leitura de

poemas do livro A Arca de Noé, de Vinícius de Moraes. A professora organiza as

crianças em duplas. Ela havia planejado quais seriam as duplas, considerando os

saberes das crianças. Ela mostra para mim o planejamento em que as duplas estão

registradas. A professora vai organizando as carteiras para uma ficar ao lado da

outra. Em seguida as crianças sentam nas cadeiras, já ao lado de seu par. Então, a

professora pede para uma criança (que tem uma escrita pré-silábica) distribuir as

tarjetas com os nomes para cada um. A criança distribui e quando tem dúvida

pergunta para um colega. A atividade distribuída consistia em uma lista de nomes da

classe na qual as crianças tinham de sublinhar os nomes que seriam ditados pela

professora. No entanto, algumas duplas receberam a atividade com um desafio

diferente das outras: precisavam procurar alguns nomes em uma lista bem maior do

que foi proposto para outras duplas. Este ajuste do desafio revela o respeito pelas

necessidades de aprendizagem das crianças e considera os saberes atuais de cada

uma. Revela também a concepção de que as crianças aprendem à medida que

enfrentam desafios, mobilizando recursos intelectuais que dispõem para tentar

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solucioná-los. A professora inicia dizendo a consigna: “vou falar alguns nomes e

vocês irão procurar na lista. Quando encontrarem, podem marcar”. Depois ela

anuncia quais nomes estão presentes na lista, no entanto, ela anuncia sem mostrar

onde estão escritos, a intenção é que as crianças procurem em suas listas. Ela pede

que procurem o primeiro nome: Mizael.

Os saberes e ações das crianças são diversos, alguns prontamente

encontram o nome, outros observam o colega ao lado procurar, outros falam os sons

que conhecem enquanto procuram (por exemplo, ficam falando em voz alta a

primeira sílaba do nome: mi, mi, mi), um fala em voz alta: “começa com M” e assim

caminha a atividade. Depois de encontrarem o primeiro nome, ela dita outro e assim

por diante. Era notável a familiaridade dos alunos com a proposta e com o trabalho

em duplas. Eles conversavam, negociavam a escolha e ouviam as justificativas dos

colegas: “é esse aqui, porque Mizael começa com o mi da Micaela”.

Assim que acabou a atividade, a professora olhou para mim e disse: “Meu

grupo avançou, algumas crianças conseguiram participar muito melhor hoje. Estou

bem feliz”. Na sequência ela muda o mobiliário da sala novamente, porque a

próxima atividade seria em grupos de 4 crianças e não mais em duplas. Vale

observar que, em uma hora de aula, era a terceira mudança que fazia, em função da

proposta da atividade: em roda, em duplas, em grupos de 4 crianças. Ela propõe um

jogo de matemática com uso de tampinhas. Pedi para observar porque queria saber

se o conhecimento das crianças em matemática também estava tão ajustado ao que

se espera para o 1º ano, como em leitura e escrita. A atividade consistia em

acrescentar R$ 10,00 para cada preço correspondente a um item em uma lista, por

exemplo:

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PRODUTO PREÇO ANTIGO PREÇO NOVO

BOLA DE FUTEBOL R$ 2,00 R$

CAMISA OFICIAL R$ 4,00 R$

MEIÃO R$ 6,00 R$

CANELEIRA R$ 1,00 R$

LUVA DE GOLEIRO R$ 7,00 R$

ÓCULOS DE NATAÇÃO R$ 3,00 R$

CHUTEIRA DE CAMPO R$ 13,00 R$

A professora colocou tampinhas de garrafas pet em cima de cada mesa e

deu um exemplo com o primeiro item da tabela. Depois que ela mostrou o que

deveriam fazer na atividade, autorizou que os grupos iniciassem a partir do 2º item

da tabela. As crianças começaram a contar as tampinhas, mas sem correspondência

com a proposta da atividade, isto é, recitavam os números tentando fazer

correspondência um a um com as tampinhas. No entanto, o que pude observar é

que algumas crianças não sabiam contar até dez e a maioria não sabia contar até

vinte. Pude notar também que não conseguiam fazer a correspondência da

contagem com as tampinhas. Quando começavam a contar, faziam a

correspondência, no meio da contagem separavam duas tampinhas e contavam

apenas uma. Ou seja, aparentemente, ainda não recitam os números até 20, alguns

não recitam até 10 e a maioria não faz correspondência termo a termo. Perguntei

para algumas crianças como eram os nomes de alguns números e apenas duas

crianças conseguiram nomear o número 13. Os outros conseguiram nomear até 10.

As crianças não conseguiam realizar essa atividade nos grupos: algumas ficaram

contando as tampinhas e outras apenas observando. A única forma de fazerem era

com o apoio total da professora, quer dizer, ela fazendo a contagem, e

compartilhando a estratégia da soma. Às crianças, coube a observação.

Vale destacar que a professora foi muito delicada, educada e respeitosa na

forma com que se dirigia às crianças.

Observei a duas atividades, uma seguida da outra, na mesma classe. A

primeira foi um primor. De fato, a atividade foi bem planejada, os desafios estavam

ajustados às necessidades de aprendizagem das crianças, os agrupamentos foram

pensados de forma criteriosa (considerando os saberes e os perfis dos alunos), as

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intervenções foram realizadas para problematizar as questões, a professora

ofereceu as informações necessárias para as crianças participarem com mais

autonomia. Lamentei ter filmado, pois toda a atividade foi bem planejada e

conduzida, e poderia se tornar um ótimo modelo e um bom material de tematização

da prática. No entanto, em seguida, observo a atividade de matemática na mesma

classe e o que vejo é outro cenário. Uma proposta que parece desconhecer os

saberes reais que as crianças apresentam em relação aos números e ao sistema

numérico. Fiquei pensando se, quando escolheu essa atividade, a professora não

teve dúvidas se os alunos conseguiriam participar com o mínimo de autonomia, se o

desafio estava ajustado às necessidades de aprendizagem das crianças. O

desenrolar da atividade já foi descrito e revelou que elas não tinham condições de

realizá-la sozinhas, havia um descompasso entre o desafio e os conhecimentos

disponíveis. Seria preciso investir primeiro no conhecimento delas sobre a recitação

numérica, leitura numérica, jogos que envolvam contagens correspondência termo a

termo, para depois propor números com vírgulas e somas para números que ainda

não sabem ler.

Perguntei para a professora se ela havia planejado sozinha e ela disse que

pegou esta atividade de um livro didático do acervo da escola (as crianças não têm o

livro), mas que sabia muito pouco sobre o ensino da matemática.

Pois bem, o que aconteceu naquela sala pode ser revelador de alguns

aspectos e instaura um campo de discussão que a mim parece tão interessante

quanto complexo. O Projeto Chapada, em parceria com o município de Boa Vista do

Tupim, vem, há praticamente 10 anos, investindo na formação de todos os atores

envolvidos na rede (formador, coordenador, professor, aluno), tendo como eixo o

conhecimento didático da alfabetização. Esse investimento tem incidido no resultado

da qualidade da aprendizagem dos alunos, isto é, com o tempo e a formação focada

nos conteúdos da alfabetização, os professores conseguiram transformar as

condições didáticas, modificando o ensino para que as crianças pudessem aprender

com melhor qualidade. É notável como as professoras parecem saber o que devem

fazer em sala para formar alunos leitores e escritores mais proficientes. Porém, se,

por um lado, há esse investimento maciço em todos os atores envolvidos para

melhorar os resultados na aprendizagem dos alunos em leitura e escrita, não

observamos avanços nas outras áreas de conhecimento. Salvo a leitura, que é muito

utilizada como recurso para o estudo de outros conteúdos, as outras áreas

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caminham sem resultados importantes. O fato é que a prática dos professores

mudou depois que compreenderam as bases conceituais do processo de

alfabetização, que compreenderam a perspectiva epistemológica que baliza a

psicogênese da língua escrita, que entenderam que para os alunos compreenderem

o funcionamento do sistema de escrita, e se tornarem bons leitores, era preciso criar

condições didáticas favoráveis à reflexão sobre a escrita e que participassem de

boas práticas sociais da leitura e da escrita.

Não pretendo aqui aprofundar estas questões, porque não é o foco deste

estudo, porém, penso que é importante mencioná-los para compreendermos o

processo de formação local e para fomentar a discussão do que é possível

generalizar e do que não é, quando se estabelece o foco na formação. De modo

impressionista, podemos dizer que, se entendemos que o conhecimento didático é

um eixo fundamental na formação, para que os professores e coordenadores

aprofundem seus conhecimentos das diferentes áreas, é preciso organizar projetos

de formação que foquem nos conteúdos de cada uma delas. Para transformar o

ensino, é preciso considerar as relações que são construídas entre o professor, o

aluno e o objeto de conhecimento. Destaca-se a importância de conhecer o objeto

de ensino e a natureza das práticas sociais de leitura e escrita, para poder pensar

em boas condições didáticas, considerando o processo de aprendizagem dos

alunos.

Parece que a professora observada apropriou-se do fato de que, para

organizar duplas e pequenos grupos que sejam produtivos, do ponto de vista da

aprendizagem, é preciso considerar os saberes e o desafio proposto, isto é, para

alguns desafios, é interessante agrupar crianças com saberes bem distintos e, para

outros, é melhor agrupar alunos com saberes próximos. Para aprender, as crianças

precisam de desafios, e pode-se considerar um desafio quando as situações de

aprendizagem exigem ações inteligentes dos alunos, situações que os façam

pensar, que provoquem uma reorganização dos seus conhecimentos prévios para

modificá-los gradativamente. Também podemos notar o cuidado da professora em

aproximar a versão social do conhecimento, no caso, a prática social de leitura, para

dentro da escola. No entanto, esses pressupostos teóricos parecem bem

engendrados apenas quando se trata da leitura e escrita. Em matemática, a

professora parece não conhecer, de fato, o que seus alunos conhecem sobre os

números e, portanto, propõe uma atividade que não dialoga com as necessidades

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de aprendizagem do grupo. Não houve uma transferência do que ela construiu em

relação à leitura e escrita para a matemática. Há uma preocupação, na rede em

geral, com o ensino da matemática. Para todos que perguntei se estavam

planejando uma formação específica para a área, eles responderam que sim e que

precisava ser urgente.

Parece que o conhecimento didático é um dos responsáveis principais pela

transformação das práticas nas escolas. Durante quase dez anos, houve um

mergulho no conhecimento didático em alfabetização e todos os atores envolvidos

na formação se comprometeram em compreender melhor o objeto de ensino, as

condições didáticas e os processos de aprendizagem dos alunos. Os resultados

foram significativos. Mas, se, para tanto, o conhecimento didático em alfabetização

se tornou o grande foco da formação, os conteúdos das outras áreas de

conhecimento continuaram a ser propostos como sempre foram, isto é, uma

atividade emprestada de um livro didático, outra que uma colega sugeriu, porém

sem os mesmos requisitos conceituais de que lançavam mão quando se tratava da

leitura e escrita. Uma conclusão possível, ainda a título de contextualização, é que,

se não mergulharem no conhecimento didático da matemática, não haverá uma

mudança qualitativa nas práticas de ensino e aprendizagem. É preciso compreender

o objeto de ensino (seja o número, sistema de numeração, cálculo mental, etc.),

compreender o processo de aprendizagem dos alunos, para então definir as boas

condições didáticas para incidir na aprendizagem de todos.

Já há um movimento na rede para iniciarem a formação em matemática e

também nas outras áreas. A equipe técnica da Secretaria está à procura de

assessoria, pois todos precisam compreender melhor os conteúdos da área. Todos

com quem conversei sobre o ensino da matemática (professoras, coordenadoras,

formadoras e coordenadora executiva do Projeto Chapada), concordam com a

necessidade urgente da formação.

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9. ANEXOS - Notícias de jornais sobre Boa Vista do Tupim

ANEXO A – Tribuna da Bahia

Cidade Escola tem o maior IDEB na Bahia Publicada em 17/07/2010

O município de Boa Vista do Tupim a 318 km de Salvador, localizado na

região da Chapada Diamantina, alcançou o melhor Índice de Educação Básica

(IDEB) do Estado da Bahia, com uma média de 5,8 na 4ª série do ensino

fundamental. A avaliação é realizada a cada dois anos pelo Ministério da Educação

através do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O Ministério aplica aos

alunos das escolas municipais uma prova com assuntos de língua Portuguesa e

Matemática.

Esta é a segunda avaliação do IDEB que reconhece Boa Vista do Tupim

como a melhor educação da Bahia. Em 2007 o município atingiu o primeiro lugar

com a média de 4.8. Para o prefeito Hiran Campos, o município está fazendo a sua

parte para garantir uma educação de qualidade.

Os avanços obtidos pelo município se deve ao processo de formação

continuada para os professores das escolas municipais realizada através da

Prefeitura Municipal em parceria com o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa

(ICEP). Para o Secretário de Educação da Prefeitura, Vespasiano Pimentel de Sá,

“esse crescimento educacional é resultado das oficinas pedagógicas, dos

acompanhamentos e da tematização da prática realizada entre o coordenador da

escola e os professores”.

REGISTRO - O gestor afirma que os coordenadores de todas as escolas

passaram a registrar em formato digital (vídeo) as aulas dos professores, e a partir

de então, apontar as falhas e as qualidades no ensino. “O coordenador vai à sala de

aula, munido de uma câmera de vídeo e registra a atuação do professor. Depois

juntos, discutem o que deve ser aproveitado e o que deve ser melhorado nas aulas.

Essas gravações sempre são autorizadas pelos pais dos alunos e por cada

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professor”, garante Vespasiano. Essa alternativa está dando resultado.

Dentre as 10 melhores escolas nordestinas, em relação ao IDEB 2009, duas

estão localizadas em Boa Vista do Tupim. São elas: Escola Abraham Lincoln (6.5) e

a Escola Cora Ribeiro (6.5) na sede. Tem ainda destaque o Centro Educação de

Terra Boa, localizado na zona rural onde alcançou o IDEB de 5.3. O secretário de

Educação atribui os resultados obtidos, ou seja, o primeiro lugar nos dois últimos

IDEB, ao comprometimento de todos os professores, coordenadores pedagógicos,

diretores, equipe técnica da Secretaria de Educação que muito tem se esforçado

para oferecer aos alunos matriculados na rede municipal de ensino uma educação

de qualidade.

O município tem oito programas que são desenvolvidos nos diversos

segmentos da educação. São 5.400 alunos na rede municipal distribuídos em 45

escolas e cerca de 300 professores, 17 coordenadores pedagógicos, três

coordenadores gerais, e um formador de gestor educacional. A equipe conta com

cinco veículos e seis motociclistas apenas para o acompanhamento e planejamento

pedagógico.

São realizados quatro diagnósticos por ano para verificar como está o aluno

em todo seu processo educacional. Os alunos em defasagem recebem aulas de

reforço, com ênfase na escrita (construção da base alfabética) e produção de texto

assim como raciocínio lógico (matemática).

Esses resultados obtidos em primeiro lugar no IDEB (4ª série) em 2007 com

a média de 4.8 e repetido em 2009 com a média de 5.8 (inclusive, a maior média de

todos os estados brasileiros é Paraná com 5.7) é um processo que ao longo de 10

anos na gestão do ex-prefeito Helder Campos e na atual gestão do prefeito Hiran

Campos Nascimento vem dando total atenção no sentido de viabilizar investimentos

seja na estrutura física, através de ampliação, construção e adequação das escolas,

assim como implantação de laboratórios de informática, aquisição de transporte

escolar (com oito ônibus) o que facilita o translado dos alunos de suas residências

às escolas oferecendo maior conforto e segurança, garantindo assim o direito do

aluno ser transportado dignamente.

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ANEXO B – IG Educação

BOA VISTA DO TUPIM MOSTRA COMO ALCANÇAR O ENSINO DE QUALIDADE

As lições são simples: investimento nos professores e atenção

individualizada aos alunos

Fonte: iG Educação

Publicada em 25/08/2010

Os rostos animados dos alunos nas salas de aula da Escola Cora Ribeiro,

localizada no bairro mais pobre de Boa Vista do Tupim, não estão relacionados a

nenhum evento especial no colégio. Não vai ter festa ou passeio no município

baiano localizado a 330 quilômetros da capital Salvador. Os alunos terão aulas

normais. Quatro horas. Terão de ler, fazer tarefa, escrever, aprender. Para eles,

nada disso é sacrifício. É privilégio. Em pouco tempo, o município deu um salto

positivo na nota que mede a qualidade do ensino.

A escola não tem parquinho, nem para laboratório de ciências ou de

informática. As carteiras e as mesas não estão novas, mas nada disso impede que

as salas de aulas sejam aconchegantes e que os professores tenham vontade e

compromisso em ensinar cada aluno.

Trabalhos das crianças e livros enfeitam as paredes coloridas das salas,

com cerca de 15 a 30 alunos. Em todas, há um tapete no canto, cheio de almofadas,

onde fica o cantinho da leitura. Os livros são pendurados em um varal, que faz as

vezes de estante. Quando as crianças terminam de ler as obras, trocam por outras

na biblioteca itinerante, um carrinho de mão com o acervo do colégio.

Além de circular nas salas de aula, a biblioteca ambulante também percorre

as ruas da comunidade, onde muitas crianças leem para os adultos. ''Os pais não

dão conta de ensinar os filhos. Então, quando eles precisam de ajuda, a gente

organiza termos de compromisso com os pais. Eles mandam o filho para a escola no

horário contrário ao das aulas, para o reforço'', conta Clebiana Nascimento Leite,

coordenadora pedagógica.

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Lá, não há evasão das crianças. ''A gente vai à casa delas com o Conselho

Tutelar, se for preciso'', garante Clebiana. A professora Nilza Silva dos Santos

acredita que a atenção individual dada aos alunos é um dos segredos do sucesso.

''Dá mais trabalho. Mas as atividades diferenciadas para cada um e o incentivo à

leitura são importantes para eles aprenderem. Eles não acham cansativo ler'',

analisa.

O iG percorreu, no início do mês, mais de 1.000 quilômetros pela Bahia,

Estado que amarga algumas das notas mais baixas do Brasil no índice que mede a

qualidade da educação brasileira para saber quais são as variáveis que influenciam

o sucesso ou o fracasso de estudantes, escolas e municípios e não aparecem nas

estatísticas. Depois de mostrar as dificuldades enfrentadas pelos municípios que

têm as piores notas do País são pobres, não oferecem biblioteca, espaços culturais,

atividades esportivas ou de lazer - o iG mostra nesta quarta-feira as soluções

encontradas por Boa Vista do Tupim.

Mudanças de hábitos

Lá, a leitura se tornou obsessão desde 2007, quando o Ministério da

Educação fez a primeira divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (Ideb). Criado para avaliar a educação da rede pública, o índice combina as

notas de português e matemática dos alunos da 4ª e da 8ª séries do ensino

fundamental na Prova Brasil e a taxa de aprovação.

O primeiro cálculo apresentado pelo MEC foi retroativo. Mostrou as notas

das escolas, municípios e Estados em 2005, com base nas provas e nos dados

daquele ano. Boa Vista do Tupim ficou entre os piores do País, com nota 2,2 na 4ª

série e 2,3 na 8ª. Professores e gestores recordam que a média chocou a todos.

Eles não sabiam que ensinavam mal.

A partir daí, o município adotou estratégias para mudar a realidade

educacional das escolas. Em 2009, chegaram próximos da excelência esperada

pelo MEC para 2022 para a rede nacional. Nessa data, a expectativa é que as

escolas tenham nota 6,00, considerada o desempenho de países desenvolvidos.

Boa Vista do Tupim teve nota 5,8 na 4ª série. Na 8ª, o desafio ainda é maior. A nota

foi 3,1.

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As Escolas Cora Ribeiro e Abraham Lincoln superaram todas as

expectativas e alcançaram nota 6,5. ''Todos têm de estar comprometidos e, se não

dermos subsídio aos professores, não adianta. Não podemos responsabilizar

apenas o professor pelo fracasso do aluno. Existe uma parceria entre o docente, o

coordenador e a secretaria'', afirma o secretário Vespasiano Delezott Pimentel de

Sá.

A primeira atitude para mudar a educação do local foi investir nos

professores. Quem não tinha graduação foi estimulado a fazer. Dos 340 docentes do

quadro, 80% possuem diploma ou estão concluindo o ensino superior. Depois,

procuraram parceiros para ajudá-los a criar programas que atualizassem

conhecimentos e práticas pedagógicas dos profissionais.

Os supervisores, diretores e o próprio secretário têm de fazer cursos de

capacitação. Em cadeia, os supervisores treinam os coordenadores pedagógicos,

que depois repassam a formação aos professores. Os encontros com os docentes

são semanais, no turno oposto ao das aulas, dentro do período de trabalho deles.

O segundo ponto é dar atenção individual aos alunos. A cada mês, os

professores fazem um diagnóstico de cada um para verificar a aprendizagem em

leitura, escrita e matemática. A professora faz, por exemplo, ditados individuais com

as crianças e observa as dificuldades delas na hora em que aplicam os testes.

Depois, discute como saná-las com os coordenadores pedagógicos. O iG

acompanhou uma prática com a aluna Michelly Amorim de Jesus, aluna do 1º ano.

Para Adalberto Mário Bispo dos Santos, 8 anos, estudar é prazeroso. Ele

adora a escola e os professores. A mãe, que só concluiu até a 4ª série, o ajuda a

perceber que estudar é fundamental. Compra livros para ele quando pode. Lia

histórias quando ele era pequeno. Os livros que possui, guarda no guarda-roupa.

Mesmo sem espaço adequado para estudar, ele garante: ''Só tiro nota 10''.

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Mais desafios

O município de 18 mil habitantes possui muitos desafios ainda. Ao todo, 3.013

famílias sobrevivem do Bolsa Família. A prefeitura é a grande empregadora. Faltam

quadras de esporte, atividades de cultura e lazer e a biblioteca municipal precisa

melhorar. As escolas também precisam de reformas e mais espaço.

Mas Elielma Oliveira, coordenadora pedagógica, resume o sentimento de

quem cuida da educação local. ''As coisas mudaram quando todos passaram a

avaliar o próprio trabalho. Queremos mais. E vamos usando com criatividade o que

temos em mãos'', diz.