ponerologia_ psicopatas no pode - andrew lobaczewski.pdf

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.club ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • ANDREW LOBACZEWSKI

    Traduo de Adelice Godoy

    Com prefcio de Olavo de Carvalho

  • SUMRIO

    CapaFolha de RostoPrefcioApresentao da edio brasileiraPrefcio do autorCaptulo I - IntroduoCaptulo II - Alguns conceitos indispensveis

    PsicologiaLinguagem ObjetivaO Indivduo HumanoSociedade

    Captulo III - O ciclo de histeriaCaptulo IV - Ponerologia

    Fatores patolgicosAnormalidades adquiridasAnormalidades herdadasProcessos e fenmenos ponerognicosPropagandistasAssociaes ponerognicasIdeologiasO Processo de PonerizaoOs fenmenos macrossociaisEstados de Histerizao SocialPonerologia

    Captulo V - PatocraciaA gnese do fenmenoA Patocracia e sua ideologiaA expanso da PatocraciaA Patocracia imposta pela foraPatocracia infectada artificialmente e Guerra PsicolgicaConsideraes gerais

    Captulo VI - Pessoas normais sob o domnio patocrticoA partir da perspectiva do tempoCompreenso.

    Captulo VII - Psicologia e psiquiatria sob o domnio patocrticoCaptulo VIII - Patocracia e religioCaptulo IX - Terapia para o mundo

    A Verdade um remdio

  • PerdoIdeologiasImunizao

    Captulo X - Uma viso do futuroPosfcio: Os problemas da PonerologiaCrditosSobre o AutorSobre a Obra

  • PREFCIO

    por Olavo de Carvalho

    MUITAS VEZES O LEITOR J DEVE TER-SE PERGUNTADO como possvel que tantas pessoas,aparentemente racionais, amem e aplaudam os governos mais perversos e genocidas do mundo

    e se recusem a enxergar a liberdade e o respeito de que elas prprias desfrutam nasdemocracias ocidentais, ao mesmo tempo que continuam acreditando, contra todas as

    evidncias, que so moral e intelectualmente superiores aos que no seguem o seu exemplo.

    Hoje em dia essas pessoas, no Brasil, so a parcela dominante no governo, no Parlamento,nas ctedras universitrias, no show business e na mdia. A presena delas nesses altos postosgarante a este pas setenta mil homicdios por ano, o crescimento recorde do consumo dedrogas, o aumento da corrupo at a escala do indescritvel, cinqenta por cento deanalfabetos funcionais entre os diplomados das universidades e, anualmente, os ltimoslugares para os alunos dos nossos cursos secundrios em todos os testes internacionais, abaixodos estudantes de Uganda, do Paraguai e da Serra Leoa. Sem contar, claro, indcios menosquantificveis, mas nem por isso menos visveis, da deteriorao de todas as relaeshumanas, rebaixadas ao nvel do oportunismo cnico e da obscenidade, quando no daanimalidade pura e simples.

    Isso torna a pergunta ainda mais crucial e urgente. A resposta, no entanto, vem de longe.Sessenta e tantos anos atrs, alguns estudantes de medicina na Polnia, na Hungria e na

    Checoslovquia comearam a notar que havia algo de muito estranho no ar. Eles haviamlutado na resistncia antinazista junto com seus colegas, e isto havia consolidado laos deamizade e solidariedade que, esperavam, durariam para sempre. Aos poucos, aps ainstaurao do regime comunista, novos professores e funcionrios, enviados pelosgovernantes, estavam alterando profundamente o ambiente moral nas universidades daquelespases. Um jovem psiquiatra escreveu:

    () sentamos que algo estranho tinha invadido nossas mentes e algo valioso estava se esvaindo de forma irreparvel.O mundo da realidade psicolgica e dos valores morais parecia suspenso em um nevoeiro gelado. Nosso sentimentohumano e nossa solidariedade estudantil perderam seus significados, como tambm aconteceu com o patriotismo e nossosvelhos critrios estabelecidos. Ento, nos perguntamos uns aos outros, isso est acontecendo com voc tambm?.

    Impossibilitados de reagir, eles comearam a trocar idias, perguntando como poderiam sedefender da devastao psicolgica geral. Aos poucos essas conversaes evoluram para oplano de um estudo psiquitrico da elite dirigente comunista e da sua influncia psquica sobrea populao.

    O estudo prosseguiu em segredo, durante dcadas, sem poder jamais ser publicado. Aospoucos os membros da equipe foram envelhecendo e morrendo (nem sempre de causasnaturais), at que o ltimo deles, o psiquiatra polons Andrej (Andrew) Lobaczewski (1921-2007), reuniu as notas de seus colegas e comps o livro que veio a sair pela primeira vez noCanad, em 2006, e que agora a Vide Editorial, de Campinas, est a publicar em traduo

  • brasileira de Adelice Godoy: Ponerologia: Psicopatas no Poder, do qual extra o pargrafoacima.

    Poneros, em grego, significa o mal. O mal, porque o trao dominante no carter dosnovos dirigentes, que davam o modelo de conduta para o resto da sociedade, erainequivocamente a psicopatia. O psicopata no um psictico, um doente mental. S lhe faltauma coisa: os sentimentos morais, especialmente a compaixo e a culpa. No que eledesconhea esses sentimentos. Conhece-os perfeitamente, mas os vivencia de maneirapuramente intelectual, como informaes a ser usadas, sem participao pessoal e ntima.Quanto maior a sua frieza moral, maior a sua habilidade de manipular as emoes dos outros,usando-as para os seus prprios fins, que, nessas condies, s podem ser malignos ecriminosos. Justamente porque no sentem compaixo nem culpa, os psicopatas sabemdespert-las nos outros como quem toca um piano e produz o acorde que lhe convm.

    No preciso nenhum estudo especial para saber que, invariavelmente, o discursocomunista, pr-comunista ou esquerdista cem por cento baseado na explorao dacompaixo e da culpa. Isso da experincia comum.

    Mas o que o dr. Lobaczewski e seus colaboradores descobriram foi muito alm desse ponto.Eles descobriram, em primeiro lugar, que s uma classe de psicopatas tem a agressividademental suficiente para se impor a toda uma sociedade por esses meios. Segundo: descobriramque, quando os psicopatas dominam, a insensitividade moral se espalha por toda a sociedade,roendo o tecido das relaes humanas e fazendo da vida um inferno. Terceiro: descobriramque isso acontece no porque a psicopatia seja contagiosa, mas porque aquelas mentes menosativas que, meio s tontas, vo se adaptando s novas regras e valores, se tornam presas deuma sintomatologia claramente histrica, ou histeriforme. O histrico no diz o que sente, maspassa a sentir aquilo que disse e, na medida em que aquilo que disse a cpia de frmulasprontas espalhadas na atmosfera como gases onipresentes, qualquer empenho de cham-lo devolta s suas percepes reais abala de tal modo a sua segurana psicolgica emprestada, queacaba sendo recebido como uma ameaa, uma agresso, um insulto.

    assim que um grupo relativamente pequeno de lderes psicopticos destri a alma de umanao.

  • APRESENTAO DA EDIO BRASILEIRA

    por Flavio Quintela

    TRAGDIAS, GENOCDIOS, MASSACRES. O homem, em sua breve histria, tem sido capaz das maisterrveis atrocidades, deixando em sua histria um rastro indelvel de maldade e sofrimento.Mas de onde vem esse comportamento? O que permite a vazo do mal por dentro dos gruposhumanos e das sociedades a ponto de fomentar as mais nefastas manifestaes de maldade,

    que o homem comum tem sequer a capacidade de compreender?

    Os cientistas sociais tm tentado responder a essas perguntas enquanto observam perplexosas manifestaes do mal sobre a Terra. Diante de seus olhos, especialmente nos ltimos cemanos, regimes cada vez mais assassinos tm se descortinado, numa sequncia nefasta depsicopatas detentores de muito poder: Hitler, Stlin, Mao, Pol Pot, Castro. Homens quemataram mais do que as pragas, doenas, guerras e cataclismos do passado.

    Existe algo que possamos fazer para nos prevenir destas pessoas, que muitas vezes nemconseguimos catalogar como humanas, de to cruis e sanguinrias que so? As sociedadesmodernas podem se utilizar da histria recente para evitar a repetio das tragdias queassolaram o sculo XX? Que conhecimento esse e em que ramo da cincia ele se encontra?

    A resposta muito simples: precisamos estudar a Ponerologia.Andrew Lobaczewski viveu no meio de um regime de psicopatas, na Polnia, durante os

    tempos de ditadura Sovitica. Expert no estudo da psicopatia, ele fez parte de um grupo decientistas que buscaram as respostas a todas as questes acima. Muitos foram mortos etiveram suas anotaes destrudas pelos governos totalitrios sua volta, que perceberam operigo que esses estudos representavam ao seu modus operandi. O prprio Lobaczewski teveque fazer o mesmo trabalho trs vezes a primeira verso de sua obra foi queimada por elemesmo para escapar de uma busca efetuada em sua casa pela polcia secreta, e a segundaverso se perdeu nas mos de um turista que havia prometido lev-la para fora da Polnia.Graas sua perseverana, calcada na certeza de que o mundo precisava de armas para lutarcontra esse tipo de mal, temos hoje em nossas mos essa obra de valor inestimvel.

    A Ponerologia a nova cincia nascida do trabalho destes homens, e seu objeto de estudoso os mecanismos da gnese do mal. Este livro admirvel, que agora est disponvel emportugus, discorre sobre os diversos tipos de personalidades anmalas e suas origens algumas hereditrias, outras aprendidas e outras ainda fsicas, decorrentes de danos no tecidocerebral. impossvel ler o trabalho de Lobaczewski e no se surpreender com a preciso desuas descries, e de como algo escrito h trs dcadas consegue se encaixar toperfeitamente nos dias de hoje. Ele quase proftico ao descrever as etapas de ponerizaodas sociedades, o surgimento de lderes psicopatas, o funcionamento de grupos que nutrem eapoiam esses lderes, sua ascenso a um poder maior etc. algo de arrepiar, principalmentequando levamos em conta o momento atual do Brasil.

  • Mas esta obra no seria completa se no oferecesse um remdio para o mundo. E justamente isso que encontramos no tero final do livro, onde o autor descreve diversaspossibilidades de preveno criao do mal que poderiam ser implementadas em qualquersistema democrtico. Medidas que, se postas em prtica, evitariam a morte de outros milhesde pessoas, simplesmente por afastar os psicopatas e outras personalidades doentes dapossibilidade de ocuparem posies e cargos onde teriam o poder de comandar a morte.

    Ponerologia um livro imprescindvel para quem quer entender cientificamente a presenados grandes males na histria da humanidade. Sem apelar para moralismos ou dogmasreligiosos, uma obra mpar, um marco no combate ao mal.

  • PREFCIO DO AUTOR

    AO APRESENTAR A MEUS HONRADOS LEITORES ESTE VOLUME, no qual trabalhei geralmente duranteas manhs, antes de sair para ganhar o po difcil de cada dia, eu gostaria primeiramente de

    pedir desculpas pelos defeitos resultantes de circunstncias anmalas. Eu admito prontamenteque essas lacunas deveriam ser preenchidas, no importa quanto tempo leve, pois os fatos nosquais este livro baseado so de necessidade premente; ainda que no tenha sido por falha do

    autor, esses dados chegaram tarde demais.

    O leitor tem direito a uma explicao sobre a longa histria e as circunstncias por trs dacomposio deste livro, e no somente sobre seu contedo em si. Este , na verdade, oterceiro manuscrito que j criei sobre o mesmo assunto. Eu joguei o primeiro manuscrito nafornalha de meu aquecedor central, aps ter sido avisado em cima da hora sobre uma buscaoficial que seria conduzida apenas alguns minutos depois. Eu enviei um segundo rascunho aum dignitrio da Igreja no Vaticano atravs de um turista norte-americano, e nunca conseguiobter qualquer tipo de informao sobre o destino da encomenda depois que saiu de minhasmos.

    Esta longa histria da elaborao deste assunto tornou a criao da terceira verso aindamais trabalhosa. Pargrafos e frases de uma ou ambas as verses anteriores assombraram amente do autor e tornaram mais difcil o planejamento apropriado do contedo.

    Os primeiros dois rascunhos foram escritos numa linguagem muito modificada para obenefcio dos especialistas com a bagagem necessria, particularmente no campo dapsicopatologia. O desaparecimento da segunda verso tambm significou a perda da maioriaacachapante dos dados e fatos estatsticos que teriam sido muito valiosos e conclusivos paraespecialistas da rea. Diversas anlises de casos individuais tambm foram perdidas.

    A verso atual contm somente os dados estatsticos que haviam sido memorizados devidoao uso freqente, ou que puderam ser reconstrudos com uma preciso satisfatria. Eu tambmadicionei os dados, particularmente os de mais fcil acesso do campo da psicopatologia, queconsidero essenciais na apresentao deste assunto a leitores com uma boa educao geral, eespecialmente aos representantes das cincias poltica e social e aos polticos. Eu tambmnutro a esperana de que este trabalho possa atingir uma audincia mais ampla edisponibilizar alguns dados cientficos teis, que possam servir como uma base para acompreenso do mundo e histria contemporneos. Que ele possa tambm tornar mais fcilpara os leitores a compreenso de si mesmos, de seus vizinhos e de outras naes do mundo.

    Quem produziu o conhecimento e realizou o trabalho resumido nas pginas deste livro? Foium empreendimento conjunto que no consistiu somente de meus esforos, mas querepresentou os resultados de muitos pesquisadores, alguns dos quais no conhecidos peloautor. A gnese situacional deste livro torna virtualmente impossvel separar as realizaes e

  • dar o crdito apropriado a cada indivduo por seus esforos.Eu trabalhei na Polnia, longe dos centros polticos e culturais, por muitos anos. Foi l que

    eu me ocupei de diversos testes e observaes detalhados que deveriam ser combinados comas generalizaes resultantes de vrios outros cientistas, com vistas a produzir uma introduogeral para o fenmeno macrossocial que nos rodeia. O nome da pessoa responsvel pelaproduo da sntese final foi mantido em segredo, o que era compreensvel e necessrio paraaquela dada poca e situao. Eu recebia muito ocasionalmente resumos annimos dosresultados de testes conduzidos por outros pesquisadores da Polnia e da Hungria; umapequena quantidade de dados era publicada, para no levantar a suspeita de que um trabalhoespecializado estava sendo compilado, e esses dados poderiam ser localizados ainda hoje.

    A sntese esperada deste trabalho no aconteceu. Todos os meus contatos se tornaraminoperantes como resultado de uma onda ps-Stlin de represso e de prises secretas depesquisadores no incio da dcada de sessenta. O restante dos dados cientficos em minhaposse eram muito incompletos, ainda que de um valor impagvel. Levou muitos anos detrabalho solitrio para soldar esses fragmentos em um todo coerente, preenchendo as lacunascom minha experincia e pesquisa prprias.

    Minha pesquisa sobre psicopatia essencial, e seu papel excepcional no fenmenomacrossocial, foi conduzida ao mesmo tempo, ou pouco depois, das dos outros. As conclusesdos outros chegaram mais tarde at mim, e confirmaram as minhas. O item mais caractersticodo meu trabalho o conceito geral de uma nova disciplina chamada ponerologia. O leitortambm encontrar outros fragmentos de informao baseados em minha prpria pesquisa. Eutambm fiz a melhor sntese geral que minhas habilidades permitiram.

    Como autor da obra final eu expresso aqui meu profundo respeito por todos aqueles queiniciaram a pesquisa e continuaram a conduzi-la sob risco para suas carreiras, sua sade esuas vidas. Eu presto aqui uma homenagem aos que pagaram o preo com o sofrimento ou coma morte. Que este trabalho possa compensar seus sacrifcios de alguma forma, onde quer queeles estejam hoje. Tempos mais conducentes a este trabalho podem fazer surgir seus nomes,tanto os de quem jamais cheguei a conhecer, como dos que j esqueci.

    A. LOBACZEWSKINova Iorque, agosto de 1984.

  • CAPTULO I

  • INTRODUO

    PEO AO LEITOR QUE IMAGINE UM HALL DE ENTRADA bem grande em um prdio universitrioantigo, no estilo Gtico. Muitos de ns amos para l, ainda quando estvamos no incio dos

    nossos estudos, a fim de ouvir as aulas de notrios filsofos e cientistas. Ns nos reunimos devolta neste lugar sob ameaa no ano anterior graduao, para ouvir as aulas de

    doutrinao que haviam sido introduzidas recentemente.

    Uma pessoa que nenhum de ns conhecia apareceu por detrs do plpito e nos informou queele seria agora o professor. Seu discurso era fluente, mas no havia nada de cientfico nele:ele no conseguia distinguir entre conceitos cientficos e senso comum e tratava as idias nafronteira entre um e outro, como se fossem uma sabedoria da qual no se poderia duvidar.Durante noventa minutos por semana, ele nos inundou com uma viso ingnua,presunosamente falaciosa e patolgica, da realidade humana. Ns ramos tratados comdesprezo e com um dio mal controlado. Uma vez que tirar sarro poderia resultar em terrveisconseqncias, ns tnhamos que ouvi-lo atentamente e com extrema gravidade.

    Logo apareceram os boatos sobre a origem desta pessoa. Ele tinha vindo do subrbio deCracvia e freqentou o colegial, embora ningum soubesse se ele tinha sido graduado. Dequalquer forma, esta foi a primeira vez que ele cruzou as portas da universidade, e o fez comoum professor, simples assim.

    Voc no consegue convencer ningum desta forma! ns cochichvamos entre ns. realmente propaganda dirigida contra eles mesmos. Mesmo depois de tal tortura mental,levou um longo tempo para algum quebrar o silncio.

    Ns estudvamos a ns mesmos, j que sentamos que algo estranho tinha invadido nossasmentes e algo valioso estava se esvaindo de forma irreparvel. O mundo da realidadepsicolgica e dos valores morais parecia suspenso em um nevoeiro gelado. Nosso sentimentohumano e nossa solidariedade estudantil perderam seus significados, como tambm aconteceucom o patriotismo e nossos velhos critrios estabelecidos. Ento, nos perguntamos uns aosoutros, isso est acontecendo com voc tambm? Cada um de ns experimentava, do seuprprio jeito, esta aflio sobre sua prpria personalidade e sobre o seu futuro. Alguns de nsrespondamos s questes com o silncio. A profundidade destas experincias revelou-sediferente para cada pessoa.

    Ns ento imaginamos como nos protegeramos dos resultados desta doutrinao. TeresaD. fez a primeira sugesto: vamos passar um final de semana nas montanhas. Funcionou.Companhias agradveis, um pouco de brincadeira, ento o cansao, seguido por um sonoprofundo em um abrigo e nossas personalidades humanas retornaram, embora ainda com umcerto vestgio de antes. O tempo tambm provou ser adequado para criar uma imunidadepsicolgica, ainda que no para todos. Analisar as caractersticas psicopticas da

  • personalidade do professor tambm mostrou ser outro excelente meio para proteger aprpria sade psicolgica.

    Voc pode imaginar nossa preocupao, desapontamento e surpresa quando alguns colegasque nos eram prximos, repentinamente, comearam a mudar suas vises de mundo. O padrode pensamento deles, alm disso, nos lembrava a conversa do professor. Seus sentimentos,que bem recentemente tinham sido amigveis, tornaram-se claramente frios, embora ainda nofossem hostis. Argumentos benevolentes ou de estudantes crticos tornaram-se certos paraeles. Eles davam a impresso de possuir algum conhecimento secreto; ns ramos somente osseus ex-colegas, que ainda acreditavam no que aqueles professores antigos nos tinhamensinado. Ns precisvamos ter cuidado com o que dizamos para esses colegas. Esses nossosex-colegas logo entraram para o Partido.

    Quem eram eles? De quais grupos sociais tinham vindo? Que tipo de estudantes e pessoaseram? Como e por que eles mudaram tanto em menos de um ano? Por que nem eu e nem amaioria dos meus amigos estudantes sucumbiram sob este fenmeno e processo? Muitas destasquestes pipocavam em nossas cabeas. Foi nesta poca, a partir destas questes,observaes e atitudes que nasceu a idia de que esse fenmeno deveria ser objetivamenteestudado e entendido; uma idia cujo significado maior cristalizou com o tempo.

    Muitos de ns, psiclogos recm-graduados, participamos nas observaes e reflexesiniciais, mas muitos desistiram por conta de problemas materiais ou acadmicos. Somentepoucos daquele grupo permaneceram; e o autor deste livro talvez seja o ltimo dosmoicanos.[ 1 ]

    Foi relativamente fcil determinar os ambientes e as origens das pessoas que sucumbiram aesse processo, o qual eu ento chamei de transpersonificao. Eles vieram de todos osgrupos sociais, inclusive de famlias da aristocracia e de famlias muito religiosas, erepresentou uma baixa na nossa solidariedade estudantil, de aproximadamente 6%. A grandemaioria remanescente sofreu vrios graus de desintegrao da personalidade, o que deuorigem a uma busca individual pelos valores necessrios para se encontrarem novamente; osresultados foram variados e, em alguns casos, criativos.

    Apesar disso, ns no tnhamos dvidas quanto natureza patolgica desse processo detranspersonificao, que funcionou de forma similar mas no necessariamente idntica, emtodos os casos. A durao dos resultados desse fenmeno tambm variou. Algumas dessaspessoas, mais tarde, tornaram-se fanticos. Outros se aproveitaram de vrias circunstnciaspara reestabelecer o contato perdido com a sociedade das pessoas normais. Eles foramsubstitudos. O nico valor constante do novo sistema social foi o nmero mgico de 6%.

    Ns tentamos avaliar o nvel de talento daqueles colegas que sucumbiram a esse processo detransformao de personalidade e chegamos concluso que, na mdia, era ligeiramente maisbaixo que a mdia da populao estudantil. Sua resistncia menor, lgico, residia em outrascaractersticas bio-psicolgicas, as quais eram provavelmente qualitativamente heterogneas.

    Eu percebi que tinha que estudar assuntos que estavam no limite entre a psicologia e apsicopatologia, a fim de responder s questes que surgiam das nossas observaes; anegligncia cientfica dessas reas mostrou-se como um obstculo difcil de ser sobreposto.Ao mesmo tempo, parecia que uma pessoa guiada por um conhecimento especial havia

  • esvaziado todas as bibliotecas de qualquer publicao que fosse relacionada ao tpico; havialivros indexados, mas eles no estavam fisicamente presentes.

    Analisando estes eventos agora, em retrospectiva, baseando-nos no conhecimentopsicolgico especfico, ns podemos dizer que o professor era uma isca pendurada sobrenossas cabeas. Ele sabia de antemo que iria pescar indivduos submissos e sabia at mesmocomo faz-lo, mas os nmeros limitados o desapontaram. O processo de transpersonificaogeralmente se estabelece somente quando o substrato instintivo do indivduo foi marcado pelafraqueza ou por certos dficits. Em uma escala menor, ele tambm funcionou entre pessoas quemanifestaram outras deficincias, nas quais o estado nelas provocado foi parcialmenteprovisrio, sendo em grande parte o resultado da induo psicopatolgica.

    Este conhecimento sobre a existncia de indivduos suscetveis e de como trabalhar sobreeles continuar sendo uma ferramenta para a conquista do mundo, enquanto este assuntopermanecer como o segredo de tais professores. Quando ele se tornar uma cinciahabilmente popularizada, isso ajudar as naes a desenvolver uma imunidade. Mas nenhumde ns sabia disso naquele momento.

    Todavia, ns devemos admitir que, ao nos demonstrar as propriedades deste processo, demodo a nos forar a uma experincia profunda, o professor nos auxiliou a compreender anatureza do fenmeno com uma abrangncia maior do que muitos pesquisadores cientficos deverdade que participaram neste trabalho em outras formas menos diretas.

    ***Quando jovem, eu li um livro sobre um naturalista que estava perambulando atravs da

    floresta Amaznica. Em um dado momento, um pequeno animal caiu de uma rvore em suanuca, arranhando dolorosamente sua pele e sugando o seu sangue. O bilogo cuidadosamente oremoveu sem dio, uma vez que este era seu meio de alimentao e passou a estud-locom cuidado. Esta histria ficou presa em minha cabea de forma obstinada durante aqueletempo to difcil, quando um vampiro caiu em nossos pescoos, sugando o sangue de umanao infeliz.

    Mantendo a atitude de um naturalista que, enquanto tenta rastrear a natureza do fenmenomacrossocial apesar de todas as adversidades, garante uma certa distncia intelectual e umamelhor sade psicolgica em face dos horrores que poderiam, de outra forma, ser maisdifceis de encarar. Tal atitude tambm aumenta um pouco o sentimento de segurana e forneceum discernimento que pode auxiliar na obteno de solues mais criativas. Isso requer umrigoroso controle dos reflexos naturais e morais de repulsa, e outras emoes dolorosas que ofenmeno provoca em qualquer pessoa normal, que acaba ficando desprovida da sua alegriade viver e da sua segurana pessoal, vendo ruir o seu prprio futuro e o futuro da sua nao. Acuriosidade cientfica, no entanto, torna-se um aliado leal durante este perodo.

    ***Espero que meus leitores me perdoem por recontar aqui uma recordao de juventude que

    nos levar diretamente para dentro do assunto. Meu tio, um homem muito solitrio, visitavanossa casa periodicamente. Ele havia sobrevivido grande Revoluo Sovitica no interiorda Rssia, de onde havia sido deportado pela polcia czarista. Por mais de um ano, ele

  • vagueou da Sibria Polnia. Toda vez que encontrava um grupo armado, durante sua viagem,ele rapidamente tentava determinar qual ideologia eles representavam, branca ou vermelha, eem seguida, de forma habilidosa, fingia profess-la. Se o seu estratagema tivesse sido malsucedido, ele teria perdido sua cabea, estourada pela suspeio de que ele fosse umsimpatizante do inimigo. Era mais seguro ter uma arma e pertencer a um grupo. Ento, elevagueava e lutava ao lado de cada grupo, geralmente at que encontrasse uma oportunidade dedesertar na direo do oeste, a caminho da sua terra natal, a Polnia, um pas que tinhaacabado de retomar a sua liberdade.

    Quando finalmente alcanou a sua amada terra natal de novo, ele conseguiu terminar seusestudos em Direito, to longamente interrompidos, para tornar-se uma pessoa decente e obteruma posio de responsabilidade. Contudo, ele nunca foi capaz de se libertar de suasmemrias atemorizantes. As mulheres ficavam assustadas com suas histrias dos velhos diasruins e pensavam no fazer sentido trazer uma nova vida a um futuro to incerto. Por isso, elenunca formou uma famlia. Talvez ele fosse incapaz de se relacionar com as pessoas que eleamava de forma apropriada.

    Este meu tio recapturava seu passado contando s crianas da minha famlia as histriassobre o que ele havia visto, experimentado e tomado parte; nossas imaginaes juvenis noeram capazes de levar a termo nada daquilo. Um terror apavorante estremecia nos nossosossos. Ns pensvamos: por que as pessoas perderam sua humanidade, qual foi a razo paratudo isso? Algum tipo de premonio apreensiva atravancou o nosso caminho, indo parardentro das nossas mentes; infelizmente, ela veio a se tornar verdade no futuro.

    ***Se fosse feita uma coleo de todos os livros que descrevem os horrores das guerras, as

    crueldades das revolues e os atos sangrentos dos lderes polticos e seus sistemas, muitosleitores evitariam tal biblioteca. Trabalhos antigos seriam colocados lado a lado com livrosescritos por historiadores e reprteres contemporneos. Documentrios investigativos sobre oextermnio alemo e os campos de concentrao e extermnio da Nao Judia, fornecem dadosestatsticos aproximados e descrevem o trabalho bem organizado de destruio de vidashumanas, usando uma linguagem adequadamente calma, e fornecem uma base concreta para oconhecimento da natureza do mal.

    A autobiografia de Rudolf Hoess,[ 2 ] o comandante dos campos em Auschwitz e Birkenau, um exemplo clssico de como um indivduo psicopata inteligente, com carncia de emoeshumanas, pensa e se sente.

    frente destes, estariam os livros escritos pelas testemunhas da insanidade criminosa, comoo livro O Zero e O Infinito de Arthur Koestler, [ 3 ] baseado na vida sovitica do perodoanterior Segunda Guerra Mundial; Smoke over Birkenau, que descreve as memriaspessoais de Severina Szmagkewska[ 4 ] sobre o campo de concentrao feminino deAuschwitz, na Alemanha; A World Apart, que contm as memrias soviticas de GustavHerling-Grudzinski;[ 5 ] e os livros de Aleksandr Solzhenitsyn,[ 6 ] turgidos com o sofrimentohumano.

    A coleo incluiria ainda trabalhos de filosofia da histria que discutem os aspectos morais

  • e sociais da gnese do mal, mas que tambm usam leis histricas um tanto quanto misteriosaspara justificar parcialmente as solues manchadas de sangue. Contudo, um leitor atentoestaria apto a detectar um certo grau de evoluo nas atitudes dos autores desde a afirmaoantiga sobre a escravido primitiva e o assassinato de povos conquistados at a condenaomoral dos dias atuais de tais mtodos de comportamento.

    Nesta tal biblioteca, porm, no haveria um nico trabalho que oferecesse uma explicaosuficiente das causas e processos a partir dos quais tais dramas histricos tiveram origem, decomo e por que as fragilidades humanas e ambies degeneraram para esta loucura sedentapor sangue. Ao ler o presente livro, o leitor perceber que escrev-lo seria cientificamenteimpossvel at recentemente.

    As velhas questes permaneceriam no respondidas: o que fez isto acontecer? Todo mundocarrega a semente do crime dentro de si mesmo ou isso acontece somente com alguns de ns?No importa quo fiel e psicologicamente verdadeira seja, nenhuma descrio literria dosfatos, como as narradas pelos autores mencionados acima, pode responder a estas questes,nem pode explicar completamente as origens do mal. Elas so, portanto, incapazes de fornecerprincpios suficientemente eficientes para neutralizar o mal. A melhor descrio literria deuma doena no produz um entendimento da sua etiologia essencial e, portanto, no fornecenenhum princpio para o tratamento. Da mesma forma, tais descries de tragdias histricasso incapazes de elaborar medidas efetivas para neutralizar a gnese, a existncia ou apropagao do mal.

    Ao fazer uso da linguagem coloquial para circunscrever conceitos psicolgicos, sociais emorais, que no podem ser descritos apropriadamente dentro da sua esfera de utilidade, nsfornecemos um tipo de compreenso substituta que nos leva a uma sensao irritante dedesamparo. Nosso sistema natural de conceitos e imaginaes no equipado com o contedofactual necessrio para permitir uma compreenso racional da qualidade dos fatores(particularmente os de contedo psicolgico), os quais estavam ativos antes, na concepo, edurante tais perodos de crueldade desumana.

    No entanto, devemos salientar que os autores de tais descries literrias perceberam quesuas linguagens no eram suficientes e ento tentaram impregnar suas palavras com a precisoe com uma perspectiva adequada, quase como se eles antecipassem que algum em algummomento adiante pudesse utilizar os seus trabalhos com o objetivo de explicar o que nopodia ser explicado, nem mesmo com a melhor linguagem literria. Se esses autores notivessem sido to precisos e descritivos em sua linguagem, este autor teria sido incapaz deutilizar tais trabalhos para suas prprias propostas cientficas.

    Em geral, muitas pessoas ficam horrorizadas por tal literatura; particularmente emsociedades hedonistas, as pessoas possuem uma tendncia a buscar refgio na ignorncia ouem doutrinas ingnuas. Algumas pessoas at sentem um certo desprezo pelas pessoas quesofrem. A influncia de tais livros pode, desta forma, ser particularmente nociva; ns devemoscontrariar essa influncia, indicando aquilo que os autores tiveram que deixar de lado porconta da incapacidade de conteno de nosso mundo de conceitos e imaginaes cotidianos.

    O leitor no vai encontrar aqui, no entanto, nenhuma descrio horripilante decomportamento criminal ou de sofrimento humano. No trabalho do autor apresentar uma

  • figura retroativa dos materiais apresentados por pessoas que viram e sofreram mais do que eleprprio, e cujos talentos literrios so maiores. A introduo de tais descries neste trabalhoseria contrria ao objetivo: no s concentraria a ateno em tais ocorrncias e tiraria o focode muitas outras, mas, principalmente, desviaria a ateno do leitor do verdadeiro cerne daquesto, isto , as leis gerais da origem do mal.

    Para rastrear os mecanismos de comportamento da gnese do mal, necessrio manter tantoa repulsa quanto o medo sob controle, submeter-se paixo pela cincia epistemolgica edesenvolver uma percepo tranqila que necessria histria natural. No devemos jamaisperder de vista o objetivo: traar os processos da ponerognese,[ 7 ] aonde eles podem noslevar e quais ameaas podem nos trazer no futuro.

    Este livro, portanto, pretende pegar o leitor pela mo e conduzi-lo para alm do universo deconceitos e imaginao que ele utiliza como apoio para descrever seu mundo desde a infncia,de uma forma excessivamente egosta, provavelmente porque seus pais, o ambiente e aspessoas do seu pas usavam conceitos similares aos seus. Portanto, ns devemos mostrar aoleitor uma seleo apropriada do universo de conceitos factuais que deram origem aopensamento cientfico recente e que permitiro a ele obter um entendimento do que permaneceirracional no seu sistema de conceitos do cotidiano.

    Contudo, essa excurso para dentro de outra realidade no ser um experimento psicolgicoconduzido nas mentes dos leitores com o nico propsito de expor os pontos fracos e aslacunas em sua viso natural do mundo. Ao contrrio, uma necessidade urgente, devido aosproblemas prementes do mundo contemporneo, e que s podemos ignorar por nossa conta erisco.

    importante perceber que possvel que no consigamos distingir o caminho que leva auma catstrofe nuclear, do caminho que leva dedicao criativa, a menos que saiamos paraalm deste mundo de egotismo[ 8 ] natural e de conceitos bem familiares. Ento, podemospassar a compreender que o caminho foi escolhido para ns, por foras poderosas, contrrias nossa nostalgia caseira, e que no encontra correspondncia com os conceitos humanos quenos so familiares. Ns precisamos ir alm deste pensamento ilusrio do cotidiano, paranosso prprio bem e dos nossos entes queridos.

    As cincias sociais j elaboraram sua prpria linguagem convencional, a qual faz amediao entre a viso do homem comum e a viso naturalista totalmente objetiva. Ela tilpara os cientistas em termos de comunicao e cooperao, mas ainda no o tipo deestrutura conceitual que leva totalmente em considerao as premissas biolgicas,psicolgicas e patolgicas das questes tratadas no segundo e quarto captulos deste livro.Nas cincias sociais, a terminologia convencional elimina as normas crticas e coloca a tica parte; nas cincias polticas, a terminologia leva a uma avaliao subestimada dos fatoresque descrevem a essncia das situaes polticas quando o mal est no ncleo.

    Esta linguagem das cincias sociais fez com que o autor e outros investigadores se sentissemimpotentes e cientificamente paralisados quando iniciamos nossa pesquisa sobre a naturezamisteriosa que envolveu o nosso pas, e ainda destri as tentativas de se chegar a umacompreenso objetiva do fenmeno. Em ltima anlise, eu no tive outra escolha a no serrecorrer s terminologias biolgica, psicolgica e psicopatolgica objetivas, com o objetivo

  • de trazer a ateno verdadeira natureza do fenmeno, o centro da questo.A natureza do fenmeno sob investigao, assim como as necessidades dos leitores,

    particularmente aqueles no familiarizados com a psicopatologia, determinam a formadescritiva, que primeiro introduz os dados e conceitos necessrios para depois compreenderpsicolgica e moralmente as ocorrncias patolgicas. Ns devemos ento iniciar com asquestes da personalidade humana, intencionalmente formuladas de tal forma que coincidamamplamente com a experincia prtica do psiclogo, para depois passar para questesselecionadas de psicologia social. Na captulo sobre ponerologia, iremos nos familiarizarcom a forma na qual se d a origem do mal, em cada escala social, enfatizando o papel efetivode alguns fenmenos psicopatolgicos no processo da ponerognese. Isso facilitar atransio da linguagem natural para a linguagem objetiva necessria das cincias naturais, dapsicologia e da estatstica, no nvel requerido e suficiente. Espero que a discusso destestemas em termos clnicos no seja entediante ao leitor.

    Na opinio do autor, a Ponerologia revela-se como um novo ramo da cincia, gerado a partirde uma necessidade histrica e dos mais recentes estudos da medicina e da psicologia. luzda linguagem natural objetiva, a Ponerologia estuda os componentes causais e o processo dagnese do mal, independentemente do seu mbito social. Ns podemos tentar analisar estesprocessos ponerognicos que deram origem injustia humana, armados com o conhecimentoapropriado, particularmente na rea da psicopatologia. Repetidamente, como o leitor irdescobrir, num estudo como esse, nos encontramos com os efeitos dos fatores patolgicoscujos operadores so pessoas caracterizadas por serem portadoras, em algum grau, dediversos desvios ou defeitos psicolgicos.

    O mal moral e o mal psicobiolgico so, de fato, inter-relacionados por tantas relaescausais e influncias mtuas que somente podem ser separados por meio de abstraes.Contudo, a habilidade de diferenci-los qualitativamente pode nos ajudar a evitar umainterpretao moralizadora dos fatores patolgicos, um erro ao qual todos ns estamossujeitos e que contamina a mente humana de uma forma insidiosa, sempre que temas sociais emorais esto em discusso.

    A ponerognese do fenmeno macrossocial o mal em larga escala que constitui o objetomais importante deste livro, aparece sujeita s mesmas leis naturais que operam sobre asquestes humanas no nvel individual ou em pequenos grupos. O papel das pessoas com vriosdefeitos psicolgicos e anomalias de um nvel clinicamente baixo, parecem ser umacaracterstica constante de tal fenmeno. No fenmeno macrossocial, ns iremos chamar maistarde de patocracia uma certa anomalia hereditria isolada como psicopatia essencial,que essencial de forma cataltica e causal para a gnese e para a sobrevivncia do malsocial em larga escala.

    Nossa viso natural do mundo, na realidade, cria uma barreira para o nosso entendimento detais questes e, assim, necessrio estar familiarizado com os fenmenos psicopatolgicos,tais como aqueles encontrados neste campo de estudo, com o objetivo de romper essabarreira. Os leitores talvez possam desculpar os ocasionais lapsos do autor, no decorrer destecaminho inovador, e seguir sem medo sua orientao, familiarizando-se quase quesistematicamente com os dados fornecidos como prova, nos primeiros captulos. A partir de

  • ento ns deveremos estar aptos a aceitar a verdade a respeito da natureza do mal, semprotestos automticos provenientes do nosso egotismo natural.

    Os especialistas que esto familiarizados com a psicopatologia encontraro um caminhomenos romntico. Contudo, eles observaro algumas diferenas acerca da interpretao devrios fenmenos bem conhecidos, resultantes, em parte, das situaes anmalas sob as quaisa pesquisa foi feita, mas principalmente por causa da penetrao mais intensiva necessriapara atingir a proposta principal. Esta a razo pela qual este aspecto do nosso trabalhocontm certos valores tericos teis para a psicopatologia. A expectativa que os no-especialistas dependero da longa experincia do autor para distinguir anomalias psicolgicasindividuais encontradas entre as pessoas e identificadas no processo da gnese do mal.

    necessrio salientar que considerveis vantagens morais, intelectuais e concretas podemser obtidas a partir do entendimento do processo da ponerognese, graas objetividadenatural requerida. A herana das questes ticas de longo prazo no , atravs disso,destruda, muito pelo contrrio, reforada, uma vez que os mtodos cientficos modernosconfirmam os valores bsicos do ensino moral. Contudo, a ponerologia fora algumascorrees a respeito de muitos detalhes.

    Entender a natureza dos fenmenos patolgicos macrossociais nos permite encontrar umaperspectiva e uma atitude saudveis em relao a estes fenmenos, auxiliando-nos a protegeras nossas mentes dos venenos decorrentes deste contedo doentio e da influncia de suaspropagandas. A contrapropaganda incessante qual recorreram alguns pases com umalinguagem humana normal, poderia ser facilmente substituda por informaes objetivas denatureza cientfica sobre o assunto. O ponto principal que ns s podemos vencer esteenorme cncer social contagioso se compreendermos suas causas essenciais e etiolgicas.Isso eliminaria o mistrio deste fenmeno e sua principal vantagem competitiva. Ignoti nullaest curatio morbi![ 9 ]

    Tal entendimento da natureza dos fenmenos que este estudo traz, nos leva conclusolgica de que as medidas para sanar e reordenar o mundo de hoje devem ser completamentediferentes daquelas utilizadas at agora para resolver os conflitos internacionais. Soluespara tais conflitos devem ser como antibiticos modernos ou, melhor ainda, como umapsicoterapia aplicada de forma adequada, em vez da abordagem antiga baseada em armas, taiscomo porretes, espadas, tanques ou msseis nucleares. O objetivo deveria ser sanar problemassociais, no destruir a sociedade. Uma analogia pode ser feita entre o mtodo arcaico dasangria de um paciente, em oposio ao mtodo moderno de fortalecimento e recuperao domesmo a fim de obter a cura.

    Com referncia aos fenmenos de natureza ponerognica, o simples conhecimento somentepode iniciar a cura de indivduos e auxiliar suas mentes na recuperao da harmonia. No finaldeste livro ns discutiremos como utilizar este conhecimento para chegar a decises polticascorretas e como aplic-lo a uma terapia geral para o mundo.

    Referncia ao livro de James Fenimore Cooper publicado em 1826 e que popularizou-se pelas adaptaes feitas para o cinema NT.Rudolf Hoess foi comandante do campo de concentrao de Auschwitz e deixou uma autobiografia que foi publicada em 1958.Arthur Koestler escritor e autor do romance O Zero e o Infinito, no original, Darkness at Noon, que conta a histria de

  • Rubashov, um personagem poderoso do regime que preso e julgado por traio NT.Szmaglewska Seweryna escritora, viveu como prisioneira em campos de concentrao de 1942 a 1945. Escreveu Smoke overBirkenau (Fumaa sobre Birkenau). Foi testemunha no Julgamento de Nuremberg e escreveu vrios romances, relacionadosprincipalmente com a guerra e com a ocupao.Gustav Herling-Grudzinski foi um jornalista e escritor polons famoso por ter escrito suas memrias sobre o perodo em que passouem um Gulag sovitico, no livro A World Apart (Um mundo parte).Alexander Issaivich Soljentsin foi um romancista e historiador russo que revelou ao mundo, atravs de seus livros, os sistemas decampos de trabalhos forados na antiga Unio Sovitica. Recebeu o Prmio Nobel de Literatura em 1970 NT.Ponerologia / Ponerognese: o estudo da natureza do mal; do grego poneros (mal) NT.Egotismo a atitude, subconscientemente condicionada como uma regra, pela qual atribumos valor excessivo aos nossos reflexosinstintivos, s nossas imaginaes e hbitos adquiridos desde muito cedo, e nossa viso de mundo individual NT.Ignoti nulla est curatio morbi! no h tratamento para doena desconhecida Maximiano, Elegia 3 NT.

  • CAPTULO II

  • ALGUNS CONCEITOS INDISPENSVEIS

    TRS PRINCIPAIS ITENS HETEROGNEOS COINCIDIRAM para formar a civilizao europia: aFilosofia Grega, o direito do Imprio Romano e o Cristianismo, que foram consolidados pelotempo e pelos esforos das geraes posteriores. A cultura desta herana cognitiva/espiritual

    que assim nasceu era internamente pouco clara, com uma linguagem de conceitosexcessivamente apegada matria e lei, e que revelou-se demasiadamente rgida para

    compreender os aspectos psicolgicos e espirituais da vida.

    Tal estado de coisas teve repercusses negativas sobre nossa habilidade de compreender arealidade, especialmente aquela realidade relacionada humanidade e sociedade. Oseuropeus tornaram-se relutantes em estudar a realidade (subordinando a inteligncia aos fatos)mas, em seu lugar, tiveram a tendncia de impor natureza seus esquemas ideolgicossubjetivos, os quais so extrnsecos e no completamente coerentes. Somente nos temposmodernos, graas ao desenvolvimento das cincias naturais, que estudam os fatos pela suaprpria natureza, bem como a captao da herana filosfica de outras culturas, nos foipossvel ajudar a esclarecer o nosso mundo de conceitos e permitir sua prpriahomogeneizao.

    surpreendente observar a tribo autnoma que a cultura dos antigos gregos representava.Mesmo naqueles dias, dificilmente uma civilizao conseguia se desenvolver no isolamento,sem ser afetada, em particular, pelas culturas antigas. Contudo, mesmo com essa considerao,parece que a Grcia estava relativamente isolada, culturalmente falando. Isso aconteceuprovavelmente devido era decadente qual os arquelogos referem-se como a Idade dasTrevas, que ocorreu naquela rea mediterrnea entre 1200 e 1800 a.C., e tambm agressividade da tribo dos Achaeans.[ 10 ]

    Entre os gregos, uma imaginao mitolgica muito rica, desenvolvida no contato direto coma natureza e com as experincias da vida e da guerra, forneceu uma imagem desta ligao entrea natureza do pas e as pessoas. Essas condies testemunharam o nascimento de uma tradioliterria e, mais tarde, de reflexes filosficas pela busca dos conceitos gerais, dos contedosessenciais e dos critrios de valores. A herana grega fascinante devido sua riqueza eindividualidade, mas acima de tudo devido sua natureza primria. Nossa civilizao,contudo, poderia ter sido melhor servida se os gregos tivessem feito um uso mais amplo dasconquistas de outras civilizaes.

    Roma era muito vital e prtica para refletir profundamente sobre os pensamentos gregos, dosquais tinha se apropriado. Nesta civilizao imperial, as necessidades administrativas e osdesenvolvimentos jurdicos impuseram prioridades concretas. Para os romanos, o papel dafilosofia era mais didtico, til para auxiliar o desenvolvimento do processo de pensamentoque posteriormente seria utilizado para o despacho nas funes administrativas e no exerccio

  • das opes polticas. Essa influncia grega de reflexo suavizou os hbitos romanos, quetiveram um efeito saudvel no desenvolvimento do imprio.

    Contudo, em qualquer civilizao imperial, os problemas complexos envolvendo a naturezahumana so fatores preocupantes e complicadores das leis que regulam os assuntos pblicos eas funes administrativas. Isso causou uma tendncia ao desprezo por tais assuntos e aodesenvolvimento de um conceito de personalidade humana simplificado o suficiente paraservir aos propsitos da lei. Os cidados romanos podiam atingir os seus objetivos edesenvolver suas atitudes pessoais dentro de um sistema determinado pelo destino e pelosprincpios legais, o que caracterizava a situao de um indivduo com base em premissas quetinham pouco a ver com caractersticas psicolgicas reais. A vida espiritual das pessoas queno tinham o direito cidadania no era um assunto apropriado para estudos mais srios. Porisso, a psicologia cognitiva permaneceu estril, uma condio que sempre produziu recessomoral em ambos os nveis, pblico e individual.

    O Cristianismo teve ligaes mais fortes com as culturas antigas do continente asitico,incluindo as reflexes filosficas e psicolgicas. Isso foi, claro, um fator dinmico que otornou mais atrativo, mas no foi o mais importante. A observao e o entendimento sobre astransformaes aparentes que a f causava nas personalidades humanas criou uma escolapsicolgica de pensamento e arte da parte dos primeiros fiis. Esta nova relao com outrapessoa, isto , com o prximo, caracterizada pelo entendimento, perdo e amor abriu a portapara uma experincia psicolgica que, muitas vezes apoiada por um fenmeno carismtico,produziu frutos abundantes durante os primeiros trs sculos depois de Cristo.

    Um observador daquele tempo deve ter esperado que o Cristianismo ajudasse a desenvolvera arte do entendimento humano em um nvel mais alto que o de outras culturas ou religies etambm que tal conhecimento protegesse as geraes futuras dos perigos do pensamentoespeculativo divorciado da realidade psicolgica profunda, a qual somente pode sercompreendida atravs do respeito sincero por outro ser humano.

    A Histria, contudo, no confirmou tais expectativas. Os sintomas de decadncia nasensibilidade e na compreenso psicolgica, assim como a tendncia do Imprio Romano deimpor padres extrnsecos sobre os seres humanos, podem ser observados desde 350 d.C.Durante as eras posteriores, o Cristianismo passou por todas as dificuldades que resultaramda falta de conhecimento psicolgico da realidade. Estudos exaustivos das razes histricaspara a supresso do desenvolvimento da cognio humana na nossa civilizao seriam umesforo extremamente til.

    Antes de mais nada, o Cristianismo adaptou a herana da linguagem e do pensamentofilosfico gregos para os seus propsitos. Isso tornou possvel o desenvolvimento da suaprpria filosofia, mas os traos primitivos e materialistas daquela linguagem impuseramcertos limites que atrasaram, por muitos sculos, a comunicao entre o Cristianismo e outrasculturas religiosas.

    A mensagem de Cristo cresceu pela costa e pelos caminhos batidos das linhas de transportedo Imprio Romano, para dentro da civilizao do imprio, mas somente atravs deperseguies sangrentas e compromissos derradeiros com o poder de Roma e o seu direito.Roma finalmente passou a lidar com a ameaa atravs da apropriao do Cristianismo para

  • seus objetivos e, como resultado, a Igreja Crist apropriou-se das formas organizacionais deRoma e as adaptou s instituies sociais existentes. Como efeito deste processo inevitvel deadaptao, o Cristianismo herdou os hbitos romanos de pensamento legal, incluindo a suaindiferena natureza humana e sua variedade.

    Dois sistemas heterogneos foram ento ligados de modo to permanente, que sculos maistarde esqueceu-se quo estranhos eles realmente eram um para o outro. Contudo, o tempo e ocompromisso no eliminaram as inconsistncias internas e a influncia romana retirou doCristianismo alguns dos seus conhecimentos psicolgicos primordiais mais profundos. Triboscrists, desenvolvendo-se sob condies culturais diferentes, criaram formas to variadas quea manuteno da unidade tornou-se uma impossibilidade histrica.

    A Civilizao Ocidental surgiu, portanto, dificultada por uma grave deficincia em umarea que no s pode exercer um papel criativo, como efetivamente o faz, e cujo objetivo proteger as sociedades de vrios tipos de males. Esta civilizao desenvolveu frmulas narea do direito, seja ele nacional, civil, ou mesmo cannico, as quais foram concebidas paraseres inventados ou simplificados. Estas frmulas deram pouca ateno ao contedo total dapersonalidade humana e s grandes diferenas entre os membros individuais da espcie HomoSapiens. Por muitos sculos, qualquer entendimento de certas anomalias psicolgicasencontradas entre alguns indivduos estava fora de questo, at mesmo quando essasanomalias causavam catstrofes, repetidamente.

    Esta civilizao foi insuficientemente resistente ao mal, o qual se origina alm das reas daconscincia humana facilmente acessveis e que tira vantagem da enorme lacuna entre opensamento formal ou legal e a realidade psicolgica. Em uma civilizao deficiente noconhecimento psicolgico, indivduos hiperativos direcionados pelas suas dvidas internas,que so causadas por uma sensao de ser diferente, encontram facilmente um eco pronto nasconscincias pouco desenvolvidas de outras pessoas. Tais indivduos sonham em impor seupoder e seus diferentes modos de experimentar sobre seus ambientes e sua sociedade.Infelizmente, em uma sociedade ignorante psicologicamente, seus sonhos tm uma boa chancede se tornar realidade para eles e um pesadelo para os outros.

  • PSICOLOGIA

    Nos anos de 1870, um evento muito impetuoso ocorreu: uma busca pela verdade escondidasobre a natureza humana foi iniciada, como um movimento secular, baseado no progresso damedicina e da biologia, de forma que este conhecimento teve seu incio na esfera material.Desde o incio, muitos pesquisadores tinham uma viso do grande papel futuro desta cinciapara o bem da paz e da ordem. Contudo, ao relegar o conhecimento anterior esferaespiritual, tal abordagem da personalidade humana foi necessariamente unilateral. Pessoascomo Ivan Pavlov,[ 11 ] C. G. Jung[ 12 ] e outros, logo notaram esta parcialidade e tentaramchegar a uma sntese. A Pavlov, contudo, no foi permitido declarar publicamente suasconvices.

    A psicologia a nica cincia na qual o observador e o observado pertencem mesmaespcie, e s vezes so at a mesma pessoa em um ato de introspeco. fcil, ento, queerros subjetivos sejam introduzidos no processo racional de pensamento da pessoa que utilizaimagens comuns e hbitos individuais. Este erro cria um crculo vicioso, como um cachorroque corre atrs do prprio rabo, originando problemas decorrentes da falta de distncia entreo observador e o observado, uma dificuldade inexistente em outras disciplinas.

    Algumas pessoas, tais como os behavioristas,[ 13 ] tentaram, a todo custo, evitar o mesmoerro. No processo, eles empobreceram os contedos do conhecimento em tal extenso querestou muito pouco material. Contudo, eles produziram uma disciplina de pensamento muitoprodutiva. Com muita freqncia, o progresso foi elaborado por pessoas simultaneamentedirecionadas por ansiedades internas e pela busca de um mtodo para ordenar suas prpriaspersonalidades pelo caminho do conhecimento e do autoconhecimento. Se estas ansiedadesfossem causadas por um defeito na criao, ento a superao destas dificuldades dariaorigem a excelentes descobertas. Contudo, se a causa de tais ansiedades residisse na naturezahumana, ento o resultado seria uma tendncia permanente de deformar o entendimento dofenmeno psicolgico. Dentro desta cincia, o progresso , infelizmente, muito dependentedos valores individuais e da natureza dos seus profissionais. tambm dependente do climasocial. Sempre que uma sociedade torna-se escravizada por outras ou pelas regras de umaclasse nativa excessivamente privilegiada, a psicologia a primeira disciplina que sofrecensuras e incurses da parte de um corpo administrativo, que acaba dando a ltima palavrasobre o que representa a verdade cientfica.

    Graas ao trabalho de excelentes precursores, contudo, a disciplina cientfica existe econtinua a se desenvolver, apesar de todas as dificuldades; til para a vida em sociedade.Muitos pesquisadores preenchem as lacunas desta cincia com dados detalhados quefuncionam como fatores de correo subjetividade e impreciso dos famosos pioneiros. Osmales da infncia de qualquer nova disciplina persistem, incluindo uma falta de ordem geral ede sntese, assim como persiste a tendncia de fragmentao em escolas individuais, queesclarecem sobre certas conquistas tericas e prticas, ao custo de se limitarem em outrasreas.

    Ao mesmo tempo, no entanto, descobertas de natureza prtica so colhidas para o bem daspessoas que necessitam de ajuda. As observaes diretas, fornecidas pelo trabalho dirio dosterapeutas no campo, so mais teis na formao da compreenso cientfica e no

  • desenvolvimento da linguagem da psicologia contempornea do que qualquer experimentoacadmico ou deliberaes empreendidas em laboratrio. Afinal de contas, a vida mesmaprovidencia condies variadas, sejam confortveis ou trgicas, que sujeitam os indivduoshumanos a experimentos tais, que nenhum cientista em laboratrio algum poderia jamaisproporcionar. Este livro mesmo existe por causa de estudos de campo, de experimentosdesumanos aplicados a naes inteiras.

    A experincia ensina a mente de um psiclogo a como rastrear, rpida e efetivamente, a vidade outra pessoa, descobrindo as causas que condicionaram o desenvolvimento de suapersonalidade e comportamento. Nossas mentes podem, ento, reconstruir tais fatores quetiveram influncia sobre esta pessoa, embora ela mesma esteja alheia a eles. Ao faz-lo, nsno utilizamos, como regra, a estrutura natural de conceitos comumente referida como sensocomum, que se baseia na opinio pblica e de muitos indivduos. Ao contrrio, usamoscategorias que so to objetivas quanto nos seja possvel conseguir. Os psiclogos utilizam alinguagem conceitual com descries de fenmenos que so independentes de qualquerimaginao comum, e isso uma ferramenta indispensvel para a atividade prtica. Naprtica, contudo, ela geralmente se torna mais uma gria clnica do que a linguagem cientficadiferenciada que deveramos adotar. Uma analogia pode ser traada entre esta linguagemconceitual da psicologia e os smbolos matemticos. Muito freqentemente, uma simples letragrega permanece por vrias pginas de operaes matemticas, a qual instantaneamentereconhecida pelos matemticos.

  • LINGUAGEM OBJETIVA

    Nas categorias de objetividade psicolgica, conhecimento e pensamento so baseados nosmesmos princpios lgicos e metodolgicos j considerados como sendo as melhoresferramentas em muitas outras reas das cincias naturais. As excees a essas regras tm setornado uma tradio para ns e para as criaturas similares a ns, mas que acabam porproduzir mais erros do que utilidade. Ao mesmo tempo, contudo, a aderncia consistente aesses princpios, e a rejeio de limitaes cientficas adicionais nos leva em direo a umhorizonte maior, a partir do qual possvel vislumbrar uma causalidade sobrenatural.Aceitar a existncia de tais fenmenos dentro da personalidade humana torna-se umanecessidade, se nossa linguagem de conceitos psicolgicos for permanecer dentro de umaestrutura objetiva.

    Ao afirmar sua prpria personalidade, o homem tem a tendncia a reprimir do campo de suaconscincia quaisquer associaes que indiquem um condicionante causal externo da suaviso de mundo e comportamento. As pessoas mais jovens, em particular, querem acreditarque escolhem livremente suas intenes e decises; contudo, ao mesmo tempo, um psiclogoanalista experiente pode rastrear as condies causais dessas escolhas sem muita dificuldade.Muito desse condicionamento est encoberto dentro de nossa infncia; as memrias podem seafastar na distncia, mas ns carregamos os resultados das nossas primeiras experinciasconosco, por toda a nossa vida.

    Quanto maior o nosso entendimento da causalidade da personalidade humana, mais forteser a impresso que a humanidade uma parte da natureza e da sociedade, sujeita adependncias que estamos sempre mais hbeis para entender. Superando a nostalgia humana,ns podemos ento especular se no h realmente espao para um escopo de liberdade, paraum Purusha.[ 14 ] Quanto maior o progresso feito por ns na arte de entender as causashumanas, mais hbeis estaremos para liberar a pessoa que confia em ns dos efeitos txicosdo condicionamento, o qual abafa desnecessariamente sua liberdade de compreenso prpriae de tomada de deciso. Ns estamos, ento, em uma posio de cerrar fileiras com nossopaciente, na busca da melhor sada para seus problemas. Se sucumbirmos tentao de usar aestrutura natural de conceitos psicolgicos para este objetivo, nosso aconselhamento soarsimilar aos muitos pronunciamentos no-produtivos que ele j deve ter ouvido e que, de fato,nunca conseguiram ajud-lo a se livrar de seu problema.

    A viso de mundo cotidiana, habitual, psicolgica, social e moral um produto doprocesso de desenvolvimento do homem dentro da sociedade, sob a influncia constante detraos inatos. Entre estes traos inatos esto a fundao instintiva e filogeneticamentedeterminada da espcie humana, e a educao dada pela famlia e pelo ambiente. Nenhumapessoa pode se desenvolver sem ser influenciada por outras pessoas e por suaspersonalidades, ou sem a influncia dos valores imbudos provenientes de sua civilizao e desuas tradies morais e religiosas. por isso que a viso de mundo natural dos seres humanosno pode nem ser suficientemente universal, nem completamente verdadeira. As diferenasentre os indivduos e naes so o produto tanto das disposies herdadas como daontognese[ 15 ] das personalidades.

    Desta forma, significativo que os valores principais dessa viso de mundo natural do

  • homem indiquem similaridades bsicas, apesar das grandes divergncias de tempo, raa ecivilizao. Essa viso de mundo deriva de modo bastante bvio da natureza das nossasespcies e da experincia natural das sociedades humanas que atingiram um certo nvelnecessrio de civilizao. Os refinamentos baseados nos valores da literatura ou das reflexesfilosficas e morais mostram diferenas, mas, falando de forma geral, tendem a aglutinar aslinguagens conceituais naturais de vrias civilizaes e eras. As pessoas com uma educaohumanstica podem, portanto, ficar com a impresso de que atingiram a sabedoria. Nsdevemos tambm continuar a respeitar a sabedoria daquele senso comum derivado daexperincia de vida e de suas respectivas reflexes.

    Contudo, um psiclogo consciencioso deve se fazer as seguintes perguntas: mesmo que aviso de mundo natural tenha sido refinada, ela espelha a realidade com confiabilidadesuficiente? Ou ela somente espelha as percepes da nossa espcie? Em que extenso nspodemos depender dela como uma base para a tomada de decises nas esferas individual,social e poltica?

    A experincia nos ensina, antes de tudo, que a viso de mundo natural tem tendnciaspermanentes e caractersticas a uma deformao ditada por nossos traos instintivos eemocionais. Em segundo lugar, nosso trabalho nos expe a vrios fenmenos que no podemser entendidos, nem descritos pela linguagem natural apenas. Uma linguagem cientfica eobjetiva competente para analisar a essncia do fenmeno torna-se ento uma ferramentaindispensvel. Ela tambm se mostra similarmente indispensvel para um entendimento dasquestes apresentadas neste livro.

    Agora, depois de termos estabelecido as bases, tentaremos listar as mais importantestendncias para a distoro da realidade e outras insuficincias da viso natural de mundo dohomem.

    Essas funes emocionais, que so um componente natural da personalidade humana, nuncaso completamente apropriadas realidade que est sendo experimentada. Isso resulta tantodo nosso instinto como dos erros comuns da nossa criao. Este o motivo pelo qual a melhortradio de pensamento religioso e filosfico sempre aconselhou que se tenha domnio sobreas emoes, com o objetivo de se atingir uma viso mais precisa da realidade.

    A viso de mundo natural tambm caracterizada por uma tendncia similar, emocional, dedotar nossas opinies de julgamento moral, sempre muito negativo, como se para expressarnossa indignao. um apelo s tendncias que esto profundamente enraizadas na naturezahumana e nos costumes da sociedade. Ns facilmente extrapolamos este mtodo decompreenso para os casos de manifestaes ou comportamentos humanos imprprios, queso, na verdade, causados por deficincias psicolgicas menores. Quando outras pessoas secomportam de um modo que consideramos ser mau, ns tendemos a fazer um julgamento dem inteno em vez de procurar entender as condies psicolgicas que as podem terdirecionado para este comportamento e as convencido de que esto, na realidade, secomportando de forma apropriada. Assim, qualquer interpretao moralizante de um fenmenopsicopatolgico menor errnea e leva meramente a um nmero excepcional deconseqncias infelizes, e por isso que iremos nos referir repetidamente a ela.

    Outro defeito da viso de mundo natural sua falta de universalidade. Em toda sociedade,

  • um certo percentual de pessoas desenvolveu uma viso de mundo um tanto diferente daquelausada pela maioria. As causas de aberraes so, em qualquer meio, qualitativamentemonolticas; ns as discutiremos com mais detalhes no captulo quarto.

    Outra deficincia essencial da viso de mundo natural sua abrangncia limitada deaplicabilidade. A geometria euclidiana foi suficiente para a reconstruo tcnica do nossomundo e para uma viagem lua e aos planetas mais prximos. Ns somente necessitamos deuma geometria cujos axiomas so menos naturais, se atingirmos o interior de um tomo ou seformos para fora do sistema solar. As pessoas normais no encontram fenmenos para osquais a geometria euclidiana seja insuficiente. Algumas vezes, durante sua vida, praticamentetoda pessoa se v diante de problemas com os quais tem que lidar. Uma vez que acompreenso dos fatores que esto verdadeiramente operando est alm da noo dada pelaviso de mundo natural, essa pessoa geralmente apela para a emoo: a intuio e a buscapela felicidade. Sempre que encontramos uma pessoa cuja viso de mundo individual sedesenvolveu sob a influncia de condies no tpicas, ns tendemos a lhe transmitir umjulgamento moral, em nome da nossa viso de mundo mais tpica. Resumindo, sempre quealgum fator psicopatolgico no identificado entra em cena, a viso natural de mundo dohomem deixa de ser aplicvel.

    Indo mais adiante, ns sempre nos encontramos com pessoas sensveis dotadas de uma visode mundo natural bem desenvolvida em relao aos aspectos psicolgicos, morais e sociais,freqentemente refinada atravs da influncia literria, de deliberaes religiosas e dereflexes filosficas. Tais pessoas tm a tendncia pronunciada de superestimar os valores dasua viso de mundo, comportando-se como se tais valores fossem uma base objetiva parajulgar os outros. Elas no levam em considerao o fato de que tal sistema de apreenso deaspectos humanos tambm pode ser errneo, uma vez que insuficientemente objetivo. Vamoschamar tal atitude de egotismo da viso de mundo natural. At o momento, tem sido o tipode egotismo menos pernicioso, sendo meramente uma avaliao exagerada desse mtodo decompreenso que contm os valores eternos da experincia humana.

    Hoje, contudo, o mundo est sendo prejudicado por um fenmeno que no pode serentendido, nem descrito atravs de tal linguagem conceitual natural; este tipo de egotismotorna-se ento um fator perigoso, sufocando a possibilidade de contramedidas objetivas. Odesenvolvimento e a popularizao da viso de mundo psicologicamente objetiva pode entoexpandir de forma significativa a possibilidade de se lidar com o mal, por meio de aessensatas e de contramedidas.

    A linguagem objetiva-psicolgica, baseada em critrios filosficos maduros, deve encontraros requisitos derivados de seus fundamentos tericos e ir ao encontro das necessidades daprtica individual e macrossocial. Ela deve ser avaliada totalmente com base nas realidadesbiolgicas e constituir uma extenso da linguagem conceitual anloga elaborada pelascincias naturais antigas, particularmente a medicina. Sua faixa de aplicabilidade deve cobrirtodos aqueles fatos e fenmenos condicionados por fatores biolgicos reconhecveis, para osquais essa linguagem natural provou-se inadequada. Ela deve, dentro deste sistema, permitir oentendimento suficiente dos contedos, e das causas variadas, para a gnese das vises demundo diferente, mencionadas anteriormente.

  • A elaborao de tal linguagem conceitual, estando bem alm do escopo individual dequalquer cientista, um trabalho de passo-a-passo; com a contribuio de muitos cientistas,amadurecendo at o ponto em que possa ser organizada sob a superviso filosfica luz dosprincpios acima mencionados. Tal tarefa contribuiria fortemente para o desenvolvimento detoda as cincias bio-humansticas e sociais, liberando-as das limitaes e tendncias errneasimpostas pela influncia demasiada da linguagem natural da imaginao psicolgica,especialmente quando combinada com um componente excessivo de egotismo.

    Muitas das questes com as quais lidamos neste livro esto alm do escopo deaplicabilidade da linguagem natural. O quinto captulo deve lidar com o fenmenomacrossocial que tornou a nossa linguagem cientfica tradicional completamente ilusria.Entender estes fenmenos, portanto, requer uma separao consistente dos hbitos de talmtodo de pensamento, e o uso de um sistema de conceitos o mais objetivo possvel. Para estepropsito, necessrio desenvolver os contedos, organiz-los e torn-los familiares aosleitores.

    Ao mesmo tempo, um exame dos fenmenos cuja natureza determinou o uso de tal sistemaser de grande contribuio para o enriquecimento e aperfeioamento do sistema de conceitosobjetivos.

    Enquanto trabalhava neste assunto, o autor foi gradualmente se acostumando a compreendera realidade por meio deste mesmo mtodo, uma forma de pensamento que acabou se tornandotanto a mais apropriada como a mais econmica em termos de tempo e esforo. Ela tambmprotege a mente de seu egotismo natural e de quaisquer excessos emocionais.

    No curso das investigaes acima mencionadas, cada pesquisador experimentou seu prprioperodo de crise e frustrao, quando se tornou evidente para ele que os conceitos nos quaisele havia confiado provaram-se claramente inaplicveis. Ostensivamente, hipteses corretasformuladas na linguagem conceitual e natural, cientificamente desenvolvida, tornaram-secompletamente infundadas luz dos fatos e dos clculos estatsticos preliminares. Ao mesmotempo, a elaborao de conceitos melhor adaptados para a realidade investigada, tornou-seextremamente complexa: afinal, a chave para as questes reside em uma rea cientfica aindaem processo de desenvolvimento.

    Para sobreviver a esse perodo foi necessria a aceitao e o respeito por um sentimento deignorncia, verdadeiramente valioso para um filsofo. Toda cincia nasce em uma rea nohabitada por imaginaes populares, que devem ser superadas e deixadas para trs. Nestecaso, no entanto, o procedimento tinha que ser excepcionalmente radical; ns tnhamos que nosaventurar em qualquer rea indicada pela anlise sistemtica dos fatos, os quais observamos eexperimentamos de dentro de uma condio amadurecida do mal macrossocial, guiados pelaluz dos requisitos da metodologia cientfica. Isso tinha que ser sustentado, apesar dasdificuldades causadas pelas condies externas extraordinrias e pelas nossas prpriaspersonalidades humanas.

    Bem poucos dos muitos que iniciaram este caminho conseguiram chegar ao final, j quedesistiram por diversas razes conectadas a este perodo de frustrao. Alguns deles seconcentraram em uma nica questo, sucumbindo a um tipo de fascinao em relao ao seuvalor cientfico; aprofundaram-se em questes detalhadas. Suas realizaes podem estar

  • presentes nesta obra, uma vez que eles entenderam a busca geral do seu trabalho. Outrosdesistiram diante dos problemas cientficos, das dificuldades pessoais ou por causa do medode serem descobertos pelas autoridades, que eram altamente vigilantes nessas matrias.

    A leitura atenta deste livro confrontar o leitor com problemas similares, embora em umaescala muito menor. Ela pode conduzir a uma certa impresso de injustia, devido necessidade de deixar para trs uma poro significativa de nossas conceituaes anteriores,ao sentimento de que nossa viso de mundo natural inaplicvel, e dispensabilidade dealguns envolvimentos emocionais. Assim, eu peo aos meus leitores que aceitem essessentimentos que os perturbam no esprito do amor ao conhecimento e seus valores redentores.

    As explicaes acima foram cruciais para transformar a linguagem deste trabalho maisfacilmente compreensvel aos leitores. O autor tentou abordar os assuntos descritos aqui de talforma que possibilite evitar a perda de contato com o mundo dos conceitos objetivos e no setornar incompreensvel para qualquer pessoa fora de um crculo estreito de especialistas. Nsdevemos, portanto, implorar ao leitor o perdo por qualquer deslize sobre esta corda tensaque une os dois mtodos de pensamento. Contudo, o autor no seria um psiclogo experientese ele no pudesse predizer que alguns leitores rejeitaro os dados cientficos fornecidosdentro deste trabalho, ao sentir que constituem um ataque sabedoria natural de suaexperincia de vida.

  • O INDIVDUO HUMANO

    Quando Augusto Comte[ 16 ] tentou encontrar uma nova cincia sociolgica no incio dosculo XIX, ou seja, bem antes do nascimento da psicologia moderna, ele se deparouimediatamente com o problema do homem, um mistrio que ele no pde resolver. Ao rejeitaras simplificaes da Igreja Catlica sobre a natureza humana, no sobrou nada, exceto osesquemas tradicionais de compreenso da personalidade, derivados das to conhecidascondies sociais. Assim, ele teria que evitar esse problema, entre outros, se quisesse criarseu novo ramo cientfico sob tais condies.

    Assim, ele aceitou que a clula bsica da sociedade a famlia, algo muito mais fcil decaracterizar e tratar como um modelo elementar das relaes sociais. Isto tambm poderia serfeito por meio da linguagem de conceitos compreensveis, sem o confronto com os problemasque no poderiam realmente ser superados naquele momento. Logo depois, J. Stuart Mill[ 17 ]apontou as deficincias de conhecimento psicolgico resultantes e o papel dos indivduos.

    O xito em lidar com as dificuldades que resultaram foi atingido somente agora, ao reforarlaboriosamente as bases existentes da cincia pelos avanos da psicologia, uma cincia quepela sua prpria natureza trata o indivduo como o objeto bsico de observao. Essareestruturao e aceitao de uma linguagem psicolgica objetiva permitir, com o tempo, quea sociologia se torne uma disciplina objetiva que possa espelhar suficientemente a realidadesocial com objetividade e ateno ao detalhe, fazendo dela uma base para a ao prtica.Afinal de contas, o homem que a unidade bsica da sociedade, incluindo toda acomplexidade de sua personalidade humana.

    Para entender o funcionamento de um organismo, a medicina comea com a citologia, queestuda as diversas estruturas e funes das clulas. Se queremos entender as leis quegovernam a vida social, ns devemos, de forma similar, primeiro entender o ser humanoindividual, sua natureza fisiolgica e psicolgica, e aceitar totalmente a qualidade e aperspectiva das diferenas (particularmente as psicolgicas) entre os indivduos queconstituem os dois sexos, as diferentes famlias, associaes e grupos sociais, bem como aestrutura complexa da sociedade mesma.

    O sistema Sovitico, doutrinrio e baseado em propaganda, contm uma contradiocaracterstica embutida cujas causas sero prontamente compreensveis at o final deste livro.A origem do homem a partir dos animais, destitudo de qualquer ocorrncia extraordinria, aceita como base bvia para a viso de mundo materialista. Ao mesmo tempo, contudo, elessuprimem o fato de que o homem tem um dom instintivo, ou seja, alguma coisa em comumcom o resto do mundo animal. Se confrontados com questes especialmente perturbadoras,muitas vezes eles admitem que o homem contm uma poro insignificante desta tal heranafilogentica de sobrevivncia e, no entanto, impedem a publicao de qualquer trabalho queestude este fenmeno bsico da psicologia.[ 18 ]

    Para entender a humanidade, contudo, ns devemos ganhar um entendimento primrio dosubstrato instintivo da espcie humana e reconhecer seu papel considervel na vida dosindivduos e nas sociedades. Este papel escapa facilmente de nossa observao, uma vez quenossas respostas instintivas da espcie humana parecem to auto-evidentes, e so tantas vezestomadas como corriqueiras, que no despertam interesse suficiente. Um psiclogo, formado na

  • observao de seres humanos, somente aps anos de experincia profissional capaz deavaliar por inteiro o papel deste fenmeno eterno da natureza.

    O substrato instintivo do homem tem uma estrutura biolgica levemente diferente da dosdemais animais. Energeticamente falando, ele se tornou menos dinmico e mais plstico,renunciando assim seu trabalho como o principal ditador do comportamento. Tornou-se maisreceptivo aos controles da razo sem, contudo, perder muito dos ricos contedos especficosda humanidade.

    precisamente esta base filogeneticamente desenvolvida da nossa experincia, e seudinamismo emocional, que permite aos indivduos desenvolverem seus sentimentos e limitessociais, nos habilitando a intuir os estados psicolgicos dos outros indivduos e as realidadespsicolgicas individuais ou sociais. Ento, possvel perceber e entender os costumeshumanos e os valores morais. Desde a infncia, este substrato estimula vrias atividades,objetivando o desenvolvimento das funes mais elevadas da mente. Em outras palavras,nosso instinto nosso primeiro tutor, que carregamos dentro de nossas vidas. A educaoapropriada das crianas no est, portanto, limitada a ensinar uma pessoa jovem a controlar asreaes excessivamente violentas de seu emocionalismo instintivo; deve tambm ensin-las aapreciar a sabedoria natural que est contida em seus dons instintivos, e que fala atravsdeles.

    Este substrato contm o valor de milhes de anos de desenvolvimento bio-psicolgico, quefoi o produto das condies de vida das espcies, e assim no e nem pode ser uma criaoperfeita. As fraquezas to bem conhecidas da nossa natureza humana e os erros na percepo ecompreenso natural da realidade tm sido condicionados neste nvel filogentico pormilnios.

    O substrato comum da psicologia tornou possvel para as pessoas, atravs dos sculos e dascivilizaes, criar conceitos relacionados aos assuntos humanos, sociais e morais quecompartilham similaridades significativas. Variaes no decorrer das pocas e entre raasnesta rea so menos surpreendentes que aquelas variaes que diferenciam pessoas comum substrato instintivo humano normal de pessoas portadoras de um defeito bio-psicolgico instintivo, ainda que sejam membros da mesma raa e civilizao. convenienteretornar a essa questo constantemente, uma vez que ela de grande importncia para osproblemas que so discutidos neste livro.

    O homem viveu em grupos ao longo da sua pr-histria, de forma que o substrato instintivoda nossa espcie foi moldado nesta relao, condicionando assim nossas emoes no tocante busca da existncia. A necessidade de uma estrutura interna apropriada de associao e atentativa de conseguir um papel sua altura dentro dessa estrutura so codificados nessemesmo nvel. Em ltima anlise, nosso instinto de autopreservao liderado por outrosentimento: o bem-estar da sociedade exige que faamos sacrifcios e, em alguns casos, at osacrifcio supremo. Ao mesmo tempo, no entanto, vale a pena apontar que, se ns amamos umhomem, amamos o seu instinto humano, acima de tudo.

    Nosso zelo para controlar qualquer pessoa prejudicial a ns mesmos ou ao nosso grupo uma necessidade to primria que quase um reflexo, no deixando dvidas que est tambmcodificada no nvel instintivo. Nosso instinto, no entanto, no diferencia um comportamento

  • motivado por uma simples falha humana de um comportamento executado por um indivduocom aberraes patolgicas. justamente o contrrio: ns instintivamente tendemos a julgaro ltimo de forma mais severa, dando ouvidos ao esforo natural de eliminar os indivduosbiolgica ou psicologicamente defeituosos. Nossa tendncia para um erro que gera maldadecomo esse , assim, condicionada no nvel instintivo.

    tambm nesse nvel que as diferenas entre indivduos normais comeam a ocorrer,influenciando a formao de seus carteres, suas vises de mundo e suas atitudes. Asdiferenas principais esto no dinamismo bio-psicolgico desse substrato; diferenas decontedo so secundrias. Para algumas pessoas, o instinto ativo substitui a psicologia; paraoutras, ele cede facilmente ao controle da razo. Parece tambm que algumas pessoas tm umdom instintivo de alguma forma mais profundo e sutil que o de outras. Deficinciassignificativas nessa herana, todavia, ocorrem somente em um percentual bem pequeno dapopulao humana; e ns observamos que isso qualitativamente patolgico. Ns devemosobservar estas anomalias mais de perto, uma vez que elas participam desta patognese do malque gostaramos de entender mais plenamente.

    Uma estrutura de efeito mais sutil construda sobre nosso substrato instintivo, graas constante cooperao deste, bem como s prticas de educao infantil na famlia e nasociedade. Com o tempo, essa estrutura se torna o componente mais facilmente observvel denossa personalidade, dentro da qual ele representa um papel integrativo. Este efeito mais alto fundamental para a nossa ligao sociedade e por isso que o seu desenvolvimentocorreto um dever prprio dos pedagogos e constitui um dos objetos de esforos dospsicoterapeutas, quando se percebe que est sendo formado de modo irregular. Ambos,pedagogos e psicoterapeutas, em alguns casos se sentem perdidos se este processo deformao foi influenciado por um substrato instintivo defeituoso.

    ***Graas memria, esse fenmeno cada vez melhor descrito pela psicologia, mas cuja

    natureza ainda permanece parcialmente misteriosa, o homem guarda as experincias de vida eos conhecimentos propositadamente adquiridos. H uma ampla variao individual em relaoa essa capacidade, sua qualidade e seus contedos. Uma pessoa jovem tambm olha o mundodiferentemente de um ancio dotado de uma boa memria. As pessoas com boa memria ecom um bom conhecimento tem uma tendncia maior a acessar os dados escritos da memriacoletiva, com o objetivo de complementar a sua prpria.

    Este material coletado constitui a matria subjetiva do segundo processo psicolgico,chamado de associao; nosso entendimento de suas caractersticas constantementeaprimorado, embora ainda no tenhamos a habilidade de projetar luz suficiente sobre suacriao. Apesar de, ou talvez graas aos julgamentos de valor emitidos por psiclogos epsicanalistas sobre essa questo, parece que atingir um entendimento sinttico satisfatrio dosprocessos associativos no ser possvel a menos e at que ns, humildemente, decidamoscruzar os limites da compreenso puramente cientfica.

    Nossas faculdades racionais continuam a se desenvolver ao longo de toda a nossa vidaativa; assim, as habilidades de julgamento apurado no surgem at que nossos cabelos

  • comecem a ficar grisalhos e o impulso do instinto, emoo e hbito comece a se acalmar.Trata-se de um produto coletivo derivado de uma interao entre o homem e o seu ambiente,do valor da criao e da transmisso de muitas geraes. O ambiente tambm pode ter umainfluncia destrutiva sobre o desenvolvimento de nossas faculdades racionais. Neste ambienteem particular, a mente humana contaminada pelo pensamento conversivo,[ 19 ] que aanomalia mais comum nesse processo. por essa razo que o desenvolvimento apropriado damente requer perodos de reflexo solitria de vez em quando.

    O homem tambm desenvolveu uma funo psicolgica no encontrada entre os animais.Somente o homem pode apreender uma certa quantidade de material ou de imaginaesabstratas dentro de seu campo de ateno, inspecionando-os internamente com o objetivo derealizar operaes posteriores da mente sobre este material. Isso nos habilita a confrontarfatos, efetuar operaes tcnicas e construtivas, e predizer resultados futuros. Se os fatossujeitos a uma inspeo e projeo internas dizem respeito prpria personalidade dohomem, este realiza um ato de introspeco essencial para monitorar o estado dapersonalidade humana e o significado de seu prprio comportamento. Este ato de projeo eexame internos complementa nossa conscincia; uma caracterstica exclusiva do homem e denenhuma outra espcie. Contudo, h uma divergncia excepcionalmente ampla entre osindivduos, sobre a capacidade para tais atos mentais. A eficincia desta funo mentalmostra, de certa forma, uma baixa correlao estatstica com a inteligncia geral.

    Ento, se falamos da inteligncia geral do homem, devemos levar em considerao tanto suaestrutura interna como as diferenas individuais que ocorrem em cada nvel dessa estrutura. Osubstrato da nossa inteligncia, afinal de contas, contm uma herana instintiva natural desabedoria e erro, dando origem inteligncia bsica da experincia de vida. Sobreposta a estaconstruo, graas memria e capacidade associativa, temos a habilidade de efetuaroperaes complexas de pensamento, coroadas pelo ato de projeo interna, e de melhorarconstantemente sua exatido. Ns somos, por diversas maneiras, dotados com estascapacidades que compem um mosaico de talentos individualmente diversificados.

    A inteligncia bsica desenvolve-se a partir deste substrato instintivo sob a influncia de umambiente amigvel e de um compndio da experincia humana prontamente acessvel; ela seentrelaa com um maior efeito, nos habilitando a compreender os outros e a intuir os seusestados psicolgicos por meio de algum realismo ingnuo. Isso condiciona o desenvolvimentoda razo moral.

    Esta camada da nossa inteligncia amplamente distribuda dentro da sociedade; a maioriaacachapante das pessoas a possui, e por isso que podemos, to freqentemente, admirar aeducao e a intuio nas relaes sociais, e a moralidade sensvel de pessoas que sodotadas de uma inteligncia simplesmente mediana. Ns vemos tambm pessoas com umainteligncia surpreendente e que so desprovidas desses valores to naturais. Assim como nocaso das deficincias no substrato instintivo, os dficits nessa estrutura bsica da nossainteligncia freqentemente impem funcionalidades que ns percebemos como patolgicas.

    A distribuio da capacidade intelectual humana dentro das sociedades completamentediferente, e sua amplitude tem o maior alcance de todos. As pessoas altamente talentosasconstituem uma pequena porcentagem de cada populao, e aquelas com o mais alto quociente

  • de inteligncia correspondem a algumas poucas por mil. Apesar disso, contudo, essas ltimasdesempenham um papel to significativo na vida coletiva que qualquer sociedade que tenteimpedi-los de cumprir sua responsabilidade o faz por sua prpria conta e risco. Ao mesmotempo, os indivduos que mal conseguem dominar a aritmtica simples e a arte de escreverso, em sua maioria, pessoas normais cujas inteligncias bsicas so, com freqncia,inteiramente adequadas.

    uma lei universal da natureza: quanto mais alta a organizao psicolgica de uma dadaespcie, maiores so as diferenas psicolgicas entre as unidades individuais. O homem aespcie que possui a mais alta organizao; conseqentemente, essas variaes so asmaiores. Tanto qualitativamente como quantitativamente, as diferenas psicolgicas ocorremem todas as estruturas da personalidade humana tratadas aqui, embora com a simplificaonecessria. Diversificaes psicolgicas profundas podem atingir algumas pessoas como umainjustia da natureza, mas na verdade so um direito desta e possuem significado.

    A aparente injustia da natureza aludida acima , de fato, o grande dom da humanidade, quepossibilita que as sociedades humanas desenvolvam suas estruturas complexas e que sejamaltamente criativas tanto no nvel individual como no coletivo. Graas variedadepsicolgica, o potencial criativo de qualquer sociedade muitas vezes maior do que aqueleque seria possvel se nossa espcie fosse psicologicamente mais homognea. Devido a essasvariaes, a estrutura social implcita tambm pode se desenvolver. O destino das sociedadeshumanas depende de uma acomodao apropriada dos indivduos dentro dessa estrutura e domodo como as variaes inatas dos talentos so utilizadas.

    Nossa experincia nos ensina que as diferenas psicolgicas entre as pessoas so a causados mal-entendidos e problemas. Ns podemos superar estes problemas somente seaceitarmos as diferenas psicolgicas como uma lei da natureza e valorizar seu valorcriativo. Isso tambm nos possibilitaria alcanar uma compreenso objetiva do homem e dassociedades humanas; infelizmente, isso tambm nos ensinaria que a igualdade sob a lei umadesigualdade sob a lei da natureza.

    ***Se ns observarmos nossa personalidade humana, atravs de um acompanhamento

    consistente das causas psicolgicas internas, e se for possvel exaurir a questo a um grausuficiente, ns devemos chegar cada vez mais perto dos fenmenos cuja energia bio-psicolgica muito baixa, os quais comeam a se manifestar para ns com uma certa sutilezacaracterstica. Ao descobrir este fenmeno, ns tentamos ento rastrear nossas associaes,particularmente porque havamos esgotado a plataforma analtica disponvel. Finalmente,devemos admitir que notamos alguma coisa dentro de ns que um resultado de uma causasupra-sensorial. Este caminho pode ser o mais trabalhoso de todos, mas ele nos levar, porm, maior das certezas materiais a respeito da existncia daquilo sobre o que todos os principaissistemas religiosos falam. Qualquer fragmento da verdade conseguido atravs deste caminhonos provoca o respeito a alguns dos ensinamentos dos antigos sobre a existncia de algumacoisa para alm do universo material.

    Se ns, ento, desejamos entender a humanidade, o homem como um todo, sem abandonar as

  • leis do pensamento requeridas pela linguagem objetiva, somos, por fim, forados a aceitaresta realidade a qual est dentro de cada um de ns, normais ou no, seja porque a aceitamospor termos sido levados a isso ou porque tenhamos atingido tal conhecimento a partir de nsmesmos, ou ainda que a tenhamos rejeitado por razes materialistas ou por causa da cincia.Afinal de contas, invariavelmente, quando analisamos as atitudes psicolgicas negativas, nssempre discernimos uma afirmao que foi reprimida a partir do campo da conscincia. Comoconseqncia, o esforo subconsciente constante de negao de concei