pontes ceu 5 - nascente.pt · vou abrir as suas asas e ajudá-lo a lembrar-se de como voar. vamos...

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Índice

Prefácio 9

introdução. QUANDO O SEU ENTE QUERIDO FALECE 13

parte i. LEVANTAR O FINO VÉU ENTRE OS REINOS 19

1. Histórias de aparições 21

2. A forma como os espíritos tentam comunicar consigo 35

3. Histórias de clientes sobre os seus entes queridos falecidos 45

parte ii. COMUNICAR COM OS SEUS ENTES QUERIDOS

FALECIDOS 67

4. Usar a intuição para ver o outro lado 69

5. O seu horário diário de cura e reconexão 89

6. Perguntas dos leitores sobre os seus entes queridos falecidos 99

parte iii. VER POR QUE AINDA ESTÁ AQUI

E O QUE FAZER AGORA 115

7. A sua missão de alma revela os seus dons 117

8. Os seus ciclos de sofrimento de reinvenção 153

9. Use a sua dor (raiva, culpa e culpabilização) como estímulo 163

parte iv. AJUDAR OS OUTROS 191

10. Histórias sobre ajudar os outros 193

11. Cinco conversas para curar o sofrimento 207

12. Quatro passos para ajudar os seus entes queridos

a fazerem a passagem 221

parte v. O SEU MANUAL PARA RECUPERAR

DO SOFRIMENTO 237

Agradecimentos 253

Prefácio

O sofrimento leva‑te para o oceano profundo da sabedoria da tua alma; parte‑te o coração, deixando‑o bem aberto.

nUM sonHo…

Estou numa praia, rodeada por uma vasta extensão de areia

escura que se estende até onde a vista consegue alcan-

çar. Há gaivotas a grasnar ao longe. Estou a olhar para

os olhos azul-água do meu pai. Ele é jovem e está empolgado

a explicar-me algo com mais entusiasmo do que alguma vez

vi nos últimos anos da sua vida. O seu irmão, o meu querido

tio Pete, que morreu pouco depois do meu pai, está ao nosso

lado, a rir-se.

Estamos a desfrutar da vastidão da areia e do céu e a parti-

lhar histórias quando, ao longe, por trás deles, vejo um tsunami

gigante a rolar pela areia na nossa direção, talvez com 30 metros

de altura e a elevar-se ameaçadoramente sobre a paisagem plana.

Viramo-nos e vemos outra onda possante a rolar diretamente

para nós, vinda da direção oposta. Estamos entre estas duas

ondas que se aproximam e percebemos num instante que não há

nada que possamos fazer.

Eu pego nas mãos deles.

— Como nos vamos lembrar? — pergunto, olhando-os nos

olhos. — Como nos vamos voltar a encontrar?

— Não te preocupes — responde o meu tio Pete. — Encontramo-

-nos sempre.

10

sue frederick

Ele grita mais qualquer coisa, mas não consigo ouvir as suas

palavras entre o ruído estrondoso das ondas. Acordo ofegante,

ainda a sentir as mãos firmes de ambos à volta das minhas, a ansiar

novamente por aquele momento, com as suas vozes na minha

cabeça, incapaz de voltar a adormecer.

Voltamos sempre a encontrar-nos uns aos outros? Não será

essa nostalgia interminável a tirania do sofrimento? Ou é sim-

plesmente a nossa perspetiva limitada sobre o tempo e o espaço?

Não estaremos a ansiar pelos reinos divinos, onde tudo e todos são

luminosos e estão interligados… desejosos de regressar a uma casa

de que não nos conseguimos lembrar exatamente?

Quando os nossos entes queridos passam para outros reinos,

nunca nos deixam completamente. Nós abandonamo-los, por não

acreditarmos que eles continuam connosco. Deixamos de ouvir.

A nossa dor bloqueia-os.

Claro que ficamos zangados porque os nossos nos deixaram

sozinhos quando precisávamos deles. E ficamos zangados com o

médico que não diagnosticou o cancro ou com o condutor embria-

gado naquela noite, na estrada. Mas estamos sobretudo zangados

connosco, porque poderíamos ter impedido que aquilo acontecesse

se ao menos tivéssemos…

Sim, há muitos motivos para ficarmos zangados no mundo

físico, e a vida é injusta: até percebermos que tudo tem um pro-

pósito. Este acontecimento trágico é apenas um breve incidente

no percurso da sua alma. O sofrimento está presente hoje na sua

vida para o ajudar. É a sua revelação divina, forçando-o a lembrar-se

de quem é realmente e do que veio cá fazer.

Não há nenhum professor tão poderoso como a Divina Mãe

Sofrimento, mestre espiritual da dor e da iluminação. Se esco-

lheu a Mãe Sofrimento como professora, é obviamente uma

poderosa alma antiga que veio cá porque tem uma grande obra

a fazer e para ajudar a elevar a consciência humana. Está aqui

pontes para o céu

11

para ser um farol de luz para os outros. E, sim, claro que vai

conseguir sustentar-se com estes dons e encontrar o amor que

deseja. Está tudo à espera de que dê um passo numa nova direção.

Deixe-me levá-lo numa jornada até ao divino. Vou abrir as suas

asas e ajudá-lo a lembrar-se de como voar. Vamos voar bem alto

até ao vasto oceano dos reinos mais elevados. Deixaremos a sua

dor para trás.

Nessa altura, vai lembrar-se de que veio de um mundo de gra-

ciosidade e luz ao qual regressará em breve, e que esta vida terrena

é o seu sonho breve. Verá os que já partiram a dançar no éter e a

esvoaçar pela sua casa como crianças a brincar.

Esta parte, este mundo físico, é a parte difícil. Mas veio para

cá com o propósito de se educar, expandir os seus limites e surgir

como um ser brilhante e poderoso. Não é uma vítima, por mais trá-

gica que seja a sua história.

Quando fica preso ao seu sofrimento, o seu ente querido

vê-o envolto numa nuvem cinzenta de energia negativa e anseia

tirar-lhe a sua dor. O seu sofrimento impede que os seus entes

queridos comuniquem consigo. Torna-se uma parede que não

conseguem atravessar.

É nos dias desperdiçados a pensar que não fomos suficien-

temente bons, suficientemente fortes, suficientemente espertos,

ou a dizer que não nos importamos que desiludimos o nosso eu

superior e afastamos os que já não estão connosco.

Quando voltar a abrir o seu coração e confiar na sua intuição,

ouvirá os seus entes queridos a falar. Aceitará a sua espirituali-

dade e ajudará os outros. Irá afastar-se da amargura que lesa a sua

alma e o separa do amor.

A Mãe Sofrimento vai acabar por lhe ensinar, em última ins-

tância, que a sua vida tem de ter um sentido e um propósito,

ou não terá nenhum motivo para estar aqui, e que a chave para des-

cobrir esse propósito está dentro de si. Este livro revela a missão

12

sue frederick

da sua alma e ilumina os seus próximos passos. Mas tem de dar

o primeiro deles…

Se procurar apenas acabar com a dor, ela aumentará expo-

nencialmente. Os vícios e as distrações desviam-no do caminho e

tornam o seu percurso mais difícil. Ao invés, quando confia no seu

eu superior, torna-se um farol de luz para o mundo. E é por isso

que aqui está.

Este momento doloroso é o seu despertar espiritual, gentil-

mente cedido pelo seu eu superior. É o seu momento de graça.

Agora, resta apenas uma solução: cumprir a missão da sua alma e

tornar-se o ser de luz que está destinado a ser. Aqui e agora, pode

escolher. Tudo aquilo de que precisa está aqui. Tudo é perdoado.

Quanto a si… lembre-se de que é divino. E este é o seu momento.

13

Introdução

Quando o seu ente querido falece

Se estiveres a sofrer hoje, sabe que o teu ente querido tenta acalmar a tua dor. Fica quieta e ouve…

Estou diante de uma assistência de 200 pessoas, ou mais,

a dar um workshop de fim de semana para as ajudar a

verem o verdadeiro trabalho que têm a fazer, a missão da

sua alma. Uma mulher levanta o braço, e tenho um breve vislum-

bre de um homem de pé junto a ela, com um boné de basebol que

lhe tapa os olhos. Diz-me que o seu marido morreu recentemente

e lhe deixou muito pouco dinheiro. Que saiu do mercado de tra-

balho há 20 anos para criar os seus três filhos e ajudar nas tarefas

administrativas do negócio do marido. Neste momento sente-se

perdida sem ele e o respetivo ordenado. Posso ajudá-la?

Enquanto ela me conta a sua triste história, vejo que o seu espí-

rito é luminoso e brilhante. Calculo rapidamente o seu percurso de

nascimento e vejo que é uma alma mestre no caminho do número

sagrado 11; que está aqui para inspirar e curar os outros. Ainda

tem uma grande obra a fazer. Vejo-a a aconselhar pessoas e a dar

workshops no futuro. É evidente que este sofrimento que sente tem

o objetivo de estimular a sua reinvenção.

A seu lado, o homem acena com a cabeça e envia-me a mensagem:

— Ela tem mais dons do que eu alguma vez tive. Está na hora de

acreditar em si mesma. Diga-lhe para ser terapeuta. É por isso que

ainda está aqui. É a vez dela. Há dinheiro para ela.

Eu passo-lhe esta informação e explico que este tipo de traba-

lho é a missão da sua alma e que vai ser ótima nele. Responde-me

14

sue frederick

dizendo que achou engraçado porque tem sonhado em voltar a estu-

dar e tirar psicologia, a única coisa que a interessa realmente. Mas

como poderá pagar os estudos? O homem acena novamente:

— O dinheiro está lá — diz.

Quando lhe dou esta mensagem, argumenta que não há

dinheiro nenhum. Repete a sua história triste, e consigo ver que

ela não está pronta a libertar-se dela ou a dar-lhe um novo fim.

Passo à frente e continuo o workshop, frequentemente ciente da pre-

sença do homem com o boné de basebol. Durante um intervalo

fecho os olhos e falo diretamente com ele:

— Ela precisa da sua orientação para encontrar uma forma de

financiar os estudos. Onde está o dinheiro? Tem de lhe dizer.

No final do workshop de dois dias, a mulher vem ter comigo.

— Ontem à noite tive um sonho — diz ela. — O meu marido

disse-me que havia outro seguro. Era sempre tão desorganizado…

Punha os papéis em qualquer lado. Mas agora acho que sei onde

encontrá-los quando chegar a casa. Afinal sou capaz de conseguir

voltar a estudar. Veremos. — Enquanto me diz isto, está com um

sorriso radioso. É o início da sua nova história.

Outro dia, enquanto me preparo para trabalhar com uma

cliente, vejo dois senhores adoráveis sentados à minha frente

durante a minha meditação.

— Diga-lhe que é ela que tem talento e não nós — dizem eles,

a rir-se um com o outro. — Diga-lhe que ela tem o dom de contar

histórias e que tem de usá-lo. Que pode escrever e contar a sua

própria história num documentário. É tão bonita e talentosa, mas

não vê os seus próprios dons — afirma o mais velho.

Ligo à minha cliente e começo a sessão, partilhando a minha

visão. Passou anos a promover o trabalho do seu marido e do irmão

dele, ambos artistas de sucesso e ambos falecidos. É evidente

que querem que agora ela se concentre nos seus próprios dons.

pontes para o céu

15

É escritora, e está na hora de contar a sua própria história. Depois da

nossa sessão, demora algum tempo a mudar de direção, a libertar

o foco sobre os seus entes queridos que morreram, os talentos que

tinham, e volta a concentrar-se no seu próprio percurso. No entanto,

acaba por fazê-lo, e a sua grande obra desenrola-se lindamente.

Horas de conversas com espíritos e a partilha dessas conver-

sas com clientes demonstraram-me, sem sombra de dúvida, que

os nossos entes queridos falecidos se esforçam muito para que os

consigamos ouvir. Eles tentam várias vezes ajudar-nos a ter uma

visão mais alargada de quem somos e do que viemos aqui fazer,

mesmo que não se comportassem assim enquanto cá estavam.

Fazer a passagem muda tudo…

Uma mulher com ar muito cansado aproxima-se de mim na longa

fila para autografar livros. Tem uma amiga junto a ela, com o braço

a segurar com firmeza a cintura da mulher exausta. A amiga diz-me

que esta mulher acabou de perder o seu jovem filho para o cancro.

— Ela não está muito bem — refere a amiga. — Consegue ver

o espírito do filho dela? — pergunta.

Sim, eu sinto-o. É um espírito brilhante e dançante a seu lado,

que faz tolices, dá risadas e lhe puxa o braço. Mas a mulher está

derrotada, tem o coração pesado e não consegue senti-lo. Sinto

que poderá ter um medicamento a entorpecê-la, uma droga dada

por um médico simpático com a intenção de ajudar. Mas o medi-

camento (provavelmente prescrito para depressão) impede-a de

sentir o seu lindo filho, que dança junto a si; em vez disso, sente

apenas uma brisa ligeira na sua pele e não faz caso.

Como posso ajudá-la a vê-lo? Digo-lhe que ele está bem e feliz,

que dança ao lado dela e que quer que ela seja feliz. Peço-lhe para

fechar os olhos comigo durante uns instantes e sentir a energia.

Damos as mãos em silêncio. Consigo sentir a energia do seu filho

a fazer das suas: a saltar à nossa volta. Diz:

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sue frederick

— Mãe, estou aqui. Estou bem.

A mulher sorri para mim brevemente e tem lágrimas nos olhos.

— Acho que consigo senti-lo — afirma. — Mas nunca acreditei

na vida depois da morte…

Explico que este sofrimento é o seu momento para despertar

espiritualmente. Digo-lhe para todas as manhãs ficar sentada em

meditação silenciosa e pedir para sentir a presença do seu filho.

Digo-lhe para falar com ele diretamente durante a meditação e

escrever quaisquer pensamentos ou imagens que lhe surjam.

Explico que, se fizer isto, trará o seu próprio espírito de volta

à vida. Saberá, sem qualquer dúvida, que o seu filho está feliz

e bem. Diz-me que vai fazê-lo.

Devido ao pesar que sente, rezo para que faça o esforço. Uma

grande parte dela não acredita verdadeiramente que o seu menino

continua a viver, mesmo quando ele lhe puxa as mangas. Passou

a maior parte da vida a rejeitar o seu eu superior e intuição e a ser

cínica. Agora está numa crise espiritual profunda. O seu falecido

filho está bem, a brilhar na luz como um pequeno buda ao seu lado,

a desejar desesperadamente que a mamã se sinta melhor. Porém, a

mãe tem de fazer um esforço para voltar a despertar o seu eu superior.

É a sua alma que está a dormir, não a do filho. Está na hora de se

lembrar de quem é e por que está aqui. A partida do seu filho destina-

-se a inspirar este novo despertar espiritual. Este é o acordo entre

almas gémeas que fez com o seu filho muito antes do início desta

vida, e enquanto se consome com dor não percebe o objetivo, inter-

preta mal esse acordo e torna o seu caminho mais difícil.

Digo-lhe para me mandar e-mails sobre os seus progressos.

Um ano mais tarde, tenho notícias dela. Diz que, depois de meses

a consumir-se com sofrimento, começou a meditar. Diz-me que

tem sido milagroso, que consegue ouvir a voz do filho quando se

senta e aquieta a mente. E esta experiência, diz, lançou a sua vida

numa direção nova e cheia de esperança.

pontes para o céu

17

Somos nós que morremos quando choramos pelos nossos entes

queridos. Aqueles que partem rezam para que a nossa dor desa-

pareça, para que entendamos que tudo tem um propósito e que

podemos juntar-nos a eles assim que cumprirmos a nossa missão

aqui e ajudarmos a atenuar a dor dos outros.

As vozes dos meus entes que partiram são como uma canção

interminável na minha cabeça. Movem as minhas mãos pelo teclado

e enchem as minhas noites de sonhos. Sou a criança que deixaram

para trás e que observam com grande preocupação e um amor extraor-

dinário; retraindo-se quando desejam ajudar, ficando calados quando

escolho o caminho errado, deixando-me aprender as minhas lições

como uma criança aprende a andar caindo e voltando a levantar-se.

Desde que vi o Paul sob a luz branca e reluzente do candeeiro

de rua, com um halo prateado em torno da cabeça e olhos rouba-

dos de um céu azul-oceano intenso… soube que o meu lugar era

junto dele. Via-me com tanta graciosidade, afagando-me o cabelo

para encontrar perfeição em cada falha, vendo beleza em cada

ruga. O Paul pôs as mãos na minha alma e amou-me.

Partilhámos tanta alegria nas nossas escapadelas: as longas

caminhadas para subir a cumes ridículos, as conversas sobre Deus,

os filmes que nos faziam rir e chorar. Com os sonhos dele dentro do

meu coração, vi o nosso futuro desenrolar-se. Para mim, este amor

seria um refúgio: um sítio onde me sentia a salvo de um mundo em

que os meus dons me levavam muito para lá do normal. Precisava

dos seus braços à minha volta para me aninhar, para construirmos

a nossa vida de sonho. Juntos, acharíamos uma forma de tornar

nosso este reino, fazer boas ações e prosperar. O Paul fazia-me feliz

todos os dias.

Sabia que ele ia morrer em breve? Sou intuitiva. Porque não vi?

A informação chegou-me de muitas formas para estar prepa-

rada. Contudo, por ser a criança obstinada que era, lutei contra cada

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sue frederick

revelação divina: o olhar na cara do técnico no dia em que fizeram

o exame ao fígado do Paul, a forma como esse exame desapareceu

e nunca mais se encontrou, o diagnóstico errado que não fazia sen-

tido. Na sua primeira estada no hospital, um homem da idade do

Paul, a morrer de um cancro colorretal em fase terminal, foi trans-

ferido para o seu quarto. Enquanto o Paul ainda estava a perceber

o que significava ter um tumor nos intestinos, este rapaz em agonia

e a sua mulher desesperada (chamada Sue) permitiram-nos vislum-

brar um futuro que não queríamos ver. Pedimos rapidamente para

nos transferirem para outro quarto.

E se eu tivesse prestado atenção aos sinais, teria ajudado? De cer-

teza que poderia ter reagido com mais graciosidade. Podia ter mudado

mais cedo a nossa cama do andar de cima lá para baixo. Não precisava

de ter atirado o meu copo de chá gelado contra a parede na noite em

que a lata deixou vazar bílis por cima dos lençóis. Tão dramático. Mas

o meu futuro perfeito estava a ser arrancado lenta e dolorosamente

das minhas mãos. A nossa vida de sonho estava a desmoronar-se.

Será que o Paul sabia aonde aquela viagem nos levaria? Que acabaria

aqui, comigo a falar consigo? No final falava por enigmas, dizendo-me

que eu tinha um dom, pedindo-me para não desperdiçar a minha

vida a chorar por ele. Fez exigências impossíveis ao meu coração.

Eu devia ser a alma bebé do nosso grupo, esforçando-me para

acompanhar aqueles que amava. Quando pediram um voluntá-

rio para vir aos reinos físicos e cumprir uma tarefa difícil, para ser

forte e ajudar a elevar os limites da consciência, devo ter levantado

a mão… sem saber realmente o que isso implicava. Mas sabendo que

tinha de fazer algo importante, abrangente e destemido, ou seria

deixada para trás. Lembro-me de alguém me dizer que eu tinha um

coração corajoso; foi apenas um murmúrio e depois desvaneceu-se.

Quantas horas terão sido aqui desperdiçadas com pena de mim?

É difícil dizer. Mas tudo o que importa é que antes de deixar esta

vida, antes de terminar, o leitor já me terá ouvido.

Parte I

LeVantar o FIno VÉU entre os reInos

21

1Histórias de aparições

O véu entre os reinos é mais fino do que pensas: fino e transparente. Fecha os olhos e sente‑o…

Nunca houve uma altura em que os espíritos não falas-

sem comigo, não vagueassem à noite pelo meu quarto

ou murmurassem ao meu ouvido. Eles também falam

consigo. No entanto, o leitor é melhor a ignorá-los, está mais

ancorado pela lógica a este mundo físico do que eu, embora tenha

tentado muito enraizar-me no pensamento lógico do hemisfério

esquerdo do cérebro.

Algures durante o meu nascimento, em 1951, deve ter sido feito

um dano extenso e indetetável no meu cérebro perfeito, tão grande

e preciso que praticamente reduziu o meu hemisfério esquerdo e

me deixou maioritariamente ligada aos reinos celestiais.

Desde cedo que houve seres radiantes que falavam comigo no

jardim de flores onde a minha mãe plantava margaridas, e santos

que ficavam ao meu lado todos os domingos na igreja. Foi uma

bênção ser católica; a Virgem Maria foi uma presença constante na

minha vida, tão real que falava com ela em voz alta. Mal aprendi

a fazê-lo, rezava o terço todos os dias.

A cidade misteriosa de Nova Orleães fez parecer os meus dons

quase normais. A minha mãe, crioula e intuitiva, descendente de

uma longa linhagem de mulheres com capacidades videntes, era

suficientemente forte para ver aquilo de que eu precisava e para me

ajudar a ficar aqui firmemente enraizada. Passava as tardes a ensinar-

-me as letras, pronunciando as palavras precisa e logicamente até eu

22

sue frederick

conseguir desenvolver o meu hemisfério esquerdo e ler as páginas.

Só tinha 3 anos. Foi o que me salvou. A minha mãe acreditava que

eu era sobredotada.

Quando cresci e ouvia o que alguém ia dizer antes de essa pes-

soa falar, o tempo voltava para trás e retraía-me. Tenho a certeza

de que parecia transtornada, perturbada. Não compreendia o riso

e porque ninguém conseguia ouvir os murmúrios dos que esta-

vam à nossa volta. Mas eu não gostava de doidices. Era demasiado

forte para isso.

Então, fiz-me de morta. Passei para o modo de sobrevivência.

Aprendi a pensar logicamente, a passar de A para B, a ignorar as

visões e os sonhos. Não queria desiludir o meu carinhoso e lógico

pai. Precisava de pagar as contas. E quando os murmúrios come-

çaram a desvanecer-se, dei por mim numa carreira precoce, aos

20 anos, a ensinar crianças a ler e organizar os seus hemisférios

esquerdos, porque era disso que precisava. Tornei-me educadora

de infância do método Montessori para me curar.

Se ao menos tivesse sabido que aqui estava para explicar

o mundo da forma como eu o via, e não tentar adaptar-me ou

tornar-me igual a todos os outros, podia ter começado o meu

trabalho mais cedo. Demorei muito tempo a fazer-lhe chegar

esta mensagem, para o ajudar a perceber que o véu é ténue e

que veio cá propositadamente, com uma missão. Contudo, esta

é a única coisa de que sempre tive a certeza e o dom que vim

aqui partilhar.

o MeU PaI…

Estamos em maio de 1997. O meu pai, diagnosticado com

cancro do pulmão quatro semanas antes, tem estado em coma

há dias, com dificuldade em respirar. A minha família faz turnos

pontes para o céu

23

a cuidar dele no hospital. Hoje quero ficar ao seu lado porque

sinto que vai partir. Porém, é a minha vez de tomar conta dos

seus cinco netos, incluindo a minha filha de 3 anos.

Dou um beijo na testa do meu pai, digo-lhe que o amo e que

o verei em breve. De volta à casa da avó, deito as crianças para

fazerem a sesta. Por fim, adormecem. Estou livre para meditar,

como faço todos os dias há 30 anos.

Sentada no sofá, fecho os olhos e repito um mantra, um som

em sânscrito sagrado e ancestral. A minha mente acalma de ime-

diato. Num instante, tenho o meu pai nitidamente à minha frente,

a rir-se e a fazer palhaçadas. É novo e saudável. Fico encantada ao

vê-lo feliz e bem-disposto. Esta imagem é tão real e tangível que

sorrio e digo em tom de brincadeira:

— O que estás a fazer aqui, pai? Pai! — repito em voz alta,

abrindo os olhos, apercebendo-me de que acabei de ver claramente

o meu pai, que está num hospital a quilómetros de distância…

a morrer. Pego no telefone para ligar para o quarto de hospital.

O meu irmão atende.

— O que se passa, Jim? Acabei de ver o pai.

— Ele teve um ataque cardíaco. Estamos a tentar parar as tenta-

tivas de reanimação. Está um caos.

— Estava a meditar, e ele apareceu à minha frente, vivo e feliz.

— Isso é incrível, Sue. És vidente — diz de forma doce mas

sarcástica. — Agora põe outra vez os miúdos no carro e vem

para cá.

Quando chego ao hospital com o meu bando de bebés rabu-

gentos, o corpo do meu pai está disposto pacificamente na cama de

hospital e a minha família está reunida à sua volta, a chorar. Fico

abalada por não ter estado com ele.

— Ele partiu — anuncia Jim quando entro. — Mas estiveste

com ele mais do que nós. Isto aqui estava um caos quando acon-

teceu. Viste-o assim que passou para o outro lado.

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sue frederick

Continuo aborrecida por não ter estado ao lado dele para ajudá-

-lo, mas acabo por perceber que o espírito do pai não estava preso

ao caos confuso do quarto de hospital. Estava comigo e claramente

feliz e livre! Fico grata por ter estado a meditar e por ter conseguido

vê-lo tão nitidamente.

Dias mais tarde, enquanto a família se reúne na sala para dis-

cutir os preparativos do funeral, a minha filha de 3 anos entra

a correr na sala e para de repente.

— Porque estão todos a chorar? — pergunta, olhando para as

nossas caras tristes.

— Porque o avô morreu e sentimos a falta dele — diz o meu

irmão Tom.

— Eu acabei de vê-lo a passar a voar pela janela, e ele parecia

feliz — devolve ela, com uma inocência absoluta, olhando confusa

para nós como se estivéssemos errados.

O meu irmão ajoelha-se à frente dela e pede suavemente:

— Diz-me o que viste, Sarah.

A Sarah descreve o meu pai com um ar jovem e feliz, a passar

pela janela a voar e a acenar-lhe. Todos nós sorrimos ao imaginá-lo.

Acreditamos. Isso ajuda-nos.

MaIs UMa HIstÓrIa…

Foi um dia que terei para sempre gravado na minha alma,

13 de julho de 1980, o dia em que o meu marido morreu. Depois

da sua batalha de um ano contra o cancro colorretal, o Paul saiu

graciosamente do seu corpo, passou pelos meus braços e subiu na

direção da chuva de uma tarde de verão no Colorado.

Após semanas de traumas médicos extenuantes, cheguei a casa

do hospital para dormir na nossa cama, que agora mora no

centro da sala. Esta cama foi onde partilhámos pela primeira vez

pontes para o céu

25

o amor e os sonhos para o futuro e, por fim, gotas de morfina

e frascos nasogástricos que marcaram o fim da vida do Paul.

Aos 35 anos, faleceu.

A sua morte deu-me a bênção de uma consciência inabalável

de que somos almas numa jornada e que a vida continua além

dos reinos físicos. Mas ainda assim ele partiu. Fiquei viúva e sozi-

nha aos 29 anos. Já sinto a falta dele.

Exausta, adormeço na nossa cama e apercebo-me rapidamente

de que o Paul está a dormir ao meu lado. Claro que está aqui.

Ele é meu marido e consigo sentir as suas pernas quentes e fofi-

nhas enroscadas à volta das minhas. Sinto-o a abraçar-me com

força e sinto a sua respiração no meu cabelo. Não me consigo

lembrar de onde ele esteve, mas agora está em casa.

Passado algum tempo, um homem vestido de branco aparece

ao lado da cama. Acho que deve ser um enfermeiro. Estica o seu

braço comprido por cima de mim para tocar no Paul. Lentamente

percebo que ele não está vestido de branco e que não é um enfer-

meiro. Está a emanar luz. E não é humano, mas outra coisa

qualquer. Não sei bem o quê. Quando ele se estica por cima de

mim, o Paul desaparece de repente detrás de mim.

Abro os olhos e vejo que são 2 da manhã, que não há ninguém

a dormir ao meu lado, nem ninguém junto à cama, vestido de

branco. Sinto a presença inconfundível de um ser divino. Percebo

que o Paul esteve aqui e que um ser superior veio buscá-lo. A sua

breve visita terminou, e o seu guia espiritual está a ajudá-lo a pas-

sar para reinos mais elevados.

Durante mais algumas noites sou acordada de repente de um

sono profundo, ao sentir uma presença no meu quarto. Quando

abro os olhos, o relógio marca a mesma hora: 2h00. A sua visita

chegou ao fim.

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sue frederick

a FaLeCIDa MÃe De UMa CLIente enVIa UMa MensaGeM

É 2011, e os meus olhos estão fechados em meditação enquanto

me preparo para trabalhar com uma cliente ao telefone. Consigo

ouvir uma voz feminina persistente a dizer-me ao ouvido:

— Estou a olhar pelas minhas meninas, estou a tomar chá com

elas. Estou a tomar chá com as minhas meninas…

A minha cliente chama-se Marya e tem 34 anos. Durante a

sessão, ao telefone, fico a saber que sofre de depressão e não

consegue orientar a sua carreira para o caminho certo. Ela odeia

o seu emprego.

A voz da outra mulher continua a persistir nos meus ouvidos.

Descrevo essa voz e a sua mensagem à minha cliente.

— É a minha mãe! — exclama Marya. — Ela morreu de

repente há dez anos, num acidente de carro. Tenho uma irmã.

Éramos as meninas da minha mãe. Quando éramos pequenas,

tomávamos chá com ela todos os dias. Quando ficámos mais

velhas, ela convidava-nos para tomar chá e conversar.

Descrevo a energia persistente e quase desagradável desta

mulher que ouvi falar ao meu ouvido.

— Sim, é a minha mãe — diz ela.

A morte da mãe foi um ponto de viragem terrível para Marya.

Tinha 24 anos na altura e nunca ultrapassou a perda repentina.

Isso lançou-a numa depressão profunda.

— Porque morreu a minha mãe de forma tão horrível? Eu pre-

cisava dela — lamenta-se Marya. — Quando aconteceu decidi que

o mundo era um local sombrio e não queria estar aqui. Já nada

fazia sentido.

Enquanto conversamos, um raio de sol entra pela janela do

meu escritório e brilha na parede à minha frente. O raio de sol,

sarapintado pelas folhas em movimento fora da minha janela cria

pontes para o céu

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uma forma nítida na parede. É a imagem perfeita do rosto de uma

mulher bonita. Descrevo este rosto a Marya. É a mãe dela.

Durante toda a hora da nossa sessão telefónica, olho para a

imagem perfeita do rosto da mulher na parede. O rosto nunca

apareceu no meu escritório nem antes nem depois disto. A mãe

da minha cliente estava tão determinada a que eu desse uma

mensagem a Marya que se manifestou numa imagem nítida dela

própria para que a pudesse ver.

— A sua mãe continua consigo, a olhar por si — digo a

Marya. — Tem de viver como se soubesse que ela está a ver.

Deixe-a orgulhosa de si.

No final da sessão, a voz de Marya está mais leve. Ela concorda

em dar vários passos pequeninos no sentido de realizar a sua

grande obra e cumprir a missão da sua alma.

CoMo os nossos sonHos nos PoDeM CUrar

Quando estava em sofrimento, uma pessoa que me era pró-

xima e que já tinha falecido apareceu-me várias vezes em sonhos

para me curar. Publiquei pela primeira vez esta história sobre a

minha amiga Crissie no meu livro I See Your Soul Mate e recebi

muitos e-mails de pessoas a dizer-me o quanto a história as aju-

dou. Vou inclui-la também neste livro com a esperança de que o

inspire a ligar-se a alguém que perdeu.

Conheci a minha melhor amiga de sempre, Crissie, na 2.ª classe,

nos baloiços do recreio da nossa escola primária católica. O seu bri-

lhantismo doido e humor louco ligaram-nos de imediato. A nossa

primeira conversa foi mais ou menos assim (embora ela fosse a

única a falar):

— Não achas «convento de freiras» uma expressão estranha,

parecida com «conserveiras»? Porque escolheria uma rapariga ir

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sue frederick

para a conserveira… ou… ser freira? Achas que todas as freiras saem

iguais de um convento de freiras, como as ervilhas saem das con-

serveiras? E se Shakespeare tivesse dito «Ide para a conserveira!»?

— Enquanto ela falava, ria-se a bandeiras despregadas, dobrando-

-se em ataques de riso que me fizeram rir-me descontroladamente

com ela. Percebi que tinha encontrado uma verdadeira amiga,

alguém que pensava fora da norma. Nem sempre a compreendia,

mas adorei-a imediatamente.

Anos mais tarde, no 7.º ano, os Beatles apareceram no pro-

grama The Ed Sullivan Show. Na nossa escola primária católica,

só a minha vida e a de Crissie mudaram nesse momento. Sabía-

mos que os Beatles significavam mais do que apenas música mara-

vilhosa e que nos estavam a mostrar uma vida maior e mais

empolgante, que as duas desejávamos. Prometemos uma à outra

que deixaríamos o Sul assim que acabássemos o liceu e que rea-

lizaríamos os nossos grandes sonhos. Ela nunca me permitiu

esquecer essa promessa.

O seu brilhantismo pô-la sempre entre os primeiros da turma

e entrou para Universidade de Georgetown, em 1969, fazendo parte

de um pequeno grupo de mulheres a serem pela primeira vez acei-

tes naquela faculdade de Washington. Quando lhe disse que tinha

entrado na Universidade do Missouri para estudar jornalismo,

ela passou a chamar-lhe sempre «Universidade da Miséria» e disse-

-me que eu devia ter «apontado para uma costa». (Tinha razão!

Mas eu não era tão inteligente como ela, por isso fiquei agradecida

pela oportunidade de frequentar a Universidade da Miséria.)

A nossa amizade durou muito além do meu tempo na Miséria

e do dela em Georgetown. O seu primeiro amor verdadeiro foi um

colega da Universidade de Georgetown chamado Paul Frederick,

de quem ficou noiva. Dois meses antes do grande casamento

sulista que os pais da Crissie tinham planeado alegremente, o Paul

Frederick deixou-a. A Crissie nunca superou realmente.

pontes para o céu

2�

Mais tarde, quando me mudei para o Colorado e conheci um

montanhista atraente chamado Paul Frederick (não era o mesmo

tipo), desconfiei imediatamente dele. Será que ele também ia par-

tir o meu coração? (Afinal de contas, partiu.) Crissie foi a primeira

amiga que nos visitou e conheceu o meu novo amor, cujo nome

era igual ao do homem que lhe tinha partido o coração. Gostou

logo dele.

Quando ao meu Paul Frederick foi diagnosticado um cancro,

os telefonemas frequentes da Crissie ajudaram-me a lidar com a

situação. Com a Crissie, cada conversa explorava novas ideias, fazia

perguntas difíceis e procurava a verdade: tudo isso de uma forma

alegre e espirituosa. Adorava-a. Fez-me as perguntas mais difí-

ceis que já alguém me fez. E fazia-me rir mais intensamente do que

qualquer outra pessoa que conhecesse. Disse-me sempre que eu

era uma escritora com talento e devia «escrever de uma vez, raios!».

Seis meses depois da morte de Paul, Crissie veio visitar-me.

Animava-me e desafiava-me em simultâneo. O que ia fazer agora

da minha vida? Ia seguir em frente? Andava a escrever? Sondava

e provocava-me enquanto conduzíamos para as montanhas para

fazer esqui. Parecia saudável, enérgica, solitária como sempre, mas

satisfeita em termos gerais com o seu estilo de vida como licen-

ciada na Califórnia. (Estava a tirar um doutoramento em botânica.)

No voo de regresso a casa, na Califórnia, reparou numas nódoas

negras que lhe apareceram no corpo. Quando aterrou em São

Francisco, estava cheia de nódoas negras e foi levada de ambulân-

cia para o hospital. O seu diagnóstico chocante de leucemia, tão

cedo após a morte do Paul, foi avassalador. Após estas notícias

devastadoras, tive vários ataques de ansiedade em que a minha gar-

ganta se fechava e não conseguia engolir nem comer. Sentia-me

nauseada a maior parte do tempo.

A mãe da Crissie mudou-se para a Califórnia para tomar conta

dela, e o pai arranjou-lhe o tratamento mais avançado na época,

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sue frederick

um transplante de medula no Hospital Fred Hutchinson, em Seattle.

Rodeada de amigos e familiares, fez tratamentos de quimioterapia

e radioterapia e quase morreu durante o complexo transplante de

medula. Não conseguia compreender por que alguém tão inteli-

gente, afetuoso e bom como a Crissie tinha de passar por tanto

sofrimento, tão horrível como a experiência do Paul. Em desespero

e sofrimento profundo, vendi tudo o que tinha e mudei-me para

o México para dar aulas de fitness num resort. Precisava de sarar e

estava a deixar um mundo que já não fazia sentido.

Quando a Crissie entrou finalmente em remissão, mudou-se

de volta para a Califórnia e concluiu os seus estudos superiores.

Mas só tinha 31 anos e tinha passado por um inferno. Estava numa

crise espiritual profunda, interrogando-se sobre o sentido da vida.

Compreendi a sua dor.

Mantivemos contacto através de cartas e telefonemas. Começou

a retomar a sua vida e a sentir-se melhor. Gritou comigo quando

lhe contei que estava apaixonada por um mexicano casado (mas

separado) chamado Emilio, dono da loja de mergulho local.

— Sue Ellen, só vais magoar-te! És uma escritora, por isso podes

usar isso para qualquer coisa, suponho… mas sinceramente! Volta

para casa e escreve, raios!

Ainda não podia voltar para casa. A minha vida pacífica a fazer

snorkeling e mergulho todos os dias com o Emilio foi uma forma de

cura para mim, mesmo sabendo que ele nunca seria meu compa-

nheiro para toda a vida. Gostava dele na mesma.

Eu e a Crissie fizemos um plano para nos vermos no territó-

rio da nossa infância. A Crissie apanhou um avião para a Costa do

Golfo para visitar a família dela na mesma altura que fui a casa

visitar a minha. Os nossos pais tinham ambos barcos de pesca e

casas de praia. O pai da Crissie levou-a ao porto perto da nossa casa

de praia para passar algum tempo connosco. O meu pai (que ado-

rava a Crissie) levou-nos a pescar e a passear de barco. Quando nos

pontes para o céu

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fartámos de pescar, ele deixou-nos numa ilha remota para conver-

sarmos enquanto pescava ao largo da ilha.

Eu e a Crissie andámos e conversámos durante horas ao longo

da areia e da água cristalina da nossa ilhazinha remota. Falámos

sobre a sua luta constante com a leucemia, do transplante de

medula, do que ela sentia em relação à morte, do meu sofrimento

em relação ao Paul, das minhas tentativas para terminar o meu rela-

cionamento condenado à partida com Emilio e da crença que ela

tinha, de partir o coração, de que nunca iria encontrar a sua alma

gémea nem ter filhos. Sentia-se sozinha e incapaz de ser amada.

— Qual é a parte mais difícil? — perguntei-lhe.

— Desiludir o meu pai — disse, enquanto as lágrimas caíam. —

Ele quer tanto que eu viva… — Soube nessa altura que a Crissie

estava a morrer, dissessem os médicos o que dissessem. Reconheci

o processo de libertação por que estava a passar. Era a mesma con-

versa que tinha tido com o Paul.

Quando o meu pai nos foi buscar à ilha, levou-nos de volta à

marina, onde o pai de Crissie estava à espera no seu barco de pesca.

Enquanto os nossos pais se riam e brincavam um com o outro,

eu e a Crissie abraçámo-nos uma última vez. Ela não me conseguiu

olhar nos olhos quando se virou e entrou no barco do pai. Enquanto

o barco deles saía do porto, acenámos uma à outra. Quando deixei

de a ver, comecei a soluçar compulsivamente. O meu pai pergun-

tou suavemente:

— Porque estás tão triste? Ela está com ótimo aspeto. Ela vai

conseguir.

A chorar, virei-me para ele e disse:

— Pai, esta é a última vez que a vou ver. Tenho a certeza.

A Crissie voltou para a sua casa na Califórnia. Eu voltei para

o México. Três meses depois, ela morreu.

Na noite da sua morte, e antes de saber que ela tinha morrido,

a Crissie veio ter comigo em sonhos. Passámos a noite toda a rir

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sue frederick

e dar gargalhadas juntas (como sempre tínhamos feito). Quando

acordei, os músculos do meu estômago doíam de me rir tanto.

Nunca tinha sentido, nem voltei a sentir, este tipo de sensações

físicas depois de um sonho como naquela noite com a Crissie.

Nessa manhã, enquanto estava a fazer café e me preparava para

ligar para os Estados Unidos para saber da Crissie, recebi um tele-

fonema a informar-me de que ela tinha morrido durante a noite.

Apercebi-me de que me tinha visitado em sonhos para me dizer

que estava bem e que a morte não era o fim de nada.

Porém, a Crissie ainda não tinha acabado de me ensinar coisas.

Um ano depois, tinha finalmente regressado aos Estados Unidos

com o coração partido por causa do Emilio e tentava encaminhar

a minha vida e a minha carreira. O meu sofrimento pela perda da

Crissie, do Paul e do Emilio punham-me em baixo, deixando-me

triste e deprimida.

Uma noite, a Crissie veio ter comigo num sonho e curou o meu

coração partido. Nesse sonho, eu e ela estamos numa varanda de

pedra branca com vista para um mar verde-esmeralda. É pacífico

e extremamente bonito, e estou muito contente por estar ali ao seu

lado. Estamos a falar como sempre fizemos, mas não usamos pala-

vras. Ela está um pouco atrás de mim, à minha esquerda, enquanto

olhamos para a água. Reparo que o seu corpo físico está a reluzir

e parece-se mais com manchas de luz do que com uma presença

física totalmente formada. A forma que eu conheço como Crissie

está a mudar. Tem a mão nas minhas costas e esfrega-a em círculos

enquanto fala comigo. Estamos a falar sobre o meu desgosto por

causa do Emilio.

A Crissie tira várias cartas escritas à mão em muitos tipos de

papel de carta que o Emilio tinha escrito à sua mulher, de quem

estava separado (e que durante o nosso relacionamento morava

noutra cidade). Nas cartas o Emilio declara o seu amor eterno pela

mulher. Página após página, conta histórias de como o seu negócio

pontes para o céu

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de mergulho está a correr bem e quão maravilhosa vai ser a sua

vida quando voltar para casa, para junto dela. A Crissie deixa-me

bem claro que o Emilio nunca me amou de verdade e que tenho de

libertá-lo e seguir em frente. Quando ela me mostra estas cartas,

a dor e o sofrimento que senti por todas as minhas perdas acumulam-

-se no meu peito. Enquanto esfrega as minhas costas, sai de mim

um grito intenso e triste; o som propaga-se através do mar esme-

ralda à nossa frente. É poderoso, ancestral e profundo, mais alto

do que qualquer som que alguma vez tenha produzido. Enquanto

esta dor sai em torrentes de dentro de mim e flui através da água,

a Crissie esfrega gentilmente as minhas costas e encoraja-me a

libertar-me de tudo.

Quando acabo de chorar, a Crissie desaparece lentamente ao

meu lado. Acordo ainda a ouvir o som dos meus lamentos doloro-

sos e a sentir a mão da Crissie nas minhas costas. Choro durante a

maior parte da manhã. À medida que os dias passam, dou conta de

que o meu sofrimento diminui. Estou finalmente capaz de come-

çar uma jornada de reinvenção e busca espiritual que me leva até

ao trabalho que faço hoje.