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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP DUGLAS WEKERLIN FILHO COMPLEXIDADE, APRENDIZAGEM E MEDO: BASES BIOLÓGICAS DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS E A PROBLEMÁTICA EDUCACIONAL DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

DUGLAS WEKERLIN FILHO

COMPLEXIDADE, APRENDIZAGEM E MEDO: BASES BIOLÓGICAS DAS

EMOÇÕES E SENTIMENTOS E A PROBLEMÁTICA EDUCACIONAL

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO

2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

DUGLAS WEKERLIN FILHO

COMPLEXIDADE, APRENDIZAGEM E MEDO: BASES BIOLÓGICAS DAS

EMOÇÕES E SENTIMENTOS E A PROBLEMÁTICA EDUCACIONAL

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

Tese apresentada à Banca Examinadora daPontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, como exigência parcial paraobtenção do Título de Doutor em Educaçãosob a orientação da Profª Doutora MariaCândida Moraes.

SÃO PAULO

2007

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

À minha mãe, que sempre me deu carinho, afeto e amor, e sem aqual eu nada seria, pois sempre me acolheu nos momentos maisdifíceis de minha vida.

Ao meu amigo Rodnei Moares Marietto, pelo cuidado dispensado amim nos momentos diários de nossas vidas.

À minha Profª Lúcia Izabel Czerwonka Sermann, que me iniciou nomundo da simplicidade, do carinho e da indignação permanente emrelação à educação.

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AGRADECIMENTOS

À minha amiga Gilvânia Bertolini, que não me deixou sentir fraconos momentos em que minhas forças diminuíam.

À minha orientadora, Maria Cândida Moraes, pela paciência, peladedicação, pela solicitude e pelo cuidado.

Ao Prof. Joaquim Gilberto de Oliveira, pela amizade e compreensãono momento da minha formação.

À Universidade São Francisco, pelo respeito e pelo apoio à minhaformação.

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RESUMO

WEKERLIN FILHO, Duglas. Complexidade, aprendizagem e medo: basesbiológicas das emoções e sentimentos e a problemática educacional. Programa dePós-Graduação em Educação: Currículo. 2007. 135p. Tese de doutorado. PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007.

Este trabalho tem como objetivo produzir um referencial teórico atualizado dasbases biológicas das emoções, dos sentimentos e do medo, para que possam sermais bem compreendidas as questões relacionadas à violência nos ambientesescolares, permitindo propor recomendações para que a violência seja menosfreqüente e atinja menos pessoas que convivem nesses ambientes. O trabalho trazdados relacionados às diferentes formas de violência que ocorrem nas escolaspúblicas e particulares da educação básica e um caso na educação universitária,bem como as conseqüências dessa violência em relação à saúde mental dosprofessores. Para levantamento dos dados foi realizada uma pesquisa deobservação direta, na forma de entrevista, bem como uma pesquisa bibliográficasobre complexidade, diálogo, organização, sistemas, emergências, emoções,sentimentos, medo e violência escolar. Para a complementação das informaçõesobtidas, foi realizada uma pesquisa documental a partir de quatro programasveiculados pela Rádio B-SP sobre a violência escolar em escolas de São Paulo edo Rio de Janeiro. Este trabalho contribui para um melhor encaminhamento ecompreensão das questões conflituosas ocorrentes nas mediações deaprendizagem, para que possam ser trabalhadas nos diferentes ambientesescolares e para que as pessoas que neles convivem sintam-se mais bemacolhidas e cuidadas. Propõe também condições para o desenvolvimento de suaspotencialidades como seres humanos, eternamente aprendentes.

Palavras-chave: emoção; medo; sentimento; complexidade; transdisciplinaridade eviolência escolar.

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ABSTRACT

WEKERLIN FILHO, Duglas. Complexity, learning and fear: biological bases ofemotions and feelings and the educational problematic. Program for Post-Graduationin Education: Curriculum. 2007. 135p. Doctoral Thesis. Pontifícia Universidade Católicade São Paulo. São Paulo, 2007.

This work aims to produce an updated theoretical reference of the biological basesof emotions, feelings and fear so that the issues related to violence in schoolenvironments can be better understood, allowing the proposal of recommendationsin order to make violence become less frequent and reach less those living in theseenvironments. This work brings data related to different forms of violence that occurin public and private schools of basic education and college education in one case,as well as data related to the consequences of such violence on the mental healthof teachers. In order to collect the data, a direct observation research wasconducted in the form of the interview of a teacher who has been working in thefield of University Education for 37 years. Besides, a bibliographic research wasdone about complexity, dialogue, organization, systems, emergencies, emotions,feelings, fears and school violence. Aiming to complement the research, adocumental research was conducted based on four programs presented by RadioB-SP about school violence at schools in Sao Paulo and Rio de Janeiro. This workgives a social contribution in the sense that conflicting issues in the mediation oflearning can be approached in different school environments and that people wholive in them can feel welcomed, can develop their potential as human beings andcan learn more and better.

Keywords: emotion; fear; feeling; complexity; transdisciplinarity and school violence.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

1.1 ORIGEM DO PROBLEMA ..................................................................................... 9

1.2 QUESTÃO DA PESQUISA .................................................................................... 13

1.3 OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 13

1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................. 13

1.5 DELIMITAÇÕES..................................................................................................... 14

1.6 RELEVÂNCIA CIENTÍFICA E SOCIAL .................................................................. 15

1.7 ABORDAGEM METODOLÓGICA.......................................................................... 16

1.7.1 Pesquisa Qualitativa............................................................................................. 16

1.7.2 Procedimentos Metodológicos e Técnicas de Produção dos Dados para a

Realização do Estudo .......................................................................................... 18

1.8 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................ 21

2 REFERENCIAIS TEÓRICOS ................................................................................... 23

2.1 COMPLEXIDADE................................................................................................... 23

2.1.1 O Diálogo ............................................................................................................. 27

2.1.2 Organização ......................................................................................................... 30

2.1.3 Sistemas............................................................................................................... 34

2.1.4 Emergência .......................................................................................................... 39

2.2 EMOÇÃO E SENTIMENTO SEGUNDO DAMÁSIO (1996, 2000, 2004) ............... 43

2.2.1 Emoção ................................................................................................................ 44

2.2.1.1 Emoções de fundo............................................................................................ 46

2.2.1.2 Emoções primárias (básicas)............................................................................ 48

2.2.1.3 Emoções sociais (secundárias) ........................................................................ 49

2.2.2 Sentimentos ......................................................................................................... 50

2.2.2.1 Variedade de sentimentos ................................................................................ 57

2.2.2.2 Da emoção ao sentimento consciente.............................................................. 60

2.2.2.3 Para que servem os sentimentos? ................................................................... 62

2.2.2.4 Sentimentos e educação .................................................................................. 66

2.3 MEDO..................................................................................................................... 67

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2.3.1 Condicionamento do Medo (LEDOUX, 2001) ...................................................... 71

2.3.2 Condicionamento pelo Medo Contextual (LEDOUX, 2001) ................................. 75

2.3.3 A Memória do Medo pode ser Apagada do Cérebro?.......................................... 76

2.3.4 Para Finalizar ....................................................................................................... 79

2.4 VIOLÊNCIA ESCOLAR .......................................................................................... 81

2.5 PRINCÍPIOS INTERDISCIPLINAR E TRANSDISCIPLINAR ................................. 87

2.5.1 Interdisciplinaridade ............................................................................................. 88

2.5.2 Transdisciplinaridade ........................................................................................... 92

3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................... 102

3.1 DA ENTREVISTA................................................................................................... 102

3.2 DA PESQUISA DOCUMENTAL REFERENTE AOS PROGRAMAS

APRESENTADOS PELA RÁDIO B-SP E SOBRE OS TEXTOS SOBRE

VIOLÊNCIA ESCOLAR .......................................................................................... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 121

RECOMENDAÇÕES ...................................................................................................... 124

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 128

APÊNDICE 1 - ENTREVISTA COM O PROF. Y............................................................ 135

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente temos presenciado cenas relacionadas à educação que

deixam os educadores extremamente preocupados. Muitos são os casos de

agressão física e moral nas escolas, e isso acaba por gerar um desconforto nas

pessoas que freqüentam os ambientes educacionais, uma vez que a escola, por

essência, deve ser um local onde as pessoas vão porque gostam e para saber

mais e melhor.

A seguir serão descritas as situações, no âmbito escolar, que suscitaram a

necessidade de uma pesquisa sobre as emoções, sentimentos, medo, complexidade e

transdisciplinaridade.

1.1 ORIGEM DO PROBLEMA

As escolas, atualmente, têm sofrido críticas devido ao fato de os alunos

demonstrarem, crescentemente, insatisfação por freqüentá-las. Eles vão à escola

mais por obrigação do que por vontade. Este fato tem preocupado pesquisadores

em educação, brasileiros e internacionais, que estão estudando esse fenômeno,

pois o mesmo não está ocorrendo apenas no Brasil.

Verifica-se que muitas escolas têm o ensino ainda centrado no professor,

ou seja, este é o transmissor das informações necessárias para que os alunos

aprendam. Em conseqüência, o papel dos alunos, na maioria das vezes, é de

ouvinte e de repetidor de modelos. Seu envolvimento na aprendizagem é pobre e

cansativo, pois eles ficam sentados por horas apenas ouvindo e, em seguida,

fazem uma série de exercícios.

Isso já foi comentado ad nauseam por muitos pesquisadores em educação,

entre eles D'Ambrósio (2007, p.1), que retrata de forma contundente como estão

muitas escolas em relação ao processo de aprendizagem. "O programa tradicional é

desinteressante, obsoleto e inútil. Eu gosto de dizer que é um conhecimento que 'DOI'

no imaginário da criança".

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D'Ambrósio (2007) alerta sobre como as escolas estão contribuindo para

a limitação da imaginação dos alunos, fato que deve ser considerado, haja vista o

imaginário, a curiosidade, a intuição e a criatividade serem integrantes do

pensamento humano, devendo ser desenvolvidos e não tolhidos.

Ainda pior são os modismos presentes no processo educacional e que

trazem sérias preocupações, em razão da volatilidade dos mesmos.

Hoje percebemos que, de modo geral, as emoções e os sentimentos estão

sendo tratados, nas escolas, superficialmente, o que tem gerado muitas confusões,

deixando professores e alunos desamparados no processo educacional que se

desenvolve diariamente nas escolas. Vê-se que os conceitos de emoção e sentimento

são confundidos. Há um reducionismo flagrante, ou seja, as atividades passam a ser

padronizadas, o que faz com que os desiguais sejam tratados de maneira igual.

Esse reducionismo tem ocorrido porque as escolas precisam se adequar ao

mercado educacional do século XXI. A partir disso realizam-se mudanças, sem que

haja as necessárias atualizações dos processos e das pessoas que convivem nesses

ambientes educacionais.

As escolas querem implantar à força inovações num processo que não foi

reconstruído, apenas colocou-se algo a mais. Porém, este não cabe, gerando

muitos conflitos que não são resolvidos e que interferem no presente dos alunos e

que interferirão na vida futura. Percebe-se a contradição performativa1 presente

nessas situações.

Nessa tentativa de inovação verifica-se que professores e alunos ficam à

mercê de si mesmos num processo que cada dia mais degrada a qualidade de vida

das pessoas que freqüentam e desenvolvem atividades nas escolas. Os fatos

apontados anteriormente podem ser vistos nos jornais, em programas de

entrevistas e em revistas especializadas.

1 Contradição Performativa de Apel: segundo Apel e Habermas, todo questionamento é, por definição,questionável. Embora detenha a limitação de ser uma consideração apenas lógica, aponta para um tipologicamente coerente de argumentação (DEMO, 1997).

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Outro fato importante que deve ser analisado é que, em relação aos

professores, tem aumentado significativamente a incidência de transtornos mentais.

Isto pode ser comprovado pelas informações publicadas pelo Sindicato dos

Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, e que são alarmantes, ao

constatarem que cerca de 50% dos professores da rede estadual estão acometidos

por algum tipo de transtorno mental (APEOESP, 2006).

As situações demarcadas anteriormente não são novas para mim, pois

durante os 30 anos em que sou professor, da educação básica à educação universi-

tária, sempre me deparei com casos conflituosos em relação aos professores

e alunos.

Nesse meu trajeto percebi várias situações que me marcaram profun-

damente, em relação aos professores que ficaram à mercê de si mesmos e acabaram

cometendo atos impensados, gerando desconforto, demissão e processos contra eles,

os quais, nos casos mais graves acabaram por ser internados em clínicas

psiquiátricas. Da mesma forma, presenciei alunos serem taxados de marginais, de

maus elementos, de vagabundos, e que acabaram por ser retirados das escolas,

negando-se a eles o direito universal da educação. Além disso, vi-os se revoltarem

contra as instituições que freqüentavam e cometerem atos absurdos, como queimar o

cabelo de uma professora de matemática, explodir os vasos sanitários do banheiro

dos professores e atear fogo em uma capela.

Em outro momento tive a oportunidade de trabalhar em uma escola confes-

sional e ecológica, por vinte anos, e perceber que as crianças e adolescentes

necessitam ser aceitos e que haja atividades nas quais eles possam se desenvolver

de acordo com a sua geração, porém nunca se esquecendo do belo, do corpo, do

coração, do afeto. Consegui expressar essa situação no pensamento abaixo.

Diz uma lenda indígena que sentimos com a sola dos nossos pés. Portanto éimportante que nos seja permitido andar "descalços", deixando-nos sentirverdadeiramente a vida, propiciando o aprendizado na natureza, com anatureza, com o coração, com o amor, com o outro, com o nosso planeta.Andar descalço, porém, faz com que surjam cortes na pele, que saia sangue,que apareçam bolhas, entretanto isso tudo encoraja, faz ver o que erainvisível, faz sentir o cheiro nunca antes sentido, faz ouvir o inaudível, fazsentir na mão o que se tinha medo, faz surgir o amor nas coisas em que eleantes estava escondido (WEKERLIN FILHO, 2001, p.30).

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A partir das situações comentadas senti necessidade de pesquisar como

os ambientes escolares podem se tornar lugares em que a violência e os medos

sejam enfraquecidos e que as pessoas possam expressar a afetuosidade caracte-

rística de nós, seres humanos, e mais ainda, que as pessoas possam fazer parte

do mundo atual, que passa por um momento histórico de crises, e não abdiquem

da individualidade, da dignidade e das diferenças que nos marcam profun-

damente como pessoas. E que as escolas sejam um ambiente em que predomine

o bem-estar.

Cabe ainda considerar a animalidade do Homo sapiens, que muitas vezes

é deixada de lado, mas que freqüentemente demonstra os estigmas da nossa

evolução no dia-a-dia, como bem nos lembra o evolucionista Robert Trives,

professor na Harvard University:

O chimpanzé e os seres humanos compartilham 99,5% de sua históriaevolutiva, no entanto a maioria dos pensadores humanos considera umaexcentricidade malformada e irrelevante, enquanto se vêem a si próprioscomo degraus para o Todo-poderoso. Para um evolucionista isto não podeocorrer. Não há fundamento objetivo para elevar uma espécie acima deoutra (TRIVERS, 2001, p.15).

Nessa mesma forma de pensar vai o etólogo Rirchard Dawkins:

[...] Até agora não falei muito a respeito do homem em especial, emboratampouco o tenha deliberadamente excluído. Parte do motivo por eu terusado o termo ‘máquina de sobrevivência’ é que ‘animal’ teria excluídoas plantas e, para algumas pessoas, os seres humanos (DAWKINS,2001, p.211).

Não podemos nos esquecer que a nossa animalidade se faz presente todos

os dias em nossas vidas, porém raramente damos importância a ela. Entretanto,

muitos esclarecimentos podem ocorrer se considerarmos que ela está encarnada em

cada um de nós. Não podemos superestimá-la nem tampouco subestimá-la, fato é

que ela está presente em casa, no trabalho, no lazer e na escola.

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1.2 QUESTÃO DA PESQUISA

É possível, mediante uma construção teórica, científica, competente e

atualizada das bases biológicas das emoções, dos sentimentos e do

medo, compreender melhor as questões relacionadas à violência

ocorrente nos ambientes educacionais e propor recomendações

capazes de colaborar com os processos de ensino e de aprendizagem,

com vistas a minimizar esta grave problemática?

1.3 OBJETIVO GERAL

Construir uma base teórica atualizada sobre as bases biológicas das

emoções, dos sentimentos e do medo e propor recomendações, sob o

olhar da complexidade e da transdisciplinaridade, para a superação do

mal-estar e do sofrimento que atinge grande parte da comunidade

docente.

1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Construir uma fundamentação teórica e atualizada sobre a temática em

estudo, capaz de elucidar a problemática relacionada à violência presente

nos ambientes educacionais.

Identificar emoções e sentimentos como bases biológicas condicionantes

da aprendizagem.

Descrever os processos biológicos das emoções, dos sentimentos e do

medo.

Identificar a ocorrência da violência educacional nos documentos em

estudo.

Analisar as emergências evidenciadas nos documentos de estudo e

apontar recomendações que contribuam para o bem-estar do cotidiano

escolar.

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1.5 DELIMITAÇÕES

a) Atualmente muitos estudos têm sido realizados em relação às emoções,

sentimentos, memórias, cognição humana, complexidade e transdiscipli-

naridade. No presente estudo, optou-se, como autores principais, por

Antônio Damásio, Humberto Maturana, Maria Cândida Moraes, Edgar

Morin, Basarab Nicolescu, Joseph Ledoux, Ubiratan D'Ambrósio e

Saturnino de La Torre. Esses autores mantêm um diálogo permanente e

coerente entre eles, o que proporciona a fundamentação teórica da

presente pesquisa.

b) O presente estudo relaciona emoções e sentimentos como sendo

fenômenos de naturezas diferentes, fisiológica e psicologicamente, de

acordo com a visão de Antônio Damásio. Reconhece-se que ambos

fazem parte do dia-a-dia dos ambientes escolares, nos seus mais

diferentes âmbitos, e necessitam ser, urgentemente, trabalhados

nesses ambientes.

c) Assim, diante da gravidade dos problemas relacionados ao tema, uma

das minhas grandes preocupações, como biólogo e professor, era

construir uma base teórica que ajudasse a compreender a complexi-

dade de tais fenômenos, no sentido de contribuir para o encontro de

soluções mais adequadas à magnitude da problemática presente nos

ambientes educacionais. Desta forma, em virtude da exigüidade do

tempo e da relevância social da temática escolhida, optou-se pela

construção dessa base teórica adequada e competente, identificando

e analisando situações práticas que confirmem a sua ocorrência, e

cuja discussão e análise ajudem a iluminar o caminho para o encontro

de possíveis soluções.

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1.6 RELEVÂNCIA CIENTÍFICA E SOCIAL

Há um modismo quando se fala de emoção e sentimento em sala de aula.

Existem muitos livros que se propõem a fornecer estratégias didáticas para que se

possa efetivamente trabalhá-los, porém o que se vê é muita confusão teórica e

muita superficialidade, além das intermináveis cópias que propagam as defor-

mações conceituais adotadas nas diferentes obras.

A relevância científica está relacionada ao fato de se buscar um

entendimento correto do que é emoção e sentimento e de como trabalhá-los em

sala de aula, em uma educação transdisciplinar, e que possam ser trabalhadas nas

mediações pedagógicas diárias as diferenças individuais.

Em relação às emoções, não podemos deixar de contemplar Humberto

Maturana (1997, p.170), que demonstra a importância fundamental das emoções

em nossas atividades diárias.

Na vida cotidiana distinguimos as diferentes emoções olhando as ações eposturas ou atitudes corporais do outro, que pode ser um de nós mesmos,pessoa ou animal não-humano. Além disso, sabemos também que na vidacotidiana cada emoção implica em que somente certas ações sãopossíveis para a pessoa ou animal que as exibem. Por isso afirmo queaquilo que distinguimos como emoções, ou que conotamos com a palavraemoções, são disposições corporais que especificam a cada instante odomínio de ações em que se encontra um animal (humano ou não), e queo emocionam, como o fluir de uma emoção a outra, é o fluir de um domíniode ações do outro.

Podemos verificar, nas palavras de Humberto Maturana, que as emoções

geram domínios de ação, o que significa que elas potencializam ou não determi-

nados tipos de ações e reflexões no sujeito aprendiz e que, sendo bem traba-

lhadas, ajudam no desenvolvimento cognitivo e emocional dos sujeitos nos

ambientes educacionais.

A relevância social relaciona-se com os alunos e professores que

freqüentam as escolas brasileiras, pois ambos poderão melhorar a qualidade de vida

nesses ambientes, uma vez que o medo não deve ser a principal emoção a fazer parte

do processo educacional. Como bem nos lembra o psicólogo Antônio Fialho, "As

emoções são fundadoras de comportamentos individuais e grupais, como os

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evidenciados dentro das diferentes culturas. A emoção fundadora da nossa cultura

é o medo." (FIALHO, 2001, p.57), e Hilton Japiassu vai mais longe: "Vivemos hoje

numa sociedade depressiva ou estressada. Porque individualista e fundada no

medo" (JAPIASSU, 2006, p.73).

Em relação aos professores, o que temos presenciado é algo que chega

a ser assustador, devido à quantidade de internamentos e licenças médicas que os

têm afastado das salas de aula. Não sendo rigoroso, estatisticamente, mas sendo

extremamente fiel ao que tem acontecido com os professores, poderíamos dizer

que há uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental dos mesmos.

Em relação aos alunos a situação não é melhor, basta ver o aumento da

violência dos alunos em relação aos professores, e entre os próprios alunos. Eles

vão à escola mais por imposição do que por vontade de aprender, de buscar saber

mais e melhor.

1.7 ABORDAGEM METODOLÓGICA

A seguir será apresentada a abordagem metodológica utilizada nesta

pesquisa, bem como os procedimentos que foram necessários para o levantamento

dos dados para realizar este estudo.

1.7.1 Pesquisa Qualitativa

A temática e o problema foco desta pesquisa, assim como seus objetivos,

remetem a um estudo de natureza qualitativa. A opção pela abordagem qualitativa

está baseada no interesse de apreender a complexidade do fenômeno e na

compreensão de que este não se restringe apenas a dados estatísticos, mas traz,

para o interior da análise, o subjetivo e o objetivo dos sujeitos sociais que atuam

nas comunidades em que estão inseridos.

Os métodos qualitativos produzem explicações contextuais para um

pequeno número de casos, com uma ênfase no significado, mais que na freqüência

do fenômeno.

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O foco é centralizado no específico, no peculiar, almejando sempre a

compreensão do fenômeno estudado, geralmente ligado às crenças, às motivações,

aos sentimentos e pensamentos da população estudada (SHMERLING, 1993).

As principais características dos métodos qualitativos são: a imersão do

pesquisador no contexto e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa

(KAPLAN e DUCHON, 1988).

Em certa medida, os métodos qualitativos se assemelham aos proce-

dimentos de interpretação dos fenômenos que empregamos no nosso dia-a-dia,

que têm a mesma natureza dos dados que o pesquisador qualitativo emprega em

sua pesquisa. Tanto em um como em outro caso, trata-se de dados simbólicos,

situados em determinado contexto; revelam parte da realidade ao mesmo tempo

em que escondem outra parte.

Maanen (1979, p.521) comenta que:

Para não atravessar uma rua, basta que vejamos se aproximar umcaminhão; não é necessário saber o seu peso exato, a velocidade a quecorre, de onde vem, etc. Nessa situação, o caminhão pode ser entendidocomo um símbolo de velocidade e força, e, para a finalidade de atravessara rua, outras informações seriam prescindíveis.

A citação acima demonstra que há problemas e situações cuja análise pode

ser feita sem quantificação de certos detalhes, delimitação precisa do tempo em que

ocorrem, o lugar e as causas, e as procedências dos agentes. Tais detalhes, embora

obteníveis, seriam de pouca utilidade.

A partir disso os estudos qualitativos diferenciam-se entre si quanto ao

método, à forma e aos objetivos. Godoy (1995) ressalta a diversidade existente

entre os trabalhos qualitativos e enumera um conjunto de características capazes

de identificar uma pesquisa desse tipo, a saber:

ambiente natural como fonte direta de dados, e o pesquisador como

instrumento fundamental;

caráter descritivo;

significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preo-

cupação do investigador.

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De acordo com as características anteriores, os cientistas da pesquisa

qualitativa opõem-se, em geral, ao pressuposto experimental que defende que

deve haver um só padrão para todas as ciências, baseado nas ciências da natureza.

Os cientistas experimentalistas não admitem que haja um vínculo indis-

sociável entre o sujeito e o objeto, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.

O sujeito observador é parte do processo de conhecimento e interpreta os

fenômenos, atribuindo-lhes significado. O objeto não é um dado inerte e neutro,

segundo Chizzotti (2001, 2006).

Há uma rede de significados que pode emergir no desenvolver dos

fenômenos e que pode ser apreendida pelo pesquisador, o que faz com que ele

seja ativo nas descobertas das relações que se ocultam nas estruturas dos fenô-

menos que estão sendo estudados. Por isso, geralmente, o processo é mais

importante que o produto.

Na pesquisa qualitativa há sempre uma tentativa de capturar a

perspectiva dos participantes, isto é, as maneiras como os informantes encaram as

questões que estão sendo focalizadas. Ao considerar os diferentes pontos de vista

dos participantes, os estudos qualitativos permitem iluminar o dinamismo interno

das situações, geralmente inacessível a um observador externo solitário.

1.7.2 Procedimentos Metodológicos e Técnicas de Produção dos Dados para a

Realização do Estudo

A pesquisa realizada foi qualitativa, de cunho bibliográfico e documental.

Os eixos trabalhados, tanto na pesquisa bibliográfica como na documental,

foram: emoções, sentimentos, medo, complexidade e transdisciplinaridade.

A partir das considerações acima e da temática pesquisada, optou-se por

procedimentos metodológicos, envolvendo fontes de produção de informações, tanto

indiretos como diretos. No que se refere à produção de documentação indireta, para a

construção do corpus teórico, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, ampla e

profunda. Neste sentido, utilizamos livros, artigos e periódicos, entre outros.

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Além da pesquisa bibliográfica, fez-se também o uso de pesquisa documental,

como fonte de natureza secundária, portanto, produzida por terceiros, no caso a Rádio

B-SP. Para tanto, foram utilizados os quatro programas produzidos por esta emissora,

nos quais se encontram diversos e elucidativos depoimentos de professores. A partir

destes, foi feita uma análise para constatar os sentimentos presentes em suas falas, o

que ajudou a confirmar a gravidade da problemática.

Para uma melhor compreensão dos fenômenos relacionados a esta

temática, foi utilizada também, como técnica de pesquisa, uma entrevista semi-

estruturada que muito ajudou na averiguação dos fatos, a partir do depoimento de

um professor que vem vivenciando um mal-estar na sua vida acadêmica. Este tipo

de entrevista permite estudar os motivos, os sentimentos, a conduta das pessoas

(LAKATOS e MARCONI, 1996). Neste sentido, para melhor compreensão da situação

vivenciada, das emoções e dos sentimentos envolvidos, foi utilizada, de maneira

complementar, a Escuta Sensível de Barbier (1998, 2002), cujos procedimentos

estiveram presentes nas atitudes do pesquisador durante todo o processo e que

muito ajudou a compreender a complexidade da situação em estudo.

Isto porque, mediante a Escuta Sensível, é possível sentir o universo afetivo,

imaginário e cognitivo do outro para compreender, do interior, as atitudes e compor-

tamentos, bem como o sistema de idéias, de valores, de símbolos. É uma atuação de

dentro para fora. Disso pode surgir a aceitação do outro que está no processo e que é

uma das marcas fundamentais da escuta sensível (BARBIER, 1998).

A Escuta Sensível começa por suspender as idéias, as ideologias, e não

permite as desqualificações dos ambientes e das pessoas que fazem parte do

processo. Nós necessitamos saber o lugar de cada uma nas relações sociais para

poder escutar e compreender o que está sendo dito, pois há diversidade de papéis

e formas de pensamento. Faz parte do processo surpreender-se em face do

desconhecido, do incerto, do que emerge e que incessantemente encanta, fortalece e

anima a vida. Por isso, não se fecha para a desestabilização, para o desequilíbrio,

pois em seguida há a auto-organização, que faz com que a vida continue

(MATURANA, 1998b e VARELA, 2001).

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Isso tudo leva a estabelecer um vínculo entre o indivíduo e o escutador, e as

proposições podem ser colocadas com prudência. Essas situações ganham

importância nas palavras de Ardoino (apud BARBIER, 1998, p.189) ao dizer: "se trata

de emprestar significado, e não impô-lo". Mas para que isso ocorra há que existir uma

abertura para a totalidade do outro e de si mesmo. Não podemos perder de vista que

alguém só é pessoa por meio de uma razão e de uma afetividade, porém é necessária

uma interação constante com o outro e consigo mesmo.

Na escuta sensível colocamo-nos por inteiro, com os nossos sentidos,

com a nossa corporalidade, com a simpatia, com a empatia, com a nossa intuição e

com as nossas emoções e sentimentos.

A partir do que foi comentado anteriormente podemos afirmar que o

pesquisador-escutador está aberto para a totalidade do outro e de si mesmo. Trata-

se na verdade de entrar numa relação de totalidades na existência humana.

A escuta sensível permitiu estabelecer um diálogo agradável e sincero

com o professor Y, pois ele percebeu a minha preocupação em saber como foi o

processo por ele vivenciado na turma em que ele dava aula.

Para realizar a entrevista com o professor universitário que apresentou

mal-estar ao desenvolver suas atividades, durante o primeiro semestre de 2006,

seguiram-se estes passos:

1. levantamento de informações sobre o professor, pela análise de

currículo Lattes e com amigos e colegas de trabalho;

2. meditação sobre as informações, ao som da 9ª sinfonia de Bethoveen;

3. conhecer o entrevistado, trabalhando a simpatia, a empatia, formando

vínculo, sendo aceito pelo professor;

4. elaboração das perguntas para desenvolver o diálogo (Apêndice 1);

5. entrevista - 1ª parte: responder às perguntas;

6. pausa para reflexão de 30 minutos;

7. discussão das respostas com o professor;

8. meditação sobre as respostas (somente eu, ao som de Andrea Bocelli);

9. elaboração do texto sobre a entrevista.

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1.8 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

Os meios de comunicação têm veiculado, ultimamente, muitos casos de

violência em escolas públicas, e isso tem deixado as pessoas preocupadas.

Porém, essa violência não atinge apenas as escolas públicas; as particulares

também padecem do mesmo mal. Pensando nesses fatos, a Rádio B-SP, sob a

orientação do jornalista H. B, mestre em História pela USP, produziu uma série de

quatro programas sobre a violência escolar, nos quais há depoimentos de profes-

sores que foram vítimas de algum tipo de violência relacionada à escola. As

entrevistas ocorreram em escolas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Ainda há os comentários de um diretor do documentário “Pro dia nascer

feliz", F.T., que trata do desconforto que há nas escolas. Para fazer o documentário

foram feitas pesquisas em escolas do ensino médio e fundamental de Pernambuco,

Rio de Janeiro e São Paulo. O documentário mostra como está a educação pública

e privada nesses estados.

As situações anteriores se relacionam com a educação básica, porém a

violência também atinge a educação universitária e tem gerado um profundo

desconforto nos professores. Um exemplo desse fenômeno, e que foi utilizado

nesta pesquisa, é o do doutor em sociologia, prof. Y, que trabalha há 37 anos na

educação universitária, na área de gestão ambiental e em um centro de pesquisas

ambientais do Estado de São Paulo.

Realizou-se também uma pesquisa bibliográfica na qual foram utilizadas

obras relacionadas às emoções, sentimentos, memórias, cognição humana, complexi-

dade e transdisciplinaridade. Como autores principais optou-se por Antônio Damásio,

Humberto Maturana, Maria Cândida Moraes, Edgar Morin, Basarab Nicolescu, Joseph

Ledoux, Ubiratan D'ambrósio e Saturnino de La Torre. A escolha desses autores

prende-se ao fato de eles manterem um diálogo permanente e coerente, o que propor-

cionou a formação de um corpus teórico.

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Foram utilizados ainda textos referentes à violência escolar produzidos

pelo Sindicato dos Profissionais do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

(APEOESP), o maior sindicato de professores da América Latina, e os textos das

professoras Viviane Cubas e Caren Ruotti sobre violência escolar, as quais

desenvolvem pesquisas na Universidade de São Paulo.

Algumas informações quali-quantitativas foram levantadas da pesquisa

publicada em dezembro de 2006, na Revista Cadernos de Saúde Pública, Rio de

Janeiro, intitulada: Prevalência de transtornos mentais comuns em professores da

rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, cujas autoras são Sandra

Maria Gasparini, Sandhi Maria Barreto e Ada Ávila Assunção.

Outra pesquisa, que serviu para corroborar a anterior, foi a da Confederação

Nacional dos Trabalhadores em Educação, realizada em parceria com o Laboratório

de Psicologia do Trabalho da Universidade Federal de Brasília, em 1.440 escolas do

País, com 52 mil professores, publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria

(ABP), em 2007.

Para finalizar o corpo teórico, utilizou-se o documento de Norman Gall,

intitulado Ordem e Desordem nas Escolas, que trata da violência nas escolas de

Nova Iorque, comparando-a com a que tem ocorrido no Brasil.

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2 REFERENCIAIS TEÓRICOS

O texto a seguir é formador do corpus teórico desta pesquisa e que

contempla os seguintes elementos: complexidade, diálogo, organização, sistemas,

emergência, emoção, sentimento, medo, violência escolar e os princípios interdis-

ciplinar e transdisciplinar.

2.1 COMPLEXIDADE

Quando se ouve a palavra complexidade, logo vem à mente algo difícil e

complicado de ser compreendido.

Segundo Morin (1996, 2001, 2003a, 2003b), complexidade significa aquilo

que é tecido junto. Então, o indivíduo e o meio são um só, são produtos e produtores

deles mesmos, como os acontecimentos, as ações e as retroações que são tecidos

pela nossa realidade e pela trama da vida.

Pensar o complexo é admitir unir conceitos que se opõem e que

normalmente seriam enclausurados e com visão limitada. É ser capaz de pensar as

contradições, viver com elas e ser capaz de superá-las, mas para isso é necessário

saber analisar e sintetizar, é caminhar construindo e reconstruindo, é compreender

que há emergência do novo todo o tempo, é ser capaz de viver nas múltiplas

realidades que há na vida, diariamente. É compreender que somos uma totalidade

que faz parte de uma totalidade maior. É ser capaz de reconhecer que não há razão

sem emoção.

O pensar complexo funda-se num pensamento integrador dos diversos

modos de pensar e abandona a visão linear que tenta sustentar a ciência

tradicional. Pois, esta é insuficiente para lidar com as situações de incerteza que

fazem parte da história de vida das pessoas e que estão presentes nas situações

de aprendizagem e de conhecimento. É um princípio regulador que não perde de

vista a realidade dos fenômenos que constituem a vida diária em nosso planeta.

A complexidade é repleta de informações que um organismo ou um

sistema qualquer possui, gerando as mais diversas formas de interação e ruídos

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nos processos vitais das pessoas, dos animais, da matéria e do Universo. Ela

aumenta com a diversidade de elementos que constituem um sistema.

Então podemos dizer que, quando vemos de forma complexa o compor-

tamento de um sistema, somos nós que o vemos, não o sistema. Como diz Silva

(2005, p.48): "O sistema é uma realidade ontológica, podendo ser vista por outras

ontologias2 que não a minha".

Essa capacidade de ver a complexidade no comportamento de um sistema

é uma episteme, não um conceito. Conceito é o sistema. Episteme é o recurso

cognitivo3 que nos permite construir o contexto dos conceitos que utilizamos, e os

limites de sua aplicação. Ela nos permite a construção de um conhecimento sobre o

mundo que nos rodeia (SILVA, 2005).

A partir disso, Morin (2001, 2003a, 2003b, 2005) afirma que a complexi-

dade faz parte da ordem da razão, isto é, como uma vontade de ter uma visão

coerente dos fenômenos, das coisas e do universo. A razão tem um caráter eminen-

temente lógico, porém necessitamos diferenciar racionalidade de racionalização. A

complexidade admite a racionalidade, mas condena e não assume todos os

excessos saídos da racionalização.

A racionalidade é vista como o diálogo incessante entre as estruturas

lógicas e a aplicação no mundo real.

Há muitos momentos na vida em que o sistema lógico adotado é

insuficiente, pois vislumbra apenas uma parte do real. A racionalidade, de qualquer

modo, não tem a pretensão de fazer surgir a totalidade do real, mas tem muita boa

vontade para dialogar com o que lhe resiste, ou seja, a realidade.

2 Ontologias são as coisas do mundo. Aquilo que possui sua própria natureza e que existeindependentemente de minha cognição e episteme (SILVA, 2005).

3 Cognição é a capacidade biológica do aprender com o operar. Ela, em si é uma complexidade,resultante do operar dos sistemas autopoiéticos de primeira ordem, as células, e de segundaordem, os sistemas neurológicos e imunológicos. A cognição é responsável pelo vivo aprender aviver, pela aprendizagem (SILVA, 2005).

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Já a racionalização tem outras características, segundo Morin (2003b,

p.102):

Essa palavra é empregue muito justamente em patologia por Freud e pormuitos psiquiatras. A racionalização consiste em querer encerrar arealidade num sistema coerente. E tudo o que, na realidade, contradiz estesistema coerente é desviado, esquecido, posto de lado, visto como ilusãoou aparência.A racionalidade e racionalização têm a mesma origem, porém ao sedesenvolverem tornam-se inimigas uma da outra. É muito difícil saber emque momento se passa da racionalidade para a racionalização; não háfronteira; não há sinal de alarme.

Para sustentar a complexidade na ordem da racionalidade, Edgar Morin

(2003b) propõe três princípios: o dialógico, o recursivo organizacional e o hologramático.

1. Princípio Dialógico: a vida é o maior exemplo, e faz que os inconciliáveis

dialoguem numa lógica de complementaridade antagônica.

2. Princípio de Recursão Organizacional: ele sustenta que o fenô-

meno complexo é, simultaneamente, produto e produtor de sua exis-

tência. Assim como a sociedade é produzida pelas interações entre os

indivíduos, ela retroage sobre os indivíduos e, uma vez produzida,

produz igualmente estes.

De acordo com Moraes (1997, 2004), a recursividade faz com que a

idéia de causa e efeito não valha para sistemas complexos, pois tudo

que é produzido retorna sobre aquilo que o produziu, de maneira

cíclica, espiralada, em função do processo de auto-organização, no

qual ele mesmo é auto-organizador e autoprodutor.

3. Princípio Hologramático: lembra que a parte está no todo, e o todo

está na parte. Buscando um exemplo na Biologia, cada célula do nosso

organismo contém a totalidade do código genético presente em nosso

corpo. Hoje, mais visível ainda são as células-tronco, que podem dar

origem a diferentes tipos de células que constituem o ser humano.

Um exemplo mais contundente pode ser citado. Trata-se do coração

que encontrou o seu assassino. O relato é da psiquiatra que tratou

da paciente.

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Tenho uma paciente, uma menininha de oito anos, que recebeu o coraçãode uma outra menina, de dez anos, que foi assassinada. A mãe trouxe-aao meu consultório quando ela começou a gritar à noite por causa desonhos que tinha com o homem que havia assassinado sua doadora. Amãe dela dizia que a filha sabia quem era o assassino. Ao fim de diversassessões, eu simplesmente não poderia negar a realidade do que estacriança contava. Finalmente, a mãe dela e eu decidimos chamar a polícia.Servindo-se das descrições fornecidas pela menina, os investigadoreslocalizaram o assassino. Com base nas provas fornecidas por minhapaciente, ele foi facilmente condenado. A hora, a arma, o local, as roupasque ele usava, o que a criança assassinada havia lhe dito... tudo que apequena recipiente de transplante cardíaco relatara era totalmente exato(apud PEARSALL, 1999, p.28).

Pearsall (1999, p.28) comenta sobre a reação dos ouvintes:

A platéia, composta de profissionais de formação científica e clinicamenteexperientes, permaneceu em silêncio enquanto a terapeuta voltava ao seulugar. Eu podia ouvir soluços e percebi lágrimas nos olhos dos médicos daprimeira fila.

Essa é uma situação que não encontra abrigo na ciência tradicional, mas

que pode ser acolhida pelo princípio hologramático da complexidade, ou seja, o

coração carregou as informações do todo que representa o ser humano.

Pearsall tornou público esse depoimento somente em 1999, no livro

Memória das Células: a sabedoria e o poder da energia do coração, pois até então

era considerado apenas um místico por muitos de seus colegas cientistas. Ele

desenvolve pesquisas no campo da cardiologia energética.

De acordo com esses princípios, a complexidade necessita de uma visão

sistêmica-organizacional aberta. Ela deve combinar a organização, a informação, a

energia, a retroação, as fontes, os produtos e os fluxos do sistema, sem fechar-se

em uma clausura para onde pode levar, eventualmente, seu corpo teórico.

Nessa visão, o organismo humano é concebido como um sistema aberto no

qual se articulam um sistema plástico, um sistema material, um sistema energético,

um sistema estruturado e um sistema consciente que contribuem para a sua

autonomia. Portanto, nessa perspectiva o homem não é soberano na face da Terra, é

mais um ser que vive nela e com ela, não é auto-suficiente, mas dependente do

seu entorno.

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Então, para manter a coerência, a complexidade não destrói as alter-

nativas clássicas do pensamento humano, ou seja, não destrói o pensamento

analítico, o pensamento reducionista e o pensamento simplificador.

Na verdade, ela tenta restabelecer o diálogo com os pensamentos clás-

sicos, com o pensamento simplificado e o pensamento complexo. Deseja a sua

complementaridade, compreendendo que a unidade não se opõe à diversidade,

nem a quantidade à qualidade, nem um paradigma simplificador se sobrepõe a

outro paradigma qualquer. Não é uma coisa nem outra. Muito pelo contrário. É um

novo olhar sobre o objeto, um novo olhar articulador, regulador, que ajusta a ação e

o pensamento do sujeito sobre o objeto.

A seguir, discutiremos os componentes do pensar complexo que servem

de fundamento para esta pesquisa e que serão objeto de análise.

2.1.1 O Diálogo

De acordo com Böhm (2005), diálogo indica a existência de uma corrente

de significados que flui entre, dentre e através dos implicados. É a partir dessa

corrente de significados que ocorre no interior de um grupo que pode emergir uma

nova compreensão. É algo novo e criativo que não se encontra no ponto de partida.

É o significado compartilhado que se transforma, em sua plasticidade, em base

fundante, que liga e religa, que sustenta o vínculo relacional entre os seres

humanos e as sociedades (DEMO, 2005 e MORAES, 2004).

O verdadeiro objetivo do diálogo, segundo Böhm (2005), é o de penetrar

no processo de pensamento, e seu espírito verdadeiro seria completamente

diferente do espírito de um discurso que vise a um vencedor. Nele ninguém precisa

perder, todos podem sair ganhando.

Como exemplo, podemos citar as palavras do Cacique Marcos Terena, no

encontro ocorrido no Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de

Brasília, em que Edgar Morin esteve presente:

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O criador fez uma coisa maravilhosa, que é podermos olhar a lua nascer,e aqui em Brasília temos este privilégio. Sabemos que o homem brancodecifrou este código e no calendário está escrito: dia tal lua nova, luacrescente, lua cheia. Mas o criador não permitiu que descobríssemosquando vamos morrer. E a morte faz parte da vida. Este criador deu aosíndios o entendimento para descobrir isso e preparar a qualidade de vida.(apud MORIN, 2000, p.22).

O cacique Marcos Terena argumentou sobre a vida dos índios e sobre a

importância que eles dão à qualidade da vida. Ele reconheceu o conhecimento do

homem branco, mas acrescenta que há de se ter qualidade no viver diário. Não há

agressão, não há imposição de pensamento. Há o reforço da necessidade de se

viver junto e com a natureza, e que haja respeito e acolhimento da natureza e das

pessoas que nela vivem.

Em outro Momento, Terena dirigiu-se diretamente a Edgar Morin:

Quero também deixar uma mensagem para o professor e dizer que paramim, e em nome da minha tribo e dos meus antepassados, espero que oseu trabalho, a sabedoria que o Criador lhe deu seja científica, mas sejatambém humana. Porque muitos homens brancos ouvem a sua voz. Nósvamos pedir ao Criador que ele lhe dê a inspiração maior de conversarcom as pessoas, de traduzir para elas essa preocupação.Porque não ser moderno, não ser desenvolvido, não significa serculturalmente ou intelectualmente pobre. Porque nós, os índios, nascemoscom uma sabedoria, um conhecimento, também religioso e espiritual, equando chegou a civilização nada disso teve valor ou sentido. Porque ohomem branco não sabia compreender a linguagem indígena. Algunspolíticos transformaram esse conhecimento em belas palavras. Algunstecnocratas transformaram esses conhecimentos em números parajustificar os seus erros. Uma civilização que não deu certo. Nos 500 anosdo Brasil, no mínimo, vamos pedir para que o Brasil faça um minuto dereflexão. Que o País desligue seus rádios, televisores e computadores.Que pare um pouquinho, para que possamos construir uma novaexpectativa de vida entre os índios e brancos, porque a responsabilidadepelo futuro não é daqueles que vão nascer, mas de nós, que estamosvivos (MORIN, 2000, p.23).

Marcos Terena reconheceu a posição de Edgar Morin como alguém que é

ouvido por muitos e com o qual muitos concordam. Mas pediu a ele que não seja

apenas cientista, mas que fale incorporado da sua humanidade. Afirmou ainda

que os índios não foram respeitados, porque o homem branco não conseguia

compreendê-los e, por isso, muitos povos indígenas acabaram desaparecendo.

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A proposta dele é um pensar complexo porque ele pede que não se

estabeleça hierarquização entre os falantes. Ele quer a horizontalidade, em que todos

são vistos como legítimos, pois nesse lugar de encontro não há ignorantes absolutos,

nem sábios absolutos. Há homens que, em comunhão, buscam conviver com as

diferenças e com as similitudes de cada povo. Por isso, o cacique Marcos Terena quer

mais ainda. Quer conciliar a cultura indígena com a do homem branco.

Como podemos perceber, o diálogo verdadeiro é difícil, pois implica

aceitar o outro. É a capacidade de apreender o outro em sua legitimidade, é estar

pronto para escutar a voz do outro, é estar pronto para sentir a dor do próximo, é

estar pronto para vibrar com a alegria dele.

Nesse processo, é necessário que a amorosidade banhe os diálogos para

que o outro seja aceito de modo incondicional e os diálogos fluam sem impe-

dimentos (MATURANA, 1997, 1998a, 1998b, 2001), fato que também é demarcado

por Paulo Freire:

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se fazuma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro éconseqüência óbvia. Seria contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé,o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos.(FREIRE, 1975, p.96).

Reconhecendo a importância da amorosidade nos diálogos, podemos

juntar David Bohm (2005) a Paulo Freire e a Humberto Maturana, quando ele diz:

Sensibilidade é estar apto a sentir que algo está acontecendo, sentir assúbitas diferenças e similaridades. Se temos um sentido sendo partilhado,este mantém o grupo unido. O ponto é que o amor irá embora se nãopudermos nos comunicar e partilhar sentido. Entretanto, se pudermosrealmente nos comunicar, então teremos companheirismo, participação,amizade, amor crescendo cada vez mais (BÖHM, 2005, p.4).

Por tudo isso, “blábláblá" não é diálogo, é enganação, é golpe baixo, é

embuste. Como também não o é a discussão agressiva, por ser ela uma

desinteligência.

A complexidade dialoga com as diferentes formas de vida e as diversas

formas de pensamento humano. Ela recupera o diálogo entre o humano, o mundo

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e a natureza e impulsiona as intervenções que sejam mutuamente vantajosas e

proveitosas para todos.

Isso é necessário acontecer nas diferentes culturas, em que os diferentes

valores aparecem para dialogar. A força do diálogo se manifesta quando se

reconhece que há o enriquecimento pelas identidades sociais e culturais existentes

na diversidade e que traduzem a singularidade e a multidimensionalidade de cada

ser humano.

É importante, ainda, não esquecer que o diálogo entre a teoria e a prática

é fundamental, pois há uma complementaridade entre ambas e há a recursividade

que nos mostra diferentes momentos em que na ação de uma age a outra. Teoria e

prática vivem continuamente sincronizadas, enredadas, entranhadas, e participam

solidariamente do processo de construção do conhecimento e da aprendizagem.

(MORAES, 2003).

Nesse processo, a mediação pedagógica não é um diálogo em que uma

pessoa é mais importante que a outra, pois há um saber relacional em que os

interlocutores aprendem e ensinam a partir da realidade em que estão imersos e da

ontogênese4 de cada um.

Finalizando: um diálogo complexo almeja soluções consensuais dos

conflitos, respeita as diferenças e estimula, nas suas múltiplas dimensões, a

responsabilidade individual e coletiva.

2.1.2 Organização

A palavra organização vem da palavra grega organon, que significa

instrumento (HOUAISS, 2001, p.2079). É por meio da organização, do instrumento,

que o sistema expressa a sua identidade e funcionalidade, expressa aquilo que lhe

está destinado a desempenhar como totalidade complexa.

4 História do indivíduo pertencente a uma espécie de ser vivo.

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Para Morin (1987), organização é aquilo que liga os elementos entre si,

que une os elementos com a totalidade e com a totalidade de elementos. É ela que

liga e religa e que dá forma, no espaço e no tempo, a uma nova realidade

complexa. Ela possui caráter generativo e regenerativo, que garante a sua

permanência e existência por meio de sua capacidade de auto-organização.

Organização seria, portanto, aquilo que liga de maneira inter-relacionada

elementos, acontecimentos e indivíduos diversos e que, a partir dessa ligação,

passam a constituir uma totalidade (MORIN, 1987, 1996, 2001, 2003a, 2003b).

Essa ligação ocorre por meio de interações organizacionais, retroações

reguladoras e comunicações informacionais, que fazem com que os componentes

estejam associados, dependendo da qualidade de ligação que ocorre entre os

elementos.

Segue-se disso que a partir da disposição de relações entre os compo-

nentes ou indivíduos é produzida uma unidade complexa ou sistema, dotado de

qualidades desconhecidas no nível dos componentes ou dos indivíduos (MORIN,

2001, 2003a, 2003b, 2005).

Morin (2005) propõe que o conceito de organização deve conceber a sua

natureza física, pois a introdução de uma dimensão física radical numa organização

viva e na organização antropossocial deve ser considerada como elemento

transformador da organização física. Isso faz com que haja articulação não apenas da

esfera antropossocial com a biológica, mas também de ambas com a esfera física

(com o macrofísico e com o microfísico).

As informações anteriores colocam-nos a necessidade de diferenciarmos

organização de estrutura para que não sejam comprometidos os entendimentos que

se seguirão. Para diferenciá-las recorremos ao biólogo Humberto Maturana (2001).

Para ele, a organização traduz o conjunto de relações ou interações entre os compo-

nentes do sistema que caracteriza a classe à qual ele pertence, ou seja, se homem,

mulher, cachorro, mosca, minhoca, abelha e outros. A estrutura seria constituída pelos

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componentes físicos e as relações que esses elementos estabelecem e que nos

processos de auto-organização mudam continuamente de estado, ao mesmo tempo

em que conservam a organização em função da plasticidade do sistema e do meio.

Como exemplo, podemos citar uma cadeira. Ela é uma organização que

possui determinados componentes e propriedades que a caracterizam para que a

sua estrutura possa funcionar como tal. A estrutura da cadeira pode ser de ferro, de

madeira, de plástico ou de outro elemento qualquer, mas para poder continuar

sendo cadeira ela necessita manter os componentes, os elementos e as relações

que a caracterizam funcionalmente como tal.

Outro exemplo vem da química, quando trata de substâncias isômeras,

entendendo-se por isomeria o fenômeno que possibilita a existência de duas ou

mais estruturas para uma mesma fórmula molecular, ou seja, é a possibilidade de

existência de mais de um composto com a mesma fórmula molecular.

Como podemos observar no exemplo, ambas as substâncias têm a

mesma fórmula (C2H6O), mas têm arranjos estruturais diferentes e, conse-

qüentemente, comportamentos diferentes.

Ainda na química, Ilya Prigogine nos revela o caráter histórico das organi-

zações. Quais são as diferenças entre a química orgânica e a química biológica?

A diferença é que, na química biológica, moléculas como as deADN são moléculas que têm história e que, com a sua estrutura,nos falam do passado em que foram constituídas. São fósseis, ou,se preferirmos, testemunhos do passado, enquanto uma moléculaorgânica hoje criada é uma testemunha do presente e não teveuma evolução histórica (PRIGOGINE, 1999, p.30).

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Dessa situação podemos verificar que, na complexidade, a historicidade

acompanha os processos de organização, pois a recursividade sempre está

presente. Ainda podemos perceber o princípio hologramático, ou seja, o todo

contém as partes e as partes contêm o todo. A partir do DNA pode-se, ainda de

modo incipiente, ter informações do passado e do presente de um ser vivo.

Na biologia, podemos dar um exemplo que ocorre em muitos laboratórios

universitários. Se dissecarmos uma rã em uma aula de biologia é possível

conhecer as partes, os componentes, a sua estrutura, mas não a dinâmica do todo,

que depende das relações entre as partes dissecadas.

Na medicina, podemos buscar mais um exemplo. Caso um paciente

tenha a necessidade de trocar uma válvula natural do coração por uma artificial, o

coração manterá a sua organização, pois ele continuará a desenvolver a sua

dinâmica que o caracteriza como coração. Caso isso não ocorra, o indivíduo morre.

Esse entendimento do que é organização e estrutura é muito importante

para desenvolvermos o pensamento complexo e os desdobramentos deste.

Nesse sentido, Moraes retorna à física clássica para nos alertar sobre as

mudanças que o reconhecimento da organização gera:

Voltando ao mundo da física clássica, sabemos que ele era constituído deobjetos isolados submetidos a leis que eram universais como, porexemplo, a lei da gravidade. O fato de ser isolado indica que é fechado edistinto, sinalizando que o observador não participa de sua construção. Aoser fechado, indica que possui uma natureza auto-suficiente independentedo meio onde está inserido. Assim, não existiriam os fluxos nutridores, ainterpenetração sistêmica de energia, matéria e informação entre objeto eo meio onde está inserido (MORAES, 2004, p.59).

Com o surgimento da física quântica, constatou-se que os objetos não

estavam separados, mas unidos por fluxos de energia e matéria em interações

constantes. Verificou-se que, para compreendermos o objeto, é preciso compre-

ender as inter-relações, ou seja, o seu padrão organizacional. Estas descobertas

provocaram uma profunda crise no conceito de objeto e de elemento, segundo

Moraes (2004).

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A partir disso, Morin (2003a, 2003b, 2005) e Moraes (2004) esclarecem

que o que era objeto passou a ser explicado a partir de interações, sendo estas

constituintes da organização que representa. Portanto, para explicar o átomo era

necessário explicar as interações caracterizadoras de sua organização. O mesmo

aconteceu à célula, à vida e à sociedade.

Finalizando e destacando: a organização passou a ser a disposição das

relações entre os componentes que, por sua vez, produzem uma unidade

complexa ou sistema. Toda organização é, portanto, dinâmica e ativa, implicando a

presença de interações.

2.1.3 Sistemas

A idéia de sistema acompanha o homem nas diferentes áreas do saber e

destaca-se progressivamente em diversos ramos da ciência e da tecnologia, por

meio das investigações científicas e das diversas aplicações na medicina, na

engenharia eletrônica e na de telecomunicações, nas viagens espaciais, na

economia, na administração e na educação, entre muitos outros exemplos. Nós

podemos verificar essas situações nas palavras de Durand:

Assim, entre 1940 e 1960, assistimos a uma verdadeira explosão de conceitose novas ações em inúmeros domínios das ciências e das técnicas. Estefenômeno ocorreu essencialmente nos Estados Unidos, que se beneficiavamentão de um dinamismo notável, não só científico, mas também econômico epolítico. Esse grande movimento, num país particularmente pragmático,correspondeu à necessidade de dispor de um instrumento conceptual capaz deajudar a resolver problemas complexos nos mais diversos domínios: criação deinstrumentos de orientação de tiro aéreo, compreensão do funcionamento docérebro humano, direção de grandes organizações industriais, fabrico dosprimeiros grandes computadores, etc. (DURAND, 1992, p.12)

Esse impulso, ocorrido nos anos 1940 a 1960, trouxe consigo uma

variedade muito grande de conceitos relacionados a um mesmo fenômeno e que

necessitam ser diferenciados.

Para nos situarmos na diversidade de definições, utilizaremos as citadas

por Durand (1992, p.13):

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1. Saussure5: "uma totalidade organizada por elementos solidários, que

podem definir-se apenas uns em relação aos outros, em função do

seu lugar nesta totalidade".

2. Bertalanffy6: "é um conjunto de unidades com inter-relações mútuas".

3. Lesourne7: "é um conjunto de elementos ligados por um conjunto de

relações".

4. Rosnay8: "conjunto de elementos em interação dinâmica, organizado

em função de um fim".

5. Ladrière9: "objeto complexo, formado por componentes distintos,

ligados entre si por um certo número de relações".

6. Morin:10 "unidade global organizada por inter-relações entre os

elementos, ações ou indivíduos".

Como podemos perceber, as três primeiras são muito próximas e trazem as

noções de relação e de totalidade. Já as outras três trazem a noção complementar.

Utilizaremos a definição proposta por Edgar Morin para desenvolver o

pensamento complexo. Essa definição fornece elementos para que possa ser

aplicada a todos os objetos da física, da biologia, da sociedade, da astronomia,

enfim, em outros campos do saber e do viver.

Esse conceito, de acordo com Morin (1987, 1996, 2003b) e compartilhado

por Moraes (1997), demarca a existência de um agregado de coisas, independen-

temente de sua natureza, um conjunto de relações entre os elementos e a

existência de propriedades compartilhadas.

5 Ferdinand de Saussure: lingüista suíço.6 Karl Ludwig Von Bertalanffy: biólogo austríaco.7 Jacques Lesourne: economista francês.8 Jöel Rosnay: biólogo molecular francês.9 Jean Ladrière: filósofo e matemático belga.10 Edgar Morin: sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo francês.

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Essas propriedades são produtos das relações que se estabelecem entre

as partes, entre os subsistemas constituintes, que permitem a ocorrência de

processos de transição de estruturas que passam de um nível inferior para outro

superior, a partir das modificações ou transformações de suas propriedades.

A partir disso, Moraes (2004, p.62) esclarece:

Um sistema seria então uma totalidade/parte, que possui integralidade efuncionalidade específicas, mas que, ao mesmo tempo, integra outratotalidade e participa de outros sistemas em diferentes níveis, sistemasestes que a englobam e/ou restringem.

Como exemplo, podemos citar a Terra. Ela é um sistema complexo

constituído de totalidades e partes que se explicitam e integram um fluxo único de

energia universal. Então, a totalidade é parte de uma outra totalidade, e assim o é

indefinidamente. Também é importante a presença de interações entre as partes.

Esse conjunto totalidade/partes compõe a realidade e constitui o mundo

dinâmico no qual os objetos se interconectam mediante interações recorrentes.

A totalidade e as partes que constituem um sistema se relacionam no interior

de um ambiente no qual há trocas de energia, matéria e informação. Desse modo, a

interpenetração sistêmica pode ser energética, material ou informacional nos dife-

rentes níveis. Portanto, um sistema só pode ser compreendido se incluirmos nele o

seu ambiente, que é parte dele próprio e que, ao mesmo tempo, constitui o seu

entorno e os fluxos que o nutrem (MORAES, 1997). De outra maneira: o sistema

e o meio estão acoplados incondicionalmente. Caso isso não ocorra o

sistema se desintegra.

O fato de um sistema estar continuamente se comunicando com o ambiente,

trocando energia, matéria ou informação, caracteriza-o como um sistema aberto, que

por sua vez está em constante processo de comunicação com outros sistemas

integrantes do seu ambiente. Isso significa que, para a sua existência funcional e organi-

zacional, depende da nutrição exterior de energia, de matéria e informação (MORAES;

TORRE, 2004). Por exemplo, considere-se um protozoário em um ambiente aquático.

Ele necessita retirar alimento, energia e informações das propriedades físicas, químicas

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e biológicas da água desse ambiente para que possa se manter vivo. Muitas vezes ele

se encapsula, para continuar vivo, quando as condições ambientais são desfavoráveis.

Apesar de mudar a sua estrutura, mantém a sua organização. Disso podemos ainda

afirmar que todo sistema aberto tem uma historicidade.

Morin (2003b) e Maturana (1997) afirmam que qualquer sistema é aberto e

fechado simultaneamente, fato que não é aceito pela termodinâmica tradicional,

pois a abertura e o fechamento são tratados, por ela, como opostos e não como

complementares. Ela considera que um sistema fechado não troca matéria com o

meio exterior. Podemos citar o exemplo de um balão cheio de gás, que não troca

matéria, mas pode, por sua transparência, receber radiação do sol e irradiar calor

gerado pelo choque de átomos constituintes (BRUSCHI, 2003).

Mas, Maturana (1997) demonstra em sua teoria autopoiética que um ser

vivo é estruturalmente aberto e organizacionalmente fechado. Pois, caso mude a

organização, ele perde a sua condição de vivência e perece.

As situações anteriores podem ser verificadas nos seres humanos

quando percebemos que a afetividade é nutridora e transformadora quando interio-

rizamos tudo aquilo de que necessitamos para a manutenção da nossa organi-

zação viva, para que possamos nos desenvolver, evoluir, amar e ser amados e

transcender. Do mesmo modo, temos necessidade de obter energia, proteínas,

gorduras, sais minerais e outros nutrientes que entram na composição das estru-

turas que mantêm a nossa organização como seres vivos animais, e para que

mantenhamos a nossa autonomia.

Lembrando que não é autonomia absoluta, ela é sempre autonomia

relativa, pois continuamente há a necessidade de relacionamento com o meio no

qual o sistema está imerso.

Em razão disso, Moraes (2004) e Morin (1987, 2003b) destacam que um

sistema é um todo que toma forma, ao mesmo tempo em que se transforma e muda,

indicando que a idéia de emergência é inseparável da morfogênese sistêmica, sendo

essa emergência o surgimento de uma qualidade nova do mesmo.

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Disso podemos compreender que no uno há o múltiplo, a diversidade.

Esta é importante para a manutenção da vida na Terra. Na educação não é

diferente, pois há que se ter sempre uma visão em que a diversidade possa ser

acolhida como algo natural. Há a configuração inclusiva, em que o diferente deve

ser compreendido na escola, na sala de aula, em todos os ambientes escolares, e

deve ser levado para a casa, para o bairro onde mora, para as comunidades em

que vivemos, enfim, para a nossa vida diária.

Moraes (2003, 2004) alerta-nos que, para mantermos as diferenças, há o

surgimento da exclusão, da dissociação e da repulsão. Mas, para que o sistema

possa existir, as forças de atração, as ligações, as afinidades e a inclusão devem

predominar. Assim, as forças antagônicas estão presentes, mas precisam ser supe-

radas, neutralizadas, para que o sistema não desintegre. Isso demarca que em todo

o sistema a complementaridade e o antagonismo estão presentes.

Isso nos leva a compreender que o todo também é incerto, conflituoso e

insuficiente, pois a relação totalidade/parte é sempre uma relação aberta, estando

sujeita ao indeterminismo, ao acaso e ao inesperado. Então, um sistema aberto é

sempre um sistema incerto, no qual essa incerteza é condição indispensável para a

criação sistêmico-organizacional, no que se refere à autonomia física, biológica,

social e cultural do sistema (MORAES e TORRE, 2004).

Isso ocorre devido aos fluxos vitais e à capacidade de auto-organização dos

sistemas que implicam as incertezas, as bifurcações, podendo levar o sistema à

degradação e à desordem em função das constantes entradas de energia, matéria e

informação que desestabilizam o sistema (MORAES, 2004 e PRIGOGINE, 2002a).

Ciurana (2000); Moraes (1997, 2004); Morin (2003b); e Prigogine (1996,

1999, 2002a, 2002b) afirmam, então, que é praticamente impossível que um sistema

seja fechado em si mesmo. Eles compreendem que a totalidade é eco-sistêmica11,

11 A palavra está grafada de modo diferente da língua portuguesa para destacar o caráter relacionale sistêmico.

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relacional e é simultaneamente totalidade/parte. É uma unidade global que é parte de

outra unidade global, que é também parte de outra unidade.

Finalizando, o conceito de sistema é um dos parâmetros da complexi-

dade, faz parte da base fundante, indicando que um conceito necessita do outro

para a sua definição. Então podemos dizer que a complexidade é uma propriedade

do sistema, assim como o sistema constitui a base da complexidade.

2.1.4 Emergência

O fenômeno da emergência tem sido estudado pela ciência, em seus

diferentes campos do saber. Há várias classificações e muitas divergências a

respeito das explicações sobre elas.

A complexidade retoma esse conceito, pois a emergência é uma das

propriedades que constituem os sistemas complexos.

Para o físico argentino Mário Bunge (1980; 2004), a emergência é uma

novidade qualitativa (ontológica). Ele propõe que toda emergência é explicável

(epistemológica) pela análise da totalidade emergente em seus componentes e

pelas interações destes últimos.

Por exemplo, a sexualidade é uma propriedade que emerge ao nível

biológico, mas não é uma propriedade ininteligível, sendo explicada pela biologia

molecular e pela evolução. A primeira explica o mecanismo da fecundação e, a

segunda, as vantagens (e variedade e, portanto, seleção) da sexualidade.

Mário Bunge propõe que não podemos explicar muitas propriedades

emergentes devido à nossa ignorância sobre os fatos, e não por causa do compor-

tamento dos sistemas.

Porém, Prigogine (1996; 1999; 2002a; 2002b) não concorda com esse

pensamento, pois trabalha com a idéia de sistemas de não-equilíbrio, que são

fenômenos irreversíveis e criativos. Ele afirma (1999, p.73):

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[...] Para aqueles que, como Boltzmann, tiveram a idéia de exprimir airreversibilidade graças a uma probabilidade, a resposta era óbvia: aprobabilidade nascia da nossa ignorância das trajetórias exatas. Porconseguinte, a irreversibilidade é a expressão da nossa ignorância.

Atualmente, perante o papel criativo dos fenômenos irreversíveis, estaconcepção foi abolida: caso contrário seríamos obrigados a atribuir asestruturas que observamos à nossa ignorância. É verdade que aignorância é mãe de muitas desgraças, mas é sempre difícil atribuir-lhe opoder de nos criar. Por conseguinte, devemos superar a tentação daignorância, como superamos a tentação de explicar a física quântica comvariáveis desconhecidas.

Prigogine coloca como novidade a existência de processos irreversíveis.

Um exemplo pode ser o de que, quando um corpo passa ao lado da Terra, a

trajetória do nosso planeta muda, desloca-se e, a seguir, permanece diferente, não

volta à situação precedente.

Na nossa vida psicológica também verificamos um exemplo significativo

de irreversibilidade. O medo, uma vez instalado no nosso sistema emocional,

ficará latente para toda a nossa vida. Ele poderá não se manifestar por um longo

período, mas ao passarmos por um período de estresse ele pode voltar. Portanto,

o medo não é apagado, mas mantido sob controle com a ajuda da psicologia.

(LEDOUX, 2001).

Prigogine aceita a irreversibilidade e descarta a tentação da ignorância,

trazendo à tona a noção de emergência (1999, p.65):

Verificamos que os fenômenos irreversíveis dão origem a novas estruturase, a partir do momento em que aparecem novas estruturas comoconseqüência da irreversibilidade, já não nos é permitido acreditar sermosos responsáveis pelo aparecimento da perspectiva do antes e do depois.

Nessa situação, devemos substituir, a cada momento, a nossa infor-

mação sobre o "ponto" por uma informação sobre um sistema de pontos, pois o

conhecimento de que dispomos das condições iniciais, sejam elas quais forem, não

nos permitirá seguir a trajetória no curso do tempo.

Isso tudo nos leva a admitir que a importância do estudo dos sistemas de

não-equilíbrio reside no fato de que muitos fenômenos observados em laboratórios

e no dia-a-dia não são compreensíveis a não ser baseando-se no não-equilíbrio.

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A partir do exposto, Edgar Morin concorda com as idéias de Prigogine e

define emergência (apud MORAES, 2004). "Emergências são qualidades ou

propriedades novas de um sistema que nascem das organizações viventes." Ele

enfatizou em sua definição o vivente, porém as emergências acontecem em qualquer

sistema de não-equilíbrio. Nesse mesmo caminho vai Moraes (2004, p.179):

O surgimento espontâneo de um novo sistema ou de uma nova unidadeglobal resulta do indeterminismo inscrito no tecido do universo e comoconseqüência dos processos físico-químicos e biológicos que acontecemna natureza, significando que algo emerge sem precedentes ou sem serdeterminado pelo passado.

Podemos afirmar que, a partir do momento em que algo emerge em um

sistema, nunca mais ele será o mesmo.

Se fizermos a transposição para o processo de ensino-aprendizagem e

para a construção do conhecimento, percebemos que são sempre fenômenos

emergentes, em que a emoção reconfigura a aprendizagem gerando espaços

operacionais de ação e reflexão, sendo ainda percepção, intuição e tudo o que

constitui a estrutura do sistema vivo. De outra maneira: aprendemos com a nossa

corporalidade e pelas coisas incorporadas pela nossa humanidade.

Nas emergências citadas anteriormente pode surgir a presença de

atratores estranhos que estão presentes na vida do nosso planeta e no nosso dia-

a-dia. Prigogine esclarece esse fenômeno:

É um caso um pouco complexo, não de cada ponto de atracção, mas deuma curva fechada que traduz um comportamento periódico. Descobriu-sehá pouco tempo que, muitas vezes, o ponto de atracção é um conjunto depontos e que o sistema é atraído primeiramente por um ponto, depois poroutro, e ainda por outro. Fala-se então de atração estranha. [...] Chamam-se fractais, porque a sua dimensão (no sentido da geometria) não é umnúmero inteiro. Com os pontos de atracção que são fractais devemesperar-se comportamentos muito irregulares, caóticos e contínuasflutuações (PRIGOGINE, 1999, p.69).

Exemplificando isso no nosso dia-a-dia, tomemos a emergência de uma

briga em um campo de futebol. As torcidas estão envolvidas no jogo, no qual

ocorrem várias situações que vão emocionando os torcedores e fazendo os

sentimentos emergirem. Os jogadores erram muitos gols, os juízes erram nas

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marcações das faltas e dos impedimentos. De repente, surge um ponto de

bifurcação e um torcedor de um time acaba sendo agredido por um torcedor da

outra torcida, desencadeia-se uma atração em que outros se envolvem e de

repente as duas torcidas entram em choque e a polícia passa a atuar para

controlar, podendo chegar a situações caóticas, em que há fluxos intensos de raiva

e ódio, que ficam fora de controle, como já aconteceu em São Paulo, quando as

torcidas se enfrentaram, invadiram o campo de jogo e se agrediram de modo feroz,

ocasionando a morte de torcedores.

Nós podemos perceber que o todo e as partes dos sistemas que estão

em interação marcam o comportamento de um sistema complexo e muitas vezes

há comportamentos muito irregulares, chegando a ser caóticos e com contínuas

flutuações. A emergência leva à modificação no comportamento dos sistemas

enquanto ele existir.

Outro ponto importante é apresentado por Moraes (2004). Ela vê também

a emergência com sendo a possibilidade de novas qualidades, sempre incluindo os

predecessores e, depois, agregando os novos padrões que emergiram em sua

nova estrutura organizacional.

Ela demonstra que não se quer jogar o passado fora, ele faz parte do

presente, mas foi superado, modificado e ressignificado.

Da mesma maneira, Prigogine (1999, p.74) insiste em que devemos ver

de outra maneira a termodinâmica.

A mensagem do segundo princípio da termodinâmica não é umamensagem de ignorância, é uma mensagem sobre a estrutura douniverso. Os sistemas dinâmicos que estão na base da química, dabiologia, são sistemas instáveis que avançam para um futuro que nãopode ser determinado antecipadamente porque tenderão a cobrir tantaspossibilidades, tanto espaço quanto tiver à sua disposição.Não podemos prever o futuro da vida ou da nossa sociedade ou douniverso. A lição do segundo princípio é que este futuro permaneceaberto, ligado como está a processos sempre novos de transformação ede aumento da complexidade. Os recentes desenvolvimentos da termo-dinâmica propõem-nos, por conseguinte, um universo em que o tempo nãoé ilusão nem dissipação, mas no qual o tempo é criação.

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Assim, Prigogine, Moraes e Morin nos mostram que as emergências dos

sistemas de não-equilíbrio fazem parte da vida na Terra e da Terra, bem como do

processo de educação das pessoas, nas escolas, nas famílias, na sociedade.

Se por um lado precisamos aceitar a incerteza do futuro, a instabilidade

do presente e o surgimento de novas qualidades dos sistemas de não-equilíbrio,

por outro é necessário colocar à disposição dos alunos, nas escolas, as mais

diversas situações que envolvam o cognitivo, o afetivo e o emocional, para que

possam emergir as possibilidades mais diversas de pessoas humanas.

Nessa mesma forma de pensar, Varela (1996) afirma que a cognição

humana também é emergência de estados globais em uma rede de componentes

simples, sendo que esses estados globais envolvem a corporeidade humana e

estão imbricados com as histórias vividas pelo ser humano. Portanto, não se

restringe apenas ao cérebro, mas ao corpo como uma totalidade.

Disso tudo Morin (apud MORAES, 2004) coloca como ponto de destaque a

consciência humana. Ela é o produto global das interações e de interferências

cerebrais inseparáveis das interações e interferências da cultura sobre o indivíduo. É

uma emergência extraordinária do cérebro humano, graças à reflexão do sujeito e à

busca incessante em ser mais na vida dos "homens", e em querer superar o processo

evolutivo que nos condiciona ao deixar marcas e estigmas que sempre surgem e

ressurgem na vida de qualquer humano, porém a evolução não determina como

viveremos porque a consciência emerge da reorganização do cérebro.

A seguir comentaremos sobre as emergências que nos acompanham

diariamente em todas as atividades que realizamos – são elas as emoções.

2.2 EMOÇÃO E SENTIMENTO SEGUNDO DAMÁSIO (1996, 2000, 2004)

A seguir serão expostas as idéias que fundamentam a teoria de Antônio

Damásio sobre as emoções e sentimentos e que serão utilizadas nas análises dos

dados levantados nesta pesquisa.

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2.2.1 Emoção

Hoje já há provas suficientes de que os organismos simples na escala

zoológica apresentam reações emocionais.

Quando um protozoário encontra-se em um meio aquático, é fundamental

que ele consiga perceber como estão as condições ambientais. É a temperatura, são

as vibrações e os choques que podem arrebentar a sua membrana, é o pH da água e

a disponibilidade de alimento que estão em jogo, e ele reage, ou seja, procura um

local no meio em que haja a preservação da sua integridade física, química e

biológica. E assim ele o faz, caso contrário estará correndo risco de morte. A visão

anterior é aceita pelo biologista celular Bruce Lipton, ao afirmar: "[...] células simples

analisam milhares de estímulos do microambiente em que habitam. Por meio da

análise desses dados, as células selecionam as respostas comportamentais

apropriadas para assegurar a sobrevivência delas" (LIPTON, 2005, p.38).

Desse modo, esse ser sem cérebro já apresenta a essência do

processo de emoção presente nos seres humanos, ou seja, detectar os objetos

ou situações que necessitam de evasão ou bom acolhimento. Ele é capaz de reagir

e buscar um local do ambiente em que mantenha a vida e, se possível, com bem-

estar. O protozoário não aprendeu isso, ele já nasceu com isso, está no genoma

dele. Cabe destacar que isso ocorre sem a necessidade da consciência, do

raciocínio ou de decisão.

Diante disso, Damásio nos apresenta o seu entendimento do que vem a ser

uma emoção.

1. "Uma emoção propriamente dita é uma coleção de respostas

químicas e neurais que formam um padrão distinto." (2004, p.61).

Portanto, o sistema nervoso conta e muito nesse processo. Quanto

mais desenvolvido o cérebro, espera-se que seja mais capaz de

reagir às situações que estimulam as reações.

2. "As respostas são produzidas quando o cérebro normal detecta um

estímulo-emocional-competente (um EEC), o objeto ou acontecimento

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cuja presença real ou relembrada desencadeia a emoção. As respostas

são automáticas." (DAMÁSIO, 2004, p.261). Por isso, a emoção é na

maioria das vezes pública, ou seja, ela não é consciente. Ela

simplesmente ocorre, independentemente da vontade da pessoa que

está vivenciando essa emoção.

3. O cérebro está preparado pela evolução para responder a certos EEC

com repertórios de ação específicos. Mas as respostas não se limitam

às respostas herdadas, inclui muitas outras adquiridas pela experiência

individual. A ontogênese de cada indivíduo contribui para que as emer-

gências surjam. Muito mais ainda, não se pode prever todas as reações

de cada pessoa, pois cada um de nós tem a sua própria história de vida.

A escola e os professores necessitam compreender e aceitar que cada

aluno é único. Mesmo que todos os alunos tenham passado por uma

mesma experiência, em uma atividade escolar.

4. "O resultado imediato destas respostas é uma alteração temporária do

estado do corpo e do estado das estruturas cerebrais que mapeiam o

corpo e sustentam o pensamento." (DAMÁSIO, 2004, p.61). Quando

estamos em uma situação emocional, sofremos alterações da nossa

totalidade como seres humanos. O corpo como um todo é afetado, não

apenas o cérebro.

5. "O resultado final das respostas é a colocação do organismo direta ou

indiretamente em circunstâncias que levam à sobrevida ou bem-

estar." (DAMÁSIO, 2004, p.61). A compreensão dessa situação é

importante nos ambientes de aprendizagem. As emoções têm

sempre, como objetivo, a sobrevida ou o bem-estar, e o corpo em sua

totalidade vai reagir, por isso as situações que geram medo devem

ser banidas da escola. Os alunos e professores sempre reagirão para

sobreviver nos ambientes em que participam, e essa busca também

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tem o bem-estar como alvo. Por isso o enfrentamento professor-aluno

sempre carregará estigmas da nossa filogênese12 e da ontogênese. A

nossa animalidade se faz presente diante do medo. Isso explica por

que alguns alunos de repente têm a emergência de situações que

nunca esperávamos deles. Um dia eles reagem de forma que causa

surpresa a todos que presenciam as reações. O barulho em sala de

aula pode ser visto como um processo de solidariedade (biológica), já

que nos diferenciamos dos outros animais pela nossa linguagem e

pela consciência do uso dela.

A partir da idéia do que é emoção Damásio estabelece uma classificação para

as emoções, ainda que reconheça que classificar é complicado e comprometedor. Mas

classifica em busca de poder melhor explicá-las. Assim, classifica-as em: emoções de

fundo, emoções primárias e emoções sociais.

2.2.1.1 Emoções de fundo

Na nossa vida doméstica, de trabalho ou de lazer sempre encontramos

pessoas que, ao nos olharem, perguntam se estamos bem. E, perguntam porque

querem ajudar da maneira que for possível para elas. Nós não falamos nada, às

vezes nem as cumprimentamos, mas elas dizem que há algo errado com a gente,

pois as nossas expressões do corpo demonstram que há algo errado. Em uma

outra situação, que poderia ser simétrica, quando estamos com os olhos brilhando,

irradiando felicidade, exalamos um cheiro diferente do nosso corpo, estamos

eufóricos. Essas situações expressam as emoções de fundo, como afirma Damásio

(2004, p.52):

12 Filogênese: relativo à história da espécie de um ser vivo (evolução).

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As emoções de fundo são manifestações compostas de reações regulatóriasna medida em que elas se desenvolvem e interceptam momento a momento.Imagino as emoções de fundo como resultado imprevisível do desenca-deamento simultâneo de diversos processos regulatórios dentro do nossoorganismo.Há manifestações sutis, como o perfil dos movimentos, a sua precisão, asua freqüência e amplitude, bem como as expressões faciais.Quanto à linguagem, o que mais conta para as emoções de fundo não sãoas palavras propriamente ditas nem o seu significado, mas sim a músicada voz, as cadências do discurso, a prosódia.

Às vezes, o silêncio e as expressões da face dizem mais que muitas

palavras. Os professores devem contemplar esse tipo de emoção que ocorre a

cada momento. Durante as mediações da aprendizagem vão ocorrendo as emer-

gências de situações que acabam por perturbar o desenvolvimento dos trabalhos,

caso o professor não esteja atento para isso.

Também podem ocorrer situações de convergências em que as emer-

gências auxiliam o grupo no trabalho que está sendo desenvolvido. Há momentos

em que os fluxos de pensamento tornam os ambientes e as condições de aprendi-

zagem propícias para que as pessoas possam comunicar-se, concordar, discordar,

criticar, sem que haja a desqualificação das pessoas. Todos têm o direito de parti-

cipar do processo de aprendizagem de cada um.

As emoções de fundo fazem parte da sala de aula todos os dias, e a cada

momento o professor precisa contribuir no processo que se desenvolve, não para

obstaculizá-lo, mas para que haja fluxos de pensamentos agregadores. Ainda em

Damásio (2000, p.75-76):

Percebemos que uma pessoa está irritada, tensa, desanimada ouentusiasmada, abatida ou animada, sem que nenhuma palavra tenha sidodita para traduzir um desses possíveis estados, o que detectamos sãoemoções de fundo.Detectamos emoções de fundo por meio de detalhes sutis, como a posturado corpo, a velocidade e contorno dos movimentos, mudanças mínimas naquantidade e na velocidade dos movimentos oculares e no grau decontração dos músculos faciais.Os indutores de emoções de fundo são geralmente internos. Os própriosprocessos de regulação da vida podem causar essas emoções, mastambém podem ter como causa processos contínuos de conflito mental,explícitos ou velados, na medida em que esses processos acarretamsatisfação ou inibição constantes de impulsos e motivações.

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Um exemplo disso são os exercícios físicos prolongados. Eles podem

gerar euforia, como a do vencedor da corrida de São Silvestre, no último dia de

cada ano no Brasil. Ou gerar depressão, quando se marcha durante muito tempo e

não se tem outro motivo a não ser o andar em forma, andar linearmente. Ainda,

pode ser um longo período de reflexão sobre uma decisão difícil.

As pessoas que trabalham nas escolas devem ter conhecimento desse tipo

de situação. Se o professor, todo dia, ao chegar à sala de aula e cumprimentar os

estudantes, der uma olhada geral neles, terá um indício de como está o ambiente para

a aprendizagem naquele dia. Muitas vezes há, nessa emoção de fundo, um pedido de

socorro dos alunos, para que eles possam se salvar deles mesmos.

Essas emoções permitem que tenhamos, entre outros, os sentimentos de

fundo de tensão ou relaxamento, fadiga ou energia, bem-estar ou mal-estar,

ansiedade ou apreensão.

O que prevalece nessas emoções é o meio interno, o íntimo de cada

pessoa que se expressa de modo sutil dando pistas que podem ser percebidas ou

não por outras pessoas que convivem com ela.

2.2.1.2 Emoções primárias (básicas)

Estas emoções são as mais fáceis de definir, segundo Damásio (2004),

porque há uma tradição bem estabelecida em relação às emoções que devem fazer

parte deste grupo. São as emoções inatas ou pré-organizadas (DAMÁSIO, 1996).

Dentre elas podem ser incluídos o medo, a raiva, o nojo, a surpresa, a

tristeza e a felicidade, ou seja, aquelas que nós lembramos, de uma maneira geral,

quando falamos de emoção.

Também é importante destacar que essas emoções são as que mais

estão presentes no nosso dia-a-dia, nas diversas culturas que há no mundo e

também em seres que não são humanos. Isso nos demonstra que há reações que

são padrões devido à nossa filogênese, porém há outras que dependem muito da

nossa ontogênese, das condições ambientais, da tradição.

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A importância dessas emoções na mediação da aprendizagem nas

escolas é muito grande, haja vista estarem se manifestando constantemente nas

atividades propostas. É evidente que não se pode dar atenção o tempo todo para

um aluno que nós percebemos que não está em condições de aprender, porém

não devemos deixá-lo à mercê dele mesmo, pois ele pode estar vivenciando

situações que requerem ajuda.

O que é fundamental, aqui, é que os mediadores de aprendizagem

procurem perceber as manifestações das pessoas nas suas diversas formas, pois

"o corpo fala".

2.2.1.3 Emoções sociais (secundárias)

As emoções sociais são aquelas que surgem em um indivíduo quando se

vive em grupo. Incluem a simpatia, a compaixão, o embaraço, a vergonha, a culpa,

o orgulho, o ciúme, a inveja, a gratidão, a admiração, o espanto, a indignação e o

desprezo. Há diversas combinações entre as emoções de fundo e as emoções

primárias que podem dar origem às sociais.

Vê-se isso quando se despreza alguém com expressões faciais, simu-

lação de surdez, mudança do olhar.

Em uma visita que fizemos, no Natal de 2006, a um lar que cuida de

meninos e meninas de zero a dezoito anos portadores do vírus HIV, nós presen-

ciamos essa situação. Um menino que tem problemas mentais e de locomoção,

cadeirante, estava em uma roda de pessoas que estavam cantando e tocando

instrumentos musicais. Ele conseguia acompanhar a música com o pandeiro e

participar com as pessoas da festa que fomos fazer para eles. De repente, um

menino retirou da mão dele o pandeiro. Imediatamente ele fez uma expressão de

choro e verificou se alguém havia visto para tomar uma providência, ou seja, devolver

a ele o pandeiro. Apesar de ter problemas mentais e de locomoção, ele conseguia

expressar esse tipo de emoção ou simulá-la.

Damásio (2004, p.168) dá alguns exemplos das emoções sociais e seus

desdobramentos (quadro 1).

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QUADRO 1 - EMOÇÕES SOCIAIS POSITIVAS E NEGATIVAS

EMBARAÇO, VERGONHA, CULPAEEC(1): identificação de um problema no comportamento ou no corpo do próprio indivíduo.Conseqüências: evitação da punição imposta por terceiros; reequilíbrio do próprio indivíduo, do outro, ou dogrupo; policiamento das regras de comportamento social.Base: medo; tristeza; tendências submissas.

DESPREZO, INDIGNAÇÃO

EEC: violação de normas de conduta por parte de outra pessoa.Conseqüências: punição da violação; policiamento de regras de comportamento social.Base: nojo; zanga.

SIMPATIA, COMPAIXÃO

EEC: o sofrimento de outro indivíduo.Conseqüências: conforto; reequilíbrio do outro ou do grupo.Base: apego (vinculação); tristeza.

ESPANTO, ADMIRAÇÃO, ELEVAÇÃO, GRATIDÃO

EEC: reconhecimento (no outro ou no próprio indivíduo) de uma contribuição para a cooperação.Conseqüências: recompensa da cooperação; policiamento da tendência para a cooperação.Base: felicidade; alegria.

FONTE: Damásio (2004, p.168)

(1) EEC: Estímulo Emocionalmente Competente, aquilo que desencadeia uma emoção.

Os exemplos nos dão idéias sobre as relações sociais que vivemos todos

os dias, da cooperação à vigilância de comportamentos que são considerados

prejudiciais à vida em grupo. O reconhecimento dessas emoções e de seus desdo-

bramentos é importante para que as pessoas não fiquem à mercê de si mesmas e

acabem gerando transtornos mentais para si e para as outras pessoas com quem

convivem. Ou, ainda, é importante para sermos capazes de reconhecer as

emoções positivas que são os antídotos das emoções negativas.

Nas escolas, faz-se necessário compreender que essas emoções podem

dar origem a sentimentos de tais emoções e, portanto, esses sentimentos podem ser

trabalhados buscando sempre o que a natureza já nos coloca ao nascermos; o nosso

organismo sempre busca um equilíbrio ótimo.

2.2.2 Sentimentos

A neurobiologia e a psicologia deixaram durante muito tempo os

sentimentos em segundo plano quanto às pesquisas. Poucos são os pesqui-

sadores que têm encarado esse desafio. Entre eles destaca-se Antonio Damásio,

que elaborou uma teoria sobre emoção e sentimento tendo a biologia como

fundamento. Mais especificamente, ele trabalha com a neurobiologia.

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Cabem, neste momento, um esclarecimento e uma delimitação. As

pesquisas que têm sido desenvolvidas já evoluíram muito, mas há ainda algumas

lacunas a serem preenchidas. Porém, essas lacunas não destroem o caminho

explicativo que se buscará realizar de acordo com a teoria de Damásio.

Por muito tempo tem-se considerado emoção e sentimento como sinônimos.

Como exemplo, podemos citar a obra Compreender as Emoções, de Oatley; Jenkins

(2002, p.156): "Muitos termos foram usados para indicar as emoções. O termo

sentimento é sinônimo de emoção, embora com um campo mais vasto".

Os autores utilizam emoção e sentimento como sinônimos, embora

reconheçam que há diferenças entre as duas situações.

Sentimento, para Damásio (1996, 2000, 2004), não é sinônimo de

emoção, embora estejam, na maioria das vezes, relacionados. Ele também afirma

que as emoções precedem os sentimentos. Esta afirmação baseia-se nos

resultados de experimentos realizados por seu grupo de pesquisa (2004, p.109).

O nosso estudo trouxe também alguns resultados inesperados, mas bem-vindos. Como eu disse, durante a experiência tínhamos monitorado váriosparâmetros fisiológicos, como o ritmo cardíaco e a condutância cutânea, oque nos permitiu descobrir que as alterações de condutância cutâneaprecediam, em todos os casos, o sinal que indicava o começo da fase desentimento. Em outras palavras, a atividade sísmica da emoção apareciasempre antes de cada participante indicar com o movimento de um dedoque o sentimento da emoção estava começando. Esse resultado mostravainequivocamente que a emoção vem primeiro e o sentimento dela depois.

A partir da descoberta dessa situação, utilizaremos como fundamento que

o sentimento é posterior à emoção.

Outra situação que faz parte dos fundamentos é que o sentimento não é

de forma nenhuma um processo passivo.

Isso acontece porque o cérebro desempenha dois papéis fundamentais

nos organismos que sentem. Ele produz mapas neurais do estado do corpo.

Porém, antes disso o cérebro necessita construir os estados emocionais do

corpo, cujo mapeamento permite os sentidos.

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Esses estados emocionais surgem devido a uma gama intensa de

mudanças internas, no sangue, nos líquidos corpóreos, por mudanças nas atividades

dos órgãos internos e por mudanças na contratibilidade dos músculos estriados do

rosto, da garganta, do tronco e dos membros. Há também mudanças significativas no

estado de diversos circuitos neurais no interior do cérebro. Isso demonstra que as

mudanças são transitórias no estado do organismo (DAMÁSIO, 2004, 2000, 1996).

Vale lembrar que há mudança nas estruturas neurais, porém não há mudança na

organização neural que mantém o sistema nervoso, podendo operar de acordo com

um sistema nervoso de um indivíduo que sente (MATURANA, 1998b).

O sistema nervoso está apto a mapear as estruturas do corpo e os seus

diversos estados, porém não pode ficar só nisso. Há a necessidade de transformar os

padrões neurais desses mapas em padrões mentais, isto é, em imagens, em

representações, pois é a partir das representações que os sentimentos surgem.

Cabe-nos esclarecer o que é entendido por mapas neurais.

Sempre que se fala sobre o cérebro surge a palavra mapa, que pode ter

muitas interpretações e comprometer a fundamentação do processo de sentimento.

Utilizando as palavras de Damásio (2000, p.407):

Quando as partículas de luz conhecidas como fótons atingem a retina em umpadrão relacionado a um objeto específico, as células nervosas ativadasnesse padrão, digamos, um círculo ou uma cruz, constituem um "mapa"neural transitório. Em níveis subseqüentes do sistema nervoso, por exemplo,nos córtices visuais, formaram-se subseqüentemente mapas relacionados. Ébem verdade que, assim como ocorre com a palavra representação, existeuma noção legítima de padrão e de correspondência entre o que é mapeadoe o mapa. Mas essa correspondência não se dá ponto a ponto, e, portanto, omapa não precisa ser fiel. O cérebro é um sistema criativo. Em vez de refletirfielmente o ambiente que o circunda, como seria o caso com um mecanismoengendrado para o processamento de informações, cada cérebro constróimapas desse ambiente usando seus próprios parâmetros e sua própriaestrutura interna, criando, assim, um mundo único para a classe de cérebrosestruturados de modo comparável.

Aqui surge uma circunstância importante. O aparecimento dos senti-

mentos evolutivamente só foi possível quando os organismos passaram a produzir

mapas cerebrais capazes de representar estados do corpo. Essa representação

marca como o corpo se encontra com o passar do tempo.

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Cabe lembrar que são os mapas cerebrais que mantêm a regulação

cerebral do estado do corpo, sem a qual a vida não pode ser mantida.

Isso faz com que os sentimentos dependam não apenas da presença de um

corpo e de um cérebro capaz de representar esse corpo. Há também a necessidade

de dispositivos de regulação da vida que incluem os mecanismos de emoção e

sentimento, como é o caso do apetite13. Para que ocorra essa regulação é preciso que

haja um sistema de transmissão de informação de como se encontra o corpo, e que

isso seja enviado ao cérebro (DAMÁSIO, 2004, 2000).

Em relação a esse sistema de informação há muito ainda a se descobrir,

principalmente quando se trata da sinalização somática e do sistema somatos-

sensitivo que transmite os sinais.

Etimologicamente, "sômato-sensitivo" designa a percepção sensitiva do

Sômato, palavra grega que significa corpo. Porém, essa idéia, que parece óbvia,

não surge de imediato. Geralmente ela é mais restrita e acaba por se dar menos

importância a esse sistema.

O que ocorre na maioria das vezes é a idéia de propriocepção, ou seja, a

idéia de tato e de sensação nos músculos e nas articulações. Porém, para Damásio

(2004), o sistema somatossensitivo não realiza apenas essas funções e não

representa um sistema único. Há uma combinação de vários subsistemas que trans-

mitem ao cérebro sinais sobre o estado das diferentes partes do corpo, com o passar

do tempo.

Esses mecanismos diferem entre si, morfológica e histologicamente, no

transporte dos sinais do corpo até o sistema nervoso central, bem como na quanti-

dade e na topologia dos retransmissores do sistema nervoso central sobre os quais

eles mapeiam seus sinais.

13 Apetite segundo Damásio, designa o estado comportamental de um organismo afetado por umpulsão. Já o desejo refere-se ao sentimento consciente de um apetite (2004).

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A partir das situações comentadas inicialmente, já podemos começar a

desenvolver a idéia do que é um sentimento.

Os sentimentos, no sentido que Damásio (2004) utiliza e que nós

usaremos, emergem das reações chamadas emoções no sentido restrito do termo

e também das mais variadas reações homeostáticas14. Essas informam sobre as

dificuldades ou oportunidades e resolvem, por meio de ações, eliminar as

dificuldades ou aproveitar as oportunidades. Devemos lembrar que o organismo

sempre tende a buscar a situação mais benéfica para sua autopreservação.

Todas as reações homeostáticas funcionam dessa maneira e constituem,

por isso mesmo, um meio de avaliar as circunstâncias internas ou externas de um

organismo, de modo a permitir uma atuação que corresponda a essas circuns-

tâncias. Para isso, ele conta com o processo filogenético (evolução) e ontogenético

(história individual) (DAMÁSIO, 2004, 2000).

Ainda, não podemos esquecer que certas maneiras de estar do corpo estão

fortemente associadas ao que se pensa (temas) e como se pensa (modo de pensar).

Por exemplo, a tristeza é uma construção que dá origem a poucas imagens mentais,

porém há uma atenção exagerada nessas poucas imagens. Por outro lado, os estados

de felicidade são marcados por uma gama de imagens que mudam rapidamente e é

reduzida a atenção que lhes é dada.

Partindo das situações anteriores podemos nos aproximar mais da idéia

de Damásio, que diz: "o sentimento é uma percepção de um certo estado do corpo,

acompanhado pela percepção de pensamentos com certos temas e pela

percepção de um certo modo de pensar" (DAMÁSIO, 2004, p.92). Podemos afirmar

a partir disso que nos sentimentos há manifestação de um processo cognitivo. É

importante lembrar ainda que ter um sentimento é uma coisa, e conhecê-lo é outra,

pois isso requer reflexão. Nas situações em que não há tempo para a reflexão, os

sentimentos são constituídos pela percepção de um estado do corpo.

14 Homeostáticas; relativas à homeostasia, e que é o conjunto de processos de regulação e, aomesmo tempo, o resultante estado de vida bem regulada. Podemos dizer que homeostasiaassocia-se às reações fisiológicas coordenadas e em grande medida automáticas que sãonecessárias para manter estáveis os estados internos de um organismo vivo.

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Nesse momento, podemos destacar uma situação bastante importante

dos sentimentos e que determina o campo de ação deles, como enfatiza Damásio

(2004, p.98): "Uma coisa bem diferente no caso dos sentimentos, e a diferença não

é de todo trivial, é que os objetos e situações que constituem as origens imediatas

da essência do sentimento estão colocados dentro do corpo e não fora dele".

Isso nos permite afirmar que os sentimentos são tão mentais como

qualquer outra percepção, mas os objetos imediatos que lhes servem de conteúdo

fazem parte do organismo vivo e fazem os sentimentos emergirem.

Essa idéia de os sentimentos terem como conteúdo o interior do

organismo vem reforçar a teoria autopoiética de Maturana (1997); Varela (1996) e a

Enação de Varela (2001, 2003), pois sempre prevalece o interior do organismo

apesar das contribuições do exterior. Em relação à complexidade, a recursão

organizacional pode ser contemplada, uma vez que somos produtores e produto da

nossa existência (MORIN, 2003b e MORAES, 2004). Em relação à transdiscipli-

naridade, podemos acolher a multidimensionalidade e os diferentes níveis de

realidade e de percepção de cada ser humano.

Agora já podemos compreender que o substrato dos sentimentos é

constituído pelos mapas cerebrais do corpo que representam os mais diversos

parâmetros da estrutura do corpo. Já o conteúdo essencial dos sentimentos é um

estado corporal mapeado num sistema de regiões cerebrais, a partir do qual uma

imagem mental pode emergir.

É importante destacar que os sentimentos não se originam obrigato-

riamente no estado do corpo, pois há situações nas quais o que prevalece é o

estado real dos mapas cerebrais que as regiões somatossensitivas constroem a cada

momento. Damásio (2004, p.122) explica:

Podemos imaginar esses mapas como coleções de correspondência entretodo e qualquer ponto do corpo e as regiões somatossensitivas. Essaimagem nítida perde, no entanto, parte de sua clareza quando se tomaconhecimento de que outras regiões cerebrais podem interferirdiretamente na transmissão de sinal do corpo para as regiões somato-sensitivas. Ou interferir diretamente na atividade das regiões somato-sensitivas. O que resulta dessa interferência é curioso. Dado que a única

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fonte de imagens conscientes sobre o corpo é constituída pelos padrõesde atividades das regiões somatossensitivas, acontece que qualquerinterferência no mapeamento acaba por criar mapas falsos.

Um exemplo disso ocorre em certas situações em que a atividade cerebral

consegue impedir a transmissão dos sinais relacionados à dor e cujo mapeamento

levaria à experiência da dor. Evolutivamente essa falsa representação é muito

importante, caso nos defrontemos com um determinado perigo e tenhamos de fugir.

Certamente não sentir dor contribui significativamente na resposta de fuga e para a

preservação da vida. Os soldados na guerra representam bem essa situação.

Um outro caso pode ser percebido por profissionais que falam em público.

Quantas vezes essas pessoas estão com um problema de saúde e acabam se

saindo bem!

A partir do que foi apresentado pode-se dizer que, na essência, um

sentimento é uma idéia, uma idéia do corpo, uma idéia de um aspecto do corpo

quando o organismo é levado a reagir a certos estímulos e situações, sendo que a

consciência é fator decisivo nesse processo (DAMÁSIO, 2000).

Não podemos esquecer que o corpo é o teatro das emoções, enquanto

a mente é o teatro dos sentimentos e que ambos estão imbricados.

Temos ainda de lembrar que a relação exata entre sentimento e

consciência ainda não pode ser estabelecida, e é uma situação como a do "ovo e a

galinha" para a evolução. Prestemos atenção nas palavras de Damásio:

De uma forma geral, é possível dizer que não somos capazes de sentir senão estivermos conscientes. Por outro lado, é também verdade que osdispositivos fisiológicos do sentimento fazem eles mesmos parte dosprocessos que dão origem à consciência (DAMÁSIO, 2004, p.119).

Cabe lembrar, então, que consciência e sentimentos são parceiros dos

mesmos processos e que produzem um movimento em espiral em que um atua no

outro, porém somente com o desenvolvimento de novas tecnologias é que

poderemos resolver essas questões. Isso, contudo, não obstaculiza o avanço das

interpretações das emoções e sentimentos.

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2.2.2.1 Variedade de sentimentos

Para Damásio, há uma variedade de sentimentos. Ele distingue três

grupos: sentimentos de emoções primárias (básicas), sentimentos de emoções

sociais, e sentimentos de fundo.

a) Sentimentos de emoções primárias (cólera, felicidade, medo,

nojo, tristeza e surpresa)

Correspondem a perfis de resposta do estado do corpo que são, emgrande medida, pré-organizados na acepção de William James15. Quandoo corpo se conforma aos perfis de uma daquelas emoções, sentimo-nosfelizes, tristes, irados, receosos ou repugnados. Quando os sentimentosestão associados a emoções, a atenção converge substancialmente paraos sinais do corpo, e há partes dele que passam do segundo para oprimeiro plano de nossa atenção (DAMÁSIO, 1996, p.180).

Esses sentimentos revelam-nos como estamos a cada momento em

nossas vidas, porém, como as experiências são passadas individualmente,

devemos estar atentos nos ambientes de aprendizagem, pois há que se buscar o

porquê de um determinado aluno se comportar de determinada maneira. Não se

trata de querer ser psicanalista, mas de perceber como os alunos se encontram e o

que ocorre no mundo deles. Muitas vezes o professor é a única pessoa a que ele

tem acesso para demonstrar como está se sentindo.

b) Sentimentos de emoções sociais

Baseiam-se nas emoções que são variantes das antes mencionadas: aeuforia e o êxtase são variantes da felicidade; a melancolia e a ansiedadesão variantes da tristeza; o pânico e a timidez são variantes do medo.Esse tipo de sentimento é sintonizado quando gradações mais sutis doestado cognitivo são conectadas a variações mais sutis de um estadoemocional do corpo. É a ligação entre o conteúdo cognitivo intrincado euma variação num perfil pré-organizado dos estados do corpo que nospermite sentir gradações de remorso, vergonha, vingança (DAMÁSIO,1996, p.180).

15 William James (1842-1910), filósofo e psicólogo, reconhecido como fundador do pragmatismo eprimeiro grande psicólogo americano.

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Esses sentimentos estão fortemente ligados a um modo de pensar e a

alguns temas e manifestações corpóreas, que são manifestados todos os dias nos

diferentes ambientes escolares. Hoje vivemos um clima de tensão muito forte no

Brasil. Vemos e sentimos a violência tomar conta do nosso território, não estamos

seguros em nenhum lugar, e até mesmo dentro de nossas casas estamos correndo

perigo de uma "bala perdida".

Aqui, uma vez mais é importante afirmar que o medo não pode ser a

emoção principal dos ambientes de aprendizagem. Não devemos reforçar a

violência que vem de fora, pois esta contamina os ambientes escolares e passa a

ser praticada.

c) Sentimentos de fundo

Nós experimentamos algumas emoções que não são primárias nem

sociais, ora tênues, ora intensas, e percebemos o estado geral de nosso ser. A

percepção dessa perturbação que fica em segundo plano na nossa mente é

chamada de sentimento de fundo.

Às vezes nos tornamos conscientes deles e podemos prestar atençãoespecífica a eles. Ou então não atendemos para eles, mas para outrosconteúdos mentais. Contudo, de um modo ou de outro, os sentimentos defundo ajudam a definir nosso estado mental e dão cor à vida.Eles se originam de emoções de fundo, e estas, embora dirigidas maisinternamente do que externamente, podem ser observadas por outraspessoas de inúmeras maneiras: nas posturas do corpo, na velocidade econfiguração dos nossos movimentos, até mesmo no tom de nossa voz ena prosódia de nossa fala enquanto comunicamos pensamentos quepodem não ter relação com a emoção de fundo.Entre os sentimentos de fundo que mais se destacam estão: fadiga, energia,excitação, bem-estar, mal-estar, tensão, descontração, arrebatamento, desinte-resse, estabilidade, instabilidade, equilíbrio, desequilíbrio, harmonia, discórdia.(DAMÁSIO, 2000, p.361-62).

Além das situações anteriores, há uma relação estreita entre os sentimentos

de fundo e impulsos e motivações. Os impulsos expressam-se diretamente em

emoções de fundo, e finalmente nos damos conta de sua existência por meio de

sentimentos de fundo, o mesmo ocorrendo para as motivações.

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Os humores e os sentimentos de fundo podem manter uma relação estreita.

Os humores são formados por sentimentos de fundo modulados e contínuos e por

sentimentos modulados e contínuos de emoções primárias. Um exemplo dessa

situação é a tristeza, no caso da depressão.

Por fim, a relação entre sentimentos de fundo e consciência é igualmente

estreita: os sentimentos de fundo e a consciência central16 são intimamente

vinculados e não é fácil separá-los (DAMÁSIO, 2000).

Apesar de todos esses elementos e processos, um fenômeno como os

sentimentos de fundo dependem de muitos níveis de representação. Por exemplo,

alguns deles, relacionados ao meio interno e às vísceras, dependem de sinais que

ocorrem já na substância gelatinosa e na zona intermediária de cada segmento da

medula espinhal e na parte caudal dos núcleos do nervo trigêmio. Há também as

operações cíclicas dos músculos estriados de função cardíaca e padrões de

contração em músculos lisos (DAMÁSIO, 1996, 2000).

Concluindo com as palavras de Damásio (2000, p.362):

Provavelmente é correto afirmar que os sentimentos de fundo são umindicador fiel de parâmetros momentâneos do estado interno do organismo.Os ingredientes centrais desse indicador são: 1) a forma temporal e espacialdas operações da musculatura lisa nos vasos sangüíneos e em órgãosdiversos e dos músculos estriados do coração e do tórax; 2) a composiçãoquímica do meio próximo a todas as fibras musculares e 3) a presença ouausência de uma composição química que signifique uma ameaça àintegridade de tecidos vivos ou de condições de homeostase ótima.

Podemos perceber, nas palavras de Damásio, que os sentimentos de

fundo nos acompanham diariamente em todos os momentos, informando-nos quais

são as condições do nosso corpo e quais são as manobras que devem ocorrer

para que o corpo fique em uma situação de conforto e de sustentação da vida.

16 Consciência central é o próprio pensamento em que você, o próprio sentimento de si, é umindivíduo sendo envolvido no processo de tomar conhecimento de sua própria existência e daexistência dos outros.

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2.2.2.2 Da emoção ao sentimento consciente

O diálogo de uma paciente tratada pelo doutor Yves Agid e pelo seu

grupo de pesquisa no hospital Salpêtrière, em Paris, serve para ilustrar esse

processo. A paciente tinha 65 anos e sofria da doença de Parkinson, e a

substância Levodopa não fazia mais efeito. Ela e sua família não tinham nenhuma

história de transtorno mental e sempre foi bem-humorada. O doutor Yves estava

trabalhando com uma técnica que coloca eletrodos na cabeça do paciente, pelos

quais passa uma corrente elétrica. Acompanhemos as palavras dela:

Estou caindo dentro da minha própria cabeça, já não quero mais viver,nem ver nada, nem ouvir nada, nem sentir nada.Estou farta da vida, já chega... já não quero viver mais, tenho nojo da vida...É tudo inútil... não presto para nada...Tenho medo deste mundoQuero esconder-me num canto... claro que estou chorando por mimmesma... perdi a esperança, por que é que os estou aborrecendo comtudo isso? (apud DAMÁSIO, 2004, p.75-76).

Ao perceber a mudança no comportamento da paciente o médico

suspendeu a sessão e, após nove segundos, ela voltou ao normal e começou a

sorrir para os médicos. Esse episódio mostra que houve um estímulo de núcleos

cerebrais que desencadeiam emoções e que somente após ela mudar as feições

da face e a postura corporal é que surgiram os pensamentos relacionados à

tristeza, isto é, os sentimentos.

O caso citado pode ser representado em etapas, de acordo com Damásio

(quadro 2).

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QUADRO 2 - ETAPAS PARA A FORMAÇÃO DOS SENTIMENTOS CONSCIENTES

1. "Acionamento do organismo por um indutor de emoção, por exemplo, determinado objeto processado visualmente,resultando em representações visuais do objeto. Este pode ou não ser tornado consciente e pode ou não serreconhecido, pois nem a consciência do objeto nem o reconhecimento dele são necessários para a continuação dociclo."

2. "Sinais decorrentes do processamento da imagem do objeto ativam sítios neurais que estão pré-ajustados parareagir à classe específica de indutor à qual pertence o objeto (sítios indutores de emoção)."

3. "Os sítios indutores de emoção geram várias reações dirigidas ao corpo e a outros sítios cerebrais e desencadeiamtodo o espectro de reações corporais e cerebrais que constituem a emoção."

4. "Nas regiões corticais e subcorticais, mapas neurais de primeira ordem representam mudanças no estado corporal,independentemente de terem sido obtidas via "alça corpórea"17, via alça "corpórea virtual"18 ou via mecanismocombinados. Sentimentos emergem."

5. "O padrão de atividade neural nos sítios indutores de emoção é mapeado em estruturas de neurais de segundaordem. O protoself19 é alterado em razão desses eventos. As mudanças no protoself também são mapeadas emestruturas neurais de segunda ordem."

FONTE: Damásio (2000, p.358)

As etapas descritas por Damásio não são ortodoxas, haja vista que ele

propõe que, na maioria das vezes, só se desenvolve um sentimento depois que ocorreu

uma emoção respectiva, ou seja, que as emoções precedem os sentimentos.

Outra situação importante é que ter um sentimento não significa conhecer

esse sentimento, pois a reflexão sobre ele é uma etapa posterior, como afirma Forster:

"como posso saber o que penso antes de dizê-lo?" (apud DAMÁSIO, 2000, p.359).

De acordo com as etapas apresentadas acima podemos afirmar que há

um acoplamento corpóreo obrigatório entre emoção, sentimento e consciência. O

que existe é um organismo que possui um cérebro e um corpo que o contém e o

mantém, e que está preparado (filogeneticamente) para reagir de certas formas a

17 Alça Corpórea: este mecanismo emprega sinais humorais (mensagens químicas transmitidas

pela corrente sanguínea) e sinais neurais (mensagens eletroquímicas transmitidas pelas viasnervosas). Em conseqüência de ambos os tipos de sinais, a paisagem do corpo muda, sendosubseqüentemente representada em estruturas somato-sensitivas do sistema nervoso central,rostrais ao tronco cerebral.

18 Alça Virtual: neste mecanismo alternativo, a representação de mudanças relacionadas ao corpoé criada diretamente em mapas sensoriais do corpo, sob o controle de outros sítios neurais,como, por exemplo, os córtices pré-frontais. É "como se" o corpo realmente tivesse mudado, semque de fato isto tenha acontecido.

19 Proto-self: é um conjunto coerente de padrões neurais que mapeiam, a cada momento, o estadoda estrutura física do organismo nas suas numerosas dimensões, sendo inconsciente.

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determinados estímulos e com a capacidade de formar imagens, ou seja,

representar os estados internos causados pela reação desses estímulos.

Com o aumento da complexidade e coordenação das representações,

estas passam a constituir uma representação acoplada ao organismo, que é um

proto-self. Em seguida isso torna possível gerar imagens (representações) do

proto-self de acordo com o modo como ele é afetado pelo acoplamento com o

meio. Somente a partir disso tem início a consciência, e à medida que o organismo

está reagindo otimamente ao seu meio ele começa a perceber que está reagindo

de maneira ótima a seu meio.

Então podemos afirmar que para isso ocorrer há a necessidade de

representações do organismo e, portanto, a essência desse processo é o corpo.

2.2.2.3 Para que servem os sentimentos?

Combinando com Damásio (2004; 2000), podemos enumerar algumas

situações em que os sentimentos ganham importância para a vida dos seres

humanos.

1. A nossa morfologia e nossa fisiologia marcam a nossa animalidade

diferenciando-nos dos outros animais na escala zoológica, porém elas

estão encarnadas em nossa humanidade.

Para que o cérebro possa coordenar as numerosas funções do corpo dasquais a vida depende, ele precisa ter mapas nos quais os estados dosmais diversos sistemas do corpo estão representados a todo instante. Osucesso de regulação da vida depende desse mapeamento em massa. Énecessário saber aquilo que está acontecendo em diversos setores docorpo para que certas funções possam ser controladas e para que certascorreções possam ser efetuadas (DAMÁSIO, 2004, p.189).

2. Para Damásio, os sentimentos não ocorrem em qualquer ser vivo,

pois há algumas condições a serem satisfeitas: a) o ser vivo precisa

ter sistema nervoso; b) esse sistema deve ser capaz de mapear as

estruturas corpóreas e seus diversos estados; c) esse sistema deve

ser capaz de transformar os padrões neurais desses mapas em

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padrões mentais, isto é, em imagens; d) há ainda a necessidade da

consciência na maioria das vezes. Por isso é que um vegetal não

possui sentimento, e muitos animais também, embora haja cientistas

que estão tentando provar que os animais possuem sentimento, como

é o caso de Wilhelm (2006). Damásio também acredita que animais

como o cachorro e o gato possuem sentimento, embora não possa

ainda prová-lo cientificamente.

Os sentimentos emergiram, com toda a probabilidade, como umsubproduto do fato de que o cérebro está empenhado no governo da vida.Se a regulação da vida não tivesse utilizado eficazmente a presença demapas neurais do estado do corpo, ou seja, se esses mapas neurais nãotivessem prevalecido na evolução, é possível que os seres humanosnunca tivessem tido sentidos (DAMÁSIO, 2004, p.189).

3. A evolução nos marcou profundamente com a presença do poder

pensar, da razão, com a presença da consciência, e tudo isso ligado a

um sistema nervoso complexo, porém ela deixou espaço para que a

nossa história de vida, a nossa criatividade e a nossa capacidade de

superação sejam marcas individuais dentro do coletivo.

Sem a presença de sentimentos, os mapas do corpo podem apenasprestar uma assistência limitada ao processo de regulação da vida. Osmapas funcionam bem com problemas de uma certa complexidade, masquando os problemas se tornam demasiado complexos, quando requeremuma combinação de respostas automáticas e raciocínio sobre osconhecimentos acumulados, os mapas inconscientes não bastam. É apartir desse momento que os sentimentos se tornam valiosos. São assimporque os problemas mais refinados, os problemas que confrontamos emqualquer atividade criadora ou na atividade de julgar o próximo, requerema exibição simultânea e a manipulação de numerosos dados deconhecimento. Quer dizer, é apenas o nível mental das operaçõesbiológicas que nos permite integrar todos esses dados de uma formarápida e nos permite avaliá-las de modo a resolver um problema comeficácia (DAMÁSIO, 2004, p.190).

4. A memória tem lugar cativo na expressão dos sentimentos, bem como

a simpatia, a empatia e a reflexão sobre as diversas condições em

que nosso corpo está nas diferentes horas do dia e diante dos mais

diversos acontecimentos que vão sendo percebidos em nossa história

de vida.

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5. "Não permitem que os acontecimentos importantes da nossa vida

passem despercebidos." (DAMÁSIO, 2004, p.191).

Aqui a ontogênese tem presença muito forte, pois os acontecimentos

importantes dependem de cada corpo e mente, portanto o que é

importante para uma pessoa pode não ser para outra e vice-versa.

Essa situação se faz presente diariamente, pois se estamos vivos

carregamos junto conosco um repertório de sentimentos de fundo.

6. "O passado, o agora e o futuro antevisto tornam-se salientes sob a

ação dos sentimentos e têm maior probabilidade de influenciar o

raciocínio e a tomada de decisão." (DAMÁSIO, 2004, p.191).

Os sentimentos colocam uma situação que está posta com muita segu-

rança. Razão e emoção são companheiras. Cérebro e mente habitam

um mesmo corpo. Estão visceralmente encarnados em nossa humani-

dade e, por meio de reflexões, chega-se a uma tomada de decisão.

7. "A estrutura por detrás dos sentimentos oferece informações

explícitas e sublinhadas sobre o estado do organismo e permite,

assim, as correções mais perfeitas possíveis." (DAMÁSIO, 2004, p.191).

Os estigmas da evolução se fazem presentes para que possamos

viver muito próximos do bem-estar.

8. "A aprendizagem e a recordação dos objetos e situações emocio-

nalmente competentes são também apoiadas pela presença de

sentimentos." (DAMÁSIO, 2004, p.191).

Devemos compreender que nos ambientes escolares as situações

emocionalmente competentes precisam ser baseadas no acolhimento

e na tolerância, se quisermos ir mais fundo ainda na aceitação, porém

não conseguiremos isso se a emoção fundante for o medo.

9. "De um modo geral a memória de uma situação sentida faz com que,

conscientemente ou não, evitemos acontecimentos associados com

sentimentos negativos e procuremos sentimentos positivos." (DAMÁSIO,

2004, p.191).

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Nós podemos aprender com o amor ou com a dor, porém a nossa

animalidade, que marca a nossa humanidade, faz-nos evitar as

situações de dor, pois o nosso corpo tende a buscar o bem-estar.

10. "Os sentimentos levam à emergência da capacidade de antevisão e

previsão de problemas e à possibilidade de criar situações novas e

não estereotipadas." (DAMÁSIO, 2000, p.360).

A nossa capacidade de raciocinar, de nos comunicarmos, a empatia e

a intuição fazem parte da nossa humanidade e da nossa animalidade.

O ontem, o hoje e o amanhã emergem diariamente em nossa vida.

Estamos embebidos nos mais variados níveis de realidade.

11. Os sentimentos positivos não são marcados apenas pela ausência de

dor, mas há o surgimento de prazer em formas diversas. Assim,

também, os sentimentos negativos não são marcados apenas pela

ausência de prazer, mas por uma gama de diversas formas de dor.

Antônio Damásio demonstra a importância deles.

Julgo que é possível dizer, com alguma confiança, que os sentimentospositivos e negativos são determinados pela regulação da vida. O sinalpositivo ou negativo é conferido pela proximidade ou distância relati-vamente aos estados que representam uma regulação ótima. (DAMÁSIO,2004, p.143).

O nosso organismo não quer que um sentimento se torne intenso demais,

pois a nossa organização busca um equilíbrio ótimo. Não pode ser só dor, porém

não pode ser só prazer, e é nesse ponto que a escola deve cuidar com as receitas,

com a tentativa de só querermos viver e conviver no prazer, com as promessas de

se aprender brincando. Isso não quer dizer que o lúdico não faça parte do

aprendizado das pessoas. Ainda há que se reconhecer que os sentimentos positi-

vos propiciam melhor substrato para a aprendizagem.

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2.2.2.4 Sentimentos e educação

Os sentimentos, junto com as emoções, sugerem-nos que devemos

reabilitar o corpo na educação e nas escolas. Não basta apenas a razão, pois ela

não surge dela mesma, ela tem como companheiros os sentimentos e as emoções.

Somos corpos, corpos vividos, corpos que vivenciam sentimentos, corpos

que se emocionam. Não há mente, não há razão, não há espírito que não seja

encarnado. É necessário que os alunos sejam considerados em sua totalidade, e não

apenas o cérebro. É fundamental termos claro que não há conhecimento sem corpo.

Os sentimentos e as emoções fazem parte das tomadas de decisões que

executamos diariamente. Razão, emoção e sentimentos estão imbricados nos corpos

que os sustentam. Como afirma Serres (2004, p.68): "Vejam o que quero mostrar: que

não existe nada no conhecimento que não tenha estado primeiramente no corpo

inteiro, cujas metamorfoses gestuais, posturais móveis e a própria evolução imitam

tudo aquilo que nos rodeia".

Portanto, um conhecimento sempre está impregnado de emoções e

sentimentos, pois ele é mapeado a partir das marcas internas do corpo.

Neste momento podemos perguntar: na escola educamos emoções ou

sentimentos?

Como resposta, temos que os padrões neurais que constituem o substrato

de um sentimento surgem em duas classes de mudanças biológicas: as relacionadas

com o estado corporal e as associadas ao estado cognitivo. Se há uma mudança

cognitiva então temos e podemos trabalhar com ela, não fisiologicamente, pois esta é

interna e não podemos sentir quando estão ocorrendo. O que sentimos já são as

conseqüências dessa mudança. Mas, em relação ao modo e ao que pensar, estes

podem ser trabalhados em sala de aula. Portanto, podemos, com muito cuidado,

trabalhar os sentimentos em sala de aula, a partir das emoções que são demons-

tradas, pois elas são públicas e são os insumos neste processo.

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As situações descritas anteriormente surgem diariamente nas escolas e

evocam emoções que dão origem a sentimentos nos alunos e professores e originam

respostas de acordo com a animalidade de cada um e da história de cada indivíduo.

As pessoas não reagem da mesma maneira, pois não há dois seres humanos com a

mesma história de vida, mesmo que tenham vivenciado um mesmo processo. Desse

modo, na escola é preciso ter muito cuidado com as mediações pedagógicas, pois

nunca saberemos quais serão os pontos de bifurcação que darão origem às

emergências nos processos educacionais.

Vale ainda lembrar que os ambientes escolares devem ser permeados

por emoções positivas, pois estas impedem que as emoções negativas surjam e

levem o sujeito a desenvolver sentimentos negativos e ajam a partir deles. É

importante compreendermos, ainda, que o nosso organismo não suporta ficar nos

extremos, isto é, sentirmos somente sentimentos de prazer ou dor. No organismo

humano "a intensidade não é amiga da extensão". Por isso é que a homeostase

é um equilíbrio dinâmico que se reconstrói o tempo todo, enquanto houver vida e

sempre buscando o bem-estar ou a sobrevida.

A partir desse conceito biológico de homeostase as emoções e sentimentos

positivos ganham força nos processos educacionais e de aprendizagem e no convívio

entre os humanos.

2.3 MEDO

As ações animais e humanas são mediadas pelo cérebro. Para perce-

bermos essa atuação devemos analisar o comportamento dos animais e do

homem, bem como os circuitos neurais envolvidos e a fisiologia deles.

Muitas vezes, situações desagradáveis vivenciadas em casa ou no quintal

da mesma, bem como a visão e o sons dessas situações, tornam-se estímulos

emocionais em relação àquelas situações. Há uma transformação de estímulos

comuns no dia-a-dia, em sinais de alerta, pistas que indicam situações poten-

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cialmente perigosas com base no passado e no presente, ou seja, de acordo com a

ontogênese de cada indivíduo (CICERI, 2004; DAMÁSIO, 2004; LEDOUX, 2001; LEITE,

2005; GIORA, 2000).

Nós possuímos características que são próprias do ser humano, como

compor uma música, escrever uma poesia, construir um algoritmo, solucionar

equações matemáticas, porém nada disso conta quando estamos diante de uma

ameaça repentina e instantânea à nossa existência.

Nesse momento surge o medo, visto como um sistema de defesa que

medeia nossa ação no mundo, para torná-la mais segura e eficaz (CICERI, 2004),

ou, como percebe Ledoux (2001), sendo um estado subjetivo de alerta,

desencadeado pelos sistemas cerebrais que reagem ao perigo.

Fato é que o nosso cérebro possui mecanismos para detectar o perigo e

termos reações imediatas. Cada espécie possui reações próprias, como correr,

voar, nadar, modificar o corpo, emitir sons.

Há, contudo, situações que podem ser compartilhadas pelo homem e

outros animais, podendo ser mais próximas ou mais afastadas, dependendo do

parentesco filogenético.

Nós precisamos levantar um ponto importante em relação ao ser humano.

Os perigos a que estamos expostos são mais ontogenéticos do que

filogenéticos. Dito de outra maneira, normalmente nas cidades não há cobras,

jacarés ou onças circulando. Estes encontram-se nos ambientes que lhes são

destinados, como os zoológicos e as reservas naturais. Porém, há outras situações

criadas pelo homem e que levam ao perigo, com mais intensidade ainda, como os

carros, os aviões, os navios, as armas com potencial altamente mortal, os esportes

radicais, as diferenças econômicas, as guerras por recursos naturais, o controle

das tecnologias, em que há os que as detêm e os que não as possuem, sendo

criadas situações de exclusão social.

Há situações como os brinquedos e esportes radicais, cuja finalidade é

gerar ansiedade, medo, chegando às vezes a gerar pânico.

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Como diz Eibl-Eibesfeldt (apud LEDOUX, 2001, p.118): "Talvez o homem

seja uma das criaturas mais temerosas, visto que, além do medo fundamental dos

predadores e outros animais hostis, há os pavores existenciais, de fundo intelectual".

Essa característica nos difere de outros animais, evolutivamente, pois

possuímos a capacidade de raciocinar e também de sermos atingidos por

transtornos mentais gerados por ela.

Além das características que vamos adquirindo ao longo da nossa história

de vida, há outras que são herdadas, como lembra Charles Darwin (2000) no

seu trabalho Expressões das emoções no homem e nos animais, no qual ele

verificou que muitas expressões de emoções são herdadas, isto é, não foram

aprendidas pelos indivíduos. E há situações que servem tanto para os animais

como para o homem. Algumas delas são urinar, defecar, eriçar os pêlos, morder,

ranger dos dentes, sentir-se solidário. A questão aqui é dissuadir o inimigo de

atacar. Elas fazem parte da história evolutiva das espécies.

Outro ponto importante é o fato de não conseguirmos, na maioria das

vezes, escondermos as emoções que tomam conta do nosso corpo (DAMÁSIO,

2004). O naturalista Charles Darwin (2000) já percebia isso quando falava que,

com muita força, tentava-se esconder as emoções, mas que no geral elas são

involuntárias.

A situação vivida em uma aula no curso de taxidermia20 que eu realizava

durante a minha graduação em biologia pode servir de exemplo.

Eu estava observando, em um terrário, o comportamento de uma cobra

Jararaca (Bothrops jararaca) e de repente ela deu um bote contra o vidro, fazendo

com que eu pulasse para trás a uma distância de cerca de um metro. Por mais que eu

soubesse que fui eu quem construiu o terrário e que o mesmo tinha segurança, não

consegui ficar passivo àquela situação. O cérebro (mais especificamente a amígdala)

me fez reagir.

20 Taxidermia: empalhar o animal depois de morto. Antiga técnica de colocar palha no interior docorpo de animal depois de morto e da retirada dos órgãos internos.

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Todos os animais procuram proteger-se das condições de perigo para

sobreviver e dispõem de um arsenal de estratégias para enfrentar o perigo, das

quais muitas são filogenéticas e outras são ontogenéticas.

Issac Marks (apud LEDOUX, 2001), Ciceri (2004) e Damásio (2004) citam

algumas estratégias de proteção:

bater em retirada (evitando o perigo ou fugindo);

imobilizar-se (paralisar-se);

agressão defensiva (mostrar-se ao perigo ou revidar);

submissão (pacificação);

emergências (imprevisíveis).

Diante dessas situações de perigo toda a fisiologia animal muda. No caso

do homem haverá a disponibilização de todos os recursos fisiológicos possíveis:

hormônios (adrenalina, cortisol), energia (glicose) para os músculos, aumento da

ventilação pulmonar (oxigênio). Qual será a estratégia utilizada? Depende das

estruturas internas; o estímulo perturba e a auto-organização define como reagir

(MATURANA, 1997; VARELA, 1996). Há a emergência de respostas que não podem

ser determinadas previamente.

Como exemplo dessa imprevisibilidade há o caso do apresentador

australiano Steve Irwin, 44 anos, que foi morto, no dia 04 de setembro de 2006,

pelo ferrão de uma arraia que atravessou seu coração (A NOTÍCIA, 2006). Apesar de

ele ter muita experiência com animais venenosos, peçonhentos e perigosos, houve

a emergência de uma reação que ele não previa, ou seja, ser atacado pelo animal.

Qual foi o ponto de bifurcação que deu origem a essa emergência? Somente

a arraia sabe? Ou nem ela!

O homem, como outros animais, utiliza-se dessas estratégias na vida

diária diante dos perigos que encontra, sejam eles reais ou virtuais, pois as

emoções são sempre reais (MATURANA, 1997, 1998a, 1998b, 2001). Porém,

podemos ampliar as nossas estratégias utilizando a nossa inteligência.

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As soluções adotadas pelos animais, inclusive o homem, são dinâmicas e

sujeitas a emergências de todas as ordens. Mas é evidente que há também um

componente genético no comportamento em relação ao medo nos animais. No

homem também. Sabe-se que gêmeos idênticos21 tendem a se comportar de modo

semelhante, já os gêmeos fraternos22, não (LEDOUX, 2001).

Neste momento, é oportuno lembrar as palavras de Richard Dawkins

(apud LEDOUX, 2001). Quando temos um gene homozigoto23, nós o transmitiremos

aos nossos filhos, porém, se o efeito fenotípico24 se manifestará, dependerá da

educação, da cultura, da alimentação, bem como dos demais genes que

constituem a nossa organização.

Nós podemos dizer que os genes proporcionam matérias-primas a partir

das quais surgem as emoções, porém eles não determinam sozinhos como nos

sentiremos e agiremos nas situações que ocorrem no dia-a-dia, pois há fatores

sociais envolvidos em muitas emoções vivenciadas. Como afirma Ledoux (2001,

p.125): "Natureza e criação são parceiras em nossa vida emocional".

2.3.1 Condicionamento do Medo (LEDOUX, 2001)

O condicionamento do medo corresponde ao processo desenvolvido por

Ivan Pavlov no início do século XX. Ele observou que os cães salivavam quando era

tocado um sino, se o som informasse o momento em que ele receberia um pedaço de

carne em sua boca. Ele chamou a carne de estímulo incondicionado (EI), o sino de

21 Gêmeos idênticos são formados a partir de um mesmo óvulo fecundado, são do mesmo sexo ecom características muito semelhantes.

22 Gêmeos fraternos são formados por dois ou mais óvulos fecundados podendo ser do mesmosexo ou não e com características parecidas ou não.

23 Homozigoto: diz-se de indivíduo no qual os alelos de um ou mais genes são idênticos.

24 Fenotípico: referente a fenótipo, sendo este o conjunto de características observáveis, aparentes,de um indivíduo, de um organismo, devidas a fatores hereditários (genótipo) e às modificaçõestrazidas pelo meio ambiente.

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estímulo condicionado (EC), e salivação produzida pelo EC de reação condicionada

(RC). O potencial de o sino levar à salivação foi condicionado por sua relação com a

carne, que provocou naturalmente e incondicionalmente a salivação.

Em um experimento típico do condicionamento do medo, Ledoux (2001)

colocou um rato numa pequena gaiola. Em seguida, ouvia-se um som, seguido de

um choque rápido e brando nos pés. Depois de algumas repetições desse

processo, o rato começa a mostrar medo.

Destaquemos então as correspondências com Pavlov. O som foi o EC, o

choque foi o EI e as expressões autônomas e comportamentais foram a RC. Na

linguagem de Ledoux (2001), o EI foi o gatilho natural e o EC foi o gatilho aprendido.

Devemos destacar que o condicionamento do medo não inclui o aprendi-

zado da resposta. O que ocorre são emergências ligadas a cada situação.

Verifica-se que os ratos paralisam-se quando submetidos a um som. Eles

o fazem naturalmente quando expostos a perigos potenciais. É uma estratégia

inata (filogenética) que pode ser disparada pelo gatilho natural ou o aprendido. Os

animais possuem um arsenal de respostas quando se defrontam com o perigo, e

inclusive o homem comporta-se dessa maneira.

O aprendizado do medo condicionado é muito rápido e pode dar-se em

seguida a uma EC-EI e uma RC, apenas uma vez. Essa característica é evolutiva,

pois os animais na natureza não podem se dar ao luxo de uma pedagogia do erro,

porque esta pode ser fatal.

Imaginemos um pescador num rio do Mato Grosso e uma cobra sucuri

que vive nesse ambiente. Ele está pescando tranqüilamente e de repente surge

uma sucuri que avança sobre ele. O pescador precisa se esforçar muito para poder

escapar dela. Nas próximas vezes em que ele for pescar no mesmo rio, evitará o

mesmo lugar, e ainda será cauteloso ao ir pescar em outros rios. O rio, o barranco,

a vegetação, a lâmina de água tornaram-se interligadas no cérebro do pescador, e

a proximidade do rio coloca-o na defensiva.

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Cabe citar um exemplo do nosso dia-a-dia: se uma pessoa se aproxima

de você por trás e lhe arranca a bolsa, fazendo-o cair, e sai correndo, na próxima

vez que você estiver andando na rua e alguém se aproximar por trás você ficará

desconfiado, terá um sobressalto, o que fará com que mude imediatamente a

posição da bolsa. Entra em funcionamento o medo condicionado.

O condicionamento do medo não é apenas rápido, também é duradouro,

sendo que provavelmente ele jamais será esquecido (LEDOUX, 2005). Voltando ao

exemplo do pescador e da sucuri, se o pescador voltar ao mesmo rio e não mais

encontrar a sucuri, ele se comportará como se nunca tivesse se encontrado com

ela. Porém, se voltar a se encontrar, ressurgirá a relação EC-EI (LEDOUX, 2001;

2004; 2005).

Essa descoberta pode ser transposta para os seres humanos com trans-

tornos mentais, e aqui ganha importância a saúde dos professores, pois muitas são as

pesquisas que indicam que há muitos professores com transtornos mentais (ABP,

2007; GASPARINI, 2006). Em São Paulo, na rede estadual, cerca de 50% dos

professores estão acometidos por algum transtorno mental (APEOESP, 2006).

Em relação às crianças, a situação não é melhor. Em notícia divulgada

pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), no dia 13 de novembro de 2006,

meninos e meninas entre 8 e 15 anos, brasileiros, são os mais estressados entre

os países pesquisados. O medo os acompanha diariamente, sendo que há

condicionamento de diversas formas (ABP, 2007).

Cabe destacar que a terapia não apaga a memória que vincula as

reações do medo aos estímulos disparadores. Ela apenas impede que os

estímulos deflagrem a reação ao medo (LEDOUX, 2001; LEITE, 2005; CICERI,

2004 e GIORA, 2000).

Cabe-nos ainda dar uma explicação sobre como o medo é percebido pelo

sistema nervoso. A figura 1 mostra uma visão geral do cérebro.

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FIGURA 1 - VISÃO GERAL DO CÉREBRO

FONTE: Ledoux (2005)

Para explicarmos o processo, utilizamos a figura 2.

FIGURA 2 - A AMÍGDALA E O MEDO

FONTE: Ledoux (2005)

Analisemos um caso clássico citado por Ledoux (2001). Imaginemos que

estamos andando em uma floresta e, de repente, ouvimos um estalido (acompanhe o

caminho da explicação na figura 2). O som vai diretamente para a amígdala por meio

da via talâmica (via secundária). Ela lança o primeiro sinal de alerta: 'Atenção,

perigo', e aciona o primeiro procedimento de preservação: PARE! NÃO SE

MEXA! E também parte do tálamo para o córtex (via principal), que identifica o ruído

do galho seco que se quebra com um estalido da pressão da bota, ou, então, de uma

cascavel sacudindo o chocalho na ponta da cauda. Porém, quando o córtex conclui

se é ou não uma cobra, a amígdala já está pronta para se defender da cascavel.

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Para a sobrevivência, a resposta imediata vinda do tálamo amígdala é

fundamental, pois para preservar a integridade física é melhor pensar que um galho é

uma cobra do que pensar que uma cobra é um galho. Ainda há a vantagem do tempo

de resposta pela via talâmica secundária – um estímulo acústico leva 12 milésimos

de segundo para chegar à amígdala e praticamente o dobro a partir do córtex

sensorial (LEDOUX, 2001).

Evidentemente que essa explicação é simplificadora, mas é importante

para destacar a importância da amígdala no entendimento do medo. Ledoux

(2001), Damásio (2004) e Ciceri (2004) afirmam que a amígdala é o centro de

percepção do medo em nosso organismo. Ela desempenha outras funções

biologicamente, mas a reação ao medo é uma tarefa imprescindível.

Ledoux (2005) e sua equipe comprovaram isso ao lesionarem a amígdala

de alguns ratos e perceberem que eles perderam a noção de perigo. Portanto, a

amígdala e o medo fazem parte do mesmo sistema que alcança os animais

que a possuem, incluindo o homem.

2.3.2 Condicionamento pelo Medo Contextual (LEDOUX, 2001)

O medo contextual também é importante para os animais, e muito mais

ainda para as escolas. Ledoux (2001) descreve a seguinte situação.

Se um rato for colocado em numa caixa e exposto a choques leves napresença de determinado som, ele se tornará condicionado pelo som,como já vimos, mas também ficará condicionado pela caixa. Assim, napróxima vez que for colocado na caixa, as reações ao medo condicionado– imobilização, excitação endócrina e autônoma, supressão da dor,potencialização dos reflexos – irão manifestar-se, mesmo na ausência dosom. O contexto tornou-se um EC (2001, p.153).

O estímulo condicionado (EC) está em primeiro plano e é o estímulo mais

previsível e evidente, no que diz respeito ao choque. Todos os demais estímulos

estão em segundo plano com relação ao EC e constituem o contexto. Ele está

sempre presente e o hipocampo é o órgão mais importante nessa situação. Ele se

manifesta apenas em algumas ocasiões. Por isso, em laboratório, é necessário

tentar identificar essas situações (LEDOUX, 2001).

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O condicionamento pelo contexto representa um aprendizado fortuito,

pois, durante o condicionamento, o sujeito está com a atenção voltada para o estímulo

mais evidente (o som EC), mas os outros estímulos são igualmente assimilados.

No exemplo do pescador e da sucuri: o pescador não ficou apenas condi-

cionado aos sons, à visão, aos odores do animal ao atacar, mas em relação a todo o

local onde se deu o encontro com a sucuri, isto é, o rio, o barranco e as cercanias.

O que é fundamental ter em mente é que não é um estímulo

específico, mas uma gama deles.

Nas escolas é necessário que esse tipo de situação seja compreendido,

pois as mediações das atividades escolares, por parte de todas as pessoas

envolvidas, podem originar problemas na vida de todos e, para poder conviver com

eles, será necessária a ajuda de profissionais da área da saúde. Um caso

contundente é o dos professores que acabam ficando doentes e não conseguem

sequer passar em frente à escola onde trabalhavam.

2.3.3 A Memória do Medo pode ser Apagada do Cérebro?

A memória do medo pode ser apagada? Há muita expectativa em

torno dessa pergunta, pois muitas pessoas podem ser beneficiadas caso isso

venha a ocorrer.

De acordo com Douglas Fields (2005), professor de neurociência e

ciência da cognição, da Universidade de Marylan (EUA), nós esquecemos coisas

todo o tempo, e perdemos a memória, freqüentemente, quando sofremos acidentes

que envolvem injúrias na cabeça, portanto, em teoria, pode-se considerar que o

medo possa ser apagado do cérebro.

O uso de drogas para a finalidade de apagar a memória do medo tem

sido testado por vários pesquisadores da neurociência, como é o caso de Roger K.

Pitman (apud SIEGEL, 2005), professor de psiquiatria da Universidade de Harvard.

Em 2002 ele e seu grupo procuraram descobrir os efeitos produzidos pelo

propranolol, administrado em 41 pessoas, começando dentro de seis horas após

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um evento traumático (em sua maioria, acidentes de carro). Os participantes do

estudo receberam a droga por 10 dias. Três meses depois do trauma, Pitman

encontrou uma incidência significativamente menor de desordem de estresse pós-

traumático naqueles que receberam a droga, do que nos que não tinham recebido.

Em outra pesquisa, Joseph Ledoux, da Universidade de New York, e Karin

Nader, da Mcgill University, reportaram, em 17 de agosto de 2000, na Revista Nature,

que administraram doses altas de anisomicina, um antibiótico que inibe a síntese de

proteínas em ratos, e obtiveram como resultado o bloqueio da memória do medo,

porque a amígdala não podia fazer a sensibilização molecular necessária.

Porém, esse processo ainda gera muita contestação, pois se afirma que ocorre a

morte de células da amígdala (apud RUDY, 2006).

Ainda com Joseph Ledoux, de acordo com notícia publicada na Folha de S.

Paulo, em 13 de março de 2007, ele e sua equipe estão desenvolvendo pesquisas

com o uso da substância U016, que induz à amnésia, para apagar a memória

traumática. Eles conseguiram sucesso com ratos que foram condicionados a dois tipos

de sons, seguidos de choques cada vez que os ruídos soavam.

Eles utilizaram a droga U016 ao mesmo tempo em que a campainha 01

soava para amedrontar o animal, que já demonstrava medo ao som dela. A droga

age na estrutura chamada amígdala, envolvida na memória das emoções e

principalmente com o medo. Ao final do experimento o animal não demonstrava

mais medo em relação à campainha 01, porém em relação à campainha 02 ainda

reagia ao medo. Isso demonstrou que a droga agiu seletivamente.

Apesar de a droga ser proibida para a utilização com seres humanos, já

foi dado um passo importante para que novos experimentos sejam desenvolvidos.

O fato da seletividade é muito importante, pois os medos específicos poderão ser

apagados da memória preservando as outras memórias.

Atualmente se sabe que as memórias traumáticas preservam-se por toda

a vida das pessoas e o uso de remédios viria a dar melhor qualidade de vida às

pessoas que passaram por processos traumáticos (LEDOUX, 2005).

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Apesar de essa situação ser muito importante para muitas pessoas, não

podemos deixar de comentar o problema ético que ela gera. Essas situações

levam-nos a pensar em espionagem, em criminosos que apagarão a memória das

suas vítimas, no criminoso que apagará a sua memória.

No Brasil já tivemos o caso do pediatra E. C., que se aproveitou de

meninos de 9 a 16 anos de idade que iam ao seu consultório. Ele foi preso em

2002, julgado e condenado a 124 anos de prisão. Ele administrava nos meninos

o relaxante Midasolan, cujo nome comercial é Dormonide, que induz à

amnésia anterógrada (esquecimento de fatos recentes). Na verdade era para

eles ficarem à mercê do médico e não lembrarem o que aconteceu na consulta.

(OBSERVATÓRIO, 2007).

Outra situação importante é que a natureza humana será modificada, pois

há conexão entre as memórias, e o que ocorrerá ninguém sabe ainda. Haverá um

novo tipo de controle da mente humana?

Enquanto não há remédios, alguns cuidados podem ser úteis na vida

diária, como a prática dos "5 Rs", de Marc Siegel (2005, p.48):

1. dormir Regularmente;

2. comer Regularmente;

3. ter lazer Regularmente;

4. praticar exercícios Regularmente;

5. controlar o excesso de trabalho Regularmente.

O psiquiatra David Servan-Scheirber (eleito o melhor psiquiatra clínico

dos Estados Unidos em 2002) vai mais além ao propor que haja um trabalho

conjunto de médicos, psicoterapeutas, acupunturistas e nutricionistas. (SERVAN-

SCHEIRBER, 2006).

Esses procedimentos podem ajudar muitas pessoas a não manifestarem

os muitos medos que são desenvolvidos no dia-a-dia.

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2.3.4 Para Finalizar

Viver, atualmente, envolve-nos em numa série de situações nunca antes

vistas. As mudanças que estão ocorrendo são muito rápidas, não há tempo para

que as nossas realizações se solidifiquem. Nossas ações e reações sofrem de uma

senilidade precoce e incontrolável, vivemos na "velocidade da luz". E isso tudo traz,

como uma das conseqüências, o surgimento do medo, que ocupa os espaços de

nossas vidas das mais diferentes formas. O medo liquefez-se, como podemos

perceber nas palavras de Zygmunt Bauman:

O medo constitui, possivelmente, o mais sinistro dos múltiplos demônios quehabitam nas sociedades abertas de nossa época. Porém são a insegurançado presente e a incerteza sobre o futuro que as incubam e criam nossostemores mais imponentes e insuportáveis (BAUMAN, 2007, p.166).

Essa forma de pensar de Zygmunt Bauman alerta-nos para que perce-

bamos como a vida atualmente é cheia de surpresas, e que os transtornos mentais

estão afetando muitas pessoas numa progressão cada vez maior, sendo poucos os

que estão livres das armadilhas deles.

As situações comentadas ao longo do texto demonstram a importância do

conhecimento da geração do medo condicionado e do medo contextual nas escolas,

nas famílias, nos bairros, na sociedade de um modo geral, pois eles podem gerar

problemas de diferentes ordens e para o resto da vida das pessoas que são

capturados pelos medos.

Nesse panorama, a escola não pode ser um local onde o medo predo-

mine. Deve ser, sim, um lugar em que os medos sejam diminuídos, sejam traba-

lhados, para que as pessoas saibam como conviver com eles, e que não fiquem

apenas imobilizadas diante deles, mas que saibam enfrentar os imprevistos com os

recursos que estiverem disponíveis no momento em que eles ocorrem.

É mister reconhecermos que somos portadores de uma animalidade e

sujeitos aos estigmas da evolução, mas precisamos nos conhecer mais profun-

damente em nossa multidimensionalidade. Portanto, na educação, o medo não deve

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ser reforçado, mas reconhecido e enfraquecido, pois se isto não for colocado em

prática, surgirão – aliás, já estão surgindo – muitas pessoas, alunos e professores,

com transtornos mentais.

É importante lembrar que o medo condicionado precisa se manifestar

apenas poucas vezes para fazer parte do nosso mundo mental, e não mais sairá

dele, apenas conseguiremos abafá-lo por um tempo, mais curto ou mais longo,

dependendo da ontogênese de cada pessoa.

O medo pode ser um protetor e um algoz, depende das reações que nos

preparam para a fuga ou para a luta. Será algoz se as reações forem despropor-

cionais aos estímulos que as originam, se têm duração excessiva ou se ocorrem na

ausência de fontes de perigo que as justifiquem. Neste caso, há um desajuste e

surgem os transtornos mentais. Será protetor se nos preparar para o "bom

combate", ou seja, para vivermos sem que os "fantasmas" nos acompanhem.

Para finalizar, fiquemos com as palavras de Nélson Mandela sobre o medo.

Nosso medo mais profundo não é o de não sermos bons o suficiente. Onosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além das medidas. Éa nossa luz, e não a nossa escuridão, o que mais tememos. Por isso nosperguntamos: Quem somos, para nos considerarmos brilhantes, maravi-lhosos, talentosos, fabulosos? Nós somos crianças de Deus. A nossa falsahumildade não vai servir o mundo. Não há nada de iluminado nesseencolher-se para que outros não se sintam inseguros à nossa volta.Estamos todos aqui para irradiar como fazem as crianças e à medida quedeixamos a nossa luz brilhar, inconscientemente damos aos outrospermissão para que brilhem também. À medida que nos liberamos donosso próprio medo, a nossa presença automaticamente libera outros paraque façam o mesmo (MANDELA, 2007, p.1).

É mister que as palavras de Nélson Mandela, citadas anteriormente, se

tornem ações em nossas vidas, diariamente, para que possamos desenvolver

efetivamente a nossa humanidade. Nas escolas mais ainda, pois estas são os

ambientes que exigem o cuidado do ser humano, devendo contribuir eficazmente

para formar pessoas que busquem saber mais e melhor, mas que também possam

enfrentar e superar os obstáculos que a vida coloca no caminho das suas vidas.

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2.4 VIOLÊNCIA ESCOLAR

Atualmente ouvimos diariamente notícias relacionadas à violência que

invade os ambientes escolares. As agressões são de todas as ordens, envolvendo

alunos, professores e funcionários que desenvolvem alguma função nesses

ambientes. A situação chega a ser alarmante. A escola precisa ser cuidada pelos

gestores de educação, bem como pelas políticas públicas nas diferentes esferas

governamentais.

Estamos vivenciando, nas escolas, situações que eram vistas apenas nos

ambientes policiais, ou seja, o policial, ao sair de casa todas as manhãs, não sabe se

volta; e, se volta, como volta? No cotidiano dos professores essas situações já estão

presentes. Embora possa parecer exagerado, isso pode ser verificado diariamente nas

notícias divulgadas pelos diversos meios de comunicação. Evidentemente, nem tudo

que é divulgado é verdade, pois há muito sensacionalismo em jogo.

A violência é um tema muito amplo para podermos discutir em seus

múltiplos aspectos. Cabe-nos, portanto, definir a que tipo de violência escolar nós

estaremos nos referindo e qual é o seu alcance.

Seguiremos a classificação baseada em Bernard Charlot (2002):

Violência que tem origem externa à escola: um grupo invade a

escola em busca de vingança ou de confronto com alguém que está

nas dependências dela, por exemplo, os traficantes de drogas.

Violência contra a instituição: depredação do patrimônio ou contra os

seus representantes (professores, coordenadores, diretores, funcionários).

Violência nas quais as vítimas são os alunos, os professores e fun-

cionários e que é gerada internamente: relação entre alunos, relação

professor-aluno, relação direção-aluno, desqualificação de alunos, expo-

sição de aluno a situações constrangedoras.

Essa classificação tem um cunho didático para que possam ser

delimitadas as situações que fazem parte do sistema turma, sistema escola,

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sistema bairro cercanias, sistema sociedade e sistemas e ideologias. A figura 3

representa esses sistemas.

FIGURA 3 - SISTEMAS DE VIOLÊNCIA

FONTE: O autor

Devemos lembrar que os sistemas se interpenetram, não são isolados e

existem no mesmo tempo. Portanto, há convergências e sinergismo atuando de

diferentes formas. As emergências ocorrem todo o tempo e muitas vezes há o

surgimento de atratores estranhos que desencadeiam situações que podem fugir

do controle e atingir muitas pessoas.

A partir dos sistemas anteriores, Charlot (2002) nos lembra que a

diferenciação entre violência, transgressão e incivilidade pode nos ser útil, pois

cada uma dessas situações merece atendimento específico, que vai da escola, da

polícia, do conselho tutelar, à ação do professor em sala de aula.

Violência: o uso de força ou da ameaça na prática de delitos (lesão,

extorsão).

Transgressão: comportamentos contrários às regras estabelecidas

pela escola (falta às aulas, não participação nas atividades escolares,

inadequação de comportamento em diferentes ambientes).

Incivilidade: prejudica a boa convivência, como a falta de respeito,

grosserias, desordens, discriminações criadas por determinados grupos.

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Percebe-se que os limites entre as categorias acima são muito tênues,

podendo, a qualquer momento, se misturarem, ou seja, uma delas se tornar

estopim para as outras. A importância dessa diferenciação é que a escola não deve

superestimar algumas situações nem subestimar outras. Cada situação merece o

tratamento adequado e na instância competente, pois é extremamente pernicioso

deixar as coisas irem acontecendo e as pessoas responsáveis fingirem que nada

aconteceu, se bem que a violência sempre é impactante, independente do lugar

onde ela ocorre.

A violência escolar não atinge apenas os países não desenvolvidos ou em

desenvolvimento; ela também afeta os países desenvolvidos, e, às vezes, de modo

"espetacular". Um país que enfrenta esse problema desde os anos 1950 são os

Estados Unidos da América. Segundo Frank J. Robertz (2007), baseado nas

informações fornecidas pelo National Center for Education Statistics, Indicator of School

Crime and Safety, o número de vítimas fatais de homicídios em escolas estadunidenses

tem decaído nos últimos anos. Os períodos em que mais ocorreram homicídios anuais

foram de 1992-1994, com 34 homicídios, e 1997-1998, também com 34. O período

em que ocorreram menos homicídios foi de 2000-2001 (11 homicídios). Os últimos

dados são referentes ao período de 2004-2005 (21 homicídios). A média no período

de 1992-2004 foi de 24 casos anuais. Segundo Robertz (2007), a probabilidade de

um jovem com idade de 5 a 19 anos morrer assassinado em uma escola nos EUA é

de 1 em 1.700.000.

Como podemos perceber, o número de casos tem diminuído ao longo dos

anos, porém o que passou a ser preocupante é a forma como a violência tem

ocorrido (ROBERTZ, 2007). Verifica-se o aumento da crueldade e da ferocidade

dos ataques com o uso de armas de alto poder de destruição. Vale ainda

lembrar que a manifestações de violência sempre estão imersas nos estigmas da

nossa animalidade, uma vez que somos "máquinas de sobrevivência", como bem

lembra o etólogo Richard Dawkins (2001) e Damásio (1996, 2000, 2004).

Essa tendência também já se manifesta no Brasil. Da agressão verbal se

passou à agressão física, com o uso de armas de fogo, facas, canivetes, estoques,

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barras de ferro, taco de sinuca, taco de baseball, arma de choque elétrico, sprays

de pimenta, tendo como conseqüência o aumento dos casos fatais, porém ainda

não há dados estatísticos oficiais.

Uma diferença importante entre o Brasil e os Estados Unidos é que, no

Brasil, o acesso às armas de fogo é mais restrito, legalmente. Já nos Estados

Unidos todo cidadão tem direito, garantido pela constituição, emenda número II, de

possuir armas de fogo para a sua proteção, as quais podem inclusive ser

compradas pela Internet (DIREITO BRASIL, 2007).

Os fatos anteriores referem-se a um tipo de violência em que há vítimas

fatais ou vítimas que ficaram com seqüelas e que chamam a atenção de todos os

que tomam conhecimento desses acontecimentos.

Diante desses fatos a segurança passou a ser um produto que os pais

buscam nas escolas para seus filhos. Criou-se o mercado de segurança escolar,

em que a presença das câmeras que registram as imagens dos diversos ambientes

escolares é equipamento obrigatório, bem como portões que registram entradas e

saídas, programas de treinamento de funcionários e professores para que saibam

como lidar nas situações de conflitos, colocação de máquinas de raios X e

detectores de metais.

As situações comentadas anteriormente referem-se a um tipo de

violência extrema, que não é vivenciada diariamente nas escolas. Porém, quando

ocorre, choca qualquer pessoa que fique sabendo do que ocorreu. No entanto, há

outros tipos de violência que acontecem diariamente e que precisam de atenção

por parte dos dirigentes escolares, e que têm causas externas e internas às

escolas. Segundo Cubas (2006, p.28):

As causas externas são: os ideais de gênero; sexismo; relações raciais,racismo e xenofobia, migração e conflitos regionais; estrutura familiar dosalunos; influências da mídia; características do ambiente onde a escolaestá inserida. As internas (aquelas que se originam no interior da escola)essas incluiriam: idade e nível de escolaridade dos alunos; regras,disciplina e o sistema de punições das escolas; a indiferença dos profes-sores frente a todos os casos de violência; a má qualidade do ensino;carência de recursos humanos e a relação de autoridade entre profes-sores e alunos.

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De acordo com Cubas, a escola não pode negar que há geração interna

de violência, pois quando isso acontece os problemas se agravam mais. E o

conhecimento do que acontece fora da escola é fator decisivo, pois o interno e o

externo misturam-se, influenciam-se, reforçam-se e favorecem que o medo surja e

domine os diferentes ambientes. Por isso a escola não pode se render frente aos

acontecimentos diários, pois ela é parte do problema e parte da solução, por

isso é necessário que ela reaja, que busque saídas para que haja uma convivência

possível na escola e fora dela (CUBAS, 2006).

Então, nos ambientes educacionais não podemos deixar que as vítimas

de violência (professores e alunos) sejam caladas, não sejam ouvidas. Elas

precisam falar, expor como se sentem, sem que sejam discriminadas, sem que

sejam expostas mais ainda, lembrando-se sempre que as situações que geram

medo não vão ser esquecidas e que necessitarão de acompanhamento de

profissionais da área da saúde mental (LEDOUX, 2000, 2001, 2004, 2005).

O caso dos professores é muito grave, sejam eles as vítimas ou seus

alunos, como podemos perceber nas palavras de uma professora citada por

Candau (2000, p.144): "[...] Tinha tudo para ser um grande homem. Era inteligente

e contestador. Levei zero na prova da vida, não venci o desafio [...] a minha maior

dor é perder um aluno para o tráfico". A professora sentiu-se culpada pela morte do

aluno, ela não conseguiu fazer nada, sentiu-se impotente ao longo do processo que

se desenvolveu.

Como podemos perceber, um dos fatores externos mais perversos é o

aliciamento de jovens pelos traficantes de drogas. Esse processo está em uma

instância a que a escola não tem acesso, muito pelo contrário, pois muitas vezes

ela se submete às ordens ditadas pelos grupos de traficantes. Essa situação atinge

profundamente os professores, pois eles ficam imobilizados, não conseguem

encontrar respostas de como mediar as situações que ocorrem em sala de aula e

que são motivadas por dinâmicas externas de poder, em que o mais forte vence, e

que invadem as escolas. Professores e alunos acabam se tornando vítimas do

mundo do narcotráfico.

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Como a professora conseguirá conviver com o sentimento de culpa

e de impotência? Essa professora precisa ser cuidada para poder realizar o seu

trabalho, apesar de todas as dificuldades, pois os seus alunos também são vítimas.

Porém, o professor não pode ser deixado só com seus sofrimentos, pois esse é o

caminho que leva ao surgimento dos transtornos mentais.

Em outro momento, Candau (2000, p.143) relata sobre uma professora

que fala sobre uma colega: "Eu sei de casos de professores que foram

ameaçados por alunos [...] Uma professora sofreu ameaça e ela reagiu para

acabar com o problema ali na hora: 'se vai me matar, mata agora, depois não

mata mais'". A reação da professora foi de revidar, encarar o agressor, porém ela

assumiu o risco de ser agredida em sala de aula. O sentimento negativo fez com

que a ameaça não fosse mais tolerada e ela partiu para o revide, para a

retaliação. A professora ficou à mercê dela mesma e passou a correr o risco de

ser agredida fora da sala de aula ou da escola, por não haver garantia alguma de

proteção da sua integridade física. A professora não agüentou mais ser

ameaçada, os sentimentos negativos e de sobrevivência tomaram conta dela e os

estigmas da animalidade humana se manifestaram.

Há ainda os professores que não admitem se entregar, desistir de lutar.

Candau mais uma vez nos auxilia dando o exemplo de uma professora de matemática.

É tudo muito difícil e não sabemos por onde caminhar. Só sei que merecuso a ser derrotada. Já até saí de sala dizendo que não voltava mais.Mas eu retorno a cada dia e tento fazer sempre novos recomeços. Aviolência, seja aqui em sala de aula, seja lá onde for, não vai me derrotar.Espero que não derrote também os alunos. Aí, a derrota seria geral (apudCANDAU, 2000, p.165).

Mais uma vez, vemos como os professores se sentem tocados profun-

damente em seus valores frente ao processo de violência. A missão de educar e

formar é marca na vida deles, pois a educação precisa ter como objetivos a busca da

autonomia, o bem-viver, a superação do que oprime e aprisiona. Porém, só paixão

pela profissão não garante que a violência diminua. É preciso atuar diariamente nas

dinâmicas das escolas.

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2.5 PRINCÍPIOS INTERDISCIPLINAR E TRANSDISCIPLINAR

Atualmente, fala-se de forma contundente que é necessária uma nova forma

de educação nas escolas. Os acontecimentos diários demonstram isso. Temos

presenciado agressões de diferentes formas nos ambientes escolares, como é o caso

da servente N. S. A., 67 anos, que foi pisoteada por alunos, na Escola Nove de Julho,

em Dracena, interior de São Paulo, e teve os dois antebraços quebrados e

escoriações no olho esquerdo (NOTÍCIAS TERRA, 2007b).

Para essa funcionária, após as machucaduras físicas melhorarem,

restarão, ainda, os danos psicológicos que terão de ser superados.

O caso da srª. N. demonstra que é urgente que sejam elaborados e

implantados novos programas educacionais que possam tornar as escolas

ambientes saudáveis para as pessoas que as freqüentam, pois o que temos

presenciado é a cristalização do medo nesses lugares, ou, será ainda pior se as

pessoas que lá convivem deixarem que as coisas aconteçam como se fosse

normal qualquer tipo de agressão e violência.

Com tudo isso, a pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da

Universidade de São Paulo, Caren Ruotti, ainda acredita na escola como um

ambiente seguro. Ela afirma:

A escola ainda é um lugar seguro, apesar de tudo. O que se precisatrabalhar é a convivência entre professores e alunos. Há muita resistênciaem se mudar as práticas dentro de uma escola. Se isso partir, porexemplo, da direção, pode ajudar a impulsionar um novo momento naconvivência entre professores e alunos (NOTÍCAS TERRA, 2007c, p.2).

A partir do que propõe Ruotti, ganha força a Educação Transdisciplinar,

apesar de muitos ainda não acreditarem que ela possa ser colocada em prática, quer

seja por desconhecimento, quer seja por preconceito. Porém, para que a transdis-

ciplinaridade seja realmente vivenciada necessitamos demonstrar as suas carac-

terísticas epistemológicas, ontológicas, cognitivas e a relação dela com o cotidiano.

Para que isso ocorra, em primeiro lugar há que se ter cuidado para que

não aconteça com a transdisciplinaridade o que aconteceu com a interdisciplina-

ridade, ou seja, ser tomada como a panacéia da educação.

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Muito tempo já passou e ainda se faz muita confusão com o conceito de

interdisciplinaridade, porém o uso indiscriminado desse conceito pode ser visto em

revistas de educação, em projetos pedagógicos e nas salas de aula. Essa

tendência veio mais por um modismo do que pela real necessidade de superar as

aulas que são consideradas, por muitos, como tradicionais e que devem ser

superadas. Porém, há verdadeiramente a necessidade de superá-las. Basta ver

o que acontece diariamente nas escolas do Brasil e do mundo. Há um desconforto

generalizado e os ambientes escolares se diluem a cada dia.

2.5.1 Interdisciplinaridade

A palavra interdisciplinaridade é formada pelo prefixo latino inter

(HOUAISS, 2001, p.1632), que significa "entre", "no interior de dois", e DISCIPLINA,

do latim discere, que significa aprender ou ensinar matéria de ensino (VIARO,

2004, p.171, e CUNHA, 1986, p.268) e, para Houaiss (2001, p.1052), do latim, ação

de instruir, de ensinar.

Ivani Fazenda comenta que a palavra interdisciplinaridade é um

neologismo, porém essa forma de pensar e de indagar não é recente. Diz ela:

George Gusdorf, desenvolvendo uma filosofia da história, apresenta umaevolução das preocupações interdisciplinares desde os sofistas e romanosaté a atualidade, detendo-se particularmente nos momentos em que estaspreocupações foram mais evidentes, como no caso do século XVIII, em que apassagem do múltiplo para o uno foi uma das maiores preocupações dosenciclopedistas franceses (FAZENDA, 1992, p.25).

Já no século XX, a interdisciplinaridade, segundo Moraes (2007), remonta

ao ano de 1961, nas Ciências Humanas, quando George Gusdorf desenvolveu um

projeto para a Unesco. Ele buscava demonstrar que era necessário romper com o

paradigma que estava em uso e que fazia com que o reducionismo e a disjunção

fossem a regra e não a exceção, isto é, que seja agrupado dentro do paradigma

vigente algo que não pode ser acolhido por ele, pois este é insuficiente. Da mesma

maneira, a disjunção, que insistia – e ainda insiste – em separar o que não pode

ser separado, como é o caso da mente e do corpo, da cognição e da corporalidade,

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apesar de que, para se estudar, em alguns momentos é necessária a separação

metodológica, ou seja, para estudá-los com mais profundidade, e que

posteriormente tenham de ser juntados, como deixa claro Damásio (2004), quando

estuda as emoções e sentimentos, apesar de aceitar que há perdas nesses

processos, quando não se trabalha com a totalidade das pessoas, porém muitas

experimentações não podem ser feitas diretamente em seres humanos.

Outro ponto importante é que as mudanças que ocorrem nas sociedades no

que tange à convivência, à educação, às diferentes formas de ensinar e aprender

sempre estão presentes, nos diferentes períodos históricos da humanidade, e sempre

causam desconforto e resistência à mudança para aqueles que se encontram numa

zona de conforto.

No Brasil, a interdisciplinaridade tem como destaque os pesquisadores

Hilton Japiassu e Ivani Fazenda, para quem é necessário ressaltar, com muita

ênfase, que não há um conceito único sobre a interdisciplinaridade e, portanto, é

necessário reconhecer o momento em que ele pode e deve ser acolhido como

fundamento.

Diante disso, Ivani Fazenda (2003) enfatiza que a interdisciplinaridade é

marcada em todos os momentos pela ação, fato que é aceito por Moraes (2007,

p.58), ao dizer: "a interação, ou seja, a inter-relação, é um dos aspectos fundamentais,

uma das condições para a emergência do conhecimento interdisciplinar". Nota-

damente isso nos leva a compreender que há diálogo em todos os momentos e com

todos os participantes de um processo interdisciplinar, pois, caso isso não ocorra, as

construções e reconstruções que podem ocorrer serão prejudicadas, deformadas, não

haverá espaço para a curiosidade, para o desafio, para a intuição. Serão perdidas a

força e a vitalidade desse processo.

Tão importante quanto a ação é a face epistemológica da interdisciplina-

ridade que visa a reorganizar o conhecimento e que, por agora, ainda se encontra

fragmentado, esfacelado, ora no especialista que sabe quase tudo sobre quase

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nada, ora no generalista que sabe quase nada sobre tudo. Evidentemente, não

podemos acabar com os especialistas e generalistas, pois eles têm hora e lugar

para atuarem, mas o que fica posto é a necessidade de se reabilitar a inteireza

do conhecimento (JAPIASSU, 1976, 2006). Indo mais adiante, necessitamos

recuperar a inteireza do humano.

Para que isso se dê, sujeito e objeto necessitam ser considerados, porque

ambos estão implicados, e corre-se o risco de se perder a visão da totalidade caso

isso não ocorra (MORAES, 2007). Necessitamos saber mais e melhor sobre o objeto,

pois não devemos e não podemos ficar apenas com alguns olhares dos sujeitos,

uma vez que, se assim ocorrer, o processo fica apenas na subjetividade dos sujeitos

e se torna um obstáculo epistemológico. Portanto, é fundamental que os sujeitos

interajam o máximo possível entre si e com os objetos de conhecimento.

Ainda em relação à participação dos sujeitos, é fundamental lembrar que

cada um desenvolve a sua ontogênese, pois cada um tem a sua história de vida, os

seus medos, suas reflexões já feitas, suas insuficiências, suas superações frente às

emoções e aos sentimentos que estão guardados nas profundezas dos corpos de

cada participante e que são acessíveis apenas a eles. Portanto, as pessoas

envolvidas em um processo interdisciplinar têm de ser aceitas e não apenas toleradas.

O pesquisador Derly Barbosa cita como exemplo ele mesmo, ao participar

de um trabalho interdisciplinar:

Ser aceito pela equipe demandou um amplo trabalho político e umagrande demonstração de competência. Eu conversava permanentementecom os seus membros e mostrava, através de artigos publicados naimprensa local, o compromisso político e o engajamento pedagógico naevolução de adultos (BARBOSA, 1991, p.71).

Ser aceito é fundamental, pois sempre influenciamos os processos em

curso com as nossas falas ou ausência delas, com nossas emoções, com os

nossos sentimentos e com a nossa corporalidade.

Como mostrado anteriormente, uma característica importante desse

processo é que os sujeitos vão formar um grupo e que este está diante do objeto

ou dos objetos que serão comuns a todos os participantes. Porém, não é qualquer

grupo que pode ser formado, como nos adverte Demo (2005, p.99):

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O grupo, para ser interdisciplinar, precisa representar disciplinas diferentes, depreferência de áreas mais distantes, por exemplo: grupo composto porengenheiro, sociólogo, estatístico e músico, para discutir qualidade de vida.De pouco adiantaria reunir cinco biólogos, razão pela qual uma coisa étrabalho de grupo, outra o trabalho interdisciplinar.

Como podemos perceber, não basta estar junto, muito menos juntar

pessoas que têm a mesma formação. A diversidade de formações é crucial para que o

processo seja levado adiante. Tão importante, ou mais ainda, é a participação dos

sujeitos com conhecimentos profundos que propiciam que as emergências ocorram de

forma não linear.

Pelo exposto, temos a necessidade de lembrar de que, para a interdisci-

plinaridade chegar aos ambientes escolares, é mister que os participantes desse

processo tenham domínio consistente das disciplinas que trabalham. Não se pode

ficar na superficialidade, há que se buscar a radicalidade, no sentido de raiz, de

profundidade, pois esta é insumo para o processo se desenvolver. Isso também

pode gerar um obstáculo que precisa ser superado, ou seja, a formação do

educador interdisciplinar vai acontecendo à medida que as vivências vão se desen-

volvendo, mas necessita também de estudo, de pesquisa, de leitura, de elaboração

de textos em que sejam reconstruídos os conhecimentos a serem trabalhados, pois

a troca entre os sujeitos é obrigatória. Se não há o que trocar, não há construção

ou reconstrução de conhecimento, o processo emperra, fica obstaculizado

(MORAES, 2007; FAZENDA, 2003; DEMO, 2005).

Isso tudo nos faz ver que o conhecimento interdisciplinar situa-se na

interface dos diferentes saberes, como afirma Moraes (2007, p.59): "este espaço

comum poderia ser representado por uma integração mútua de conceitos, de

idéias, de terminologias, de métodos, de procedimentos, de dados ou informações",

mas é no diálogo que as diferentes visões tomam forma e fazem sentido para os

participantes, chegando a uma representação comum a todos, por isso a amoro-

sidade se faz presente nesse processo, e diante disso Moraes conclui: "o que

é de natureza interdisciplinar seria o elemento mediador da comunicação

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entre os indivíduos" (MORAES, 2007, p.59). Portanto, percebemos novamente que

o diálogo é peça fundamental, essencial, condição sem a qual o processo não se

desenvolve. Porém, não basta dialogar, há que se olhar, perceber e registrar

as ações desenvolvidas para que o processo interdisciplinar flua.

Essa experiência compartilhada precisa ser cuidada, pois é preciso que o

conhecimento interdisciplinar se transforme em atitude frente ao que consegue captar

e, ao que não consegue, há que se valer da idéia, de Ivani Fazenda, sobre a espera

vigiada, frente à humildade de reconhecer que há limitação e insuficiência no saber,

coragem para fazer do velho o novo, responsabilidade ao trabalhar com as emoções e

sentimentos do outro, amorosidade para poder acolher o outro e deixá-lo à vontade

num processo em que todos contribuem e buscam saber mais e melhor.

2.5.2 Transdisciplinaridade

A palavra transdisciplinaridade, etimologicamente, é composta pelo prefixo

latino trans, que significa além de, para lá de, depois de (HOUAISS, 2001, p.2749),

ainda, através de (CUNHA, 1986, p.781) e disciplina, do latim discere, que significa

aprender, ensinar ou matéria de ensino (VIARO, 2004, p.171 e CUNHA, 1986, p.268)

e, para Houaiss (2001, p.1052), do latim, ação de instruir, de ensinar.

De acordo com a etimologia de transdisciplinaridade, ela se propõe a ir

além das disciplinas e não se fechar em si mesma. Essa palavra é um neologismo

e passou a fazer parte do vocabulário educacional, em 1970, quando Jean Piaget a

propôs em um colóquio:

[...] enfim, no estágio das relações interdisciplinares, podemos esperar oaparecimento de um estágio superior que seria 'transdisciplinar', que nãose contentaria em atingir as interações ou reciprocidades entre aspesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de umsistema total sem fraturas estáveis entre as disciplinas (apud WEILL,1993, p.30).

Como podemos perceber, a transdisciplinaridade tem como insumo as

disciplinas, mas vai além delas, atravessa-as, contorna-as e vai produzindo um

movimento em espiral na qual ela se reconstrói infinitamente. Esse movimento busca

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a compreensão do mundo em que vivemos, no qual a Terra é uma totalidade e que

faz parte de uma totalidade maior que é o cosmo, mas para que isso possa ocorrer o

conhecimento é o substrato que sustenta esse movimento, por isso nenhum

tipo de conhecimento pode ser aprisionado por ele.

Isso pode ser visto nas palavras de Ubiratan D'Ambrósio (apud MORAES,

2007, p.61): "A transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude mais aberta, de respeito

mútuo, e mesmo de humildade em relação aos mitos, religiões, sistemas de explicações

e de conhecimento, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência".

As palavras de D'Ambrósio trazem à tona situações que merecem ser

enfocadas, encaradas e trabalhadas profundamente, pois elas demarcam a

essência de como a transdisciplinaridade se faz atitude. Porém, muitas vezes

ficaremos diante de situações que exigirão intervenções na realidade que é posta e

captada pelos seres humanos e que demandarão muito esforço, competência,

coragem, amor à natureza e à vida. Um caso na África pode servir de exemplo.

Aos olhos dos povos Baatonou, Boko e Peul, naturais de Benin, umaantiga colônia francesa entre o Togo e a Nigéria, com forte tradição nafeitiçaria, ou 'juju', qualquer sinal diferente no desenvolvimento infantil, queseja considerado por eles anormal, é prova suficiente do enfeitiçamento deuma criança. Não ter o primeiro dente até os oito meses (ou ter o primeirodente a tempo, mas na arcada superior), apresentar um comportamentobarulhento ou agitado são justificativas suficientes para o infanticídio.Se apesar dos sinais de poderes sobrenaturais, os pais se compadecemda criança, o bebê é simplesmente abandonado à morte embaixo de umarbusto. Os pais podem ainda contratar alguém para fazer o serviço. Ocontratado amarra uma corda nos pés da criança, enrolando-a em tornode uma árvore e depois esmigalha sua cabeça contra o tronco. Pode aindaafogá-la ou envenená-la, para que, antes da morte, o demônio que elesacreditam tenha trazido a criança ao mundo seja exorcizado (UNESCO,2007, p.1).

Como podemos agir, aos nossos olhos, diante desse acontecimento no

qual a vida de uma criança é retirada de modo tão cruel, que nos toca profun-

damente, por empatia, em relação à criança que nada pode fazer diante da sua

biologia, da sua ontogênese? Como intervir na cultura de um povo sem cair em

contradição performativa, pois poderemos ser prepotentes e arrogantes?

Evidentemente esse é um caso extremo e exige ações globais e locais

para que se possa preservar a integridade física e psicológica dessas crianças,

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para que o direito à vida seja preservado e aplicado. Estamos diante de um

desafio que a transdisciplinaridade tem em seu ideário!

Voltando à nossa casa, o Brasil, como podemos salvaguardar a

integridade física, moral e psíquica dos estudantes e professores que freqüentam

os ambientes escolares e que estão sendo deixados à própria sorte? Vê-se

desilusão, raiva, ódio, desamor, intolerância, perda da auto-estima. Vê-se o medo

contaminar os ambientes escolares e gerar várias situações de reação a ele,

podendo ainda ser causa de muitos transtornos mentais de professores e alunos.

Essas situações nos mostram que o Brasil mudou, porém os grandes

movimentos vão se desenvolvendo e a maioria das pessoas não percebe, pois em

algum momento o corpo-mente reage, porque sempre busca a sua preservação, a

sua homeostase, o seu bem-estar acima de tudo.

O psicólogo Wanderley Codo situa-nos diante desses fatos.

Evoluímos de uma sociedade industrial para uma outra de serviços emque é impossível o Taylorizar25 o trabalho e mais impossível ainda eliminaro vínculo entre as pessoas, o lugar privilegiado do afeto. Ele faz parte daprodutividade. Quem duvidar, que olhe, ainda que de relance, o trabalhodo educador ou vendedor.[...] No trabalho, nada se realiza sem que todos os sentimentos do homemsejam envolvidos e envolvam todo o meio ambiente do ser humano(CODO, 2007, p.67).

O que podemos trazer dessas palavras para o nosso dia-a-dia é que somos

uma totalidade na qual não há a separação da razão e da emoção. Nós somos, em

todos os momentos diários, enquanto tivermos vida, uma inteireza como seres

humanos, porém estamos "soltos em pedaços" que precisam ser juntados. Para que

isso ocorra, necessitamos de conhecimento, precisamos saber mais e melhor sobre a

vida e sobre a nossa animalidade, e sobre nossa humanidade dentro dessa animali-

dade, e, mais ainda, devemos conhecer as nossas inumanidades, como diria Henri

Atlan (2004).

25 Taylorismo: Taylor pretendia definir princípios científicos para a administração das empresas.

Tinha por objetivo resolver os problemas que resultam das relações entre os operários. Comoconseqüências modificam-se as relações humanas dentro da empresa, em que o bom operárionão discute as ordens, nem as instruções, faz o que lhe mandam fazer.

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Isso nos leva novamente aos fatos já citados. Nós temos presenciado

situações desagradáveis nas escolas que acabam por gerar antipatia naqueles que

as freqüentam, porém a escola é o ambiente que, por essência e não apenas por

dever, deve acolher as pessoas e ajudá-las em sua formação.

Nesse processo, a função do professor requer atualização, bem como a

da escola. Há que se ter em mente que o professor sempre interfere na vida das

pessoas de modo imediato ou ao longo da vida. Severino Antônio percebeu isso ao

assistir a uma palestra e se emocionar ao surgirem sentimentos com as palavras

do palestrante.Ele perguntou se havíamos percebido que somos provavelmente a únicaprofissão em que as pessoas atravessam a rua para nos cumprimentar,muitos anos depois de encerrada a convivência.Muitas vezes você está pela rua, uma pessoa o reconhece, atravessa arua e vem conversar, sempre com as perguntas: você se lembra de mim?Você se lembra daquele dia... Você lembra quando... daquela aula emque... Ele começou a fazer uma longa lista e disse: não atravessamos arua para falar com o médico, para falar com o dentista, para falar com oadvogado; mas, depois de muitos anos, com o professor, nós atraves-samos a rua e nós nos lembramos do rosto dele, do seu nome, da sua voze de muitas referências que ele fez (ANTÔNIO, 2002, p.85).

Essas palavras expressam a importância dos professores na educação

das pessoas, não apenas no cognitivo, mas também no emocional, no corporal, no

subjetivo de cada pessoa. Porém, é necessário que os professores estejam bem

para poder desenvolver a tarefa que lhes cabe, e uma educação transdisciplinar

pode contribuir para que as coisas mudem, porém antes disso se faz necessário

compreender o que é o princípio da transdisciplinaridade.

Para Nicolescu (2002), a transdisciplinaridade tem a sua estrutura apoiada

em três pilares: níveis de realidade, complexidade e a lógica do terceiro incluído.

Primeiramente, vejamos a realidade. Esta é vista como qualquer forma de

resistência às nossas representações, experiências, descrições, imagens e

representações matemáticas (NICOLESCU, 2002). Devemos lembrar que ela é

acessível ao nosso conhecimento e que pode mudar de acordo com o que se sabe

e com o que se constrói e reconstrói. A busca da realidade é a busca de saber

mais e melhor.

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Há, no entanto, diferentes formas de se conhecer uma realidade. Por

exemplo, um fóton (partícula, onda) é visto pela microfísica e subordinado às suas

leis, que são radicalmente diferentes das da macrofísica (física clássica), que é

insuficiente para percebê-lo e compreendê-lo. As duas instituem os chamados

níveis de realidade, isto é, conjuntos de sistemas que são invariáveis sob certas

leis (NICOLESCU, 2002). Além desses dois há um terceiro, o chamado espaço-

temporal cibernético (virtualidade), que nos dá um novo espaço de escolha, no qual

surge o transnacional, o transcultural, o transpolítico.

A figura 4 serve para aprofundarmos a explicação sobre os níveis de

realidade.

FIGURA 4 - LÓGICA DO TERCEIRO INCLUÍDO

FONTE: Adaptado de Moraes (2007)

Tomemos o exemplo do fóton (luz)26. Na física clássica a onda (A) e

partícula (Não-A) não existem ao mesmo tempo, e estão no nível de realidade um

26 Fóton: Einstein comprovou a dualidade onda-partícula da luz, dando o nome à partícula luminosade fóton. A emissão de um fóton ocorre durante a transição de um elétron de um átomo entredois estados energéticos diferentes, pois quando ele recebe energia ele passa de uma camadamais interna para uma mais externa do átomo, e quando ele retorna para seu estado original, eleemite a energia correspondente a esta diferença sob a forma de um fóton. Os fótons sãopartículas elementares que viajam com a velocidade da luz, e a massa deles existe apenasquando se movem à velocidade da luz, sendo que sua massa teórica de repouso é igual a zero,pois, de acordo com a Teoria da Relatividade, uma partícula que possui massa de repouso, aoatingir a velocidade da luz, deveria ter uma massa infinita, o que é impossível.

A energia de um fóton é incrivelmente pequena, como podemos ver pela energia média de umfóton cuja freqüência está dentro da faixa do espectro visível, energia que é igual a 4x1019joules. No entanto, temos que uma lâmpada comum de filamento incandescente de 100 W depotência emite cerca de 2,5x1020 fótons por segundo, o que faz com que a quantidade deenergia transmitida seja significativa.

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(NR1), ou seja, se é onda não é partícula, portanto a causalidade é linear. Na física

quântica essas entidades são acolhidas por meio de um terceiro incluído, que no

caso pode ser um fóton e está representado na figura por (T), estando no nível de

realidade dois (NR2), em que a causalidade, agora, é circular. A mudança de um

nível de realidade NR1 para NR2 exige novos conhecimentos, nova lógica de

causalidade, novos referenciais que atuam sobre os elementos, que não mais são

vistos como antagônicos, mas como complementares.

Um outro exemplo utilizando a mente humana: na lógica linear, passado e

presente são antagônicos, porém a mente humana, por meio dos sentimentos,

consegue incluí-los em outra realidade, em um movimento em espiral no qual há

reconstruções infinitas. Isso pode ser considerado nos ambientes escolares, pois

não somos apenas os momentos presentes, temos uma história de vida humana e

somos marcados pelos estigmas biológicos da nossa animalidade.

Buscando mais um exemplo do nosso dia-a-dia. Se formos trabalhar com

a teoria de Antonio Damásio (2004) sobre as emoções e os sentimentos, podemos

dizer que, a emoção e a razão são incluídas pelos sentimentos, uma vez que, na

maioria das vezes, os sentimentos surgem das emoções e de uma forma de

pensar, por isso não são antagônicos mas complementares.

A partir disso, de acordo com a figura 5, podemos compreender que, para

diferentes níveis de realidade (NR0, NR1, NR2), há que existir diferentes níveis de

percepção (NP0, NP1, NP2) em correspondência biunívoca e que, ao mudar de

nível de realidade, há uma mudança obrigatória de nível de percepção, pois se isso

não acontecer há o surgimento de um obstáculo que impediria que o processo se

desenvolvesse.

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FIGURA 5 - NÍVEIS DE REALIDADE E PERCEPÇÃO

FONTE: Adaptado de Nicolescu (2002)

Isso demonstra que, ao passarmos de um Nível de Realidade 1 (NR1) para

um Nível de Realidade 2 (NR2), há o rompimento de um sistema lógico, de linguagem,

de conceitos ou de princípios, pois a percepção necessita ser alargada, melhorada.

Cabe ainda destacar que, de acordo com a figura 4, ao elevarmos o nível de percepção

a consciência do sujeito está trabalhando na lógica do 3º incluído.

A situação anterior pode ser percebida, como já visto, ao passarmos do

macrofísico (onda e partícula), que trabalha a causalidade linear, para o microfísico

(fóton), na física quântica, que trabalha com a causalidade circular. Isso pode ocorrer

porque há uma ampliação nos níveis de percepção devido às tecnologias disponíveis.

Então podemos afirmar que a mudança de nível de realidade exige

obrigatoriamente a mudança do nível de percepção, e que para ambos há um terceiro

incluído que permite que o antagônico agora passe a ser visto como complementar.

Ainda, é preciso destacar que a tríade do terceiro incluído (A, NÃO-A e T),

dos níveis de realidade e a tríade dos níveis de percepção (A, NÃO-A, T) coexistem no

mesmo momento do tempo (ver figura 4), o que faz com que haja a necessidade de

interações obrigatórias entre elas. Portanto, esse movimento da tríade não é uma

sucessão no tempo, não há a linearidade, é a complexidade que se faz presente

(NICOLESCU, 1999).

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Nessas tríades, dos níveis de realidade e de percepção, a coerência é

mantida obrigatoriamente pela presença de uma zona de não-resistência (ZNR)

(ver figura 5), que é uma zona de transparência absoluta, devida às limitações dos

nossos corpos e dos nossos órgãos sensoriais, limitações inclusive das tecnologias

que são utilizadas para estender esses órgãos sensoriais (NICOLESCU, 2002). Essa

região é aquilo que não se submete a racionalização alguma, por isso é o nicho do

sagrado. Vale ainda lembrar que a zona de não-resistência não está apenas nas

regiões em que os níveis de realidade e de percepção estão ausentes. Ela penetra

e cruza os níveis de realidade e de percepção (na figura 5 ela está representada

pela cor mais escura). Essa é a região que propicia a intuição, a criatividade,

portanto é o local fecundo para a imaginação.

Agora já podemos fazer duas perguntas importantes em relação à

transdisciplinaridade: O que corresponde ao sujeito transdisciplinar? O que

corresponde ao objeto transdisciplinar?

O sujeito corresponde aos níveis de percepção mais a sua zona de não

resistência complementar, e o objeto é representado pelos níveis de realidade mais

a sua zona de não resistência complementar. Há que se destacar que as zonas

de não-resistência do objeto e do sujeito têm de ser idênticas para que o

sujeito transdisciplinar possa dialogar e se comunicar com o objeto (ver figura 5),

(NICOLESCU, 2002 e MORAES, 2007).

Ainda em relação ao sujeito e ao objeto vale lembrar que os diferentes

níveis de realidade são atravessados por fluxos de informação, tendo como

correspondentes os diferentes fluxos de consciência que atravessam os níveis de

percepção, mantendo-se a coerência do processo que se desenvolve.

A partir de tudo isso nós podemos reconhecer como o conhecimento

transdisciplinar é construído. Ele é ao mesmo tempo interior e exterior, pois surge das

interações intra-subjetivas e intersubjetivas com o objeto transdisciplinar, uma vez que

é construído a partir do que acontece no interior do sujeito e daquilo que lhe é exterior

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e ao qual ele está acoplado estruturalmente (MORAES, 2007). Isso demonstra que não

é uma dinâmica linear, mas complexa, que necessita que haja religação processual

dos eventos, das coisas e das pessoas com elas mesmas e com as outras pessoas

envolvidas em um processo transdisciplinar.

Portanto, o complexo faz parte da vida no nosso planeta, desde uma

ameba, que é um protozoário formado por uma célula, até a vida dos seres

humanos. Isso demonstra que a complexidade atua na forma de viver, de pensar,

de compreender os diferentes níveis de realidade. Ela atua essencialmente na

ação das entidades que estão imersas nela.

Na matriz epistemológica do pensamento transdisciplinar a complexidade

tem espaço próprio, pois não se baseia na linearidade, mas em uma espiral

ascendente e em processos recursivos, nos quais há reconstruções infinitas e que

os tornam inacabados e provisórios, fazendo-os sempre atuais, numa virtualidade

constante, ou seja, é uma potencialidade no sentido filosófico do termo, é um devir

ao longo do tempo. Neste sentido o pensamento transdisciplinar tende a ser

unificador, mais profundo, e a não abandonar o rigor e sensibilidade, muito pelo

contrário. As palavras do filósofo John Searle podem servir para ilustrarmos essa

idéia. Diz ele: "rigor sem sensibilidade é vazio e sensibilidade sem rigor é insigni-

ficante" (SEARLE, 2000, p.33).

Evidentemente que nessa forma de pensar as atitudes frente ao

conhecimento são radicalmente diferentes, pois exigem o alargamento da nossa

sensibilidade, do nosso rigor e da nossa busca incessante da tolerância, e se

quisermos ser mais incisivos devemos buscar radicalmente a aceitação dos sujeitos e

dos objetos e vivermos no ecumenismo, uma vez que não podemos "engaiolar" os

objetos e sujeitos desses processos. Mas para que isso possa acontecer a

amorosidade deve permeá-los, cruzá-los, contorná-los, atravessá-los em todo o seu

perímetro, área e volume.

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Nesses processos transdisciplinares, a complexidade, o terceiro incluído

e os níveis de realidade desvelam a natureza multidimensional deles, e o que pode

ser evidenciado, nesse momento, é que a riqueza do processo transdisciplinar está

no fato de os contraditórios passarem a ser complementares, pelo terceiro incluído,

devido aos diferentes níveis de realidade e de percepção que existem no mesmo

momento do tempo. Tudo isso dá oportunidade para que ocorram as emergências

(vistas ontologicamente como novas qualidades), as convergências, os siner-

gismos, que fazem com que a intuição seja reabilitada e fortaleça a criatividade,

fazendo com que esses componentes dos sistemas complexos possam nutrir e

manter a dinamicidade do princípio transdisciplinar.

Uma outra situação que surge a partir do princípio transdisciplinar é que a

pesquisa transdisciplinar é diferente da pesquisa que coloca o quantitativo como

mais importante e que, ainda, reivindica a neutralidade desse processo. É evidente

que esse tipo de pesquisa também tem lugar e tempo para ser feito, porém a

transdisciplinaridade a supera.

Na pesquisa transdisciplinar, sujeito e objeto estão visceralmente inte-

ragindo, estão acoplados estruturalmente entre si e com o meio, e as mudanças

não ocorrem apenas em um deles, mas na totalidade que eles formam, e isso

ocorre no mesmo tempo. O sujeito coloca-se com todas as suas emoções, com

todos os seus sentimentos, com a sua história de vida, com a sua intuição, que

acaba por mostrar um caminho não trilhado ainda, que projeta aquilo que está

escondido fazendo-o se mostrar, e ainda conta com os estigmas da sua anima-

lidade. Ele busca também os diferentes olhares, as várias referências que podem

ser captadas do objeto.

Portanto, a pesquisa transdisciplinar, bem como o princípio transdis-

ciplinar, são movidos pelo diálogo permanente com o contraditório e que passa a

ser visto como complementar ao mudar de nível de realidade, de nível de percepção e

de nível consciência, pois são acolhidos pela lógica do terceiro incluído.

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3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A pesquisa realizada, de natureza qualitativa, permitiu capturar a

perspectiva dos atores envolvidos a partir das análises e discussões referentes à

entrevista com o prof. Y, aos quatro programas da Rádio B-SP e aos textos rela-

tivos à violência escolar. Todos foram analisados à luz dos fundamentos teóricos

desenvolvidos na primeira parte deste estudo, a saber: complexidade, transdiscipli-

naridade, emoções, sentimentos e medo.

3.1 DA ENTREVISTA

A entrevista tem como contexto as percepções e vivências do prof. Y

com três turmas de cursos diferentes de uma instituição de educação universitária

da região Bragantina, do Estado de São Paulo. Tais turmas passam a ser identifi-

cadas como:

- Turma A: o professor Y dava aula até às 10h40 de quarta-feira e tinha

de estar de volta à universidade na quinta-feira às 7h30. Ele ia alegre e

feliz. Os alunos estavam mais inseridos na discussão ambiental. Era

prazeroso, no final do semestre, sentir pena de ter de deixar a turma.

- Turma B: os alunos eram do 6º semestre, realizavam os trabalhos com

qualidade, trabalhavam em empresas nas quais as questões relacio-

nadas à gestão ambiental já eram discutidas. Já possuíam referenciais.

Os alunos eram solícitos, solidários, demonstravam afeto, eram

empáticos e bem-humorados, sabiam brincar, envolviam-se plenamente

nos trabalhos.

- Turma C: os alunos eram desrespeitosos, não realizavam as ativi-

dades programadas, havia conflito em todas as aulas, muito tempo era

perdido e pouco se produzia.

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À medida que a entrevista se desenvolvia e o professor relatava sobre a

turma C, que lhe causava desânimo, tristeza e raiva, ele mudava o tom de voz, os

gestos eram mais agitados, os olhos se fixavam no horizonte, os músculos da face se

contraíam, num sinal claro da presença de emoções de fundo e emoções sociais que

iam originando e relembrando os sentimentos de fundo e os sociais negativos.

Ao falar das turmas A e B, que lhe geravam alegria, os gestos eram mais

suaves, os músculos da face relaxavam, percebia-se um sorriso, e de acordo com

o aprofundamento das emoções os sentimentos positivos tomavam conta dele,

percebia-se a vontade que o professor tinha de conviver mais com as turmas que

lhe davam prazer. Isto tudo está em conformidade com a teoria de Damásio (1996,

2000 e 2004), que afirma que as emoções precedem os sentimentos e que os

sentimentos de fundo estão relacionados à manutenção do nosso bem-estar.

Ainda, as recordações das turmas que lhe davam prazer fizeram surgir os

sentimentos positivos, isto é, aqueles em que há a presença de prazer.

Em relação à mediação da aprendizagem, diz o prof. Y: "O meu objetivo

no início de cada semestre é que os alunos desenvolvam ou aprimorem a

capacidade de reflexão crítica a partir das aulas que eu ministro". O processo de

aprendizagem desenvolveu-se com o professor centralizando nele as ações de

ensino e aprendizagem. Com o passar do tempo o professor notou que a estratégia

não estava rendendo o esperado. Ao perceber que a mediação da aprendizagem

da turma C era conflituosa e que não era propícia para o aprendizado, ele tentou

mudar a estratégia: "passei a trabalhar textos em sala de aula e estudos dirigidos

para que os alunos participassem mais ativamente nas aulas, porém os resultados

não foram melhores, eles queriam gerar apenas conflitos".

Visto sob o olhar da complexidade, podemos perceber que a tentativa de

mudança ocorreu apenas na estrutura do grupo. Mudou-se apenas a estratégia e

não a organização, pois os alunos reagiram como já o faziam, isto é, eram gerados

apenas conflitos e não havia a discussão esperada pelo professor. Para reconstruir

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o sistema (sala de aula) seria necessário ao professor perceber as bifurcações que

ocorreram e atuar nelas, fato que não ocorreu, pois, como disse o professor

anteriormente, os alunos criavam apenas conflitos.

Neste caso havia a necessidade de se atuar na organização do grupo,

desintegrando-o e dando oportunidade para que ele se auto-organizasse em

seguida, a partir das emergências que ocorreram, porém o sistema (turma C) se

comportou como um sistema fechado, não permitindo que houvesse trocas de

informações e energias positivas, que vitalizam o processo e geram situações em

que há sinergismo e convergência de pensamentos. Esta realidade traz consigo o

sentimento de sofrimento do professor porque ele não conseguiu superar as

bifurcações. Mas, para que isso seja superado, o professor não pode abandonar os

alunos. Ele precisa ser capaz de se defrontar com esses conflitos e cuidar dos

alunos, bem como precisa ser cuidado pelos gestores acadêmicos. Sem o cuidado

necessário os sentimentos negativos podem predominar nas mediações, fato que é

apregoado pela teoria das emoções e sentimentos de Damásio (1996, 2000, 2004).

Com o passar do tempo, o professor sentiu-se impotente e o desânimo foi

tomando conta dele. Nas suas palavras: "não me sinto capaz de dar aula para essa

turma, nada serve, sinto tristeza, raiva, indignação e desprezo por essa turma, não

quero mais continuar a trabalhar com ela, não tenho o perfil esperado pelo coorde-

nador do curso". Os sentimentos de fundo e os básicos negativos predominaram, pois

havia sofrimento, e o professor afirma que não quer mais passar por um processo

semelhante. Chega a afirmar que não tem perfil para trabalhar com situações

conflituosas. Biologicamente, de acordo com Damásio (1996, 2000, 2004), o nosso

organismo busca reviver os sentimentos positivos e evita relembrar os sentimentos

negativos. Como o processo foi doloroso, ele não quer vivenciá-lo mais.

Outra situação que merece destaque, e que é apoiada na teoria das

emoções e dos sentimentos de Damásio (1996, 2000, 2004), é a saúde do prof. Y.

Afirma ele: "não perdi o sono com essa turma, não senti dor de estômago, mas sentia

ansiedade e angústia quando chegava o dia de trabalhar com ela".

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Primeiramente, cabe uma pergunta: se compreendermos saúde como um

processo bio-psíquico-social-espiritual, a saúde do prof. Y foi afetada? A partir das

informações citadas por ele e dos indícios levantados anteriormente parece que

sim, pois o mesmo afirma que sentiu um alívio ao terminar o semestre e não ter

mais de trabalhar com a turma C. No entanto, a intensidade do sofrimento pode ter

sido enfraquecida, pois ele tinha muito prazer e sentia-se muito feliz em trabalhar

com as turmas A e B, conforme citado na caracterização das turmas no início

deste texto. Isto está de acordo com a teoria de Damásio, pois ele afirma que para

as emoções e sentimentos negativos não predominarem há que se vivenciar

emoções e sentimentos positivos mais fortes, o que neste caso ocorreu.

Vale ainda lembrar que, na teoria de Damásio, a intensidade não é

amiga da extensão e o equilíbrio não é estático; ele é dinâmico e sempre procura

o bem-estar ou a sobrevida (DAMÁSIO, 2004).

O fato de buscarem a sobrevida pôde ser observado nesse caso, quando o

professor e os alunos tornaram-se adversários e se defendiam uns dos outros. O

professor afirmou: "a cada dia a convivência ficou mais difícil, era briga o tempo todo, o

que eu propunha não servia, se eu propunha A eles queriam B". As aulas se desenvol-

veram num clima de rivalidade, em que as emoções e os sentimentos negativos

predominaram. Os alunos queriam atividades que contribuíssem no dia-a-dia profis-

sional e o professor queria que houvesse a reflexão crítica. Criou-se uma situação em

que as ações eram vistas como antagônicas, e não como complementares.

As situações conflituosas citadas acima favoreceram que a mediação

desse processo fosse sofrida, triste, gerando ansiedade e angústia. As emoções

básicas de tristeza e raiva dominavam o ambiente e os elementos que o consti-

tuíam, e essas emoções básicas se tornavam emoções sociais, como o embaraço,

a vergonha, o desprezo, o desrespeito, obstaculizando o processo de aprendi-

zagem. Como disse o professor Y: "não tenho mais idade para agüentar desaforos,

e eu respondia de acordo com as grosserias deles".

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Estabeleceu-se uma relação de predador-presa, tendo ora o professor

como predador e os alunos como presas, ora o professor como presa e o alunos

como predadores. O processo foi dominado pela posição de retaliação, no sentido

biológico, ou seja, a relação era de defesa e de ataque de acordo com as situações

que eram geradas. Ambos se sentiam ameaçados, o que favorecia o aparecimento

dos estigmas da filogênese e da ontogênese da animalidade humana.

Não podemos deixar de lembrar que o nosso cérebro é marcado pela

evolução, pois é constituído por regiões antigas e regiões novas. A mais recente é

o neocórtex, que dá a possibilidade de que a consciência exista nos mamíferos da

espécie Homo sapiens e permite que os sentimentos façam parte da vida mental

dos seres humanos, porém em muitas situações o nosso cérebro reptiliano se

manifesta para a nossa preservação (DAMÁSIO, 2002, 2004).

Podemos ainda compreender a situação vivenciada pelo prof. Y de

acordo com a teoria da transdisciplinaridade, e para isso utilizemos a figura 6.

FIGURA 6 - RELAÇÃO PROFESSOR X ALUNOS DA TURMA C

FONTE: O autor

Os alunos e professores permaneceram no mesmo nível de realidade

(NR1) e de percepção (NP1) e criou-se a dualidade entre ambos. Não houve

oportunidade para que um terceiro elemento fizesse parte do processo (T) e

mudasse o nível de consciência. O espaço do sagrado ficou blindado, eles não

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conseguiram penetrá-lo. O professor e os alunos firmaram as suas posições e não

abdicaram delas, não conseguiram dialogar mostrando a necessidade de cada parte,

não conseguiram enxergar além das posições adotadas, não conseguiram ouvir o

outro, permaneceram "cegos e surdos", não conseguiram se "desarmar", livrar-se

das amarras e das gaiolas que os aprisionavam, o que tornou o processo difícil de

ser suportado. "Ao terminar o semestre me senti aliviado, disse o professor Y."

3.2 DA PESQUISA DOCUMENTAL REFERENTE AOS PROGRAMAS

APRESENTADOS PELA RÁDIO B-SP E SOBRE OS TEXTOS SOBRE

VIOLÊNCIA ESCOLAR

Em outro momento desta pesquisa foram analisados os quatro programas

veiculados em julho de 2007 pela Rádio B-SP. Os programas trataram dos

seguintes temas:

1. Histórias de professores que sentiram na pele algum tipo de agressão.

2. Casos de profissionais agredidos e ameaçados de morte por estudantes.

3. Casos de agressão e ameaças não são exclusivos das escolas públicas.

As particulares, principalmente as da classe média, também vivenciam

esse fenômeno.

4. O que é preciso fazer para melhorar a convivência na sala de aula.

O primeiro programa traz informações importantes a respeito do que

divulgou no final do ano de 2006 o maior sindicato de professores da América

Latina, o APEOESP, que congrega 150.000 professores, a saber, que a violência,

as transgressões e a incivilidade estão presentes de maneira contundente na vida

das escolas, como podemos perceber na tabela 1.

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TABELA 1 - TIPOS DE AGRESSÃO PRESENTES NAS ESCOLAS

PROBLEMA %

Agressão verbal 93,0Atos de vandalismos contra a escola 88,5Agressão física 82,0Ameaças de violência 74,0Intimidação de alunos e professores 68,0

FONTE: APEOESP (2006)

Os dados são preocupantes, haja vista a quantidade de agressões que

são vivenciadas diariamente nas escolas. A insegurança, a ansiedade e a angústia

se fazem presentes e são alimentadas pelo medo. Ele é que determina como as

pessoas se comportam, e as emoções básicas e os sentimentos de fundo se fazem

presentes.

Outros dados, apresentados na tabela 2, também chamam a atenção e

referem-se aos problemas de saúde desenvolvidos pelos professores.

TABELA 2 - PROBLEMAS DESENVOLVIDOS PELOS PROFESSORES

PROBLEMA %

Cansaço 80Nervosismo 61Ansiedade 55Esquecimento 48Estresse 46Angústia 44Insônia 34Depressão 25Agressões físicas 11Agressões morais 8Ambientes de trabalho 4

FONTE: APEOESP (2006)

Como se observa, a saúde dos professores está muito comprometida, o

que acaba influenciando no processo de ensino-aprendizagem. Os professores

precisam ser cuidados para que possam cuidar dos alunos que estão sob a sua

responsabilidade.

Os dados permitem verificar como a luta pela sobrevivência é marcante

para os professores que trabalham nos sistemas escolares brasileiros. Nessa luta,

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as emoções e sentimentos de fundo predominam, pois são eles que nos levam à

sobrevida e ao bem-estar.

As situações citadas anteriormente são graves e precisam ser levadas a

sério pelas políticas públicas e pelos gestores educacionais, pois caso isso

continue chegará o momento em que haverá falta de professores nos diferentes

níveis educacionais.

Um outro fato percebido na análise dos programas que tem preocupado as

autoridades, de maneira geral, é que os professores jovens estão desistindo da

profissão por falta de segurança e preferem fazer outra coisa qualquer, que não

exponha a sua integridade física. Como diz a professora A, que dá aulas há 07 anos:

Ele já foi torcendo meu dedo e me agrediu com o punho fechado, ele meagrediu nos olhos, na cara. Sempre gostei de dar aula, mas tenho derepensar, pois não sei o que será daqui para frente. Já passei porpsicólogos e psiquiatra e não consigo andar sozinha e nem pegar oônibus. Há confrontos em sala de aula com os alunos, a gente tenta mudara postura, as atitudes dos alunos, pois há um mundo melhor (RÁDIO B,2007, PROGRAMA 01).

A fala da professora é marcante e mostra como a mediação da

aprendizagem é complicada no que tange à necessidade de mostrar aos alunos

que eles necessitam mudar de atitudes e comportamentos. Nesses momentos o

que tem ocorrido, na maioria das vezes, é o confronto, é a agressão das mais

diferentes formas, em que os jovens querem demonstrar que têm poder. O fato é

grave, mas parece que pouco tem sido feito para que esse fenômeno mude. Os

professores acabam ficando sós nesse processo de desgaste precoce em

que a emoção fundante é o medo. Nessa situação, mais uma vez os

sentimentos de fundo se fazem presentes a partir da emoção básica medo,

podendo gerar casos mais graves, como a depressão. Como diz a professora

A: "nós comunicamos à direção os fatos ocorridos, mas eles apenas conversam

com os envolvidos e na próxima aula eles já estão presentes na sala de aula"

(RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).

Em meio a essa violência há um fato para o qual se tem pouca

expectativa de mudança. No Rio de Janeiro, 166 escolas ficam em zonas de

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tráfico, na Região da Penha e no Complexo do Alemão. O depoimento do professor

B é contundente:

As aulas terminam às 8h30 da noite, estabeleceu-se um toque de recolher.Em cada esquina, na Avenida Itararé, há dois soldados da força desegurança nacional prontos para atirar. O combate é eminente. As aulasmuitas vezes já foram suspensas porque parece que o tiroteio é aqui,apesar de estar a 1 ou 2 km, por exemplo (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 1).

O ambiente dessas escolas é marcado o tempo todo pelo medo de uma

bala perdida atingir algum aluno, professor, funcionário ou alguém que esteja nesse

ambiente. A escola é refém dessa situação e não pode fazer nada para que o

sistema externo a ela possa mudar. Nesse processo pode-se perceber como os

sistemas externos à escola influenciam-na, como eles estão imbricados.

As autoridades no máximo avisam do perigo, como demonstra o diretor

executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, Norman Gall, num

caso que ocorreu em São Paulo: "o chefe do departamento de narcóticos da Polícia

Civil advertiu os professores: ‘é muito perigoso desafiar esses bandidos’. Essa foi a

única resposta oficial" (GALL, 2007, p.2). Esta advertência tem a ver com a morte

da diretora de uma escola municipal na comunidade pobre de Guaianases, em São

Paulo. Ela foi morta com duas balas na cabeça. A imprensa havia noticiado que ela

havia resistido ao tráfico dentro (sistema interno) e fora da escola (sistema

externo). Ela pagou com a vida por tentar mostrar um mundo melhor.

Como ser educador nesses lugares onde a sobrevivência é mais

importante? A nossa homeostase busca a nossa sobrevivência, e para isso utiliza

as emoções e sentimentos, que nesse caso estão ligados ao negativo e que

obstaculizam os processos educacionais, pois manter-se vivo é mais

importante. Somos máquinas de sobrevivência, como diria o biólogo Richard

Dawkins (2001), e lutamos pela nossa sobrevida (DAMÁSIO, 2004).

A marca da violência acompanha os professores o tempo todo, da escola

à sala de jantar nas suas casas. Eles têm como sombra constante a morte que os

perturba e os impede de desenvolver um trabalho que eles gostam de fazer, ou

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seja, gostam de ensinar, como podemos perceber no caso da professora C de

Língua Portuguesa. Ela foi ameaçada por um aluno de 14 anos que está na 4ª

série do ensino fundamental.

Ele ia armado para aula e disse que ia me ‘apagar’. Nós queremos daraula porque gostamos de ensinar, mas nós não estamos podendo fazerisso. Nosso trabalho passou a ser de conter e é uma coisa que nos fazadoecer (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).

Isso pode ocorrer porque há emergências de situações nas quais os

professores não sabem como proceder, pois não foram preparados para trabalhar

com a contenção da violência.

A professora C mora perto da escola em que trabalha e perto da favela onde

o aluno mora. Ela está licenciada há dois meses e não se sentia segura nem dentro de

casa. Disse ela: "eu estava vendo o meu corpo morto na sala de jantar" (RÁDIO

B, 2007, PROGRAMA 2). O medo dominava-a completamente. Ela não conseguia

sequer dormir. Desenvolveu a síndrome do pânico e, depois de dois meses de licença,

está se preparando para voltar, mas diz: "eu quero ficar o menor tempo possível,

quero mudar de profissão" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).

Ela necessita mudar a sua organização de trabalho, não adianta mudar

apenas a sua estrutura, ou seja, mudar de escola. É preciso uma nova forma de

trabalhar e de um novo ambiente escolar em que as emergências possam ser

trabalhadas e que professores e alunos sejam respeitados e cuidados no processo

de ensinar e de aprender.

Um outro caso contundente é o da professora de Educação Física que está

há um ano em licença. Ela fazia uma atividade com seus alunos no campinho que há

na escola, quando um rapaz invadiu-o e começou a atrapalhar a aula. Disse ela:

Eu solicitei três vezes para ele parar, na quarta vez parei a atividade e fuifalar com ele e pedi para ele sair imediatamente e ele disse que memataria ou pediria para alguém da ‘boca’ em que ele vive fazer o serviço.(RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).

A partir disso desenvolveu medo, depressão, síndrome do pânico e gasta

R$ 500,00 por mês em remédios, em psiquiatras e psicólogos. Ela foi transferida

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para outra escola e vai reassumir, porém ainda não se sente em condições de

fazê-lo. Ela disse: "só em pensar no que aconteceu, eu choro muito e quero deixar

de dar aula o mais rápido possível" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2). Nesta situação

podemos perceber a importância de reconhecer que o medo habitará a memória da

professora de Educação Física, bem como todo o contexto que cercou as

experiências vivenciadas (LEDOUX, 2001).

Os casos comentados até agora se referem às escolas públicas, porém a

violência atinge também as escolas particulares, e o tratamento dado aos casos de

violência geralmente não chegam ao conhecimento público e os professores ficam

expostos à violência e à falta de ação dos gestores educacionais.

As situações se originam da mesma maneira que nas escolas públicas,

ou seja, quando o professor precisa chamar a atenção dos alunos para a mudança

de comportamento ou de atitude frente aos acontecimentos nas salas de aula e no

dia-a-dia. Os professores das escolas particulares se consideram como

mercadorias que são vendidas diariamente. Diz a Professora D:

É-nos passado que não podemos bater de frente com os alunos, pois elessão os nossos clientes, são eles que nos pagam, sem alunos não há trabalho.Isso é o que nos diz a direção da escola. Os acontecimentos diários sãopassados à direção, que nada faz. Chamar os pais também não adianta, poiseles dizem que pagam a escola e que a solução dos problemas é deresponsabilidade da escola (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 3).

Diante desses acontecimentos, os professores ficam à mercê de si

mesmos e acabam por se intimidar, pois de nada adianta tentar mudar os

comportamentos e atitudes dos alunos, porque temem sofrer retaliações dos

alunos e, mais grave ainda, dos gestores educacionais.

Os fatos anteriormente citados demonstram que a profissão de professor

passa a ser desvalorizada, como afirma a professora D: "Não me sinto mais

educadora, estou desacreditada, desestimulada, ineficiente, se amanhã eu tivesse

outra opção de trabalho eu mudaria de profissão" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 3).

Pode-se perceber, pela fala das professoras C e D, que o ensino

particular também está sofrendo dos mesmos problemas das escolas públicas:

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incivilidade, transgressões e violência de alunos, o que faz com que os professores

queiram deixar a profissão. Esta situação é muito grave, pois a educação não pode

ser abandonada pelos governos e pelos gestores de escolas, pois caso isso se

aprofunde mais teremos aberto espaço para que a marginalidade e a

violência dominem os diferentes ambientes de convivência das pessoas.

Nas escolas particulares há ainda a violência moral, na qual os alunos

fazem chacota de professores e das escolas nos ambientes virtuais que estão

disponíveis na Internet. Diz a professora D: "as chacotas na internet nos

machucam muito, atingem o nosso espírito" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 3).

Aqui, existe a presença aguda das emoções sociais de vergonha, culpa, desprezo,

indignação e dos sentimentos sociais como melancolia, pânico, angústia. Devemos

destacar que esses sentimentos estão fortemente ligados a uma forma de

pensar sobre um determinado tema e que chega a se tornar um obstáculo na

vida das pessoas (DAMÁSIO, 2004).

A agressão moral atinge profundamente os professores, pois trata-se da

desconsideração do ser humano, da desqualificação dos professores por proporem

um mundo em que todos caibam e no qual a diversidade de formas e pensamentos

possa existir. Os sonhos possíveis evanescem, a utopia dilui-se e a educação se

reduz aos fatos diários, passa a ser uma educação para a defesa pessoal, as

emoções e sentimentos ficam restritos às diferentes formas de sobrevivência, pois

a animalidade do homem faz surgir os estigmas da filogênese, ou seja, primei-

ramente o indivíduo fica imobilizado esperando o que vai acontecer para reagir, e

em muitos casos a imobilização é tão grave que acaba por gerar transtornos

mentais incapacitantes.

Além dos casos já citados e analisados, há ainda alguns acontecimentos

que a imprensa nacional e internacional veiculou e alguns artigos publicados no

Brasil que fazem parte da análise desta pesquisa.

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Em um trabalho publicado em dezembro de 2006 na revista Cadernos de

Saúde Pública, Rio de Janeiro, intitulado: "Prevalência de transtornos mentais

comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil",

Sandra Maria Gasparini, Sandhi Maria Barreto e Ada Ávila Assunção demonstram

a importância de se cuidar da saúde dos professores.

O trabalho traz informações importantes sobre os 751 professores que

participaram da pesquisa. A idade média foi de 41 anos, 67% consumiam bebidas

alcoólicas, 49,1% não praticavam exercícios regularmente, e houve associação

entre os transtornos mentais e o uso de medicamentos para alterar o sono. Essa

pesquisa revela que a prevalência de transtornos mentais foi de 50,3%.

O que chama a atenção é a elevada prevalência de transtornos mentais

em uma população jovem, o que pode ser indicativo de um processo de desgaste

acelerado que promove uma série de alterações negativas na saúde dos

professores. O fato anterior não se restringe apenas ao Brasil. Em notícia publicada

no Site Notícias Terra, de 27 de fevereiro de 2007, há a informação de que em

Milão, na Itália, uma professora de 22 anos cortou a língua de um aluno de sete

anos, com uma tesoura, porque ele não parava de conversar.

O que está ocorrendo pode ser indicativo de que os professores novos

não estão sendo preparados para trabalhar conflitos e com a participação ativa dos

alunos. Ainda busca-se um silêncio que obstaculiza que as emergências possam

ser comentadas, socializadas e vivenciadas por outras pessoas. As escolas

querem tornar o silêncio sinônimo de aprendizagem, porém já foi demonstrado ad

nauseam que isso não é correto (DEMO, 1997). Evidentemente, barulho por

barulho também não garante aprendizagem, porém há que se pensar qual é o

barulho e o silêncio que os ambientes escolares precisam no processo de

educação. As emoções e os sentimentos estão presentes nas nossas ações

enquanto tivermos vida, e por isso necessitam ser reconhecidos e trabalhados nas

escolas (MATURANA, 1997, 2001).

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Outra pesquisa, que corrobora a pesquisa anterior em relação aos

transtornos mentais dos professores, é a da Confederação Nacional dos Traba-

lhadores em Educação, realizada em parceria com o Laboratório de Psicologia do

Trabalho da Universidade Federal de Brasília, em 1.440 escolas do país, com 52

mil professores, a qual constatou que 48% dos professores estão com Síndrome de

Burnout27 (ABP, 2006).

Os fatos anteriores demonstram que há a necessidade de que os

professores sejam cuidados na escola, e que a emoção fundadora nos

ambientes de aprendizagem não seja o medo.

Pior ainda é o descaso com que os governos tratam professores e alunos.

A notícia publicada pelo Globo On Line, em 14 de março de 2007, informa que uma

professora de filosofia da Escola E. L. C. M. F, na Cidade de Mogi Mirim (SP),

agrediu uma aluna a socos e canetadas porque ela achou que a menina estava

passando respostas para uma colega.

Esse caso ganha importância maior uma vez que a professora estava

trabalhando apesar de estar fazendo tratamento psiquiátrico desde 2001. Será que

esta professora já podia estar trabalhando?

Há, ainda, outros casos que merecem ser citados:

a) Em 20 de junho de 2006 (Folha Online). Uma professora foi

agredida por um aluno de 14 anos, dentro da sala de aula, em São

José do Rio Preto, a 440 km de São Paulo, no Noroeste do Estado,

na terça-feira, dia 19 de junho. O aluno ateou fogo no cabelo dela.

b) Em 28 de junho de 2006 (Folha Online). Uma professora da oitava

série do ensino fundamental foi agredida faz dez dias (18 de junho) em

Votorantim (102 km de São Paulo). Segundo a APEOESP (Sindicato dos

27 Síndrome de Burnout: O termo Burnout é uma composição de burn=queima e out=exterior,sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse consome-se física e emocionalmente,passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço, Ballone (2006).

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Professores), dois alunos começaram a dar "voadoras" (golpe em que a

pessoa salta e chuta o rosto do outro), enquanto a professora, de costas,

escrevia na lousa da sala de aula. Quando ela se virou, foi atingida na

boca por um chute de um dos garotos que arrancou os seus dentes. Os

alunos foram transferidos, e a professora está afastada. Segundo a

APEOESP, a recuperação dos dentes dela vai custar R$ 8.000,00.

Conforme a entidade, foi registrado boletim de ocorrência.

c) Em 29 de junho de 2006 (Folha Online). A professora E. M. S, 47

anos e apenas a dois anos da aposentadoria, pensou que já tivesse

vivenciado tudo o que uma escola pode proporcionar. Enganou-se. Na

tarde de 27 de junho, ela organizava a fila de seus alunos da 4ª série

da Escola M. E. B. M. M. L, na Vila São Pedro, em São Bernardo do

Campo (ABC), para retornar à sala após o intervalo. Enquanto isso, um

aluno de 9 anos, que estuda em outra sala da mesma série, fugiu de sua

fila e, ao passar correndo, empurrou alguns alunos e a própria profª E.

Como a professora do menino já havia entrado na sala, ela decidiu ir

atrás dele para levá-lo à classe.

O menino entrou no banheiro e tentou fechar a porta, mas eu conseguiimpedir e, empurrando, tentei falar com o aluno pelo vão aberto. 'Derepente', ele tomou impulso e empurrou a porta, antes que eu conseguissetirar a minha mão. Só senti muita dor e vi a ponta do meu dedo (indicadorda mão direita) no chão (FOLHA ONLINE, 2007, p.2).

Os colegas da profª E. levaram-na ao hospital e tentou-se reimplantar a

ponta do dedo, mas sem sucesso.

A professora contesta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Argumenta ela: "os professores estão com mãos e pés atados, ele só favorece os

alunos" (FOLHA ONLINE, 2007, p.2). Esta situação é vista com freqüência nos

diferentes ambientes educacionais, porém o ECA traz os direitos e deveres dos

alunos, os quais precisam ser conhecidos pelos professores (RUOTTI, 2006). O

Título III do ECA trata da Prática de Ato Infracional das crianças e adolescentes,

descreve as disposições gerais no capítulo I, define os direitos individuais no

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capítulo II, institui as garantias processuais no capítulo III, e no capítulo IV trata das

medidas socioeducativas, que são: advertência; obrigação de reparar dano;

prestação de serviços comunitários; liberdade assistida; inserção em regime de

semi-liberdade; internação em estabelecimento educacional (ECA, 2007).

Fato é que os professores precisam conhecer seus direitos e obrigações,

bem como os dos alunos. Os gestores educacionais devem conhecer o ECA e

utilizá-lo na gestão das escolas, podendo, desse modo, cuidar das pessoas que

freqüentam as escolas diariamente.

Os professores estão desencantados com a educação e acabam compro-

metendo a sua saúde mental. A violência contra eles os enfraquece, chegando ao

ponto de não conseguirem sequer passar em frente à escola onde trabalham. O

transtorno mental passou a dominar os professores (RUOTTI, 2006).

Os fatos anteriores não ocorrem apenas no Brasil. Há muitos países em

que a violência física já está presente e coloca em risco a integridade física dos

professores, dos alunos e de todos que freqüentam os ambientes escolares. Nos

Estados Unidos, especialmente em Nova Iorque, há muitos estudos e programas

contra a violência escolar. O que tem chamado atenção é o fato de haver

gangues exclusivas de meninas e gangues de crianças de 12 e 13 anos e a

ferocidade com que ocorrem as agressões (GALL e ROBERTZ, 2007).

Esse fato é preocupante, pois as gangues estão se expandindo e

pessoas mais jovens estão envolvidas. Algumas se organizam sistemicamente

como ordens religiosas e usam códigos numéricos e linguagem de sinais

sofisticados, e acabam se envolvendo em atividades violentas e antissociais, como

pichações, vandalismo, intimidação, extorsão (GALL, 2007). Portanto, não adianta

apenas punir, há que se dar oportunidade para que esses grupos se desorganizem

e se auto-organizem em novas e melhores condições.

Para Norman Gall, diretor executivo da Fundação Fernand Braudel de

Economia Mundial, no Brasil há menos debate, menos iniciativa, menos pressão

popular (GALL, 2007). Há a necessidade de novos programas e novas formas de

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organização das escolas, bem como de novos currículos. É necessário que as

emoções e sentimentos sejam reconhecidos e trabalhados nas escolas.

Em outro momento, no documentário intitulado: Pro dia nascer feliz, um

dos diretores, F. T., afirma que em todas as escolas pesquisadas ficou demarcada

a questão do desinteresse dos alunos e o esforço dos professores para serem

ouvidos. O diretor do filme é mais incisivo: "essa geração que está se formando

tem de decidir se eles querem ser cidadãos ou vamos abrir um espaço para a

marginalidade" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 4).

Essa colocação é alarmante, pois não podemos abdicar da educação,

não podemos abrir espaço para que a violência determine o modo de vida das

pessoas, não podemos dar passos para trás em relação à vida em sociedade. É

necessário dar oportunidade para que a geração atual vivencie o diferente, o

diverso, e compreenda que a riqueza da vida se faz na diversidade que marca

todos os seres vivos, inclusive o homem, esse animal que possui consciência dos

seus atos. As emoções e sentimentos positivos devem ser vivenciados para que

possamos amenizar as emoções e sentimentos negativos.

Um outro ponto de vista importante em relação às emoções e senti-

mentos negativos é o de Gabriel Perice, doutor em filosofia da educação, que diz:

"o professor tenta domar os alunos, entrar com rédea curta, o professor já entra

apavorado, é um professor despreparado e acaba se tornando um mero cão de

guarda" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 4). Estas constatações dão indícios de como

os transtornos mentais podem acabar acometendo os professores.

O professor é parte de problema e parte da solução, pois muita coisa que

ocorre em casa e na sociedade é repetida na escola, os sistemas se interpenetram.

A violência doméstica contra crianças e adolescentes se reflete na sala de aula.

Pode-se perceber, nestas situações, que a emoção fundadora é o MEDO, pois o

cuidado foi deixado de lado nas vidas dessas crianças e adolescentes, e eles

tentam se proteger de mais agressões, nas escolas, retaliando as situações que

acontecem diariamente (RUOTTI, 2006). Mais uma vez fica demonstrado que eles

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lutam para sobreviver, pois os sentimentos e emoções negativos se fazem

presentes e dominam as pessoas envolvidas. Os estigmas da filogênese animal se

fazem presentes e colocam os indivíduos em posição de defesa, em que o contra-

ataque é uma possibilidade.

Como educar nesse contexto em que alunos e professores são vítimas

em um mesmo processo? Alguma coisa necessita ser feita, ou as escolas serão

ambientes em que predominarão pessoas desequilibradas, fragilizadas, medrosas e

que terão de trabalhar com educação.

Neste momento é importante destacar que, nessa atmosfera de violência,

há muito a ser feito para diminuí-la nas escolas. No entanto, já há casos em que

algumas respostas positivas estão aparecendo, como em Itaquaquecetuba, São

Paulo, onde foram registrados muitos casos de violência, os quais, atualmente,

começaram a diminuir, à medida que estão sendo desenvolvidos trabalhos

extraclasse, como em gincanas, nas quais foram coletadas cerca de duas tone-

ladas de material reciclável. Esse envolvimento deu início a uma melhora na quali-

dade de vida na escola (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 4). Norman Gall, executivo da

Fundação Braudel de Economia Mundial, concorda com a estratégia colocada em

prática e afirma:

É errado dar overdoses de inglês e matemática. Um conteúdo rico evita otédio e o mau comportamento dos garotos. Precisamos reciclar conti-nuamente os professores e lhes oferecer um currículo integrado, pois ospadrões de comportamento e aprendizagem estão estreitamentevinculados (GALL, 2007, p.5).

Os gestores educacionais precisam ter mais tempo com os professores para

analisar a educação que está sendo ofertada pelas escolas. Norman Gall enfatiza que

os professores não podem ficar isolados e sem respaldo quando enfrentam

transgressões, incivilidades e violências. É necessário que haja comitês que se

reúnam semanalmente para discutir como lidar com "garotos-problemas" (GALL, 2007).

As ações devem ser baseadas na educação. "Há que se ter muito basquete, futebol

americano, beisebol e atividades de clubes juvenis." (GALL, 2007, p.3).

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Outras ações educativas podem estar relacionadas ao papel que o

professor representa no dia-a-dia nas escolas, como mostra a pesquisadora

brasileira Viviane de Oliveira Cubas, ao citar a pesquisa de Catherine Blaya (2003).

Os resultados mostraram que as escolas que apresentam menor númerode casos de agressões e onde a probabilidade de ocorrer eventosviolentos é menor são aquelas onde o papel dos professores não ficalimitado apenas à docência, mas inclui atividades extras com os alunos eonde existe ainda a promoção da união do corpo docente e bons contatosentre a escola e comunidade. Através de sua pesquisa descobriu aindaque os mesmos alunos que são protagonistas de atos violentos sentem-seagredidos quando não são escutados ou quando não há interesse efetivodos professores pelos alunos (CUBAS, 2006, p.40).

Muitas são as vezes em que os alunos são deixados à mercê deles

mesmos, e num ato de rebeldia, em que estão pedindo socorro para se salvarem

deles mesmos, os professores acabam por desistir de seus alunos. Evidentemente

que essas situações não podem ser reduzidas e simplificadas, pois os professores

sentem-se sós também, não são cuidados e não podem cuidar dos alunos que eles

têm nas turmas em que ministram as aulas, como já foi demonstrado anteriormente.

Não é apenas uma questão de ser amigo, de ser afetuoso, de ser

companheiro de jornada, de poder encarar os fatos da vida como eles são, pois para

isso é necessário que os professores se livrem do medo que os acompanha nas

atividades escolares e educacionais (RUOTTI, 2006). O medo obstaculiza as

mediações de aprendizagem. O que está sempre presente é a necessidade de

sobrevivência, em que a dor se manifesta de forma profunda. E nunca devemos

perder de vista que as situações que geram medo sempre permanecerão em nossas

memórias, como nos adverte Ledoux (2000, 2001, 2004). Devemos lembrar ainda que o

nosso organismo evita relembrar as emoções e sentimentos negativos, isto é, aqueles

em que predomina a dor (DAMÁSIO, 1996, 2000, 2004).

Portanto, é necessário que a educação contemple as emoções e senti-

mentos positivos, e que as emoções e sentimentos negativos que há na vida sejam

diluídos, arrefecidos, enfraquecidos, e que professores e alunos possam ser

parceiros no ato de viver e, mais ainda, no ato de bem-viver, em que todos cabem

em um mundo que se faz e refaz continuamente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho pudemos verificar, a partir da pesquisa bibliográfica e

documental, da entrevista com um professor universitário e da construção de um

referencial teórico, que é necessário e urgente pôr em prática programas que

contribuam para a diminuição da violência escolar, pois as vítimas mais freqüentes

são os professores.

A partir dos fatos anteriores, a pesquisa permitiu evidenciar que há

violência nos diferentes ambientes educacionais, porém fica-se apenas na consta-

tação desse fato, e isso tem contribuído para que esse fenômeno se agrave cada

vez mais. A tarefa de ensinar passou a ser sofrida, pois os sentimentos que

predominam são aqueles em que o prazer é raro, o que domina é a dor, isto é, são

os sentimentos negativos que permeiam as ações diárias, junto com os senti-

mentos de fundo, como a excitação, o mal-estar, a fadiga, o desequilíbrio e a

discórdia. Esses sentimentos estão relacionados à sobrevida e à sobrevivência.

A sobrevivência na escola é cansativa, dolorosa, pois a violência se mani-

festa das mais diversas formas possíveis, porém o que mais tem chamado a atenção

são a ferocidade e a crueldade com que os alunos atacam os professores. Passou-se

da agressão verbal ao ataque físico anunciado, ou seja, os professores são

ameaçados todos os dias. A escola passou a ser um lugar de embates e confrontos.

Os fatos anteriores demonstram que o fenômeno da violência escolar

precisa ser entendido de maneira mais profunda. De acordo com o referencial

proposto neste trabalho, constatamos que a violência escolar é um fenômeno

complexo e sistêmico, e possui várias formas de organização. Estas vão mudando

de acordo com as retaliações que vão ocorrendo diariamente, isto é, a auto-

organização se faz presente a partir das emergências diárias manifestadas nos

diversos ambientes escolares e estão relacionadas à própria escola, e outras estão

associadas aos sistemas externos à escola e são mais difíceis de serem traba-

lhadas, apesar de não ser tão difícil identificá-las.

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A identificação da violência por meio das falas dos professores é incisiva,

pois demonstra que o medo predomina e imobiliza ou gera reações de defesa.

Nesse processo, as emoções são facilmente identificadas, porque elas são

públicas e expressas pela corporeidade. Já os sentimentos preocupam mais,

pois somente os seus portadores é que sabem o que se passa com eles. Essa

situação é extremamente importante para evitarmos os ataques de violência

praticados pelos alunos e para que os professores não desenvolvam transtornos

mentais e possam ter uma vida mais saudável e feliz.

Atualmente, professores e alunos não são mais companheiros de jornada.

Eles passaram a ser rivais, a se defenderem uns dos outros. Os professores têm

atuado como contendores de conflitos, porém não estão preparados para executar

essa função, o que os torna vítimas também desse processo de violência que toma

conta da vida diária de cada um e faz com que adoeçam, pois o diálogo está

obstaculizado e não há como buscar o entendimento necessário dos processos

complexos e transdisciplinares.

Neste trabalho ficou patente, e de modo incontestável, a presença do

medo na vida das pessoas que desenvolvem atividades nas escolas e as

conseqüências que são geradas a partir dele. Cabe-nos enfatizar, mais uma vez, o

efeito pernicioso do medo, pois este, quando fora de controle, imobiliza, gera reta-

liações, gera doenças, como a síndrome do pânico, podendo levar à depressão e a

casos mais graves.

A escola não deve repetir e enfatizar o que está acontecendo fora dela,

porém não pode simplesmente ignorá-lo, pois estaria criando um mundo artificial e que

faria com que as pessoas que ali vivem fossem presas fáceis do mundo extramuro.

Evidenciou-se de forma inconteste que os professores estão sofrendo

muito no processo de educar, pois acabam se tornando vítimas desse processo,

ora por serem vítimas de ataques de violência contra eles, ora por perderem seus

alunos para o tráfico, para a prostituição, para o roubo e outras atividades danosas

à vida dos alunos. Sentem-se culpados por não poderem fazer nada, vencidos,

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impotentes e, o pior de tudo, acabam ficando sós com seus sofrimentos, sem que

ninguém cuide deles, o que torna a tarefa de ensinar doentia para todos os que

participam dela.

Finalmente, verificamos que é possível um melhor entendimento da

violência escolar a partir do referencial teórico proposto, pois o mesmo contempla a

complexidade e seus componentes: o diálogo, a organização, os sistemas, as emer-

gências, as emoções, os sentimentos e o medo, que se manifestam nos atos de

violência escolar, e a transdisciplinaridade, que nos dá a perspectiva de um terceiro

elemento que vê os fenômenos de uma maneira mais sensível e despojada de

discriminações e preconceitos.

A seguir passaremos a apontar algumas recomendações para o desen-

volvimento de estratégias que possam vir a diminuir o mal-estar presente nas

escolas em relação à violência.

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RECOMENDAÇÕES

A pesquisa verificou que os professores estão sendo deixados a sós nos

processos de violência contra eles. Também permanecem solitários quando os

alunos são aliciados pela marginalidade. Portanto, é fundamental que os

professores sejam cuidados pelos gestores educacionais. Eles necessitam de

apoio institucional, tanto pedagógico quanto de profissionais da área da saúde

mental, pois se isto não ocorrer, provavelmente haverá falta de professores em

um curto espaço de tempo.

Alunos e professores devem realizar atividades extraclasse juntos para poderem

se conhecer e reconhecer que ambos sentem coisas parecidas, e que tais

sentimentos ajudam a formar vínculos, pois ambos são vítimas de um mesmo

processo de violência e sofrimento nos ambientes educacionais.

Há muito tempo já se sabia que a construção e a manutenção de relações com

pessoas aceitas socialmente é o melhor caminho para prevenir a violência.

Os professores não podem desistir dos alunos, pois muitas vezes estes estão

pedindo socorro para se salvarem de si mesmos. Caso isso não ocorra, mais

uma vez eles sentirão grande rejeição, e a violência será a única forma de se

fazer ouvir, de ser reconhecido e obter respeito dos outros, mesmo que coloque

em perigo a integridade física das pessoas que vivem nesses ambientes.

O estudo desenvolvido indica que aos professores não cabe só a tarefa de

socializar o conhecimento. Tão importante quanto promover a construção do

conhecimento é estabelecer vínculos que ultrapassem os espaços de confinamento

chamados salas de aula.

Nos espaços educacionais, em especial na escola, a racionalização enquadra,

padroniza, porém, a racionalidade, emergente da complexidade do sistema

escolar, remete a um diálogo entre a lógica da ciência e o mundo real. Portanto,

o diálogo deve ser a marca fundamental para superar medos, pois sem que os

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alunos sejam ouvidos e exponham o que sentem e o que os motiva a serem

violentos não haverá mudanças no cotidiano e na convivência.

Os professores carecem de cuidados técnicos e emocionais para o enfren-

tamento dos conflitos emergentes no dia-a-dia da escola. Há que se ter a

presença de mediadores da própria escola para realizar uma escuta sensível e

dar mais atenção aos sonhos e desilusões por que passam os professores, para

ajudá-los a superar o que a vida lhes coloca.

Há que se dar oportunidade para o re-surgimento da criatividade do professor,

pois a rotina acaba por gerar tédio e cansaço e propicia que as incivilidades se

manifestem.

As emoções de fundo são reveladas na música da voz, no discurso do professor.

O estudo revelou que a inibição constante dos impulsos e motivações dos

professores provoca medo e sentimentos de impotência. Criar e implementar

ações que auxiliem na reflexão dos processos comunicativos do professor é

tarefa urgente dos gestores educacionais.

É necessário que sejam desenvolvidos programas que demonstrem como se

distanciar criticamente da violência social que se manifesta diariamente.

Evitar a naturalização e a aceitação da violência escolar, nos seus múltiplos

aspectos, é o desafio de gestores educacionais, professores, mas também da

sociedade que mantém e perpetua a escola.

Vivenciar práticas pedagógicas que propiciem aos alunos desenvolver as suas

potencialidades como seres humanos, abordando os aspectos físicos, sociais,

psíquicos e espirituais em constante diálogo com a realidade, promoverá a

inclusão e a conseqüente substituição da violência pelo convívio solidário.

Deve-se banir o medo das escolas, pois, ao gerar violência, provoca inibição.

Eliminar o medo não significa que na escola se possa fazer o que se quer e

quando se quer. Há que se construir pela via do diálogo, coletivamente, meca-

nismos de superação da violência e a construção da com-vivência.

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O medo, como modulador das atividades que exigem certos riscos, é normal e

está presente nos seres humanos e em outros animais. Portanto, com-viver com

o medo é natural à condição humana. Assim, emoções e sentimentos emer-

gentes das relações entre professores e alunos têm como ponto de partida o

desafio da interdisciplinaridade.

As múltiplas realidades presentes nos ambientes educacionais remetem a uma

educação que contemple emoções e sentimentos que façam com que profes-

sores e alunos possam ser parceiros no ato de viver e bem-viver.

A transdisciplinaridade, presente nos discursos educacionais, só será concreta e

real se a emoção fundante dos processos de aprendizagem for o amor. Pois ele

permite que as pessoas aceitem e sejam aceitas, assim como transforma o invisível

e o inaudível, fazendo-o ressurgir nas coisas em que antes estava escondido.

O medo de não sobreviver gera diferentes ações que objetivam controlar a mente

e o corpo. Os processos educacionais estão impregnados pelo medo contextual.

Para a sua superação, as mediações presentes nas atividades escolares devem

promover a acolhida, e respeitar a diversidade para garantir o convívio e a

aprendizagem efetiva.

A insegurança e a incerteza sobre o futuro criam medos insuportáveis aos profes-

sores e aos alunos, gerando problemas no contexto escolar. É desafio para ambos

reconhecê-los para poder agir e conviver com eles enfrentando os imprevistos

com os recursos emocionais e mentais construídos pela via do diálogo e da

amorosidade.

É necessário ao professor dormir, comer, praticar exercícios, controlar o excesso

de trabalho e ter lazer de maneira equilibrada para que os medos se manifestem

de maneira natural em seu dia-a-dia e não os imobilizem.

As bases biológicas das emoções e sentimentos presentes na problemática educa-

cional têm provocado muitos medos, pois não têm sido percebidas e tratadas em

sua complexidade, provocando diferentes manifestações de violência, comprome-

tendo a aprendizagem e o desenvolvimento de pessoas inteiras capazes de

construir uma sociedade equilibrada.

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Os sistemas de violência presentes no cotidiano devem ser objetos de estudo e

intervenção das instituições e organizações que constituem a rede da sociedade

brasileira. Não podem ser atribuídos unicamente à incompetência dos professores e

à ineficiência do sistema educacional brasileiro.

A escola, os professores e os alunos são partes do problema e da solução. Prova

disso é que suas ações têm demonstrado uma busca de convivência possível na

escola e fora dela.

Uma sociedade em busca de uma nova ética gera medos, emoções e sentimentos

que ultrapassam os limites da sala de aula. Portanto, buscar a autonomia, o bem-

viver e a superação do que oprime e aprisiona só será possível quando a amorosi-

dade for o elemento mediador da comunicação entre os indivíduos e se transformar

em atitude.

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APÊNDICE 1

ENTREVISTA COM O PROF. Y

1. Qual é a sua formação?

2. Há quanto tempo o senhor está no magistério superior?

3. O que o senhor espera dos seus alunos no início de cada curso?

4. Como o senhor percebe o comportamento dos seus alunos atuais em relação

aos alunos do início de sua carreira no magistério superior?

5. O senhor já teve de trabalhar com uma turma que lhe gerava mal-estar?

6. O que esta turma fazia para gerar mal-estar no senhor?

7. O que o senhor sentia ao se aproximar o dia de trabalhar com essa turma?

8. A sua saúde ficou comprometida durante o período em que o senhor trabalhou

com essa turma? Quais eram os sintomas?

9. Quais as ações que o senhor desenvolveu para tentar mudar o comportamento

da turma?

10. Como o senhor se sentiu ao acabar o curso?

11. O senhor daria aula novamente para esta turma? Por quê?

12. O que ficou de positivo para o senhor desta situação vivenciada?