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  • 8/14/2019 Ponte Oliveira Cunha Segurado Livro

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    HISTRIAS DE INVESTIGAESMATEMTICAS

    Joo Pedro da Ponte

    Hlia Margarida Oliveira

    Maria Helena Cunha

    Maria Irene Segurado

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    Histrias de investigaes matemticas

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    Sobre o livro

    Uma actividade matematicamente rica por parte dos alunos surge, em especial, quandoo professor valoriza e fomenta nas aulas a realizao, discusso e avaliao de activida-

    des de investigao. O presente trabalho enquadra-se no Projecto Matemtica ParaTodos Investigaes na Sala de Aula, e teve por objectivo estudar os problemas edilemas profissionais bem como o conhecimento profissional necessrio ao professorque pretende envolver os seus alunos neste tipo de actividade matemtica.

    Tomam-se por base quatro ideias fundamentais. A primeira, refere-se Matemtica aensinar, e respeita a uma perspectiva epistemolgica sobre esta cincia que a encaramuito mais como uma actividade no decurso da qual se constri novo conhecimento doque como um corpo de saber a transmitir. A segunda, refere-se importncia da inte-raco social no processo de negociao dos significados matemticos, econsequentemente na aprendizagem. A terceira, tem a ver com a dinmica da inovao

    curricular e coloca o problema da concretizao prtica de novas orientaespedaggicas, nomeadamente quando subscritas pelos programas oficiais. Finalmente, aquarta, de ordem metodolgica, apostando nas potencialidades de uma anlisenarrativa das situaes de ensino-aprendizagem, numa base de pesquisa cooperativa.

    Sobre os autores

    Joo Pedro da Ponte, licenciado em Matemtica pela Faculdade de Cincias da Univer-sidade de Lisboa e doutor em Educao Matemtica pela Universidade da Georgia. Temcoordenado diversos projectos de investigao na rea da educao, com especial des-taque para o ensino da Matemtica, a formao de professores e as novas tecnologias.

    presentemente Professor Associado da FCUL e Presidente do respectivo Departamentode Educao.

    Hlia Margarida Oliveira, licenciada em Ensino da Matemtica e mestre em Educaopela Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa, onde desempenha presentemen-te as funes de Assistente. Participa no Grupo de Trabalho de Histria e Ensino daMatemtica da Associao de Professores de Matemtica.

    Maria Helena Cunha, licenciada em ensino, na Variante de Matemtica e Cincias, pelaEscola Superior de Educao de Viseu e mestre em Educao pela Faculdade de Cin-cias da Universidade de Lisboa. presentemente Equiparada a Assistente do Segundo

    Trinio naquela Escola Superior de Educao.

    Maria Irene Segurado, licenciada em Economia pelo Instituto Superior de Economia deLisboa e mestre em Educao pela Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa,

    professora de nomeao definitiva do 4 grupo da EB 2,3 Rui Grcio, em Montelavar.Integrou o Projecto MINERVA e colabora no Grupo de Trabalho da Internet e no Cen-tro de Formao da Associao de Professores de Matemtica.

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    NDICE

    1. INTRODUO 3

    O estudo 3Contexto e objectivo 3A Matemtica como actividade 4A interaco social no processo de aprendizagem 5

    A dinmica de inovao curricular 7

    Investigaes na aula de Matemtica 8O que so actividades de investigao? 8A preparao de aulas de investigao 11A realizao de aulas de investigao 15Dificuldades a ultrapassar 18

    2. METODOLOGIA DE TRABALHO 21

    Narrativas de situaes de ensino-aprendizagem 21Histrias, narrativas e conhecimento humano 21Histrias, narrativas e conhecimento profissional 23O processo de construo de uma narrativa 25

    O trabalho da equipa 27A elaborao e anlise das narrativas 29

    3. HISTRIAS 35

    Conjecturando... (JP-IS5) 36Matemtica: Calcular ou pensar? (JP5) 44 Nmeros quadrados e triangulares (HC5A) 50Contra factos no h argumentos (HC5B) 57Uma investigao em grande grupo (IS5) 62

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    E se os alunos seguem caminhos imprevistos? (IS6) 68Matemtica por convenincia?! (HO8A) 72Quando os expoentes se tornam negativos (HO8B) 79

    E os fsforos transformaram-se em palitos (HO8C) 84Um problema com muitas solues (AV8) 92

    4. CONCLUSES 99

    O conhecimento profissional do professor em actividades de investiga-o 99

    A Matemtica 99

    Os processos de aprendizagem 102O currculo 105A instruo 107

    Reflexo geral sobre o trabalho desenvolvido 112Tarefas de investigao e saber matemtico 113As interaces sociais no processo de aprendizagem 114O professor e a inovao educativa 116

    A metodologia 117 Nota final

    5. BIBLIOGRAFIA 124

    6. ANEXOS 128

    Potncias e regularidades 129 Nmeros quadrados e triangulares 131

    Exploraes com nmeros 132s voltas com os mltiplos 133Propriedades das potncias de expoente inteiro 134Quadrados com fsforos 135

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    1. INTRODUO

    Este trabalho centra-se sobretudo no professor. Pretendemos dar umcontributo para o estudo do seu conhecimento profissional em contextos deinovao curricular. E procuramos faz-lo atravs de uma abordagem meto-dolgica de algum modo tambm inovadora, pelo menos na educao

    matemtica: a anlise narrativa das situaes de ensino-aprendizagem. Nes-te captulo damos conta dos principais objectivos e pressupostos tericosdo estudo relativamente Matemtica, ao professor e inovao curricularnesta disciplina.

    O estudo

    Contexto e objectivo

    O presente trabalho decorre de um projecto1 cujo objectivo era estu-dar, numa perspectiva de anlise narrativa, o conhecimento profissionalnecessrio ao professor que pretende envolver os seus alunos em actividadematemtica significativa, bem como os problemas e dilemas profissionaiscom que se confronta nestas situaes de ensino-aprendizagem. Uma acti-vidade matemtica rica por parte dos alunos surge, em especial, quando o

    professor valoriza a realizao, discusso e avaliao de actividades deinvestigao por parte dos alunos. Pretendia-se estimular os professoresparticipantes e cooperantes a explicitar, desenvolver e produzir materiais dedivulgao das suas teorias prticas acerca do modo de organizar e condu-zir tais actividades educativas. O projecto, que se revestiu de um carcterde investigao-aco, envolveu professores e alunos do 2 e 3 ciclos do

    1 Projecto Prtica e reflexo sobre a prtica: Anlise narrativa de situaes de ensino aprendizagem,

    apoiado pelo Instituto de Inovao Educacional, Sistema de Incentivos Qualidade de Educao (Con-curso 1995 Medida 2)

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    ensino bsico, decorrendo as suas actividades de campo em escolas daszonas de Viseu e Lisboa.

    Tommos por base quatro ideias fundamentais. A primeira, refere-se

    Matemtica a ensinar, e respeita a uma perspectiva epistemolgica sobreesta cincia que a encara muito mais como uma actividade no decurso daqual se constri novo conhecimento do que como um corpo de saber atransmitir. A segunda, refere-se importncia da interaco social no pro-cesso de negociao dos significados matemticos, e consequentemente naaprendizagem. A terceira, tem a ver com a dinmica da inovao curriculare coloca o problema da concretizao prtica de novas orientaes pedag-gicas, nomeadamente quando subscritas pelos programas oficiais. Final-

    mente, a quarta, de ordem metodolgica, apostando nas potencialidadesde uma anlise narrativa das situaes de ensino-aprendizagem, numa basede pesquisa cooperativa.

    Assumindo um carcter eminentemente interpretativo, este projectono pretendia testar hipteses empricas. Mas, como projecto de investiga-o, assenta em diversos pressupostos sobre a natureza do saber matemti-co em contexto escolar, sobre o processo de aprendizagem, sobre a inova-o educativa e sobre o processo de investigao. Analisamos no fim dotrabalho em que medida a sua validade sai reforada ou, pelo contrrio,enfraquecida.

    A Matemtica como actividade

    A Matemtica tem sido tradicionalmente encarada como um corpo deconhecimento. Mas ela pode igualmente ser vista como uma actividadehumana e isso constitui uma primeira ideia fundamental deste projecto. AMatemtica permeia muitas reas da sociedade actual de modos dificilmen-

    te imaginveis h alguns anos atrs (Hammond, 1978). medida que ela setem tornado uma ferramenta cada vez mais poderosa para interpretar situa-es e para agir nos mais diversos domnios, novas competncias tm pas-sado igualmente para o primeiro plano. Mais do que executar algoritmos ou procedimentos repetitivos, o que se exige hoje s pessoas flexibilidadeintelectual, capacidade de lidar com diferentes tipos de representaes,capacidade de formular problemas, de modelar situaes diversificadas e deavaliar criticamente os resultados obtidos usando diferentes metodologias

    (MSEB, 1989).

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    A Matemtica est em evoluo permanente e a sociedade tambm.O mesmo se pode dizer dos alunos. De um ensino selectivo e destinadoapenas a uma elite, passmos a um ensino de massas, generalizado e obri-

    gatrio para todos. Nesta situao, os objectivos e as prticas de ensino daMatemtica tm tambm que mudar profundamente.

    As perspectivas absolutistas (Ernest, 1991), que encaram o conheci-mento matemtico como um edifcio solidamente alicerado, construdodedutiva e cumulativamente, qual paradigma do rigor absoluto, contribu-ram para a cristalizao de um currculo fortemente estruturado em tornodos contedos. Como consequncia, considerava-se que o papel do profes-sor era a simples exposio clara e rigorosa dos conceitos matemticos e o

    treino dos alunos na resoluo de exerccios repetitivos. Esta forma deapresentar a disciplina impe aos alunos uma viso muito limitada e imper-feita da sua natureza.

    Diversos matemticos tm afirmado, desde h muito, a sua discor-dncia em relao a esta viso. Por exemplo, Bento Caraa (1958) contrastaa ideia de cincia feita com a de cincia em processo de elaborao. Namesma linha de pensamento, George Plya (1945) refere que a Matemti-ca apresentada moda de Euclides surge como uma cincia dedutiva e sis-temtica mas a Matemtica no seu processo de criao aparece como cin-cia experimental e indutiva (p. vii). A aprendizagem da Matemtica devecontemplar oportunidades de os alunos se envolverem em momentosgenunos de actividade matemtica. Num movimento que tem igualmente oseu paralelo no ensino experimental das cincias, passa-se a dar ateno aosprocessos de criao do saber e no simplesmente ao seu produto final.

    Nesta abordagem, a Matemtica vista como uma construo social,impregnada de valores e, em ltima anlise falvel como qualquer outroproduto do pensamento humano. Os processos sociais que ditam a aceita-

    o de certos conceitos e a rejeio de outros tm uma expresso paralelana negociao do significado matemtico que decorre na sala de aula(Bishop e Goffree, 1986). Em suma, sublinha-se a importncia de aproxi-mar a actividade do aluno da actividade do matemtico, contribuindo paraque as salas de aula se constituam como comunidades matemticas(Schoenfeld, 1992).

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    A interaco social no processo de aprendizagem

    Surge assim uma segunda ideia fundamental deste projecto: a impor-

    tncia das interaces na sala de aula. Na nossa tradio de ensino, a inte-raco professor-aluno tende a ser fortemente privilegiada no processo deensino-aprendizagem. A interaco entre os alunos ou quase inexistenteou pouco valorizada pelo professor.

    O dilogo na sala de aula na maior parte dos casos completamenteconduzido pelo professor, limitando-se muitas vezes a perguntas fechadasque suscitam respostas unvocas e imediatas (Correia, 1995). Este tipo deinteraco de certo modo natural quando as tarefas propostas se limitam

    resoluo de exerccios rotineiros de aplicao da matria dada, mas nobasta quando se oferecem aos alunos experincias matemticas mais inte-ressantes. Na verdade, ao pretender que os alunos desenvolvam a capacida-de de formular problemas, de explorar, de conjecturar e de raciocinarmatematicamente, que desenvolvam o seu esprito crtico e a flexibilidadeintelectual, -se levado a um outro modo de conceber o ensino e a criar umoutro ambiente de aprendizagem. Para isso, essencial mudar de modofundamental o discurso na sala de aula (NCTM, 1994). Os alunos, ao for-mularem as suas conjecturas, ao defenderem as suas ideias, ao questiona-rem e compararem os processos desenvolvidos por si e pelos seus colegas, bem como os resultados obtidos oralmente ou por escrito, do passosessenciais para clarificar o seu pensamento e para alcanar uma compreen-so mais profunda de conceitos e princpios matemticos.

    Em termos educativos torna-se importante valorizar a interaco dosalunos uns com os outros e com o professor. So, pois, necessrias tarefasespecficas que favoream este tipo de actividades. No entanto, no ser asimples introduo de tarefas que ir alterar s por si a aprendizagem. de

    realar a grande importncia da aco do professor nas questes que colo-ca, nas interaces que promove, em especial encorajando os alunos a dis-cutir e a explicar a Matemtica que desenvolvem. As discusses assumemum papel importante, favorecendo o desenvolvimento da capacidade deargumentar e de comunicar matematicamente. O professor ter como papelfundamental iniciar e dirigir o discurso, envolver cada um dos alunos, man-ter o interesse pelo assunto, colocar questes esclarecedoras ou provocantese no aceitar apenas a contribuio dos alunos que tm habitualmente res-

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    postas correctas ou ideias vlidas. Ter de respeitar a diversidade dos alu-nos.

    Por outro lado, o professor fica a saber mais sobre as ideias e os

    conhecimentos dos alunos quando os observa e ouve. Os momentos de dis-cusso permitem que ele d ateno individual aos alunos, coloque ques-tes para sondar os seus conhecimentos, e note a partir das suas respostaseventuais dificuldades conceptuais (NCTM, 1994). Alm disso, o professordeve constituir um modelo vivo das atitudes e competncias que desejadesenvolver no aluno. Como diz John Mason, atravs do seu ser mate-mtico e do modo como esse ser se manifesta que o professor influenciaras atitudes e inclinaes da maioria dos alunos (1991, p. 17). Todos estes

    aspectos requerem uma competncia profissional significativa. , pois,importante que o professor reflicta sobre o novo papel que chamado adesempenhar e o modo de contornar as respectivas dificuldades.

    A dinmica de inovao curricular

    Chegamos deste modo terceira ideia fundamental do projecto: asinovaes curriculares impem uma anlise dos saberes profissionaisrequeridos para a sua concretizao. A orientao para o ensino da Mate-mtica que temos vindo a apresentar est de algum modo j presente nosnovos programas portugueses (em vigor desde 1991), nomeadamentequando indicam a resoluo de problemas como eixo do currculo ou sereferem ao papel do aluno na aprendizagem. Mas estas ideias tm aindareduzida expresso nas prticas pedaggicas. Na verdade, uma coisa reconhecer a importncia de um conjunto de princpios sobre o ensino daMatemtica. Outra coisa, bem diferente, lev-los prtica em condiesmuitas vezes adversas em aulas superlotadas, sem se dispor dos mate-

    riais necessrios, perante alunos muitas vezes fortemente desmotivados emrelao disciplina e pouco receptivos a experincias inovadoras. Comoapresentar aos alunos uma actividade de investigao se eles no tm ummnimo de pr-requisitos matemticos? O que fazer quando eles no com-preendem o enunciado de um problema nem se mostram dispostos a fazer omnimo esforo? Como conduzir uma discusso quando todos os alunosquerem falar ao mesmo tempo e mostram pouco interesse em ouvir os seuscolegas? Que rotinas so necessrias para conduzir uma aula em que os

    alunos realizam trabalho de investigao? Qual a articulao entre o traba-

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    lho investigativo e outras actividades de aprendizagem como a resoluo deexerccios?

    No necessariamente por pouco empenho profissional que os pro-

    fessores tm, por vezes, dificuldade em encontrar maneiras de concretizarum ensino de cunho mais inovador. Trata-se, de um problema mais profun-do, que remete para competncias ao nvel do saber-fazer, para zonas deindefinio no que respeita a concepes essenciais sobre os assuntos quese ensina e sobre o processo de aprendizagem, para dificuldades de monito-rizao da avaliao de actividades de aprendizagem com uma dinmicasignificativamente complexa.

    Neste projecto pretendem-se equacionar os saberes profissionais

    relevantes para este tipo de prtica pedaggica, para o que se tm em contadiversas tradies tericas, nomeadamente a perspectiva psicolgica (querecorre a conceitos como esquemas, rotinas e guio curricular), a perspecti-va da psicologia social (que se preocupa sobretudo com a influncia dasrepresentaes sociais e das identidades profissionais) e a perspectivafenomenolgica (que incide essencialmente no significado das experinciaspessoais do professor)2.

    So estes os elementos-chave da fundamentao terica do projecto edo seu enquadramento na realidade educativa portuguesa, luz da reformacurricular. Uma quarta ideia fundamental do projecto, relativa ao sentido daanlise narrativa e sua concretizao em termos metodolgicos, ser abor-dada no captulo seguinte.

    Investigaes na aula de Matemtica

    O que so actividades de investigao?

    Uma vez que existe uma profuso de formulaes sobre o que seentende por investigaes matemticas, necessrio explicitar o sentidoque lhes atribumos neste projecto. As investigaes matemticas so partedo que alguns autores designam por actividade matemtica, o que corres- ponde a identificaraprender Matemtica com fazer Matemtica. Nesta

    2 Ver Ponte (1994).

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    perspectiva, esta cincia encarada mais como uma forma de gerar conhe-cimento do que como um corpo de conhecimentos. Love (1988) defineimplicitamente este tipo de actividade, ao afirmar que os alunos devem ter

    oportunidade de:

    identificar e iniciar os seus prprios problemas; expressar as suas prprias ideias e desenvolv-las ao resol-

    ver problemas; testar as suas ideias e hipteses de acordo com experincias

    relevantes; defender racionalmente as suas ideias e concluses e sub-

    meter as ideias dos outros crtica ponderada. (p. 260)

    Um conceito muito prximo de investigao matemtica o de reso-luo de problemas. Os dois termos so usados muitas vezes de modoindistinto. Ambas as noes se referem a processos matemticos complexose ambas envolvem actividade fortemente problemtica. A resoluo de pro- blemas envolve uma grande variedade de tarefas, tanto de cunho maisfechado como mais aberto, tanto relativas a situaes puramente matemti-cas como referentes a situaes da vida real. Actividades investigativasou investigaes matemticas designam, no contexto deste projecto, umtipo de actividade que d nfase a processos matemticos tais como procu-rar regularidades, formular, testar, justificar e provar conjecturas, reflectir egeneralizar. So actividades de cunho muito aberto, referentes a contextosvariados (embora com predominncia para os exclusivamente matemticos)que podem ter como ponto de partida uma questo ou uma situao propos-ta quer pelo professor, quer pelos alunos.

    O aspecto mais distintivo das actividades de investigao em relao resoluo de problemas diz respeito natureza da questo a estudar.

    Enquanto que na resoluo de problemas a questo tende a ser apresentada j completamente especificada ao aluno, na actividade de investigao asquestes iniciais so de um modo geral vagas, necessitando de ser trabalha-das, tornadas mais precisas e transformadas em questes concretas peloprprio aluno. As actividades de investigao envolvem assim uma compo-nente essencial de formulao de problemas, etapa normalmente ausente(porque j cumprida de antemo pelo professor) na resoluo de problemas.

    Outra distino diz respeito s estratgias a seguir. Enquanto que na

    resoluo de problemas faz sentido sugerir heursticas gerais (como as de

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    Plya, 1945) ou estratgias mais especficas (como as de Schoenfeld,1982), nas actividades de investigao o leque de possibilidades de talmaneira vasto que se torna difcil fazer semelhante sistematizao.

    Assim, enquanto que na resoluo de problemas o objectivo aestratgia seguida e a soluo a que conduz, na actividade de investigao oobjectivo a compreenso de um domnio problemtico. Esta distino bem ilustrada na metfora geogrfica: o objectivo a jornada, no o desti-no (Pirie, 1987, p. 2). A mesma ideia reforada por Ernest (1991) aoreferir que nesta actividade a nfase est na explorao de uma terra des-conhecida (p. 285), enquanto que na resoluo de problemas se procuraencontrar um caminho que conduza soluo ou solues. O processo

    investigativo tem, assim, um carcter mais divergente do que, em geral, aresoluo de um problema.Para que uma situao possa constituir uma investigao essencial

    que seja motivadora e desafiadora, no sendo imediatamente acessveis, aoaluno, nem o processo de resoluo nem a soluo ou solues da questo.As actividades de investigao contrastam-se claramente com as tarefasque so habitualmente usadas no processo de ensino-aprendizagem, umavez que so muito mais abertas, permitindo que o aluno coloque as suasprprias questes e estabelea o caminho a seguir. Numa investigao par-te-se de uma situao que preciso compreender ou de um conjunto dedados que preciso organizar e interpretar. A partir da formulam-se ques-tes, para as quais se procura fazer conjecturas. O teste destas conjecturas ea recolha de mais dados pode levar formulao de novas conjecturas ou confirmao das conjecturas iniciais. Neste processo podem surgir tambmnovas questes a investigar.

    As investigaes matemticas caracterizam-se, igualmente, pelo est-mulo que fornecem ao aluno para este justificar e provar as suas afirma-

    es, explicitando matematicamente as suas argumentaes perante os seuscolegas e o professor. As capacidades de argumentao e prova so doisaspectos destacados da capacidade de comunicar matematicamente. Odesenvolvimento desta capacidade , tambm, um dos grandes objectivoseducacionais do ensino da Matemtica (NCTM, 1991). Ao confrontarem assuas diferentes conjecturas e justificaes, os elementos da turma consti-tuem-se como pequena comunidade matemtica, na qual o conhecimentomatemtico se desenvolve em conjunto.

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    O trabalho do aluno aproxima-se, assim, do trabalho do matemtico.Ernest (1991), afirma mesmo que, a actividade matemtica de todos osalunos de Matemtica, desde que produtiva, envolvendo a formulao e a

    resoluo de problemas, no qualitativamente diferente da actividade domatemtico profissional (p. 283). Para este autor, a actividade matemticado aluno, se bem que possuindo um reduzido grau de complexidade deacordo com os seus conhecimentos matemticos, compara-se do matem-tico em termos dos processos a que recorre.

    A preparao de aulas de investigao

    Este modo de ver a aprendizagem vem, naturalmente, relativizar aimportncia dos contedos no currculo. Ainda que estes continuem a cons-tituir o suporte da actividade, o desenvolvimento de capacidades de ordemsuperior torna-se um objectivo destacado, e os processos caractersticos daactividade matemtica passam a constituir o foco do ensino. Como defendeLerman (1989), a Matemtica identificada por modos particulares de pensar, conjecturar, procurar contradies formais e informais, etc., nopelo contedo especfico (p. 77). Porm, dado que os programas vigen-tes se centram nos contedos, organizados de uma forma hierrquica ecompartimentada, o professor tem necessidade de fazer surgir as investiga-es matemticas na aula em ligao com eles. Isto no significa que, emcada momento, as propostas tenham obrigatoriamente que introduzir ouexplorar conceitos que esto a ser abordados. Significa apenas que se refe-rem de modo especial a certos tpicos do programa ao mesmo tempo que permitem que os alunos recorram a todo o arsenal matemtico de que jdispem.

    O ponto de partida de uma investigao, tal como foi pensado pelo

    professor, pode relacionar-se de modo mais ou menos directo com um ououtro tema do currculo. Mas a actividade que o aluno realiza, particular enica, pode originar outras questes, seguir por caminhos inusitados e aca-bar por se relacionar com muitos outros temas. H que procurar um pontode equilbrio entre a preocupao de seguir de forma ordenada o currculo ea valorizao da natureza aberta das investigaes, reconhecendo o contri-buto importante que estas podem fornecer para o desenvolvimento matem-tico dos alunos.

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    O professor tem um papel fundamental na planificao de activida-des de investigao na sala de aula. A seleco das propostas e o estabele-cimento de objectivos para a sua realizao relacionam-se com a especifi-

    cidade da turma e com o contexto em que surgem na aula. Nem os objecti-vos nem as tarefas podem ser completamente definidos, de antemo, pelosautores dos programas. O professor surge, deste modo, como algum queparticipa no processo de elaborao do currculo delineando objectivos,metodologias e estratgias, e reformulando-os em funo da sua reflexosobre a prtica.

    A maior ou menor ligao das actividades de investigao com oscontedos pode ser um dos factores que restringe ou amplia o tempo dispo-

    nvel para a sua realizao. O professor confrontado com decises difceisquanto gesto do tempo devido ao nmero elevado de aspectos quenecessita de relativizar e conjugar. Para alm de definir qual o peso relativoque estas actividades devem ocupar no cmputo das actividades de umaturma, tem tambm de ponderar sobre a frequncia com que elas devemsurgir: ser mais vantajoso para os alunos aparecerem vrias tarefas deinvestigao em sequncia ou, pelo menos, com grande proximidade, oumais espaadas ao longo do ano?

    A articulao com os contedos leva tambm a questionar em quemedida podem as investigaes ser propostas no incio, durante ou no fimde um assunto. Se a tarefa de investigao for introduzida num momentoqualquer, que pontes se podem estabelecer com o trabalho j desenvolvido?

    Ao seleccionar ou criar uma tarefa, o professor deve definir clara-mente os objectivos a atingir e ter em ateno o nvel etrio e o desenvol-vimento matemtico dos alunos. A maior ou menorfamiliaridade dos alu-nos com este tipo de actividade um factor muito importante a considerar.

    Quer a criao quer a reformulao das propostas de investigao so

    actividades que consomem tempo e exigem do prprio professor uma atitu-de investigativa. A natural insegurana do professor num tipo de trabalhoque ainda no domina, aliada ao investimento que exige, especialmentequando faltam os recursos apropriados na escola, podem constituir obstcu-los seno intransponveis, pelo menos limitantes ao desenvolvimento destetipo de actividade.

    Uma investigao matemtica pode-se iniciar em condies muitovariadas. No entanto, existem questes e situaes que so potencialmente

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    mais ricas. A ateno que deve merecer a escolha de uma tarefa encontra-seexpressa nas seguintes palavras de Ollerton (1994):

    Uma parte importante da minha planificao tem a ver com oencontrar tarefas que:

    sejam um comeo apropriado para todos na aula trabalha-rem;

    forneam oportunidades ricas para muitos desenvolvimen-tos;

    possibilitem que sejam trabalhadas uma variedade de com-petncias de contedo;

    criem oportunidades para os alunos explorarem ideias e

    colocarem questes; apoiem diferentes tipos de intervenes do professor desde

    o colocar questes ao explicar e expor; permitam aos alunos tomar a maior parte da responsabili-

    dade no seu desenvolvimento; tenham uma variedade de resultados, alguns dos quais

    podem ser inesperados; permitam que o contedo seja processado; extraiam contextos transcurriculares reais, tais como usar

    de informao de um jornal, ou contextos de resoluo deproblemas; sempre que possvel tenham um comeo prtico de forma a

    prover experincias concretas a partir das quais abstracespossam ser feitas. (p. 64)

    Este professor indica diversos aspectos que devem ser contempladosna criao e seleco de tarefas de cunho exploratrio e investigativo.Saliente-se, por exemplo, a preocupao com a possibilidade de os alunos

    desenvolverem mltiplas abordagens e colocarem questes, bem como coma adequao da tarefa inicial a todos os alunos. Nesta mesma linha de pensamento, Lampert (1990) chama-nos a

    ateno para o que considera ser o principal critrio de seleco de um pro-blema, entendido como situao problemtica. Para a autora, os problemasdevem levar todos os alunos a fazerem e testarem conjecturas, que so, pos-teriormente, alvo de discusso na turma. Numa das propostas que apresen-tou aos seus alunos procurava potenciar a sua progresso em direco a

    ideias matemticas mais complexas e abstractas, ou ainda, segundo as suas

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    palavras, criar um cenrio para um ziguezague entre a observao indutivae a generalizao dedutiva, que Lakatos e Plya vem como caractersticasda actividade matemtica (p. 39).

    A ideia de que as situaes a propor devem ser abertas, no sentido deestimularem o aluno a colocar as suas prprias questes, um dos aspectosmais fortes das tarefas de natureza investigativa. Este grau de abertura podeat mesmo traduzir-se em propostas no necessariamente na forma interro-gativa. Lerman (1989), ilustra este ltimo caso, atravs da situao:

    Considera tringulos de lados inteiros. Existem trs tringuloscom 12 unidades de permetro. Investiga. (p. 77)

    Em seguida apresenta uma figura com trs tringulos com a indica-o da medida do comprimento de cada um dos lados. Esta situao, emque no colocada nenhuma pergunta, permite a formulao de problemasdiversos de acordo com o interesse e conhecimento matemtico do aluno.Todavia, h que ser cuidadoso ao introduzir estas situaes no processo deensino-aprendizagem porque podem tornar-se algo frustrantes para os alu-nos que, no dia-a-dia da aula de Matemtica, lidam apenas com questesmuito estruturadas. Por outro lado, podem tambm criar uma certa insegu-

    rana no professor visto que envolvem uma grande margem de imprevisibi-lidade.

    Aps a seleco da situao a propor, segue-se uma fase no menosimportante: o planeamento da aula. As questes ligadas organizao egesto da aula so tanto mais relevantes quanto menor a experincia doprofessor nesta rea. Decises sobre se os alunos iro trabalhar individual-mente ou em grupo, como se iro constituir os grupos, e se haver momen-tos de trabalho em grande grupo, dependem no s da natureza da tarefa

    apresentada mas, principalmente, dos objectivos estabelecidos pelo profes-sor.O modo de trabalho escolhido ser um dos factores a ter em conta

    para se prever o tempo de durao da actividade. Ser possvel realizar ainvestigao numa nica aula? Por quanto tempo conseguiro os alunosmanter-se interessados na tarefa?

    Frequentemente, a estrutura escolhida pelo professor para uma aulade investigao consiste nas seguintes fases:

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    introduo da tarefa pelo professor (quer seja apenas umponto de partida ou uma questo bem definida) e arranqueda sua realizao pelos alunos (interpretao da situao edefinio do caminho a seguir);

    realizao da tarefa (durante a qual o professor interagecom os alunos individualmente ou em pequeno grupo); e

    apresentao de resultados pelos alunos e sua discusso(comparao das interpretaes da tarefa, estratgias segui-das e resultados obtidos; neste ponto frequente surgiremnovas questes para futura investigao).

    Por vezes, as discusses intermdias do professor com um grupo dealunos ou mesmo com toda a turma durante a fase da realizao da tarefamostram-se bastante profcuas. Numa aula de investigao, mais do que emqualquer outra, no possvel prever com exactido o que ir acontecer. ,pois, necessria uma grande flexibilidade na preparao de uma aula destetipo.

    A realizao de aulas de investigao

    O modo como a tarefa de investigao apresentada aos alunos

    constitui um elemento extremamente relevante da actuao do professor:

    Mesmo os adeptos mais extremistas da Matemtica investiga-tiva no acreditam, em geral, que no seja necessria interven-o alguma do professor para que o aluno aprenda. Isso seriaesperar que cada indivduo recriasse, do princpio, toda aMatemtica. (Hatch, 1995, p. 37)

    A situao, quer tenha sido criada ou recriada pelo professor, j um

    refazer, sob a forma de questo, do processo investigativo em que o seuautor se envolveu. Tal como o trabalho do matemtico que publicado apa-rece com uma forma definitiva, no dando a conhecer o percurso, os avan-os e os recuos, tambm a investigao que proposta ao aluno surge-lheburilada e acabada. Com isto quer dizer-se que no razovel supor que asquestes propostas ao aluno o levaro, necessariamente, a percorrer osmesmos caminhos que quem as gerou. Como refere Mason (1978), o alu-no no est no mesmo estado que o originador (p. 45). O professor no

    pode antecipar, fidedignamente, todas as suas reaces.

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    Adicionalmente, a preocupao do professor com a explorao cabalda situao, pode levar a uma construo demasiadamente estruturada dainvestigao. Como consequncia, o aluno tender a encarar a proposta de

    trabalho como um conjunto de tarefas especficas a serem resolvidas, e nocomo uma investigao cujos objectivos e estratgias so por ele definidos.O grau de abertura das situaes depende no s (e talvez, no primaria-mente) do tipo de questo a investigar mas tambm da abordagem que escolhida pelo professor. Quem j se embrenhou numa investigao e ten-tou transform-la numa situao a ser apresentada (por escrito ou oralmen-te), sabe que no fcil conseguir, sem se ser demasiado directivo, colocarquestes que levem os alunos a explorarem todas as potencialidades que

    lhe reconhecemos.O papel do professor na fase de arranque de uma actividade de inves-tigao , pois, extremamente importante. De acordo com Mason (1991),uma questo apenas um grupo de palavras com um ponto de interroga-o (p. 16), ou seja, uma questo, s por si, pode no gerar investigao. necessrio que o professor manifeste consistentemente uma atitude investi-gativa no decorrer das suas aulas para, desse modo, influenciar positiva-mente a curiosidade dos alunos.

    Na fase seguinte, tendo os alunos iniciado a actividade, o professordar ateno ao desenvolvimento do seu trabalho. O apoio a conceder, nosentido de os ajudar a ultrapassar eventuais bloqueios ou a tornar mais ricaa sua investigao, um dos aspectos mais complexos da interveno doprofessor. Tem extrema importncia numa investigao a reflexo do alunosobre o seu trabalho. Esta pode ser estimulada directa ou indirectamente pelo professor. necessria experincia e sensibilidade para lidar comestes problemas de uma forma bem sucedida.

    Num curso criado pelo Shell Centre (1993) para auxiliar os professo-

    res na implementao e avaliao da resoluo de problemas e de activida-des de investigao, apresentam-se indicaes sobre a pertinncia, ou no,de certas intervenes por parte do professor. Assim, com base na avalia-o de um trabalho realizado em mais de 30 escolas, incentiva-se o uso dequestes que levem o aluno a reflectir sobre o modo como est a abordar asituao (por exemplo, o que tentaste fazer?); recomenda-se algumamoderao no fornecimento de indicaes quanto s estratgias (por exem- plo, comprovaste se isso funciona?); desaconselha-se a referncia a

    aspectos especficos da situao (por exemplo, por que no experimentas

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    com trs fichas?) (p. 191). O objectivo ir diminuindo a orientao doprofessor, medida que o aluno vai ficando mais familiarizado com estetipo de actividade.

    Barbara Jaworski (1994) relata amplamente num estudo por si reali-zado os desafios que esta abordagem metodolgica levanta ao professor,um dos quais designa por tenso-didctica. E recorda as seguintes pala-vras de John Mason:

    Quanto mais explcito sou sobre o procedimento que esperoque os meus alunos efectuem, mais provvel que eles o efec-tuem sem recurso compreenso do que o procedimento suposto indicar; isto , mais eles tomaro a forma pela subs-

    tncia... Quanto menos explcito sou sobre os meus objectivos(...) menos provvel que eles encontrem o que se pretendiaou que percebam o seu significado. (Mason, 1988, citado emJaworski, 1994, p. 180)

    Em relao a alguns professores que participaram no seu estudo,Jaworski indica como observou essa tenso: eram relutantes em dizer aosalunos factos que eles queriam que soubessem; no entanto, ficavam contra-riados quando esses factos no emergiam atravs da investigao (p. 207).Pode observar-se que a implementao destas actividades no de todolinear, colocando o professor perante inmeros dilemas.

    Um dos grandes objectivos das actividades de investigao a con-duo dos alunos a graus progressivos de generalizao e de abstraco.Consequentemente, a justificao das conjecturas apresentadas uma com-ponente importante do seu trabalho. Tal como foi mencionado anteriormen-te, o grau de formalizao dessa justificao depende do nvel de desenvol-vimento matemtico do aluno. No entanto, tarefa do professor fazer notar

    ao aluno a necessidade de se convencer a si prprio e aos outros dos seusargumentos de forma que, a pouco e pouco, acabe por o fazer espontanea-mente (Mason, 1991).

    A importncia da realizao de uma discusso final sobre a activida-de dos alunos tem sido referida com alguma insistncia por diversos auto-res. J no relatrio Cockcroft (1982) se encontra a indicao explcita deque sem essa discusso o sentido da investigao se poderia perder. Usual-mente, nesta fase que sero postas em confronto as estratgias, as hipte-

    ses e as justificaes que os diferentes alunos ou grupos de alunos constru-

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    ram, e que o professor assume as funes de moderador. Ele procura trazer ateno da turma os aspectos mais destacados do trabalho desenvolvido eestimula os alunos a questionarem as asseres dos seus pares. Assim, o

    desenvolvimento da capacidade dos alunos para comunicar matematica-mente e do poder de argumentao so dois dos objectivos destacados destafase da actividade de investigao.

    O professor tem um papel determinante na feitura de propostas deinvestigao e na conduo de aulas em que os alunos se empenham nestetipo de actividade. Todavia, para que os alunos sintam autenticidade nassuas propostas de trabalho necessrio que ele prprio demonstre um esp-rito investigativo. Os alunos s podero compreender plenamente o que

    significafazermatemtica se tiverem oportunidade de o observar como ummatemtico em aco.

    Dificuldades a ultrapassar

    As investigaes constituem um meio privilegiado de proporcionaraos alunos uma experincia matemtica autntica, porque facilitam oenvolvimento num tipo de trabalho que se encontra muito prximo da acti-vidade matemtica, abrangendo o desenvolvimento e a utilizao de algu-mas capacidades de ordem superior que, de um modo geral, no so con-templadas noutro tipo de actividades.

    Antecipamos nesta reflexo grande parte das dificuldades e limita-es referentes realizao de actividades de investigao na aula deMatemtica. Muitas delas apontam para a necessidade de investigaoaprofundada com base em situaes de sala de aula. Passamos, brevemente,em revista algumas questes que se colocam.

    Uma das dificuldades decorre das limitaes programticas. A exten-

    so do programa vulgarmente apontada como impeditiva da diversifica-o de estratgias na sala de aula. Um aspecto que merece ateno diz res- peito s dificuldades manifestadas pelo professor ao tentar articular estetipo de actividades com os contedos programticos e com os constrangi-mentos de tempo. Por outro lado, ser que as investigaes, quando apenassurgem como uma actividade espordica, chegam a promover uma atitudeinvestigativa nos alunos?

    Relativamente ao papel do professor no desenvolvimento das aulas

    surgem questes sobre a organizao da turma os alunos trabalham indi-

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    vidualmente ou em grupos? como so formados os grupos? Outras questesreferem-se ao apoio a fornecer aos alunos, gesto do tempo concedidopara os alunos realizarem o seu trabalho, orientao da discusso final e

    ao modo de avaliar a actividade desenvolvida.Alguns impedimentos realizao de actividades de investigao

    advm da falta de preparao que o professor possa sentir para ultrapassaros diversos obstculos com que se depara. Outros problemas podem decor-rer do facto do professor possuir uma viso parcial ou redutora do que sig-nifica investigar. Torna-se, assim, imprescindvel que ele tenha acesso amaterial diversificado e que sejam criadas condies para que possa discu-tir em conjunto com outros colegas sobre esta problemtica.

    A margem deixada pelos actuais programas para a integrao deinvestigaes matemticas no muito explcita. Exige-se, por isso, algumengenho ao professor para manobrar no espao deixado ao seu cuidado.

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    2. METODOLOGIA DE TRABALHO

    Este trabalho, que se desenvolve numa lgica de investigao-aco3,tem por base a elaborao, anlise e divulgao de narrativas referentes asituaes de ensino-aprendizagem em que os alunos trabalham em tarefasde investigao matemtica. Pretende-se que estas narrativas testemunhem

    aspectos dos dilemas e incertezas dos professores e evidenciem elementosrelevantes do seu conhecimento profissional neste tipo de actividades edu-cativas.

    Narrativas de situaes de ensino-aprendizagem

    O mtodo narrativo, como mtodo de investigao educacional, temvindo a ganhar uma proeminncia cada vez maior, configurando-se comouma importante abordagem no quadro da investigao qualitativa de tipointerpretativo. Passamos em revista, de modo sucinto, as principais ideiasque nos levaram a considerar a sua utilizao neste estudo.

    Histrias, narrativas e conhecimento humanoUma histria uma forma de contar uma sequncia de acontecimen-

    tos, que tem trs elementos bsicos: (a) uma situao envolvendo algumconflito, ou dificuldade, (b) um ou mais personagens que se envolvem nasituao com um dado propsito, e (c) uma sequncia temporal na qual oconflito de algum modo resolvido. Por outras palavras, uma histria con-tm referncia a personagens, locais e acontecimentos enquadrados numasequncia temporal que sugere implicitamente tanto causalidade como sig-3 Trata-se de um projecto com caractersticas de investigao-aco porque os participantes pretendemincluir nas suas prticas docentes usuais actividades de tipo investigativo e de resoluo de problemas,

    valorizando a correspondente comunicao/discusso no seio da turma, procurando, atravs da experi-mentao e da reflexo sistematizada, encontrar formas viveis de o concretizar na sala de aula.

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    nificado. Todo o ser humano um contador de histrias: v o presente nas-cer do passado e dirigir-se ao futuro. Pode-se dizer que percebe a realidadede um modo narrativo (Carter, 1993; Clandinin e Connelly, 1991).

    Neste domnio, como em muitos outros, a terminologia varia de autorpara autor. Diremos, com Connelly e Clandinin (1990), que uma histria um fenmeno natural do nosso pensamento, que ocorre constantemente, eque uma narrativa o uso da histria como mtodo de investigao. Trata-se portanto de uma histria produzida deliberadamente, com um propsitomuito particular. Por outro lado, um continuum na experincia de uma pes-soa uma unidade narrativa se torna a sua experincia de vida significativaatravs da unidade que lhe proporciona (Carter, 1993; Connelly e Clandi-

    nin, 1986).As histrias constituem parte integrante da nossa experincia quoti-diana. Uma ideia fundamental a de que organizamos as nossas experin-cias de interaco social atravs de histrias. De acordo com Bruner(1991), o nosso conhecimento diz respeito a dois domnios distintos: omundo fsico e o mundo das interaces humanas. A maior parte dos estu-dos acerca do processo de aquisio do saber incide sobre o modo comons conhecemos o mundo fsico e no o mundo humano ou simblico.

    Para aquele autor, organizamos a nossa experincia e a nossa mem-ria de acontecimentos humanos na forma de histrias, que so assim fen-menos naturais do nosso pensamento. Vivemos atravs de histrias, ouseja, pensamos, percebemos, imaginamos e fazemos escolhas morais deacordo com estruturas narrativas. A criao de histrias permite-nos estabe-lecer ordem e coerncia no fio da nossa experincia e construir a partir daum sentido para os incidentes e acontecimentos do mundo real (Carter,1993). Por outro lado, a pessoa que conta uma histria tanto moldada pelasituao como molda a situao vivida (Clandinin e Connelly, 1991).

    Uma segunda ideia importante a de que uma histria uma formade pensamento convencional, culturalmente transmitida, constrangida

    pelas capacidades de cada pessoa e pela natureza do meio em que estinserida. Deste modo, as construes narrativas no so verdadeiras ou fal-sas, mas apenas mais ou menos verosmeis e mais ou menos evocativas. Asua aceitao governada por conveno e por necessidade narrativa. Ouseja, a cultura fala atravs de histrias individuais, histrias que so cons-trudas em torno de temas que permitem a projeco dos valores humanos

    (Carter, 1993; Riessman, 1993).

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    O modo de pensar narrativo profundamente distinto do modo depensar lgico ou cientfico e sujeita-se a diferentes critrios de qualidade.Riessman (1993), por exemplo, aponta os seguintes aspectos como essen-

    ciais numa boa narrativa: persuasividade, correspondncia, coerncia e uso pragmtico. No qualquer histria que pode ser relevante para fins deinvestigao, mas apenas as histrias que satisfazem estas caractersticasfundamentais.

    Uma terceira ideia marcante a de que o conhecimento humano sebaseia em ferramentas culturais, sendo por isso o grupo cultural uma uni-dade de anlise fundamental. Na perspectiva de Bruner (1991), havendodomnios especficos do conhecimento e competncia humanos que so

    suportados e organizados por conjuntos de ferramentas culturais, a unidadede anlise no pode ser apenas o indivduo, mas tem de ser o grupo cultu-ral. O pensamento, as percepes e as experincias dos professores soelementos integrantes da sua cultura, fazendo com que a fora dos contex-tos culturais esteja presente nos seus pensamentos: o que os professoresnos dizem acerca das suas prticas , fundamentalmente, um reflexo da suacultura, e no pode ser compreendido correctamente sem referncia a essacultura que interpessoal (Olson, 1988, citado em Solas, 1992, p. 213).

    Em qualquer cultura existe necessariamente um largo consensoimplcito no que respeita s crenas sociais ou seja, como que ns pen-samos que as pessoas so e como que lidamos uns com os outros. Trata-se de um bom exemplo de um domnio do conhecimento organizado narra-tivamente (Bruner, 1991). Nele se incluiu, naturalmente, as representaesdos docentes sobre os processos de aprendizagem dos seus alunos.

    As histrias tornaram-se assim num dos meios de captar a complexi-dade, a especificidade e as relaes existentes entre os fenmenos com quelidamos. Elas relembram constantemente as limitaes das abordagens

    positivistas tradicionais, para as quais o ensino surgia decomposto emvariveis discretas e em indicadores de eficcia (Carter, 1993).

    Histrias, narrativas e conhecimento profissional

    O conhecimento profissional do professor evidencia-se na sua prti-ca. Ora, uma outra ideia fundamental que as histrias e as narrativasconstituem um modo de conhecimento particularmente ligado aco.

    Como diz Carter (1993), as histrias so modos de conhecimento emer-

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    gindo da aco... explicaes das intenes humanas no contexto da aco(p. 6). As histrias, com a sua multiplicidade de sentidos, so uma formaparticularmente adequada para expressar o conhecimento associado com-

    plexidade da aco. Uma vez que o ensino uma aco intencional numasituao, o conhecimento essencial que os professores tm do ensino vemda sua prtica, isto , de agirem como professores nas salas de aula. Assim, para compreender o pensamento de um professor, podemos comear porprocurar as histrias que estruturam o modo de pensar sobre os aconteci-mentos da sala de aula desse mesmo professor (as suas teorias prticas). Noentanto, devemos ter presente que, nas suas narrativas, os professores nose limitam a recordar e a relatar as suas experincias, mas repetem e

    recriam as suas prprias histrias, reconstruindo significados, redefinindo oseu eu pessoal e profissional (Cortazzi, 1993).Segundo Connelly e Clandinin (1986), os acadmicos tm sido irre-

    dutivelmente tericos e tm falhado na compreenso do pensamento prti-co. Para estes autores, a prtica tem de ser o ponto de partida para a inves-tigao e no um mero lugar de aplicao da teoria. O estudo narrativomuda a nfase da anlise da prtica em termos da teoria para o desenvolvi-mento da teoria em termos da prtica.

    Uma ltima ideia-chave a de que a produo de narrativas uma forma de promover uma relao de colaborao entre investigadores eprofessores. Para estabelecer uma relao colaborativa necessrio tempo,relao pessoal, espao e voz (Connelly e Clandinin, 1990). Este tipo deinvestigao permite o estabelecimento de formas de colaborao que pro-movem uma estreita relao entre todos os participantes. Esta relaoenvolve sentimentos de interligao, igualdade, afecto, propsito e inten-o partilhados e de proximidade. Desta relao, mutuamente inspiradora, podem resultarinsights sobre o pensamento dos professores que seria

    improvvel obter atravs de qualquer outro tipo de investigao.A relao que se estabelece entre investigador e professor fomenta a

    reflexo sobre as prticas deste ltimo, permitindo uma compreenso mais profunda das eventuais mudanas operadas nessa prtica, bem como dopapel dessas mudanas. Assim, ser de realar o contributo dado pelas nar-rativas no sentido do crescimento profissional, social e pessoal dos profes-sores.

    As histrias captam dum modo especial a riqueza, as nuances de sig-

    nificado, as ambiguidades e as contradies dos assuntos humanos, ao con-

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    trrio do pensamento paradigmtico ou cientfico que requer precisamenteconsistncia e no contradio (Bruner, 1991; Carter, 1993). Uma razopara valorizar a narrativa na investigao educacional a sua grande capa-

    cidade para representar a vida e promover a ligao entre esta e as expe-rincias educativas. As narrativas so uma forma de capturar a complexi-dade, a especificidade e as ligaes internas e externas do fenmeno comque estamos a tratar e, desse modo, ultrapassar as limitaes das aborda-gens atomistas e positivistas. As narrativas so, por isso, uma forma deconhecer e de pensar particularmente adequada para lidar com as questescom que nos debatemos na investigao educacional (Carter, 1993).

    O resultado da investigao narrativa a produo de uma filosofia

    pessoal, traduzindo a forma como cada professor pensa acerca de si prprioem situaes de ensino. Obtm-se assim uma viso do seu conhecimentoprtico e pessoal. A filosofia pessoal no uma reconstruo do investiga-dor nem do participante. uma reconstruo dos dois em colaborao(Connelly e Clandinin, 1986).

    Uma histria, uma vez contada (oralmente ou por escrito), deixa depertencer apenas ao personagem que a narrou. Passa a ter uma existnciaindependente da sua vontade, das suas intenes ou da sua interpretao(Clandinin e Connelly, 1991). Passa a pertencer a toda a comunidade edu-cativa.

    O processo de construo de uma narrativaO mtodo geral de investigao narrativa consiste em compreender e

    reconstruir em colaborao com os professores unidades narrativas dentrodas suas histrias. A investigao narrativa tende a comear sem um pro- blema pr-especificado, mas com um interesse num fenmeno que possa

    ser entendido narrativamente (Connelly e Clandinin, 1986).Para Labov (citado em Riessman, 1993), uma narrativa pode ser

    decomposta em 6 elementos fundamentais:

    resumo (sumrio da substncia da narrativa); orientao (tempo, lugar, situao, participantes); aco complicadora (sequncia de acontecimentos); avaliao (o significado da aco, a atitude do narrador);

    resoluo (o que finalmente aconteceu);

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    coda (faz regressar perspectiva do presente).

    A escrita das narrativas o primeiro passo da interpretao. As fon-

    tes de dados podem ser as mais variadas: notas de campo de experinciapartilhada, registos em dirios de bordo, entrevistas no estruturadas, hist-rias contadas, cartas escritas, escritos biogrficos e autobiogrficos, etc. svrias fontes de dados o investigador acrescenta a sua prpria reflexo.Nesta abordagem, a observao e a reflexo conjunta sobre situaes vivi-das desempenham um papel fundamental. O processo de investigao nar-rativo tem um primeiro movimento da experincia para as notas de campo,transcries, documentos e reflexes do investigador e do professor, avan-

    ando depois para uma reconstruo mtua da narrativa (Connelly e Clan-dinin, 1986, 1990).A construo de uma narrativa pressupe diversas etapas, que Riess-

    man (1993) sistematiza no seguinte modelo:

    viver ou participar da experincia; contar a experincia (pelo sujeito que a viveu); transcrever a experincia; analisar a experincia, implicando a elaborao de um testemunho(usualmente escrito); ler, pressupondo uma recontagem da experincia.

    Para esta autora, trata-se no fundo de diversos nveis de representa-o de uma experincia. Ao falar da experincia h que notar que se ergueum fosso inevitvel entre a experincia como foi vivida e toda a comunica-o que feita acerca dela. Contar uma experincia implica tambm a cria-o de uma identidade um modo como se quer ser conhecido pelos

    outros. Toda a narrativa inevitavelmente uma auto-representao.A transcrio (como os outros nveis de representao) necessaria-

    mente incompleta, parcial e selectiva. Transcrever o discurso, tal comofotografar a realidade, uma aco interpretativa. Decises acerca de comotranscrever, tal como acerca de falar e ouvir, so guiadas pela teoria e pornormas retricas.

    Analisar implica seleccionar, salientar, relacionar e comparar. Comoem todo o processo investigativo, o passo-chave da actividade criativa de

    investigao. Pretende-se que essa anlise no deturpe a voz e o sentido das

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    prticas profissionais, mas os enriquea e clarifique tirando partido da mul-tiplicidade de experincias e perspectivas dos elementos da equipa.

    Uma vez na sua forma final, a narrativa continua aberta a vrias lei-

    turas e a vrias construes. O significado de um texto sempre significadopara algum. As narrativas transportam uma carga cultural e histrica mui-to acentuada. As verdades que construmos so significativas para comuni-dades interpretativas especficas em circunstncias histricas bem defini-das. Cada nvel do modelo envolve uma reduo, mas tambm uma expan-so: os contadores seleccionam para narrar os aspectos da sua experinciatotal mas juntam outros elementos interpretativos.

    O trabalho da equipa

    A equipa do projecto constituda por dois docentes universitrios,uma docente de uma escola superior de educao e uma professora do 2ciclo do ensino bsico4, interessados na explorao das possibilidades dasnarrativas como instrumento de investigao educacional e de formao deprofessores. Todos os membros da equipa tm vrios anos de experinciade leccionao no ensino bsico e secundrio5. Os elementos presentementeno ensino superior trabalham na formao inicial e contnua de professores.

    O programa de trabalhos inicial previa que os elementos da equipa do projecto e outros professores cooperantes iriam promover durante o anolectivo de 1995-96 um nmero significativo de aulas em que fossem reali-zadas e discutidas actividades investigativas e de resoluo de problemas por parte dos alunos. Essas aulas, bem como o subsequente processo deavaliao das aprendizagens, seriam objecto de observao e registo vdeo

    por parte dos membros da equipa do projecto, dando lugar realizao dediscusses e consequente produo de narrativas.

    As narrativas incidiriam sobre as situaes de ensino-aprendizagemefectivamente vividas. Seriam produzidas tanto pelos professores que rege-ram essas aulas como pelos elementos que as observaram. Uma primeira

    4 Uma outra professora do 3 ciclo e do ensino secundrio (Ana Vieira), inicialmente prevista para inte-grar o projecto, acabou por no participar na equipa, tendo sido uma das professoras cooperantes. Esta professora elaborou uma das narrativas que integram este relatrio e colaborou na experimentao dediversas propostas de trabalho.5 Mais precisamente, 4, 5, 6 e 15 anos de experincia.

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    verso seria sujeita a um processo de discusso e anlise, a partir do qualsurgiriam novas verses, sucessivamente mais aperfeioadas.

    Em reunies conjuntas, a equipa estabeleceu e reformulou por diver-

    sas vezes o seu plano de trabalho, discutiu e reflectiu sobre textos de natu-reza terica e debruou-se sobre diversos aspectos do processo de constru-o e de anlise das narrativas. Verses preliminares de cada uma das his-trias foram amplamente discutidas, tendo sido sucessivamente objecto deaperfeioamento. O mesmo processo foi seguido com as diversas secesdeste relatrio. Em vrios momentos do percurso fizeram-se balanoscolectivos sobre o desenvolvimento do trabalho.

    Nas suas reunies, a equipa discutiu diversos contributos tericos

    sobre as tarefas de investigao, sobre a dinmica da aula, sobre o conhe-cimento profissional do professor e sobre o uso de narrativas em investiga-o educacional6.

    Dois dos membros da equipa do projecto realizaram uma visita deestudo ao Reino Unido, tendo por foco a experincia de realizao de tare-fas de investigao na aula de Matemtica naquele pas. Os resultados des-sa visita foram discutidos numa reunio de toda a equipa do projecto.

    6 Uma vez que este projecto incide na realizao de tarefas de investigao matemticas pelos alunos, foifeita uma discusso do texto de J. Mason (1991), que se debrua sobre a j longa experincia de uso des-tas actividades nas escolas do Reino Unido. O autor aponta diversas questes a ter em conta em cada umadas fases da realizao de uma investigao na sala de aula.

    Atendendo ao interesse das interaces na sala de aula no decurso da realizao deste tipo de tare-fas, foi seleccionada para discusso uma parte substancial da tese de doutoramento de E. Castro (1995),realizada na Universidade de Granada, que se refere precisamente a esta temtica num contexto de traba-lho inovador na sala de aula com padres numricos.

    Para contextualizar o presente projecto em termos dos estudos j feitos sobre as competncias pro-fissionais do professor de Matemtica, discutiu-se um texto de J. P. Ponte (1996), que faz uma anlisecrtica da investigao realizada em Portugal em torno da figura e da actividade do professor.

    O estudo aprofundado da relao entre tarefa e actividade, nomeadamente no contexto educacio-nal, de grande importncia para se compreender o que se passa na realizao de tarefas de investigao.Da a seleco para discusso aprofundada do texto Task and activity de B. Christiansen e G. Walther(1986). Foi dada particular ateno ao modo como os autores se referem s actividades de explorao einvestigao e anlise que fazem da forma como os professores as podem conduzir na sala de aula.

    Foram ainda discutidos diversos aspectos tericos sobre o mtodo narrativo, tendo como refern-

    cia principal o texto de K. Carter (1993), The place of story in the study of teaching and teacher educa-tion, e os livros de C. Reissman (1993) e M. Cortazzi (1993).

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    A elaborao e anlise das narrativas

    Algumas das narrativas produzidas neste projecto resultam de situa-es de ensino-aprendizagem levadas a cabo pela professora do 2 ciclo pertencente equipa. Outras narrativas resultam de aulas realizadas porprofessores contactados pelos elementos da equipa e que se disponibiliza-ram a colaborar.

    As tarefas a usar nas respectivas turmas foram escolhidas pelas profes-soras (da equipa ou cooperantes), de entre as sugeridas pela equipa do pro- jecto. As professoras, de um modo geral, escolhiam as tarefas por lhes

    parecerem mais adequadas turma ou aos temas programticos que trata-vam naquele momento ou, simplesmente, porque consideravam uma inves-tigao interessante. A preparao prvia das aulas com os professorescooperantes foi varivel mas na maior parte dos casos reduziu-se a umanica reunio de trabalho (onde se esclareceram eventuais dvidas). Porvezes, as professoras faziam pequenas sugestes de alterao (que eramnaturalmente atendidas). Em alguns casos foram resolvidas e exploradasexaustivamente as tarefas propostas. Nesta reunio, os elementos da equipaprocuravam ainda conhecer como a tarefa seria apresentada, quanto tempoa professora previa para a sua realizao, como iria organizar os alunospara trabalhar e que expectativas tinha quanto ao seu desempenho.

    A produo das verses preliminares das narrativas foi levada a cabo por cada um dos elementos da equipa do projecto, em colaborao comoutros elementos da equipa e por vezes com as professoras cooperantes7. Aelaborao de uma narrativa sobre uma situao de ensino-aprendizagemrevelou-se um processo bastante problemtico, tendo-nos obrigado a reflec-tir e a tomar decises em relao a diversos aspectos.

    Em primeiro lugar, surge a questo da autoria das narrativas. Estasdevem ser elaboradas essencialmente pelos membros da equipa de investi-gao ou pelos professores responsveis pela leccionao das aulas? A rea-lizao dos textos pelos professores seria sem dvida mais interessante conferindo-lhes um papel de maior protagonismo. No entanto, depois dealgumas tentativas, acabmos por verificar que as professoras cooperantes

    7Exceptua-se o caso de uma histria produzida por uma professora cooperante (Ana Vieira), que foiintegralmente elaborada por esta professora.

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    tinham grande dificuldade e pouca motivao para realizar tal tarefa. Esseprocesso foi, por isso, pouco utilizado8.

    Em segundo lugar, pe-se o problema da relao entre as narrativas

    escritas e as narrativas orais. Sendo o objectivo final do trabalho a produ-o de narrativas escritas, seria adequado passar por uma etapa intermdiade produo de narrativas orais? A estratgia adoptada foi a da realizaode narrativas (escritas) com base numa conversa com a professora sobre aaula9. Essa conversa decorria num registo no estruturado e informal, e nelaestavam normalmente presentes diversos elementos de narrativa oral. Otexto assim produzido era submetido apreciao da professora para even-tuais correces e validao, de modo a ter tanto quanto possvel a garantia

    de representar fidedignamente a situao vivida10

    .Em terceiro lugar, deve referir-se o problema de encontrar o tipo certode narrativa adequado a este estudo, problema que surgiu em diversosmomentos. Qual a natureza das complicaes que temos em vista? Quetipo de informao deve ser dada para contextualizar cada uma das narrati-vas? Em ensaios preliminares foram produzidos textos representando pequenos momentos da aula mas que no se revelaram adequados aosobjectivos deste trabalho. Houve, tambm, necessidade de distinguir umanarrativa de um relatrio sobre uma aula. Este tende a ser bastante porme-norizado, descrevendo tudo o que de importante aconteceu, com algumsubstrato crtico. Uma narrativa, para manter a sua fluncia natural, nopode ter a preocupao de contar tudo, nem sequer de contar muita coi-sa. Pelo contrrio, tem de se centrar no desenvolvimento das sucessivascomplicaes e resolues da aco. E tem de procurar colocar-se no pontode vista do actor principal o professor e no deixar-se abafar comple-tamente pelas ideias preconcebidas do investigador. Muito embora, o nar-rador explcito nas narrativas produzidas seja o investigador, pretendemos

    8 Note-se, no entanto, que houve narrativas produzidas pela professora do 2 ciclo que integra a equipado projecto (Irene Segurado) e por uma outra professora cooperante (Ana Vieira), inicialmente previstapara integrar a equipa.9 Na maior parte dos casos o membro da equipa assistiu aula em causa. Nessas circunstncias, a com-plicao central da narrativa pode surgir tanto da observao como da reflexo conjunta realizada com oprofessor. Nos casos em que o investigador no assistiu aula, a complicao ou surge espontaneamentedo professor ou resulta de um questionamento perspicaz por parte do investigador na conversa conjuntaposterior.10

    Os professores no fizeram quaisquer correces, considerando que o contedo retratava aquilo quetinha de facto acontecido na aula.

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    que o professor tenha, tambm, um papel importante na narrao, para oque transcrevemos com frequncia o seu discurso directo.

    Em quarto lugar, coloca-se tambm a questo de onde encontrar o

    ponto de partida para a elaborao de uma narrativa. A complicao tem deestar identificada partida ou evolui naturalmente a partir de uma primeiraverso que descreve uma situao vivida na sala de aula? Cada elemento daequipa procurou desenvolver o seu prprio mtodo para a elaborao denarrativas, trabalho que requer tanto de inspirao como de esforo e per-sistncia. De grande utilidade foram os registos udio da professora na aula(e dos alunos com quem dialogava), as entrevistas feitas s professoras e osregistos escritos durante as aulas. A sua utilizao no levantou grandes

    problemas. A importncia do vdeo varivel grande se a narrativapretende descrever a aula mas reduzida se se centra num acontecimentoisolado. Os registos vdeo revelaram-se bastante teis para reproduzir a fasede discusso na aula quando se passa muita coisa ao mesmo tempo. Se asituao tiver sido vivida h j algum tempo, o vdeo tambm muito tilpara ajudar a recordar certos pormenores. O vdeo tanto menos importan-te quanto mais elaborada est a narrativa antes de comear a ser posta nopapel (ou no computador). No caso das aulas no assistidas directamentepelos membros da equipa de investigao, os registos vdeo foram funda-mentais para que se formasse uma ideia (ainda que parcial) do decorrer dosacontecimentos e da actuao das professoras11. No entanto, o uso do vdeo mais problemtico do que o dos restantes mtodos e instrumentos deregisto porque impede o observador de prestar total ateno aos aconteci-mentos que se esto desenrolando na aula.

    Em quinto lugar surge o problema da relao entre a produo da nar-rativa e a sua anlise. A narrativa, ao ser elaborada, deve sair logo com umaestrutura de anlise claramente identificada? Deve seguir, por exemplo, o

    esquema de Labov (indicado na p. 26)? Depois de algumas tentativas, con-clumos que produzir em simultneo a narrativa e a anlise no era um pro-cesso natural. Por outro lado, para ns, o esquema de Labov assumiuimportncia sobretudo como um esquema orientador e no como estratgiafundamental de anlise.

    11 Os casos de no assistncia s aulas pelo membro da equipa foram em nmero reduzido. No entanto,

    esta situao parece ter proporcionado mais informaes e comentrios interessantes por parte da profes-sora cooperante do que a situao de assistncia directa.

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    Existem diversos mtodos que se podem utilizar para fazer a anlisedas narrativas. Mas os mtodos devem sempre servir os propsitos estabe-lecidos e no devem ser encarados como valendo em si mesmos. A verdade

    que as narrativas no tm sido muito usadas para identificao de dilemase incertezas dos professores ou para evidenciar aspectos do seu conheci-mento profissional, nomeadamente no que se refere sua aco na sala deaula, pelo que no podamos recorrer a modelos preexistentes. Assim, deci-dimos usar uma grelha de anlise baseada num conjunto de categorias refe-rentes ao conhecimento profissional do professor de Matemtica relativo sua prtica lectiva desenvolvido pela prpria equipa do projecto (ver o qua-dro 1). Esta grelha tem por base as questes emergentes da literatura e da

    experincia anterior dos elementos da equipa sobre a realizao de activi-dades de investigao (ver Ponte, 1995).A estratgia de anlise consistiu em procurar identificar em cada situa-

    o os aspectos que remetem, de um modo directo ou problemtico, paraelementos do conhecimento didctico referidos neste quadro. Estes aspec-tos foram colocados numa coluna na margem direita de cada uma das nar-rativas, seguindo o modelo adoptado nas Normas Profissionais do NCTM(1994). Um segundo momento da anlise tomou em considerao os aspec-tos identificados nas diversas narrativas e salientados pelo processo indica-do, propondo uma articulao e perspectiva geral. O resultado deste traba-lho de anlise surge no captulo das concluses. Finalmente, procedeu-se aum balano dos pressupostos iniciais, tendo em conta o trabalho desenvol-vido e a experincia adquirida.

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    Quadro 1 - Categorias do conhecimento didctico do professorrelativo sua prtica lectiva

    MatemticaConceitosTerminologiaRelaes entre conceitosProcessos matemticosForma de validao de resultadosCompetncias bsicas e processos de raciocnio

    Processos deaprendizagem

    Relao entre aco e reflexoPapel das interacesPapel das concepes dos alunosPapel dos conhecimentos prviosEstratgias de raciocnioPerspectivas em relao s capacidades dos alunos

    CurrculoFinalidades e objectivosLigao entre contedosLigao com outros assuntosRepresentaes dos conceitosMateriais

    Instruo

    Ambiente de trabalho e cultura da sala de aula

    Tarefas - concepo, seleco, sequenciaoTarefas - apresentao, apoio na execuo, reflexoActividadeComunicao e negociao de significadosModos de trabalho na sala de aula

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    3. HISTRIAS

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    Conjecturando...

    A Irene entrou na sala do conselho directivo minha pro-cura. Vinha apreensiva tanto com a turma como com oequipamento de gravao. A turma no tinha experinciade trabalho em tarefas de investigao e alm disso s tinhatido uma aula e meia sobre potncias. E a cmara de vdeoque ia ser usada tinha acabado de vir da reparao. Pensei

    pacincia, com um bocado de sorte pode ser que tudo aca-be por correr bem. A Irene ia dar uma aula de duas horas a

    uma turma do 5 ano, experimentando uma ficha de traba-lho sobre Potncias e Regularidades. O dia 29 de Feve-reiro de 1996 (um dia bissexto) tinha que ser bemaproveitado pois s aparece de 4 em 4 anos!

    A grande questo que se colocava Irene era a de pr atrabalhar na sala de aula estes alunos em tarefas de investi-gao. Trata-se, segundo ela, duma turma de rendimentomdio e bastante homognea. Apenas trs ou quatro alunos

    se destacam pela positiva e uns quatro ou cinco pela nega-tiva. Desde o princpio do ano que os alunos desta turma setm revelado com pouca capacidade de pensamento inde-pendente. Para eles, a autoridade est no professor, pro-curando cumprir risca tudo o que ele pede, sem nunca seatreverem a ir mais longe.

    A Irene tem vindo a tentar modificar esta maneira de serdos alunos. Colocou algumas tarefas onde eles eram cha-

    mados a tomar algumas decises, por exemplo, problemasonde no estavam claramente expressos os dados necess-rios ou onde era preciso fazer alguma seleco de informa-o. No entanto, em todas estas tarefas, havia claramenteuma pergunta formulada, qual havia que dar resposta.Agora, estava apreensiva quanto reaco que os alunosteriam quando

    A professoraprocura terem conta ascaractersticasespecficasdos seus alu-nos ao pla-near a reali-zao de umnovo tipo detarefa.

    A professorarealiza tarefasque gradual-mente vodesenvolven-do nos alunosnovas capaci-dades.

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    confrontados com uma actividade de investigao, onde sepretende que eles vo bastante alm do que lhes explici-tamente indicado. Estava tambm preocupada com o tem-

    po. A sua ideia era a de usar a aula de duas horas para queos alunos fizessem a ficha e a respectiva discusso masneste tipo de trabalho sempre difcil prever se o tempodisponvel ir ser suficiente.

    Apesar de ser uma turma pouco habituada a trabalhar emgrupo, pareceu Irene que esta seria a melhor maneira deresolverem as tarefas que lhes iriam ser propostas. A trocade ideias poderia tornar o trabalho mais rico e os alunos

    no sentiriam o peso da avaliao, que se torna por vezesbastante inibidor. Alm disso, tinha a certeza de que osalunos iriam solicitar frequentemente o seu auxlio, sendoeste impensvel se se tivesse de repartir por 24 alunos eno apenas por 6 grupos de trabalho. Pensou em introduzira ficha com as diversas questes, conforme j havia feitocom outra turma no ano anterior, fazendo uma breve expli-cao oral dos termos desconhecidos dos alunos.

    A Irene indicou aos alunos para se organizarem para traba-lho de grupo o que levou a grande movimentao dasmesas e cadeiras, tomando algum tempo. Comeou entopor ler as questes propostas na ficha, explicando o signifi-cado de uma ou outra palavra. Por vezes formulava umapergunta:

    Prof: Qual o significado da palavra cubo?

    Tudo se passou conforme o planeado at ao momento emque comeou a explicar o termo conjectura e, no encon-trando os termos desejados, acabou por fazer uma deriva-o mais prolongada. Mas a certa altura pareceu-lhe que osalunos estavam a ficar com um ar cada vez mais

    A professoraprocura queas tarefassejam ade-

    quadas aotempo dispo-nvel.

    A professoradecide reali-zar trabalhode grupo omodo de tra-

    balho que

    neste casoconsideramais ade-quando starefas pro-

    postas.

    A tarefa introduzidaoralmente e

    por escrito.

    A professoraprocuraencontrar omelhor modode apresentara tarefa, tendoem conta queno deve dar

    informao amais nem amenos.

    A professoraprocura clari-ficar os con-ceitos que

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    confuso e sentiu que seria mais importante esclarecer o quese entendia por regularidades. Procurou encontrar exem-plos e levar os alunos a indicarem, eles mesmos, outros

    exemplos de diversos domnios da Matemtica. Este inciolevou mais tempo do que o previsto, mas por fim os alunoscomearam a trabalhar.

    Nos primeiros momentos da aula estive volta do materialde gravao vdeo. A cmara, na verdade, no inspiravamuita confiana. Dirigi a objectiva para o grupo de alunosmais prximo mesmo assim a mais de dois metros. Oaspecto degradado do microfone, envolvido num papel

    meio rasgado, e a distncia a que o grupo se encontravadavam-me a sensao que pouco iria ser registado. Almdisso, a cmara estava irritantemente inclinada a 30, maisparecendo um barco em vias de se afundar! Todas asminhas tentativas para a endireitar esbarraram com a tei-mosia do trip, provocando certamente bastantes tremurasna gravao. Enfim, deixei a cmara a fazer o seu melhor efui instalar-me junto do grupo que estava a ser filmado,

    composto por quatro alunos.

    Terminada a explicao inicial, a Irene tinha comeado acircular pelos grupos. A primeira questo desafiava os alu-nos a escreverem diversos nmeros como uma potncia debase 2:

    64 =

    128 =200 =

    256 =

    1000 =

    Pedia-lhes ainda que fizessem conjecturas acerca dosnmeros que podem ser escritos como potncias de base 2

    iro sernecessrios,solicitando ascontribuies

    dos alunos, ealtera a suaestratgiatendo emconta a suareaco.

    Os alunos, naexpectativa

    de que huma resposta-padro paracada perguntatm dificul-dade em lidarcom questes

    postas demodo diferen-te do habitual.

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    e como potncias de base 3. Havia alguma confuso umavez que os alunos no entendiam muito bem qual a respostaque era para dar, mostrando tendncia para escreverem coi-

    sas como 642 = 4096. Para eles devia haver uma respostaesperada e que por certo a professora j tinha explicado naaula, mas no viam qual era. A Irene tentou lev-los a per-ceber que eles que tinham de descobrir observando comateno os resultados que haviam obtido e procurandooutros que achassem interessantes. Foi percorrendo osvrios grupos, pedindo-lhes para lerem novamente as ques-tes e perguntando-lhes o que era pedido, de modo a lev-

    los a perceber o que se pretendia em primeiro lugar se onmero 123 podia ser obtido como uma potncia de base 2(e expoente natural). Com o decorrer da aula, o termo con-jectura foi sendo indirectamente explicado grupo a grupo,atravs de questes como O que te parece que vai aconte-cer? Ser que mesmo assim?...

    Passado algum tempo (talvez cerca de 30 minutos), os gru-pos comearam a perceber o que era pretendido e a entu-

    siasmar-se com a actividade. Ultrapassados os primeirosbloqueios e percebido o que era para fazer, os alunos foramavanando com o trabalho. Comearam a formular conjec-turas pertinentes sobre as propriedades dos ltimos alga-rismos das potncias de diversas bases. Alguns alunos che-garam mesmo a encontrar padres.

    Muitos alunos saltaram da primeira questo para a segundareferindo apenas que os nmeros terminados em zero nopodiam ser obtidos como potncia de base 2. Outros regis-taram que para poder ser escrito como uma potncia debase 2, um nmero tinha que ser par, e de base 3, tinha queser mpar. A Irene notou que a segunda questo tinha-oslevado a perceber que era melhor observarem com maisateno as terminaes das potncias de base 2 e de base 3,voltando novamente primeira questo.

    Os alunosprocuram

    responder tarefa, tendoem contatarefas seme-lhantes janteriormenterealizadas.

    A professoraprocura que

    os alunos des-cubram o quetm a fazeratravs de

    perguntasindirectas.

    O apoio aosgrupos determinante

    para que elesesclaream assuas dvidas ese envolvamna realizaoda tarefa.

    Os alunos,num processode vaivm,

    aprofundam asua compreen-so acerca dasregularidadesnumricasenvolvidasnas potncias.

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    A Irene achou bastante curioso que a Tnia e a Tatiana(ambas a trabalhar no mesmo grupo), e a Sofia, considera-das boas alunas no s a Matemtica mas tambm nas

    outras disciplinas, revelaram bastante dificuldade neste tipode actividade. Pareceu-lhe acharem a Matemtica utilizadabastante fcil, no acreditando que as suas respostas se diri-gissem ao que se pretendia. Em alguns casos tornou-senotrio que no prestaram grande ateno s descobertasfeitas pelos colegas do grupo considerados mais fracos doque elas, tendo a Irene procurado fazer-lhes ver que o queos colegas estavam a dizer era bastante interessante.

    O contrrio tambm se verificou. Houve alunos (por exem-plo, o Andr, repetente, considerado um dos casos-problema da turma) que se entusiasmaram com o trabalhoao ponto de no quererem terminar quando a Irene anun-ciou que se ia passar discusso. Isto pode resultar do factode que a Matemtica exigida nas descobertas era acessveltambm a estes alunos.

    A calculadora foi bastante utilizada por todos os alunos,parecendo-me que eles a usavam com desembarao. Algunsalunos faziam mesmo bastante utilizao do factor constan-te. Em toda a aula respirou-se uma atmosfera de trabalho.Mas as demoras na organizao das mesas e na explicaodas questes da ficha fizeram com que depressa se ouvisseo toque para o intervalo (por sinal bastante ruidoso). Unsqueriam ficar, outros queriam sair, gerando-se alguma con-fuso. A Irene deu-lhes liberdade de escolha, e foi gratifi-

    cante ver que cerca de metade dos alunos decidiram ficar atrabalhar nas questes propostas.

    A Irene estava neste momento um pouco apreensiva relati-vamente ao tempo. Parecia-lhe que os alunos no iriam ter-minar o trabalho proposto naquela aula. Sugeri, em alterna-tiva, a ideia de se fazer uma pequena discusso no finalsobre as questes 1 e 2 da ficha, deixando o trabalho naquesto 3 e a sua discusso para a aula seguinte, com o queela concordou.

    A professoranota que estatarefa eviden-cia tanto as

    capacidadesde alguns alu-nos tidos porfracos, comoas dificulda-des de alguns

    bons alunos.

    A professoraincentiva osalunos a usa-rem a calcu-ladora comdesembarao.

    A professorad aos alunosliberdade deescolha, dei-xa-os decidirsobre umaspecto dofuncionamen-to da aula e,ao mesmo

    tempo, recebefeedbacksobre o seuinteresse.

    Aulas de 2horas soapropriadas

    para realizartarefas deinvestigao.

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    A cerca de 15 minutos do fim da aula iniciou-se ento adiscusso. A princpio, os alunos no se mostravam muitoatentos ao que diziam os seus colegas, no parecendo ainda

    muito habituados a este tipo de interaco. A professora foiperguntando pelas concluses a que eles tinham chegado,questo a questo, e a pouco e pouco a situao foi melho-rando. A certa altura eram vrios os grupos que manifesta-vam vontade de intervir. Inicialmente, a professora tentouque houvesse uma certa ordem na apresentao dos resul-tados, o que aos poucos foi deixando de acontecer pois oentusiasmo dos alunos fazia-os avanar de questo para

    questo de modo um tanto impulsivo e desordenado.Houve grupos que conjecturaram que, quando a base 2,as potncias sucessivas tm como ltimo algarismo 2, 4, 8e 6, repetindo-se depois esta sequncia.

    Teresa: Termina sempre em 4, 8, 6 e 2.

    Daniel:Anda sempre roda.

    Prof:Anda sempre roda?

    Daniel: 4, 8, 6, 2.

    Prof: Perceberam o que o Daniel est a dizer?

    Augusto:Ainda no percebi.

    Prof: Presta ateno, que o Daniel vai voltar a explicar.Daniel.

    Daniel: Os nmeros rodam pela mesma ordem.lvaro:Mas no na ordem que vocs disseram.

    Prof:No? Ento como ?

    A discussofinal, pondoem comumresultados e

    significados,constitui um

    bom fechopara a aula.

    A discussofoi realizadaquesto aquesto, coma participao

    de todos osgrupos emsimultneo.

    A professoraencoraja osalunos a apre-sentaremargumentosem defesa dassuas afirma-es.

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    lvaro: 2, 4, 8, 6. O primeiro nmero o 2. (Algum baru-lho na turma)

    Prof: Calma, estejam com ateno. Esto de acordo com olvaro?

    Alunos: Sim. (Era notrio que alguns alunos disseram sims por dizer)

    Prof: Porqu?

    Alguns alunos: Porque 21 2. Falta colocar esse a.

    Prof: Eu quando andei pelos grupos vi que muitos devocs no tinham considerado o 21. Quanto primeira

    pergunta algum quer acrescentar mais alguma coisa?

    Alguns alunos (em coro): Queremos. Termina sempre empar.

    Prof: Se falarmos todos ao mesmo tempo no nos vamosentender. Para os que no perceberam, os colegas disse-ram que as potncias de base 2 terminam sempre em

    nmero par. Vejam! (Indica no quadro)

    Do mesmo modo quando a base 3 temos as terminaes3, 9, 7, 1, de novo 3, 9 , 7, 1 e assim por diante. Com aspotncias de base 5 e 6 verificava-se um fenmeno curioso.O ltimo algarismo sempre 5 ou 6. Um dos grupos apre-sentou mesmo a conjectura de que nas potncias de base 5o penltimo algarismo sempre 2.

    Prof: Vamos agora ver o que descobriram quanto spotncias de base 5. Agora responde o grupo da Amlia.

    Slvia: Termina sempre em 5.

    Daniel (alunos de outro grupo): E em 2.

    Prof: Como que ? Calma, vamos ouvir o Daniel. A Sl-via diz que termina sempre em 5 e verdade, no ? Mas ogrupo do Daniel avanou mais qualquer coisa.

    A aprendiza-gem da prticada discusso

    por parte dosalunos algoque leva o seutempo.

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    Daniel:A partir do 52 termina sempre em 25.

    Prof:Mais alguma coisa sobre as potncias de base 5?

    A discusso decorreu de um modo bastante agradvel. Tan-to a Irene como eu ficmos com a sensao que os alunosapresentavam as suas ideias com entusiasmo, manifestandouma compreenso muito razovel das questes propostas.Eles estiveram activos a trabalhar, a procurar descobrir coi-sas, chegaram a diversas concluses e proporcionaram umapequena discusso bastante animada. Pareceu-me que nestadiscusso acabou por se ilustrar de modo bem sugestivo o

    conceito de conjectura.Esta aula reforou-me a ideia da importncia do binmioaco-reflexo na aprendizagem da Matemtica. Muitaaco sem reflexo por parte dos alunos rapidamente setorna cega e pouco produtiva. Reflexo ou discusso queno se baseie em aco corre seriamente o risco de se tor-nar forada, artificial e ineficaz. Nesta aula, o binmio fun-cionou bastante bem, muito melhor do que a cmara de

    vdeo que, na verdade, no gravou nada que se pudesseaproveitar.

    A reflexosobre o traba-lho feito nestetipo de aula

    permite per-ceber melhoro que umaconjectura doque uma sim-

    ples explica-

    o.

    O binmioaco -reflexo fundamentalno processode ensino-aprendiza-

    gem.

    Joo Pedro da Ponte e Irene Segurado

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    Matemtica: Calcular ou pensar?

    Os quatro alunos preparavam-se para comear a trabalhar aficha sobre potncias que lhes tinha sido distribuda e apre-sentada. A Irene, a professora desta turma do 5 ano, de vezem quando faz trabalho de grupo e quando isso aconteceestes alunos ficam sempre em conjunto.

    Pedi licena para me sentar junto deles e perguntei-lhescomo se chamavam. Indicaram ser a Vnia, a Liliana, oBruno e o Joo e este o mais espevitado perguntou

    tambm pelo meu nome. Tanto ele como o Bruno fizeramuma festa por estarem perante mais um Joo. As alunas,sentadas lado a lado,