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ANDERSON MOREIRA VIEIRA POLÍTICAS PÚBLICAS E PATRIMÔNIO CULTURAL EM UBÁ, MINAS GERAIS: USOS DE MEMÓRIA E PROCESSOS DE PATRIMONIALIZAÇÃO. Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL 2017

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Page 1: POLÍTICAS PÚBLICAS E PATRIMÔNIO CULTURAL EM UBÁ, … · Trata-se de um estudo sobre a política pública de patrimônio cultural no Município de Ubá, Minas Gerais, entre 1996

ANDERSON MOREIRA VIEIRA

POLÍTICAS PÚBLICAS E PATRIMÔNIO CULTURAL EM UBÁ, MINAS GERAIS: USOS DE MEMÓRIA E PROCESSOS DE PATRIMONIALIZAÇÃO.

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, para obtenção do título de Magister Scientiae.

VIÇOSA

MINAS GERAIS - BRASIL 2017

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Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da UniversidadeFederal de Viçosa - Câmpus Viçosa

T Vieira, Anderson Moreira, 1971-V657p2017

Políticas públicas e patrimônio cultural em Ubá, MinasGerais : usos de memória e processos de patrimonialização /Anderson Moreira Vieira. – Viçosa, MG, 2017.

xi, 231f. : il. (algumas color.) ; 29 cm. Orientador: Luiz Lima Vailati. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Viçosa. Referências bibliográficas: f.230-231. 1. Patrimônio cultural - Ubá (MG). 2. Política pública.

3. Memória coletiva. I. Universidade Federal de Viçosa.Departamento de História. Programa de Pós-graduação emPatrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania. II. Título.

CDD 22 ed. 363.698151

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, professor Dr. Luiz Lima Vailati, pela confiança na

realização deste trabalho. Sua contribuição através das aulas e orientações foram

imprescindíveis não apenas para a concretização dessa dissertação, mas também para

meu crescimento profissional e intelectual. Agradeço, sobretudo, por me fazer um

pesquisador, qualidade que levarei para o resto da vida.

A todos os professores do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural,

Paisagens e Cidadania da Universidade Federal de Viçosa, em especial aos professores

doutores Leonardo Civale e Jonas Marçal Queiroz, pelas valiosas contribuições por

ocasião do Seminário do Mestrado.

Agradeço aos cursistas do Mestrado, com os quais compartilhei todos os

possíveis sentimentos que o aprendizado pode proporcionar. Em especial aos amigos

Ana Carolina Santos e Silva e Leonardo Augusto de Almeida, companheiros de trabalho

na organização do nosso “produto”. Ainda em relação aos mestrandos, agradeço ao

grupo com o qual compartilhei a inesquecível experiência na Universidade de Évora,

em Portugal.

Registro minha gratidão a todos que me auxiliaram, de alguma forma, ao longo

do trabalho de pesquisa. Ao jornalista Levindo Barros, que gentilmente cedeu seu

acervo do Jornal Gazeta Regjornal para consulta. Aos funcionários do Arquivo

Histórico da Cidade de Ubá, pela presteza e atenção. À Superintendência Regional de

Ensino de Ubá, na pessoa do professor Edmar Pereira Lopes, e ao Colégio Sagrado

Coração de Maria, na pessoa da professora Jane Rosignoli, pelo apoio na realização do

Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Agradeço à Secretaria Municipal de

Educação de Ubá e à Escola Estadual Senador Levindo Coelho, meus locais de trabalho,

em especial a Débora Barros Pinto e Valdezita Paula Lopes Barbosa, pela compreensão,

amizade e respeito.

Por fim, agradeço a João Paulo, Bruna, Anita, Andréa e Sebastião (in

memoriam), minha família, pela paciência nos momentos de pesquisa e escrita. De

maneira especial, Conceição, minha mãe, que não mede esforços para apoiar minhas

conquistas, que também são dela.

A todos e todas, minha gratidão.

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LISTA DE SIGLAS

ACIU- Associação Comercial e Industrial de Ubá.

ADUBAR – Agência de Desenvolvimento de Ubá e Região.

AHCU – Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

AULE – Academia Ubaense de Letras.

CDMPCU – Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de Ubá.

CFLCL – Companhia Força e Luz Cataguases-Leopoldina.

CODEMA – Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental de Ubá.

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas

Gerais.

FEMUR – Feira de Móveis de Ubá e Região.

FOJB – Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho.

IEF – Instituto Estadual de Floretas de Minas Gerais.

IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.

INTERSIND – Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Mobiliário de Ubá.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

MCSJ – Movimento Cultural São José.

ONG – Organização Não Governamental.

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

PPS – Partido Popular Socialista.

PSBD – Parido da Social Democracia Brasileira.

PSD – Partido Social Democrático.

PT – Partido dos Trabalhadores.

SCL – Sistema Cataguases-Leopoldina.

SRE – Superintendência Regional de Ensino.

TELEMIG – Telecomunicações de Minas Gerais.

RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima.

MG – Minas Gerais.

SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

UFV – Universidade Federal de Viçosa.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa – localização de Ubá no Estado de Minas Gerais ............................... 13 Figura 2: Mapa – localização de Ubá na Zona da Mata ............................................... 14 Figura 3: Ubá - Vista aérea do Município .................................................................... 16 Figura 4: Fachada do Ginásio São José ........................................................................ 24 Figura 5: Capa do Dossiê de Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”........................................................................................................................... 64 Figura 6: Fachada do Paço Municipal “Gov. Ozanam Coelho” ................................... 65 Figura 7: Piano de Ary Barroso .................................................................................... 85 Figura 8: Cartaz Divulgação da campanha “Manga Ubá – Preservar para não acabar. Plante, não corte” do Centro de Estudos Puris ............................................................ 115 Figura 9: Rodovia Ubá - Visconde do Rio Branco. Detalhe: Mangueiras ................. 120 Figura 10: Capa do Dossiê de Registro da Manga e da Mangada .............................. 123 Figura 11: Praça Guido Marliére e Estação Ferroviária de Ubá ................................ 136 Figura 12: Estação Ferroviária de Ubá ....................................................................... 141 Figura 13: Torreão de Cesário Alvim ......................................................................... 143 Figura 14: Mapa de Ubá com indicação de bens culturais patrimonializados ........... 162 Figura 15: Cartaz do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem .................... 175 Figura 16: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Professor Doutor Leonardo Civale .......................................................................................................... 176 Figura 17: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Aline Ribeiro e Leonardo Augusto Almeida ......................................................................................... 178 Figura 18: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Anderson Moreira Vieira ............................................................................................................. 179 Figura 19: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Wagner Candian e Junior Martins ........................................................................................................... 180 Figura 20: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Ana Carolina Santos e Silva ............................................................................................................... 182

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Figura 21: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Público participante do evento .................................................................................................. 184 Figura 22: Coleção “Ubá Antigo”. Detalhe: Praça Guido Marlière ........................... 186 Figura 23: Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação”. Cronograma de realização das atividades .................................................................... 193 Figura 24: Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação”. Avaliação para os professores ..................................................................................... 193 Figura 25: Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação”. Avaliação para os alunos ............................................................................................. 194

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RESUMO

VIEIRA, Anderson Moreira, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, maio de 2017. Políticas públicas e patrimônio cultural em Ubá, Minas Gerais: usos de memória e processos de patrimonialização. Orientador: Luiz Lima Vailati.

A presente pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em

Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania. Trata-se de um estudo sobre a política

pública de patrimônio cultural no Município de Ubá, Minas Gerais, entre 1996 e 2004,

tendo em vista a temática dos usos da memória e a chamado “delírio conservacionista”

contemporâneo, intimamente ligada aos estudos no campo do patrimônio. O tema é

recorrente no pensamento de diversos autores, principalmente quando se discute formas

de manipulação da memória e o consequente fortalecimento dos grupos que conduzem

os processos de patrimonialização. A discussão sobre essa realidade do patrimônio, mas

em nível local está no cerne das análises do presente trabalho de pesquisa, que apresenta

uma discussão baseada em cinco processos preservacionistas, sendo quatro bens

materiais (Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”, prédio da Escola Estadual

“cel. Camilo Soares”, Piano de Ary Barroso e Estação Ferroviária) e um imaterial - o

registro da manga e da mangada.

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ABSTRACT

VIEIRA, Anderson Moreira, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, May, 2017. Public policies and cultural heritage in Ubá, Minas Gerais: uses of memory and patrimonialisation processes. Advisor: Luiz Lima Vailati.

The present research was developed within the scope of the Professional Masters in

Cultural Heritage, Landscapes and Citizenship. It is a study about the public policy of

cultural heritage in the Municipality of Ubá, Minas Gerais, between 1996 and 2004, in

view of the uses of memory and the so-called contemporary "conservation delirium",

closely linked to studies in the field of the heritage. The theme is recurrent in the

thinking of several authors, especially when discussing ways of manipulating memory

and the consequent strengthening of the groups that drive the processes of

patrimonialization. The discussion on this reality of heritage, but at the local level, is at

the heart of the analysis of this research, which presents a discussion based on five

preservationist processes, four of which are material goods (Municipal Hall

"Governador Ozanam Coelho", State School building "Cel. Camilo Soares", Piano de

Ary Barroso and Railway Station) and an immaterial - the record of the manga and the

mangada.

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SUMÁRIO Introdução ...................................................................................................................... 1 Primeira parte Capítulo 1: História e memória: a apropriação do passado e a implantação da política pública de patrimônio cultural no município de Ubá, Minas Gerais, entre os anos de 1996 e 2000.................................................................................................. 11

1.1: Os pontos de partida: a lei municipal e a imposição de um certo delírio conservacionista.................................................................................................. 14

1.1.1: Ações públicas e homenagens – discurso de reverência anuncia o tom da política patrimonial no município de Ubá .................................. 17

1.2: Lei Rouanet, Telemig e Ary Mineiro – trio que esteve à frente de um “resgate cultural” em Ubá .................................................................................. 19 1.3: Ginásio “São José” – marco inicial da política pública de preservação do patrimônio em Ubá ............................................................................................ 23

1.3.1: Centenário da Banda “22 de Maio” – a luz e a sombra na política pública de patrimônio da cidade de Ubá ................................................ 26

1.4: Concurso Miss Brasil, eleição na Academia Brasileira de Letras e gravações do filme O Viajante – a campanha ufanista e as tentativas de manipulação pela escrita por trás da escrita .................................................................................... 29 1.5: Seis décadas de um samba-exaltação - Aquarela do Brasil, a música monumentalizada pela política pública de patrimônio em Ubá ......................... 33 1.6: Projeto de lei para tratamento de esgoto e suas interferências na política pública de patrimônio cultural em Ubá .............................................................. 36

Capítulo 2. Duas patrimonializações inauguram a nova fase da política pública de patrimônio cultural realizada em Ubá ....................................................................... 41

2.1: Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”: o primeiro vagão do “trem” da patrimonialização ............................................................... 45

2.1.1: Um recuo no tempo: cem anos de muitas histórias ...................... 50 2.1.2: A comemoração de um centenário e a orientação que marcou o processo de tombamento do Paço Municipal em Ubá ........................... 52 2.1.3: Tombamento do Paço Municipal – Fatos e versões. Perdas e ganhos .................................................................................................... 57 2.1.4: Homenagens póstumas: oportunidades, luto, memória ............... 62

2.2: O “trem” ubaense de patrimonialização ganha mais um vagão: o antigo grupo escolar “cel. Camilo Soares”.................................................................... 67

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2.2.1: O vagão do “Camilo” dá carona à comunidade escolar e leva junto a imprensa ubaense ................................................................................ 68 2.2.2: Campanha pró-tombamento da Escola Estadual “cel. Camilo Soares” e desavenças políticas interferindo sobre as ações patrimoniais em Ubá ................................................................................................... 72 2.2.3: Patrimonialização do “Camilo Soares – a possibilidade de uma leitura diferente ...................................................................................... 76

Capítulo 3. O “trem” da patrimonialização segue pela cidade de Ubá ao som do piano de Ary Barroso .................................................................................................. 79

3.1: Pausa e desenrolar do processo – o “11 de setembro” interferindo nas ações de patrimonialização em Ubá ............................................................................ 81 3.2: Ary Barroso e o tombamento do “seu” piano – até que ponto uma patrimonialização pode ter afastado um do outro? ............................................ 83

3.2.1: O centenário do compositor Ary Barroso e a política patrimonial no município de Ubá .............................................................................. 86

Capítulo 4. Uma análise dos diferentes interesses que motivaram a patrimonialização da manga e da mangada na cidade de Ubá ............................... 89

4.1: Memórias relacionadas ao “nascimento” da mangada – argumentos pouco resistentes a uma reflexão mais profunda .......................................................... 91 4.2: Manga “Ubá” ou apenas manga? Análise da relação entre a cidade e a fruta mostra possíveis evidências para uma conclusão .............................................. 94 4.3: O polo moveleiro de Ubá e a mangada – memórias carregadas de intenções ajudam a dar velocidade ao “trem” da patrimonialização ................................. 98

4.3.1: Discursos de memória e a campanha em torno da manga como atração turística – FEMUR 2000 ganha as páginas do jornal ...............103

4.4: A imigração italiana e as mangueiras – memórias que não se desvinculam da indústria moveleira ubaense ........................................................................ 104

4.4.1: Um baú de memórias e as reminiscências que tentam esconder uma possível realidade ................................................................................. 108

4.5: ONG abraça a preservação da manga na cidade de Ubá – a memória como pano de fundo para interesses além da preservação ........................................ 111

4.5.1: As memórias da manga usadas na “batalha” do comércio varejista de Ubá: construções hiperbólicas de uma patrimonialização .............. 114

4.6: O reverso de uma memória: Visconde do Rio Branco chega na frente .... 118

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4.6.1: Dia da árvore e legislação municipal – ausências que marcaram discursos sobre a preservação da manga em Ubá ................................ 121

4.7: Idas e vindas de um trabalho que tentou promover a apropriação da manga como um bem cultural na cidade de Ubá ......................................................... 123

Capítulo 5. O “trem” da patrimonialização chega na Estação Ferroviária da cidade de Ubá ............................................................................................................. 131

5.1: Abraço simbólico marca a chegada do “trem” à Estação Ferroviária de Ubá – uma tentativa para disfarçar possíveis conflitos ........................................... 133

5.2: Estação Ferroviária e Praça “Guido Marlière” – memórias de um cenário de perdas que marcam ação patrimonializadora em Ubá ..................................... 135

5.2.1: Cesário Alvim e Praça Guido Marlière – outras memórias vinculadas à Estação Ferroviária de Ubá ............................................. 141

5.3: A Estação Ferroviária e o centenário de Ary Barroso – memórias e personagens que voltam ao cenário das patrimonializações em Ubá ...............144 5.4: Três comissões e a comemoração do centenário – Ary Barroso volta ao palco das discussões na patrimonialização da Estação Ferroviária de Ubá ......147

5.4.1: Ações que priorizam discursos – as comemorações pelo centenário de Ary Barroso no município de Ubá .................................................. 149 5.4.2: Memorial Ary Barroso e Fundação Ormeu Junqueira Botelho – mais passageiros para o “trem” da patrimonialização em Ubá ............ 153

5.5: Criação da Secretaria Municipal de Cultura e sucessão no governo municipal dão novo impulso ao “trem” da patrimonialização.......................... 158

Conclusão ................................................................................................................... 163 Segunda Parte Capítulo 1. Produto Final e análise deste ................................................................ 166

1.1: Pensar o patrimônio – reflexões e críticas ................................................ 167 1.2: Repensar o patrimônio – processo de elaboração do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem ........................................................... 170 1.3: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem – uma programação que oportunizou a discussão sobre o campo do Patrimônio ................................... 172

1.3.1: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem – discussões e propostas apresentadas ......................................................................... 175 1.3.2: Diferentes abordagens e uma mesma reflexão: as interferências do patrimônio na vida da população e vice-versa ..................................... 180

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Capitulo 2. Desdobramentos do produto final: Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação” ............................................................ 187

2.1: Descrição do projeto pedagógico apresentado à Rede Municipal de Ensino de Ubá .............................................................................................................. 189

2.2: Projeto “Educação e Patrimônio – Desafios para a preservação”: Capacitação para Professores ........................................................................... 195

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Introdução

Um verdadeiro processo de ressignificação – assim pode ser entendida minha

experiência no campo do patrimônio desde que ingressei no Mestrado Profissional em

Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, da Universidade Federal de Viçosa. Essa

vivência e os resultados oriundos dela serão aqui expostos com o objetivo de iniciar a

introdução do presente trabalho de pesquisa.

Quando participei pela primeira vez do processo seletivo para ingresso na pós-

graduação, em 2013, possuía uma bagagem de cinco anos atuando no campo do

patrimônio cultural em Ubá, Minas Gerais, na função de Encarregado de Educação

Patrimonial, no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura (2006 a 2010), concomitante

ao exercício de conselheiro do Conselho Municipal Deliberativo do Patrimônio Cultural

da cidade. Durante esse tempo, participei da realização de quatro seminários de

educação patrimonial, da produção de materiais didáticos sobre patrimônio,

apresentação de peças teatrais sobre o tema “patrimônio” em escolas e também em

fábricas de móveis de Ubá, além de outras atividades paralelas, como visitas guiadas

aos bens tombados no Município. O trabalho era bastante focado na pontuação para o

ICMS Patrimônio Cultural, programa destinado a repassar recursos para prefeituras que

atuam no campo do patrimônio cultural.

Aliada à docência de História na educação básica, tal vivência me proporcionou

uma determinada visão sobre patrimônio, embasada apenas na prática do dia a dia de

trabalho, sem, contudo, oferecer reflexão sobre o desenvolvimento dessas ações.

Tratava-se de uma visão limitada e, justamente por isso, imaginei que essa experiência

seria suficiente em relação ao campo do saber patrimonial, ou seja, não havia mais nada

a acrescentar. Talvez muito em função disso, não obtive sucesso na primeira seleção

para o Mestrado Profissional da UFV, em 2013, composta de avaliações escrita e oral.

Penso ter demonstrado para a banca examinadora, durante a entrevista, entendimento

primário e inocente sobre um tema tão vasto quanto o patrimônio cultural.

Tais reflexões a respeito da minha visão em relação ao assunto só foram

possíveis depois do ingresso na pós-graduação, o que aconteceu através do processo

seletivo para a turma de 2015 do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural,

Paisagens e Cidadania da UFV. A partir das primeiras aulas nas disciplinas Metodologia

do Trabalho Científico e Paisagem, Memória e Cidadania, foi possível perceber que

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muitas das ideias que ainda nutria sobre o campo do patrimônio desintegravam-se,

caíam por terra e uma nova visão, totalmente nova, começava a se formar. As

discussões ajudaram a perceber a urgente necessidade de mudança de postura em

relação a grande parte da bagagem de meus conhecimentos sobre história, identidade,

cidadania, memória e, claro, patrimônio cultural. Hoje é possível compreender que as

diferentes visões apresentadas pela universidade e pautadas no saber científico, criaram

condições propícias para uma autocrítica diante do meu pensamento sobre as relações

que envolvem a sociedade, o saber histórico, a memória e o patrimônio.

Essas transformações na própria forma de pensar e enxergar a realidade

acabaram provocando reflexões sobre a política pública patrimonial do Município de

Ubá. A partir daí surgiu a primeira grande descoberta: pude observar que havia

pouquíssimas pontes entre o CDMPCU e as comunidades inseridas nos locais dos bens

tombados ou registrados na cidade. Depois de processos reflexivos e dialéticos, fruto

das leituras e das aulas no mestrado, foi possível compreender também que as ações de

patrimonialização realizadas em Ubá, direta ou indiretamente, envolviam interesses

ligados ao capital. Além disso, muitas dessas ações pareciam ser conduzidas por agentes

políticos ou culturais que se beneficiavam do discurso preservacionista. Minha ingênua

visão sobre aquela realidade, anterior ao ingresso na pós-graduação, não havia atentado

para tais abordagens e questionamentos acerca do que poderia existir por trás da política

pública de patrimônio cultural na cidade.

Outro exemplo dessa mudança de atitude diante do patrimônio é o projeto de

pesquisa apresentado por mim à banca examinadora para ingresso no Mestrado

Profissional Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania da Universidade Federal de

Viçosa, uma exigência do processo seletivo. A proposta inicial era pesquisar a

patrimonialização da manga, conhecida na cidade como manga “Ubá” e da mangada,

doce feito a partir da fruta. De início, ao propor justificativas para os discursos que

levaram ao registro da manga e da mangada, o objetivo, ainda que inconscientemente,

era reforçar os processos de patrimonialização realizados na cidade. A ideia era buscar

no passado e na História do município elementos que comprovassem a importância

desse patrimônio para a identidade dos ubaenses. Porém, os primeiros contatos com os

autores que embasam a disciplina História, Cultura e Identidade, os quais nos remetem

a reflexões sobre os usos da memória, agiram de forma indelével sobre a visão de

singularidade que permeava meu projeto de pesquisa. Acabei percebendo que tal

proposta, da forma como era apresentada, não cabia naquele lugar de investigação.

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Através das mãos firmes e seguras da equipe docente do Mestrado Profissional

em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, em especial, os professores doutores

Jonas Queiros, Karla Martins, Leonardo Civale, Luiz Vailati, meu orientador, e Vanessa

Lana, deparei-nos com questões e discussões bastante profundas sobre História,

construção ou manipulação de memória, processos científicos para aquisição de

conhecimento, ou seja, o outro lado de uma moeda que não tive a oportunidade de

conhecer antes, quando a prática era mais presente que reflexão. Com isso, meu projeto

de pesquisa, que inicialmente propunha reforçar uma patrimonialização, acabou se

metamorfoseando para justamente o oposto: propor uma crítica a esse modelo

patrimonializador, liderado pela ação do estado, possibilitando refletir sobre os motivos

pelos quais determinados bens foram levados à categoria de patrimônio no Município

de Ubá, Minas Gerais.

Hoje é possível entender que ingressei na pós-graduação tentando reproduzir um

discurso patrimonializante, que se supõe auto-evidente e universalmente válido.

Entretanto, considerando que meu próprio entendimento a respeito da questão

patrimonial tenha evoluído ao longo do curso, percebo que adquiri outra postura,

madura o suficiente para reconhecer que as questões estudadas e discutidas, longe de

representarem um ponto final, são apenas um ponto de vista, que se coloca como

singela contribuição em meio aos debates neste tão vasto e maravilhoso campo de

trabalho que é o patrimônio cultural.

Além disso, também tive a compreensão de que essa inesquecível experiência na

pós-graduação culminou, verdadeiramente, na “alma” da presente pesquisa. A

influência proporcionada pelo pensamento de autores que tratam desse contexto no

Brasil e no mundo me forneceu condições para repensar a realidade local, porém,

distante da zona de conforto em que me encontrava anteriormente. Através dos

pensamentos e reflexões trazidas por Tzvetan Todorov, Michael Pollak, Paul Ricoeur,

Maurice Halbwach e Jacques Le Goff, entre outros, consegui utilizar lupas

suficientemente capazes de mostrar o avesso da compreensão que possuía antes de me

deparar com o universo científico.

Após esse breve comentário sobre a revolução interior realizada pelo e no

pesquisador, apresentarei alguns esclarecimentos imprescindíveis sobre a forma de

realização do presente trabalho de pesquisa, onde a proposta é suscitar uma discussão

que levará o leitor para outro ponto da parte introdutória dessa dissertação: as questões

relativas aos usos da memória nas ações públicas no Município de Ubá e que são

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objetos de investigação neste trabalho. Encerrando essa parte introdutória serão

apresentados, de forma resumida, os capítulos que compõem o texto dissertativo.

Importante ressaltar que a memória é seleção, ou seja, há escolhas entre o que

vai ou não fazer parte da versão oficial a ser divulgada sobre determinado fato ou

acontecimento. Nesse ínterim, os usos da memória estão intimamente ligados ao

trabalho com o patrimônio cultural, cuja discussão ganhou dimensão considerável na

atualidade, paralelamente à chamada reificação da memória, que também passou a

ocupar cada vez mais espaço nos debates públicos. Tal situação se configura como pano

de fundo de um verdadeiro delírio conservacionista, promovido através das ações de

agentes do patrimônio, encarregados da preservação dos bens culturais “escolhidos”

como merecedores dessa iniciativa. O tema é recorrente no pensamento de diversos

autores, principalmente quando se discute as possíveis formas de manipulação ou

construção de memória e o consequente fortalecimento dos grupos que conduzem os

processos de patrimonialização. A discussão sobre essa realidade do patrimônio, mas

em nível local e restrito ao Município de Ubá, Minas Gerais, está no cerne das análises

do presente trabalho de pesquisa.

Para iniciar a discussão vale a pena destacar um dado relevante. A partir do ano

de 1996 percebe-se expressivo interesse do poder público municipal de Ubá pela área

patrimonial. O CDMPCU, através de seus agentes, patrimonializou diversos bens

culturais na cidade, tanto materiais como imateriais, principalmente entre os anos de

2001 e 2004, quando ocorreram cinco das dez patrimonializações concluídas

oficialmente no Município.1 Importante observar que naquele momento o município

ainda não fazia parte do Programa ICMS Patrimônio Cultural2 do Governo do Estado

de Minas Gerais, ou seja, outros interesses, que não os recursos repassados pelo

Governo Estadual, motivaram tal empreitada patrimonial. Ressalto que o presente

trabalho não abrange o período em que o Município de Ubá passa a fazer parte do ICMS

Patrimônio Cultural, cuja inserção contínua se dá em 2006.

O espaço temporal aqui abordado começa com o advento da Lei Municipal

2.696, de 1996, e estende-se até o ano de 2004. Esse período da política pública de

patrimônio cultural em Ubá se encontra dividido em duas fases na presente pesquisa:

1996 a 2000 (primeira fase) e 2001 a 2004 (segunda fase). Ao final desse espaço 1 Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/benspreservados (Consulta em 05.01.2016) 2 Programa do governo estadual de Minas Gerais que, através do IEPHA (Instituto Estadual do patrimônio histórico e artístico), repassa parte do ICMS recolhido no Estado para as Prefeituras que comprovam atuação em prol do patrimônio cultural.

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temporal de oito anos, encerrou-se um ciclo de patrimonializações, haja vista que os

processos seguem determinado padrão comum aos bens oficialmente reconhecidos pelo

CDMPCU.

A escolha do limite temporal de 1996 a 2004 se justifica, principalmente, por

dois fatores. O primeiro está relacionado à constatação de que entre os anos de 1996,

início do trabalho de preservação patrimonial em Ubá, e 2010, quando foi concluído o

último processo de tombamento (pelo menos é o que se registra até o presente

momento), da Fazenda das Palmeiras, o CDMPCU realizou dez processos de

patrimonialização, incluindo tombamentos e registros. Assim, ao fazer uma comparação

torna-se curioso pensar que, em apenas quatro anos, ou seja, de 2001 a 2004, cinco

iniciativas de “preservação”, ou seja, a metade dos bens patrimonializados em Ubá,

tenham sido levadas a efeito na cidade. O segundo argumento que justifica a escolha

desse espaço temporal é o fato dele abranger um período em que a municipalidade

comemorou o centenário do compositor Ary Barroso, nascido em Ubá no ano de 1903.

Importante observar que o nome do compositor aparece em três dos cinco processos de

patrimonialização estudados na presente pesquisa. As memórias de Ary Barroso,

presentes ou ausente, foram utilizadas pelos agentes políticos e culturais condutores da

política patrimonial em Ubá. Tais justificativas levam a pensar nas idas e vindas

inerentes à construção da noção de patrimônio na cidade, assim como as interferências

que estiveram presentes em tal processo.

Márcia Chuva, em artigo intitulado Por uma história da noção de patrimônio

cultural no Brasil,3 afirma que a noção de patrimônio foi historicamente construída e as

singularidades que levaram a essa construção podem ter influenciado, de forma nem

sempre consensual, no conhecimento a respeito de patrimônio em nível nacional. A

autora também defende que isso pode ter favorecido a visões distorcidas em relação a

questões no campo da preservação patrimonial. Ademais, o IPHAN, em nível federal, e

o IEPHA/MG, em nível estadual, com suas funções de gerenciar, fiscalizar, pesquisar e

conservar o patrimônio cultural, no estado ou no país, tem suas estruturas de

funcionamento vinculadas à burocracia estatal e, por isso mesmo, obedece a padrões

nem sempre democráticos de preservação. Em muitos casos fica claro que essa

tendência de enxergar as questões patrimoniais de forma distorcida e imposta é

3 CHUVA, Márcia. Por uma história da noção de patrimônio cultural no Brasil. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Número 34/2012: IPHAN/MINISTÉRIO DA CULTURA, Brasília. pp. 147-166. p.147.

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perpetuada em nível local, com os Conselhos do Patrimônio Cultural, cujos conselheiros

são nomeados pelos governos municipais e, por isso mesmo, muitas vezes têm sua

atuação costurada pelos interesses do grupo político dominante.

Trazer essa discussão, complementada por outros autores que, além de História,

também falam sobre patrimônio cultural e memória, para a realidade abrangida pelo

presente trabalho, objetiva utilizar desses conceitos para embasar de forma responsável

as críticas e as reflexões sobre a política pública de patrimonialização colocada em

prática no Município de Ubá entre os anos de 1996 e 2004, a qual apresento dividida em

duas fases: de 1996 a 2000 e, em seguida, de 2001 a 2004, justamente por apresentarem

características peculiares que as diferenciam, como será apresentado posteriormente,

quando das análises específicas de cada uma dessas etapas.

Para alcançar os objetivos propostos optei em seguir três caminhos, ou seja, três

conjuntos de bibliografia que serviram como inesgotável manancial de conhecimento ao

longo do trabalho. O primeiro deles é o próprio conteúdo histórico, cujo direcionamento

aponta para a necessidade de crítica em relação às fontes, imprescindível para uma

escrita da história local. O segundo caminho consiste em desvendar a noção de

patrimônio cultural no Brasil e no mundo, bem como a construção dessa ideia de

patrimônio. O terceiro consiste na análise sobre os usos da memória, que serviu de base

para apontar possíveis formas de construção das mesmas, de forma a atender os

interesses de grupos específicos, seja através dos discursos em torno das

patrimonializações realizadas em Ubá, seja através dos conteúdos presentes ou ausentes

nos documentos produzidos naquele momento, como os dossiês de tombamento e de

registro, por exemplo.

É importante destacar alguns pontos muito presentes em certos processos

analisados ao longo do presente trabalho, como a atuação de agentes políticos locais, a

indústria moveleira de Ubá e o centenário do compositor Ary Barroso. Esses assuntos

exercem interferência direta e/ou indireta em vários momentos do espaço temporal da

pesquisa, principalmente no que tange ao registro da Manga e ao tombamento de dois

bens culturais: Piano de Ary Barroso e Estação Ferroviária da Praça Guido Marlière.

Por isso mesmo esses assuntos são apresentados e abordados em mais de uma

oportunidade ao longo do texto.

Parte das informações trabalhadas e apresentadas nesta dissertação de mestrado

veio através de pesquisa in loco no Arquivo Histórico da Cidade de Ubá (pesquisa em

jornais de circulação local do período proposto como intervalo temporal do presente

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trabalho, ou seja, 1996 a 2004, a fim de obter informações sobre os discursos

produzidos, o que poderia subsidiar a análise dos fatos relativos àquele momento na

cidade), na Prefeitura de Ubá, na Secretaria Municipal de Cultura e no Conselho

Municipal Deliberativo do Patrimônio Cultural de Ubá, a fim de pesquisar inscrições

nos livros de tombo, dossiês de tombamento e atas de reuniões, com vistas a analisar as

justificativas para os processos de registro e de tombamento realizados no período.

Diante da ausência de subsídios para atender a algumas questões específicas, foi

necessário recorrer a consultas através da internet. Neste caso, textos que remetem a

investigações acerca das políticas nacional e estadual de preservação do patrimônio

cultural, documentos oficiais produzidos pelos poderes Legislativo e Executivo

ubaenses, além de sites e blogs que também poderiam oferecer informações relevantes

para ampliar as discussões.

O texto da dissertação é dividido em duas partes, sendo que a primeira é

composta por cinco capítulos. O primeiro intitula-se “História e memória: a apropriação

do passado e a implantação da política pública de patrimônio cultural no município de

Ubá, Minas Gerais, entre os anos de 1996 e 2000”, onde propomos a discussão sobre o

início da política pública patrimonial na cidade de Ubá. O ponto de partida é a

promulgação da lei municipal que embasa os processos de tombamento e cria o

CDMPCU, entre os anos de 1996 e 1997. Neste momento é possível identificar

determinadas memórias sobressaindo-se em detrimento de outras, resultado da ação dos

grupos dominantes na cidade, cujas ações aparecem como objeto de análise ao longo do

capítulo.

A partir do capítulo 2 até o capítulo 5, o leitor terá a oportunidade de conferir

uma análise específica sobre os processos de patrimonialização realizados em Ubá,

entre os anos de 2001 e 2004, a saber: Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”,

prédio da Escola Estadual “cel. Camilo Soares”, Piano de Ary Barroso, a manga e a

mangada, Estação Ferroviária de Ubá. Em todos eles utilizo a denominação de “trem”

para referência às patrimonializações realizadas, dada a característica de algo cuja

interrupção, naquele momento, parecia não ser possível, em virtude de elementos e

mecanismos que analiso separadamente. Afora o embasamento teórico, a pesquisa

baseou-se em reportagens de jornais locais, Atas do Conselho, Dossiês produzidos e

obras de memorialistas locais.

Para iniciar as análises propostas, no capítulo 2 (“Duas patrimonializações

inauguram a nova fase da política pública de patrimônio cultural realizada em Ubá”)

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apresento os processos de tombamento do Paço Municipal “Govenador Ozanam

Coelho” e do prédio da Escola Estadual “cel Camilo Soares”. Em relação ao Paço há um

importante componente na política pública patrimonial desenvolvida em Ubá, pois o

mesmo inaugura, no ano de 2001, a partida do “trem”. Além de estar inserido em

inusitado contexto político local, tal processo deflagra outras ações por parte dos

agentes do patrimônio de Ubá e, apesar de cada uma delas ter motivações específicas, é

possível notar que estiveram vinculadas, direta ou indiretamente, à memória de uma

professora que foi a primeira presidente do CDMPCU e, por isso, teria sido a

idealizadora desses atos de preservação, analisados aqui sob a ótica de

patrimonialização, pois aconteceram a partir de iniciativas do poder público ou das

pessoas incumbidas de analisar o que deveria ou não ser preservado. O outro

tombamento relaciona-se ao prédio da primeira escola pública de Ubá, a Escola

Estadual “cel. Camilo Soares”, no ano de 2002. Em que pese o fato de ex-alunos terem

sido consultados, através de questionário escrito, percebe-se certa intencionalidade do

poder público com este ato oficial de preservação, pois é possível identificar discursos

sendo transformados em verdadeiros palcos para divulgação de interesses que destoam

do patrimônio cultural.

No terceiro capítulo (“O ‘trem’ da patrimonialização segue pela cidade de Ubá

ao som do piano de Ary Barroso”), a discussão aborda a utilização de memórias do

compositor quando da decisão de patrimonializar seu piano. O embasamento teórico

está fundamentado, entre outros, na noção de amnésia social, de Ulpiano Bezerra de

Menezes, e na função do não-dito, de Michael Pollak, além dos autores que escreveram

biografias sobre Ary Barroso. O texto analisa questões relativas aos acontecimentos

locais e internacionais que marcaram o referido processo, como os atentados conhecidos

como o “11 de setembro” nos Estados Unidos. Porém, a ênfase é a discussão sobre a

não inclusão do piano de Ary Barroso nas comemorações pelo centenário do

compositor. Com isso, abre-se caminho para possíveis análises que remetem aos

processos de manipulação de memória, permeados pelas funções do esquecimento e do

não-dito e, sobretudo, dos grupos beneficiados por elas.

O Capítulo 4 (“Uma análise dos diferentes interesses que motivaram a

patrimonialização da manga e da mangada na cidade de Ubá”) aborda o processo que

levou ao registro da manga, como patrimônio natural, e da mangada, como patrimônio

imaterial, no ano de 2003. Para isso, busca-se entender a relação da manga com a

cidade, desde as memórias do período em que ainda não se falava manga “Ubá”, mas

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apenas manga, nos idos dos anos de 1930. Neste ínterim, a influência da imigração

italiana e, novamente, as memórias do compositor Ary Barroso sobre a manga e as

mangueiras também são abordadas. Outro aspecto importante analisado é a apropriação

exercida pela indústria moveleira sobre esse patrimônio, principalmente a partir da

realização de uma feira de móveis, a FEMUR, no ano 2000. Além disso, a investigação

aponta para a influência que uma campanha de preservação da manga, realizada na

cidade, que pode ter exercido influência nesse processo. O capítulo se encerra com a

discussão acerca das tentativas do poder público e dos agentes do patrimônio de

aproximação da população com a manga e com as mangueiras, cuja abordagem inclui a

realização da Festa da Manga no Município de Ubá.

No capítulo 5, intitulado “O ‘trem’ da patrimonialização chega na Estação

Ferroviária da cidade de Ubá”, apresento uma análise sobre o último bem cultural

tombado no limite temporal do presente trabalho, que encerra a segunda fase da política

pública patrimonial. O texto inclui abordagem sobre o início das discussões até a sua

conclusão, assim como vinculações com, mais uma vez, memórias de Ary Barroso e da

imigração italiana na cidade. O capítulo também discute de que forma os agentes

políticos, interessados na revitalização da Praça Guido Marlière, e da própria Estação,

podem ter interferido no processo. Porém, a análise da ação preservacionista na Estação

Ferroviária inclui ainda discussão em torno de uma fundação cultural, filiada à

concessionária de energia elétrica, que pode ter influenciado no andamento de mais esse

impulso patrimonializador em Ubá.

A segunda parte da dissertação da presente dissertação traz a análise do “produto

final” apresentado como parte obrigatória do Curso de Mestrado Profissional em

Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania e aborda o planejamento, a organização e a

realização do Primeiro Encontro Microrregional de Patrimônio e Paisagem no

Município de Ubá. O Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagens ocorreu a partir

de entendimento conjunto de três acadêmicos/mestrandos: eu, Anderson Moreira Vieira,

Ana Carolina Santos e Silva e Leonardo Augusto de Almeida. Com temática voltada

para o patrimônio cultural, o evento aconteceu em julho de 2016 reunindo organizações

públicas, instituições sociais e culturais, além de estudantes e professores interessados

em discutir os desafios e as possibilidades das relações entre história, memória,

patrimônio cultural, gestão participativa e educação patrimonial. Além da discussão

proposta pelo Encontro, este produto final desdobrou-se na elaboração e apresentação à

Rede Municipal de Ensino de Ubá de um projeto de educação patrimonial, que objetiva

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trabalhar o tema patrimônio cultural de forma diferenciada, tendo como foco as escolhas

dos próprios alunos, em detrimento das cartilhas que costumam acompanhar os

trabalhos de educação patrimonial pautados em formas tradicionais, desprovidos de

atrativos para atrair os públicos docentes e discentes.

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Primeira Parte

Capítulo 1. História e memória: a apropriação do passado e a

implantação da política pública de patrimônio cultural no

município de Ubá, Minas Gerais, entre os anos de 1996 e 2000.

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A importância da memória para as sociedades contemporâneas tem sido alvo de

diversas análises e discussões, principalmente quando tais abordagens surgem com o

objetivo de estudar a construção das narrativas identitárias em determinados grupos

sociais. A esse respeito, Jacques Le Goff destaca o papel de autoridade que é atribuído à

história, enquanto ciência, contribuindo para naturalizar discursos produzidos com certa

intencionalidade. Para o autor de História e Memória, espera-se do historiador o

máximo de imparcialidade possível, ao passo que a memória é construída através de

lembranças e esquecimentos, como atos subjetivos, às vezes conscientes.4

Dessa forma, as narrativas que se produzem a partir da história e da memória,

justamente por envolver questões, respectivamente, objetivas e subjetivas, devem ser

analisadas e “escovadas à contrapelo”,5 ou seja, interpretadas à luz da realidade e dos

acontecimentos que as acompanham ou que as norteiam, tendo em vista os possíveis

interesses que nem sempre estão evidentes nos discursos oficiais, assim como também é

apresentado por Le Goff sobre o exercício do poder através da memória.

A evolução das sociedades na segunda metade do século XX clarifica a importância do papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e a aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte de desenvolvimento das classes dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. [...] A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das coletividades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder.6

O autor chama a atenção para as relações que perpassam a memória e a história

quando da análise sobre o passado, destacando que tais questões, sejam de cunho

qualitativo ou quantitativo, podem interferir sobre as consequências daquilo que se

produz e, por isso, no conhecimento produzido. Diante disso, é imprescindível

investigar o passado, ir além do que está presente nos discursos, objetivando entender

onde e por que a memória pode se transformar em instrumento de poder.

4 LE GOFF, Jacques. “Memória”. História e memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP. 2010. p.426-

428. 5 BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”. In: O anjo da história. Organização e tradução de João Barrento, 2ª edição. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. p.13-14. 6 LE GOFF. Op.Cit. p.475-476.

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Ainda nesse sentido, Tzvetan Todorov nos coloca que o trabalho do historiador,

como qualquer trabalho sobre o passado, não é neutro, pois exige seleção de dados.7 Por

isso, ainda que haja comparações, diferenças e semelhanças das informações analisadas,

é preciso pensar na forma como acontece a utilização das lembranças e o que se

pretende fazer com as mesmas. Caso haja utilização dos dados para algum fim além da

apresentação da discussão, atendendo a interesses de um grupo, essas lembranças se

tornam memória. Todorov nos apresenta essa questão quando comenta o papel dos

colonizadores espanhóis diante das populações nativas do continente americano e cita

um trecho da obra Le Nouveau Monde,8 onde Américo Vespúcio justifica os

enfrentamentos com os colonizados a partir do argumento de que eles próprios viviam

em uma guerra sem justificativa. Dessa forma, o explorador da América estaria

utilizando da história em benefício próprio, ou seja, dos interesses da coroa espanhola, o

que torna essa conjuntura uma memória dos mais fortes sobre os mais fracos.

É a partir desse contexto dos usos e da forma da memória atuando sobre a escrita

da história que o presente trabalho adentra na discussão acerca da implantação da

política pública de patrimônio cultural no município de Ubá, localizado na região da

Zona da Mata de Minas Gerais. Importante observar que a condução desse processo na

cidade da zona da mata mineira nem sempre se deu de forma imparcial, o que nos leva a

pensar em várias possibilidades de análise à contrapelo, as quais serão identificadas e

discutidas ao longo deste capítulo.

Figura 1 – Localização do Município de Ubá no Estado de Minas Gerais.

7 TODOROV, Tzvetan. “La memoria amenazada”. Los abusos de la memoria. Barcelona. Paidos: 2000. p.21. 8 Ibidem. p.09.

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Figura 2 – Localização do Município de Ubá na Zona da Mata.

1.1: Os pontos de partida: a lei municipal e a imposição de um certo delírio

conservacionista.

A partir do ano de 1996, com a Lei 2.696,9 tem início, oficialmente, a

implantação da política pública de patrimônio cultural na cidade de Ubá, Minas Gerais.

Em termos práticos, essa política começa apenas no ano seguinte, quando o então

prefeito municipal, Narciso Paulo Michelli, decreta o tombamento do Ginásio “São

José”10, em 05 de novembro de 1997, antes mesmo dos conselheiros integrantes da

primeira formação do CDMPCU tomarem posse, o que somente ocorreu em 15 de

dezembro de 1997.11 Porém, talvez em função dos ritos administrativos, a nomeação

desses conselheiros, conforme Decreto Municipal Número 3.695, é de 04 de novembro

daquele ano.12

9 Prefeitura Municipal de Ubá, Lei Número 2.696, de 20 de novembro de 1996, dispõe sobre a proteção do patrimônio cultural. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/legislacao (Consulta em 05.01.2016). 10 Prefeitura Municipal de Ubá, Decreto Número 3.701, de 05 de novembro de 1997, dispõe sobre o tombamento do prédio do antigo Ginásio “São José”. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/legislacao (Consulta em 05.01.2016). 11 ATA, Reunião do CDMPCU. 15.12.1997. P.02 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 12 Relação de conselheiros titulares nomeados: Fernando Antônio Silveira da Rocha, Ângelo Alves Carrara, Maria de Loreto Camiloto Rocha, Schelley Carneiro, José Carneiro de Castro Viana, Renato Bracini Marques, Manoel Arthiodoro de Castro, Miguel Poggiali Gasparoni, Wellington Fernandes Teixeira, Fernando Afonso Carneiro Peixoto, Moema de Souza Carneiro. Prefeitura Municipal de Ubá, Decreto Número 3.695, de 04 de novembro de 1997, que dispõe sobre a nomeação dos conselheiros titulares e suplentes do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Ubá, MG. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/legislacao (Consulta em 05.01.2016).

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O tombamento do antigo prédio do Ginásio “São José” aconteceu exatamente

um dia após a nomeação dos primeiros conselheiros do CDMPCU, ou seja, tendo em

vista que os conselheiros tomaram posse apenas em 15 de dezembro de 1997, ainda que

a nomeação dos mesmos tenha acontecido em 04 de dezembro daquele ano, conclui-se

que tal tombamento, ocorrido antes do início dos trabalhos no referido Conselho, não

passou pela aprovação daqueles que eram representantes da comunidade para o

direcionamento das ações em relação ao patrimônio cultural da cidade de Ubá. Um dos

argumentos utilizados para justificar o ato, conforme Decreto Municipal Número 3.701,

de 05 de novembro de 1997, é o Art.242, IV, da Lei Orgânica do Município de Ubá,

cuja redação transcrevemos abaixo.

Art. 242. O Município tombará, para fins de conservação: I – O Rio Ubá, sua nascente e afluentes; II – O Paço Municipal ‘Governador Ozanam Coelho’; III – Todo o complexo denominado ‘Parque Florestal Municipal Antenor de Oliveira Brum’ com tudo o que o integra; IV – O prédio do antigo Ginásio ‘São José’; V – O jardim ‘Cristiano Roças’, da Praça São Januário; VI – A igrejinha das Mercês; VII – A pracinha das Mercês; VIII – Os monumentos e bustos da Praça São Januário e outros localizados em locais públicos; IX – As palmeiras da Avenida Com. Jacinto Soares de Souza Lima; X – O Museu Histórico da ‘Sociedade dos Viajantes e Representantes Comerciais’ de Ubá; XI – A sede do local conhecido como ‘Fazenda das Palmeiras’; XII – A capela São Miguel, da ‘Fazenda das Palmeiras’; XIV – O Torreão, localizado nos fundos do Cinema Brasil, na Praça Guido Marlière.13

Afora a discussão que poderia ser suscitada pelo fato de o último item da citação

acima, conhecido como Torreão de Cesário Alvim, já ter sido tombado, também por

decreto, mas do ex-prefeito Francisco Defilippo, em 1963, essa relação de bens a serem

“tombados” deixa evidente que os legisladores da cidade baixaram uma norma

municipal que demonstra desconhecimento sobre a política de patrimônio cultural nos

níveis municipal, estadual e nacional. A citação de elementos (como o Rio Ubá)

destinados ao tombamento nos leva a pensar em algumas possibilidades de

interpretação. Primeiro, que a referida lei objetivava apenas mostrar para a população

que algo estava sendo feito em prol da preservação desse rio; segundo, essa

normatização apresentada evidencia a preocupação em preservar apenas os bens

culturais importantes para a memória vinculada a determinada parcela da sociedade, não

13 Prefeitura Municipal de Ubá, Lei Orgânica, promulgada em 23 de março de 1990. Localizada em: http://www.camarauba.mg.gov.br/pdf/lei_organica/1.pdf Consulta em (06.01.2016) Grifo nosso.

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havendo possibilidade para emersão das memórias subterrâneas14 produzidas pelas

populações mais distantes do poder instituído, como as manifestações populares de

origem afrodescendentes, como os Congados, por exemplo.

Figura 3 – Vista aérea do Município. (Coleção Cartões Postais de Ubá).15

Entretanto, interessa nesse momento analisar as possíveis discussões que podem

ajudar a entender por que o tombamento do Ginásio “São José” foi escolhido pelos

agentes públicos da cidade como ponto de partida para a implantação da política pública

de patrimônio cultural em Ubá. Importa, por exemplo, investigar dados relevantes,

como a decretação de um ato de preservação um dia após a nomeação dos conselheiros

do CDMPCU, sem que houvesse acontecido sequer a posse dos mesmos, ou seja, sem

que esses tivessem participado da decisão de patrimonialização do Ginásio “São José”.

Ressalto que esse momento é formado por um conjunto de ações que foram amplamente

divulgadas na imprensa local como fundamentais para a cultura ubaense, assim como

para a preservação do patrimônio cultural do município de Ubá.

A análise dos usos da memória indica que tais ações podem ser vistas também

como discursos de manipulação, que disfarçam outros possíveis interesses por parte dos

agentes públicos envolvidos nessa empreitada. Afinal, de acordo com Todorov,16 o

culto à memória nem sempre serve à justiça e nem sempre é favorável à própria

memória. Ainda segundo a discussão proposta pelo autor em La memoria amenazada, o

14 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, 2 (3). Rio de Janeiro, 1989. p.3-15. p.04. 15 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/galeriaimagens (Consulta em 19.02.2017) 16 TODOROV, Tzvetan. La memoria amenazada – Memoria y Justicia. Los abusos de la memoria. Barcelona. Paidos: 2000. p.10.

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final do último milênio foi um período em que os europeus, em particular os franceses,

estavam obcecados pelo culto à memória. Nesses momentos de verdadeiro “frenezi de

liturgias históricas”,17 a população é incitada a se tornar militante da memória, muitas

vezes sem perceber o quanto está sendo influenciada pelo discurso conservacionista.

Assim, ao analisar este momento da implantação da política pública de

patrimônio cultural no município de Ubá, identifiquei uma série de ações promovidas

pelos agentes patrimoniais e agentes políticos locais, cujos discursos adotam a mesma

ênfase: memória, patrimônio, identidade e pertencimento. Através das reportagens

divulgadas na imprensa escrita de Ubá, é possível ver que o ponto de partida desse

delírio comemorativo,18 expressão aqui adaptada como delírio conservacionista,

coincide com o terceiro período de mandato do ex-prefeito Narciso Michelli (1997-

2000) e teve, como apresento mais adiante, a participação direta ou indireta de agentes

públicos e iniciativa privada, não apenas local, mas também estadual. Além disso, tal

iniciativa parecia estar revestida de caráter ufanista, pois em vários momentos os textos

analisados, principalmente de jornais escritos, vangloriam e colocam em evidência a

naturalidade ubaense.

Importante observar também que tais considerações não se aplicam a períodos

anteriores ao início da política patrimonial, pelo menos não com a mesma ênfase dos

discursos que acompanharam esse “frenezi” de conservação em Ubá. Um exemplo

dessa observação é a adoção da denominação de “Ubá” para uma espécie de manga

muito comum na cidade, cuja discussão e análise estão presentes no Capítulo 4 do

presente texto.

1.1.1: Ações públicas e homenagens – discurso de reverência que anuncia o

tom da política patrimonial no município de Ubá.

A partir da análise das estruturas históricas produzidas em Ubá em determinado

espaço temporal, não apenas sob o ponto de vista apresentado nas reportagens

investigadas, mas também a partir de filtros cultural e político, minha intenção é

identificar possíveis interfaces entre os acontecimentos noticiados e a implantação da

17 TODOROV. Op.Cit. p.21. 18 Ibidem. p.10.

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18

política pública de patrimônio cultural no Município de Ubá. Desta forma, o principal

objetivo é identificar a relação entre a memória política herdada do chamado

levindismo19 e o tombamento do Ginásio “São José”, considerado marco inicial da

referida política pública em desenvolvimento na cidade naquele momento de sua

história.

Reportagem publicada no Jornal Gazeta Regjornal em junho de 1997 oferece

uma dimensão do cenário que se configurava na cidade de Ubá naquele momento.

Trata-se de uma homenagem do poder público municipal ao ex-governador de Minas

Gerais, Levindo Ozanam Coelho. No texto há possíveis evidências de que o prefeito

Narciso Michelli,20 em seu terceiro mandato à frente do executivo municipal,

representava o continuísmo da memória política vinculada à família de Levindo Coelho

na cidade.

Há muito tempo não se via em Ubá movimento tão significativo para reverenciar a memória do ex-prefeito e ex-governador do Estado Dr. Levindo Ozanam Coelho. É que no dia 17 de maio comemora-se o aniversário natalício do maior e mais prestigiado político da cidade. Este ano, quando retorna à Prefeitura pela terceira vez seu correligionário e pupilo mais fiel, Narciso Paulo Michelli, o Executivo Municipal preparou uma simples, mas significativa comemoração.21

Em outro trecho da mesma reportagem é possível identificar intenções veladas

dos discursos pronunciados naquela oportunidade, pois o discurso do então secretário

municipal de administração, Nelson Barbosa, parece reforçar o caráter de memória

oficial daquele evento, demonstrando que o momento de homenagem a uma figura

pública também poderia servir para alavancar outras possibilidades.

Sua lição de vida permanece entre nós. À família de nosso saudoso Ozanam Coelho [...] em particular ao nosso amigo Saulo Levindo Coelho, que hoje segue os passos do pai, com a mesma disposição de lutar, de participar da política ubaense, de concretizar os anseios de seu povo, seguindo os caminhos trilhados pelo pai e pelo avô Senador Levindo Coelho, o nosso reconhecimento, simbolizados nesta homenagem que o município de Ubá presta ao dinâmico, dedicado, obstinado, inteligente administrador e excelente companheiro que sempre soube ser.22

19 Expressão utilizada por Maria Clotilde Vieira no livro História de Ubá para as escolas (Editora de Viçosa, 1990. p. 53) para denominar conjunto de ações realizadas pelo ex-senador Levindo Coelho e seus herdeiros políticos em Ubá, Minas Gerais, entre 1914 e 1990. 20 “Gente nossa – Narciso Michelli, o prefeito do povão”. Localizada em http://ubadigital.com.br/nossa-gente-narciso-michelli (Consulta em 06.06.2016). 21 “Ubá reverencia Ozanam Coelho”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 3, 07.06.1997. Ubá – MG. P.15. 22 “Ubá reverencia Ozanam Coelho”. Op.Cit. P.15.

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19

Na citação acima fica evidente a intenção do poder público municipal de

reverenciar uma determinada memória da política local, mas também fortalecer o nome

de Saulo Levindo Coelho na cidade, dando continuidade ao chamado levindismo. De

acordo com a historiadora Maria Clotilde Vieira,23 esse modelo político local foi

iniciado pelo ex-senador Levindo Eduardo Coelho, médico que fez sua vida política em

Ubá, tendo sido senador da República entre os anos de 1946 a 1955.24 A expressão

levindismo deve-se ao fato de seus descendentes masculinos terem sempre “Levindo”

nos nomes e representarem determinado segmento político na cidade e na região. A

terceira geração de políticos da família, Saulo Levindo Coelho, exerceu três mandatos

de deputado federal na Câmara dos Deputados (1988 a 1991, 1991 a 1995 e 1999 a

2003).25 Naquele momento, além de proprietário de um canal de televisão local,26 ele

também exercia o cargo de presidente da Telemig, empresa que assumiu um discurso de

mecenato em prol da cultura de Ubá, assim como veremos mais adiante.

Os agentes culturais de Ubá, iniciando a implantação da política pública de

patrimônio, interessados na possibilidade de patrocínio através das leis de incentivo à

cultura para projetos de preservação do patrimônio na cidade, utilizaram-se do discurso

de reverência ao levindismo para se aproximar dos agentes que poderiam facilitar tais

percursos. Com isso, as possibilidades de memória que poderiam vir à tona serviam de

aproximação entre a então presidência da Telemig, empresa ligada ao mecenato, e o

antigo reduto eleitoral da família Coelho, representado pelos agentes políticos e

culturais do Município.

1.2: Lei Rouanet, Telemig e Ary Mineiro – um trio que esteve à frente de

um “resgate cultural” em Ubá.

Ao analisar aspectos que interferem sobre as possíveis ações provocadas pela

memória, Ulpiano Bezerra de Menezes em A História, cativa da memória? Para um

23 VIEIRA, Maria Clotilde. História de Ubá para as escolas. Viçosa: Editora de Viçosa, 1990. P.53. 24 Localizada em http://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/2014 (Consulta em 13.02.2016). 25 Localizada em http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/deputados_biografia (Consulta em 13.02.2016). 26 TV Ubá é uma retransmissora local, filiada à Rede Minas de Televisão. Atualmente denomina-se Grupo UM de Comunicação. Localizada em http://coorpy.com.br/grupo-um-de-comunicacao-da-zona-da-mata-ltda-me (Consulta em 28.05.2016).

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mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais, discute sobre a produção de

documentos cuja interferência atinge a preparação da memória futura.

Não me refiro apenas aos interesses individuais nem às políticas oficiais de abertura de horizontes e intensificação de atuação de arquivos [...]. Tampouco me refiro à multiplicação de monumentos em que, como lembra Le Goff, está sempre inscrita a prescrição do presente para leitura ‘correta’ no futuro. Refiro-me, sim, à vertiginosa expansão da memória no campo da cultura material.27

Ainda que se refira ao processo de abertura de arquivos por parte do poder

público, ao incluir “políticas oficiais de abertura de horizontes” e “expansão da

memória no campo da cultura material”, o autor oferece condições para pensar na ação

das políticas públicas de patrimonialização interferindo sobre a produção de memória

coletiva. Em que pese as diversas intencionalidades que acompanham determinados

discursos dentro de um contexto de política pública, independentemente do objeto a que

se destina, há que se considerar que certas interpretações e leituras, quando vistas como

“corretas”, talvez signifiquem imposições do presente em relação ao passado e, em

certos casos, ao futuro. Melhor dizendo: à medida que a produção de uma memória é

manipulada sobre algo que aconteceu no passado, reinterpretando esse acontecimento à

luz dos interesses do presente, sua repercussão pode interferir nos questionamentos

futuros acerca desse assunto.

Essa discussão sobre a apropriação do passado interferindo sobre a interpretação

do presente, assim como colocada pelo autor citado, pode ser observada no Município

de Ubá quando, em 1997, aconteceu uma produção musical que trouxe à tona memórias

relacionadas a Ary Barroso, compositor nascido em Ubá no ano de 1903. A Telemig,

empresa que na época era presidida pelo ex-deputado Saulo Levindo Coelho, através da

lei Rouanet,28 realizou o patrocínio para a gravação do CD Ary Mineiro, uma coletânea

de músicas de autoria do compositor ubaense. De acordo com jornal local, o CD foi

lançado nacionalmente no dia 13 de abril de 1997, no Ubá Tênis Clube. O projeto

cultural era encabeçado pelas irmãs cantoras Célia e Celma, dupla ubaense responsável

também pelo trabalho de pesquisa das músicas, conforme consta em publicação da

imprensa local.

27 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.34, p. 09-23, 1992. p.13. (Grifo nosso). 28 Localizada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm Consulta em (13.02.2016).

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21

[...] Entre diversas autoridades, familiares, pessoas dos meios social, cultural e artístico da sua cidade, as irmãs Célia e Celma receberam um convidado que apostou neste projeto. Trata-se do Diretor Presidente da TELEMIG, deputado federal Saulo Coelho, que conseguiu - através da Lei Rouanet de incentivo federal à cultura - o apoio para este importante trabalho de resgate cultural.29

A utilização da expressão “resgate cultural” pode ser visa como uma forma de

demonstrar que a obra referente ao compositor estava esquecida antes da iniciativa das

irmãs em parceria com a estatal mineira. É possível perceber uma conotação de certo

ato de heroísmo ligado ao grupo responsável pelo trabalho de elaboração e realização do

projeto. Através da ação do ex-presidente da Telemig, a memória do levindismo é

colocada em evidência, ainda que indiretamente, por uma política oficial de incentivo

cultural que atuou em favor do resgate da obra do compositor Ary Barroso.

Entretanto, análise das reportagens que tratam do assunto aponta para outra

possível interpretação, algo que vai além do “resgate cultural” de Ary Barroso. Em

certos trechos da reportagem “A alma mineira de Ary Barroso nas doces vozes de Célia

e Celma” fica evidente que um dos principais motivos por trás dessa investida cultural,

também pode ser a busca pelo reforço de uma identidade, pois o texto apresenta

elementos que podem ser vistos como tentativas de fortalecer determinada origem.

Nos trilhos da música, uma viagem ao passado, resgatando as raízes ubaenses, com seus costumes e valores, mostrando o lado universal da cultura mineira. Um espetáculo musical que deve ser levado a todas as estações onde tenha um mineiro saudosista.30

Tal apontamento sobre as “raízes ubaenses” pode indicar a intenção de se

destacar uma memória coletiva, centrada na figura de Ary Barroso, levada a efeito pelo

“resgate” promovido através do grupo político em exercício do poder naquele momento

em Ubá. Nesse ínterim, vale repensar não apenas no lançamento do CD Ary Mineiro,

mas também em outro acontecimento discutido anteriormente – a homenagem ao ex-

governador Levindo Ozanam Coelho. Ambos abordam questões relacionadas a

indivíduos que se tornaram conhecidos para além das fronteiras da cidade de Ubá.

Nessas tentativas para valorizar suas memórias, há o destaque somente daquilo que

interessava aos agentes públicos, ou seja, enaltecer seus feitos, na política ou na música,

29 “A alma mineira de Ary Barroso nas doces vozes de Célia e Celma”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 2, 09.05.1997. Ubá – MG. p.2. (Grifo nosso). 30 “A alma mineira de Ary Barroso nas doces vozes de Célia e Celma”. Op.Cit. p.2.

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de forma a reapresentá-los à sociedade ubaense como homens dignos de serem sempre

lembrados e homenageados.31

Além disso, considerando que os textos do Jornal Gazeta Regjornal citados

sobre Ozanam Coelho e Ary Barroso abarcam qualidades do político, no primeiro caso,

e do compositor, no segundo, é possível perceber que se configurava a criação de um

ambiente propício à divulgação de ideias, afirmações e, inclusive, reprodução da ordem

social32 por parte do grupo político que se encontrava no poder em nível municipal, com

especial ênfase à divulgação de um certo ufanismo local. Neste sentido, as memórias

relativas ao compositor e ao político teriam sido selecionadas para o processo de

“resgate cultural”, utilizado como propaganda do governo municipal. Tal contexto pode

ser interpretado como um exemplo de ufanismo em torno da cidade de Ubá e, por

consequência, uma tentativa de se promover determinada ordem social, ou seja,

manipulação de memória com intenções veladas. Tais questionamentos envolvem

noções sobre memória coletiva em um contexto de reforço da coesão social,

principalmente quando se adentra na discussão presente em Memória, esquecimento,

silêncio, de Michael Pollak, que reafirma o entendimento de memória coletiva como

memória enquadrada.

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes. [...] Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território, eis as duas funções essenciais da memória comum. Isso significa fornecer um quadro de referências e de pontos de referência. É, portanto, absolutamente adequado falar, como faz Henry Rousso, em memória enquadrada, um termo mais específico que memória coletiva.33

O autor chama atenção para o enquadramento da memória, que pode acontecer

de forma mais ou menos consciente, mas que não acontece independente de alguma

intenção. Em relação aos fatos analisados e ocorridos no Município de Ubá no que

31 “Ubá reverencia Ozanam Coelho”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 3, 07.06.1997. Ubá – MG. P.15. “A alma mineira de Ary Barroso nas doces vozes de Célia e Celma”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 2, 09.05.1997. Ubá – MG. P.2. 32 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.34, p. 09-23, 1992. p.15. 33 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, 2 (3). Rio de Janeiro, 1989. p.9.

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tange ao início da implantação da política pública para o patrimônio cultural,

principalmente a divulgação do “resgate cultural” que acompanha a gravação do CD

Ary Mineiro, configura-se como tentativas por parte do poder público de dar destaque a

essa memória coletiva, por isso mesmo enquadrada, tendo como principal objetivo a

manutenção de uma ordem social. Tal situação pode ser vista como imprescindível para

criar mecanismos favoráveis aos interesses do grupo político que exercia o poder

naquele momento na cidade, pois forjam condições que inibem manifestações contrárias

ou de oposição.

1.3: Ginásio “São José” – marco inicial da política pública de preservação

do patrimônio em Ubá.

A discussão sobre a implantação da política pública de patrimônio cultural e sua

vinculação com o trabalho de enquadramento de memória em Ubá, entre os anos de

1997 e 2000, também encontra ecos na análise sobre os discursos que permearam o

processo de patrimonialização do Ginásio “São José”. O local funcionou como internato

e semi-internato masculino de 1905 a 1964, tendo sido fundado pelo professor José

Januário Carneiro, conhecido como doutor Fécas. Ao longo desses anos, segundo consta

no blog do atual Museu Ginásio “São José”, o educandário recebeu inúmeros alunos de

várias partes do país.34 Trata-se de um bem tombado em nível municipal no ano de 1997

e, por isso mesmo, considerado marco inicial da política patrimonial ubaense.

34 Localizada em: http://museuginasiosaojose.org.br/ (Consulta em 13.03.2016)

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Figura 4 – Fachada do Ginásio “São José” – Ubá, MG. (Acervo pessoal: Anderson Moreira Vieira)

As ações desenvolvidas naquele momento em relação à restauração do referido

ginásio sustentaram a construção de uma memória enquadrada35 proposta por Michael

Pollak, principalmente quando se atenta para as noções de patrimônio cultural presentes

nos discursos que fizeram parte do referido processo. Por isso, é importante analisar um

pouco do histórico que acompanhou a patrimonialização do Ginásio “São José” no

Município de Ubá, cujo processo aconteceu no ano de 1997 através de um decreto do

ex-prefeito Narciso Michelli, antes mesmo da posse dos conselheiros do CDMPCU. A

esse respeito, vale ressaltar dois aspectos: o primeiro é de ordem técnica e refere-se ao

fato de que o referido imóvel, segundo foi possível constatar através das reportagens

divulgadas, encontrava-se em precário estado de conservação, necessitando de urgente

restauração; o segundo, que esse tombamento pode estar vinculado à reverência ao

levindismo, pois, como veremos adiante, a obra de restauração do Ginásio “São José”,

iniciada em 1998, foi patrocinada pela empresa Telemig, estatal mineira então presidida

por Saulo Coelho, neto e herdeiro político do ex-senador Levindo Coelho.

Pelo exposto acima, a restauração do Ginásio “São José”, fato verificado após o

tombamento, é entendida como mais um testemunho desse modelo de discurso ufanista,

intencionado ao fortalecimento da identidade de um grupo social. Em relação à obra, é

importante esclarecer que a maior parte dos recursos foram financiados através da Lei

35 POLLAK. Op.Cit. p.09.

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Rouanet de incentivo à cultura, em 1998, através da Telemig.36 De acordo com notícias

divulgadas na imprensa escrita, os agentes políticos e os agentes do patrimônio

organizaram uma grande solenidade na Fazenda das Palmeiras – imóvel do início do

século XX, tombado como Conjunto Arquitetônico e Paisagístico em nível municipal

desde 2010, propriedade da Família Coelho em Ubá.37 Segundo consta, o objetivo era

promover a divulgação da aprovação de recursos para a obra de restauração, enfatizando

o ato e os agentes envolvidos. O evento reuniu políticos e convidados para informar da

liberação, através da chamada lei de mecenato, de R$284.000,00 (duzentos e oitenta e

quatro mil reais) para o Movimento Cultural São José, entidade mantenedora do Ginásio

“São José”, cuja destinação seria a restauração do bem cultural.

Graças aos esforços do Movimento Cultural São José [...], ao trabalho do prefeito Narciso Michelli e dos vereadores que lhe dão sustentação política na Câmara, o ex-presidente da Telemig esteve em nossa cidade neste último final de semana para anunciar a liberação da verba para restauração do Ginásio ‘São José’ e receber os agradecimentos da família do doutor Fécas e as homenagens dos integrantes do movimento. O fato se desenrolou na sede da Fazenda das Palmeiras, numa cerimônia organizada pelo vereador Miguel Poggiali Gasparoni, líder do governo na Câmara, e super-prestigiada.38

As questões colocadas acima ajudam a entender a noção de patrimônio cultural

que se formava em Ubá no início da implantação da política pública para essa área.

Percebe-se que os processos para conclusão das obras de restauração no referido ginásio

evidenciam alianças que eram costuradas entre os agentes políticos e os agentes do

patrimônio. Com isso, a história do Ginásio “São José” estava sendo reescrita a partir de

uma memória não mais espontânea, mas forjada, manipulada e, de certa forma,

arquitetada para atender aos interesses de determinados grupos que exerciam o poder na

cidade. Além disso, apropriando-se do fato de que o local se encontra dentro da

propriedade que pertenceu a um dos fundadores do município de Ubá, o capitão-mór

Antônio Januário Carneiro, avô do doutor Fécas, José Januário Carneiro, fundador do

Ginásio “São José”,39 tais grupos passaram, através da imprensa, a estimular

sentimentos de pertencimento e identidade. Apesar da presença de ex-alunos do Ginásio

36 “Saulo recebido com festas em Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 13, 06.04.1998. Ubá – MG. P.9. 37 Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/benstombados (Consulta em 27.04.2016). 38 “Ginásio ‘São José’ será restaurado”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 13, 06.04.1998. Ubá – MG. P.9. 39 História do Ginásio São José. Localizada em: http://museuginasiosaojose.org.br/ (Consulta em 13.03.2016).

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“São José” na coordenação do movimento cultural que o administrava, a atuação de

uma memória espontânea era muito fraca na liderança daqueles acontecimentos.

Diante do exposto, é possível criticar um aspecto naquele cenário que se

configurava com a adoção do Ginásio “São José” como símbolo de implantação da

política pública de proteção ao patrimônio cultural de Ubá. O histórico da

patrimonialização e da consequente restauração do referido bem cultural, de acordo com

o que foi noticiado pela imprensa, estava impregnado pela ação de personagens

representantes da elite cultural e política da cidade, caracterizando como conservador o

conjunto de medidas tomadas pelos agentes públicos naquele momento. Com isso, vem

à tona a discussão sobre o trabalho de enquadramento de memória em curso,

principalmente por que o Ginásio “São José” foi tombado por decreto municipal através

da ação desses mesmos grupos, talvez como forma de facilitar a liberação dos recursos

pela empresa estatal Telemig. Ademais, esse cenário despontava como uma pequena

mostra de como foi o nascimento da política pública de patrimônio cultural no

Município de Ubá.

1.3.1: Centenário da Banda “22 de Maio” – a luz e a sombra na política

ubaense de patrimônio.

De acordo com a segunda ata do CDMPCU,40 havia uma discussão, por parte

dos conselheiros, a respeito das comemorações pelo centenário da Sociedade Musical e

Cultura “22 de Maio”, fundada em Ubá no ano de 1898. Na oportunidade, fala-se no

possível tombamento da entidade. Como não há especificação no texto da ata, abre-se

duas possibilidades de interpretação. A utilização dessa forma de acautelamento e

preservação estaria correta se a referência para o tombamento fosse a sede da entidade.

Por outro lado, no caso da expressão “tombamento” estar se referindo à corporação

musical, podemos interpretar como demonstração de desconhecimento por parte dos

conselheiros, pelo menos naquele momento, sobre os requisitos para salvaguarda do

patrimônio imaterial, que é o registro.41 Diferente do patrimônio material e tangível, as

40 ATA, Reunião do CDMPCU. 08.05.1998. P.04-05 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 41 “O registro do patrimônio imaterial – dossiê final das atividades da comissão e do grupo de trabalho patrimônio imaterial. Localizada em http://portal.iphan.gov.br/publicacao/ patrimonioimaterial.pdf (Consulta em 22.03.2016).

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manifestações culturais intangíveis têm características próprias. Por isso, segundo o

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para a proteção ao

patrimônio intangível, fala-se em salvaguarda e não em tombamento, pois a preservação

desta categoria de bem cultural segue normas e ritos específicos.

De volta às discussões que aconteceram em torno do centenário da Banda “22 de

Maio”, a imprensa local de Ubá noticiou que o ápice da comemoração seria um

encontro de vinte e duas bandas de música de Minas Gerais (alusão ao nome da

corporação), cuja organização caberia a uma comissão formada por representantes de

diversos setores da sociedade, mobilizando iniciativa privada, setor público e

organizações não governamentais. Tal mobilização fica evidente na entrevista

concedida ao jornal local pelo presidente dessa comissão, ex-vereador Miguel Poggiali

Gasparoni.

Este é um momento de extrema importância na vida cultura de Ubá. Não é qualquer cidadão nestas Minas Gerais que tem uma corporação comemorando cem anos de atividade ininterrupta. Estamos satisfeitos com o nosso trabalho porque ele está sendo abraçado por toda a comunidade. Teremos a participação dos Rotaries, do Interact e Rotaract, do Lions, das Maçonarias, Grupos de Jovens, Movimentos Culturais, Polícia Militar, GTS, Prefeitura e Câmara, Copasa, Imprensa e outros segmentos que me fogem à memória neste momento.42

Diferentemente do que aconteceu com a patrimonialização do Ginásio “São

José” e a posterior reforma desse imóvel, quando poucas entidades ou grupos tiveram

participação efetiva, aqui o cenário é outro. A citação acima deixa claro que o evento

em comemoração aos cem anos da referida banda tinha programação para reunir uma

série de entidades culturais ou não. Em outra reportagem é possível encontrar que as

comemorações pelo centenário da banda ubaense “contaram com cerca de 800 pessoas,

estendendo-se desde o início da tarde até 22 horas”.43

Entretanto, apesar de todo movimento em torno dos festejos, inclusive com a

união de diferentes entidades e setores da sociedade de Ubá, não foi possível encontrar

nenhuma divulgação ou referência a qualquer repasse de subvenção ou ajuda financeira,

a exemplo do que ocorreu anteriormente com a gravação do CD Ary Mineiro e da

reforma do Ginásio “São José”.

42 “Ubá comemora centenário da Banda 22 de Mario”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 15, 27.05.1998. Ubá – MG. P.2. 43 “A apresentação da centenária”. Op.Cit. P.2.

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Por outro lado, as comemorações pelo centenário da Corporação Musical e

Cultural “22 de Maio”, por se tratar de uma banda centenária, cuja formação abrange

músicos de diferentes classes sociais, traduziam uma linguagem popular que, talvez, não

fizesse parte do interesse dos agentes públicos condutores da política de patrimônio na

cidade, pois a restauração do Ginásio “São José” ocupou um espaço na mídia bem

maior que o referido centenário.

Assim, é possível pensar novamente nos argumentos usados por Michael Pollak,

mas agora a respeito da função do não-dito,44 pois o apoio a determinadas

comemorações, em detrimento de outras, pode sinalizar que há maior interesse na

divulgação de certas lembranças, ao passo que outras deixam de ser reavivadas. Para

Pollak, a fronteira entre o dizível e o indizível, ou seja, o não-dito, pode separar uma

memória coletiva subterrânea de uma memória coletiva organizada, traduzindo a

imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor.45 Com

isso, forma-se uma conjuntura desfavorável aos grupos minoritários, ou subterrâneos,

cujas futuras gerações passam a ter dificuldade para acesso ao passado. Por outro lado,

tal conjuntura pode favorecer os grupos majoritários, pois solidifica o repasse das

memórias que lhes são interessantes. Isso pode ser notado no processo de

patrimonialização do Ginásio “São José”, desde o seu tombamento, em 1997, até a sua

revitalização, nos anos de 1998 e 1999, cujo desenrolar dos acontecimentos demonstra

favorecimento das elites ligadas ao poder, sejam de agentes políticos ou agentes

patrimoniais.

No contexto da implantação da política pública de proteção ao patrimônio

cultural em Ubá, o centenário da Corporação Musical e Cultura “22 de Maio”, da forma

como aconteceu, evidencia certa desatenção por parte dos agentes políticos e culturais

com uma das principais manifestações culturais da cidade. À medida que determinado

patrimônio é privilegiado com repasse de recursos, como aconteceu com o Ginásio “São

José”, em detrimento dos demais, como a banda de música, tal política pública coloca

luz sobre um bem cultural e, ao mesmo tempo, sombra sobre os outros.

Artigo publicado por Leonardo Civale no ano de 2015 oferece condições de

pensar nestas questões.

44 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, 2 (3). Rio de Janeiro, 1989. p.07. 45 Ibidem. p.7-8.

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Geralmente as políticas de preservação do patrimônio histórico e cultural, elaborada por órgãos governamentais e especialistas em políticas públicas, adotam a postura de preservar o patrimônio edificado. Tal movimento tem provocado, quase que invariavelmente, a cristalização em “pedra e cal” de vestígios da memória de apenas um determinado segmento das populações.46

A “sombra” sobre determinados bens culturais, principalmente os de natureza

intangível, é uma tendência das políticas públicas de patrimônio cultural no país, o que

evidencia o privilégio aos vestígios da memória dos grupos sociais ligados ao

patrimônio “iluminado”, ou seja, o edificado. Neste caso, entendemos a questão da

“sombra” na mesma linha de pensamento que o “não-dito”, pois em ambos os casos o

direcionamento do foco é movido pelas intencionalidades dos grupos que exercem o

poder de planejamento das políticas públicas.

Portanto, a política pública de patrimônio cultural em Ubá, naqueles primeiros

momentos de sua implantação, ou seja, em 1998, demonstra uma tendência já iniciada

anteriormente em nível nacional, que é priorizar a preservação aos bens edificados, isto

é, aqueles de “pedra e cal”. Desta forma, além de dar evidência à memória dos grupos

atrelados a esses – a elite econômica e política da cidade – o trabalho em curso na

cidade também impede a representação das vozes presentes nas manifestações culturais

imateriais, como a Banda “22 de Maio” e também o Congado “Nossa Senhora do

Rosário”. Com isso, as memórias ligadas aos segmentos sociais dessas manifestações

acabam sendo sufocadas. Consequentemente, tal situação tende a criar obstáculos ao

exercício da plena cidadania por essas populações.

1.4: Concurso Miss Brasil, eleição na Academia Brasileira de Letras e

gravações do filme O Viajante – a campanha ufanista e as tentativas de

manipulação pela escrita por trás da escrita.

Além da gravação do CD Ary Mineiro e da patrimonialização do Ginásio “São

José”, outros três acontecimentos verificados entre os anos de 1997 e 1998 também

podem ser incluídos na discussão acerca da implantação da política de patrimônio

46 CIVALE, Leonardo. Sobre luzes e Sombras: A revitalização da Praça XV de Novembro no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro e o papel da paisagem urbana como patrimônio cultural (1982-2012). In: Cadernos de Geografia. DOI 10.5752. V.25, nº44. 2015. p.141.

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cultural no Município de Ubá, tendo como fios condutores discursos que continham

demonstrações de certo ufanismo local. Em primeiro lugar, é possível encontrar ecos

dessa manifestação em torno de um concurso de beleza. A Miss Ubá no ano de 1997,

Nayla Micherif, que também havia sido eleita Miss Minas Gerais, conquistava o título

de Miss Brasil 1997, durante realização da 43ª edição do concurso, na cidade de

Teresina, em dia 19 de abril daquele ano.47 Em segundo, o escritor Antônio Olinto,

ubaense nascido no ano de 1919, em 31 de julho de 1997, foi eleito como membro da

Academia Brasileira de Letras, onde passaria a ocupar a cadeira de Antônio Calado.48

Por fim, a gravação do filme O viajante que, segundo reportagem do Jornal Gazeta

Regjornal, mobilizou diversos setores na cidade. O texto informa que o filme de Paulo

César Sarraceni, baseado no romance homônimo de Lúcio Cardoso, tinha no elenco

artistas como Marília Pera, Milton Nascimento, Jairo Mattos e Leandra Leal. Interessa

discutir aqui o impacto desta ação cultural na cidade, cuja divulgação insiste na ideia do

“orgulho do ubaense”, a exemplo desse trecho: [...] E assim Ubá ficará registrada para sempre neste filme denso, nesta ópera trágica da obra de Lucio Cardoso [...] Nossa cidade não será mais a mesma depois deste filme e tornará que outras produções deste porte usem e abusem da nossa terra para entrarmos definitivamente no circuito do cinema e contribuirmos definitivamente para a cultura nacional.49

O destaque acima nos leva a pensar nas intenções por trás dos discursos que

acompanham os trabalhos sobre a gravação do referido filme em Ubá. Principalmente

nas frases grifadas é possível perceber certo jogo de palavras de conteúdo, o que tende a

induzir o leitor para esse sentido. Através do que foi divulgado pela mídia, a cidade

exercia um papel imprescindível no cenário da cultura cinematográfica brasileira.

Considerando a frase final (“entrarmos definitivamente no circuito do cinema e

contribuirmos definitivamente para a cultura nacional”), fica a ideia de que a partir

daquele momento, em função do trabalho dos agentes públicos responsáveis pela

condução de tais acontecimentos, a cidade passaria a ocupar lugar de destaque na

cultura Brasileira e que outras produções estariam prestes a desembarcar no município.

47 “Valeu Nayla, agora é Miami”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 02, 09 de maio de 1997. Ubá–MG. P.01. 48 “Câmara entrega título e comenda”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 10, 19 de dezembro de 1997. Ubá–MG. P.01. “Perfil do acadêmico”. Localizada em http://www.academia.org.br/academicos/antonio-olinto (Consulta em 24.04.2016). 49 “Cinema em foco”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 11, 06 de fevereiro de 1998. Ubá – MG. P.13. Grifos nossos.

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Tal direcionamento aponta para a tônica ufanista do discurso, visto como um

componente do processo de implantação da política pública de patrimônio cultural em

Ubá. Além do filme O Viajante, outros dois acontecimentos já citados também foram

provavelmente usados para difundir esse discurso ufanista: a eleição de um ubaense

para a Academia Brasileira de Letras e a escolha de uma ubaense para o título de Miss

Brasil.

A divulgação desses acontecimentos, da forma como aconteceu, configura duas

possíveis interpretações: o reforço da ideia de projeção nacional da chamada “Cidade

Carinho”50 para além das fronteiras imaginadas e, em consequência disso, uma forma de

enaltecer os grupos que estiveram à frente desses acontecimentos. Neste caso, os

mesmos que exerceram o papel de condutores da política pública de patrimônio em

Ubá, ou seja, os agentes do patrimônio e os agentes políticos, no exercício do poder

local naquela oportunidade.

Tais questões podem ser analisadas a partir da Teoria da interpretação – o

discurso e o excesso de significado, de Paul Ricouer. O autor fala que o conteúdo

proposital do discurso51 é o sentido do que se pode comunicar, pois, em muitos casos, a

principal mensagem de um discurso não se encontra evidente, mas nas entrelinhas, de

forma subliminar, assim como vimos nos discursos que foram produzidos a partir das

memórias relativas às gravações de O Viajante, da Miss Brasil 1997 e da eleição da

Academia Brasileira de Letras. Outra possível análise dessas questões também pode ser

feita a partir de História e Memória, de Jacques Le Goff, pois

Com o impresso [...] não só o leitor é colocado em presença de uma memória coletiva enorme, cuja matéria não é mais capaz de fixar integralmente, mas é frequentemente colocado em situação de explorar textos novos. Assiste-se então à exteriorização progressiva da memória individual; é do exterior que se faz o trabalho de orientação que está escrito no escrito.52

Analisar esses discursos cujo conteúdo se torna memória coletiva a partir das

intenções daqueles que os produzem é, sobretudo, ler o que está escrito além do escrito.

Isto significa entender o que está proposital nas entrelinhas do discurso, isto é,

50 NOTA: A expressão é usual quando em relação à cidade de Ubá. Ao que tudo indica, ela apareceu na imprensa pela primeira vez na Edição Nº63 do Jornal “Cidade de Ubá”, de 31 de maio de 1938. 51 RICOEUR. Teoria da interpretação - O discurso e o excesso de significado. Lisboa: Edições 70, 1976. p.28. 52 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira Borges. 3ª Edição. Campinas (SP): Editora da UNICAMP, 1994. p.457-458.

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informações que se pretendem tomar o inconsciente coletivo para reforçar ideologias.

Nesse contexto, é importante observar outros elementos que permearam a implantação

da política pública de preservação patrimonial em Ubá. Naquele momento, a internet

ainda não era um meio de comunicação de massa, principalmente no município de Ubá.

Além dos jornais escritos e radiofônicos existentes, havia uma emissora local de

televisão, a TV Ubá, fundada no ano de 1994 e dirigida por Saulo Coelho, herdeiro da

terceira geração do levindismo. Em relação à imprensa escrita, o Jornal Gazeta

Regjornal e o Jornal Folha do Povo, paralelamente com a imprensa televisada, eram os

responsáveis por noticiarem as principais ações e os acontecimentos que integram o

arcabouço de análises proposto neste trabalho de pesquisa. Ressalta-se que o Jornal

Folha do Povo era dirigido pela família Coelho, herdeira política do levindismo, e que o

Jornal Gazeta Regjornal, fundado naquele ano de 1997, era dirigido pelo então

vereador Miguel Poggiali Gasparoni,53 que também era conselheiro e vice-presidente do

Conselho Municipal Deliberativo do Patrimônio Cultural de Ubá.54

Considerando que esses representantes da imprensa local também pertenciam

aos quadros do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), assim como o então

prefeito de Ubá naquele momento, Narciso Michelli, é possível pensar na configuração

de uma relação bem próxima onde os meios de comunicação e os interesses políticos

agiam sobre a política pública de preservação do patrimônio cultural. Não obstante,

alguns desses indivíduos exerciam, concomitantemente, papeis de agentes de defesa do

patrimônio, agentes políticos e agentes da comunicação, o que representava

consideráveis possibilidades para exercício do poder. Afinal, a identificação da ênfase

ufanista presente nos discursos, funcionava como tentativa de manipulação de memória,

haja vista a ausência de conflitos com outras memórias. Tal discussão é reforçada por

Michel Pollak, que fala do caráter uniformizador da memória, o que leva a um processo

de homogeneização.55

Portanto, ao analisar os discursos que deram conotação ufanista aos

acontecimentos narrados anteriormente, como a gravação do filme O Viajante em Ubá,

a escolha de uma Miss Brasil ubaense e a eleição de Antônio Olinto para a Academia

Brasileira de Letras, questiono o poder de persuasão dessas manifestações públicas, haja 53 Primeira edição do Jornal Gazeta Regjornal, Número 01, de 04 de abril de 1997. Ubá-MG. P. 01. 54 Prefeitura Municipal de Ubá, Decreto Número 3.695, de 04 de novembro de 1997 – Nomeia os membros do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Ubá. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br.legislacao (Consulta em 22 de abril de 2016) 55 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, 2 (3). Rio de Janeiro, 1989. p.3-15. p.02.

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vista que tais pronunciamentos, realizados através da imprensa, são desprovidos de

situações conflituosas. Com isso, percebe-se a função de uniformização da memória

presente na implantação da política pública de patrimônio em Ubá, o que induz,

novamente, ao questionamento da situação das memórias vinculadas às manifestações

culturais não incluídas nessas lembranças amplamente divulgadas: um parasitismo

imposto, um esquecimento provocado.

1.5: Seis décadas de um samba-exaltação - Aquarela do Brasil, a música

monumentalizada pela política pública de patrimônio em Ubá.

As análises propostas pelo autor de História e Memória nos remete à reflexão

acerca de uma situação observada no Município de Ubá, quando da comemoração pelos

sessenta anos da primeira gravação da música Aquarela do Brasil. Neste sentido, ações

promovidas pelos agentes culturais na cidade, no segundo semestre do ano de 1999,

oferecem condições para discutir sobre as possibilidades de monumentalização que

marcou esse episódio.

Inicialmente, o que chama atenção são as palavras utilizadas pela imprensa local

para referência à composição de Ary Barroso, que fomenta o discurso ufanista em curso

naquele período. Como exemplo, destaco expressões emblemáticas encontradas na

imprensa escrita, como: “embaixatriz mais famosa do Brasil”,56 “música mais

importante da MPB nos últimos cem anos”,57 “a música do século XX”,58 “o segundo

hino nacional do Brasil”.59 Tais manchetes estão relacionadas às comemorações em

torno do evento que comemorou as seis décadas da primeira gravação da Aquarela do

Brasil, uma das composições de Ary Barroso.

Segundo informações obtidas através da imprensa local, tal iniciativa partiu do

CDMPCU, cujos conselheiros formaram o “Comitê pró-60 anos de Aquarela”,

incumbido da organização e realização dos festejos. A comemoração aconteceu no dia

18 de agosto de 1999, através de seis eventos que se estenderam do início da manhã até

a noite: homenagem de estudantes no monumento da Clave de Sol na Praça das Mercês,

56 “Aquarela, a embaixatriz mais famosa do Brasil, comemora 60 anos”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 30, 04.08.1999. Ubá – MG. P.3. 57 “Ubá em forma de Aquarela”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 31, 29.08.1999. Ubá – MG. P.5. 58 “As gravações de Aquarela”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 30, 04.08.1999. Ubá – MG. P.3. 59 “O reconhecimento da cidade carinho ao filho ilustre”. Op.Cit. P.3.

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apresentação da Banda de Música do 21º Batalhão de Polícia Militar na Praça da

Independência, homenagem no busto do compositor, inauguração da Praça Aquarela do

Brasil, missa em ação de graças e serenata pelas ruas do centro da cidade.60 Ressalta-se

que a ideia do comitê organizador foi justamente promover a comemoração através da

realização de seis eventos, um para cada década dos sessenta anos de “Aquarela”.

Em que pese o fato de que a expressão educação patrimonial não tivesse sido

utilizada nos discursos produzidos naquele momento, é possível pensar que tais

comemorações constituíram exemplo de divulgação da memória, da identidade e do

patrimônio cultural, conforme relata publicação do IPHAN61 a esse respeito. Por isso

mesmo, ainda que não por declaração pública, as comemorações em torno da música

Aquarela do Brasil podem ter sido uma oportunidade de praticar uma incipiente

educação patrimonial no município de Ubá.

Todavia, diferente das orientações presentes na citada publicação do IPHAN

sobre educação patrimonial, as comemorações pelos sessenta anos da música de Ary

Barroso, em Ubá, parecem não ter seguido a premissa de envolvimento da comunidade

e discussão conjunta sobre comemorações em torno de manifestações culturais. Afinal,

como ficou claro nas reportagens pesquisadas, as decisões ficaram a cargo de uma

comissão formada por representantes do CDMPCU, uma instituição que havia sido

formada dois anos antes. Ademais, agentes culturais presentes na liderança dessas

ações, também eram políticos que, como vimos anteriormente, desenvolveram ações

que podem ser interpretadas como processos de enquadramento de memória.

Também é importante observar que os discursos presentes nessa comemoração,

assim como aqueles que acompanharam a gravação do CD Ary Mineiro, destacaram

apenas os fatos positivos a respeito de Ary Barroso, sem questionamentos ou relação a

quaisquer acontecimentos que pudessem esclarecer pontos de interrogação, como, por

exemplo, a conturbada relação do compositor com a cidade, cuja discussão não foi

pauta levantada em nenhum dos dois episódios realizados em Ubá, ou seja, a gravação

do referido CD e a comemoração da música Aquarela do Brasil. Assim, a realização

dessas duas ações culturais pode ser entendida como tentativa de monumentalização e

cristalização de mais um símbolo para ser cultuado na cidade.

60 “Ubá em forma de Aquarela”. Op.Cit. P.5. 61 FLORENCIO, Sônia Rampim; CLEROT, Pedro; BEZERRA, Julina; RAMASSOTE, Rodrigo. Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília (DF): IPHAN/DAF/COGEDIP/CEDUC, 2014. p.10.

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Tais questões remetem à discussão proposta Márcia Chuva em Os Arquitetos da

Memória, quando discute o trabalho desenvolvido pelo governo de Getúlio Vargas a

partir da década de 1930. De acordo com a autora, os órgãos administrativos e

intelectuais modernistas forjavam um ideal de “brasilidade”, ajudando a construir uma

narrativa nacionalista para o país, a partir dos museus históricos, parques nacionais e

patrimônios tombados.62 Da mesma forma, em Ubá, é possível perceber que os agentes

culturais, com a monumentalização de uma música, a partir da memória de Ary Barroso

e da Aquarela do Brasil, tentavam forjar, não um ideal de brasilidade, mas um ideal de

ubaense famoso que deveria ser reverenciado por seus conterrâneos. Afinal, a presença

da memória de um compositor, ainda que manipulada, poderia contribuir para os

objetivos voltados à implantação da política cultural de patrimônio no município de

Ubá, pois reforçam e dão certa credibilidade ao trabalho do grupo de agentes

patrimoniais.

Tal observação, ou seja, que havia um projeto, mesmo que inconsciente, de

monumentalizar Aquarela do Brasil e criar uma imagem de um Ary Barroso como uma

figura próxima à cidade natal, pode ser corroborada por trecho de uma reportagem.

“A partir das comemorações dos sessenta anos da primeira gravação do samba-exaltação Aquarela do Brasil, o coração do ubaense se juntou à memória do filho ilustre: o genial compositor Ary Barroso. A criação de um Comitê Ubaense pró-60 anos de Aquarela, integrado por membros do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Ubá, com integral apoio da Municipalidade, possibilitou o envolvimento de diversos segmentos da comunidade local. A data histórica foi um presente do filho ilustre, pai de um vasto repertório da MPB”.63

A utilização de elementos do texto como “coração do ubaense” e “memória do

filho ilustre” fornece condições para pensar que havia um propósito maior que a simples

comemoração de uma data. Fica evidente que quem liderava esse trabalho eram os

agentes do patrimônio, os mesmos que, respaldados pelos agentes políticos, atuavam na

implantação da política de patrimônio cultural na cidade. Neste caso, o orgulho ubaense,

inflado pelo fato de um famoso compositor ser conterrâneo, servia como combustível

para essa política pública em curso, uma vez que os grupos no poder se apropriavam

dessa memória para fortalecer as ações promovidas por eles próprios, a exemplo das

citadas anteriormente, como o tombamento e a restauração do Ginásio “São José”, cuja 62 CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. p.151. 63 “Ubá em forma de Aquarela”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 31, 29.08.1999. Ubá – MG. P.5.

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escolha partiu unilateralmente de determinado grupo, em detrimento de outros bens

culturais existentes na cidade, como o Congado “Nossa Senhora do Rosário” ou a

Banda “22 de Maio”, representantes dos segmentos sociais de menor poder econômico.

1.6: Projeto de lei para tratamento de esgoto e suas interferências na

política pública de patrimônio cultural em Ubá.

Importante ressaltar que de 1997 a 2000, período em que aconteceu o trabalho

para implantação da política pública de patrimônio cultural no Município de Ubá,

tramitou na Câmara Municipal da cidade um projeto de lei proposto pelo Poder

Executivo para autorizar concessão de serviços urbanos sanitários à Copasa (Companhia

de Saneamento de Minas Gerais), que já explorava a concessão do tratamento e

distribuição de água na cidade. De acordo com notícias divulgadas pela imprensa local,

tal projeto estava incluído entre os principais objetivos daquela administração, mas é

possível perceber resistência por parte dos vereadores em aprovar tal concessão.64 Ao

longo desse tempo, ou seja, 1997 a 2000, as discussões em torno da votação do “projeto

de esgoto” mobilizaram diversos setores da cidade, colocando o legislativo ubaense em

duas distintas posições: os favoráveis e os contrários à referida concessão. Na verdade,

isso representava o posicionamento de dois grupos políticos na cidade: aqueles que

estavam a favor do prefeito Narciso Michelli e aqueles que assumiram posição

contrária.

Em meio aos debates produzidos naquele momento, o assunto começou a fazer

parte dos discursos trazidos pela imprensa da cidade. Inicialmente, em agosto de 1997,

quando uma reportagem do Jornal Gazeta Regjornal anunciou que o esgoto sanitário

seria o problema mais angustiante de Ubá.65 O texto relata ainda que o rio Ubá estava

recebendo diariamente os dejetos de 80 mil pessoas e, sendo aprovada a concessão do

serviço de saneamento à Copasa, aconteceria a despoluição do rio, pois a empresa

concessionária, tendo aprovação do Legislativo, iria construir três estações de

tratamento de esgoto e promover a substituição de mais de 30 mil metros de redes

64 “Prefeito destaca importância do projeto da Copasa em sua mensagem à Câmara. Jornal Gazeta Regjornal. Número 15, 27.05.1998. Ubá – MG. P.03. 65 “Copasa poderá encampar o esgoto de Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 05, 07.08.1997. Ubá – MG. P.04.

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coletoras de esgoto. Na mesma reportagem, o prefeito Narciso Michelli fez uma

declaração afirmando que esta proposta de serviço seria um “compromisso da

administração”.66

As declarações acima demonstram posição assumida pelo órgão de imprensa da

cidade, ou seja, unir-se ao grupo político que se encontrava no poder e levantar a

bandeira da concessão para realização do tratamento de esgoto em Ubá. Chama a

atenção a utilização da palavra “compromisso” na fala do então prefeito da cidade,

considerando que se tratava do ano 1997, quando começou sua terceira gestão à frente

do executivo municipal e, concomitantemente, iniciou-se também a política pública de

patrimônio cultural no Município. Nesse ínterim, as ações no campo do patrimônio,

como a campanha ufanista e a revitalização do Ginásio “São José”, talvez tivessem mais

ligações com o trabalho pela aprovação do “projeto do esgoto” na Câmara do que uma

simples aparência poderia supor.

De acordo com reportagens publicadas no final do ano de 1997, o grupo político

que apoiava o prefeito e liderava as ações patrimoniais estava com dificuldade para

conseguir aprovação do referido projeto no legislativo ubaense. O grupo adversário de

vereadores, juntamente com representantes de entidades de Ubá, exigiam explicações

detalhadas e procuraram se inteirar dos detalhes da proposta para concessão de

tratamento de esgoto através de reunião com a diretoria da Copasa.67 Entretanto, isso

não foi suficiente para convencer a oposição a votar de acordo com os interesses do

então prefeito. Em dezembro de 1997, o chamado “projeto do esgoto” foi rejeitado na

Câmara Municipal,68 demonstrando que o “compromisso” daquela administração não

era compartilhado por todos os vereadores.

No início de 1998 o Executivo reapresentou o referido projeto à Câmara. Desta

vez, alterando a questão tarifária, assunto que gerou polêmica no ano anterior. Com

isso, a proposta de tarifa para a população, considerando que a Copasa, desde 1976, já

era a concessionária do serviço de água no Município de Ubá, consistiria em 50% do

valor da conta de água a partir do quarto mês de implantação do serviço; 75% do valor

da conta de água a partir do quarto ano; 100% após a conclusão das obras.69

66 “Copasa poderá encampar o esgoto de Ubá”. Op.Cit. P.04. 67 “Câmara realizou sessão informal para ouvir comunidade sobre projeto da Copasa”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 06, 29.08.1997. Ubá – MG. P.02. 68 “Vereadores rejeitam projeto do esgoto”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 10, 19.12.1997. Ubá – MG. P.01. 69 “Conheça detalhadamente todo o projeto e tire suas conclusões”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 15, 27.05.1998. Ubá – MG. P.03.

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Importante salientar atitude do prefeito que, juntamente com o reenvio à Câmara

do referido projeto de lei, incluiu uma mensagem para os vereadores da cidade. Alguns

trechos chamam a atenção por formarem paralelos de comparação com a política

pública de patrimônio cultural e, por isso, serão objetos dessa análise.

[...] Muitos devem se recordar do pesadelo que era a distribuição domiciliar de água, há vários anos, quando moradores de bairros distantes e de regiões elevadas eram martirizados diariamente com a falta d´água. Escolheu-se à época uma empresa da Administração Estadual, para resolver o problema sob a forma da concessão desses serviços. Não faltaram à época, adversários a essa ideia, que alegavam que se poderia revolver o problema de outra forma. Persistiu, felizmente, o bom senso e a Copasa se instalou em nossa cidade. [...] Hoje a história tenta se repetir. Tem o Município a oportunidade de resolver um problema que se arrasta desde a implantação da primeira rede de captação de esgotos em Ubá. Estamos, senhores, a menos de uma década do sesquicentenário de nossa cidade. Se não formos capazes de uma atitude eficaz agora correremos o sério risco de comemorarmos esta data marcante om este rio diminuído ultrajado, mais agonizante do que como se encontra em nossos dias. As gerações posteriores não merecem essa desventurada herança [...].70

A Copasa era a empresa responsável pela distribuição do serviço de água no

Município de Ubá desde 1976. Naquele mesmo ano, o ubaense Levindo Ozanam

Coelho assumiu o Governo do Estado de Minas Gerais, onde ficou por dois anos (1976

a 1978), em substituição a Aureliano Chaves, eleito Vice-presidente da República

durante o período militar.71 Ao analisar as memórias relacionadas à discussão sobre a

concessão do serviço de água em Ubá, na década de 1970, o discurso do ex-prefeito

Narciso Michelli, visto como tentativa para convencer os vereadores a aprovarem a

concessão de esgoto, assumida como “compromisso” pela administração municipal,

trouxe à tona memórias inerentes ao chamado levindismo, isto é, uma característica

política da cidade onde os agentes públicos seguiam as orientações de determinada

família detentora de poder político local, de acordo com expressão da memorialista

Clotilde Vieira.72

Considerando que a implantação da política pública de patrimônio cultural

coincide com a trajetória do projeto de concessão de esgoto na Câmara Municipal (1997

a 2000), é possível pensar que ambas tiveram vínculos muito fortes. Um dos motivos

70 “Prefeito destaca importância do projeto da Copasa em sua mensagem à Câmara”. Op.Cit. P.03. 71 Localizada em http://descubraminas.com.br/MinasGerais/Pagina.aspx?cod_pgi=2548 (Consulta em 13.02.2016). 72 VIEIRA, Maria Clotilde. História de Ubá para as escolas. Viçosa: Editora de Viçosa, 1990. p. 53.

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para este argumento está no fato de que as ações culturais desenvolvidas entre os anos

de 1997 e 2000, no Município de Ubá, foram pautadas em aspectos que remetem ao

chamado levindismo. Como exemplo, a gravação do CD Ary Mineiro e a restauração do

Ginásio “São José”, ambos patrocinados pela empresa Telemig, então presidida por

Saulo Coelho, herdeiro político do Senador Levindo Coelho, primeiro líder dessa

corrente política local. O nome do ex-senador foi invocado indiretamente tanto na

campanha para aprovação do “projeto do esgoto”, quanto pelas ações culturais em

curso, sendo que essas ações culturais se caracterizaram pela característica ufanista com

que foram realizadas.

Outro motivo para a vinculação do projeto de concessão de esgoto à implantação

da política pública patrimonial na cidade, seria a dimensão cultural que tais ações

patrimoniais e culturais poderiam render aos agentes políticos em exercício naquele

momento na cidade. Ao produzir discursos sobre memória e identidade, esse grupo

político se aproximava da elite cultural de Ubá. Considerando as tentativas para

aprovação do projeto considerado “compromisso” da administração municipal daquela

época, tal aproximação poderia representar um possível fortalecimento do poder de

influência desses agentes, principalmente no que tange as decisões da Câmara

Municipal e as barreiras impostas pela oposição no legislativo ubaense.

Após o terceiro ano de tramitação na Câmara Municipal de Ubá, o projeto para

concessão do tratamento de esgoto à Copasa foi rejeitado. Com isso, o grupo político

ligado ao prefeito sofreu três sucessivas derrotas no período de 1997 a 2000. A última

votação foi encerrada com nove votos contrários e seis favoráveis.73 O grupo de

vereadores que votou “não” à concessão, argumentou, através da imprensa, que faltou

diálogo entre a Copasa, a Prefeitura e o Legislativo, e que algumas questões básicas

inerentes ao texto do projeto não foram esclarecidas a contento.74

Tal justificativa possibilita pensar em certo autoritarismo por parte dos órgãos

interessados na aprovação do serviço sanitário em Ubá. Além disso, também é

importante afirmar que o projeto político em curso naquele momento na cidade, aqui

identificado como uma espécie de “costura” que perpassa as ações culturais voltadas

para a preservação do patrimônio em Ubá e a campanha para aprovação do serviço de

saneamento na cidade, no final do século XX, tenha, ao fim e ao cabo, naufragado. Uma

73 “Vereadores votam contra projeto de esgoto mais uma vez”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 35, 18.12.1999. Ubá – MG. P.07. 74 “O debate”. Op.Cit. P.07.

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possível consideração a ser tecida em relação a esse “naufrágio”, passa pela forma com

que tal política pública foi conduzida, ou seja, um determinado grupo pensou e executou

todas as ações apresentadas ao longo deste capítulo, sem construir pontes concretas para

atrair o apoio das comunidades interessadas.

Uma questão que corrobora essa análise é o grupo responsável pela implantação

da política pública de patrimônio cultural em Ubá, no poder de 1997 a 2000, ter sido

derrotado nas eleições municipais. As discussões acerca dessa mudança no cenário

político da cidade, bem como as consequências advindas desse processo, serão

analisadas no Capítulo 2 da presente dissertação.

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41

Capítulo 2. Duas patrimonializações inauguram a nova fase

da política pública de patrimônio cultural realizada em Ubá.

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42

Em Uma história do patrimônio no ocidente, Dominique Poulout argumenta

sobre a posição privilegiada que o patrimônio ocupa hoje no mundo. Segundo o autor,

tal situação acontece, principalmente, por causa de dois aspectos que, ao longo da

história, contribuíram para isso. Primeiro, o da legitimidade, em que pesa a antropologia

jurídica e política que propiciou sua transmissão. Depois, o aspecto da identidade, este

relacionado à Revolução Francesa e ao conceito de Estado-Nação que, no decorrer do

XIX, ganharam vulto no mundo ocidental. Acontecimentos posteriores, como a

Segunda Guerra Mundial, também contribuíram para a disseminação do termo

patrimônio, à medida que o culto da herança deixou de ser uma preocupação de

reduzida elite, tornando-se compromisso coletivo, ainda que por delegação. O autor

também insere nesse contexto de análise as transformações culturais pelas quais o

mundo passou a partir dos anos de 1960, quando se amplia a noção de cultura.

Ainda segundo Poulout, a sociedade de consumo, marcada pela cultura de massa

nos dias atuais, utiliza o patrimônio como instrumento de desenvolvimento, agindo em

relação a ele de acordo com interesses locais ou nacionais, configurando uma verdadeira

“cruzada popular”.75 O autor nos leva a questionar ainda o fato de que essas mudanças

relativas ao patrimônio contribuíram para a banalização do termo, numa visão debilitada

daquilo que deveria ser considerado importante para a sua preservação.

A atualidade impactante da patrimonialização parece ter impedido o questionamento a respeito da construção dessa forma de obrigação relativamente à presença material do passado. A afirmação de um ponto de vista contrário – a eventual recusa da patrimonialização ou sua contestação – é rapidamente estigmatizada, no debate público, com o termo ‘vândalo’. A emergência de críticas é, por isso mesmo, bastante improvável fora da expressão de divergências sobre a maneira de realizar, nas melhores condições, o tratamento dos monumentos, objetos e sítios. Ocorre, às vezes, que certas reivindicações, por parte de um grupo social, conduzem a debater ou a suscitar polêmicas a propósito de determinada forma de patrimônio vista como exagerada ou ilegítima; mas, em uma visão de conjunto, essas situações que eventualmente poderiam levar a um discurso crítico permanecem marginais.76

Nesse sentido, a delegação do culto da herança, aqui identificada com a

realidade dos Conselhos Municipais do Patrimônio Cultural, a pluralidade das

identidades, como fenômeno resultante do processo de globalização, e a banalização do

75 POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no ocidente, séculos XVII-XXI. Citação de David Lowenthal. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira, Editora Estação Liberdade: São Paulo, 2009. p.200. 76 Ibidem. p.202.

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sentido de patrimônio, de alguma forma, podem ter contribuído para o crescimento de

uma onda de patrimonialização nos últimos tempos. Tal situação se traduz em

verdadeiras eleições indiretas daquilo que deve ou não ser preservado, tendo a vontade

de um grupo social como fator determinante dessa realidade que, segundo o autor,

merece uma análise crítica a fim de levantar as polêmicas e esclarecer os interesses

subliminares inerentes a tais ações.

Há que se considerar que os agentes do patrimônio, indivíduos encarregados e

delegados pelo poder público para decidir o que deve ou não ser considerado

patrimônio, em muitos casos, agem conforme pontos de vista e interesses próprios,

podendo tais interesses ter relação com histórias e lembranças pessoais que,

necessariamente, não dizem respeito aos anseios da comunidade. Em relação à realidade

patrimonial no Município de Ubá, considera-se que os agentes do patrimônio,

integrantes do CDMPCU, composto por entes públicos, memorialistas, agentes culturais

e políticos, dentro do espaço temporal de 2001 a 2004, promoveram uma verdadeira

corrida de patrimonializações na cidade. Em determinados momentos do texto

denomino esse processo analisado por um “trem” de patrimonialização, ressaltando que

o termo é empregado de forma subjetiva para sugerir a ideia de algo sem interrupção,

com trajetória definida, comparativamente às ações postas em prática em Ubá no

período em questão.

Entretanto, também é relevante pensar em outras questões, principalmente

aquelas relacionadas aos conflitos que emergem em determinados momentos da corrida

desse “trem”. Em trecho de artigo publicado na Revista Espaço e Tempo, intitulado

“Patrimonialização do patrimônio: ensaio sobre a relação entre turismo, patrimônio

cultural e produção do espaço”, a autora Rita de Cássia Ariza da Cruz chama de

patrimonialização a institucionalização dos mecanismos de proteção do patrimônio, que

passam por situações de conflito e de contradição. Segundo ela,

No que tange ao patrimônio material inserido em contextos urbanos – e, diga-se de passagem, onde se encontra grande parte dos remanescentes culturais materiais de tempos pretéritos - as ações de inventário e tombamento se dão no interior de uma arena conflituosa, permeada por interesses (nem sempre) antagônicos, e da qual sobressai a hegemonia de uns mediante a submissão dos interesses de outros.77

77 CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Patrimonialização do patrimônio: ensaio sobre a relação entre turismo, patrimônio cultural e produção do espaço. Revista Tempo e Espaço, Número 31:2012. São Paulo-SP. pp 95-104. p.100.

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Fica evidente que o próprio ato de preservar, partindo do poder público ou da

comunidade, não elimina os conflitos inerentes aos processos, seja por questões de

interesse econômico dos proprietários de imóveis que são contra o tombamento, seja por

questões políticas envolvidas, ou, ainda, por questões relacionadas à memória. A

presença desses diferentes interesses torna o processo de patrimonializar uma zona nem

sempre harmoniosa, onde a hegemonia de uns e a submissão de outros pode ser

considerada como marca fundamental. Ou seja, à medida que determinado bem cultural

é nomeado como merecedor de preservação, outros são relegados a segundo plano. E

esse processo de escolha, que caminha entre o hegemônico e o submisso, dá ao

patrimônio cultural a conotação de área conflituosa. Neste sentido, assim como se

encontra em Civale, é relevante perceber o espaço urbano não como um lugar

harmonioso, mas como espaço marcado pelo conflito.78

Importante ressaltar que por trás das escolhas realizadas nos processos de

patrimonialização há, logicamente, interesses variados, como econômico ou político.

Entretanto, interessa investigar essa segunda fase da política pública patrimonial, levada

a efeito em Ubá, Minas Gerais, de 2001 a 2004, tendo em vista a percepção sobre quais

conteúdos de memória estão sendo trazidos à tona nesse período e, essencialmente,

como essas memórias foram utilizadas pelos agentes condutores do processo. Ademais,

ao propor uma crítica aos trabalhos desenvolvidos pela política pública de patrimônio

cultural em Ubá não há intenção de argumentar de forma contrária ou favorável a

quaisquer elementos observados ou ações analisadas. O objetivo é suscitar

questionamentos que possam esclarecer pontos de interrogação, a fim de levantar

possíveis pontos de vistas ainda não apresentados anteriormente, quando da elaboração

dos respectivos dossiês de tombamento ou registro. Nesse sentido, não é pretensão

apontar erros ou julgar os atores envolvidos nos processos a serem estudados, pois isso

seria retornar a um tipo de “compreensão literal”79 da realidade, como se encontra em O

que é história cultural de Peter Burke. Em vez dessa compreensão positivista do objeto

de estudo, cuja característica seria a atenção para a linearidade absoluta dos feitos e dos

fatos, o presente trabalho propõe uma análise à contrapelo, ou seja, buscar entender o

que não está nítido na documentação, objetivando revelar novas evidências.

78 CIVALE, Leonardo. Sobre luzes e Sombras: A revitalização da Praça XV de Novembro no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro e o papel da paisagem urbana como patrimônio cultural (1982-2012). In: Cadernos de Geografia. DOI 10.5752. V.25, nº44. 2015. p.148. 79 BURKE, Peter. O que é história cultural? Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; 2005. p.163.

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Para isso, neste Capítulo 2 apresento dois processos de tombamento: Paço

Municipal e Escola Estadual “cel Camilo Soares”. O primeiro representou importante

passo na segunda fase da política pública de patrimonialização realizada em Ubá, pois

inaugurou a partida de uma locomotiva, em 2001. Além de estar inserido em inusitado

contexto político local, tal processo deflagra outras ações por parte dos agentes do

patrimônio de Ubá daquele período. Apesar de cada uma delas ter motivações

específicas, nota-se que estiveram vinculadas, direta ou indiretamente, à memória de

uma professora que teria sido a idealizadora desses atos de preservação, analisados aqui

sob a ótica de patrimonialização, pois aconteceram a partir de iniciativas do poder

público ou das pessoas incumbidas de analisar o que deveria ou não ser preservado.

O segundo processo é o tombamento do prédio da primeira escola pública de

Ubá, a Escola Estadual “cel. Camilo Soares”, no ano de 2002, onde ex-alunos foram

consultados, através de questionário escrito, sobre o processo em curso. Ainda assim,

percebe-se certa intencionalidade do poder público com este e também com demais atos

oficiais de preservação, transformando solenidades de homologação dos mesmos em

verdadeiros palcos para divulgação de interesses que iam além do patrimônio cultural,

tomado, muitas vezes, como pano de fundo para outros objetivos.

De um modo geral, a análise aqui proposta visa identificar as memórias que

estiveram veladas nos discursos que permearam tais processos, assim como os agentes

cujas ações foram decisivas para os trabalhos desenvolvidos neste início da segunda

fase da política pública de patrimônio cultural, entre 2001 e 2002.

Diante disso, utilizo como fontes de consulta as atas do CDMPCU, reportagens

divulgadas pela imprensa escrita local, principalmente o jornal Gazeta Regjornal, os

dossiês de tombamentos e de registro que foram elaborados naquele momento, sites que

oferecem material de pesquisa em nível local, estadual e nacional, além de bibliografia

auxiliar para embasar as argumentações de acordo com a temática abordada.

2.1: Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”: o

primeiro vagão do “trem” da patrimonialização.

Em A alegoria do patrimônio Françoise Choay discute como as diferentes

sociedades, ao longo da História, conseguiram constituir um pensamento acerca da

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noção de patrimônio, principalmente a partir da Revolução Francesa e da Revolução

Industrial, no século XVIII. A autora também enfatiza a importância dos discursos que

ainda hoje continuam sendo criados, no intuito de selecionar o que deve ou não ser

patrimonializado. Choay diz que essas práticas fazem parte de um novo ideário

ocidental, inaugurado após a II Guerra Mundial (1939–1945). Para a autora, a forma

como o patrimônio é concebido hoje, isto é, com sua função ligada ao fortalecimento do

Estado-Nação e da identidade de grupos sociais, pode ser uma manifestação daquele

conturbado período da história da humanidade.80 Para Regina Abreu, foi também a

partir da Segunda Guerra Mundial que o conceito de cultura se tornou menos elitista e

mais democrático, relacionando-se a manifestações sociais como um todo. É a partir

disso que as discussões sobre práticas de patrimonialização também se modificam e se

adaptam ao debate.81

Vale ressaltar que as visões propostas por Françoise Choay e Regina Abreu,

sobre a noção de patrimônio cultural, é corroborada por Dominique Poulot, de acordo

com discussão apresentada no início do presente capítulo. É evidente que o patrimônio

cultural, em muitos casos, é percebido a partir do ponto de vista dos grupos que

decidem o que será preservado. Historicamente, essa concepção de patrimônio ganha

força depois da Segunda Grande Guerra, quando os resultados catastróficos do conflito

provocaram uma revolução no pensamento humano. Por outro lado, falar de um

conceito de cultura “mais amplo” que o anterior à guerra nos leva a pensar em

democratização das ações culturais e, ao mesmo, certa forma de dominação exercida por

determinado segmento social. Esse mecanismo de dominação, centrado na noção de

patrimônio cultural, está no cerce da discussão sobre fortalecimento do Estado-Nação,

presente nas obras citadas de Choay e Poulot.

Por isso, considero que analisar as ações e os processos de patrimonialização dos

bens culturais constitui um caminho para a melhor compreensão da realidade em que

vivemos, possibilitando a identificação dos grupos que, porventura, queiram assumir a

posição de domínio e, em contrapartida, aqueles que são levados à subjugação.

Pensando também nessa discussão, prossigo com a análise da política pública de

patrimônio cultural realizada na cidade de Ubá, Minas Gerais, mas, desta vez, como o

80 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade/Editora UNESP, 2001. p.249. 81 ABREU, Regina. A emergência do patrimônio genético e a nova configuração do campo do patrimônio. In: CHAGAS, Mário e ABREU, Regina (orgs). Memória e Patrimônio: Ensaios contemporâneos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. p.36.

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foco na segunda fase, marcada por sucessivos processos de patrimonialização, cuja

inauguração se deu com o tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam

Coelho”. Neste caso, o desenrolar do processo abrange uma série de considerações que

não podem passar despercebidas, principalmente quando a análise é feita sob um ponto

de vista crítico e histórico.

Importante ressaltar que se trata de uma patrimonialização iniciada por uma

gestão municipal e concluída por outra, ou seja, um prefeito deu início ao processo e o

seu sucessor o finalizou. Em meio a esses trâmites aconteceram eleições municipais, o

que alterou a configuração política existente na cidade de Ubá. Entretanto, além de não

significar ruptura nas ações relacionadas à política pública de patrimônio cultural em

curso, como o tombamento do “Paço”, essa mudança representou uma aceleração do

processo, ou seja, o “trem” da patrimonialização ganhou ainda mais impulso,

principalmente em função dos tombamentos e registros concluídos em Ubá de 2001 a

2004. Por isso esse período é considerado como uma segunda fase da política pública de

patrimônio na cidade.

Porém, antes de adentrar na discussão sobre o impulso patrimonializante em

Ubá, vale ressaltar que a iniciativa para o tombamento do Paço Municipal “Governador

Ozanam Coelho” aconteceu dentro das comemorações pelo centenário do prédio, em

2000, ano em que também ocorreram as eleições municipais. O início do processo que

culminou com o tombamento do Paço Municipal coincide com o último ano de mandato

do ex-prefeito Narciso Paulo Michelli (1997 a 2000), que estava em sua terceira

administração no Município. Por último, mas não menos importante, esse período de

gestão municipal abarca o conjunto de ações que deram início à primeira fase da política

pública voltada para o patrimônio cultural em Ubá, ou seja, a instituição da Lei 2.696

(fundamentação legal da referida política), a primeira formação do CDMPCU e as

demais iniciativas de caráter ufanista que foram estudadas ao longo do primeiro

capítulo.

O grupo político ligado ao PSDB, no exercício do poder no ano 2000, quando o

referido tombamento começa a ser discutido, não obteve êxito nas urnas quando das

eleições para os cargos de prefeito e vereadores. O candidato a prefeito que saiu

vitorioso foi o médico Antônio Carlos Jacob, do PPS, considerado opositor pelos que

ocupavam o poder no Município. Diante disso e tendo em vista a não aprovação do

projeto de concessão de esgoto sanitário à Copasa, é possível afirmar que o projeto

político dos agentes que lideraram a implantação da política pública de patrimônio

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cultural em Ubá, de 1997 a 2000, tenha naufragado, pelo menos quanto aos interesses

de uma possível reeleição municipal. Porém, as análises que virão a seguir irão ajudar a

pensar se esse foi um completo naufrágio ou se existem motivos suficientes para

indagar sobre outro possível ponto de vista em relação à interferência desses

acontecimentos sobre a história recente da cidade de Ubá.

A primeira questão que merece destaque tem relação com o fato do CDMPCU

ter ficado quase dois anos sem registro de reuniões em ata – entre 1998 e 2000. Um dos

motivos para essa temporada em que o conselho esteve desativado talvez seja a

dificuldade de conseguir quórun para as reuniões. De acordo com relatos constantes em

ata, é possível encontrar informações de que alguns conselheiros tinham dificuldade de

comparecer às reuniões, seja pela idade avançada, seja por não residirem em Ubá. Parte

dessa conclusão foi obtida a partir dos relatos registrados na primeira reunião do ano de

2001, onde há o registro do falecimento de três conselheiros integrantes da primeira

composição do CDMPCU: Adjalme Carneiro, Floriano Peixoto de Mello e Fernando

Rocha.82

Entre o final de 2000 e início de 2001, ao retornar às atividades normais, o

referido conselho ganhou outra composição.83 De acordo com o Decreto Número 3.937,

de 05 de dezembro de 2000, passaram a fazer parte desse grupo de agentes do

patrimônio as seguintes pessoas: Ângelo Alves Carrara, Francisco Marino de Azevedo,

Maria de Loreto Camiloto Rocha, Mariselma Marangon Felizardo, Miguel Poggiali

Gasparoni, Jornalista Levindo Ferreira de Barros e Marum Sallum Alexander. Diferente

do primeiro decreto de nomeação, do ano de 1997, este não nomeou os conselheiros

suplentes, mas apenas os titulares. Entretanto, interessa destacar neste momento que dos

sete conselheiros nomeados em 2000, quatro deles também participaram da composição

anterior do CDMPCU, ou seja, participaram, ainda que indiretamente, da primeira fase

da política pública de patrimônio cultural em Ubá, de 1996 a 2000, onde se incluem as

ações voltadas para a patrimonialização do Ginásio “São José” e a campanha ufanista,

com destaque para as memórias relacionadas ao compositor Ary Barroso, como a

gravação do CD Ary Mineiro e os sessenta anos da primeira gravação de Aquarela do

82 ATA, Reunião do CDMPCU. 08.02.2001. P.06 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura.

Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 83 Prefeitura Municipal de Ubá, Decreto Número 3.937, de 05 de dezembro de 2000. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br (Consulta em 13.02.2016).

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Brasil - ações analisadas sob a ótica de um trabalho marcado pelo enquadramento de

memória.

Por outro lado, três nomeações merecem destaque: o jornalista Levindo Ferreira

Barros, juntamente com a presidente do conselho, Maria de Loreto Camiloto Rocha, e o

vice-presidente, Miguel Poggiali Gasparoni, estiveram à frente de grande parte do

trabalho para instauração e conclusão dos processos de patrimonialização realizados em

Ubá no período de 2001 a 2004. Como exemplo disso, logo nas primeiras reuniões, a

nova composição do CDMPCU demonstrou imediata disposição para tombar o Paço

Municipal - uma ação apenas discutida, mas não concretizada na administração anterior.

Esse “novo” grupo de agentes que assumiu a delegação conservacionista na cidade, de

acordo com texto de ata,84 iniciou o ano de 2001 firme no objetivo de que tal

tombamento pudesse ser cumprido e que não fosse secundarizado por interesses do

novo grupo político que assumiu o comando da prefeitura de Ubá naquele momento.

Entretanto, ao analisar os acontecimentos que se seguiram, o grupo político que

assumiu a prefeitura com a liderança do então prefeito Antônio Carlos Jacob esteve

muito ligado ao CDMPCU. Essa aproximação talvez tenha fortalecido as ações públicas

no campo do patrimônio cultural até então praticadas em Ubá. Isso pode ser observado

através de algumas evidências, como a continuidade do planejamento iniciado na gestão

anterior em relação aos atos de tombamento, além de um constante diálogo mantido

entre o CDMPCU e o novo chefe do executivo municipal.

A discussão acerca de uma questão pode lançar outro olhar sobre o processo de

tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Essa patrimonialização

foi idealizada antes do falecimento da primeira presidente do CDMPCU, professora

Maria de Loreto Camiloto Rocha, tendo, ela própria, participação de liderança nessa

iniciativa e também em outros processos, que culminaram, mais tarde, nos tombamentos

do Piano de Ary Barroso e do prédio do antigo Grupo Escolar Coronel Camilo Soares,

cuja discussão virá mais adiante. Nos discursos promovidos pelos agentes que

participaram das patrimonilizações realizadas entre os anos de 2001 e 2004, em Ubá, é

possível encontrar justificativas pautadas no objetivo de reverenciar a memória da

professora Loreto, ou seja, destacar o papel exercido por ela, como agente em defesa do

patrimônio, em detrimento da ênfase à fruição e apropriação dos bens

patrimonializados.

84 ATA, Reunião do CDMPCU. 08.02.2001. P.06 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Além disso, uma ausência relativa à memória política da cidade é outro ponto a

ser analisado no processo de tombamento do Paço Municipal, cuja denominação é

“Governador Ozanam Coelho”. O patrono do prédio tombado foi um homem público

nascido em Ubá, ex-prefeito da cidade durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, ex-

deputado estadual, ex-deputado federal e ex-governador do Estado de Minas Gerais no

final dos anos de 1970. Apesar de defender questões como a reforma agrária de cunho

cooperativista e uma política externa independente, chegou a pertencer à ARENA

(Aliança Renovadora Nacional), demonstrando apoio a governos de cunho ditatorial no

Brasil.85 Nota-se que o político ubaense manteve o exercício de uma carreira que

transmite ideia de duplicidade, ou seja, ausência de proposta ideológica concreta.

Apesar de apoiar governos considerados de direita e elitista, exerceu defesa de

programas sociais, como reforma agrária. Essas questões não foram noticiadas na

imprensa local, nem nos discursos proferidos em dois momentos importantes da história

recente do Paço Municipal: as comemorações pelos cem anos de inauguração do prédio,

em 2000, e a solenidade de assinatura do decreto de seu tombamento, em 2001. Optou-

se por patrimonializar um bem sem destacar a representatividade de seu patrono. Porém,

para entender melhor essa e outras questões relacionadas à nova fase da política pública

de patrimônio cultural em Ubá é preciso recuar no tempo.

2.1.1: Um recuo no tempo: cem anos de muitas histórias...

Segundo escritura de compra e venda que integra Dossiê de Tombamento do

Paço Municipal, o imóvel da Praça São Januário, considerada palco fundador da cidade,

foi adquirido no dia 13 de dezembro de 1898 pelo então agente do executivo, Major

Augusto César dos Santos, presidente em exercício da Câmara Municipal de Ubá. O cel.

Domiciano Ferreira de Sá e Castro foi quem vendeu o imóvel, por oito contos de reis.

Consta nos registros da referida escritura que o objetivo do poder público era construir

uma sede que abrigasse o Fórum da Comarca, as Repartições Municipais e a Câmara, a

85 Localizada em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/levindo-Ozanam-coelho (Consulta em 31.05.2016).

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cujo presidente cabia chefiar as atividades executivas, uma vez que ainda não se

elegiam prefeitos em Ubá.86

Em fevereiro de 1900, pouco mais de um ano após a aquisição do imóvel, que

passou por uma reforma, o cel. Carlos Brandão, então agente do executivo, presidiu a

solenidade de inauguração do Paço Municipal às cinco horas da tarde, como consta na

Acta da Sessão Especial da Camara Municipal de Ubá convocada para a inauguração

do novo predio da Camara e installação n´elle da Comarca, Repartições Municipais e

Fôro, aos 2 de fevereiro de 1900.87 A ata da solenidade de inauguração do “Paço” é um

documento que foi assinado pelos vereadores da época: Carlos Brandão (presidente da

Câmara e agente do executivo), Augusto César dos Santos (que procedeu à compra do

imóvel), Ernesto Pio dos Mares Guia, Isaac Cabido, Sebastião Januário Carneiro (neto

do Capitão-Mór Antônio Januário Carneiro, considerado um dos fundadores da cidade

de Ubá), Manoel José Trindade e Luciano Dias D´Andrade.88

De acordo com o objeivo para o qual a construção estava voltada, o

funcionamento dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), em nível

municipal, aconteceu nesse mesmo prédio até o ano de 1976. Neste mesmo ano houve a

transferência do poder judiciário para sua sede própria, o Fórum Desembargador Câncio

Prazeres, também Praça São Januário, número 227, centro de Ubá. Mais tarde, no ano

de 1983, sob a presidência do então vereador Lincoln Rodrigues Costa, a Câmara

Municipal transferiu-se para a Rua São José. A partir de então, o Paço Municipal,

prédio localizado na Praça São Januário, 238, passou a ser sede exclusiva do poder

executivo municipal.89

O próprio Dossiê de Tombamento do “Paço Municipal” também informa que no

dia 27 de junho de 1984, durante administração do ex-prefeito José Bigonha Gazolla, o

local recebeu a denominação de Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”,

conforme legislação municipal.90 Importante ressaltar que tal homenagem aconteceu

oito décadas após a construção e inauguração do referido imóvel, justamente quando

houve a primeira restauração do prédio. Ainda segundo o Dossiê, um pouco mais tarde,

86 DOSSIÊ, Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.3. 87 DOSSIÊ, Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. p.17. 88 Ibidem. p.17. 89 Ibidem. p.18. 90 Câmara Municipal de Ubá, Lei Número 1.610. Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/legislacao (Consulta em 22.05.2016).

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em 07 de outubro de 1992, quando uma forte tempestade atingiu a cidade de Ubá, parte

da platibanda do edifício desabou, levando junto o Brasão da República e o Pavilhão

Nacional, ambos em alto relevo, fixados na parte superior central do imóvel. Apenas em

1999, através de uma intervenção artística, esses detalhes foram reconstruídos, assim

como todo o telhado, também substituído. A reforma representava o início dos

preparativos para comemorar os cem anos do “Paço”. Em dois de fevereiro de 2000

aconteceu a comemoração pelo centenário do Paço Municipal “Governador Ozanam

Coelho”, cuja discussão virá seguir.

Antes, porém, é preciso esclarecer uma justificativa para essa abordagem

histórica e cronológica a respeito do Paço Municipal de Ubá, relacionando-a com nosso

objeto de pesquisa, ou seja, a política pública de patrimônio cultural desse Município.

De acordo com a discussão acima, as informações constantes no dossiê de tombamento

pesquisado referem-se a uma narrativa de caráter elitista, preocupada em evidenciar a

ação de indivíduos que representavam grupos dominantes na cidade, além de fatos que

corroboraram esse predomínio local, especificamente aqueles que dizem respeito ao

prédio em questão. No que tange a maioria das descrições apresentadas no dossiê,

percebe-se a ausência de representatividade das pessoas comuns no cotidiano do

“Paço”, o que demonstra uma característica dessa fase da política pública de patrimônio

cultural na cidade de Ubá, ou seja, processos de tombamento com escassos relatos de

pesquisa para fundamentar o ato de preservação. Não obstante, a característica de

proximidade com determinado segmento social também foi ponto de discussão na fase

anterior da política pública de patrimônio realizada em Ubá, o que demonstra ser esta

linha de raciocínio uma constante em ambas as análises.

2.1.2: A comemoração de um centenário e a orientação que marcou o

processo de patrimonialização do Paço Municipal em Ubá.

De acordo com divulgação da imprensa local de Ubá, a organização do

centenário do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”, em fevereiro do ano

2000, incluiu uma comemoração que foi denominada de artístico-cultural. Entre os

eventos realizados é possível identificar dois acontecimentos mais significativos: uma

homenagem ao servidor público municipal mais antigo em exercício, senhor Orlando

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Rodrigues Soares, e o lançamento do Livro “Uma fronteira da capitania de Minas

Gerais”, de Ângelo Carrara, então professor do Departamento de História Econômica e

Demográfica da Universidade Federal de Ouro Preto. Neste caso, tratava-se de uma

edição limitada, parte da série “Documenta”, editada pela UFOP. A obra contém lista de

moradores de Ubá no ano de 1819, tendo sido publicada com apoio da prefeitura de

Ubá.91

Entretanto, acompanhando a realização dessas ações acima citadas, são os

discursos proferidos pelos agentes do patrimônio que compõem análise mais palpável

do que acontecia naquele momento em termos de política pública para o patrimônio

cultural no Município. Em um dos trechos desses discursos, temos a fala da então

presidente do CDMPCU, professora Maria de Loreto Camiloto Rocha, que argumenta

sobre a importância de comemorar o centenário daquele edifício. Para ela, tal iniciativa

representava o resgate de sua memória pessoal e familiar, mas sem perder de vista o

sentido histórico do momento a ser relembrado.

Um dos momentos de grande emoção hoje foi quando me dei conta que aqui (Paço), em 1943, o papai veio para me registrar, pois aqui funcionava o cartório do Sr. Quintino Poggiali. É uma coisa muito forte você vivenciar a história local. É uma oportunidade para olhar para trás no tempo e começar a olhar para a frente. Me emociona muito ver aquela meninada de escola presente. Daqui a 50 anos eles poderão relatar: eu presenciei o centenário do Paço. É um peso muito grande. É a memória que começou a ser preservada.92

O levantamento de questões relativas à memória pessoal e coletiva é um indício

da visão que os próprios conselheiros e agentes do patrimônio tinham acerca da função

que ora exerciam, ou seja, porta-vozes da atribuição de decidir o que deveria ou não ser

patrimonializado. As suas experiências e saberes pessoais pareciam ser a referência e

ponto de partida para o trabalho de preservação, inclusive denotando certa confusão

entre o individual e o coletivo por parte desses agentes culturais, principalmente quando

há interesses políticos nas entrelinhas dos discursos de defesa do patrimônio. É possível

identificar, por exemplo, candidatos a cargos eletivos na cidade assumindo papeis de

defensores e guardiães do patrimônio. Um desses exemplos pode ser observado no

discurso proferido pelo vice-presidente do CDMPCU, Miguel Poggiali Gasparoni,

91 “Exposição de documentos, lançamento de livro e homenagem ao funcionário Orlando Rodrigues Soares”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 36, 07.02.2000. Ubá-MG. P.16. 92 “Loreto, agente e paciente da história”. Op.Cit. P.16.

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candidato à reeleição como vereador de Ubá nas eleições de 2000.93 Importante ressaltar

que o então candidato exerceu mandato eletivo como vereador no Município de Ubá em

dois momentos importantes: no início dos anos de 1980, quando o Paço Municipal

recebeu sua primeira restauração, e também no período de 1997 a 2000, quando

participou da primeira fase da política pública de patrimônio cultural na cidade.

De acordo com reportagens divulgadas pela imprensa local durante o centenário

do “Paço”, é possível identificar no discurso do ex-vereador intenção de arregimentar

apoio para a preservação do patrimônio em Ubá. Mas, assim como no trecho da citação

anterior, percebe-se o predomínio das colocações verbais em primeira pessoa,

demonstrando, mais uma vez, que no modelo de patrimonialização em curso na cidade,

o individual sobressai sobre o coletivo. Com isso, temos que a divulgação das

experiências próprias dos agentes do patrimônio era vista como prioridade, em

detrimento dos interesses da coletividade.

O prefeito Bigonha (José Bigonha Gazolla) recebeu inúmeras sugestões de demolir o prédio e aqui levantar um edifício para abrigar todas as secretarias e órgãos da prefeitura. Mas ele optou – graças a Deus e ao nosso empenho – pela sua reforma, mantendo todas as suas linhas arquitetônicas. (...). Estou feliz por estar assistindo nesta manhã a realização do primeiro grande evento que integra o nosso Calendário Oficial de Eventos. Vamos nos lembrar desta data histórica, principalmente as crianças e jovens aqui presentes poderão afirmar aos seus posteriores: Eu assisti às comemorações do 1º Centenário do Paço Municipal de Ubá.94

No trecho acima, parece que o ex-vereador se coloca como um dos responsáveis

pela manutenção do prédio e por sua reforma, em 1984, quando exercia sua primeira

vereança. Da forma como foi colocado, as ações denotam dimensão de influência de um

único indivíduo, talvez objetivando que tal agente fosse lembrado sempre que as

memórias do “Paço” viessem a ser invocadas. Chama a atenção também o fato de que a

atual denominação do prédio público, homenagem a um integrante do levindismo, tenha

sido escolhida no mesmo ano de 1984. Essa confluência de fatores não é mera

coincidência, pois tem relação com o modelo da política pública de patrimônio cultural

exercida na cidade de Ubá. Apesar de serem anteriores à Lei 2.696/96, início aos

processos de patrimonialização no Município, tais acontecimentos denotam certa

93 “A votação final dos vereadores”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 45, 10 de outubro de 2000. Ubá-MG. P.05. 94 “Memória Ubaense”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 36, 07 de fevereiro de 2000. Ubá-MG. P.17. (grifo nosso).

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manipulação de memória, pois outra informação constante no Dossiê de Tombamento

do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”, atual sede do poder executivo de

Ubá, apresenta depoimento do ex-prefeito José Bigonha Gazolla a respeito da obra de

reforma do edifício, no qual fica claro que os esforços dessa empreitada partiram não de

uma, mas de várias iniciativas.

Pode parecer incrível, mas a restauração do Paço Municipal, embora fosse um grande sonho, começou tímida, apenas com ideias gerais a serem desenvolvidas sem um projeto oficial. Talvez até por isso tenha dado tão certo, pois todos os funcionários se sentiram envolvidos e apresentavam sugestões práticas, inteligentes, que iam pouco a pouco, transformando aquela velha casa num verdadeiro paço. Veio do Acre a madeira especial para a nova escada e a porta principal. Mantiveram-se as antigas linhas arquitetônicas, construíram-se algumas novas salas, dividiram-se outras, banheiros mais modernos e funcionais foram instalados. Restaurado o prédio o antigo e gasto mobiliário foi substituído por novos móveis, todos fabricados pelas indústrias de Ubá. O ponto alto da decoração foi, sem dúvida, os quadros que enfeitaram as paredes, todos eles doados por artistas de Ubá, feitos especialmente para esta finalidade.95

A partir do depoimento acima é possível pensar em duas questões. Primeiro, a

reforma foi resultado de um conjunto de ações que parece ter crescido à medida que as

mudanças na construção tomavam vulto, com sugestões diversas e participação de

vários funcionários da prefeitura, ou seja, no depoimento do ex-prefeito não fica clara a

interferência direta de um indivíduo em específico. Segundo, algumas intervenções na

estrutura física do prédio, como a mudança das portas de madeira e a instalação de

banheiros mais modernos, dão a entender que a preservação das características

arquitetônicas originais se limitou à fachada, isto é, parte externa do imóvel. Essas duas

questões demonstram discordância com o discurso do então vereador e vice-presidente

do CDMPCU, pois além do mesmo não ser citado no depoimento do ex-prefeito – pelo

menos no trecho que consta no Dossiê de Tombamento do Paço Municipal – não foram

mantidas todas as linhas arquitetônicas, entendendo “todas” como internas e externas,

incluindo cômodos e portas.

Além disso, é importante analisar outro elemento de discurso presente na

comemoração do centenário do Paço Municipal de Ubá. Trata-se do arquiteto Fernando

Afonso Carneiro Peixoto, cujo pronunciamento mereceu inclusão no Dossiê de

95 DOSSIÉ, Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Depoimento colhido pelo jornalista Levindo Barros. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.09.

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Tombamento do imóvel. O trecho destacado abaixo dá uma perspectiva arquitetônica do

prédio, mas, assim como já discutido anteriormente, ele deixa transparecer questões de

cunho pessoal, isto é, preocupações pessoais em relação à política preservacionista na

cidade.

O prédio fala por si só. O Paço – que em latim significa Palácio – é de estilo arquitetônico eclético, isto é, traduz a soma de todos os estilos, com construção em estilo português com elementos da arquitetura italiana. No momento em que surgem tentativas de reconstruir a sociedade os governantes assumem o compromisso de recuperar bens do passado e aos cidadãos cabe preservar esses bens patrimoniais (...) um povo que não tem passado não tem futuro.96

A divulgação desse discurso aconteceu em fevereiro de 2000, pouco tempo antes

do CDMPCU iniciar a discussão em torno da patrimonialização do Paço Municipal

“Governador Ozanam Coelho”. Mas não é somente por este motivo que ele é

imprescindível para a análise do processo de tombamento em questão. No final da

citação é possível perceber que a proposta de preservação estava subentendida na fala

do arquiteto, principalmente em “governantes assumem o compromisso de recuperar

bens do passado”. Utilizando-se de uma retórica poética, Fernando Afonso deixa no ar

uma ideia que logo foi absorvida pelos agentes do patrimônio de Ubá, isto é, fazer com

o Paço Municipal o mesmo que foi feito com o Ginásio São José: tombar para

incentivar a preservação. Por outro lado, a declaração do arquiteto também pode ser

considerada como um exemplo da orientação que, a nosso ver, foi seguida pela política

pública de patrimônio cultural no Município de Ubá, na qual os governantes assumiram

o compromisso de patrimonializar, ou seja, preservar através da imposição do Estado,

segundo concepção defendida por Rita de Cássia Ariza da Cruz,97 enquanto que a

população, sem do direito de decidir sobre essa escolha, exerceu a função de preservar

aquilo que foi patrimonializado. Com isso, a decisão de conservação se torna um

atributo unilateral, inerente apenas ao poder público. É assim que o primeiro vagão do

“trem” da patrimonialização começa a trilhar seu caminho.

96 “Paço Municipal – cem anos de história”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 36, 07.02.2000. Ubá-MG. P.17. 97 CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Patrimonialização do patrimônio: ensaio sobre a relação entre turismo, patrimônio cultural e produção do espaço. Revista Tempo e Espaço, Número 31:2012. São Paulo-SP. pp 95-104. p.100.

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2.1.3: Tombamento do Paço Municipal – Fatos e versões. Perdas e ganhos.

A aprovação definitiva do tombamento do Paço Municipal “Govenador Ozanam

Coelho” aconteceu na reunião do dia 22 de maio de 2001, com aprovação unânime dos

conselheiros.98 Naquele momento, o CDMPCU ainda era presidido pela professora

Maria de Loreto Camilo Rocha. Importante observar que não se tratava de uma reunião

rotineira do conselho. Especialmente essa, realizada em maio de 2001, é considerada

um marco importante dessa fase da política pública de patrimônio cultural em Ubá por

que registra a aprovação de quatro propostas de patrimonialização, com unanimidade

dos conselheiros. Além do tombamento do Paço Municipal, decidiu-se também

patrimonializar o Piano de Ary Barroso, o prédio do Grupo Escolar “cel. Camilo

Soares” e, curiosamente, realizar o “tombamento” da Sociedade Ubaense de Congados

Nossa Senhora do Rosário.99 Ressalta-se que na referida ata de reunião não constam

palavras como salvaguarda ou registro em relação aos Congados. Provavelmente, assim

como aconteceu com a Corporação Musical e Cultural “22 de maio” no ano de 1998, tal

situação denota certo desconhecimento dos agentes do patrimônio cultural em relação à

proteção aos bens imateriais.

Entretanto, interessa aqui discutir sobre esse “trem” de patrimonialização que

estava sendo levado a efeito pelo CDMPCU. Esse órgão colegiado, em funcionamento

na cidade de Ubá desde 1997, não dispunha de sede própria ou estruturas humana e

física para a realização dos trabalhos de pesquisa, exigidos para a montagem de um

Dossiê de Tombamento. Isso pode ser observado em algumas atas de reunião,

especificamente uma em que o conselheiro Levindo Barros solicita que o Conselho

evite executar trabalhos desta natureza de forma simultânea, pois o órgão “não dispõe

de estrutura suficiente para atender a esta demanda, muito menos pessoal suficiente,

pois os conselheiros que atuavam no processo tinham seus afazeres profissionais, que os

impediam de maior dedicação”.100

O trecho acima diz respeito ao trabalho de duas pessoas: o próprio conselheiro

Levindo Barros e também o servidor municipal Evandro Doriguetto (secretário

98 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 99 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 100 ATA, CDMPCU. 04.09.2001, P.12-13 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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executivo do CDMPCU) que, segundo consta na mesma ata, eram os principais

articuladores do trabalho de pesquisa e documentação para os dossiês que estavam

sendo produzidos. A declaração do conselheiro Levindo comprova que os agentes do

patrimônio se encontravam assoberbados com os trabalhos oriundos das ações de

preservação, mas também demonstra que “colocar a mão na massa” não era tarefa

exercida por todos os agentes do patrimônio. Diante disso, além da orientação unilateral

e individual nas ações de preservação, podemos pensar que esta segunda fase da política

pública de patrimônio cultural em Ubá, também era marcada pela atuação de agentes

políticos que apenas interferiram na decisão sobre o que preservar, sem o compromisso

com a elaboração de concretas justificativas para embasar tal patrimonialização. Tal

discussão oferece condições para analisar os interesses políticos inerentes a esses

processos e que fazem emergir memórias relativas aos bens culturais patrimonializados.

Naquele momento, ou seja, início do ano de 2001, a cidade assistia ao início da

administração do prefeito eleito nas eleições do ano anterior, Antônio Carlos Jacob, do

PPS, considerado opositor ao grupo político do prefeito anterior, Narciso Michelli, em

cujo governo tiveram início as ações públicas para o patrimônio cultural em Ubá. Além

disso, o então vice-presidente do CMDPCU, não conseguiu se reeleger à Câmara

Municipal, ficando como suplente com um total de 523 votos.101 O cenário que se

configura naquele momento possibilita refletir sobre uma questão crucial para entender

as patrimonializações realizadas no município de Ubá.

O prefeito recém empossado precisava de apoio político para iniciar sua

administração, pois era seu primeiro mandato à frente do executivo municipal. Além

disso, todos os secretários empossados por ele também eram inexperientes em suas

respectivas funções,102 ou seja, era a primeira vez que exerciam aqueles cargos e

atividades de gestão. Por isso, o apoio às decisões do CDMPCU talvez tivesse alguma

intenção não declarada nos discursos preservacionistas, amplamente divulgados na

imprensa local. Vale lembrar que o trabalho do Conselho teve papel de destaque na

administração anterior, como vimos através das ações ligadas à organização das

comemorações pelos 60 anos da primeira gravação de Aquarela do Brasil, em 1999, e

aos trabalhos envolvendo o tombamento e a restauração do Ginásio “São José”, em

1997. Assim, esse histórico de trabalho com o patrimônio cultural na cidade, de alguma

101 Localizada em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2000/resultado-da-eleicao-2000 (Consulta em 02.06.2016). 102 “Prefeito ACJ faz avaliação dos cem dias de governo”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 52, 01 de maio de 2001. Ubá-MG. P.04.

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forma, pode ter incentivado os novos agentes políticos a também caminharem no

exercício da militância em defesa do patrimônio, talvez como garantia do apoio desse

Conselho à administração que se iniciava naquele ano de 2001.

Por outro lado, o próprio CDMPCU também vivia uma situação nova. Desde sua

fundação parece que nenhuma decisão foi barrada pelo prefeito municipal, pelo menos

nada que fosse divulgado na imprensa ou nas atas de reuniões. Diante da substituição do

chefe do executivo, é possível pensar que havia um certo clima de tensão quanto ao

futuro daquilo que os conselheiros julgavam ser importante para o desenvolvimento do

trabalho iniciado em 1996. A política pública de patrimônio que eles pensavam para a

cidade nos próximos anos estava na dependência das relações que poderiam ser

construídas entre o conselho do patrimônio e o novo grupo político que assumiu a

administração municipal em Ubá.

Esta postura fica evidente na reunião do dia 08 de fevereiro de 2001,103 quando o

CDMPCU volta a registrar ata depois de dois anos sem fazê-lo. Essa mesma reunião

também serviu como cerimônia de posse dos “novos” conselheiros. A solenidade foi

acompanhada por diversas autoridades locais, como vereadores e representantes de

entidades culturais do município, além do prefeito Antônio Carlos Jacob e seus

principais assessores. Em pronunciamentos divulgados na mídia impressa da cidade, o

então vice-presidente do CDMPCU, Miguel Gasparoni, e o prefeito de Ubá, Antônio

Carlos Jacob, fizeram elogios recíprocos em público, atitudes que podem ser

interpretadas como o início de uma aliança ambicionada de ambos os lados e

considerada fundamental para os processos de patrimonialização que se seguiram.

Porém, esse casamento nem sempre foi uma lua de mel. Houve momentos em

que o CDMPCU se manifestou publicamente contra atitudes da administração

municipal, principalmente em relação a dois assuntos: ações planejadas para a Estação

Ferroviária da Praça Guido Marlière, cuja abordagem será discutida posteriormente, e

questões relacionadas à especulação imobiliária em Ubá. Este assunto esteve muito

presente nas reuniões de maio e de junho do ano de 2001. Importante observar que

naquele momento ainda prevalecia o Art.241 na Lei Orgânica Municipal de Ubá, cujo

teor incidia sobre a proibição de demolição de imóveis com mais de 50 anos de

construção na cidade, sem autorização do CDMPCU. Em caso de desobediência, tal

artigo previa como penalidade uma multa que variava de acordo com o valor de imóvel.

103 ATA, CDMPCU. 08.02.2001. P.06-07 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Entretanto, ele foi suprimido pela Emenda à Lei Orgânica Número 19, de 08 de

dezembro de 2009.104

De acordo com registro feito em ata do CDMPCU, em outubro de 2001, os

conselheiros demonstraram preocupação com a demolição de imóveis considerados

importantes na cidade. Os conselheiros declararam “indignação diante da demolição de

prédios históricos da cidade”.105 Especificamente neste caso se tratava da demolição do

prédio da antiga Escola de Pharmácia e Odontologia de Ubá, localizado na Avenida

Raul Soares. Os conselheiros decidiram enviar um manifesto ao prefeito, ressaltando a

indignação do CDMPCU e solicitando medidas mais eficazes para se preservar o

patrimônio cultural no Município de Ubá.

A imprensa local não se furtou de abordar o assunto. O Jornal Gazeta Regjornal

reproduziu na íntegra o manifesto dos conselheiros endereçado ao prefeito, onde o

CDMPCU denuncia a especulação imobiliária em curso na cidade, especialmente em

relação à Avenida Raul Soares, no centro da cidade, cujos imóveis considerados de

valor histórico foram demolidos para construção de edifícios modernos.106 Assim, na

segunda fase da política pública de patrimônio cultural de Ubá, especialmente a partir

das decisões de tombamento presentes na ata de reunião do CDMPCU de maio de 2001,

a posição assumida pelos agentes do patrimônio diante das demolições que ganhavam

espaço na cidade foi utilizar das patrimonializações, a começar pelo “Paço”, como

tentativa de barrar o processo de verticalização denunciado através de manifesto do

CDMPCU e das reportagens pesquisadas.

Tal afirmação é reforçada através da análise de reportagem sobre o tombamento

do Paço Municipal. No texto, o evento é usado como palanque para discurso contra as

demolições que aconteceram no centro da cidade.107 Através da matéria é possível

perceber que o Conselho, paralelamente à aproximação com o prefeito, também assume

uma posição de vigilância em relação às ações da nova administração, principalmente

no que tange às autorizações emitidas pelo setor competente dos órgãos públicos para

demolições no centro da cidade. Esse discurso do CDMPCU tem seu ápice na reunião

de fevereiro do ano de 2002, quando os conselheiros aprovam envio de ofício ao

104 Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/legislacao (Consulta em 03.06.2016) 105 ATA, CDMPCU. 16.10.2001. P.13-14 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 106 “Conselho do patrimônio protesta contra demolições em Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 58, de 05 de novembro de 2001. Ubá-MG. P.07. 107 “Pronunciamento do Pres. do Conselho do Patrimônio Dr. Miguel Gasparoni”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 56, de 03 de setembro de 2001. Ubá-MG. P.10.

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prefeito Antônio Carlos Jacob. Segundo texto da ata, o objetivo era solicitar apoio do

poder executivo para que se constituísse comissão, formada para levantar quais imóveis

possuíam valor histórico, merecendo mais atenção do poder público. Essa comissão

seria a responsável pela elaboração de um Inventário de Bens Culturais do Município.

Assim, novamente, a política pública de patrimônio cultural em Ubá dá indícios de

unilateralidade nas decisões, de influências pessoais nas escolhas e, principalmente,

interesses políticos por trás de suas ações, pois um grupo de indivíduos de determinado

segmento social talvez não tenha legitimidade suficiente para eleger os bens

representativos da cultura, da memória e da história de uma população, constituída de

vários segmentos sociais, representantes de diferentes e diversas formas de se

manifestar.

Ainda dentro dessa perspectiva de visão acerca da política pública de patrimônio

de Ubá, há um exemplo que pode corroborar a discussão acima. De acordo com o texto

da ata dessa mesma reunião realizada em fevereiro de 2002, fica evidente um dos

motivos para a indignação do CDMPCU em relação à especulação imobiliária

denunciada pelos conselheiros. Trata-se da demolição do imóvel que pertenceu a

escritora ubaense Clotilde Vieira. A referida ata menciona um acordo firmado entre o

CDMPCU e a empresa de construção Nelson Parma, no qual o Conselho exige algumas

medidas como condição para liberar a demolição do imóvel, já que esse processo se

encontrava em fase irreversível, tendo o mesmo se iniciado de forma alheia às

exigências legais da época, ou seja, o atendimento ao disposto no Art.241 da Lei

Orgânica do Município de Ubá.

[...] do documento se depreende que a demolição encontra-se em fase irreversível e que então foram solicitadas algumas providências compensatórias por parte da construtora, tais como manutenção da fachada original do imóvel e a preservação do acervo da escritora. Que a preservação da fachada não será possível porque o projeto arquitetônico já está pronto há mais de cinco anos e as unidades do futuro edifício já foram vendidas e, além disso, a legislação exigirá um recuo da construção para que o passeio público reste com a largura mínima de 2,5m. O edifício receberá o nome da escritora ‘Clotilde Vieira’ e no hall de entrada será afixada uma placa com uma síntese de sua biografia, devendo, ainda, ser designado um espaço para exposição de trabalhos e peças literárias, fotos, livros, enfim parte do acervo da autora.108

108 ATA, CDMPCU. 05.02.2002, P.17-20 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Ressalta-se que a demolição abordada no trecho de ata acima citado, apesar de

contrária à legislação ubaense e aos interesses de preservação, acabou sendo respaldada

pelo CDMPCU, pois houve acordo com a empresa construtora através da adoção de

medidas compensatórias. Considero importante refletir se as condições que foram

oferecidas aos empresários do setor da construção civil em Ubá, por ocasião da

demolição da casa da escritora Clotilde Vieira, realmente compensariam a demolição de

um imóvel reconhecidamente imponente para o conjunto do patrimônio cultural de Ubá.

Porém, o que interessa neste momento é analisar o que essa situação provocou na

política pública de patrimônio na cidade. Fica evidente que naquela luta pela

preservação, os agentes do patrimônio “perderam” uma batalha para a especulação

imobiliária. Além dos interesses políticos já citados anteriormente, essa “derrota”

também pode ter funcionado como motivação para as alianças que se firmaram entre o

governo municipal e o CDMPCU, o que interferiu diretamente na velocidade e na força

do “trem” da patrimonialização.

2.1.4: Homenagens póstumas: oportunidades, luto, memória.

No dia 03 de julho de 2001, dia e mês em que se comemora a emancipação

político-administrativa da cidade de Ubá, ocorreu o falecimento da então presidente do

CDMPCU, professora Maria de Loreto Camiloto Rocha, vitimada por um infarto

fulminante. Apesar de inesperado, o fato não interrompeu o “trem” da

patrimonialização, ao contrário. Em reuniões e atos públicos que se seguiram após o

ocorrido, é possível perceber a continuidade das ações públicas voltadas para o

patrimônio cultural, talvez numa possível tentativa de homenagear a ex-presidente do

Conselho, considerada pilar da política pública de preservação adotada na cidade. Tais

afirmações são possíveis a partir da análise de atas do CDMPCU produzidas ao longo

do ano de 2001, além de reportagens divulgadas na imprensa local e dossiês de

tombamento, em cujas justificativas é possível encontrar referências à primeira

presidente do CDMPCU.

Como exemplo, há uma ata produzida no mês de agosto de 2001, primeira após

o falecimento de Maria de Loreto, na qual os conselheiros pedem um minuto de silêncio

para iniciar a reunião. Logo em seguida, o conselheiro Levindo Barros sugere marcar o

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dia 17 de agosto, dia nacional do patrimônio cultural, para oficializar o tombamento do

Paço Municipal. Na oportunidade, também seria feita uma homenagem pública à

professora Loreto.109 Considerando que a decisão final de tombamento do “Paço”

aconteceu em maio daquele ano, ou seja, menos de três meses antes dessa reunião, é

possível concluir que houve uma certa antecipação para oficializar o ato após o

passamento de Loreto.

Tal consideração tem por base alguns pontos que valem a pena ressaltar. Em

primeiro lugar os ritos legais do tombamento, incluindo o levantamento de dados sobre

o imóvel, a elaboração do memorial descritivo e o trabalho de pesquisa histórica, que

demandam tempo e, principalmente, recursos humanos para serem cumpridos, o que era

escasso no CDMPCU, como já discutimos anteriormente. Segundo, a própria

elaboração do dossiê e cumprimento dos prazos legais, em que pese o bem em questão

ser público, evitando possíveis desentendimentos com proprietários contrários ao

tombamento, no caso de imóvel privado. Chama a atenção o período entre a aprovação

do tombamento e a data escolhida para finalizar o processo, ou seja, cerca de noventa

dias parece ser um curto espaço de tempo para atender a todas essas demandas.

Um dos argumentos que pode corroborar as ponderações acima é o próprio

Dossiê de Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Apesar de

conter documentações importantes, como a escritura de compra do imóvel, a ata da

solenidade de inauguração (ambas do final do XIX), a Deliberação Nº01/2001 do

Conselho do Patrimônio Cultural e o Decreto Nº4.005/2001, documentos que

oficializam o tombamento, o dossiê apresenta evidências de um trabalho de pesquisa

que deixou a desejar em alguns pontos. Por exemplo, há poucos registros fotográficos

no Dossiê. A imagem que ocupa a capa, além de não ter nitidez, também não mostra a

fachada completa do imóvel localizado no centro da cidade.

109 ATA, CDMPCU. 07.08.2001, P.11-12 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Figura 5 - Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Fotografia de capa.110

Tais considerações deixam margem para questionar se o tempo de execução foi

suficiente para cumprir todos os requisitos de um processo de tombamento. Não

desmerecendo o trabalho dos conselheiros do CDMPCU, bem como a dedicação e o

empenho de Levindo Barros e Evandro Doriguetto, tal questionamento serve para

reforçar o raciocínio de que houve certa intenção de celeridade dos agentes do

patrimônio para tornar público o tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam

Coelho”, de forma a atender ao anseio de homenagear a professora Loreto, primeira

presidente do CDMPCU em data que coincidisse com o Dia Nacional do Patrimônio

Cultural.

A esse respeito há publicação no Jornal Gazeta Regjonal, órgão de imprensa

local, que divulgou trechos dos pronunciamentos de autoridades na solenidade de

tombamento do Paço Municipal. Neles fica claro que o ato oficial serviu como

oportunidade de homenagens póstumas à memória da professora. O assunto teve lugar

de destaque nos discursos proferidos por agentes políticos e agentes do patrimônio, que

110 DOSSIÉ, Tombamento do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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demonstraram utilizar deste argumento como justificativa para o tombamento,

lembrando que ela era a presidente do Conselho quando da aprovação do ato que estava

sendo oficializado.

Figura 6 – Paço Municipal (Coleção Cartões Postais de Ubá).111

Entretanto, há uma outra discussão que se abre ao proceder à análise do

tombamento do Paço Municipal de Ubá. Na oportunidade da cerimônia do referido

tombamento, realizada em 17 de agosto de 2001, foi divulgado publicamente um plano

de trabalho que a primeira presidente do CDMPCU, professora Loreto, já havia traçado

em comum acordo com os demais conselheiros e cujo registro consta na ata realizada

em maio daquele ano.112 Esse planejamento consistia em tombar o Paço Municipal e,

posteriormente, a Escola Estadual “cel. Camilo Soares”, o Piano de Ary Barroso e

também os Congados, “a menina dos olhos dela”,113 segundo discurso do presidente

interino do CDMPCU proferido na ocasião da solenidade de tombamento do “Paço”.

Por fim, há outra demonstração de que tais ações, da forma como aconteceram,

poderiam disfarçar outros interesses que caminhavam paralelamente aos de preservação,

muitas vezes se sobrepondo a estes. Em trecho do pronunciamento do ex-prefeito

Antônio Carlos Jacob, na referida solenidade, encontramos referência ao que ele mesmo

chama de segundo tombamento feito pelo poder público – Paço Municipal. Neste caso,

o político colocou o Ginásio “São José”, patrimonializado no ano de 1997, como

111 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/galeriaimagens (Consulta em 19.02.2017) 112 “Pronunciamento do Presidente do Conselho, dr. Miguel Gasparoni”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 56, 03.09.2001. Ubá-MG. p.10. 113 “Prefeito ACJ homologa tombamento do Paço Municipal ‘Governador Ozanam Coelho”. Op.Cit. p.10.

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primeiro bem tombado em Ubá.114 Naquele momento, esses agentes públicos em

atuação, desconheciam que já havia um bem imóvel tombado em Ubá desde o ano de

1963, através da Lei Nº 541 – Torreão de Cesário Alvim, localizado nas imediações da

Praça Guido Marlière.115 Trata-se de uma torre de dois andares que foi construída em

1863 a mando do então político do Império e fazendeiro de café Cesário Alvim, com

objetivo de estocar o café que seria embarcado na Estação Ferroviária de Ubá para o

Rio de Janeiro, tendo como características o formato octogonal e as janelas ogivais. A

informação a respeito desse tombamento somente se tornou conhecida pelos

conselheiros depois dos fatos aqui expostos, graças à pesquisa do então secretário-

executivo do CDMPCU, Evandro Doriguetto, que levou ao conhecimento dos demais,

conforme ata registrada em junho do ano de 2003.116

Considerando que os agentes públicos tinham pouco conhecimento acerca da

própria realidade patrimonial do município, como fica claro em relação ao tombamento

do Torreão “Cesário Alvim”; considerando as evidências de que os trâmites comuns ao

tombamento do Paço Municipal não tenham sido completamente respeitados;

considerando as discussões já levantadas a respeito das decisões unilaterais e das

escolhas pessoais interferindo na política pública de patrimônio cultural em Ubá,

conclui-se que outros elementos motivaram a condução desse “trem” da

patrimonialização. O tombamento do Paço Municipal não esteve vinculado apenas aos

interesses preservacionistas do patrimônio, mas bastante atrelado à utilização das

memórias presentes nos discursos que fizeram parte desse processo de tombamento.

Assim, as prerrogativas inerentes à conservação do bem cultural patrimonializado, como

criação de condições de apropriação, fruição e empoderamento por parte da população

ficaram secundarizadas pelos interesses por trás dessa ação preservacionista.

Tal análise tem relação com discussão levantada anteriormente a respeito de

duas questões identificadas no processo de patrimonialização do Paço Municipal: a

aproximação do novo grupo político que assumiu o poder em Ubá no ano de 2001 com

o CDMPCU, e a expressa oposição dos conselheiros em relação ao processo de

demolições em curso na cidade de Ubá. Assim, a homenagem à primeira presidente do

conselho, naquele momento em que o Paço Municipal foi tombado, além da clara

intenção de reverenciar sua memória, também pode ser vista como tentativa dos agentes

114 “Prefeito ACJ homologa tombamento do Paço Municipal ‘Governador Ozanam Coelho”. Op.Cit. P.10. 115 Localizada em http://www.uba.mg.gov.br (Consulta em 16.04.2016). 116 ATA, CDMPCU. 17.06.2003. P. 35 (verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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do patrimônio de demonstrar atitude diante dos grupos ligados ao capital na cidade, ou

seja, transmitir visão de força e união contra a especulação imobiliária denunciada

naquele ano pelo CDMPCU. Afinal, a professora Loreto, de acordo com os discursos

pronunciados em sua homenagem durante o tombamento do Paço Municipal, foi uma

precursora na defesa do patrimônio e da cultura em Ubá. Portanto, a utilização de sua

memória, ainda que de forma inconsciente naquele momento, fortalecia as ações

públicas voltadas para o patrimônio e, como consequência, os grupos vinculados a esses

interesses em Ubá. Como resultado desse processo, verifica-se a continuidade e o

fortalecimento das iniciativas de patrimonialização na cidade.

2.2: O “trem” ubaense da patrimonialização ganha mais um vagão: o antigo

grupo escolar “cel. Camilo Soares”.

Assim como aconteceu com o Paço Municipal, o prédio do antigo grupo escolar

“cel. Camilo Soares”, também teve a abertura do processo de tombamento aprovada na

reunião do CDMPCU de 22 de maio de 2001.117 Nessa reunião, marco da segunda fase

da política pública de patrimonializações em Ubá, os conselheiros Levindo Barros e

Maria de Loreto informaram aos demais presentes que estiveram com o então Secretário

de Estado da Educação, professor Murílio Hingel, numa recente visita dele a Ubá,

quando lhe falaram da necessidade de restauração do prédio da Escola Estadual “cel.

Camilo Soares”. O secretário, segundo consta na ata, respondeu estar disposto a dar

apoio a esta iniciativa, mas seria preciso a elaboração de uma planilha de custos,

informando das necessidades da obra. Os conselheiros decidiram procurar a equipe

diretora da escola para traçar os próximos passos.118

Apesar de não explicitado no texto da referida ata, tal abordagem em relação ao

restauro do prédio, que já contava com 78 anos de funcionamento (a inauguração

aconteceu em 1923), indica que o tombamento, na visão dos agentes do patrimônio,

seria a melhor alternativa para viabilizar a reforma. De acordo com esse pondo de vista,

as ações de preservação, resultado do tombamento, dariam valor histórico à edificação.

117 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 118 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Esse caminho talvez fosse um facilitador para a aprovação, por parte da Secretaria de

Estado da Educação de Minas Gerais, das reformas físicas que o prédio necessitava.

A partir de então tem início o processo de tombamento do prédio da primeira

escola pública de Ubá. Desta vez, a iniciativa dos indivíduos aos quais coube a função

delegada de preservar o patrimônio cultural de Ubá teve o apoio de dois secretários de

Estado de Minas Gerais. O primeiro, como já dissemos, foi Murílio Hingel, da

Educação. O segundo, Ângelo Oswaldo, da Cultura, ex-aluno do Ginásio “São José”,

que declarou em depoimento à imprensa local ser totalmente favorável ao processo,

tendo em vista a importância do prédio para a cultura e a educação na zona da mata.119

Em relação a esse processo de patrimonialização, é possível identificar

interferências externas bastante significativas. Em uma delas, o governo estadual, então

exercido pelo governador Itamar Franco (PMDB), era considerado o “proprietário” da

escola. Por isso, foi imprescindível o diálogo entre as diferentes esferas de poder. Esse

empecilho parece ter sido resolvido, pois além das já citadas declarações de apoio dos

secretários estaduais, houve participação direta da direção da SRE/Ubá neste trabalho de

patrimonialização realizado na cidade entre 2001 e 2002. Outro detalhe que chama a

atenção é que este trabalho, de acordo com as atas de reuniões do CDMPCU, coincide

com o primeiro contato do IEPHA com o referido conselho, cuja análise será abordada

um pouco mais adiante.

Tais considerações podem servir como base para discussão mais ampla a

respeito da patrimonialização do “Camilo Soares”, tanto em nível municipal como em

nível estadual, pois a imprensa ubaense, ao contrário do que ocorreu com o Paço

Municipal, aderiu em massa à campanha de pró-tombamento iniciada a partir do

segundo semestre de 2001. Além disso, ao contrário do que foi feito antes pelo

CDMPCU, houve a realização de uma série de eventos em que a comunidade escolar foi

chamada à participação.

2.2.1: O vagão do “Camilo” dá carona à comunidade escolar e leva junto a

imprensa ubaense.

119 “Secretário de cultura, Ângelo Oswaldo, reverencia memória da Profª Loreto e apoia campanha pró-tombamento do grupo ‘Camilo Soares”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 56, de 03.09.2001. Ubá-MG. P.11.

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Em ata do mês de agosto daquele ano de 2001, embalados pela necessidade de

cumprir o plano de trabalho traçado antes do falecimento da primeira presidente do

CDMPCU, os conselheiros aprovaram a elaboração de um questionário que deveria ser

enviado a ex-alunos da Escola Estadual “cel Camilo Soares”, objetivando registrar

vínculos da instituição com a comunidade ubaense. Além disso, na mesma reunião,

aprovam o nome da arquiteta Marina Azevedo, filha do então conselheiro do

CDMPCU, Marino Azevedo, para elaborar o memorial descritivo do prédio a ser

tombado.120

Vale a pena ressaltar que dois preceitos legais estavam sendo cumpridos no

referido processo de tombamento: o interesse público, ainda que pese o fato da

iniciativa ter partido de uma equipe delegada, ou seja, dos agentes do patrimônio, e a

inclusão de laudo técnico para aferir as especificidades do imóvel como justificativa

para o tombamento. Neste último caso, referimo-nos ao Art. 239 da Lei Orgânica do

Município de Ubá.121

A questão relacionada ao interesse público pode ser observada através dos

questionários escritos que foram enviados aos ex-alunos da escola entre o final de 2001

e início de 2002. De acordo com o Dossiê de Tombamento da Escola Estadual “cel

Camilo Soares” 80 pessoas participaram desta pesquisa de opinião. Trata-se de

impressos em papel A4, respondidos manualmente pelos ex-alunos entrevistados e

devidamente identificados. No referido formulário de entrevista da pesquisa constam

informações relativas à época em que estudaram, direção e servidores que conviveram

enquanto eram alunos. Por último os ex-alunos são convidados a opinarem sobre o

tombamento do prédio da escola, proposto pelo CDMPCU. A grande maioria declarou

apoiar o tombamento, chegando a elogiar o trabalho em curso, argumentando laços de

afetividade com a escola.

Porém, entre as oitenta folhas de questionário constantes no Dossiê de

Tombamento da Escola Estadual “cel Camilo Soares”, duas respostas chamam a

atenção, justamente por se tratar de fatos curiosos que merecem inclusão nesta análise

da política pública de patrimônio cultural em Ubá. Trata-se de dois entrevistados: uma

senhora que se declarou possuir 70 anos de idade e um senhor, de 48 anos, cujos nomes

não serão citados. O fato é que, talvez, por desconhecerem o significado jurídico do

120 ATA, CDMPCU. 07.08.2001. P.12 (frente). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 121 Localizada em: http://www.camarauba.mg.gov.br/pdf/lei_organica/1.pdf (Consulta em 04 de junho de 2016).

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termo “tombamento”, registraram suas opiniões de forma contrária ao que eles

chamaram de “demolição do imóvel”, alegando que, ao contrário, eram favoráveis à

preservação e não à sua destruição.122 Esse relato, além de curioso, possibilita uma

compreensão acerca da visão que a população de Ubá possuía em relação ao patrimônio

cultural, pois demonstra certo desconhecimento acerca das formas de preservação.

Logicamente as pessoas que não atuam no campo do patrimônio desconhecem o

significado de certos termos. Porém, em uma cidade onde o patrimônio cultural se

tornou política pública, causa estranheza determinadas opiniões, como as dos dois ex-

alunos entrevistados. Tal situação denota que as posições unilaterais e as escolhas

pessoais por parte dos agentes do patrimônio, podem resultar em limitado alcance social

das ações públicas de patrimonialização.

Entretanto, essa realidade parece mudar um pouco a partir da continuidade da

campanha pró-tombamento do “grupo” Camilo Soares, que conquistou bastante espaço

na mídia impressa da cidade. Todos os jornais em circulação naquele período (2001 –

2002) – Gazeta Regjornal, Folha do Povo, Noticiário Acorda Zona da Mata e Tribuna

Regional, divulgaram os trabalhos realizados. Apresento a seguir uma breve análise dos

discursos presentes nessas notícias, pois trata-se de importante instrumento para auxiliar

na compreensão da forma como o processo foi articulado. Tal cobertura jornalística é

parte integrante do Dossiê de Tombamento em questão.

No início do mês de julho de 2001 o jornal Noticiário Acorda Zona da Mata,

hoje fora de circulação, divulgou a primeira reunião da equipe diretora com os pais de

alunos da escola. Naquela oportunidade, com presença e participação dos conselheiros

do CDMPCU, a proposta de tombamento foi repassada para a comunidade escolar. Ao

que tudo indica, era a comemoração dos 78 anos da escola, no dia 1º de julho de 2001,

quando a campanha de pró-tombamento do “Camilo” passou a ser discutida com a

sociedade. A reportagem chama a atenção por dois aspectos. O primeiro pode ser

encontrado no próprio discurso proferido pela então diretora da escola, Rogélia Lopes,

que enfatiza a reforma e o restauro como vinculados ao tombamento, isto é, para haver

um era preciso do outro.123 Segundo, ao comentar a fotografia publicada na matéria

sobre a reunião, incluindo os participantes do referido evento, o repórter chama a

122 DOSSIÊ, Tombamento do prédio da Escola Estadual Coronel Camilo Soares. Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

123 “Escola Estadual ‘cel. Camilo Soares’ faz 78 anos e espera tombamento para breve”. Noticiário Acorda Zona da Mata, Número 15, de 05 a 11 de julho de 2001. Ubá-MG. P.04.

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atenção para o fato daquela ser a última foto tirada com a presença da professora Maria

de Loreto, ex-aluna do “Camilo Soares”, enquanto presidente do Conselho. Tal

publicação, da forma como foi feita e quase concomitante ao falecimento da professora,

contribuiu para incentivar a participação da comunidade escolar naquela campanha, pois

o sentimento de pesar pode ter sido fator de impulso para o apoio à patrimonialização

em curso.

Há ainda outra evidência da relação entre o tombamento do prédio da escola e a

busca pelo cumprimento do plano de trabalho traçado pela professora Maria de Loreto,

juntamente com os outros conselheiros do CDMPCU, conforme registro em ata de

reunião realizada em maio de 2001. Certamente, essa questão, por si só, não é suficiente

para explicar tal processo de patrimonialização, pois há outros aspectos a serem

analisados, como a viabilidade para a reforma da escola e também as questões políticas

envolvidas. Entretanto, considerando a sua repercussão, vale a pena aprofundar um

pouco mais nessa discussão.

Em reportagem do jornalista e conselheiro do CDMPCU, Levindo Barros, sobre

a reforma do prédio da escola “cel. Camilo Soares”, encontramos que

A escola estadual Coronel Camilo Soares passa por um processo de tombamento do prédio de 78 anos de história da educação pública no município de Ubá. O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Ubá está no aguardo da conclusão de documentos técnicos (memorial descritivo), elaborado por arquitetos e engenheiros, para ultimar o processo de tombamento. Agora com a reforma do prédio concluída, o sonho da saudosa professora Maria de Loreto Camiloto Rocha de preservar a memória educacional, histórica e cultural do grupo escolar Camilo Soares, está cada vez mais próximo de se tornar realidade. Afinal, ensinava-nos a professora Loreto, ‘a comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio cultural.124

O trecho citado é bastante esclarecedor quanto à presença, entre os conselheiros,

do ideal de reverência pela representatividade de Maria de Loreto frente à política

pública de patrimônio cultural em Ubá. Em outra reportagem, desta vez sobre a

solenidade para assinatura do decreto de tombamento, essa discussão é novamente

abordada.

O apoio inesquecível da primeira presidente do Conselho do Patrimônio Cultural de Ubá, saudosa professora Maria de Loreto Camiloto Rocha, foi enfatizado em diversos momentos pelos conselheiros e educadores,

124 “Tombamento”. Jornal Gazeta Regjonal, Número 62, de 04 de março de 2002. Ubá-MG. P.09.

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contado inclusive, com uma dedicatória no processo à grande incentivadora das causas culturais ubaenses.125

Tendo em vista as duas citações anteriores, ambas alusivas à primeira presidente

do CDMPCU, em que pese as demais justificativas já discutidas anteriormente, como

aquelas vinculadas à necessidade de reforma do prédio da escola, é possível pensar que

a patrimonialização do “Camilo Soares” esteve bastante vinculada a uma espécie de

homenagem póstuma, onde as memórias relativas à professora eram, constantemente,

trazidas à tona, secundarizando outros possíveis debates, como a própria justificativa

para o tombamento. Em que pese o reconhecimento público pelo trabalho exercido por

Maria de Loreto, suas memórias passam a ocupar mais espaço que as possíveis

representações a respeito do próprio Camilo Soares, patrono da escola, cujas referências

são praticamente inexistentes nas reportagens que serviram de fontes para consulta.

2.2.2: Campanha pró-tombamento da Escola Estadual “cel. Camilo Soares”

e desavenças políticas interferindo sobre as ações patrimoniais em Ubá

É de conhecimento público que o ato de preservar vai muito além da ação

promovida verticalmente, ou seja, a fria imposição de um decreto. O envolvimento da

comunidade é ponto importante para qualificar o tombamento, perpassando pelas

questões da fruição, da apropriação e do empoderamento. No que diz respeito ao prédio

da Escola Estadual “cel. Camilo Soares”, tal envolvimento se tornou palpável a partir da

realização de reforma na rede física da escola, que durou cerca de seis meses e, segundo

informações divulgadas na imprensa local, custou R$45.464,00 (quarenta e cinco mil,

quatrocentos e sessenta e quatro reais).126 Iniciada em agosto de 2001 e concluída em

fevereiro de 2002, a “ampla reforma geral” teve um caráter peculiar, pois contou com o

trabalho de técnicas do IEPHA que, para definir a cor a ser usada na pintura do imóvel,

fizeram uma prospecção para encontrar a cor original das paredes.127

125 “Conselho do Patrimônio aprova o tombamento do ‘Camilo Soares”. Jornal Gazeta Regjonal, Número 70, de 23 de outubro de 2002. Ubá-MG. P.07. 126 “Reforma da escola Camilo Soares resgata, através da história, cores originais do primeiro grupo escolar de Ubá”. Jornal Gazeta Regjonal, Número 70, de 23 de outubro de 2002. Ubá-MG. P.09. 127 “IEPHA visita Camilo Soares”. Noticiário Acorda Zona da Mata, Número 37, de 06 a 12 de dezembro de 2001. Ubá-MG. P.07.

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A partir desse momento a campanha pró-tombamento do prédio da referida

escola ganhou as ruas da cidade e, de acordo com a imprensa, o primeiro grande

momento foram os eventos organizados pela equipe pedagógica da instituição, cuja

temática esteve voltada para a preservação do patrimônio. Entre os meses de outubro e

novembro de 2001, a realização de diversas atividades públicas parece ter incentivado a

comunidade escolar a participar da discussão sobre o processo de patrimonialização em

curso. As atividades escolares direcionadas aos alunos incluíram concurso de slogan e

visita ao Ginásio “São José”, bem cultural tombado em nível municipal desde 1997.

Além disso, um passeio ciclístico e uma feira de cultura foram outras atividades

destinadas não somente aos alunos, mas a toda comunidade escolar. Por fim, a

realização de um encontro de ex-alunos, na própria escola, fechou a programação.

Esses eventos foram noticiados pelos jornais escritos da cidade, que fizeram

reportagens com a descrição das ações promovidas. Porém, as matérias divulgadas

apresentaram textos bastante factuais, sem aprofundamento crítico daqueles

acontecimentos realizados. A exceção pode ser encontrada no jornal Noticiário Acorda

Zona da Mata, que chamou a atenção para um detalhe relevante que os outros jornais

não publicaram: a ausência de autoridades municipais na cerimônia de inauguração das

obras de reforma da escola, como prefeito e vereadores. De fato, as matérias

relacionadas à patrimonialização do prédio da Escola Estadual “cel Camilo Soares” dão

bastante ênfase à participação e ação do CDMPCU e das autoridades estaduais

envolvidas direta ou indiretamente no processo, em detrimento das autoridades políticas

locais, praticamente esquecidas nesses textos.

É possível pensar que essa ausência tenha relação com os aspectos de cunho

partidário e político que permearam tal processo. Parece-nos que os agentes políticos

locais viam restrições na associação ao governo estadual, uma vez que se aproximavam

as eleições majoritárias e ambos estavam em posições opostas no cenário nacional, isto

é, de um lado o grupo ligado ao então prefeito Antônio Carlos Jacob e, de outro, o

grupo ligado ao governo do Estado. Importante ressaltar que, assim como já foi dito

anteriormente, dois secretários de Estado – Murílio Hingel e Ângelo Oswaldo – já

haviam declarado apoio à patrimonialização da escola, em curso na cidade de Ubá.

Além disso, também é possível pensar que houve resistência do grupo estadual em

incentivar a participação das lideranças municipais nos trabalhos de reforma do prédio

da escola, de 2001 a 2002, por se tratar de período eleitoral bastante movimentado em

virtude das eleições para presidência do Brasil e governos estaduais.

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Através da análise dos discursos produzidos em torno das ações de

patrimonialização do prédio do “Camilo Soares”, identificamos que as lideranças

envolvidas no processo estavam se fortalecendo politicamente. A obra de reforma,

assim como discutido anteriormente, mobilizou a imprensa da cidade e, por

consequência, passou a fazer parte do dia-a-dia da comunidade escolar. Por isso,

aqueles oportunos discursos poderiam se transformar em verdadeiros palanques

eleitorais, ou seja, formas manipuladoras da memória.

Em reportagem do jornal Folha do Povo, que divulgou a visita do secretário

Murílio Hingel à escola, para a inauguração da reforma na rede física do prédio, há um

depoimento que pode corroborar essa análise, ou seja, do fortalecimento do grupo

político ligado ao governo do Estado. A então diretora da escola, Rogélia Lopes, disse

que a instituição ainda precisava de muito apoio, mas “a reforma, que não acontecia

desde a década de 80, traz um novo ânimo para a comunidade escolar”.128 Essa questão

remete à ideia de que o então governador de Estado, Itamar Franco, com essa obra de

reforma, vencia mais de vinte anos de inércia da administração pública estadual, pois

durante todo esse tempo, de acordo com a reportagem, nada havia sido feito para sanar

os problemas da rede física da escola, que há muito necessitava de melhorias. Ainda

dentro desse contexto, ao afirmar que a escola precisava de mais apoio, a então diretora

se referiu, provavelmente, ao tombamento que estava em curso, visto como algo

necessário para coroar os trabalhos iniciados no ano anterior.

Demonstrando afinação dos discursos que remetem à ligação entre a reforma e o

tombamento do referido prédio, o secretário de Estado Murílio Hingel, durante

solenidade de inauguração das obras na Escola Estadual “cel Camilo Soares”, realizada

em 12 de março de 2002, comentou sobre a necessidade de se tombar o imóvel.

Ubá está de parabéns por preservar no seu patrimônio esse prédio. A secretaria de educação se sente satisfeita por contribuir para a preservação do imóvel e, eu tenho certeza, que os passos seguintes serão dados, o imóvel será tombado e isso é um ato do poder municipal. Pode até depois ser completado por um ato do IEPHA e até do IPHAN. Mas desde que seja tombado pela prefeitura de Ubá, está garantida a sua preservação.129

128 “Secretário de Educação visita o Camilo Soares”. Jornal Folha do Povo, de 15 a 21 de março de 2002. P.05. 129 “Secretário da Educação, prof. Murílio Hingel, esteve em Ubá para inauguração da reforma da EE Camilo Soares”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 63, de 08 de abril de 2002. Ubá-MG. P.04.

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O interesse pelo tombamento também foi manifestado na fala da então diretora

da SRE/Ubá, Juderlande Zanelli, que enfatizou, na mesma reportagem, que o

tombamento iria resguardar um patrimônio que é de todos. Aliás, de acordo com ata do

CDMPCU do mês de fevereiro de 2002, pouco antes da inauguração da reforma, fica

claro que esta superintendência funcionou como intermediária entre o Conselho e o

governo do Estado, tanto na questão da participação do IEPHA na prospecção da

pintura do prédio para a reforma, quanto para o encaminhamento dos trâmites legais

para o tombamento. Neste caso, refiro-me ao envio da notificação à procuradoria

jurídica de Minas Gerais, ato que foi aprovado nessa mesma reunião.130

Diante disso, temos que os agentes do patrimônio de Ubá, diferentemente do que

ocorreu com o tombamento do Paço Municipal, aproximaram-se dos representantes do

governo estadual durante a patrimonialização do prédio da Escola Estadual “cel Camilo

Soares”. Talvez por questões de cunho político e eleitoral, parece que os grupos

envolvidos neste processo optaram por um trabalho sem a participação efetiva dos

representantes da política local. Vale ressaltar duas questões que se destacam neste

cenário: a cobertura jornalística das ações promovidas, tanto pela escola quanto pelo

CDMPCU, foi bem maior que a patrimonialização anterior (Paço Municipal); além

disso, a realização de consulta pública sobre o tombamento. É evidente que essas ações,

por envolverem maciçamente a classe estudantil, atraiu a participação da mídia local.

Mas também é importante lembrar que a maioria delas contou com a presença de

autoridades estaduais, o que também chama a atenção da imprensa. Além disso, outra

questão que merece destaque é o fato de que o processo de patrimonialização do

“Camilo Soares” contou com dispositivos legais não identificados no Dossiê do Paço

Municipal “Governador Ozanam Coelho”, como a elaboração de memorial descritivo e

realização de pesquisa para descobrir a cor original das paredes por parte de

especialistas do IEPHA.

Entretanto, apesar do exposto acima, a presente análise aponta para a

continuidade do “trem” da patrimonialização, pois é possível identificar elementos

comuns a esses dois processos de tombamento. Um deles pode ser encontrado na já

citada ata de reunião do CDMPCU do mês de maio de 2001, onde os conselheiros

decidem colocar em prática um plano de trabalho que, dentre outras escolhas, incluía o

prédio da Escola Estadual “cel Camilo Soares” como um dos bens da cidade a serem

130 ATA, CDMPCU, 05.02.2002. P.17-20 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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tombados pelos agentes do patrimônio de Ubá. Essa proposta perpassa mecanismos

pessoais de escolha e formas unilaterais de trabalhar com o patrimônio cultural.

Importante ressaltar que a pesquisa de opinião, apesar de democratizar o processo, foi

realizada depois da decisão de patrimonializar o prédio da escola. Outros elementos

essenciais para essa discussão vieram à tona a partir dos discursos realizados no

desfecho dessa patrimonialização, cuja análise se encontra a seguir.

2.2.3: Patrimonialização do “Camilo Soares” – a possibilidade de uma

leitura diferente.

Depois de cerca de quinze meses em trâmite, desde a sua aprovação em maio de

2001,131 até a conclusão dos trabalhos, o processo de tombamento do prédio da Escola

Estadual “cel. Camilo Soares” foi finalizado no dia 15 de outubro de 2002, dia do

Professor, em sessão pública especial do CDMPCU realizada na própria escola.

Importante observar que a solenidade, assim como em eventos anteriores, não contou

com nenhuma autoridade política local. Além disso, também vale ressaltar que dentre

todos os jornais locais que cobriram os acontecimentos realizados durante o processo de

tombamento, apenas o Jornal Gazeta Regjornal esteve presente para a cobertura do

evento.

A tônica presente nos discursos desta fase final da patrimonialização do “Camilo

Soares” envolve a ideia de que o processo de tombamento da escola era encarado pela

comunidade escolar como uma espécie de “salvador da pátria”. Em alguns trechos é

possível encontrar opiniões que remetem a essa análise, como a de uma professora que

diz: “nossa escola, a partir de agora, será um elo da corrente que une passado e presente

na construção do futuro”.132 Em outro depoimento também identificamos a mesma

mensagem do anterior, pois um dos entrevistados diz que “agora, daqui para a frente,

nossa caminhada será mais fácil pois já vencemos essa importante etapa”.133 O texto da

reportagem chega ao final com a frase: “Camilo Soares - ontem, hoje e sempre na

memória de Ubá”. 131 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 132 “Escola recebe como presente caneta e cópia do dossiê”. Jornal Gazeta Regjonal, Número 70, de 23 de outubro de 2002. Ubá-MG. P.07. 133 “Escola recebe como presente caneta e cópia do dossiê”. Op.Cit. P.07.

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Diante disso é possível pensar que essa patrimonialização caminhou no sentido

de transformar o trabalho de reforma e preservação de espaço público escolar em um

processo de construção de memória. Através da análise dos depoimentos colhidos e dos

trâmites que integram o tombamento da Escola Estadual “cel Camilo Soares”, fica

evidente que os indivíduos inseridos naquele contexto passavam a ideia de que o

tombamento era imprescindível para aquela comunidade escolar. Assim como nos diz

Michael Pollak, em Memória e Identidade Social, “a memória é um fenômeno

construído”134. Por isso, sua construção pode estar associada aos mais diversos

interesses, ou seja, em função dos interesses, a memória construída também pode ser

manipulada. Neste caso, destaco alguns papeis que estiveram à frente dos discursos de

memória presentes nesse processo de patrimonialização. Em primeiro lugar temos os

interesses dos próprios agentes do patrimônio de Ubá, principalmente o de cumprir

plano de trabalho elaborado por aquela gestão do CDMPCU, onde o prédio da escola

“Camilo” figurava como um dos principais a serem tombados. Além disso, havia os

interesses da comunidade escolar em relação à reforma no prédio, cuja efetivação,

conforme analisamos anteriormente, estava atrelada ao tombamento. Por fim, importa

destacar os interesses dos agentes políticos envolvidos nessas ações. Impossível não

notar que estes, aproveitando-se do espaço conquistado na mídia local, apropriaram-se

dos discursos de preservação do patrimônio. Uma justificativa para isso pode estar na

proximidade das eleições para Govenadores e Presidente da República, em 2002. É

possível que esse grupo tenha embarcado no “trem” da patrimonialização esperando que

suas ações em prol da preservação do prédio da escola fossem se reverter em apoio

eleitoral nas urnas.

Entretanto, diferente do que aconteceu ao final da primeira fase da política

pública de patrimônio cultural em Ubá, de 1996 e 2000, cuja análise se encontra no

Capítulo 1, esse grupo político parece não ter naufragado quando procurou relacionar o

patrimônio cultural aos interesses políticos, pelo menos no que diz respeito à eleição

para Governador do Estado de Minas Gerais. Naquela oportunidade, a vitória nas urnas

foi do então candidato Aécio Neves, do PSDB, que era apoiado pelo governador de

Minas Gerais, Itamar Franco, do PMDB.135 Segundo informações divulgadas pela

134 POLLAK, Michael. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos, vol.5, n.10. Rio de Janeiro, 1992. p. 200-212. p. 204. 135 Localizada em: https://pt.wikipedia.org/wiki_estaduais_em_Minas_Gerais_em_2002 (Consulta em 10.12.2016)

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Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o candidato vitorioso obteve 55,13% dos votos

válidos no Município de Ubá.136

Portanto, é possível que a atuação dos agentes do patrimônio na condução do

processo de patrimonialização do prédio da Escola Estadual “cel. Camilo Soares”, na

cidade de Ubá, tenha influenciado no resultado dos votos válidos que Aécio Neves

obteve no Município, ainda que a relação entre interesses políticos e discursos de

preservação seja aqui analisada em nível local. Não obstante o fato de que o candidato

recebeu apoio do grupo político de Itamar Franco naquele momento, as memórias

relacionadas à escola estiveram presentes nos discursos de preservação, quase sempre

proferidos por agentes políticos interessados na consolidação de uma imagem pública

preservacionista.

136 Localizada em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2002/resultados-das-eleicoes-2002 (Consulta em 16.01.2017)

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Capítulo 3. O “trem” da patrimonialização segue pela cidade

de Ubá ao som do piano de Ary Barroso.

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O processo que culminou com o tombamento do piano em que Ary Barroso,

compositor nascido em Ubá no ano de 1903, foi iniciado na arte musical, começou a ser

discutido no CDMPCU em reunião realizada no mês de maio do ano de 2001,137 quando

a então presidente, Maria de Loreto, propôs que representantes do Conselho levassem

um comunicado às proprietárias herdeiras do bem, as senhoras Carmem e Dulce

Rezende, primas de Ary Barroso, consultando-lhes sobre a intenção que hora era

aprovada. Ressalta-se que a citada reunião também foi o ponto de partida para a

aprovação de outros processos preservacionistas, como o Paço Municipal e o “Camilo

Soares”, o que demonstra um impulso patrimonializador movendo aquela fase da

política pública de patrimônio na cidade de Ubá.

Importante observar que no caso do Piano os agentes do patrimônio, ou seja, os

conselheiros em atuação, podem ter sido movidos por dois argumentos não evidentes

em nenhuma das fontes consultadas – atas de reunião do CDMPCU, Dossiê de

Tombamento do Piano e reportagens publicadas sobre o assunto. Primeiro: a citada

reunião coincidia com o mês de aniversário de 103 anos da Banda 22 de Maio,

centenária corporação musical de Ubá, cujo registro de patrimônio imaterial ocorreu no

ano de 2008, quando a entidade completava seus 110 anos de existência. Segundo: era o

mês de maio e, portanto, das coroações, tradição católica que serviu de inspiração para

Ary Barroso compor a música “Mês de Maria”.

Tais memórias são trazidas à tona pelo livro Por todos os cantos – crônicas a

quatro mãos, uma coletânea de crônicas escritas pelas irmãs Célia e Celma, cantoras

ubaenses que desenvolveram pesquisa sobre as composições de Ary Barroso e

chegaram a lançar o CD Ary Mineiro, em 1997. Em uma das crônicas, intitulada “Ary

Barroso e a tradição do mês de Maria”, elas falam de suas lembranças a respeito do

compositor ubaense e a Banda “22 de Maio”, considerada como acompanhamento

obrigatório das coroadeiras.

Os vigorosos dobrados da Banda 22 de Maio chamam a todos para a coroação. A coroadeira, uma linda lourinha, com um vestido chique, sobe devagar pelo meio da rua, liderando a procissão. Em duas filas laterais seguem mais de quarenta virgens e anjinhos de asas de penas, equilibrando cada uma o seu prato cheio de flores. Uma centena de fogos ilumina o morro, fotógrafos e cinegrafistas registram tudo, foguetes pipocam e a banda, atrás do cortejo, toca até a porta da igreja. Essa tradição nas cidades mineiras chegou com a colonização e as

137 ATA, CDMPCU. 22.05.2001. P.09-10 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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crianças desde então – virgens e anjos – repetem nos meses de maio o ritual da coroação à Nossa Senhora. O ubaense Ary Barroso, saudoso dessa festa, escreveu a música ‘Mês de Maria’ em 1957 e nós, emocionadas, lembrando nosso tempo de coroadeiras, gravamos em 96, no CD Ary Mineiro: Vou cantar, uma vez mais do meu País a tradição / Mês de Maria, coroação, banda de música, no fim, leilão (...). E finalizou: A saudade às vezes me faz pensar, me faz penas com emoção / mês de Maria lá do meu torrão.138

O trecho acima oferece condições para entender a composição do cenário em

que se configurou o início de mais um processo de patrimonialização em Ubá, o terceiro

nessa segunda fase da política pública de patrimônio cultural na cidade de Ubá – o

Piano de Ary Barroso. É curioso que essas memórias relacionadas às coroações no mês

de maio e que parecem fortes na cidade, como fica evidente no texto das cantoras, não

estejam em nenhuma das justificativas utilizadas para o tombamento do piano e a não

utilização desse argumento nos leva a questionar a decisão de patrimonializá-lo. É

possível pensar que tal tombamento estivesse atrelado ao cumprimento de atos oficiais

de preservação já determinados anteriormente, isto é, mero atendimento protocolar de

uma programação cultural prenunciada na reunião do CDMPCU de maio de 2001,139

quando também decidiu-se tombar o Paço Municipal e o prédio da escola “Camilo

Soares”. Os agentes do patrimônio de Ubá, atendendo ao chamado impulso

patrimonializador, talvez não sentiram necessidade de justificar dessa forma o presente

tombamento, considerando a decisão já aprovada em conjunto durante reunião do

Conselho.

3.1: Pausa e desenrolar do processo – o “11 de setembro” interferindo nas

ações de patrimonialização em Ubá.

De acordo com análise da ata de reunião do CDMPCU realizada em 04 de

setembro de 2001, até aquele momento os conselheiros ainda não haviam realizado a

visita às herdeiras do piano de Ary Barroso, para informar da intenção de tombar o bem

138 MAZZEI, Celia e MAZZEI, Celma. Por todos os cantos – crônicas a quatro mãos. São Paulo: Ibrasa, 2003. p.122. 139 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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cultural.140 Na referida ata, que é posterior ao falecimento da ex-presidente do

Conselho, professora Maria de Loreto, está registrada decisão dos conselheiros no

sentido de agendar tal visita para o dia 11 de setembro de 2001. Provavelmente, em

virtude dos atentados ocorridos nos Estados Unidos nesse dia, a visita dos conselheiros

às primas do compositor, novamente, não aconteceu. Não há nenhuma referência nas

atas, no Dossiê ou nas reportagens que possa corroborar essa análise. Trata-se de uma

livre associação que pode contribuir para melhor esclarecimento dos acontecimentos

que ora apresento.

Novamente agendada, a visita aconteceu em 19 de outubro de 2001, quando as

herdeiras do Piano de Ary Barroso foram notificadas oficialmente da proposta de

tombamento do referido bem.141 Com isso, conforme consta em texto de reportagem, o

CDMPCU obteve “sinal verde”142 para dar prosseguimento ao “trem” da

patrimonialização, agora focado nas memórias relativas ao compositor ubaense. A

aprovação definitiva desse tombamento aconteceu em março de 2002,143 quase um ano

após a iniciativa para este fim ter sido discutida pela primeira vez no CDMPCU. Na

mesma ata há informação de que o então Chefe da Divisão de Cultura da Prefeitura,

maestro Marum Salum Alexander, seria o responsável pela elaboração do memorial

descritivo do instrumento musical, ou seja, haveria uma opinião de embasamento

técnico para o compor o Dossiê de Tombamento.

Apesar da indicação de que o processo se arregimentaria de opinião técnica

relativa à área musical, é possível pensar que no prazo de onze meses (entre a decisão

de iniciar o tombamento e a aprovação definitiva) como indicação de que os

conselheiros estavam com dificuldade para organizar os processos. Nesse mesmo

período de 2001 a 2002, além da patrimonialização do Piano, também estavam em

tramitação os tombamentos do Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”, da

Escola Estadual “cel. Camilo Soares”, e as discussões em torno da salvaguarda da

Sociedade Ubaense de Congados Nossa Senhora do Rosário. Havia uma certa

celeridade para reunir documentação a respeito desses bens, mas a equipe de

conselheiros disponíveis para esse trabalho era reduzida. Além disso, não havia 140 ATA, CDMPCU. 04.09.2001. P.12 (frente). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 141 ATA, CDMPCU. 16.10.2001. P.13 (verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 142

“Piano de Ary Barroso poderá ser tombado”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 58, de 05 de novembro de 2001. Ubá-MG. P.09. 143 ATA, CDMPCU. 05.03.2002. P.20-21 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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estrutura física que favorecesse tais execuções, conforme ata do CDMPCU.144 Tudo isso

pode ter exercido influência para que a prioridade fosse o cumprimento das metas e

prazos na conclusão dos processos de patrimonialização, em detrimento de pesquisas

mais aprofundadas que pudessem contribuir para a fruição do bem na comunidade.

Outro argumento que corrobora a análise acima é encontrado no fato de que

naquele mesmo ano de 2002, quando o Piano foi tombado em nível municipal, iniciou-

se a comemoração pelo centenário do compositor Ary Barroso (1903 – 2003). O

período ficou sendo conhecido como Ano do Centenário, na data compreendida entre 07

de novembro de 2002 e 07 de novembro de 2003,145 conforme Capítulo 5 da presente

dissertação. Os discursos produzidos em torno do tombamento do referido bem móvel,

exploram de forma superficial as questões relativas ao compositor ubaense.

Tal análise pode ser relacionada, novamente, à discussão que levanta

questionamentos sobre as decisões patrimonializantes partirem de uma única reunião do

CDMPCU,146 cuja deliberação apontou para o cumprimento de um plano de trabalho

que parecia exigir urgência nas ações dos agentes do patrimônio, principalmente após as

denúncias de especulação imobiliária na cidade e o falecimento da primeira presidente

do Conselho. Assim como discutimos no capítulo anterior, as ações da política pública

patrimonial em Ubá, pareciam estar direcionadas à demonstração de força desse grupo,

notadamente após o falecimento de uma liderança (a primeira presidente do CDMPCU,

professora Maria de Loreto), ao mesmo tempo em que tais agentes percebiam o avanço

dos interesses do capital agindo sobre o patrimônio cultural, principalmente após as

denúncias de especulação imobiliária.

3.2: Ary Barroso e o tombamento do “seu” piano – até que ponto uma

patrimonialização pode ter afastado um do outro?

Ulpiano Bezerra de Menezes, ao discutir sobre apropriação e transferência da

memória informa que essa questão “transforma-se num dos aspectos críticos – quer

144 ATA, CDMPCU. 04.09.2001, P.12-13 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 145 “Terra natal do autor de Aquarela do Brasil inicia as comemorações do ano do centenário de Ary Barroso”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 72, de 27.11.2002. Ubá-MG. P.05. 146 ATA, CDMPCU. 22.05.2001, P. 09 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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como campo de atuação, quer como objeto de conhecimento – do domínio do

patrimônio cultural, de premente atualidade”.147 Diante disso, a relação entre memória e

patrimônio, assim como suas mútuas interferências, está no cerne de uma discussão

presente na atualidade e envolve questões bastante complexas. Uma delas é a

interferência que a memória pode exercer sobre o campo do patrimônio cultural, e vice-

versa. Nesse caso, aqueles que tendem a liderar os processos de patrimonialização

acabam se beneficiando desses mecanismos, seja para justificar o tombamento ou o

registro de um bem, seja para anular esses processos. Além disso, os usos da memória,

ou mesmo o não uso, são mecanismos de manipulação que tendem a direcionar a

condução das ações preservacionistas na esfera pública, o que significa atender a

determinados interesses, pois, de acordo com Pierre Nora, não existe memória

espontânea148.

Essas questões podem ser analisadas em nível local, no Município de Ubá,

quando se estabelece uma crítica à patrimonialização do Piano que pertenceu ao

compositor Ary Barroso, especificamente em relação à forma com que suas memórias

estiveram presentes ou ausentes no referido processo, ocorrido entre 2001 e 2002.

Percebe-se que as memórias relativas ao compositor e sua cidade natal permaneceram

numa espécie de amnésia social149 durante o processo de tombamento. As fontes

consultadas, incluindo o Dossiê de Tombamento do Piano de Ary Barroso, as Atas do

CDMPCU e as reportagens produzidas pela imprensa local, não apresentam discussões

que alcançassem a relação entre o compositor e cidade natal, notadamente seus

possíveis desentendimentos com o meio político local nos anos de 1950, quando, de

acordo com Antônio Olinto, foi comemorado o centenário de Ubá e o “filho ilustre”,

apesar de convidado, não compareceu.150

Assim, ao privilegiar os ritos legais do tombamento do Piano e dos outros dois

processos de patrimonialização que ocorreram concomitantes (Paço Municipal e

“Camilo Soares”), em detrimento das memórias sobre o compositor, os agentes do

patrimônio podem ter contribuído para que tal memória ficasse ausente, o que também

é, de certa forma, um exercício de influência sobre o processo. É possível que tais

147 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.34, p. 09-23, 1992. p.16. 148 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993. p.13. 149 MENESES. Op.Cit. p.16-17. 150 OLINTO, Antônio. Ary Barroso, a história de uma paixão. Rio de Janeiro: Mondrian, 2003. p.135.

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agentes, com essa retenção de memória, objetivassem não levantar obstáculos para o

cumprimento do planejamento traçado pelo CDMPCU desde o ano de 2001, quando se

iniciou a segunda fase da política pública de patrimônio cultural no Município de Ubá.

Afinal, levantar discussão acerca de questões polêmicas envolvendo o artista e a política

local, talvez não constituísse um caminho que os agentes do patrimônio quisessem

seguir naquele momento em que o “trem” da patrimonialização ganhava velocidade.

Imprescindível lembrar o momento em que se encontrava esta segunda fase da política

pública de patrimônio cultural no Município de Ubá. Através desse impulso

patrimonializante é possível que os agentes do patrimônio, além das homenagens à

professora Loreto, também estivessem demonstrando força e união para enfrentar a

especulação imobiliária, que ameaçava a continuidade de imóveis antigos e

considerados históricos no centro da cidade.

Figura 7 – Piano de Ary Barroso.151

Entretanto, a partir das comemorações relativas ao centenário do compositor

essa discussão sobre o uso ou não uso das memórias de Ary Barroso voltou a fazer parte

do cenário cultural da cidade de Ubá. Desta vez através da ação de um grupo opositor

que viu nesse argumento oportunidade de destaque na mídia ubaense.

151 Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/galeriaimagens (Consulta em 19.02.2017)

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3.2.1: O centenário do compositor Ary Barroso e a política patrimonial no

município de Ubá.

Para entender de que forma o centenário de Ary Barroso influenciou a política

pública de patrimônio cultural em Ubá, importa entender de que forma nasceu o

chamado “Ano do Centenário”, isto é, a programação das comemorações pelos 100 anos

de nascimento do compositor Ary Barroso, nascido em Ubá no dia 07 de novembro de

1903, cujo falecimento ocorreu no ano de 1964. Para isso, proponho analisar debate

ocorrido no município no ano de 2001, quando questões políticas parecem ter suscitado

memórias que emergiam com a proximidade do centenário do ubaense.

Texto intitulado “Acervo de Ary Barroso, a verdade está aqui”, publicado em

página inteira no Jornal Gazeta Regjornal, em maio de 2001, rebate acusações feitas

por outro órgão de imprensa local, o Jornal Tribuna Regional152. O próprio texto do

“Gazeta” traz algumas indicações daquilo que a administração municipal e os agentes

culturais estariam sendo acusados. Primeiro, o poder público teria feito muito pouco

pelo seu filho ilustre, pois a cidade havia perdido a chance de receber o acervo sobre a

vida e a obra de Ary Barroso, cujo material foi recolhido pela sua filha, Mariúza

Barroso. Segundo, por causa da suposta falta de interesse da cidade, a filha do

compositor teria preterido Ubá na destinação desse material, optando pela prefeitura do

Rio de Janeiro. A análise ao texto do Gazeta Regjornal também torna possível

identificar que um dos entrevistados pela reportagem da denúncia era o então vereador

Edvaldo Baião Albino, do Partido dos Trabalhadores (PT) que, naquele momento,

representava oposição política à administração municipal, ou seja, ao prefeito Antônio

Carlos Jacob, do Partido Popular Socialista (PPS), cujo mandato havia começado

naquele ano de 2001.

Talvez com o intuito de amenizar os argumentos da acusação de desinteresse do

poder público municipal em relação a Ary Barroso se formou uma aliança entre a

152 Não foi possível realizar pesquisa direta à edição do Jornal Tribuna Regional que alude às denúncias envolvendo o acervo do compositor Ary Barroso. Em contato com a família proprietária desse jornal, que atualmente se encontra fora de circulação, fui informado de que uma grande enchente, há cerca de cinco anos, deu cabo ao acervo que eles mantinham, sobrando pouquíssimos exemplares, nos quais não se inclui a edição da semana de 15 a 21 de abril de 2001, que traz o assunto acima apresentado. Realizei busca na Biblioteca Pública Municipal de Ubá, na Biblioteca “Antônio Olinto” da Faculdade “Governador Ozanam Coelho” e no Arquivo Histórico da Cidade de Ubá, além de consulta a colecionadores e memorialistas da cidade, na tentativa de que alguém ainda possuísse tal edição. Infelizmente não obtive sucesso em nenhuma dessas investidas.

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administração do município, os partidos de maior representação na cidade, como o

PSDB (Partido da Social Democracia do Brasil) e o PMDB (Partido do Movimento

Democrático Brasileiro), e os integrantes do CDMPCU. Prova disso é que agentes

políticos e culturais se unem em um discurso de defesa contra as acusações, como o

então secretário de educação e cultura do município, Ricardo Nacif Njaim, o vereador

Geraldo Calçado (PMDB), então presidente da Câmara Municipal de Ubá, e a vereadora

Rosângela Alfenas (PSDB). Tais discursos, presentes na reportagem do Jornal Gazeta

Regjornal, enfatizam a defesa de que a municipalidade já havia se manifestado à filha

de Ary Barroso sobre o “interesse de receber o acervo e que não abre mão dessa

disputa”. O texto da reportagem traz também que o legislativo ubaense “nunca se furtou

de reverenciar a memória de seu filho mais ilustre”, colocando, como exemplo, a

Comenda Ary Barroso, entregue anualmente a seis pessoas consideradas de destaque na

sociedade ubaense e, por fim, revela que a vereadora Rosângela Alfenas foi a autora de

um projeto de lei para transformar o ano de 2003, em Ubá, no “Ano do Centenário do

Nascimento do Mestre Ary Barroso”153.

Além disso, para amenizar as acusações de inércia em relação à memória do

compositor ubaense os agentes políticos e de defesa do patrimônio também divulgaram,

antecipadamente, através do referido jornal, as comemorações que deveriam acontecer

durante todo o período entre os meses de novembro de 2002 e novembro de 2003,

conforme Indicação Número 322, proposta em 16 de abril de 2001, ou seja,

praticamente dois anos antes dos cem anos do compositor.

[...] indicação que seja instituído pela municipalidade o ano de 2003 como “Ano do Centenário do Nascimento do Mestre Ary Barroso, devendo ser dado ciência do Decreto aos seus familiares, assim como ao Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Ubá, a todas as autoridades, escolas, associações de bairros e distritos, entidades e imprensa ubaense, assim como ao senhor Governador do Estado, Presidente da Assembleia Legislativa, Secretário de Estado da Cultura, Deputados Estaduais e Federais votados em nossa cidade [...] e toda a mídia nacional.154

O documento acima deixa evidente a preocupação de que o maior número de

pessoas, principalmente autoridades municipais, estaduais e nacionais, tivessem ciência

de que o município de Ubá agia em prol do seu “filho mais ilustre”. De certa forma,

153 “Acervo de Ary Barroso, a verdade está aqui”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 52, de 01 de maio de 2001. Ubá-MG. p.03. 154 “Vereadora quer 2003 como o Ano do Centenário”. Op.Cit. p.03.

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essa proposição na Câmara Municipal pode ser entendida como uma tentativa da

administração municipal de desmentir as denúncias feitas pela oposição, como a

possível falta de ação do poder público em relação ao acervo do compositor Ary

Barroso. Diante disso, temos a relação entre o artista e sua cidade natal, principalmente

quando a discussão envolve participação de agentes políticos, ainda se encontrava longe

de ser esclarecida ou resolvida.

A partir disso é possível perceber que o chamado “ano do centenário” exerceu

considerável influência sobre a política pública de patrimônio cultural no município de

Ubá, principalmente nesta segunda fase, marcada por um impulso preservacionista.

Além da discussão acerca das memórias ausentes no tombamento do Piano, também é

possível identificar que os grupos locais formados pelas lideranças políticas e culturais

se fortaleceram através da união promovida para combater as denúncias da falta de

interesse da municipalidade em relação ao compositor. Entretanto, assim como será

discutido mais adiante no Capítulo 5, a influência do centenário do artista não parou por

aí. O processo de patrimonialização da Estação Ferroviária também está diretamente

relacionado a esse momento da história da cidade. Porém, antes dessa análise,

simplesmente por uma questão cronológica, apresentarei a seguir um estudo sobre os

interesses que motivaram o registro da manga e da mangada no Município de Ubá.

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Capítulo 4. Uma análise dos diferentes interesses que

motivaram a patrimonialização da manga e da mangada na

cidade de Ubá.

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De acordo com Tzvetan Todorov o culto à memória nem sempre serve à justiça

e nem sempre é favorável à própria memória. Ainda segundo discussão proposta pelo

autor em La memoria amenazada, o final do último milênio foi um período em que os

europeus, em particular os franceses, estavam obcecados pelo culto à memória.

Como si estuviesen embargados por la nostalgia de um pasado que se aleja inevitablemente, se estregan com fervor a ritos de conjuración com la intención de conservarlo vivo. Por lo que parece, um museo es inaugurado a diario en Europa, y atividades que antes tuvieron carácter utilitario han sido convertidas ahora em objeto de contemplación: se habla de um museo de la crépe em Bretaña, de um museo del oro em Berry. No passa un mes sin que se conmemore algún hecho destacacle, hasta el punto de que cabe preguntarse si quedan bastantes días disponibles para que se produzcan nuevos acontecimientos que se conmemoren en el siglo XXI.155

Em relação à França, o autor acrescenta citações de Jean-Claude Guillebeaud156

de que o país estava passando por uma espécie de “delírio comemorativo”, marcado por

um “frenezi de liturgias históricas”, o que pode ser visto como uma forma de incitar os

indivíduos a se tornarem militantes da memória. Com isso, através da análise dos usos

da memória, entendo que certas ações no campo do patrimônio são vistas como

discursos de manipulação, que disfarçam outros possíveis interesses dos agentes

públicos envolvidos nos processos de patrimonialização. Em La memoria amenazada o

autor presenta ainda dois tipos de memória: exemplar e literal. A primeira é marcada

pelo bom uso que se faz da memória, pelas comparações que auxiliam na compreensão

do passado e nas interpretações do presente. A segunda é marcada pela intransitividade

e pela singularidade com que se apresenta.

El acontecimiento recuperado puede ser leído de manera literal o de manera ejemplar. Por un lado, ese sucesso – supongamos que un segmento doloroso de mi pasado o del grupo al que pertenezco – es preservado em su literalidad (lo que no significa su verdade), permaneciendo intransitivo y no conduciendo más allá de si mismo. En tal caso, las asociaciones que se implantan sore él se sitúan em directa contiguidad: subrayo las causas y las consecuencias de ese acto, descubro a todas las personas que pudean estar vinculadas al autor inicial de mi sufrimiento y las acoso a su vez [...].157

155 TODOROV, Tzvetan. La memoria amenazada. Los abusos de la memoria. Barcelona. Paidos: 2000. p.21. 156 Ibidem. p.21. 157 Ibidem. p.11.

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Neste sentido, a memória – essa disposição para o passado continuar – segundo

Todorov, pode ter seus usos direcionados para dois sentidos: o da alteridade, que é

próximo da dialética - a memória exemplar; e o intransitivo, voltado para determinado

círculo social - a memória literal. A partir dessas considerações que perpassam a análise

dos usos da memória apresento o estudo sobre o processo de patrimonialização da

manga e da mangada na cidade de Ubá, o qual aconteceu entre os anos de 2002 e 2003.

4.1: Memórias relacionadas ao “nascimento” da mangada – argumentos

pouco resistentes a uma reflexão mais profunda.

O registro da manga como patrimônio natural e da mangada como imaterial foi

oficializado em 13 de dezembro de 2003, resultado de um processo que tem suas

especificidades quando comparado aos demais processos de patrimonialização

realizados de Ubá. Para entender esta análise é preciso considerar alguns fatores que

permeiam o desenrolar do trabalho liderado pelos agentes do patrimônio da cidade.

O primeiro deles é a relação percebida entre a manga e a cidade de Ubá, que se

encontra imersa em um arcabouço de memórias. Uma delas, bastante usada por

memorialistas da cidade para justificar o registro, é o “nascimento” da mangada – doce

feito a partir da manga. No livro História de Ubá para as escolas, escrito pela

fundadora da Academia Ubaense de Letras, memorialista Clotilde Vieira, encontramos

uma série de referências históricas da cidade, tais como origem, fundação, evolução

política e econômica. Porém, no capítulo XII, no subtítulo A mangada de Ubá, temos a

versão da autora para o que seria o início da tradição do doce de manga.

Até 1935 a produção de manga em Ubá era apenas aproveitada para consumo e a venda nas ruas. Na época das mangas perdia-se grande parte da produção e ninguém pensava em industrializa-las. Em 1935, D. Risoleta Costa Souza, casada com João José de Souza resolveu experimentar usar a manga para fazer um doce em pasta como fazia com a goiaba e banana. Tinha dois pés de manga em sua residência à rua Santa Cruz e fez a experiência que deu certo, ficando um doce muito gostoso e de cor muito bonita. Nasceu assim, em 1935, a mangada da famosa manga Ubá. D. Risoleta Costa de Souza forneceu à sua grande freguesia de doces, a mangada que fabricou, enquanto a idade permitiu. Hoje, aos noventa anos, tem orgulho de dizer que foi a

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inventora do doce de manga Ubá, a mangada mais saborosa do Brasil, amarela como ouro e saborosa como um manjar do céu.158

Como é possível perceber, a autora destaca que no início do século XX a manga

já estava presente na vida da população ubaense. Além disso, o texto nos leva a

entender que até meados da década de 1930, a produção da fruta era caseira e restringia-

se ao consumo, sendo que o incipiente comércio não extrapolava os limites da região.

Outro aspecto que chama a atenção é o fato de que a senhora Rizoleta Costa de Souza,

considerada pela memorialista como inventora da mangada, morava na Rua Santa Cruz,

cuja localização é o centro da cidade, local de muitas residências. Ainda que pese este

ser apenas um exemplo e que o número de construções da década de 1930 era menor

que o atual, é possível concluir que havia presença de mangueiras nos quintais das

casas, demonstrando a proximidade da manga com os núcleos familiares, ou seja, uma

relação marcada pela intimidade e pelo cotidiano, mas ainda distante da

representatividade pública ou patrimonial.

Em relação ao doce de manga, a autora defende o que pode ela própria considera

como sendo a “certidão de nascimento” da mangada. Fica claro que a doceira ubaense,

citada no texto, já exercia essa profissão, ficando restrita a algumas frutas, como banana

e goiaba, antes de descobrir que a manga também poderia ser matéria-prima daquilo que

Clotilde Vieira chama de “manjar do céu”. Entretanto, essa forte referência à mangada

pode ser analisada com um exemplo da construção de memória para atender a interesses

de grupos específicos, pois desconsidera que pessoas de outras partes do mundo,

inclusive da Índia, provável origem da fruta, nunca ousaram aproveitar a polpa da

manga para outros fins.

A reapropriação dessa memória pelos agentes do patrimônio do Município de

Ubá, em 2003, pode ser interpretada como um dos argumentos que serviu de base para a

patrimonialização da manga e da mangada, conforme Dossiê de Registro cujo trecho

encontra-se abaixo.

A cidade carrega essa tradição da memória gustativa desde a década de 30, conforme registro da historiadora Clotilde Batista Vieira [...] em seu livro História de Ubá para as escolas. [...] Nas décadas de 60 e 70, a produção caseira de mangada em Ubá obteve reconhecimento e projeção com as doceiras da Família Martins.159

158 VIEIRA, Maria Clotilde. História de Ubá para as escolas. Viçosa: Editora de Viçosa, 1990. p.63. 159 DOSSIÊ, Registro da Manga e da Mangada. P.08. Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Fica claro que o trabalho das doceiras da “Família Martins”, assim como os

relatos da memorialista, foram fatores importantes para suscitar o processo de

patrimonialização da manga na cidade de Ubá. Entretanto, essas memórias,

principalmente das doceiras, demonstram, à luz de Todorov, uma interpretação singular.

A utilização delas é direcionada para um fim específico, ou seja, o registro do doce e da

fruta na cidade. Além disso, tal singularidade é marcada pela ausência de debate em

relação às possibilidades que outras populações, em diferentes épocas e locais, também

poderiam atinar para as formas de destinação da manga, assim como aconteceu na

narração de Clotilde Vieira. Diante disso, a mangada ter nascido em Ubá é uma

memória que parece construída, cujo argumento se enfraquece em face de uma reflexão

mais aprofundada. Considerando que nenhuma memória é espontânea,160 é possível

pensar tais questões apontam para a reificação da manga e mangada no Município, uma

ação que pode ser enquadrada como certo frenezi dos agentes do patrimônio para

justificar uma patrimonialização.

Vale ressaltar que os conselheiros do CDMPCU, nomeados pelo Decreto

3.937,161 representavam a segunda composição deste Conselho, tendo sido os

responsáveis pela segunda fase da política pública de patrimônio cultural no Município,

marcada pelo “trem” da patrimonialização. Todos os processos aqui analisados, assim

como da manga, são representações daquilo que pensavam e pretendiam esses

indivíduos incumbidos de tombar ou de registrar o que consideravam importante em

relação ao patrimônio cultural ubaense, fazendo valer a função de delegado do culto à

herança, segundo argumentos de Dominique Poulot. Por isso, é importante que um

estudo como este abra possibilidade de outras interpretações, trazendo elementos não

constantes no Dossiê de Registro, mas fundamentais para as reflexões que podem

contribuir para ampliar a compreensão dos interesses que motivaram a referida

patrimonialização.

160 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993. p.13. 161 Decreto Municipal Número 3.937, de 05 dezembro de 2000. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br (Consulta em 13 de abril de 2016).

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4.2: Manga “Ubá” ou apenas manga? Análise da relação entre a cidade e a

fruta mostra possíveis evidências para uma conclusão.

Para entender o questionamento do título de patrimônio que foi dado à manga

em Ubá, é importante refletir um pouco mais sobre a relação da fruta com a cidade,

especialmente no que diz respeito às denominações encontradas. A primeira referência

consultada encontra-se em uma carta que foi escrita em dezembro de 1943, por Maria

Camila Carneiro, matriarca de uma família da cidade, cujos descendentes estão, por

genealogia, ligados ao capitão-mór Antônio Januário Carneiro, considerado um dos

fundadores de Ubá. A carta integra uma coletânea de textos, intitulada Quem meus

filhos beija minha boca adoça, publicada no ano de 2001. Dentre os textos escritos por

Maria Camila e transformados em livro, um deles, a carta objeto desta análise, é A

palavra escripta de Maria Camila, o qual faz referência à manga. Ela escreve ao

destinatário da missiva, no Rio de Janeiro, agradecendo pela recente acolhida, e finaliza

com “diga à Irene para vir chupar mangas para a prisão de ventre”.162 Tal referência

corrobora a defesa presente em Clotilde Vieira, ou seja, a cidade de Ubá era um local

onde as mangas faziam parte do cotidiano e da vida das pessoas, demonstrando,

inclusive, certo orgulho para receita-las como curativo para certos males, como a prisão

de ventre. Porém, no texto da carta aparece apenas “manga” e não “manga Ubá”.

Em outro momento, mais especificamente no ano de 1976, o poeta Carlos

Drummond de Andrade escreveu, de próprio punho, um cartão para Rizoleta Costa de

Souza, “Dona Leleta”, citada por Clotilde Vieira como inventora da mangada. No

cartão, o saudoso poeta agradece pelo presente que lhe foi enviado – uma barra de

mangada – e se diz gratíssimo com aquele “sabor de Minas”.163 O cartão está

reproduzido numa revista que foi publicada no ano de 2008, em torno das

comemorações do sesquicentenário de Ubá (1857-2007) pelo CDMPCU em parceria

com a Secretaria Municipal de Cultura da cidade. Assim como nos registros de Maria

Camila, as palavras de Drummond também não incluem “Ubá” na denominação da

manga, o que evidencia não haver ainda essa forma de classificação ou denominação da

fruta, pelo menos no que diz respeito às fontes disponíveis para a presente consulta.

162 “A palavra escripta de Maria Camila”, in Quem meus filhos beija minha boca adoça. Org. Carneiros da Maria Camila e Domiciano: Editora Ver Curiosidades, Rio de Janeiro, 2001. P.130. 163 “Deixe a manga Ubá adoçar seu paladar”. Revista do patrimônio cultural de Ubá, Número 01, dezembro de 2008. Ubá-MG. P.14.

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Ademais, em se tratando de personalidades conhecidas no mundo artístico e

cultural, além de Carlos Drummond de Andrade, consta que Ary Barroso era fã das

mangas produzidas em sua terra natal. As irmãs Célia & Celma, na crônica A manga-

Ubá desde os tempos de Ary, publicada no livro Por todos os cantos – crônicas a quatro

mãos, lembram que a manga de Ubá já teve outros admiradores:

Em tempos de safra, cada ubaense que visita um conterrâneo distante faz questão de presenteá-lo com uma caixinha de mangas: é como se, naquele pacote, levasse também as recordações da terra que deixou... Tem aquele que é capaz até de ficar pão-duro se tiver de repartir as manguinhas com alguém; às vezes, o faz, mas só para ouvir elogios sobre a qualidade da nossa fruta. E quem prova, cobra no ano seguinte: ‘e as mangas, heim?’ Nós já tivemos como ‘fregueses’, figuras como Elis Regina, Cauby Peixoto, Moacyr Franco, Taiguara, Miéle e Carlos Imperial.164

As irmãs Célia & Celma, pesquisadoras da obra de Ary Barroso, nessa mesma

crônica, cuja publicação original aconteceu em 1999, no jornal Tribuna Regional,

também recordam da época em que o compositor era cronista do O Jornal, na década de

1950, no Rio de Janeiro, quando ele escreveu:

Meu primo Fábio me mandou um caixote de mangas. Que beleza! Mangas pequeninas, pintadinhas, com aquele cheiro que Ubá tem de dezembro a fevereiro, quando os mangueirais estão dobrando de frutos. Há muita coisa gostosa neste mundo; mas, como as manguinhas de Ubá [...].165

Há que se considerar que a escrita da crônica A manga-ubá desde os tempos de

Ary é posterior a esses fatos narrados pelas irmãs cantoras e pesquisadoras na citação

acima, servindo para corroborar o argumento de que a associação entre a fruta e a

cidade, para denominar a manga, aconteceu em período mais recente, posterior às

personagens que são usadas pelo Dossiê de Registro para compor as memórias relativas

à manga, como Ary Barroso e Maria Camila. Nota-se ainda que quando as irmãs Célia

& Celma transcrevem a fala de outros personagens, aparecem apenas as palavras

“manga”, ou “manguinhas”. Com isso, temos que a utilização da memória da manga

através de Ary Barroso não tem acompanhamento de outra denominação, mesmo

partindo de alguém que, provavelmente, teria intenção de divulgar o nome da cidade,

164 MAZZEI, Celia e MAZZEI, Celma. Por todos os cantos – crônicas a quatro mãos. São Paulo: Ibrasa, 2003. p.18. 165 Ibidem. p.18.

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aproveitando-se do sucesso pelo qual sua carreira artística vivia naquele momento. Tal

abordagem, ou seja, a não inclusão do nome da cidade para denominar a manga

produzida em Ubá, ganha força diante da conclusão obtida através da análise de outra

fonte, desta vez não incluída no dossiê da manga: publicações do jornal Cidade de Ubá

do final da década de 1930.

De acordo com edição do Jornal Cidade de Ubá do ano de 1938, durante

realização de um serviço de extensão de assistência da ESAV (Escola Superior de

Agricultura de Viçosa) na Fazenda da Liberdade, zona rural de Ubá, ocorreu o plantio

da árvore da amizade. É possível identifiar que a muda escolhida para essa celebração

foi um alfenheiro,166 e não de uma mangueira, demonstrando que a manga ainda não

possuía uma simbologia para a identificação da cidade naquele momento. Importante

pensar que se assim fosse, a muda escolhida para representar a amizade de Ubá com a

ESAF seria um “pé de manga”.

Outra referência na qual fica evidente essa característica de pouca proximidade

entre a manga e a cidade, naquele início do século XX, pode ser encontrada na edição

88 do mesmo jornal. Trata-se de um texto intitulado Columna da Polidez, em que o

jornal ensina a servir e comer frutas, como laranja, mamão, maracujá, maça, melancia e,

no caso da manga, a fruta é citada na coluna sem qualquer identificação com a cidade,

apenas “manga”.167 No ano seguinte, em 1939, o jornal abre sua edição 109

denunciando a falta de arborização em Ubá e solicita o plantio de várias mudas para

mudar o cenário da ausência de árvores, mas não há qualquer referência às mangueiras

para este fim,168 o que também pode evidenciar, novamente, que essas árvores não

possuíam uma representação de vulto na cidade. Em edição posterior, a publicação do

poema “Velhas mangueiras” e assinada por Alberto de Oliveira que, assim como as

demais referências citadas anteriormente, não relaciona a manga à cidade de Ubá.

As citações de jornais publicados nos anos de 1930 em Ubá, de certa forma,

contrariam os relatos da memorialista e escritora Clotilde Vieira. Enquanto as primeiras

dão indícios de distanciamento da manga em relação à cidade, a segunda tenta

demonstrar o oposto, argumentando sobre a presença das mangueiras nos quintais das

casas dos ubaenses. Em que pese a discussão entre o texto jornalístico e o 166 “ESAV em Ubá – plantio da árvore da amizade”. Jornal Cidade de Ubá. Número 81, de 16 de outubro de 1938. Ano 2. Ubá-MG. p.01. 167 “Columna da Polidez”. Jornal Cidade de Ubá. Número 88, de 04 de dezembro de 1938. Ano 2. Ubá-MG. p.02. 168 “Falta de árvores em Ubá”. Jornal Cidade de Ubá. Número 98, de 07 de maio de 1939. Ubá-MG. Ano 3. P.01.

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memorialístico, o que cabe aqui é considerar aquilo que os agentes do patrimônio

adotaram como uma das justificativas para o registro da manga e da mangada, ou seja, a

adoção de uma visão unilateral de proximidade, a qual pode ser questionada, segundo

margens possíveis de reinterpretação.

Considerando as formas de citação presentes no Cidade de Ubá e também nos

demais textos analisados neste subitem, cabe concluir que a memória relativa à manga

em Ubá nem sempre utilizou a denominação constante no seu Dossiê de Registro, ou

seja, manga “Ubá”. Por isso, temos que tal memória é manipulada, pois não encontra

respaldo que a justifique no passado. Além disso, tem caráter recente e está inserida no

contexto do processo de patrimonialização, afinal, partiu de iniciativa da esfera pública

que parece ter agido e interferido para tentar estreitar os laços de proximidade entre o

bem a ser registrado e a população. Essas questões nos ajudam a pensar que o caráter

dessa relação da manga com a cidade, no passado, não era tão excepcional como

queriam os agentes públicos que assim a denominaram a partir de determinado

momento.

Um exemplo disso pode ser encontrado em textos de duas legislações municipais

de Ubá onde, pela primeira vez, acontece utilização da referência à manga como

“Manga Ubá”. Uma delas é de 1984 e trata de publicação do Decreto Municipal

Número 925, que torna as mangueiras imunes ao corte indiscriminado.169 A segunda

aconteceu em 1998, com a Lei Municipal Número 2827, que institui o dia da

mangueira, a ser comemorado em 19 de setembro, e o dia da manga, no segundo sábado

do mês de dezembro.170 O Decreto 925 proíbe o corte indiscriminado de mangueira em

Ubá e coincide com o período de governo do ex-prefeito José Bigonha Gazolla.

De acordo com informações fornecidas pelo Arquivo da Divisão de Patrimônio

da Prefeitura de Ubá,171 cuja solicitação foi protocolada sob número 09735/16, nesse

período, ou seja, durante as décadas de 1980 e 1990, o número de alvarás de construção

emitidos no município cresceu cerca de 25%. Nesse sentido, é possível pensar que a

preocupação dos agentes públicos com a manga começou justamente no momento em

169 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Decreto_925_1984.pdf (Consulta em 12.06.2016). 170 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Lei_2827_1998.pdf (Consulta em 10.06.2016). 171 NOTA: Resposta de requerimento emitida em 27 de junho de 2016. Assunto: emissão de alvarás de construção entre o final da década de 1970 e final da década de 1990. Documento emitido em função do requerimento PRO09735/16, protocolado por Anderson Moreira Vieira.

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que o número de construções aumentava significativamente no Município, interferindo

na redução do número de mangueiras, principalmente no centro da cidade.

Essa constante presença do poder público como intermediário nas questões

relacionadas à preservação de um bem cultural, neste caso a manga, pode ser discutida à

luz das atribuições da memória, presentes em Paul Ricoeur.

Não existe, entre os dois polos da memória individual e da memória coletiva, um plano intermediário de referência no qual se operam concretamente as trocas entre a memória viva das pessoas individuais e a memória pública das comunidades à quais pertencemos? Esse plano é da relação com os próximos, a quem temos o direito de atribuir uma memória de um tipo distinto. (...) A variação de distância, mas também variação nas modalidades ativas e passivas dos jogos de distanciamento e de aproximação que fazem da proximidade uma relação dinâmica constantemente em movimento: tornar-se próximo, sentir-se próximo.172

A partir dessa colocação é possível pensar que através daquilo que o autor

chama de “próximo”, uma memória individual pode se tornar conhecida de outros, que

não a viveram, mas acabam se relacionando com ela de alguma forma, ativa ou

passivamente. Esse contexto das atribuições do conteúdo da memória nos ajuda a

entender que a análise feita até aqui, ou seja, que a relação da manga com a cidade,

identificada através das obras dos memorialistas e análises do Jornal Cidade de Ubá,

não incluía o nome “Ubá” para denominar a manga. Com isso, em que momento essa

forma de denominação foi alterada? Quais objetivos estavam funcionando como pano

de fundo de tal proposta? Para responder a essas questões é importante que a análise do

“trem” da patrimonialização se debruce sobre o setor moveleiro da cidade de Ubá.

4.3: O polo moveleiro de Ubá e a mangada – memórias carregadas de

intenções ajudam a dar velocidade ao “trem” da patrimonialização.

Enquanto os autores de A memória, a história, o esquecimento e A memória

coletiva – Paul Ricoeur e Maurice Halbwachs, respectivamente – tratam de memória a

partir de quem lembra, ou seja, do sujeito, outros pensadores, como Michel Pollak,

Tzvetan Todorov e Pierre Nora, este em Entre memória e história: a problemática dos

172 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain Françoise. São Paulo: Editora UNICAMP, 2008. p.141.

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lugares, discutem a natureza da relação com o passado, o que envolve o conteúdo

daquilo que se lembra. Assim como já foi discutido anteriormente, em La memória

amenazada Todorov defende que esse conteúdo da memória pode ser literal (singular)

ou exemplar. Literal no sentido de ser apenas memória, de forma intransitiva, sem

questionamentos; exemplar se avança para o campo da história, extrapolando a simples

utilização para um determinado fim e abrindo espaço para críticas, comparações,

contribuições. Em Memória, Esquecimento, Silêncio, Michael Pollak encontramos que

memória subterrânea é libertadora, ou seja, não se detém ou se prende em determinado

ponto de vista. Porém, Todorov desconstrói esse argumento de Pollak dizendo que tanto

a memória de grupos minoritários, quanto a dita memória oficial podem produzir uso

inadequado de memória, ou seja, submeter o passado ao presente, principalmente

quanto os interessados se colocam no papel de vítima.173 E, considerando-se a principal

vítima, ainda que durante um tempo na condição de subterrâneo, este grupo emerge com

característica de empoderamento, mas no sentido de absolutização do passado, isto é, a

imposição de uma verdade. Neste caso, seriam os interesses do presente se impondo

sobre a situação, contribuindo para um processo de sacralização da memória.

Sin duda, todos tienen derecho a recuperar su pasado, pero no hay razón para erigir um culto a la memoria por la memoria; sacralizar la memoria es outro modo de hacerla estéril. Una vez restablecido el pasado, la pregunta debe ser: para qué puede servir, y com qué fin”?174

Assim, é possível apreender que o uso da memória apenas pela memória pode

torná-la estéril, impedindo que tais lembranças assumam caráter histórico e, portanto,

exemplar. Determinada memória, quando sacralizada, ou seja, revestida de

singularidade por aqueles que querem fazê-la emergir, dificilmente será utilizada para

fins exemplares e, com isso, estará sujeita a terminar em si mesma, sem contribuição

para alargar conhecimentos de forma positiva. Por isso, analisar a influência do polo

moveleiro sobre o contexto da patrimonialização da manga e da mangada se torna

imprescindível, pois ela evidencia uma mudança na forma de ver e perceber a relação da

manga com a cidade de Ubá, elucidando pontos de interrogação desse processo

preservacionista na cidade.

173 TODOROV, Tzvetan. La memoria amenazada. Los abusos de la memoria. Barcelona. Paidos: 2000.Op.cit. p.24. 174 Ibidem. p.12.

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No primeiro semestre do ano 2000, quando da realização da quarta edição da

FEMUR (Feira de Móveis do Setor Moveleiro de Ubá e Região), é possível identificar a

presença de elementos que remetem à discussão sobre memória literal, principalmente

por que a organização do evento resolveu incluir a manga, dentre outros, como âncora

cultural para atrair turistas de negócios para a cidade. Segundo noticiou a imprensa,

“uma ideia que vem sendo insistentemente propagada em reuniões é a necessidade de se

assumir a manga ‘Ubá’ como uma âncora turística na região(...)”.175 Nota-se que à

exceção dos atos oficiais do poder público (proibição ao corte indiscriminado de

mangueiras e o estabelecimento do dia da manga e do dia da mangueira), essa adoção da

manga como âncora turística foi a primeira vez que a referência à fruta aparece

publicamente como manga “Ubá”, pelo menos no que tange às fontes consultadas.

Para entender a relação dessa postura de singularidade assumida à época, com a

discussão teórica proposta pelos autores citados anteriormente, principalmente Todorov,

é preciso esclarecer meandros que dizem respeito à FEMUR realizada no ano 2000 pelo

setor moveleiro de Ubá. A organização do evento estava nas mãos de lideranças

empresariais, grupo representante da iniciativa privada, como INTERSIND (Sindicato

Intermunicipal das Indústrias de Marcenaria de Ubá), ACIU (Associação Comercial de

Ubá) e ADUBAR (Agência de Desenvolvimento de Ubá e Região).

Entretanto, de acordo com reportagens analisadas, a ação desses empresários

contava também com o apoio do poder público municipal, como Prefeitura e Câmara

Municipal de Ubá. Tais aspectos estão relacionados à patrimonialização da manga e da

mangada, ainda que indiretamente, pois indicam certa parceria entre os entes públicos e

privados no direcionamento da organização da FEMUR e, consequentemente, na adoção

da manga e da mangada como âncoras turísticas no Município. Essa decisão contribui

para que a manga passasse a ser vista como elemento representativo da cidade, pelo

menos aos olhos do turista de negócios que esteve na feira. Provavelmente, é neste

momento que ganha força uma memória literal da manga, que passa a ser chamada em

todos os meios publicitários de manga “Ubá”.

Análise mais atenta das fontes fornecidas pela imprensa local pode ajudar a

entender melhor o que estaria por trás dessa escolha. Segundo reportagem pesquisada

havia empenho das instituições ligadas ao setor moveleiro no sentido de tornar a

FEMUR 2000 a maior de sua história, isto é, um evento de grandes proporções, que

175 “Ubá se prepara para receber os turistas de negócios”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 38, 03.04.2000. Ubá – MG. P.20.

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superasse as realizadas anteriormente. De acordo com a Edição 37 do jornal Gazeta

Regjornal,176 em 1994, quando aconteceu a primeira feira, com caráter bienal, o número

de visitantes chegou a 4 mil pessoas. Dois anos depois, na FEMUR de 1996, este

número chegou a 6 mil visitantes. Na terceira edição, a quantidade de visitantes

praticamente dobrou, o que pode ter contribuído para aumentar as expectativas em

relação à quarta edição da feira, realizada no ano 2000. Segundo informações da mesma

reportagem, o público esperado pela organização era de 25 mil pessoas, com um volume

de negócios que poderia chegar a de 10 milhões de reais, fazendo da FEMUR 2000, a

última do século XX, o maior evento do Estado de Minas Gerais em termos

comercialização da indústria moveleira. Indubitavelmente, em termos de mídia e

faturamento, esse título de destaque no cenário econômico mineiro deveria interessar

muito aos empresários do setor, pois o polo moveleiro de Ubá já era considerado o

primeiro de Minas Gerais.

Porém, também de acordo com informações da imprensa, havia um obstáculo a

ser superado: o pavilhão de exposições do Horto Florestal, onde acontecia a FEMUR –

local até então pertencente à esfera pública do município, era considerado pequeno,

insuficiente para atender à demanda do evento. Segundo noticiou a Revista FERMUR

2010, naquela época, “os empresários reclamavam da falta de espaço e gastos com

manutenção dos antigos pavilhões, o que reduzia investimento em mídia para atrair

mais clientes ao evento”.177 Por isso, também de acordo com a reportagem, alguns

empresários do setor chegaram a cogitar a possibilidade de retirar a realização da

FEMUR de Ubá e realizá-la em Belo Horizonte.

Talvez com o intuito de evitar essa mudança da feira para a capital do Estado,

pois os custos com transporte e logística poderiam acarretar prejuízo para o setor

moveleiro, um grupo de 17 empresários ubaenses, no início do ano 2000, fundaram o

Movimento Empresarial, reunindo o capital de R$215.000,00 para iniciar a obra de

ampliação das estruturas metálicas do pavilhão de exposições do Horto Florestal, tendo

em vista ampliar o espaço para realização da FERMUR 2000. De acordo com a Lei

Municipal 2.951, de 17 de fevereiro de 2000, o Movimento Empresarial, através de

processo licitatório, passa a ter concessão do uso e exploração do espaço durante 15

176 “Contagem regressiva para a feira. O Intersind está trabalhando para realizar a maior feira de móveis de sua história”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 37, 02.03.2000. Ubá – MG. P.19. 177 “O grande salto”. Revista Móbile – Edição comemorativa dos 15 anos da Feria de Móveis de Minas Gerais. Alternativa Editora: Curitiba, 2010. P.14.

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anos, prazo para amortização dos investimentos, voltando, posteriormente, às mãos do

poder público municipal de Ubá.178

Segundo informações do website oficial da FEMUR, naquele ano 2000 o

número de visitantes chegou a 20 mil pessoas, com uma estimativa de volume de

negócios em torno de 12 milhões de reais.179 Para entender o significado desses

números é importante observar que, de acordo com o mesmo website, é possível

identificar que já na quinta edição do evento, ou seja, em 2002, decidiu-se manter a

logomarca “FEMUR”, mas substituindo a denominação de “Feira de Móveis de Ubá e

Região” por “Feira de Móveis de Minas”. Tal mudança pode estar atrelada ao objetivo

de atrair empresários não só de Ubá, mas de toda a microrregião da cidade, no sentido

de ampliar o número de expositores e, obviamente, multiplicar os lucros obtidos.

Ao analisar os números referentes à FEMUR de 2002 e também das demais

realizadas posteriormente, é possível identificar que esse objetivo foi atingido, pois a

partir da quarta edição da feira volume de negócios e de visitantes aumentou

consideravelmente. Segundo informações publicadas pela edição online do Jornal do

Comércio sobre FEMUR/2014, o montante comercializado nessa feira do setor

moveleiro de Ubá foi de 290 milhões de reais. Além disso, o evento reuniu 128

expositores, de Ubá e da região.180 Esses dados reforçam nosso entendimento de que a

FEMUR 2000, quando a manga se torna âncora turística para atrair turistas de negócios,

contribuiu para alavancar o setor moveleiro na cidade e na região.

Todos esses dados demonstram que o Movimento Empresarial atingiu o objetivo

de crescimento e expansão do setor moveleiro através da FEMUR, gerando mais lucros

e, consequentemente, mais empregos na cidade e na região. Porém, essa virada que se

nota a partir da FEMUR 2000, ou seja, o crescimento dos números relativos ao evento,

não pode ser distanciada de três aspectos. O primeiro é a própria ampliação do pavilhão

de exposição no Horto Florestal, que contou com o apoio do Movimento Empresarial,

mas que não aconteceu sem a interferência do poder público municipal, pois se trata de

obra em bem pertencente à esfera pública. O segundo, intrinsicamente relacionado ao

primeiro, é o esforço para evitar que a FEMUR se deslocasse para a capital do Estado,

deixando de acontecer em Ubá, o que representaria prejuízo para o setor moveleiro

ubaense. O terceiro é a intensa campanha liderada pela organização da FEMUR, no

178 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Lei_2951_2000 (Consulta em: 13.04.2016). 179 Localizada em: http://www.femur.com.br/?modulo=edicoesanteriores (Consulta em: 13.04.2016). 180 Localizada em: http://www.femur.com.br/?modulo=edicoesanteriores (Consulta em: 13.04.2016).

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sentido de conquistar o apoio da população para o evento, um elemento a merece ser

analisado mais atentamente.

4.3.1: Discursos de memória e a campanha em torno da manga como

atração turística – FEMUR 2000 ganha as páginas do jornal.

Através de análise de reportagens locais é possível perceber que uma das

preocupações do INTERSIND, da ACIU e também da ADUBAR, ou seja, dos órgãos

responsáveis pela organização da FEMUR, era oferecer atrativos para que os

comerciantes de outras cidades, prováveis compradores dos móveis de Ubá,

permanecessem mais tempo na cidade. Nesse sentido, percebe-se grande mobilização

em torno de moradores e, principalmente, prestadores de serviço, como rede hoteleira,

bares, postos de gasolina e taxistas. De acordo com reportagem publicada em jornal

local foram realizados diversos cursos voltados para melhoria do atendimento prestados

pelos profissionais do terceiro setor. Além disso, outro instrumento utilizado pela

organização da FEMUR foi a implantação de um roteiro turístico-cultural para a feira e

o cadastramento dos produtores rurais da região que trabalhavam com doces caseiros,

com destaque para a mangada, pois o objetivo era incluir a comercialização do doce ao

roteiro que seria proposto para os visitantes.181

Em que pese a valorização dos produtores rurais, a adoção desse mote de

campanha para divulgar a FEMUR parece ser um exemplo de memória enquadrada, ou

seja, uma busca por identidade que se configura como tentativa de reforçar determinada

memória coletiva. Neste caso, assim como fez Michel Pollak, considerando memória

coletiva como memória enquadrada, temos em Memória, esquecimento, silêncio que

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes. [...] Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território, eis as duas funções essenciais da memória comum. Isso significa fornecer um quadro de referências e de pontos de referência. É, portanto, absolutamente adequado falar, como faz Henry Rousso, em

181 “Ubá se prepara para receber os turistas de negócios”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 38, 03.04.2000. Ubá-MG. P.20.

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memória enquadrada, um termo mais específico que memória coletiva.182

Pollak chama atenção para esse conteúdo de memória, que pode acontecer de

forma mais ou menos consciente, mas que não independentemente de alguma intenção.

Neste caso, a intencionalidade dessa memória enquadrada, no presente estudo, pode ser

identificada no contexto da adoção do nome da cidade de Ubá para designar uma

qualidade de manga, levando-se em conta que naquele mesmo momento, configurava-se

uma série de acontecimentos inerentes à necessidade de determinado evento do setor

moveleiro permanecer na cidade e criar condições de manutenção dos lucros para a

principal atividade industrial da região. Tal enquadramento, ou seja, reforçar a

denominação de manga “Ubá”, foi escolha dos agentes públicos e privados que estavam

à frente da organização da FEMUR 2000, como forma, talvez, de fortalecer a

empreitada econômica em curso, arregimentando esforços a partir do investimento em

questões ligadas ao fortalecimento da identidade da população ubaense. Porém, há

outros aspectos a serem analisados nessa relação entre o setor moveleiro e a

patrimonialização da manga e da mangada em Ubá.

4.4: A imigração italiana e as mangueiras – memórias que não se

desvinculam da indústria moveleira ubaense.

Ao discutir sobre a patrimonialização da manga em Ubá é importante pensar

também em outros aspectos relativos ao manejo dessas memórias, como o início do

cultivo de mangueiras na cidade, considerando que esse fruto é originário da Ásia,

provavelmente da Índia, e tenha sido trazido para a região através da ação de

colonizadores, principalmente europeus.

Em Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG,183 Tarquínio

Benevenuto Grandis, genovês que se radicou em Ubá no final do século XIX, junto a

grande número de outros conterrâneos da Itália, apresenta depoimentos sobre a chegada

e a presença dessa população na cidade. A obra é uma publicação da Academia Ubaense

182 POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, 2 (3). Rio de Janeiro, 1989. p.9. 183 GRANDIS, Tarquínio Benevenuto. Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG. Edição Academia Ubaense de Letras. Ubá: 1988.

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de Letras e foi realizada em comemoração ao centenário do início da imigração italiana

na região, que tem como marco principal, segundo o livro, o ano de 1888.

Dentre outras contribuições desses imigrantes para a Ubá dos séculos XIX e XX,

o texto fala do italiano José Miotto, um imigrante que parece ter sido o responsável pelo

início do plantio das primeiras mudas de mangueira na cidade, inicialmente em sua

fazenda, nas proximidades da comunidade de Ligação, na zona rural de Ubá. Segundo o

texto, “(...) conhecendo que os terrenos não eram próprios para a cultura de cereais, fez

uma grande cultura de mandioca e uma grande plantação de mangueiras”.184 Tendo em

vista que esta citação, na escassa bibliografia que versa sobre a história de Ubá no

século XIX, é a única que menciona alguma informação a respeito das memórias

relativas à manga, é possível concluir que o imigrante José Miotto, ainda que não exista

provas cabais de que ele teria sido o pioneiro na introdução das mudas de mangueiras

em Ubá, parecer ter sido um dos primeiros e grande entusiasta de tal cultura, merecendo

ser lembrado como personagem de destaque no resgate de tal memória. Vale destacar

que, atualmente, uma das áreas de maior concentração de mangueiras em Ubá está nos

arredores de um clube recreativo, denominado Mangueiras Country Club. De acordo

com a descrição feita por Grandis, o local faz parte de uma área inserida dentro do

território onde existiu a fazenda de José Miotto.

Entretanto, interessa aqui relacionar essa memória, que nos remete ao final do

século XIX, cujo período marca a chegada das mangueiras em Ubá, ao processo de

adoção da manga e da mangada como âncoras culturais, cem anos mais tarde, pelo setor

moveleiro quando da realização da FEMUR 2000. Neste sentido, a relação entre a

indústria de móveis ubaense e a patrimonialização da manga, além das já citadas

anteriormente, como o roteiro turístico-cultural, guarda outras evidências. Além de

manter vínculos com o início do plantio de mangueiras em solo ubaense, o

estabelecimento de estrangeiros europeus em Ubá também se relaciona com o início da

produção de móveis na cidade.

Novamente em Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG, é

possível encontrar indícios que corroboram esse argumento:

Depois destas levas periódicas de imigrantes, até 1903, começou a chegar para Minas uma verdadeira correria de imigrantes italianos. Vinham então de todas as províncias e não eram somente camponeses, mas sim de todos os ofícios: sapateiros, pedreiros, caldeireiros,

184 GRANDIS. Op.Cit. p.39.

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marceneiros, etc. (...) Nessa ocasião, o município de Ubá encheu-se de colonos que muitas vezes não eram camponeses. Não havia a menor situação que não tivesse famílias italianas.185

A citação à arte da marcenaria pode ser uma referência bastante contundente

para relacionar a imigração italiana ao início da fabricação de móveis no Município de

Ubá, pois, de acordo com bibliografia pesquisada, tal economia não existia na cidade

antes dos italianos chegarem. Na mesma obra, também é possível encontrar relato sobre

a família Trevizano, uma das pioneiras no setor moveleiro.

Os pais vieram para Ubá de uma fazenda do Rio Branco. Aqui os filhos montaram mobília, sendo a primeira fábrica que operou em Ubá. A sociedade progrediu, sendo muito procurada sua mobília. Mantinham na rua São José uma luxuosa sala de exposição do seu produto. Adquirindo prédio e terreno no fim da rua Santo Antônio, fundaram uma moderna serraria, com máquinas especializadas.186

Ambos os trechos em destaque esclarecem que parte dos imigrantes italianos já

chegou em Ubá conhecedora de ofícios variados, além da agricultura, inclusive o

trabalho com madeira, destinado à fabricação de móveis, como no caso dos irmãos

Trevizano. Segundo Palmyos Paixão Carneiro, em A fundação de São Januário do

Ubá,187 naquela época, entre o final do XIX e início do XX, a principal atividade

econômica praticada na cidade ainda era a plantação e comercialização de fumo. Talvez

seja por isso que a maioria dos imigrantes se voltou para esse trabalho agrícola,

contribuindo para ampliar a produção da cultura do fumo na região. Entretanto, chama a

atenção a persistência de alguns, como os irmãos Trevizano, citados acima, de se

dedicarem a uma atividade inovadora para o local onde decidiram fixar residência.

De acordo com material de divulgação produzido pelo Intersind, o início do polo

moveleiro de Ubá estaria vinculado a dois nomes: José Francisco Parma e Lincoln

Rodrigues Costa.188 Não há citação à família Trevizano que, segundo texto de Tarquínio

Benevenuto Grandis, teria sido a pioneira na fabricação de móveis na cidade. Em que

pese o fato de que essas escolhas sejam fruto de alguma intencionalidade, interessa

considerar que a família Parma também pertence à imigração italiana que chegou na

185 Ibidem. p. 34. (grifo nosso) 186 GRANDIS. Op.Cit. p.47. (grifo nosso) 187 CARNEIRO, Palmyos Paixão. A fundação de São Januário do Ubá. Edição Academia Ubaense de Letras, Folha do Povo. Ubá: 1987. 188 FILHO, Raul Carneiro; ROCHA, Thiago; REIS, Tuka; ALMEIDA, Cristiane; FAZOLLO, Kika; GARCIA, Kiko. Intersind – 15 anos. Suprema Gráfica e Editora, Visconde do Rio Branco-MG: 2005.

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cidade na virada do XIX para o XX.189 Diante disso, ao fazer emergir a memória

relativa à manga, no contexto da FEMUR, os organizadores estavam também trazendo à

tona outras memórias, principalmente aquelas que se relacionam à participação da

imigração italiana para a formação da economia moveleira no Município.

Na discussão proposta em Entre memória e história, a problemática dos lugares,

Pierre Nora nos remete a algumas situações da contemporaneidade em que o empenho

de determinados grupos para sustentar laços de pertencimento acaba desencadeando o

que ele chama de “lugares de memória”. Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora. É a desritualização de nosso mundo que faz aparecer a noção. O que secreta, veste, estabelece, constrói, decreta, mantém pelo artifício uma coletividade fundamentalmente envolvida em sua transformação e sua renovação. Valorizando, por natureza, mais o novo do que o antigo, mais o jovem do que o velho, mais o futuro do que o passado. [...] São os rituais de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza; fidelidades particulares de uma sociedade que aplaina os particularismos; diferenciações efetivas numa sociedade que nivela por princípio; sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade que só tende a reconhecer indivíduos iguais e idênticos [...]190.

Os “lugares de memória” podem ser explicados pelo viés das tentativas de

fortalecimento dos laços de pertencimento e de identidade, agindo como indutores de

memória em sociedades onde fenômenos atuais, como o da globalização, já atuam como

niveladores dos particularismos. Por isso, a iniciativa de utilizar a manga e a mangada

como âncoras culturais para a FEMUR 2000, e a possível memória da imigração italiana

trazida à tona a partir dessa escolha, inserem-se na discussão dos “lugares de memória”

proposta por Nora. Afinal, por trás dessa ação do setor moveleiro de Ubá, há um

conteúdo de memória sendo manipulado, ainda que de forma inconsciente.

Além disso, a adoção da manga e da mangada como símbolos culturais a partir

de 2000, como destaca matéria jornalística vinculada na imprensa local,191 está

associada à ideia de sacralização de um bem cultural que, de acordo com referências

encontradas sobre sua chegada e disseminação no território de Ubá, está intimamente

189 GRANDIS. Op.Cit. p. 33. 190 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993. p.12. 191 “Ubá se prepara para receber os turistas de negócios”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 38, 03.04.2000. Ubá-MG. P.20.

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ligada à imigração italiana. Essa imigração, resultado de um processo histórico, por sua

vez, também é considerada a base fundamental para o início da industrialização ligada

ao setor de móveis na cidade. Portanto, a patrimonialização da manga e da mangada,

incluindo a ação do setor moveleiro e dos agentes do patrimônio, também representa a

emersão das memórias relativas aos imigrantes italianos e, como pano de fundo, a

contribuição deles para a construção do polo moveleiro de Ubá.

4.4.1: Um baú de memórias e as reminiscências que tentam esconder uma

possível realidade.

Ao analisar as memórias relacionadas à imigração italiana e sua relação com a

adoção da manga e da mangada como símbolos culturais da cidade de Ubá é possível

chegar a alguns questionamentos que merecem atenção. O que representavam essas

lembranças trazidas na bagagem da FEMUR 2000? O que esse baú de memórias

poderia proporcionar aos grupos que conduziam o polo moveleiro naquele momento?

Por fim, quais as intenções veladas na emersão dessas memórias? Para esclarecer essas

questões é importante analisar os aspectos econômico e político que fizeram parte do

processo de patrimonialização da manga e da mangada em Ubá, Minas Gerais.

Importante ressaltar novamente a guinada que a FEMUR de 2000 representou

naquele momento da história do polo moveleiro de Ubá. É notório o crescimento de

todos os números, sejam eles relativos à quantidade de visitantes, sejam eles relativos ao

volume de negociações e de expositores, assim como foi apresentado anteriormente e

baseado em dados estatísticos. Ainda no tocante à economia, não é difícil perceber que

havia a intenção de incrementar a feira do setor de móveis e transformá-la em um

evento de grandes dimensões. Entretanto, em função da falta de espaço físico para sua

realização, corria-se o risco da transferência da mesma para Belo Horizonte. Diante

disso, com objetivo de mobilizar esforços, surgiu o Movimento Empresarial, que se

aliou ao poder público para promover as obras de ampliação do Parque de Exposições

do Horto Florestal, a fim de dar ao local condições de continuar abrigando a FEMUR.

Ainda em relação ao aspecto econômico inerente à feira de móveis do

Município, que adotou a manga e a mangada como âncoras turísticas e culturais, é

importante destacar também que, segundo o Plano de Desenvolvimento do Arranjo

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Produtivo Moveleiro de Ubá,192 foi a partir do ano 2000 que algumas fábricas da cidade

começaram a exportar seus produtos, principalmente para países da América Latina. No

bojo de todas essas ações, incluindo o início da exportação dos móveis fabricado em

Ubá, estava a intenção de mobilizar a cidade para a realização da FEMUR. É possível

que a utilização da manga e da mangada como âncoras turísticas tenha sido um caminho

para atrair apoio da população para o evento, afinal, por trás dessa escolha, há laços de

pertencimento e de identidade, que podem funcionar como formas de coesão social.

Vale ressaltar que o pertencimento, neste caso, também está inserido no contexto da

utilização do nome da cidade para denominar a manga, prática que não era usual nas

formas de dar publicidade praticadas anteriormente, assim como consta nos relatos de

jornais e de textos memorialísticos já citados.

Além disso, há que se destacar ainda que no ano 2000 aconteceriam as eleições

municipais. Segundo informações divulgadas na imprensa local, o então presidente do

Intersind, Rogério Gazolla, era candidato a vice-prefeito juntamente com Narciso

Michelli, candidato à reeleição.193 Por trás das memórias que incluem a manga, a

imigração italiana e o início do polo moveleiro de Ubá, é possível pensar que outras

intenções não declaradas também estavam sendo manipuladas, ou seja, a ligação entre

os dirigentes do setor moveleiro e os dirigentes do poder público municipal, cuja união

se concretizou na candidatura de representantes de ambos para governar a cidade.

Assim, o baú de memórias aberto com a FEMUR 2000 pode ser visto como trampolim

para alianças políticas, fundamentadas no sucesso de um evento que fazia crescer o

nome de Ubá no cenário nacional.

Entretanto, há um outro fator a ser considerado e que pesa nesta análise sobre a

patrimonialização da manga e da mangada - marco na política pública de patrimônio

cultural na cidade de Ubá. A realização de determinados eventos do setor moveleiro,

assim como a FEMUR 2000, acabaram por colocar a cidade em evidência,

principalmente através da utilização do título de “polo moveleiro”. Por isso, diversos

estudos foram feitos no sentido de discutir a situação dessa economia, tendo em vista

ser um objeto de estudo para as teses inerentes a setores da Administração e da

Economia. Assim, importante analisar alguns dados apresentados pelo artigo O APL

192 Localizada em: www.desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1248287980.pdf (Consulta em 22.07.2016). 193 “Eleições 2000 – conheça seus candidatos”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 44, 04.09.2000. Ubá – MG. P.05.

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moveleiro de UBÁ – MG: Uma análise frente aos determinantes do modelo do

Diamante de Porter, onde encontramos que

O Polo Moveleiro de Ubá localiza-se na Zona da Mata Mineira e possui mais de 400 empresas, localizadas na cidade de Ubá e redondezas. Comparado com outros polos moveleiros nacionais, ele ocupa a 6ª posição em termos de número de estabelecimentos e a 4ª quanto à geração de empregos. A produção de móveis responde por cerca de 73% do emprego gerado no município e 61% do emprego disponível na indústria da região. A importância do Polo Moveleiro de Ubá para a economia local está não só relacionada à questão da geração de empregos, mas também ao incremento do PIB dessa região.194

O trecho em destaque dá uma dimensão da importância econômica e social do

povo moveleiro de Ubá, comparando-o ao cenário nacional. O setor de móveis da

microrregião de Ubá ocuparia a quarta posição no ranking de oferta de empregos no

país e a sexta posição em número de estabelecimentos. São números expressivos que

denotam a necessidade de certa estrutura de organização que fosse compatível com sua

importância econômica e social. Porém, o próprio texto do artigo também apresenta

duas informações que, de certa forma, desequilibram a visão de um setor tão

competitivo e imprescindível para a região. Uma delas diz respeito à própria

infraestrutura do setor, ou seja, a maioria das fábricas do referido polo moveleiro,

estaria concentrada, fundamentalmente, na malha urbana da cidade. Por conseguinte, a

outra afirmação relata a ausência de um distrito industrial em Ubá.195

Tais condições podem ser encaradas como fatores que pesam negativamente

para o setor moveleiro, pois demonstram certas ausências difíceis de não se notar em

uma economia de tamanhas proporções. Diante disso, todo o trabalho dos grupos que

lideravam direta ou indiretamente a FEMUR 2000 trazia em sua bagagem, como

intenção velada, a tentativa de mascarar uma realidade que demonstrava a outra face do

polo moveleiro, ou seja, um lado obscuro, marcado pelo funcionamento de fábricas em

precárias condições e que, pelas consequências dessa falta de estrutura, poderia

contribuir para manchar a reputação que os dirigentes do setor estavam tentando

alcançar naquele momento, especialmente a realização da feira de móveis e as

194 ALBINO, Andréia Aparecida; LIMA, Afonso Augusto de Carvalho; SOUZA, Sebastião Décio Coimbra de; SUZUKI, Ronise. O APL moveleiro de UBÁ – MG: Uma análise frente aos determinantes do modelo do Diamante de Porter. XV Congresso Brasileiro de Custos, Curitiba-PR, novembro/2008. p.8. 195 ALBINO, LIMA, SOUZA, SUZUKI. Op.cit. p.7.

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pretensões de exportação, que dependiam da aceitação dos produtos no mercado

internacional.

Assim, aparecem dois lados de uma balança: de um lado, a realização da feira e

a divulgação da manga e da mangada, do outro, a conotação negativa da falta de

infraestrutura para um setor que era o responsável por 73% dos empregos gerados no

município. Em relação a essa última informação, também é possível questionar se a

reapropriação da memória da manga não estava intencionada a relegar para segundo

plano a discussão sobre um possível desrespeito a certos direitos trabalhistas em relação

aos funcionários atuantes no setor, haja vista as considerações de carência estrutural

presentes no referido artigo. Neste caso, a discussão em torno de uma memória coletiva

e, por isso, enquadrada, poderia disfarçar uma realidade vivenciada por milhares de

indivíduos, ou seja, trabalhadores e trabalhadoras, operários e operárias. O que

aconteceu em Ubá naquele momento pode ser identificado como uma tentativa dos

empresários em fazer emergir a manga e a mangada como âncoras culturais no

município, em detrimento da memória individual dos operários, vítimas de um setor

produtivo mal estruturado. As lembranças relativas à realidade dos trabalhadores do

polo moveleiro de Ubá, resultantes da própria vida deste grupo, foram sobrepujadas pela

memória forjada a partir do direcionamento turístico e cultural da FEMUR. Tendo em

vista o pensamento de Maurice Halbwachs,196 a memória coletiva que mais se

cristalizou na cidade não foi a dos dominados, ou seja, da mão-de-obra que labora na

base, mas sim a dos dominantes, ainda que tal memória, ou seja, a manga, não fosse a

vivência de todos os membros desse grupo.

Além disso, é importante pensar na discussão em torno da redução do número de

mangueiras na cidade, fato trazido para o debate público quando a manga e a mangada

passaram a ser alvo do interesse de preservação por parte dos agentes patrimoniais da

cidade. Como veremos mais adiante, tal situação ganha holofotes a partir de uma

campanha iniciada em Ubá logo depois da FEMUR 2000.

4.5: ONG abraça a preservação da manga na cidade de Ubá – a memória

como pano de fundo para interesses além da preservação.

196 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. p.45.

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Sérgio Schneider, através de artigo intitulado Situando o desenvolvimento rural

no Brasil: o contexto e as questões em debate, faz uma reflexão sobre as tendências que

fazem parte da discussão sobre a realidade do meio rural no Brasil dos últimos anos. O

autor analisa três caminhos diferentes para ajudar o leitor a entender o contexto

existente no país na década de 1990, especificamente em relação ao desenvolvimento

rural, a saber: os reflexos da crise econômica dos anos 80 e o consequente processo

inflacionário, o processo de estabilização decorrente do Plano Real, no início dos anos

90, com benefícios estendidos ao campo e, por último, a própria mudança da sociedade,

com o crescimento das organizações não governamentais (ONG). Segundo o autor,

“Este contexto torna-se favorável à emergência de propostas inovadoras de mudança

social, entre elas, as relacionadas ao desenvolvimento rural”.197

Dentre essas mudanças é possível destacar uma de considerável importância no

processo de patrimonialização da manga e da mangada no município de Ubá. Trata-se

da campanha “Manga Ubá. Preservar para não acabar. Plante. Não corte”, lançada em

dezembro de 2000 pelo Centro de Estudos Puris – organização não governamental,

fundada em 17 de fevereiro de 1989, pelo médico, ambientalista e escritor ubaense

Palmyos da Paixão Carneiro. Após a morte do fundador dessa ONG, no final da década

de 1990, outro ambientalista, Ronaldo Mazzei, assumiu a direção da entidade e deu

início à referida campanha. Entre os parceiros para este trabalho, destacam-se órgãos e

entidades públicos ligadas ao meio ambiente e educação, como IEF, Emater, Codema e

SRE de Ubá.198

De acordo com a imprensa local, o trabalho em torno da campanha foi

desenvolvido de 2000 a 2003 e consistiu no cumprimento de quatro fases distintas:

mobilização popular e recolhimento de caroços de manga junto à população; plantio das

sementes; enxertia e melhoramento das mudas; cadastramento dos produtores rurais

para distribuição das mudas. Importante observar que a mesma reportagem também

noticiou que o “melhoramento das mudas visa a qualidade da fruta, mas também reduzir

o tempo para a primeira safra, de 10 para 7 anos em média”.199

Diante disso, a campanha de preservação da manga, organizada pelo Centro de

Estudos Puris, apresentava objetivos que iam além da preservação da fruta, ou seja, 197 SCHNEIDER, Sérgio. Situando o desenvolvimento rural no Brasil: o contexto e as questões em debate. In Revista de economia e política. Número 03, volume 30, julho/setembro 2010. 198 “Centro de Estudos Puris – educação ambiental e incentivo ao cultivo da Manga Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 84, de 11.09.2003. Ubá-MG. P.21. 199 “Campanha incentiva produtores para a fruticultura”. Noticiário acorda Zona da Mata, Número 92, de 26.12.2002. Ubá-MG. P.11.

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intenções voltadas para o incentivo da produção da manga em Ubá, pois, segundo

declarações noticiadas na imprensa escrita local, o público alvo da campanha eram os

produtores rurais. Analisado fora do contexto da patrimonialização da manga, esse

objetivo de produção é perfeitamente compreensível, pois visa estimular a economia

familiar. Entretanto, quando contextualizadas em meu objeto de estudo, as ações

promovidas pela campanha do Centro de Estudos Puris evidenciam um indício da

redução do número de mangueiras em Ubá e, consequentemente, da produção da fruta,

o que levou esses agentes a organizarem a referida campanha.

Por outro lado, é impossível não notar que a própria denominação da campanha

– “Manga Ubá. Preservar para não acabar. Plante. Não corte” – assim como

aconteceu com a FEMUR, também utilizou o nome da cidade para identificar a manga,

criando formas de divulgação e de publicidade que se tornaram usuais a partir daí.

Antes desses eventos do ano 2000 não era comum, pelo menos nos meios de

comunicação, esta referência à manga. Ao que tudo indica, é neste momento que se

concretiza a ideia de promover a aproximação da manga com a cidade através da

manipulação dessa memória, não mais como “manga”, mas como “manga Ubá”.

Inicialmente, essa proximidade foi utilizada em prol dos anseios capitalistas do setor

moveleiro do Município. Posteriormente, quando empresários, ambientalistas e agentes

públicos deram por conta da diminuição das mangueiras, trataram de promover ações

para garantir a continuidade dessa produção, retroalimentando um sistema que assumiu

a manga e a mangueira como atrativos turísticos e culturais.

Para melhor compreensão da relação entre a patrimonialização da manga e da

mangada, pelos agentes do patrimônio de Ubá no ano de 2003, e a campanha “Manga

Ubá. Preservar para não acabar. Plante. Não corte”, é importante considerar que esse

registro pode ter sido uma manifestação de apoio do CDMPCU à campanha de

preservação da manga. Após quase dois anos desde o seu início, a iniciativa do Centro

de Estudos Puris parece ter perdido fôlego, necessitando de outros elementos para

continuação da programação proposta, que incluíam ações para médio e longo prazo,

como a enxertia das mudas. Ressalta-se que havia um prazo para as mudas atingirem

determinado tamanho e, a partir de então, a coordenação do trabalho procederia à

distribuição delas aos produtores rurais cadastrados.

No Dossiê de Registro da manga e da mangada há um ofício enviado pela

EMATER ao CDMPCU informando nominalmente a relação dos produtores rurais de

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Ubá que trabalhavam na produção de mangada - 16 propriedades cadastradas.200 Não foi

possível encontrar registro da quantidade de produtores cadastrados para a doação de

mudas da campanha “Manga Ubá. Preservar para não acabar. Plante. Não corte”, mas

diante do número de produtores de mangada, constante no Dossiê, é possível pensar que

os números se aproximavam, por se tratar de uma mesma atividade rural. Segundo

Senso IBGE, realizado no ano 2000, o município de Ubá possuía uma população total

estimada em 85.065 habitantes e uma população rural que ultrapassava o número de

8.300 pessoas.201 Diante desses números e do total de produtores cadastrados pela

EMATER, consideravelmente pequeno diante do universo de produtores rurais, é

possível pensar que os líderes da campanha do Centro de Estudos Puris tivessem

maiores expectativas de adesão ao empreendimento.

Neste sentido, é possível entender a patrimonialização da manga e da mangada

como uma força propulsora da referida campanha. A intervenção do poder público

poderia incentivar ainda mais a adesão de produtores rurais à campanha de doação das

mudas de mangueira. Posteriormente, essa medida representaria aumento da produção

da fruta na cidade, o que pode ser visto como forma de garantir a continuidade dessa

reapropriação de memória em Ubá.

4.5.1: As memórias da manga usadas na “batalha” do comércio varejista de

Ubá – construções hiperbólicas de uma patrimonialização.

A campanha “Manga Ubá. Preservar para não acabar. Plante. Não corte” teve

como ponto de partida um concurso de frases, voltado para estudantes de escolas da

cidade de Ubá, cujo resultado foi divulgado num ato público realizado em dezembro de

2000. Segundo noticiou o Jornal Gazeta Regjornal o evento reuniu cerca de 3 mil

pessoas na Praça Getúlio Vargas em Ubá.202 Além das parcerias firmadas com órgãos

públicos e instituições ligadas à preservação ambiental, a campanha também teve a

200 DOSSIÊ, Registro da Manga e da Mangada. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.90. 201 Localizada em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/universo.php (Consulta em 06.09.2016). 202 “Resultado do concurso de frases da campanha Manga Ubá – preservar para não acabar. Plante. Não corte”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 45, de 10.10.2000. Ubá-MG. p.08.

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participação de empresas privadas da cidade, principalmente do Supermercado Popular,

conforme consta no material de divulgação da campanha.

Figura 8 - Cartaz produzido para divulgação da campanha do Centro de Estudo Puris. Destaque para o patrocinador.203

Em depoimento publicado na reportagem o proprietário do estabelecimento

comercial patrocinador da campanha disse que “quando empresários participam de

eventos como esse, melhoramos a qualidade de vida da nossa cidade(...)”.204 É

importante ressaltar que naquele momento, ou seja, entre 2000 e 2001, o comércio

varejista de Ubá passava por uma fase de aumento da concorrência, pois grandes redes

de supermercado começavam a se estabelecer na cidade. Por isso, um discurso que fala

da participação de empresários locais, preocupados com a melhoria da qualidade de

vida das pessoas, justamente dentro de uma campanha relacionada à memória da manga

e “vendida” por muitos como símbolo de identidade dos ubaenses, parece ser bem

oportuno para conquistar um nicho de consumidores engajados nas questões culturais da

cidade.

203 DOSSIÊ, Registro da Manga e da Mangada. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.31. 204 “Resultado do concurso de frases da campanha Manga Ubá – preservar para não acabar. Plante. Não corte”. Op.Cit. p.08.

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A instalação em Ubá das filiais de duas de grandes redes de comércio varejista

aconteceu entre o final do ano 2000 e início de 2001. Primeiro foi a inauguração de uma

filial do “Bahamas”, em outubro de 2000.205 Depois, a filial do “Sales”, em março de

2001.206 A presença dessas grandes redes de comércio pode ser vista como ameaça às

empresas locais do setor, principalmente pela capacidade de competição, busca pelo

menor preço e atrativos diferenciados para o consumidor. Assim, o apoio ao programa

de recuperação e preservação da manga serviu como um diferencial à empresa de Ubá.

Ainda que de forma subliminar isso significou que as empresas de fora e ainda recentes

na cidade não priorizam os elementos culturais da cidade.

Seja através da publicidade que se produziu na época, seja através do incentivo à

fruticultura, em que pese a importância da manga e sua preservação para a agricultura

familiar, o interesse econômico é um dos aspectos que mais se destaca na referida

campanha. O nome da cidade apropriado pela manga, e vice-versa, aliado ao discurso de

preocupação com a história e com a memória, ao que tudo indica, pode ter sido utilizado

como “pano de fundo” para os objetivos de lucro com essa iniciativa. Tal constatação é

possível através de análise sobre divulgações que partiram da imprensa escrita de Ubá.

A ideia da campanha nasceu de uma constatação elementar: o vertiginoso progresso ubaense, centrado na industrialização e a ausência de uma política de ocupação ordenada do solo, contribuíram negativamente para a crescente perda de nossas mangueiras de quintal, que vem sendo sacrificadas para dar lugar a novas construções. Sem a reprodução, caiu a produção da fruta, enquanto na outra ponta, a população crescia. Nossa manga, conhecida mundialmente, vem perdendo terreno a cada safra. Cidades vizinhas, que investiram na produção, tem obtido excelentes resultados, seja produção de polpa e suco ou na venda in natura.207

As palavras grifadas no trecho da reportagem evidenciam a representatividade

de uma construção hiperbólica da autoimagem da cidade, uma característica da política

pública de patrimônio cultural de Ubá. Entretanto, neste momento da reflexão, tal

peculiaridade pode ajudar a explicar o sentido de patrimônio concedido à manga

naquele momento, ou seja, evidenciar de forma exagerada aspectos e objetivos relativos

aos interesses da patrimonialização. A citação ao “vertiginoso progresso” de Ubá é uma

205 Localizada em: http://www.bahamas.com.br/ListaLojas.aspx?Area=Lojas (Consulta em 09.05.2016). 206 “Inaugurado o Supermercado Sales em Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 52, de 01.05.2001. Ubá-MG. P.11. 207 “Manga Ubá, o resgate de uma marca que é nossa”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 64, de 05.05.2002. Ubá-MG. P.12. (Grifos nossos)

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referência a indústria moveleira. Haja vista os dados levantados pelo artigo “O APL

moveleiro de UBÁ – MG: Uma análise frente aos determinantes do modelo do

Diamante de Porter”, em que pese a importância do setor para a economia regional, é

possível questionar o uso de uma hipérbole na expressão grifada. Em relação ao outro

destaque, que diz respeito à “nossa manga, conhecida mundialmente”, é importante

ressaltar que tal referência também é passível de discussão, principalmente pelo fato de

que a fruta não é brasileira e, assim como veio para o Brasil, também foi levada para

outras paragens. Essa construção, da forma como foi colocada, parece uma autoimagem

manipulada da cidade, baseada na visão de agentes que assim o fizeram por estarem

interessados em justificar o registro da manga.

Segundo reportagem publicada em dezembro de 2002, um produtor rural

beneficiado com a doação de quase duas mil mudas de mangueira, sinaliza opinião de

que a fruticultura estava sendo uma alternativa para o homem do campo, tendo em vista

a expectativa em torno da instalação de uma indústria de polpa de frutas na cidade. De

acordo com a entrevista, o produtor rural disse acreditar que “a única saída para o

pequeno produtor rural será investir na fruticultura”.208 Ao final de sua fala, o produtor

também comenta que pretende fornecer matéria-prima para as fábricas de polpa de

sucos. De acordo com o Dossiê de Registro da Manga e da Mangada, é provável que a

indústria citada pelo produtor rural e pelo ex-prefeito de Ubá seja a “Frutubá Produtos

Alimentícios”, cuja atividade esteve ligada ao processamento de manga para fabricação

de mangada.209

Essas considerações reforçam a ideia de que o trabalho em torno da campanha

“Manga Ubá. Preservar para não acabar. Plante. Não corte”, esteve vinculado ao

objetivo de garantir a continuidade da produção de manga através de incentivos à

agricultura familiar, porém, utilizando um discurso cultural voltado para a presença da

manga e da mangada como elementos da história e da memória dos ubaenses. Nesse

sentido, o programa de recuperação da manga também pode ser analisado sob outro

ponto de vista. Para atingir o objetivo de fomentar e incentivar a produção da fruta na

zona rural, utilizou-se de tentativas para fortalecer os laços de pertencimento dessa

memória em Ubá. Tendo em vista que a divulgação da campanha utiliza expressões

como “resgate”, “necessidade de cultivo” e “mangueiras sacrificadas”, esses “laços” não

208 “Campanha de preservação da Manga Ubá inaugura unidade demonstrativa na comunidade de Ubá Pequeno”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 73, de 17.12.2002. Ubá-MG. P.21. 209 DOSSIÊ, Registro da Manga e da Mangada. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.20.

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se encontravam tão presentes na cidade, pelo menos da forma como interessava aos

agentes do patrimônio, empresários, ambientalistas e agentes políticos.

4.6: O reverso de uma memória: as mangueiras no vizinho Município de

Visconde do Rio Branco.

A maioria das vezes em que os jornais locais divulgaram a campanha promovida

pelo Centro de Estudos Puris, os discursos tiveram a mesma tônica, ou seja, elogio ao

trabalho que estava sendo desenvolvido e reafirmação da necessidade de preservação da

manga em Ubá, sem oferecer criticidade às ações em curso. Tal situação remete às

colocações de Dominque Poulot em Uma história do patrimônio no ocidente,210 onde o

autor discute sobre a ausência de discursos que critiquem as patrimonializações, o que

contribui para aumentar os efeitos das “eleições” empreendidas por indivíduos que se

julgam representantes da população. Ressalta-se que a análise proposta aqui não é julgar

se algum bem cultual deve ou não ser preservado, muito menos se houve uma boa ou

má patrimonialização. O objetivo do presente estudo é estudar as formas como essas

medidas adotadas pelos agentes públicos da cidade foram levadas a efeito, com vistas a

contribuir para a investigação dos possíveis interesses que existiram, ainda que

escondidos, por trás dessa importância que o patrimônio cultural mereceu nas últimas

décadas, especificamente no Município de Ubá, Minas Gerais.

Nesse contexto é importante analisar que o jornal Folha do Povo, em dezembro

de 2002, traz um texto diferente dos demais publicados no período da campanha do

Centro de Estudos Puris em relação à manga. Um trecho da reportagem apresenta a

mesma tônica dos outros, isto é, o incentivo à continuidade das ações, pois destaca que

“em determinada época do ano a cidade muda o seu cenário, pois a manga Ubá entra em

sua safra, enchendo os quintais da região com a fruta que já fez história por causa de sua

qualidade e sabor”.211 Entretanto, por outro lado, a reportagem também chama a atenção

por esclarecer que existem várias espécies de manga, com várias outras denominações.

Além disso, destaca outras duas informações: a cidade de Belém, no Pará, é toda

210 POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no ocidente, séculos XVII-XXI. Citação de David Lowenthal. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira, Editora Estação Liberdade: São Paulo, 2009. 211 “Tem manga no pé – começa a temporada de caça à fruta mais popular da cidade”. Jornal Folha do Povo, de 14 a 20.12.2002, Caderno Cidade. Ubá-MG. P.16.

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arborizada com mangueiras, e a cidade de Visconde do Rio Branco, vizinha a Ubá, tem

a mangueira como árvore símbolo do município. De fato, ao pesquisar sobre isso,

encontramos expresso na Lei Orgânica do Município de Visconde do Rio Branco, no

Art.6º, o seguinte:

São símbolos do Município o Brasão, a Bandeira e o Hino, representativos de sua Cultura e História. Parágrafo Único – A árvore-símbolo de Visconde do Rio Branco é a Mangueira, por ser nativa no Município.212

Importante ressaltar que o artigo de lei em destaque não só declara a mangueira

como árvore símbolo do município de Visconde do Rio Branco, como também a declara

nativa daquele município, o que significa, mesmo implicitamente, uma certa rivalidade

entre Ubá e Visconde do Rio Branco na corrida pela disputa do título de a “primeira”

memória da manga. Ressalta-se que diferente do ocorrido em Ubá, em nenhuma parte

do material pesquisado encontramos qualquer referência à utilização da denominação de

manga “Visconde do Rio Branco”. Com isso, o processo para patrimonialização da

manga pelos agentes do patrimônio, memorialistas e ambientalistas de Ubá, assim como

já observado em análise sobre o texto de Tzvetan Todorov,213 contou com a construção

de uma memória pautada em certa singularidade, ou seja, ao identificar a manga e a

mangada apenas como de “Ubá”, tais condutores patrimoniais podem ter desprezado

elementos históricos que não lhes interessava, subjugando o passado de acordo com os

seus interesses do presente, vinculados ao convencimento da população acerca de uma

memória que, segundo eles, era exclusiva da cidade de Ubá. Neste caso, a manga, as

mangueiras e a mangada.

Entretanto, ao retornar à obra Vida e ação da colônia italiana no município de

Ubá-MG, é possível identificar elementos que contradizem essa literalidade em relação

à memória da manga. Como já citamos anteriormente, o autor atribui a um imigrante

italiano, José Miotto, o início de uma grande plantação de mangueiras na cidade de

Ubá.214 Porém, neste período considerado auge da imigração italiana, final do século

XIX, após a Lei Áurea de 1888, o livro menciona sobre a vinda de vários outros

italianos que optaram por estabelecerem-se em distritos de Ubá ou municípios vizinhos.

212 Localizada em: http://www.camaravrb.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Lei_Organica_Municipal (Consulta em 10.06.2016). 213 TODOROV, Tzvetan. La memoria amenazada. Los abusos de la memoria. Barcelona. Paidos: 2000. 214 GRANDIS, Tarquínio Benevenuto. Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG. Edição Academia Ubaense de Letras. Ubá: 1988. p. 39.

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A seguir, alguns exemplos com os nomes das localidades e alguns imigrantes que para

lá se deslocaram. Distrito do Sapé, atual município de Guidoval: João Perilo, Caetano

Balbi, Francisco Caputo e Vicente Giorgi;215 Distrito de Tocantins, atual município de

Tocantins: Domingos Antonucci e Antônio Cataldo;216 Visconde do Rio Branco: José

Antônio Peluso, Rafael Lauria e José Vallone.217

Diante do exposto, esse grupo de italianos, assim como aconteceu com José

Miotto, também pode ter se dedicado a culturas agrícolas não existentes na região, a

exemplo das mangueiras. Considerando que tais mudas pudessem ter sido espalhadas

por onde ocorreu a imigração na região que circunda a cidade de Ubá, há uma

explicação para o argumento rio-branquense de cidade das mangueiras. O mesmo pode

ter acontecido com Município de Guidoval, onde acontece a Festa da Manga, conforme

noticiou imprensa online sobre o evento de 2016, realizado nos dias 08 e 09 de

janeiro.218 Tais informações nos levam a questionar a marca “manga Ubá” e a ideia de

exclusividade que a patrimonialização tentava embutir ao processo. Todas as questões

discutidas anteriormente, ou seja, a adoção da manga e da mangada como âncoras

turísticas e culturais e a campanha de preservação, com suas prerrogativas de ampliar o

número de mangueiras, na verdade, perdem a base argumentativa para justificar a onda

patrimonializante, da fruta e do doce, pois outros elementos trazidos à tona ajudam a

desmontar esse cenário de exclusivismo que foi criado em torno de ambas.

Figura 9 – Mangueiras existentes na rodovia que liga os municípios de Ubá e Visconde do Rio Branco. (Acervo Pessoal: Anderson Moreira Vieira)

215 GRANDIS. Op.Cit. p. 24 e 25. 216 GRANDIS. Op.Cit. p. 26. 217 Ibidem. p. 16. 218 Localizada em http://bomdianews.com.br/2016/01/19/depois-do-sucesso-da-festa-da-manga-guidoval-se-prepara-para-o-1o-encontro-de-banda-do-municipio/ (Consulta em 12.09.2016).

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4.6.1: Dia da árvore e legislação municipal – ausências que marcaram

discursos sobre a preservação da manga em Ubá.

De acordo com análise de acontecimentos divulgados na imprensa local de Ubá

um pouco antes do ano 2000 e do início das ações relacionadas à patrimonialização em

questão, é possível perceber que as intenções de memória relacionadas à manga ainda

não existiam. A esse respeito, merecem destaque duas reportagens publicadas em

jornais ubaenses sobre as comemorações pelo dia da árvore, parte integrante da semana

florestal nos anos de 1998 e 1999. Em nenhum desses dois momentos, segundo os

textos pesquisados, encontramos quaisquer referências às mangueiras. Foi possível

identificar que em ambas as semanas, a Prefeitura de Ubá cuidou da organização dos

eventos, tendo como parceiros órgãos e entidades ligados à preservação ambiental na

cidade. No ano de 1998 houve plantio de árvores frutíferas em várias ruas da cidade,

mas não há qualquer citação da mangueira no texto da reportagem.219 Em 1999, já com

participação do CDMPCU, o dia da árvore foi comemorado no Ginásio “São José”

(atualmente Museu Ginásio São José, patrimônio tombado em nível municipal desde

1997), onde quatro ubaenses foram homenageados, sendo três in memoriam: Palmyos

Paixão Carneiro (médico e ambientalista, fundador do Centro de Estudos Puris),

Adjalme Carneiro Filho (arquiteto) e João Batista Rodrigues da Silva (professor). Esses

ubaenses foram reverenciados tendo seus nomes atribuídos a três Ipês roxos que foram

plantados no pátio interno do referido ginásio. Já o botânico ubaense, Paulo de Tarso

Alvim, presente ao evento, foi homenageado com o plantio de uma muda de Pau-

Brasil.220

Impossível não notar que as mangueiras foram esquecidas nas comemorações

pela semana florestal do mês de setembro dos anos de 1998 e 1999. Importante ressaltar

que no ano de 1998 entrou em vigou a Lei Municipal 2.827, já citada anteriormente, que

declarava o dia 19 de setembro como “dia da mangueira”. A opção pela utilização de

outras mudas em detrimento do “pé de manga” para plantio, ainda que representativo e

simbólico, pode indicar que o poder público e os agentes delegados da herança

patrimonial não estavam interessados ou não viam a necessidade de estabelecer vínculos

com essa memória. Além disso, esses agentes talvez ainda não tinham intenção de

219 “Dia da árvore”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 20, de 01 de outubro de 1998. Ubá-MG. P.14. 220 “Dia da árvore comemorado com o plantio de quatro árvores personalizadas”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 32, de 02 de outubro de 1999. Ubá-MG. P.05.

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priorizar qualquer trabalho preservacionista em prol da manga ou da mangada. Se não

isso, pelo menos não demonstraram iniciativa em produzir tal disseminação na cidade.

Afinal, os eventos tiveram cobertura jornalística e, portanto, logicamente teriam

visibilidade.

Nesse sentido, é importante destacar o papel de outra mídia, a TV Ubá,

atualmente Grupo UM de Comunicação, órgão da imprensa televisada local, em

funcionamento na cidade desde o ano de 1994. A TV Ubá, assim como as duas rádios da

cidade naquele período, Educadora Trabalhista e Multisom Ubaense, através de suas

reportagens, poderia contribuir para aumentar o conhecimento público dos eventos

citados e, desta forma, oferecer eco às iniciativas dos agentes do patrimônio em relação

à manga. Diante disso, é possível apreender que no final da década de 1990 a

preocupação dos memorialistas da cidade ainda não caminhava para o patrimônio que

não fosse o material, pois, naquele momento, assim com discutimos no Capítulo 1, o

foco da política pública de patrimônio cultural em Ubá era o Ginásio “São José”.

Assim, apenas a partir de 2000, quando a manga, a mangada e as mangueiras

passam a “símbolos” culturais da cidade de Ubá que tal divulgação se torna constante

nos meios de comunicação. Neste sentido, as comemorações pelo dia da árvore,

anteriores a essa época, demonstram evidente desinteresse dos agentes públicos em

relação ao assunto, pelo menos até aquele momento. Essa constatação pode reforçar a

ideia de que é a partir dos interesses relacionados à FEMUR e ao polo moveleiro que a

cidade e seus agentes públicos passam a cultuar aqueles símbolos, pois foram utilizados

para atrair turistas de negócios.

Porém, há um detalhe que passou despercebido pelos agentes do patrimônio. De

acordo com a Lei Municipal Nº 2696, de 1996, que institui a base da política pública de

patrimônio cultural na cidade de Ubá, o registro do patrimônio natural ou imaterial não

é contemplado no Município, pois o texto da lei aborda apenas o tombamento de bens

culturais materiais considerados de valor histórico, estético, ético, filosófico ou

científico.221 O IPHAN, órgão nacional de defesa da preservação do patrimônio,

somente no ano 2000 procedeu à publicação do Decreto nº 3551, que institui o registro

do patrimônio imaterial,222 incluindo no processo etapas a serem cumpridas antes e após

221 Lei Orgânica Ubá. Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/arquivo.aspx/Lei_2696_1996.pdf (Consulta em 12.06.2016). 222 Decreto Número 3.551/2000. Localizada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm (Consulta em 10.06.2016).

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o registro, o que não se verifica com o caso da manga em Ubá. Também por esse fato o

registro da manga e da mangada em nível municipal, cujo processo foi concluído em

2003 pelo CDMPCU, na verdade, não é amparado por legislação municipal. Essa

discussão aponta para possíveis tentativas de construção de determinada memória a fim

de satisfazer interesses de grupos específicos, haja vista tal informação não constar nos

meios de comunicação que divulgaram as ações dos agentes do patrimônio. Por isso, de

certa forma, tais questões podem esvaziar os discursos que defenderam a referida

patrimonialização.

Figura 10 – Dossiê de Registro da Manga e da Mangada (Capa).223

4.7: Idas e vindas de um trabalho que tentou promover a apropriação da

manga como um bem cultural na cidade de Ubá.

Para David Lowenthal, em Como conhecemos o passado, à medida que o

passado se distancia de nós, procuramos evocá-lo novamente, multiplicando a

parafernália que o cerca, ou seja, elegemos conscientemente os chamados

223 DOSSIÊ, Registro da Manga e da Mangada. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. Capa.

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“substitutos”,224 que podem alterar a forma e o entendimento desse passado herdado, de

forma ainda mais grosseira que nossos precursores, considerados mais perto dele.

Porém, cada progresso em nosso conhecimento do passado torna-o paradoxalmente mais remoto, menos cognoscível. Poucos compreenderam totalmente que o passado não pode ser confrontado diretamente, que é prova em grande parte inacessível, embora confirmada, e que nós, inevitavelmente, transformamos aquilo que aprendemos a respeito para se ajustar às nossas próprias necessidades.225

O autor defende a ideia de que a memória, a história e os fragmentos, analisados

em conjunto, são a melhor ponte para se conhecer o passado. Entretanto, por mais que

se chegue perto dessa compreensão, a visão sobre o pretérito estará, invariavelmente,

vinculada ao olhar sobre o presente, pois é quase impossível desprender-se de uma

vivência infestada por manifestações diversas, que acabam atingindo e interferindo

sobre as reminiscências.

Em se tratando da análise sobre a patrimonialização da manga e da mangada em

Ubá, é possível identificar essas duas afirmações de Lowenthal, isto é, o olhar de um

presente que interfere sobre o passado e também o que o autor chama de substitutos do

passado. Isso pode ser percebido em várias ações realizadas por agentes públicos do

patrimônio na cidade, desde a criação da primeira lei que objetivava proibir o corte

indiscriminado de mangueiras, em 1984, até o ano de 2008, quando foi realizada a

última “Festa da Manga” na cidade.

Por outro lado, em relação à análise do processo de patrimonialização da manga

e da mangada, há também que se considerar as orientações que partem dos órgãos

reguladores do trabalho com o patrimônio cultural. Em que pese o fato de inúmeras

vezes haver possibilidades de formatação das propostas e desrespeito às particularidades

da grande quantidade de manifestações culturais brasileiras, considerando as

regionalidades do país, há um rito a ser seguido, objetivando dar efeito aos respectivos

processos de registro ou tombamento.

Preservar o patrimônio cultural brasileiro significa fortalecer e dar visibilidade às referências culturais dos grupos sociais em sua heterogeneidade e complexidade. Significa promover a apropriação simbólica e o uso sustentável dos recursos patrimoniais para a sua

224 LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Trad. Lúcia Haddad. Projeto História. São Paulo. N.17, 1998. p.118. 225 LOWENTHAL. Op.Cit. p.117.

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preservação e para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país.226

A promoção da apropriação simbólica, segundo orientações do IPHAN, deve ser

a base dos objetivos de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial brasileiro. Ao que

tudo indica, de acordo com análise do processo de patrimonialização da manga e da

mangada realizada em Ubá, essa apropriação, assim como o uso sustentável dos

recursos patrimoniais, parece não ter acontecido na cidade, pelo menos no formato

pensado pelos agentes do patrimônio e demais líderes desse processo.

De acordo com livro de atas constante no acervo do Arquivo Histórico da

cidade, as atividades do CDMPCU se iniciaram no dia 15 de dezembro de 1997.227

Entretanto, a primeira vez que se falou em manga, ou seja, a primeira inclusão dela nas

discussões do Conselho, pelo menos no que consta como lavrado em livro de atas,

aconteceu em junho de 2002. Durante período considerável, isto é, da primeira reunião,

em 1997, até 2002, os conselheiros nunca incluíram discussão relacionada a tal memória

na pauta de reuniões. Considerando que de 1999 a 2000 não houve registro de atas do

CDMPCU, pelo menos durante três anos as discussões não envolveram o assunto

“manga” ou “mangada”.

Conforme discussão anterior, isso pode ter sido resultado do próprio

desinteresse, ou até mesmo desconhecimento, por parte dos agentes do patrimônio, da

possibilidade dessa proposta em torno do patrimônio imaterial ou natural, já que eram

as informações sobre patrimônio material que mais habitavam o cerne das proposições

dos conselheiros. Também é possível pensar numa completa ausência de motivação para

caminhar nesse sentido, talvez por ainda não existir no referido Conselho a consciência

de que a manga e a mangada fossem bens culturais passíveis de patrimonialização. Tal

situação pode apontar, mais uma vez, que o início da política pública de patrimônio

cultural em Ubá, esteve pautado nos bens materiais, o que demonstra visão pouco ampla

sobre a preservação patrimonial, talvez até como reflexo de como a cidade como um

todo se relacionava com tais questões.

226 Ministério da Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O registro do patrimônio imaterial – dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial: Brasília, 2006, 4ª Edição. P.10. Localizada em http://portal.iphan.gov.br/publicacao/RegistroPatrimonioImaterial.pdf (Consulta em 28.05.2016). 227 ATA, CDMPCU, 15.12.1997. P.01-02 (frente e verso) Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Ainda que o registro oficial tenha acontecido no ano de 2003, entendo que é a

partir do Decreto Nº 925, de 1984, que proíbe o corte indiscriminado de mangueiras228 e

da Lei Nº 2827, de 1998, que institui o dia da manga e o dia da mangueira,229 que tem

início do processo de patrimonialização da manga e da mangada, pois ambos

demonstram a preocupação do poder público de Ubá com tais questões. Mais tarde, no

ano 2000, tem prosseguimento o referido processo, mas com uma força maior em

virtude de dois fatores: a manga ter sido adotada como âncora cultural pela FEMUR e a

campanha do Centro de Estudos Puris. Em 2002 a patrimonialização continua com a

aprovação dos conselheiros para instauração do registro da manga e da mangada pelo

CDMPCU. Naquela oportunidade, ou seja, a reunião do Conselho realizada em 04 de

junho de 2002, primeira vez que os conselheiros incluem a manga em suas discussões,

os argumentos utilizados foram a campanha de preservação em curso e também o

depoimento feito pelo então secretário de estado da cultura, Ângelo Oswaldo, favorável

a essa iniciativa.230

A partir do ano de 2005 órgãos públicos da cidade promoveram a Festa da

Manga por três vezes. O evento era realizado no segundo sábado do mês de dezembro,

com atrações diversificadas e marcado pelas tentativas de aproximação da comunidade

com esse bem cultural, como concurso de frases entre estudantes e distribuição de

mudas de mangueira para os motoristas.231 Neste sentido, é possível observar que em

um período de 24 anos, ou seja, de 1984 a 2008 – entre o Decreto Nº25 e a realização da

última Festa da Manga na cidade – houve uma verdadeira escalada de ações

verticalizadas que, provavelmente, contribuíram para encaixar mais um vagão ao “trem”

patrimonializações em curso na cidade de Ubá, sem, contudo, promover um efetivo

empoderamento por parte da população.

De acordo com análise proposta por David Lowenthal, o trabalho desenvolvido

com a memória, a história e os fragmentos, sob o ponto de vista das ações

desenvolvidas em Ubá, pode ter criado substitutos para o passado, contribuindo para

interpretações pouco palpáveis dessa relação entre a manga e a cidade. Assim, as ações

consecutivas, seja por parte do poder público instituído, seja por parte de ONG´s, tendo 228 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Decreto_925_1984.pdf (Consulta em 12.06.2016). 229 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Lei_2827_1998.pdf (Consulta em 10.06.2016). 230 ATA, CPDMPCU, 04.06.2002. P.24-25 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 231 “Festa da Manga – pela valorização do fruto considerado patrimônio natural em Ubá”. Revista ADUBAR, Edição comemorativa de 15 anos, 2012. Ubá-MG. P.10.

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ou não o apoio dos agentes do patrimônio, podem ter sido caracterizadas por tentativas

frustradas de apropriação simbólica sobre a manga e a mangada, pois demonstram que,

talvez, essa memória esteja muito mais presente nos tempos já vividos dos

antepassados, não tendo sobrevivido à contemporaneidade, pelo menos da forma como

os líderes da patrimonialização parecem ter desejado, isto é, institucionalizar uma marca

voltada para os próprios interesses.

As ações que, provavelmente, utilizaram-se da preservação da manga e da

mangada como pano de fundo para outros interesses já foram discutidas e apresentadas.

Cabe agora pensar sobre os objetivos que motivaram o Conselho do Patrimônio Cultural

a aderir a mais essa empreitada, haja vista aprovação do próprio CDMPCU, em ata de

04 de setembro de 2001,232 quando os conselheiros, considerando a falta de estrutura

física e humana, decidiram não aprovar mais nenhuma abertura de processo para

tombamento ou registro, enquanto não fossem concluídos aqueles que estavam em

andamento. Ressalta-se que no momento da abertura do registro da manga e da

mangada, em junho de 2002, ainda havia três projetos em execução: Congados Nossa

Senhora do Rosário, que só foi concluído no ano de 2006, Piano de Ary Barroso e

prédio da Escola Estadual “cel. Camilo Soares”.

A análise do Dossiê de Registro da manga e da mangada contribui para

esclarecer outros pontos do processo de patrimonialização, pois traz à tona

considerações importantes, à medida que é comparado às orientações do IPHAN e,

especificamente, ao Decreto Número 3551/2000,233 que institui o registro do patrimônio

imaterial no Brasil.

No referido Dossiê é possível identificar a presença marcante de uma empresa

localizada na cidade, dedicada à fabricação de mangada: a Frutubá. Assim como consta

na página 8 da Introdução do referido documento, a existência dessa indústria na cidade

é usada como justificativa para o registro. Ao informar sobre nomes de doceiras

ubaenses que deram prosseguimento à tradição da mangada caseira, o texto chama a

atenção para a produção em série do doce, afirmando que “vamos encontrar a produção

industrial, através da empresa FRUTUBÁ, que funcionava no bairro São João”.234 O

abastecimento para essa produção industrial e em série pode ter sido uma das

232 ATA, CDMPCU, 04.09.2001. P.12-13 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 233 Localizada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3551.htm (Consulta em 10.06.2016). 234 DOSSIÊ, Registro da Manga e da Mangada. Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.08.

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motivações para a campanha de preservação da manga, iniciada pelo Centro de Estudos

Puris e parte integrante da patrimonialização aqui analisada. Porém, no relatório final

das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, publicado

pelo IPHAN, há destaque para os fatores considerados como

[...] principais problemas que interferem na continuidade e na manutenção das expressões da cultura tradicional (que) são o turismo predatório, sua apropriação inadequada pela mídia, a uniformização de produtos decorrente do processo de globalização da economia, a apropriação industrial desses conhecimentos e a comercialização inadequada [...].235

Considerando que o próprio Dossiê de Registro da manga e da mangada

confirma a produção industrial do doce, um dos problemas apresentados pelo Iphan

como obstáculo à salvaguarda – a apropriação industrial – foi usado como justificativa

para a realização do registro, demonstrando que alguns critérios utilizados para a

elaboração do referido dossiê estavam condicionados a uma ação que pode

comprometer a tentativa de salvaguarda do referido bem cultural236. Tal discussão

encontra respaldo nas afirmações propostas por David Lowenthal, especificamente no

que diz respeito aos chamados “substitutos do passado”237. Ao identificar os elementos

usados pelos agentes delegados do patrimônio para justificar a patrimonialização da

manga e da mangada, é possível encontrar resquícios de argumentos que não condizem

com as orientações propostas pelo órgão nacional regulador de tais processos.

Por outro lado, não posso prescindir da discussão proposta por José Reginaldo

Santos Gonçalves, em A retórica da perda. Em que pese o direcionamento da análise do

autor se basear nos discursos realizados em nível nacional, é possível trazer algumas

questões para nível local, comparando-o com a realidade ubaense do impulso

preservacionista, pois tratam de simbologias semelhantes no que diz respeito às

motivações desses processos.

Em outras palavras, a perda não é algo exterior, mas parte das próprias estratégias discursivas de apropriação de uma cultura nacional. É tão

235 Ministério da Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O registro do patrimônio imaterial – dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial: Brasília, 2006, 4ª Edição. P.18. Localizada em http://portal.iphan.gov.br/publicacao/RegistroPatrimonioImaterial.pdf (Consulta em 28.05.2016). (Grifo nosso). 236 Ministério da Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ibidem. P.95. 237 LOWENTHAL. David. Como conhecemos o passado. Trad. Lúcia Haddad. Projeto História. São Paulo. N.17, 1998. p.118.

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somente na medida em que existe um patrimônio cultural objetificado e, apropriado em nome da nação, ou de qualquer outra categoria sócio-política, que se pode experimentar o medo de que ele possa ser pedido para sempre. A apropriação de uma cultura traz, assim, como consequência, ao mesmo tempo que pressupõe, a possibilidade mesmo de sua perda. Nas narrativas de preservação histórica, a imagem da perda é usada como uma estratégia discursiva por meio da qual a cultura nacional é apresentada como uma realidade objetiva, ainda que em processo de desaparecimento.238

De acordo com o autor, o que se pode concluir é que a patrimonialização da

manga e da mangada utilizou das estratégias discursivas de “perda” para induzir a uma

apropriação dessa memória na cidade. Diante do que foi analisado, parece que as ações

iniciadas ou que tiveram participação dos agentes do patrimônio incentivavam o medo

de que esse bem cultural pudesse se perder. Basta retornar às citações registradas do

passado, quando a referência era apenas “manga”, para notar que naquele momento não

houve discussão ou exteriorização da necessidade de uma campanha para assegurar a

continuidade de mangueiras na cidade. As estratégias discursivas dos agentes do

patrimônio e dos agentes políticos em relação a manga, entre 1984 e 2008, evidenciam

exemplos dessa retórica, principalmente a partir do boom da indústria moveleira na

cidade, nas décadas de 1980 e 1990.

Dessa forma, é possível identificar alguns objetos de análise na discussão

proposta acima, ou seja, de que a chamada retórica da perda esteve presente nos

discursos que justificaram a patrimonialização da manga e da mangada na cidade de

Ubá. Em primeiro lugar, a lei municipal de 1984, que proíbe o corte indiscriminado de

mangueiras, pois teoriza sobre uma redução do número de árvores na cidade. Segundo,

o estabelecimento do dia da manga e o dia da mangueira, que denotam preocupação

com um possível esquecimento por parte da comunidade. Terceiro, a adoção da

mangada como âncora cultural para a FEMUR 2000, pois levanta questionamento sobre

um “modo de fazer” que, da mesma forma que a sua matéria-prima, foi objetificado e

também era visto em processo de desaparecimento. Quarto, a campanha do Centro de

Estudos Puris, pois lhe é inerente a preocupação em preservar. Em quinto, o dossiê de

registro da manga, como patrimônio natural, e da mangada, como patrimônio imaterial,

238 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda – os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Minc-Iphan, 1996. p.89.

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através do Decreto Número 4.238/2003,239 entendido como um manejo dos agentes do

patrimônio para corroborar as demais propostas de “salvamento” desses bens culturais.

Por fim, as três edições da Festa da Manga que, assim como todas as outras ações

citadas anteriormente, são discursos que tendem a fortalecer a imagem da perda,

utilizada como estratégia para justificar a sua patrimonialização, cujo objetivo era

atender a interesses de grupos específicos.

Quando Dominique Poulout discute sobre a atualidade impactante do patrimônio

cultural e do seu papel de destaque no mundo atual,240 chama também a atenção para o

fato de que muitas vezes isso acontece sem discursos críticos, capazes de expor as

verdadeiras motivações dos processos de patrimonialização. As iniciativas dos agentes

patrimoniais, políticos e empresariais da cidade de Ubá, no que tange a manga e a

mangada, serviram para criar uma representação que, pelos discursos de

desaparecimento desse patrimônio, é percebida como um exemplo de memória literal,

que não propicia condições de uma compreensão adequada do passado, mas apenas cria

substitutos que atendem a determinadas necessidades do presente.

239 Decreto Municipal Número 4.238, de 13 de dezembro de 2003, que institui o registro da manga e da mangada como patrimônio natural e patrimônio imaterial, respectivamente. Localizado em: http://www.uba.mg.gov.br (Consulta em 13 de abril de 2016). 240 POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no ocidente, séculos XVII-XXI. Citação de David Lowenthal. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira, Editora Estação Liberdade: São Paulo, 2009. p.200.

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Capítulo 5. O “trem” da patrimonialização chega na Estação

Ferroviária da cidade de Ubá.

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Segundo relatos de Ralph Mennucci Giesbrecht, a estação ferroviária de Ubá

teria sido inaugurada entre os anos de 1879 e 1880,241 ou seja, acompanhou duas

mudanças de século (XIX-XX e XX-XXI). Por isso, grande parte da história do

Município, emancipado em 1857, passou por essa imponente construção que marca a

paisagem da Praça Guido Marlière, incluindo a transformação da economia agrícola

para a indústria moveleira. A discussão sobre a sua patrimonialização começou a ser

discutida durante reunião do CDMPCU realizada no dia 09 de junho de 2001, quando os

conselheiros apontam a necessidade de preservação não apenas do prédio da Estação

Ferroviária, mas também de seu entorno.242 Entretanto, essa discussão somente voltou a

ser pauta de reunião do Conselho em novembro daquele ano, depois que o prefeito

Antônio Carlos Jacob manifestou aos conselheiros seu “interesse na revitalização da

antiga estação ferroviária da Praça Guido Marliére”.243 De acordo com análise das

atas do CDMPCU do ano de 2001 e de reportagens em jornais locais, tal proposta ficou

apenas no campo teórico, não chegando, naquele momento, a nenhuma ação prática por

parte do poder público.

Ainda assim é possível notar que mais um vagão passaria a fazer parte do “trem”

de patrimonializações em curso no município de Ubá, pois em maio de 2002 houve a

divulgação na imprensa de que a revitalização da Estação Ferroviária era de interesse da

administração municipal. De acordo com a reportagem, a intenção do então prefeito era

transformar esse “pilar da nossa história”244 em espaço cultural para abrigar o acervo

do compositor Ary Barroso. Naquele momento em que o debate sobre a estação

ferroviária deixava de ser circunscrito apenas ao grupo de agentes do patrimônio e

avançava para o espaço público através da imprensa, também começavam a emergir os

diferentes interesses e, consequentemente, os conflitos em relação ao trabalho que se

iniciava, principalmente por causa do objetivo para o qual a patrimonialização parecia

estar sendo direcionada, ou seja, abrigar um memorial em homenagem ao compositor

Ary Barroso, cujo centenário estava prestes a ser comemorado.

241 Localizada em: http://www.estacoesferroviarias.com.br (Consulta em 03.05.2016). 242 ATA, CDMPCU, 09.06.2001. P.10-11 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 243 ATA, CDMPCU, 20.11.2001. P.14-15 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 244 “Revitalização da Estação Ferroviária é de interesse da administração”. Jornal Gazeta Regjonal. Número 64, de 05 de maio de 2002. Ubá-MG. P.13.

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5.1: Abraço simbólico marca a chegada do “trem” à Estação Ferroviária de

Ubá – uma tentativa para disfarçar possíveis conflitos.

Dentre os conflitos que surgem com a adoção de mais essa patrimonialização

pelos agentes políticos e pelos agentes do patrimônio no município de Ubá, destaca-se a

própria utilização do espaço da Estação, na Praça Guido Marlière, cuja linha férrea já se

encontrava desativada. Conforme informações oferecidas pelo Dossiê de Tombamento

do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá, naquele momento o local

estava sendo usado para os mais diferentes fins, começando por funcionar como ponto

principal de todos os ônibus das 16 linhas de transporte coletivo que circulavam pela

cidade, resultando em uma considerável circulação diária de passageiros pelo local.

Além disso, a Estação também era sede de duas instituições que, da mesma forma,

reuniam grande número de pessoas: o Centro de Convivência da Melhor Idade Rosa

Mauad Jacob e a Associação Ubaense de Paraplégicos. No prédio principal da Estação

Ferroviária ainda funcionavam a sede de uma igreja evangélica e o ponto de caminhões

para serviço de fretes na cidade. No galpão anexo, construção ao lado do prédio

principal, estava sediada a 35ª Companhia de Polícia Militar de Minas Gerais.245 Tudo

isso demonstra que o local era bastante movimentado pelos diversos fins a que se

destinava. Análise de atas do Conselho e reportagens locais sinaliza que tal situação não

correspondia aos interesses dos agentes públicos que pretendiam patrimonializar a

Estação Feroviária.

Na reunião do CDMPCU realizada no dia 02 de abril de 2002 houve discussão

sobre solicitação da Viação Ubá (empresa concessionária do transporte coletivo na

cidade). A empresa solicitou ao Conselho autorização para construção de bancos de

cimento na fachada da Estação Ferroviária, o que deveria servir para acomodação dos

passageiros que utilizavam o transporte coletivo. O conselheiro Levindo Barros se

declara contrário à solicitação, justificando que “nada tem a ver com a arquitetura do

imóvel (demonstrando) incoerência entre discurso e prática do prefeito em relação à

revitalização daquele bem”.246 Acredito que o conselheiro se referiu ao apoio do

prefeito Antônio Carlos Jacob às ações de preservação da Estação, conforme consta na

245 DOSSIÊ, Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá. Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.22. 246 ATA, CDMPCU, 02.04.2002. P.21-23 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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reportagem do Jornal Gazeta Regjornal.247 Diante disso, o discurso de preservação dos

agentes do patrimônio se posicionava contrário ao funcionamento de tantas finalidades

naquele local, tendo como alegação efeitos de descaracterização e depredação do

centenário prédio. Tal posição indica que as diferentes formas de utilização, naquele

momento, poderiam ser “nocivas” à preservação da estrutura física e arquitetônica da

Estação Ferroviária.

A primeira ação concreta em relação a mais essa ação patrimonializadora, que

encerra a segunda fase da política pública de patrimônio cultual em Ubá, parece ter sido

a realização de um abraço simbólico ao prédio da Estação Ferroviária. Ao que tudo

indica, de acordo com ata de reunião do CDMPCU, o evento reuniu estudantes,

professores, agentes culturais e autoridades no dia 05 de novembro, dia nacional da

cultura, do ano de 2002. O evento foi definido pelos agentes do patrimônio como início

de uma campanha em defesa da destinação do espaço para fins culturais.248 Entendo que

esse discurso traduz uma intenção velada de declarar que as formas de utilização,

presentes naquele momento, não eram compatíveis com o ideal de preservação proposto

pelos agentes do patrimônio. O abraço simbólico pode ser interpretado como uma fala

subjetiva desses mesmos agentes que, ao buscar apoio da comunidade para a

patrimonializar a Estação, gritavam que as formas de utilização do espaço não estavam

de acordo com o que eles pretendiam para aquele bem cultural, principalmente quando

vem a público declaração de que o imóvel deveria seguir determinada destinação.

Três considerações que serão discutidas a seguir são imprescindíveis para a

compreensão daquilo que esteve nas entrelinhas do processo de patrimonialização da

Estação Ferroviária de Ubá: a proposta de revitalização da Praça Guido Marlière (antigo

centro da cidade e onde se localiza a referida Estação), as comemorações pelo

centenário do compositor Ary Barroso e os interesses individuais e particulares que

estiveram como pano de fundo durante todos os momentos. Tais interesses dizem

respeito aos atores sociais que conduziram as ações conservacionistas, sejam públicos

ou privados.

247 “Revitalização da Estação Ferroviária é de interesse da administração”. Jornal Gazeta Regjonal. Número 64, de 05 de maio de 2002. Ubá-MG. P.13. 248 ATA, CDMPCU, 08.10.2002. P.28-29 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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5.2: Estação Ferroviária e Praça “Guido Marlière” – memórias de um

cenário de perdas que marcam ação patrimonializadora em Ubá.

A Praça Guido Marlière está presente em muitas memórias relativas à cidade,

talvez por ser o local onde a Estação Ferroviária funcionou, durante muitas décadas,

como porta de entrada e saída de Ubá. Através da análise dos documentos disponíveis

para o estudo da patrimonialização dessa Estação (Atas do Conselho do Patrimônio

Cultural de 2001 a 2004, Dossiê de Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação

Ferroviária de Ubá, reportagens publicadas na imprensa local, além de bibliografias

referentes à história da cidade), foi possível entender que tal ação preservacionista, na

verdade, estava inserida em um projeto cuja amplitude se mostrava mais abrangente,

pois a proposta incluía a revitalização do seu entorno – a Praça Guido Marlière,

considerada o antigo centro da cidade de Ubá e onde se encontra a referida Estação.

Reportagem publicada no Jornal Gazeta Regjornal em janeiro de 2003 apresenta

planejamento para construção de uma concha acústica, uma espécie de palco definitivo,

na referida Praça Guido Marlière. Dentre as justificativas para defender o projeto, o

jornal usa de argumentos que indicam gradativa decadência e depredação daquela área

da cidade, exemplificando essa afirmação através de denúncias que envolvem a retirada

de um coreto que existia no centro da praça e a demolição da primeira rodoviária de

Ubá, no mesmo local. Referindo-se a esses acontecimentos, o texto jornalístico utiliza

da expressão “praça da perda” para retratar o que seria a realidade da Praça Guido

Marlière. A matéria enfatiza também a necessidade de reforma no prédio da antiga

Estação Ferroviária, com vistas a abrigar o memorial do compositor Ary Barroso.249

249 “Praça Guido Marlière poderá receber concha acústica”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 74, de 28 de janeiro de 2003. Ubá-MG. P.04.

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Figura 11 – Praça Guido Marlière com o prédio da Estação Ferroviária ao fundo. Detalhe no centro da imagem onde aparece o antigo coreto.250

Entendo que a denominação de “praça da perda” como um gancho para discutir

sobre os argumentos que estiveram implícitos no processo de patrimonialização da

Estação Ferroviária de Ubá, notadamente a relação que parece se estabelecer entre o seu

tombamento e a revitalização da Praça Guido Marlière, local considerado

historicamente importante, pois, segundo texto da reportagem, teve seu apogeu e

também a sua decadência atrelados ao começo e ao fim do transporte ferroviário na

cidade de Ubá.

Em Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG, além de outras

memórias sobre a cidade, Tarquínio Benevenuto Grandis comenta sobre uma passagem

que trata do apogeu da Praça Guido Marlière. O livro apresenta um dos atores sociais de

maior destaque na construção dessa paisagem ubaense – o imigrante italiano Camilo

dos Santos (originalmente Camilo De-Santis, segundo o autor). De acordo com o livro,

depois de bater um “record” para a época, ele acabou fazendo fortuna com agências de

automóveis. O texto não explicita quando, mas diz que Camilo dos Santos foi um dos

primeiros a fazer o percurso entre Ubá e Juiz de Fora de automóvel, uma viagem com

duração de cinco dias e cinco noites.251 Considerando a ênfase do texto a essa viagem

recordista e também ao fato de que Camilo dos Santos pertence à segunda leva de

250 DOSSIÊ, Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá. Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.54. 251 GRANDIS, Tarquínio Benevenuto. Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG. Edição Academia Ubaense de Letras. Ubá: 1988. p.40.

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imigrantes que chegou em Ubá, ou seja, depois de 1888, é provável que o feito tenha

acontecido nos primeiros anos do século XX.

Ainda segundo Tarquínio Benevenuto Grandis, Camilo dos Santos, imigrante

italiano, acabou se tornando proprietário de duas agências de automóveis - primeiro a

Ford e mais tarde a Chevrolet - tendo participação direta na construção das edificações

que circundam a Praça Guido Marlière, especificamente após a aquisição da segunda

agência, quando

[...] transferiu-se para a Praça Guido Marlière, construindo todo o quarteirão oeste daquela praça, desde o Grande Hotel até o ponto da Avenida Cristiano Roças, edificando sua casa de morada e, em seguida, os grandes salões para cinema, bilhares e o magnífico Bar do Ponto, no andar térreo e, no andar superior, os salões dos clubes, explorando ele, com sua larga vista, todos esses negócios.252

Fica evidente no trecho em destaque que a referida praça não era um lugar

qualquer da cidade naquele início do século XX. Tendo em vista que o texto foi escrito

em 1947, é provável que as transformações citadas acima conviveram com o auge da

Estação Ferroviária, em funcionamento desde fins do XIX. Também nos chama a

atenção a descrição das edificações, como, por exemplo, os grandes salões para cinema

e clubes. A existência desses atrativos demonstra que aquela praça dizia muito sobre a

elite da cidade, fazendo parte de seu cotidiano. O fato do imigrante empreendedor

explorar esses negócios sinaliza para a existência de grande circulação de pessoas, tanto

pelos atrativos socioculturais e boêmios, como pelo trânsito de passageiros da

“Leopoldina”, como era conhecida a linha de transporte ferroviário Leopoldina Railway.

Ao lado dos italianos, os imigrantes portugueses também ajudaram a construir

essa história da cidade que envolve a Praça Guido Marlière. No livro Coisas que a vida

escreve, o advogado e escritor ubaense Ary Gonçalves, no início da década de 1980,

escreveu que “(...) a colônia portuguesa, nos fins do século passado e começo do atual,

era relativamente numerosa. Quase todos os seus membros vieram na época na

construção da Estrada de Ferro Leopoldina, trabalhando na ferrovia”.253

Importante destacar que as referências relativas às imigrações italiana e

portuguesa estão muito presentes nos relatos sobre a implantação da estrada de ferro e,

consequentemente, no crescimento do entorno da Praça Guido Marlière. Afinal,

252 GRANDIS. Op.Cit. p.41.

253 GONÇALVES, Ary. Coisas que a vida escreve. Editora Folha de Viçosa, Viçosa: 1985. p.56.

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naquelas primeiras décadas de 1900, as referidas praça e estação fizeram parte de um

cenário de modernização da cidade de Ubá. No ano de 1953, em comemoração ao

centenário da lei provincial que autorizava a criação do município de Ubá, o jornal

Folha do Povo publicou uma crônica de Campomizzi Filho que corrobora a importância

da estação e da praça para o município.

Cem anos são passados da lei provincial que criou o município de Ubá. Muita coisa de importante se registrou depois desse grande passo. Em vinte e oito de fevereiro de oitenta inaugurou-se a ferrovia. Veio depois o telégrafo. Mais tarde chegaram os colégios. Seguindo-se a iluminação hidroelétrica. O rádio e o cinema se incorporaram à vida municipal como decorrência de nosso crescimento em todos os sentidos.254

No que diz respeito aos colégios, é provável que o autor do texto tenha se

referido ao Ginásio “São José” e ao Sacré Couer de Marie. O primeiro foi inaugurado

em 1905 e a maioria dos alunos, oriunda de várias partes do país, chegava ou saía de

Ubá pela estação de trem da cidade. No segundo, há o fato das religiosas daquela

congregação francesa terem chegado à cidade pela Leopoldina Railway, no ano de 1911,

dando início, em Ubá, à fundação da primeira escola para normalistas de Padre Gailhac

no Brasil.

Além da questão educacional, o telégrafo, o rádio, o cinema e a iluminação, são

fatores que mostram a Praça Guido Marlière como o coração da cidade, principalmente

no que tange ao comércio e à vida cultural. Ademais, relembrando matéria do Jornal

Gazeta Regjornal, especificamente no que diz respeito à “perda” do coreto e da antiga

rodoviária, suponho que esses elementos, quando ainda existiam, eram formas de

contribuir para aumentar o trânsito de pessoas e de eventos naquele local, avolumando

sua importância cultural, social, econômica e política.

Porém, no Dossiê de Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação

Ferroviária de Ubá é possível encontrar o outro lado da moeda, ou seja, o gradativo

enfraquecimento do transporte ferroviário na região, um reflexo da política pública de

inventivo às estradas de rodagens, principalmente a partir de meados do século XX.

Com isso, “em 1971 a Leopoldina Railway desapareceu, incorporada de vez pela

RFFSA; hoje mais da metade de sua antiga malha ferroviária está desativada”. Além

254 CAMPOMIZZI FILHO, José. Escritos e memórias. Organização de ABUJAMRA, Alencar e BOTELHO, Nicolina Arantes. Brasília: 2000. p.85.

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disso, “o período após a aquisição da ferrovia pelo governo foi marcado pela

decadência, com a supressão de muitos quilômetros de trilho”.255

Ao descrever a caracterização do entorno, esse dossiê nos diz que o elemento de

maior destaque no cenário da Praça Guido Marlière é a Estação Ferroviária e que o

“desenvolvimento da praça está diretamente atrelado ao surgimento da estação, já que

esta trouxe consigo a presença constante de viajantes, visitantes e usuários locais”.256

Mas acredito que o inverso também aconteceu. A praça entrou em decadência junto com

a desativação dos trilhos, justamente por estar atrelada ao funcionamento da Estação.

Tendo em vista as diversas vezes em que os agentes do patrimônio, seja nas reuniões do

CDMPCU, seja na imprensa, destacaram a necessidade de revitalização daquela área da

cidade, é possível concluir que a Praça Guido Marlière e a Estação Ferroviária

vivenciavam uma fase de degradação e decadência, marcada pela desativação dos

serviços de transporte ferroviário na cidade.

Importante observar informação divulgada através de uma reportagem na

imprensa local que trata de assinatura do Termo de Permissão de Uso, concedido pela

Ferrovia Centro-Atlântica (proprietária da Estação) à Prefeitura de Ubá, para a

continuidade do uso das suas instalações, como o prédio principal e o galpão anexo.257

O próprio título da matéria - “A centenária estação ferroviária de Ubá - um patrimônio

histórico a ser tombado e restaurado” - coloca a preservação da Estação vinculada a dois

caminhos: o tombamento e a restauração, respectivamente. Com isso, o discurso

sinaliza para a patrimonialização como primeiro passo para a restauração do imóvel,

tendo como objetivo final do processo, ainda que de forma subentendida, a revitalização

da Praça Guido Marlière.

Tal intenção fica mais evidente na ata de setembro de 2003 do CDMPCU,

quando a arquiteta Maurícia Medeiros Cocate, convidada na reunião, apresentou aos

conselheiros um trabalho acadêmico de sua autoria, versando sobre proposta de

revitalização da referida praça.258 Naquele momento, o processo parece caminhar para o

tombamento do conjunto arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá, ou seja, além do

prédio principal e seus anexos, incluía-se naquela ação patrimonializadora o entorno da

255 DOSSIÊ, Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá. Secretaria Municipal de Cultura Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. p.23. 256 Ibidem. p.23. 257 “A centenária estação ferroviária de Ubá - um patrimônio histórico a ser tombado e restaurado”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 83, de 21 de agosto de 2003. Ubá-MG. p.10. 258 ATA, CDMPCU, 09.09.2003. P.36-37 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Praça Guido Marlière, local onde o imóvel está situado. Análise feita em outra ata do

Conselho, desta vez de abril de 2004, mostra depoimento do então presidente do

CDMPCU, Miguel Gasparoni, afirmando que o tombamento da Estação Ferroviária

seria o primeiro passo para a reforma do prédio, tendo sua “posterior utilização voltada

para fins estritamente culturais”.259 O processo teve conclusão um pouco mais tarde, em

junho de 2004, quando foi oficializado o tombamento do Conjunto Arquitetônico da

Estação Ferroviária de Ubá.

Figura 12 – Vista da Estação Ferroviária de Ubá e Praça Guido Marliére, sem o coreto e

a antiga rodoviária.

Diante do exposto, é possível pensar que tal ação preservacionista, inicialmente

objetivando tombar apenas a Estação Ferroviária, transformou-se numa verdadeira

“cruzada”260 dos agentes do patrimônio e do poder público instituído, pois foi permeada

por motivações que o tombamento, por si só, talvez não fosse capaz de resolver, como a

reforma do imóvel, que já contava com mais de 120 anos, e a revitalização da Praça

Guido Marlière, ainda que pesem nessa balança outros interesses que veremos a seguir,

como o de transformar aquele espaço em um museu sobre a vida e a obra de Ary

Barroso, cujo centenário seria comemorado no ano de 2003. Porém, antes de incluir o

uso das memórias do compositor na discussão, considero relevante aprofundar um

pouco mais em outro aspecto desse arsenal de informações sobre Ubá.

259 ATA, CDMPCU, 01.04.2004. P.38 (verso). Secretaria Municipal de Cultura. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 260 POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no ocidente, séculos XVII-XXI. Citação de David Lowenthal. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira, Editora Estação Liberdade: São Paulo, 2009. p.200.

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5.2.1: Cesário Alvim e Praça Guido Marliére – outras memórias vinculadas

à Estação Ferroviária de Ubá.

Durante a pesquisa sobre o antigo centro da cidade de Ubá, a Praça “Guido

Marlière”, é impossível não atentar para a história relacionada a dois personagens que

figuram na maioria das obras de referência para esse trabalho: o cafeicultor e político

José Cesário Alvim e o imperador Dom Pedro II. O livro Ubá Imperial – subsídios para

a História, publicação da Academia Ubaense de Letras de 1988, traz crônicas escritas

por Raul de Morais para o jornal local Cidade de Ubá. Numa delas encontrei a visita do

Imperador Dom Pedro II a Ubá, com o intuito de inaugurar o tráfego da Estação

Ferroviária, no ano de 1881. A partir de relatos, pois o mesmo não presenciou o fato, o

autor procede à descrição desse acontecimento que marcou a história da cidade. Em um

deles, Raul de Morais reproduz a visão de um menino que aos 10 ou 11 anos de idade

presenciou este fato. Tratava-se do Senador Levindo Coelho, que legou a seguinte

descrição da passagem imperial por Ubá:

Em 1881, Ubá foi o teatro de um acontecimento, único em sua vida social, que não mais se repetirá. Mesmo porque, o fato está consumado, os homens do tempo já desapareceram, o regime é outro. [...] foi assim o que se verificou na inauguração da Estação da E. F. da Leopoldina e da sua linha férrea nesta cidade de Ubá quando foi honrada com a presença de suas Majestades o Imperador D. Pedro II e sua augusta esposa a Imperatriz Dona Tereza Cristina e mais dignatários da sua corte. (...) pela primeira vez, a cidade foi o ponto de atração dos povos desta Zona da Mata. Cidadãos de alta categoria dos municípios vizinhos, Rio Branco, Viçosa, Pomba, Cataguases, Leopoldina, Muriaé e Além Paraíba acorreram para assistir as festividades.261

Importante ressaltar que a passagem de D. Pedro II e de sua comitiva pode ser

vista como um sinal da importância econômica e política que a cidade de Ubá exercia

naquele final do XIX. Tal afirmação encontra justificativa nas memórias relativas a José

Cesário Alvim, cafeicultor e político do Império, neto do Capitão-Mór Antônio Januário

Carneiro. Segundo afirma Palmyos Paixão Carneiro, em A fundação de São Januário do

Ubá, o Capitão-Mór teria participado ativamente da fundação do município de Ubá,

pois foi um dos primeiros sesmeiros a ocupar a região,262 além de liderar a construção

261 MORAIS, Raul de. Ubá Imperial – subsídios para a História. Editora Gráfica Gonçalves Ltda, Academia Ubaense de Letras. Ubá-MG: 1988. p.52. 262 CARNEIRO, Palmyos Paixão. A fundação de São Januário do Ubá. Editora Folha do Povo, Academia Ubaense de Letras. Ubá-MG: 1987. p.17.

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da capela de São Januário, considerada o marco fundador da cidade. Ainda sobre as

memórias de Levindo Coelho presentes no livro Ubá Imperial, Cesário Alvim teria

hospedado a comitiva real em sua Fazenda da Liberdade.263 O fato demonstra que Ubá

e, mais especificamente, o cidadão em questão, possuíam prestígio político e econômico

junto ao governo imperial. Logicamente, essa pujança se refletia nas construções

daquela área da cidade, a exemplo do Torreão pertencente a Cesário Alvim. Trata-se de

imóvel tombado em 1963, que “funcionou como escritório para comandar o embarque

da produção cafeeira (...), tem formato octogonal, com janelas em ogivas em todas as

faces, de aparência gótica, encimado por platibanda corrida”.264

A respeito de Cesário Alvim, em História de Ubá para as escolas, Clotilde

Vieira fala de um período ao qual ela denomina de “Alvinismo no Brasil”,265 quando o

político e cafeicultor do Império, justamente pela sua influência política e econômica

entre 1864 e 1892, chegou a ser nomeado presidente da província de Minas Gerais e

também do Rio de Janeiro. A escritora conta que antes do sucesso na política, Cesário

Alvim, que era formado em Direito, teve como primeira causa uma querela envolvendo

sua própria família, pois a mãe, viúva, havia contraído dívidas. Entretanto, a causa era

perdida e, por isso, parte dos bens foi cedida como pagamento.

A dívida foi paga e a Fazenda da Liberdade ficou desfalcada de 120 alqueires de terras e uma casa. Cesário Alvim não se abateu. A propriedade produzia muito café. Veio para a cidade e construiu no largo, que em 1881 seria da estação férrea, uma casa de morada, máquinas de café movidas a vapor, engenhos de arroz. Ainda hoje existe o TORREÃO, construído em 1863, para servir de CASA-FORTE, onde guardava o dinheiro para pagar seus fornecedores. Não havia ainda a estrada de ferro e o café limpo era levado em lombo de burro, nas tropas, para o Rio de Janeiro.266

Os autores citados contam que a Estação ferroviária foi, provavelmente,

construída em local que beneficiaria Cesário Alvim, pois a proximidade com o Torreão

facilitaria o transporte de café através da linha férrea, evitando os constantes transtornos

e atrasos que deviam acontecer em função das tropas, encarregadas de levar o café de

Ubá até o Rio de Janeiro, então capital do Império. Tais argumentos acima são

corroborados na obra Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá, que informa

263 MORAIS. Op.Cit. p.54. 264 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/detalhe-da-materia/info/torreao-de-cesario-alvim/6561 (Consulta em 16.12.2016) 265 VIEIRA, Maria Clotilde. História de Ubá para as escolas. Viçosa: Editora de Viçosa, 1990. p.41. 266 Ibidem. p.44.

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sobre Floriano Moda, imigrante que teria construído “na fazenda da Floresta o primeiro

engenho de café tocado a vapor. Passando para a cidade, construiu o segundo, atrás da

estação, para o dr. Cesário Alvim. Existe ainda a torre que o recorda”.267 Fica evidente

que, assim como Clotilde Vieira, o autor se refere ao local conhecido por Torreão como

uma referência para os cafeicultores não só de Ubá, mas de toda a região que utilizava o

mesmo sistema de transporte ferroviário, cuja central estava na Estação Ferroviária de

Ubá.

Considerando a carreira política de Cesário Alvim e também sua

representatividade econômica para o Município, além da proximidade dele com Dom

Pedro II, haja vista sua nomeação para presidente de duas províncias de destaque no

Império, a construção da estação de trem naquele local que lhe favorecia, incluindo a

hospedagem do casal de imperadores em sua propriedade, é possível pensar que o

desenvolvimento registrado no entorno da praça, em grande parte, deveu-se a Cesário

Alvim. Em relação à hospedagem do casal de imperadores vale ressaltar que se tratava

de um período em que não havia em Ubá hotéis com acomodações à altura da realeza.

Por isso, eles tiveram que se hospedar em alguma residência. Entretanto, a escolha da

Fazenda da Liberdade demonstra a importância de Cesário Alvim no contexto

econômico e político do final do século XIX.

Figura 13 – Torreão de Cesário Alvim, localizado nas proximidades da Estação Ferroviária de Ubá. (Coleção Cartões Postais de Ubá)268

267 GRANDIS, Tarquínio Benevenuto. Vida e ação da colônia italiana no município de Ubá-MG. Edição Academia Ubaense de Letras. Ubá: 1988. p.27. 268 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/galeiraimagens (Consulta em 19.02.2017)

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Importante ressaltar que as informações discutidas acima e que se vinculam à

memória e também à história de Ubá, apesar de constar no Dossiê de Tombamento do

Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá, não foram utilizadas pelos

agentes do patrimônio nas divulgações feitas pela imprensa para justificar a ação

preservacionista. É possível que tal opção tenha sido secundarizada em virtude desses

mesmos agentes terem privilegiado o centenário do compositor Ary Barroso como

personagem principal para as memórias que foram encenadas.

5.3: A Estação Ferroviária e o centenário de Ary Barroso – memórias e

personagens que voltam ao cenário das patrimonializações em Ubá.

Em ata de reunião do CDMPCU realizada no dia 01 de abril de 2004 é possível

encontrar uma expressão que foi pronunciada pelo então presidente do Conselho.

Durante discussão sobre as pretensões dos agentes do patrimônio em relação à Estação

Ferroviária de Ubá, o presidente do CDMPCU utilizou as palavras “para fins

estritamente culturais”.269 Entendo que tal depoimento evidencia a intenção de destinar

a referida Estação para outros fins que não os vigentes naquele momento, ou seja, os

agentes pretendiam retirar do local os diversos usos para os quais ele serviu até então:

ponto de ônibus, igreja evangélica, banda de música da Polícia Militar, ponto de serviço

de fretes, entre outros, como apresentado anteriormente. De acordo com a análise das

atas do Conselho do Patrimônio Cultural e reportagens divulgadas na imprensa local,

fica evidente que o objetivo era abrir caminho para a instalação do Memorial Ary

Barroso.

Tal situação demonstra que a Estação Ferroviária, bem cultural prestes a entrar

no “trem” da patrimonialização, estava sendo objeto de disputa entre os representantes

do poder público, interessados em instalar um memorial naquele local, e os

representantes das entidades privadas, sociais e religiosas que utilizavam o espaço. É

provável que os defensores do tombamento viam na continuidade do uso que ora

acontecia uma ameaça à integridade daquele patrimônio. Entretanto, a quem essa

proposta de utilização “estritamente cultural” interessava? Essa mudança nos rumos dos

usos da Estação Ferroviária estaria servindo a quais objetivos? 269 ATA, CDMPCU, 01.04.2004. P.39 (verso). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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Provavelmente, algumas dessas respostas apontam para os agentes políticos e

agentes de defesa do patrimônio, interessados em unir esse trabalho ao centenário de

Ary Barroso, assim como já foi discutido no Capítulo 3 (patrimonialização do Piano de

Ary Barroso). Na oportunidade apresentei discussão sobre as denúncias feitas pela

oposição política local a respeito da inércia do poder público em relação ao acervo do

compositor ubaense. Outros fatores também podem contribuir para corroborar a

hipótese de que a patrimonialização do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária

de Ubá está vinculada às comemorações pelos 100 anos de Ary Barroso e,

consequentemente, aos interesses individuais, políticos e econômicos, que poderiam

sobressair dessa comemoração.

Um deles pode ser encontrado na ata de reunião do CDMPCU, realizada em

setembro de 2001, onde o conselheiro Marum Alexander anuncia que o poder executivo

enviou para a Câmara Municipal projeto de lei visando a criação da Fundação Ary

Barroso, cujo objetivo principal, segundo ele, seria criar um museu para reunir todo o

material disponível sobre o compositor.270 A proposta dessa fundação consta no Anexo

1, item 8, da Lei Orçamentária Número 3156, de 2002,271 o que demonstra interesse, por

parte dos poderes Legislativo e Executivo, até então liderados por partidos rivais, mas

unidos naquele momento, de cumprir a determinação anunciada na reportagem e

trabalhar para obter o acervo de “Ary”.

Outra demonstração de que o CDMPCU também estava empenhado nessa

discussão e que não ficava alheio ao que se passava naquele momento na cidade, pode

ser a aprovação de deliberação encaminhada ao prefeito de Ubá na última reunião de

2001, a qual solicita nomeação de uma comissão responsável pela programação das

comemorações do centenário de Ary Barroso, que deveriam se estender pelo período de

um ano, entre 2002 e 2003, tendo como marco inicial e final a data natalícia do

compositor, ou seja, 07 de novembro.272

Com isso, percebe-se outro possível viés de costuras entre interesses políticos e

projeto cultural em andamento no município de Ubá. Afinal, a motivação do “Ano do

Centenário”, pelo que consta na imprensa, surgiu a partir do ato de uma vereadora do

PSDB, durante embate sobre a importância que os poderes instituídos de Ubá atribuíam

270 ATA, CDMPCU, 04.09.2001. P.12-13 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 271 Localizada em: http://www.uba.mg.gov.br/arquivo/Lei3156 (Consulta em 06 de junho de 2016) 272 ATA, CDMPCU, 10.12.2001. P.15-16 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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ou não a Ary Barroso.273 Vale ressaltar que naquele momento a presidência do

CDMPCU estava sendo exercida pelo ex-vereador Miguel Poggiali Gasparoni, também

do PSDB, fundador do Jornal Gazeta Regjornal. Este órgão de imprensa foi um dos

maiores divulgadores das ações de patrimonialização realizadas em Ubá, principalmente

no que diz respeito aos 100 anos de Ary Barroso. Assim, cria-se um cenário em que se

tornam visíveis as estratégias para os discursos de memória, cuja consequência é o

fortalecimento das ações conservacionistas e, ao mesmo tempo, a inibição dos

questionamentos e debates em torno dessas ações, haja vista a forma com que essas

memórias são manipuladas, obviamente atendendo aos interesses daqueles que as

manobravam. As análises das fontes pesquisadas sobre o centenário de Ary Barroso

sinalizam para a união de interesses entre os grupos políticos e culturais da cidade de

Ubá, principalmente no tocante a determinados elementos, como a destinação do acervo

pertencente à família Barroso, a criação da Fundação Ary Barroso e a instalação do

memorial, além do próprio tombamento da Estação Ferroviária de Ubá. Tudo isso pode

ser visto como tentativas de atender a interesses individuais, seja através da apropriação

de memórias relativas a Ary Barroso, seja através da revitalização da Praça Guido

Marlière. Aos agentes do patrimônio interessava a proposta de tombamento para

recuperação do prédio da Estação e, por conseguinte, melhorar as condições da referida

Praça, de forma a mudar o “cenário de perdas” que, provavelmente, contribuía para a

desvalorização do comércio e dos imóveis naquela área da cidade. Para os agentes

políticos, interessados em instalar um memorial no local, tais ações poderiam

representar uma resposta às denúncias de descaso em relação ao acervo do compositor

Ary Barroso, o que poderia evitar desgaste político junto à opinião pública.

Talvez por isso um novo elemento entra em cena naquele ano de 2002. Através

de análise das atas do Conselho do Patrimônio Cultural de Ubá, do dossiê de

tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária e de reportagens

produzidas pela imprensa local, é possível identificar que os agentes políticos e também

os agentes de defesa do patrimônio formaram uma comitiva oficial para se deslocar até

a residência de Mariúza Barroso, filha de Ary Barroso, no Rio de Janeiro. Segundo ata

do CDMPCU, a comissão era formada pelo prefeito de Ubá, pelo presidente do

Conselho do Patrimônio Cultural, pelo secretário municipal de educação e cultura,

Ricardo Nacif Njaim e pelo diretor de uma escola municipal, Francisco de Carvalho. O

273 “Vereadora quer 2003 como o Ano do Centenário”. Jornal Gazeta Regjornal, Número 52, de 01 de maio de 2001. Ubá-MG. P.03.

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resultado foi a doação, por parte da Ary Barroso Produções, de material para compor

acervo que faria parte de homenagem ao compositor pela passagem de seu

centenário.274 Tal acervo, composto por aproximadamente 500 cópias de documentos

produzidos por Ary nas décadas de 1940 e 1950, pode ser visto como uma resposta do

poder público às denúncias de que a terra natal do compositor estava inerte em relação a

essa herança cultural.

A patrimonialização da Estação Ferroviária e o centenário de Ary Barroso

tiveram muito mais que alguns elementos comuns. À medida que as comemorações

pelos cem anos do compositor se aproximaram, a relação entre ambos se tornou

praticamente um vínculo de dependência entre o tombamento e o memorial que se

pretendia instalar na Estação.

5.4: Três comissões e a comemoração do centenário – Ary Barroso volta ao

palco das discussões na patrimonialização da Estação Ferroviária de Ubá.

Importante observar a relação entre as análises que serão apresentadas a seguir e

o processo de patrimonialização da Estação Ferroviária de Ubá. Elas dizem respeito ao

calendário de comemorações que foi estabelecido pelo poder público da cidade, em

parceria com os agentes do patrimônio, para ser cumprido ao longo de doze meses, entre

novembro de 2002 e novembro de 2003, durante o chamado “Ano do Centenário”. Em

determinados momentos, esses eventos acabam se entrelaçando à ideia de construir um

memorial, na própria Estação, em homenagem ao compositor. Entre idas e vindas, é

possível perceber que os discursos vão assumindo formas que se distanciam do

propósito inicial de reverenciar a memória de Ary Barroso. Assim, o memorial e o

tombamento são trazidos para um contexto local, cuja discussão é imprescindível para a

compreensão do processo ao qual nos debruçamos nesse momento.

A partir dos primeiros contatos entre a comitiva oficial de Ubá a família de Ary

Barroso, com vistas a receber na cidade doação das cópias de acervo do compositor,

parece começar uma relação mais estreita entre os representantes do poder público e a

filha de Ary, Mariúza Barroso, considerada guardiã de tudo que o artista havia deixado

274 ATA, CDMPCU, 06.08.2002. P.26-27 (frente e verso). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá.

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como legado musical. Essa relação já dava sinais de vida desde a comemoração pelos

60 anos da primeira gravação da música Aquarela do Brasil, em 1999. Porém, é com o

início do “Ano do Centenário”, quando a própria herdeira esteve em Ubá, que isso fica

mais evidente e presente nas fontes jornalísticas pesquisadas.

Em depoimento a um jornal de Ubá, Mariúza Barroso, filha de Ary Barroso,

considerou comovente o “concerto de gala” evento realizado no começo de mês de

novembro de 2002, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, dentro da programação do

centenário. O escritor ubaense Antônio Olinto, na mesma reportagem, defendeu a

criação de dois memoriais sobre Ary Barroso, um em Ubá e outro no Rio de Janeiro.275

Importante ressaltar que a questão de reunir o acervo parece voltar à tona naquele início

das comemorações pelo centenário. Entretanto, ao que tudo indica, o poder público ou

os agentes do patrimônio, com exceção à questão das cópias doadas pela família, no

decorrer de cinco meses, entre a doação do material e o início do “Ano do Centenário”,

ainda não havia sinalizado nada de concreto sobre montagem, inauguração ou até

mesmo local de funcionamento desse memorial.

Porém, foi o próprio prefeito Antônio Carlos Jacob que apareceu na mídia como

defensor da Estação Ferroviária para ser o local de funcionamento desse memorial. Na

mesma reportagem encontramos notícia de que a filha de Ary Barroso havia sido

recepcionada por ele, em seu gabinete na Prefeitura, onde foi anunciada uma reforma

para adaptar internamente a Estação Ferroviária ao memorial então pretendido, pois,

segundo justificativa do prefeito, foi de lá que o compositor partiu de Ubá rumo ao Rio

de Janeiro, onde fez carreira artística.276

Importante salientar que essas comemorações pelo centenário eram resultado do

trabalho concomitante de três comissões organizadoras: em nível municipal, com

nomeação do prefeito, a presidência foi exercida pela primeira-dama, senhora Vânia

Lucia Jacob; em nível estadual, por decreto do então governador do Estado, Aécio

Neves, a comissão era presidida pelo ex-deputado Federal Saulo Coelho; em nível

nacional, o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Antônio Olinto, foi

nomeado pelo presidente da república em exercício, José de Alencar.

De acordo com as reportagens divulgadas é possível notar a falta de diálogo

entre as comissões, pois a realização dos eventos parece ter sido consequência de

275 “Mariúza Barroso visita Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 72, de 27 de novembro de 2002. Ubá-MG. P.07. 276 “Prefeito ACJ recepciona Mariúza Barroso em seu gabinete”. Op.Cit. P.07.

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planejamentos unilaterais, principalmente nos níveis municipal e nacional. De acordo

com as fontes consultadas, a comissão estadual não esteve à frente de nenhum evento

em específico, restringindo-se a um apoio nominal e pouco representativo à realização

de ações em nível local. Ademais, à exceção de um concurso de redação para estudantes

ubaenses, ainda no ano de 2002, a maioria dessas ações não teve caráter educativo, o

que demonstra maior preocupação em divulgar o lado musical do compositor, em

detrimento de outros aspectos, como o histórico, por exemplo. Entretanto, outros

aspectos do ano do centenário merecem atenção, justamente por revelar interesses que

também fizeram parte desse impulso patrimonializador em relação à Estação Ferroviária

de Ubá.

5.4.1: Ações que priorizam discursos – as comemorações pelo centenário

de Ary Barroso no Município de Ubá.

Segundo notícias divulgadas na imprensa local de Ubá, o primeiro dia do ano do

centenário,277 (07 de novembro de 2002) teve início com a premiação dos estudantes

vencedores do concurso de redação, cujo tema era “Vida e obra de Ary Barroso”. De

acordo com a reportagem, esse evento foi realizado em frente ao Paço Municipal e

organizado pela comissão municipal do centenário, contando com a participação de

centenas de pessoas, entre estudantes, professores e autoridades municipais. Ressalta-se

que o texto analisado não destaca o trabalho pedagógico que foi feito durante a

realização do referido concurso. A ausência de detalhes sobre as fontes pesquisadas e

sobre o conteúdo das redações vencedoras demonstra que o aprofundamento do

conhecimento histórico do assunto talvez não fosse prioridade dos organizadores. Neste

contexto, a utilização do centenário para oportunizar estudos e conhecimentos sobre a

relação do compositor com a cidade natal, ficou secundarizada pela autopromoção de

agentes envolvidos na liderança dessas ações em Ubá.

Outras evidências que corroboram essa análise também são encontradas em

matérias de jornal e dizem respeito às ações das comissões nacional e estadual do

centenário. Em janeiro de 2003, o então presidente interino da República, José de

277 “Ubá vive 100 anos de Ary”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 72, de 27 de novembro de 2002. Ubá-MG. P.05.

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Alencar, promoveu no Palácio do Planalto, em Brasília, uma cerimônia para

homenagear Ary Barroso. Através de decreto, aquele ano de 2003 foi declarado como

“Ano do centenário do compositor Ary Barroso”. O evento teve a participação musical

das irmãs Célia e Celma, cantoras e pesquisadoras da obra do compositor, e também do

ministro da cultura, Gilberto Gil, que interpretaram canções de Ary Barroso.278 Mais

tarde, em setembro de 2003, a comissão nacional do centenário promoveu evento em

parceria com o Banco do Brasil e com os Correios para homenagear a memória do

compositor: no dia 29 de agosto de 2003 foram lançados, no Rio de Janeiro, selo e

moedas de ouro e de prata, simbolizando o centenário de Ary.279

De acordo com as análises da divulgação dessas homenagens é possível perceber

critérios elitistas para marcar o centenário. No primeiro caso, o evento não foi

propriamente aberto ao público, sendo realizado de forma restrita a pouquíssimos

convidados. No segundo, trata-se de peças para colecionadores, muito longe do acesso

das pessoas. Isso nos leva a pensar que as ações realizadas em homenagem aos cem

anos de nascimento do compositor Ary Barroso, em nível nacional, também tiveram

uma tendência a se distanciar do caráter popular e educativo, o que demonstra, mais

uma vez, que os argumentos para a comemoração tendiam a beneficiar determinado

grupo de agentes políticos que estavam à frente de tal empreendimento.

Em relação à mobilização estadual, uma das únicas passagens na imprensa que

marca esse viés do centenário, além da notícia da nomeação de Saulo Coelho (ex-

presidente da Telemig e agente público citado na primeira fase da política pública de

patrimônio cultural em Ubá) como presidente da comissão estadual,280 é a afirmação do

então presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado Mauri Torres, do

PSDB, de apoiar as comemorações em Ubá e dar a elas a mesma conotação que o

município de Itabira teve no centenário de Carlos Drummond de Andrade. Além disso,

o texto da reportagem faz uma certa apologia ao governo de Aécio Neves, então

governador do Estado de Minas Gerais.281 Depois desse episódio, não encontrei mais

nenhuma informação que possa esclarecer sobre participação direta da ALMG nas ações

em curso na cidade de Ubá, o que reafirma, possivelmente, as ideias de oportunismo e 278 “A festa do Planalto para Ary Barroso”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 74, de 28 de janeiro de 2003. Ubá-MG. P.15. 279 “Ary em moeda e selo”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 84, de 11 de setembro de 2003. Ubá-MG. P.05. 280 “Centenário de Ary Barroso”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 79, de 20 de maio de 2003. Ubá-MG. P.05. 281 “Assembleia de Minas integrará comemorações pelo centenário de Ary Barroso”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 77, de 14 de abril de 2003. Ubá-MG. P.04.

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interesses individuais por parte de determinado grupo político, no que tange as

comemorações do centenário em Ubá.

Em relação ao carnaval do centenário também se aplica parte dessa discussão.

Na terra natal de Ary Barroso parece ser pouco divulgado o fato de que o compositor,

segundo bibliografia escrita por Mário de Moraes, iniciou lá sua carreira musical, antes

de partir para o Rio de Janeiro a fim de estudar Direito, por volta de 1919. Em

Recordações de Ary Barroso, o jornalista e escritor Mário de Moraes afirma que

[...] a primeira composição foi feita em Ubá, em 1918. Chamava-se De longe e era um cateretê. No ano seguinte, ainda em Ubá, Ary compôs, para o carnaval, a marcha Ubaenses carnavalescos. Ary nunca deixou de compor, mas apenas em 1930 vence seu primeiro concurso com uma marcha de carnaval: Dá nela!282

Entretanto, análise de reportagem divulgada na imprensa local aponta que em

2003 a organização do carnaval de Ubá realizou eventos carnavalescos que fizeram

parte da programação de ações voltadas para os 100 anos de nascimento do compositor.

Porém, não constam referências significativas que tratem de aspectos relevantes, como

o início da carreira de compositor em Ubá e a ligação que Ary manteve com o carnaval

durante todo o período em que fez sucesso, principalmente com as inúmeras marchinhas

de carnaval compostas por ele. Inclusive, de acordo com reportagem pesquisada, houve

o desfile de apenas uma escola de samba naquele ano, a “Unidos da Praça Guido”.283

Logicamente, aconteceram outros eventos como parte da tradição carnavalesca da

cidade, como o “Bloco das Piranhas” e a “Filarmônica Embocadura”, mas as fontes

consultadas não trazem referências que estabeleçam vinculação desses com a obra do

compositor.

Em outra reportagem é possível encontrar notícia sobre outro momento do

calendário de comemorações – a inauguração do laboratório de radiojornalismo “Ary

Barroso”, na Faculdade Governador Ozanam Coelho (FAGOC), cuja solenidade contou

com a presença de autoridades municipais, além do ex-deputado Saulo Coelho,

presidente da comissão estadual do centenário e filho do ex-governador de Minas e ex-

prefeito de Ubá, Ozanam Coelho - patrono da instituição de ensino superior que tem o

seu nome. Naquele momento era divulgada a notícia de que o ex-deputado havia sido

282 MORAES, Mário de. Recordações de Ary Barroso. Rio de Janeiro: Funarte, 1979. p.69. 283 “Abram alas para o carnaval de Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 75, de 25 de fevereiro de 2003. Ubá-MG. P.04.

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nomeado diretor do Departamento de Estradas de Rodagens de Minas Gerais (DER).284

Assim, o uso das memórias do artista, mas uma vez, foi canalizado de acordo com

interesses de agentes políticos.

O final das comemorações do ano do centenário foi marcado pela realização de

dois espetáculos artísticos “Ary Brasileiro Barroso” e “É luxo só”. O primeiro deles,

segundo informações fornecidas pela imprensa, foi um espetáculo promovido pela

comissão nacional do centenário, com apoio cultural da Petrobrás e da Caixa

Econômica Federal.285 O show foi gratuito e aconteceu no pavilhão de exposições do

Horto Florestal, no dia 08 de novembro de 2003. Além da participação de artistas locais,

apresentaram-se Elza Soares, Marília Pera e Mauro Mendonça. O Presidente da

República em exercício, José de Alencar Gomes da Silva, e o presidente da comissão

nacional, escritor Antônio Olinto, também estiveram presentes. O outro espetáculo, “É

luxo só”, por se tratar de realização da FOJB será discutido a seguir, pois faz parte de

um contexto que vale a pena discutir separadamente.

Diante disso, é importante refletir sobre as comemorações que aconteceram em

virtude do centenário de Ary Barroso em Ubá e questionar se elas estariam funcionando

para incrementar estratégias de discursos. Em que pese o fato de muitas ações realizadas

naquele momento terem sido vazias de conteúdo e desprovidas de preocupação em

traduzir, para a linguagem popular, os diferentes significados do trabalho desenvolvido

pelo compositor, há lógica em afirmar que tais ações aconteceram desprovidas de

debates público, justamente por estarem vinculadas a dois aspectos principais: justificar

a patrimonialização da Estação Ferroviária a partir do futuro Memorial Ary Barroso e

associar a imagem dos agentes políticos à do artista. Por isso, é possível pensar que a

programação para comemorar o centenário de Ary Barroso desconsiderou questões de

relevância, como a discussão sobre a vida e a obra do artista. A passagem dos 100 anos

do compositor, em detrimento de ser a oportunidade para debate e reflexão de seu

significado histórico e cultural, apresentava-se como mero cumprimento de um

cronograma de comemorações. Talvez esse programa tenha sido pensado e executado

apenas para atender interesses de determinados grupos, sem objetivo de democratizar o

debate sobre o compositor.

284 “Centenário de Ary Barroso”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 79, de 20 de maio de 2003. Ubá-MG. P.05. 285 “Noite cultural para Ary no Horto Florestal”. Edição Especial “Ary é 100 no GR”. Jornal Gazeta Regjornal, de 11.11.2003. Ubá-MG. P. 14.

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5.4.2: Memorial Ary Barroso e Fundação Ormeu Junqueira Botelho – mais

passageiros para o “trem” da patrimonialização em Ubá.

Segundo Françoise Choay, o patrimônio se tornou mercadoria altamente

lucrativa, que oferece os chamados “produtos culturais” prontos para serem

consumidos.286 A autora faz uma crítica ao interesse do capital vinculado ao interesse

preservacionista, principalmente quando as questões relacionadas ao patrimônio acabam

sendo influenciadas pelos interesses de lucro que podem advir desta ou daquela ação

patrimonializadora. Com isso, decisões sobre os bens tomados como patrimônio cultural

acabam priorizando a obtenção de lucros ou a satisfação de interesses individuais, em

detrimento do que seria melhor para o bem cultural em questão, ou seja, as questões

relacionadas ao individual se sobrepõem ao coletivo e ao público. Em Ubá, na reta final

das comemorações pelo centenário de Ary Barroso, a entrada em cena da FOJB pode

ser vista como um elemento que tende a levar a patrimonialização da Estação

Ferroviária para este viés proposto por Choay.

Ao comparar a patrimonialização da Estação Ferroviária com outros processos

discutidos anteriormente, como o da manga, da mangada e do Piano de Ary Barroso, é

possível identificar uma diferença que merece atenção. A análise desses processos de

patrimonialização demonstra esquecimento em relação ao centenário de Ary Barroso,

apesar dos possíveis vínculos, como as memórias em relação à manga e ao piano onde

ele teria sido iniciado no mundo da música. Entretanto, com a Estação Ferroviária, esse

assunto é novamente revisitado, inclusive com interferências sobre o andamento do

processo de tombamento da mesma.

Na reta final do final do “Ano do Centenário”, em novembro de 2003, a

programação pareceu dar ênfase a espetáculos em homenagem ao compositor e suas

canções, mas a grande atração foi a participação da Fundação Ormeu Junqueira Botelho

que, em meio ao burburinho dos shows, protagonizou o retorno às discussões sobre o

Memorial Ary Barroso, um projeto que parecia esquecido pelos agentes do patrimônio

de Ubá. Segundo informações obtidas na página da web da Energisa,287 a FOJB foi

criada em 1987 e passou a funcionar como o braço cultural da antiga CFLCL. De

286 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. 3ªed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. p. 248. 287 Desde o ano de 2007, ENERGISA é a atual denominação da antiga Companhia Força e Luz Cataguases-Leopoldina. Localizada em http://grupoenergisa.com.br/paginas/grupo-energisa/nossa-historia.aspx (Consulta em 04.06.2016).

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acordo com o referido site, a instituição tem atuação na análise técnica e cultural dos

projetos patrocinados pela empresa concessionária de energia elétrica, denominada, na

época, de SCL (Sistema Cataguases Leopoldina), tendo sido responsável pela gestão do

Centro Cultural Humberto Mauro, em Cataguases, da Usina Cultural do Ginásio São

José, em Ubá, e de outros espaços culturais em Minas Gerais, além do Rio de Janeiro e

região Nordeste.

A Fundação também é responsável pela produção de eventos culturais, como o Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa (Cineport), realizado a cada dois anos, em João Pessoa (PB); por projetos de restauração do patrimônio arquitetônico, a exemplo do Museu Chácara Dona Catarina, em Cataguases (MG), e pela implantação de museus e memoriais.288

Importante destacar que, de acordo com a citação acima, a implantação de

museus e memoriais fazia parte da experiência de trabalho da fundação. Com isso, fica

evidente que, ao longo do tempo, a instituição se aprimorou na captação de recursos

para projetos culturais, sendo marcantes as questões relativas à memória de atores

sociais que se fazem presentes nos locais onde a concessionária atua. Essa prática

parece ter sido bastante utilizada como uma espécie de “sistema de trocas”, ou seja, a

exploração do serviço de fornecimento de energia elétrica era compensada com

investimentos na área cultural dos municípios atendidos pela concessionária, mas a

partir de vantagens produzidas pelas leis de incentivo à cultura.

Em Ubá, além da Usina Cultural que funcionava no Ginásio “São José”, a FOJB

também foi responsável pela montagem do espetáculo “É luxo só”, apresentado na

primeira semana do mês de novembro de 2003, próximo ao aniversário de 100 anos do

compositor Ary Barroso. De acordo com a imprensa local, a produção, promoção e

realização foram de responsabilidade da referida fundação, que apresentou o show em

mais quatro cidades da zona da mata: Leopoldina, Manhuaçu, Cataguases e Muriaé. No

município de Ubá esse espetáculo foi gratuito e apresentado na Praça Guido Marlière.

Em outro ponto da cidade, na Praça São Januário, também sob a coordenação da

referida fundação, no mesmo dia 07 de novembro, foi montado um protótipo do que

seria o futuro memorial Ary Barroso.289 Entendo que tais ações demonstram que a

288 Localizada em: http://grupoenergisa.com.br/sustentabilidade/fundacao (Consulta em 11 de julho de 2016). 289 “É luxo só”. Jornal Gazeta Regjornal. Edição Especial “Ary é 100 no GR”, de 11.11.2003. Ubá-MG. P.11.

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fundação tinha intenção de ter sua marca associada à difusão da memória do

compositor, principalmente naquele momento em que se comemorava o “Ano do

Centenário”. Neste sentido, vale ressaltar dois aspectos importantes. Primeiro, a

experiência da FOJB parecia ser a peça que faltava para os agentes do patrimônio

conseguirem a instalação do memorial Ary Barroso, cuja intenção já havia sido

declarada em discursos de memorialistas e também do prefeito Antônio Carlos Jacob

desde o início do “Ano do Centenário”, conforme publicação na imprensa local.290 Em

segundo lugar, a interferência da FOJB não pode ser desvinculada da análise do

processo de patrimonialização da Estação Ferroviária de Ubá, pois ainda falta entender

o que estaria oculto nesta relação.

Reportagem local publicada em abril de 2003 enfatizou a intenção da FOJB em

dar início à montagem do memorial em homenagem ao compositor. A notícia foi

divulgada depois de uma reunião entre a superintendente da entidade, Mônica Botelho,

e o prefeito de Ubá.291 Essa reunião também contou com a presença de dois

conselheiros do CDMPCU, Miguel Gasparoni e Levindo Barros. Segundo consta em ata

de reunião do Conselho realizada no mês de abril de 2002, ambos falaram sobre

intenção da referida fundação em abraçar o memorial. Além disso, disseram também

que a Estação Ferroviária foi o local sugerido para essa montagem.292

Diante dessas informações é possível afirmar que o acervo doado pela Ary

Barroso Produções, através da filha do compositor, acabou parando nas mãos da FOJB,

que procedeu à montagem de um protótipo do futuro memorial. Ao que tudo indica,

esse pré-memorial, formado por uma exposição fotográfica sobre Ary Barroso, foi

montado na Praça São Januário, de frente para a prefeitura de Ubá.293 Assim, a FOCJ

passou a ocupar lugar de destaque no meio cultual da cidade. Essa atuação aponta para

prováveis interesses ligados ao capital, como a associação da logomarca da empresa às

ações culturais em curso no Município, considerada um contrapeso diante da exploração

do serviço de energia elétrica na cidade. Neste caso, temos a iniciativa privada

interferindo sobre o setor público, o que representa a ação movida por interesses

individuais agindo sobre o processo de patrimonialização da Estação Ferroviária. 290 “Revitalização da Estação Ferroviária é de interesse da administração”. Jornal Gazeta Regjonal. Número 64, de 05 de maio de 2002. Ubá-MG. P.13. 291 “Prefeito ACJ recebe visita de Mônica Botelho – Fundação Cultural Ormeu Junqueira Botelho abraça projeto do Memorial Ary Barroso”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 77, de 14.04.2003. Ubá-MG. P.03. 292 ATA, CDMPCU, 05.03.2002. P.21 (frente). Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. 293 “É luxo só”. Jornal Gazeta Regjornal. Edição Especial “Ary é 100 no GR”, de 11.11.2003. Ubá-MG. P.11.

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Para completar esta análise, há outros aspectos a serem discutidos. De acordo

com reportagem divulgada em dezembro de 2003, a prefeitura de Ubá prestou uma

homenagem à presidente da FOJB, Mônica Botelho, considerada responsável pela

captação de recursos da ordem de R$80.000,00, que seriam destinados para a instalação

do futuro memorial Ary Barroso. O valor teria sido captado junto a Lei Estadual de

Incentivo a Cultura de Minas Gerais, através do MCSJ.294 A proposta, segundo o texto

da matéria, era que o memorial incluísse, além do acervo iconográfico (fotos e réplicas

de documentos) o uso de recursos de sonoplastia e também cenográficos, criando

ambientes de época, como réplica de programas de rádio, onde eram realizados os

programas “Calouros do Ary”. Entretanto, segundo depoimento de Mônica Botelho à

referida reportagem, tudo dependia da definição do local permanente para

funcionamento do Memorial. “Agora precisamos definir, junto com a Prefeitura e a

comunidade o melhor local para funcionamento do memorial e que não seja um local

que necessite de muitos investimentos em obras”.295

Vale ressaltar que a FOJB tinha um trabalho em andamento na cidade de Ubá

através da Usina Cultural, que funcionava no Ginásio “São José” e cuja entidade

mantenedora, foi escolhida para figurar como “responsável” pela captação dos recursos

para o memorial. Assim, o trabalho para a montagem do Memorial Ary Barroso parece

ter chegado a um impasse, pois é possível identificar certa disputa entre o MCSJ e os

agentes públicos de Ubá sobre o local para sediar o futuro memorial. Os recursos para a

instalação desse memorial foram obtidos através do MCSJ, onde havia espaço para seu

funcionamento, ao contrário da Estação Ferroviária, que necessitava de reformas,

conforme já foi dito anteriormente; por outro lado, há que se considerar o depoimento

da própria superintendente da FOJB, que destacou a necessidade de local fisicamente

adequado, haja vista a inexistência de verba para este fim. Além disso, é provável que o

MCSJ defendesse que o Ginásio “São José”, onde já funcionava a Usina Cultural

mantida pela Fundação OJB, fosse o local escolhido para a instalação do memorial, o

que daria mais visibilidade àquele patrimônio tombado. Já os agentes públicos, prefeito

e agentes do patrimônio, defendiam que o local ideal para o museu em homenagem ao

compositor fosse a Estação Ferroviária, talvez por vislumbrarem mais argumentos para

294 “Mônica Botelho, da Fundação Cultural Ormeu Junqueira Botelho, recebe homenagem do prefeito de Ubá, ACJ”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 89, de 22.12.2003. Ubá-MG. P.19. 295 “Futuro Memorial Ary Barroso”. Op.Cit. P.19.

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o processo de patrimonialização que se encontrava em andamento e, indiretamente,

cumprirem o objetivo de revitalizar a Praça Guido Marlière.

A iniciativa privada e os interesses ligados ao capital pareciam agir sobre o

desencadeamento de ações voltadas para o patrimônio público em Ubá, não apenas ao

que tange a FOJB, mas também no que diz respeito às motivações do Ginásio “São

José” e de seu mantenedor, o MCSJ, pois, sediar um espaço de memórias relativas ao

compositor Ary Barroso poderia representar possibilidade de obtenção de renda através

da exploração deste atrativo turístico.

Porém, ao fim e ao cabo nenhum dos dois lados venceu essa “queda de braços”,

pois a passagem da fase dos planos para a prática, tratando-se do Memorial de Ary

Barroso, acabou não acontecendo na cidade de Ubá. Em virtude disso, a reforma da

Estação Ferroviária e a consequente revitalização da Praça Guido Marlière também não

se concretizaram, pelo menos naquele momento. Ao que tudo indica, a disputa entre os

diferentes interesses sobre a destinação do “memorial’ provocou um certo desgaste, o

que pode ter contribuído para enfraquecer todos os envolvidos, ou seja, a iniciativa

privada, os agentes políticos e os agentes do patrimônio.

Mas essa “queda de braços” parece não ter sido a única causa para que a

interrupção da instalação do Memorial Ary Barroso. É possível identificar um outro

elemento interferindo no desenrolar dos acontecimentos. Trata-se de uma grande

mudança interna na antiga CFLCL, envolvendo o mercado de ações e a denominação da

empresa. Apesar da conclusão desse processo ter acontecido mais tarde, é provável que

o planejamento para isso já existisse naquele ano de 2003, quando aconteceu a

participação da fundação mantida pela então CFLCL no centenário de Ary Barroso.

Segundo dados fornecidos pela página na web da empresa, em 2007, o SCL concluiu o

Plano de Desverticalização. Com isso, “a Energisa torna-se a holding do SCL e substitui

a Cataguases-Leopoldina na Bolsa. A Energisa aliena a Zona da Mata Geração,

detentora de 11 pequenas centrais hidrelétrica”.296 Essa mudança significou que a

CFLCL, empresa concessionária de energia elétrica em Ubá, responsável pela FOJB e

pelas ações culturais na cidade, foi substituída por uma empresa majoritária, que

passava a controlar suas ações. Ou seja, naquele momento em que se discutia onde

montar o Memorial Ary Barroso, parecia haver problemas estruturais a serem resolvidos

na empresa, o que, possivelmente, contribuiu para que os trabalhos planejados não

296 Localizada em: http://grupoenergisa.com.br/paginas/grupo-energisa/nossa-historia.aspx (Consulta em 11 de julho de 2016). Grifo nosso.

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tivessem força para continuar, principalmente diante do impasse a que se chegou com as

discussões sobre a montagem do memorial acontecer na Estação Ferroviária ou no

Ginásio “São José”.

Além disso, também é possível perceber que o próprio processo de

patrimonialização da Estação Ferroviária sofreu certo impacto, pois parece ter sido

colocado em segundo plano, em detrimento de outras discussões, como o “Ano do

Centenário”. De qualquer forma, o “trem” diminuiu a velocidade, mas não parou. Vale a

pena analisar outros elementos importantes que também fazem parte desse último vagão

que compõe nosso objeto de estudo.

5.5: Criação de Secretaria Municipal de Cultura e sucessão municipal dão

novo impulso à patrimonialização da Estação Ferroviária de Ubá.

Reportagem publicada em outubro de 2003, quando aproximava-se o final das

comemorações pelos 100 anos de Ary Barroso, fala da criação da Secretaria Municipal

de Cultural em Ubá, homologada pelo prefeito Antônio Carlos Jacob em 17 de setembro

de 2003.297 Naquele momento os agentes do patrimônio trabalhavam em prol do ano do

centenário e do processo de tombamento da Estação Ferroviária. Nesse contexto, dar

status de secretaria municipal ao setor cultural do Município significou fortalecer as

ações de patrimonialização em andamento. A atuação dessa pasta no âmbito da

administração municipal começou efetivamente em março de 2004, após

regulamentação da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, quando foram abertas

inscrições para projetos culturais que disputariam o benefício dos recursos.298 Essa lei já

existia desde o ano 2000, mas sem aplicação prática. Por que, então, sua

regulamentação naquele momento? O que estaria por trás dessa iniciativa propulsora da

área cultural na cidade de Ubá?

Importante observar que tal cenário coincidiu com o início da sucessão no

governo municipal em Ubá, quando o caldeirão político ganhou um ingrediente a mais:

a partir daquele pleito eleitoral passaria de 15 para 11 o número de vereadores na

297 “Cultura com status de secretaria”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 85, de 06.10.2003. Ubá-MG. P.03. 298 “Em busca de mecenas”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 91, de 03.03.2004. Ubá-MG. P.11.

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159

Câmara Municipal de Ubá.299 Diante disso e tendo em vista o acirramento da disputa

eleitoral, é possível afirmar que a articulação em torno da patrimonialização do

Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá também pode ter feito parte das

estratégias de discurso que antecederam as eleições municipais de 2004.

Apesar do Decreto Número 4.308, que versa sobre esse tombamento,300 ser de

03 de junho daquele ano, sua homologação só aconteceu um mês depois, em 03 de

julho, justamente na data em que o Município comemorou 147 anos de emancipação

política, em verdadeiro clima de festividade, quando os discursos analisados

demonstraram conotação de paternalismo. O presidente do CDMPC, que também era

candidato a vereador, abriu a solenidade com a seguinte frase: “(...) estamos dando um

presente à cidade no dia de seu aniversário”.301 O então prefeito de Ubá, candidato a

reeleição, dava sinais de que a iniciativa para o memorial ainda fazia parte de seus

planos, pois afirmou ser este tombamento “um passo decisivo no sentido de instalarmos

ali no prédio da Estação o Memorial Ary Barroso”.302

As colocações acima apontam novamente para motivações vinculadas a

interesses pessoais como propulsores da ação patrimonializadora na Estação Ferroviária

de Ubá. Os atores sociais envolvidos nesse tombamento associaram a imagem do artista

Ary Barroso ao trabalho de preservação de um bem cultural, o que pode ser considerado

simplesmente como mecanismo para fortalecer a ideia conservacionista. Entretanto,

quando tal associação é contextualizada ao momento político que o Município de Ubá

viveu no ano em que a Estação foi tombada, acenando para o fato da diminuição do

número de vereadores e o consequente aumento da concorrência entre os candidatos à

Câmara Municipal, é importante pensar nos usos de estratégias de discursos de memória

por parte dos responsáveis por essa patrimonialização, considerando que agentes

políticos também atuavam na função de agentes do patrimônio.

Em Tzvetan Todorov temos que a análise do bom ou do mal-uso da memória se

dá quando seus praticantes asseguram alguns privilégios para si mesmos.303 Dessa

forma, é possível identificar esses “privilégios” nesse momento em Ubá através da ação

299 “E o caldeirão político...”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 92, de 29.03.2004. Ubá-MG. p.17. 300 Decreto Municipal Número 4.308/2004, que dispõe sobre o Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá. Localizada em http://www.uba.mg.gov.br/legislacao (Consulta em 10.05.2016). 301 “Tombado conjunto arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 97, de 02.08.2004. Ubá-MG. p.06. 302 “Tombado conjunto arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá”. Op.Cit. p.06. 303 TODOROV, Tzvetan. La memoria amenazada. Los abusos de la memoria. Barcelona. Paidos: 2000. p.23.

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160

de determinados agentes, interessados em divulgar a imagem de defensores da causa

patrimonial, o que lhes poderia render pautas para campanhas publicitárias e discursos

baseados na defesa dos bens culturais. Além disso, também é possível retornar a

Françoise Choay no que diz respeito à discussão do patrimônio como mercadoria

lucrativa.304 Neste caso, o lucro não seria propriamente monetário, mas subjetivo,

credenciando agentes públicos para concorrer a cargos eletivos no município.

Entretanto, assim como aconteceu na primeira fase da política pública de

patrimônio cultural desenvolvida em Ubá, entre 1996 e 2000, cuja discussão se encontra

no Capítulo 1, é possível perceber que os resultados nesta segunda fase foram

praticamente os mesmos. No que concerne às questões políticas em Ubá, os discursos

de defesa do patrimônio no Município não surtiram o efeito esperado. O ex-presidente

do CDMPCU, Miguel Poggiali Gasparoni, e o ex-prefeito Antônio Carlos Jacob,

identificados como idealizadores e entusiastas da patrimonialização da Estação

Ferroviária de Ubá, não conseguiram votação suficiente para se reelegerem. No final

desta segunda fase da política pública patrimonial em Ubá, entre os de 2001 e 2004,

houve, novamente, o que considero de naufrágio do projeto político associado à defesa

do ideal preservacionista. As duas fases da política pública de patrimônio cultural

praticada em Ubá se diferenciam por características particulares, como a campanha

ufanista na primeira e as patrimonializações na segunda. Mas também se aproximam,

principalmente por que em ambas os agentes condutores associaram as ações

patrimonializantes às campanhas eleitorais. Neste caso, refiro-me às eleições municipais

de 2000 e de 2004.

Por outro lado, a atuação de atores sociais e memorialistas é outro fator que se

destaca durante a análise do processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico da

Estação Ferroviária da Praça Guido Marlière, principalmente quando aparece no Dossiê

de Tombamento a perspectiva de uma memória relacionada aos ex-ferroviários,

indivíduos que fizeram parte da história da estação de trem na cidade de Ubá. Em

reportagem já citada anteriormente,305 consta que o referido Dossiê foi elaborado por

dois conselheiros do CDMPCU, Evandro Doriguetto e Levindo Barros. Além dos

conteúdos de memória já identificados anteriormente, sobre a época de apogeu da Praça

Guido Marlière, antigo centro da cidade de Ubá, cujas referências estão implícitas no 304 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. 3ªed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. p.248. 305 “Tombado conjunto arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá”. Jornal Gazeta Regjornal. Número 97, de 02.08.2004. Ubá-MG. P.06.

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Dossiê, também é possível identificar a preocupação desses agentes do patrimônio com

a história oral narrada pelos ex-ferroviários, ainda vivos naquele período e que

trabalharam na Estação que ora estava sendo patrimonializada, como os senhores

Odilon Carneiro Flores e Gerson Seguetto.306

Estamos ouvindo a proposta de criar o futuro memorial Ary Barroso. Muito bem, mas além dessa ideia muito importante para nossa cidade, também deveriam tentar reunir material que conta a história da Estrada de Ferro: telégrafo, telefone com duas peças, lanternas, gasômetro, relógios, tinteiros, livros. Se conseguisse reunir essas peças poderia tentar montar aqui em Ubá o Museu Ferroviário.307

O depoimento do senhor Gerson Seguetto é uma contribuição para entender um

detalhe que não pode passar despercebido neste estudo sobre a patrimonialização da

Estação Ferroviária de Ubá. A citação acima deixa evidente que havia uma proposta no

Município de se criar um museu ferroviário, objetivando reunir o acervo existente,

provavelmente, no prédio da Estação. Este museu, visto como possibilidade de

resguardar a memória dos ferroviários, parece que não saiu do campo das pretensões e

das promessas, assim como o memorial Ary Barroso, pois não há notícias na imprensa

local de nenhuma referência à instalação deste museu nos meses subsequentes à

assinatura da homologação do decreto de tombamento do Conjunto Arquitetônico da

Estação Ferroviária.

Portanto, assim como aconteceu com o Memorial Ary Barroso, percebe-se,

novamente, que ações vinculadas a esta patrimonialização foram discursos proferidos

por agentes políticos e agentes do patrimônio, cujos objetivos atendiam a interesses de

grupos específicos. Longe do intuito de impor qualquer juízo de valor, é importante

ressaltar que a construção dessas memórias, direta ou indiretamente, serviram como

argumentos para justificar o impulso preservacionista em relação à Estação Ferroviária

de Ubá.

306 DOSSIÊ, Tombamento do Conjunto Arquitetônico da Estação Ferroviária de Ubá. Secretaria Municipal de Cultura de Ubá. Arquivo Histórico da Cidade de Ubá. P.34. 307 DOSSIÊ. Ibidem. Depoimento do ex-ferroviário Gerson Seguetto. P.35.

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Figura 14 – Mapa do Município de Ubá com a localização dos bens culturais cuja

patrimonialização é objeto de análise na presente dissertação.

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CONCLUSÃO

No Município de Ubá, Minas Gerais, as ações consideradas como movimentos

em prol da patrimonialização de bens culturais, realizadas entre 1996 e 2004, estiveram

bastante atreladas a uma política pública de patrimônio cultural que, por sua vez,

vinculou-se a interesses individuais, verdadeiros propulsores dos processos analisados:

Paço Municipal “Governador Ozanam Coelho”, Escola Estadual “cel Camilo Soares”,

Estação Ferroviária e Piano de Ary Barroso, além da manga e da mangada.

Em relação a esse trabalho conservacionista realizado em Ubá, percebi que as

discussões sobre preservação e memória se esgotavam a cada findar de

patrimonialização, somente voltando a ser o centro das atenções quando novo processo

era iniciado, tendo em vista o objetivo de cumprir programação de tombamentos,

traçada pelo CDMPCU durante reunião realizada no mês de maio de 2001. Tal reunião

é considerada um marco na análise desse “impulso patrimonializante”, principalmente

após falecimento da primeira presidente do referido Conselho, quando “tombar” se

tornou uma meta seguida pelos agentes do patrimônio, o que deu origem à denominação

aqui utilizada de “trem” da patrimonialização.

Além disso, em ambas as fases da política pública de patrimônio cultural

realizada na cidade de Ubá (1996 a 2000 e 2001 a 2004) identifiquei diferentes

interesses que motivaram os atores sociais envolvidos no planejamento das ações

analisadas. A respeito da motivação política em nível municipal, considero que os

projetos naufragaram, pois em nenhuma das duas eleições locais que fecham cada um

desses ciclos, ou seja, em 2000 e 2004, houve sucesso dos agentes políticos que

apareceram na mídia como condutores das patrimonializações, tentando associar a ideia

preservacionista às suas imagens. A exceção foi observada no processo de

patrimonialização do prédio da Escola Estadual “cel Camilo Soares”, pois o grupo

político ligado ao governo estadual se beneficiou dos trâmites relacionados à

restauração e tombamento do referido bem, notadamente em relação a determinado

candidato ao governo do Estado, haja vista a expressiva votação que tal candidato

obteve na cidade de Ubá.

Por outro lado, a relação entre o patrimônio cultural e os interesses ligados ao

capital também foram observados ao longo das análises, principalmente no que tange ao

registro da manga e da mangada como patrimônio imaterial e natural, respectivamente.

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O contexto dessa relação está vinculado à FEMUR, uma feira de móveis realizada na

cidade de Ubá. De acordo com análise dos dados referentes à FEMUR do ano 2000, foi

possível perceber um salto quantitativo e qualitativo do setor moveleiro local a partir da

realização desse evento. No mesmo período, intensificam-se as iniciativas do poder

público, agentes do patrimônio e empresários ubaenses no sentido de patrimonializar a

manga e a mangada, justamente quando esses bens culturais são “adotados” como

símbolos culturais de Ubá pela organização da feira de móveis. Nota-se que as

memórias relativas à manga, principalmente a forte utilização da denominação de

manga “Ubá”, fizeram parte dos discursos que acompanharam as ações que deram

forma à referida patrimonialização.

Em relação às memórias sobre Ary Barroso, discussão imprescindível a este

trabalho de pesquisa, é possível observá-las em dois momentos do “trem” da

patrimonialização. No processo de tombamento do Piano em que o compositor

aprendeu os primeiros acordes musicais, observei a ausência de debates a respeito da

relação de Ary com a cidade natal, talvez por serem vistos como ameaça à continuidade

do processo de tombamento, já que envolvem questões polêmicas, principalmente no

cenário político, o que poderia interromper o impulso patrimonializador e obstaculizar

as ações do CDMPCU. Já no processo de tombamento da Estação Ferroviária, o

chamado “Ano do Centenário” propiciou discussão em torno da instalação, nas

dependências do referido imóvel, de um memorial em homenagem a Ary Barroso.

Porém, um impasse entre os agentes do patrimônio e a FCOJ sobre o local de

funcionamento, impediu que a ideia fosse adiante, o que também remete à ideia de

naufrágio, mas desta vez de um projeto cultural.

De acordo com Maria Cecília Londres Fonseca, proteger um patrimônio é uma

problemática que não se reduz à proteção física do bem. Trata-se de um ônus que

também deve ser repassado para a sociedade, sendo necessária uma mudança de

procedimentos, com abertura de espaços para a participação da sociedade no processo

de construção e apropriação de seu patrimônio cultural. Além da burocracia é preciso

envolvimento da comunidade, pois, caso contrário, o tombamento atende apenas a

determinados interesses individuais. É preciso lembrar que as memórias são subjetivas e

que o patrimônio cultural é um dos suportes para que ela seja revisitada. Daí, quando

acontece a descontinuidade do trabalho de envolvimento dos indivíduos, o tombamento

ou o registro podem se tornar inócuos do ponto de vista social.

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Ainda que o trabalho dos agentes do patrimônio seja louvável, pois conseguiu

promover discussões importantes sobre o tema patrimonial na cidade de Ubá, e que não

é meu objetivo no presente trabalho de pesquisa emitir qualquer juízo de valor acerca

das análises realizadas, é importante destacar que o envolvimento da comunidade como

corresponsável pelas formas de preservação, não foi o ponto forte da política pública de

patrimônio cultural desenvolvida no Município de Ubá entre os anos de 1996 e 2004.

Análise das patrimonializações apresentadas na presente dissertação deixa

evidente que as diferentes memórias foram manipuladas por atores sociais (empresários,

agentes políticos e agentes do patrimônio) em Ubá, variando na intensidade e na forma

de acordo com os interesses motivadores e propulsores em cada uma das ações

preservacionistas. Entretanto, após a conclusão dos ritos oficiais de preservação, esses

mesmos agentes deixavam de ser instrumentos de oferta daquelas memórias, como a

página virada de um livro. Possivelmente, um dos motivos para essa conclusão esteja na

quantidade de ações patrimonializantes em curso no Município de Ubá no espaço

temporal pesquisado, o que limitava as possibilidades de ampliação do trabalho de

pesquisa, por parte dos conselheiros do CDMPCU, sobre o bem a ser tombado ou

registrado, além de reduzir a democratização e acesso às decisões dos agentes do

patrimônio.

Portanto, em que pese a atuação de atores sociais preocupados com a

preservação dos bens e das manifestações culturais, o trabalho desenvolvido pela

política pública patrimonial no Município de Ubá, entre 1996 e 2004, de certa forma,

não passou de estratégias de discurso que se voltaram para a apropriação do patrimônio

cultural pelo Estado, cuja consequência é a sua objetificação. Assim, o patrimônio pode

ser reduzido a um objeto nas mãos dos agentes públicos que, na maioria das vezes,

agem movidos por interesses de grupos específicos. Tal situação contribui para erguer

barreiras entre o patrimônio e a sociedade, pois a herança memorial ligada a esses bens

culturais, em vez de vivacidade e dinamismo, apresenta-se de forma engessada e

cristalizada.

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Segunda Parte

Capítulo 1. Produto Final e análise deste

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1.1: Pensar o patrimônio – reflexões e críticas.

As reflexões acerca do patrimônio, não raras vezes, estão vinculadas a questões

como memória e história, incluindo as relações entre ambas. É importante notar que a

própria historiografia, nos dias atuais, apresenta profunda transformação, quando

comparada a épocas anteriores, principalmente em função dos usos que se fizeram da

memória. O retorno da discussão sobre memória ao meio acadêmico é decorrente de

questões que o tempo presente vem colocando ao historiador e à sociedade atual, como

o próprio processo de globalização, mas também a luta empreendida pelos diversos

movimentos sociais, objetivando alargar o conceito de cidadania no interior da

sociedade. Todas essas questões, ou seja, a discussão sobre memória no meio

acadêmico, as lutas sociais e os efeitos da globalização, direta ou indiretamente,

reclamam a questão da identidade, seja ela de minorias, seja do ponto de vista da nação.

Por tudo isso o discurso de memória tende a alcançar tamanho significado nos dias de

hoje, interferindo de forma significativa no campo do patrimônio.

É imprescindível destacar a forma como as sociedades contemporâneas pensam

o patrimônio cultural. Atualmente, parece que ele está muito ligado à presença material

do passado no presente, algo que deve ser trazido tal e qual existiu em épocas

anteriores. Essa visão distorcida acaba sendo utilizada como referência para certos

grupos sociais que se beneficiam de tais memórias, pois representaria uma ideia de

continuidade e sentido para a sua própria existência. Um exemplo disso pode ser

traduzido por determinados núcleos familiares que exercem algum tipo de poder

econômico, social ou político, justamente por possuírem grandes e antigas propriedades,

cujo valor histórico é agregado ao monetário. Utilizando-se da forma como as

sociedades contemporâneas costumam entender o patrimônio, ou seja, a presença

material do passado no presente, esses grupos conseguem estender um determinado

exercício de poder por várias gerações.

Tal realidade costuma produzir manifestações bem tradicionais e pouco

democráticas em relação ao patrimônio, chegando a rotular de vândalos aqueles que

levantam críticas e questionamentos sobre determinados bens considerados passíveis de

preservação. Através do pensamento de Dominique Poulot é possível encontrar

caminhos para analisar essa visão banalizada e “míope” sobre o patrimônio nas

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sociedades atuais. Em muitos casos, as críticas aos processos de patrimonialização se

tornam estigmatizadas, sendo encaradas como sinal de vandalismo.

As ações em favor do patrimônio tornaram-se frequentemente, a vanguarda de uma democratização cultural. Esse triunfo não deixa de implicar riscos para a definição e para o uso reflexivo do termo, aos poucos debilitado e banalizado a ponto de abranger uma multiplicidade de noções e de objetos. [...] A afirmação de um ponto de vista contrário – a eventual recusa da patrimonialização ou sua contestação – é rapidamente estigmatizada, no debate público, com o termo “vândalo”. A emergência de críticas é, por isso mesmo, bastante improvável fora da expressão de divergências sobre a maneira de realizar, nas melhores condições, o tratamento dos monumentos, objetos e sítios.308

O autor faz um alerta para a maneira como a sociedade enxerga o patrimônio na

atualidade, posto como algo cujo valor é inquestionável e, por isso, está alheio a

observações e críticas. Importante notar que muitos debates acerca do patrimônio

cultural giram em torno da discussão sobre quais seriam as melhores práticas de

preservação, os melhores usos, a legislação pertinente e o que deveria ou não ser

tombado. Como afirma Poulot, na sociedade contemporânea, considera-se ato de

vandalismo qualquer atitude de questionamento a essa visão, entendida como um roteiro

“congelado” de propostas para se trabalhar o patrimônio. O debate acerca de ações que

fogem a essa “regra” poderia representar a possibilidade de o patrimônio ser levado a

um palco de discussão, traduzindo-se em várias significações, o que levaria os agentes

públicos a avaliarem seus próprios feitos e as suas consequências. Dessa forma,

tomando o patrimônio como uma relíquia do passado e alheio às possibilidades de

críticas, a necessidade de preservação se torna quase que uma “verdade absoluta”,

inquestionável.

Por outro lado, encarando o patrimônio sob o prisma da história ou da memória,

é possível perceber que, na prática, ele está além das questões físicas e inquestionáveis,

pois é uma construção social, cujo valor é atribuído e não está explícito. A partir daí,

compreende-se que o patrimônio não pode ser um tradutor do passado no presente.

Basta pensar que a demolição de determinadas construções antigas e sua substituição

por outras modernas nem sempre representa algo ruim, pois há que se considerar a

representatividade daquele bem que se pretende demolir para a comunidade onde está

inserido. E mais, o debate que se possibilita ir além da preservação pela preservação,

308POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. p. 201-202.

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também inclui as consequências de uma possível deterioração do imóvel, cujas

consequências podem se traduzir em risco para a população. Não obstante, também é

preciso lembrar que memória nunca é espontânea. Por isso, quando determinado grupo

reivindica o papel da memória para justificar uma preservação, há que se discutir os

interesses existentes por trás dessa escolha.

Portanto, a crítica e o debate devem estar associados ao trabalho de preservação

do patrimônio, pois amplia a noção de cidadania, promove a inclusão em vez da

exclusão. Assim como afirma Maria Cecília Londres Fonseca em “Para além da pedra e

cal” – artigo no qual a autora defende a ideia de que a preservação real, ou seja, para

além das questões físicas, não acontece sem a participação efetiva da comunidade.309

Isso quer dizer a sociedade não pode ser apenas receptora da política patrimonial, mas

deve participar como mais um agente na condução dos processos de patrimonialização.

Entretanto, vale ressaltar que não tenho a intenção de esvaziar o sentido do

patrimônio e sua importância para as sociedades, muito menos desconsiderar o trabalho

daqueles que defendem sua preservação, ainda que passível de críticas, pois, as questões

relativas à memória e à identidade dos grupos acabaram se tornando práticas de

relevância para o mundo ocidental nos últimos anos. Tal sentido não pode ser

desconsiderado, uma vez que foi a base para a formação de novos pensamentos e

propostas para o campo do patrimônio. Assim, justifica-se uma retomada do papel de

observação desses trabalhos em curso, objetivando subsidiar debates que possibilitem

uma preservação questionável e, por isso, consciente.

A partir de uma visão somatória entre os diversos pensamentos acerca das

realidades preservacionistas, é importante destacar a contribuição do historiador, que

utiliza do seu trabalho para ampliar a concepção e o entendimento sobre esse assunto.

Tomar o patrimônio como objeto de análise é incentivar a busca pela descoberta do seu

papel social no mundo, alterando o campo de visão em que costumamos enxergá-lo,

através de lupas mais poderosas, capazes de promover a sua compreensão de forma

mais abrangente, que consegue enxergar para além dos interesses pessoais de

preservação.

Diante da proposta de elaboração e análise de críticas sobre a construção das

políticas públicas de patrimônio cultural, mas também considerando a possibilidade de

309FONSECA, Maria Cecília Londres. “Para além da pedra e cal”. In: ABREU, Regina & CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e Patrimônio. Ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A Editora/FAPERJ/UNIRIO, 2003. p.67.

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interpretação dos discursos de memória, sem perder de vista o trabalho do historiador e

a participação ativa da comunidade, apresento como Produto Final no Curso de

Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagem e Cidadania a realização do

“Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”, bem como seu desdobramento – o

projeto pedagógico “Educação e Patrimônio”.

1.2: Repensar o patrimônio – o processo de elaboração do “Encontro

Microrregional Patrimônio e Paisagem”.

O “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem” nasceu da ideia de realizar

em Ubá, Minas Gerais, um evento para incentivar a discussão sobre as novas e

diferentes visões acerca do patrimônio cultural. A proposta foi formalizada a partir da

reunião de três alunos da turma de 2015 do Mestrado Profissional em Patrimônio

Cultural, Paisagem e Cidadania da UFV: Ana Carolina Santos e Silva, Anderson

Moreira Vieira e Leonardo Augusto Almeida, tendo em vista o fato dos três morarem

nessa mesma cidade e perceberem a necessidade de ampliar esse campo de discussão,

tanto em Ubá quanto na microrregião que circunda o Município.

As primeiras elaborações sobre a realização do evento começaram ainda no ano

de 2015, quando os mestrandos acima citados cursavam as disciplinas do primeiro

semestre do referido Mestrado. Naquele momento, houve a apresentação da ideia para a

coordenação do curso, na pessoa do Prof.Dr. Jonas Queiroz, que autorizou verbalmente

a prosseguir com o planejamento, assim como a Profª. Drª. Karla Martins, que ministrou

a disciplina Metodologia do Trabalho Científico, para a qual era necessária a

apresentação de uma proposta de produto final como parte da avaliação da disciplina.

Além desses, os respectivos orientadores dos mestrandos também foram informados do

trabalho que se planejava realizar.

A partir daí iniciaram-se as reuniões para planejamento geral por parte da equipe

organizadora, formada pelos mestrandos Ana Carolina, Anderson e Leonardo, entre os

meses de agosto e outubro de 2015. Esse diálogo entre os três alunos, ao longo daquele

semestre, possibilitou um formato para o “encontro”, incluindo as propostas a serem

apresentadas e o número médio de participantes, além da determinação de um

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calendário de reuniões periódicas que aconteceriam a partir do início do ano de 2016, a

fim de definir as ações mais específicas para a realização do evento.

Importante ressaltar que o formato pensado pela comissão organizadora, ou seja,

apresentação dos temas através de mesas redondas, objetivou tornar o evento mais

dinâmico. A intenção foi fazer com que as dez horas de programação se constituíssem

em momentos prazerosos e propícios ao debate, em vez de um tempo enfadonho em que

apenas uma palestra ocupa grande parte do dia e pouco contribui para o aprendizado do

público presente.

As reuniões periódicas tiveram início em março de 2016 e, de forma quinzenal,

estenderam-se até o mês de julho, totalizando doze reuniões. Naquele primeiro mês

aconteceram reuniões nos dias 04 e 18, quando a equipe organizadora iniciou o

planejamento específico. Discutiu-se uma possível lista de convidados para participação

como palestrantes no Encontro, mas também alguns temas que estes poderiam abordar;

além disso, as possibilidades de data para realização, horários a serem seguidos e local

para melhor acomodação do público participante. Nas reuniões do mês de abril,

realizadas nos dias 08 e 22, definiu-se data, horários e local para o “Encontro

Microrregional Patrimônio e Paisagem”.

Entre os meses de maio e junho aconteceram mais quatro reuniões, cujo

planejamento incluiu a elaboração do convite para participação no evento e definição

das entidades de Ubá e da microrregião que seriam convidadas, como Câmaras

Municipais, Conselhos Municipais do Patrimônio, Organizações Não Governamentais,

instituições ligadas à cultura e ao desenvolvimento social, entre outras. Além disso,

também aconteceu a definição final dos temas que seriam abordados durante o

“encontro” e o encaminhamento dos convites para os palestrantes, não só de Ubá, mas

também de outras cidades, como Viçosa, Ponte Nova e Rio de Janeiro. Decidiu-se

também que o evento teria uma palestra de abertura sobre o Mestrado Profissional em

Patrimônio, Paisagens e Cidadania da UFV, e mais quatro mesas redondas, reunindo

mestrandos e professores.

Em relação às reuniões do mês de junho, realizadas nos dias 03 e 17, discutiu-se

sobre questões de natureza prática para a realização desse evento apresentado à UFV

como produto final do Mestrado: logística para recepção dos convidados e do público,

café durante os intervalos da manhã e da tarde, mecanismos de sonorização, elaboração

do layout do evento e do certificado de participação. A respeito do layout vale ressaltar

que foi imprescindível a participação do estudante de Arquitetura do CES de Juiz de

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Fora, Pedro Henrique Santos e Silva, que contribuiu de forma gratuita neste trabalho,

cedendo a arte para divulgação do “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”.

Em julho de 2016, quando se aproximava a data prevista para a realização do

evento, foram realizadas mais quatro reuniões de planejamento, que aconteceram nos

dias 01, 08, 15 e 21. Nesse período, foram impressos dois banners com o layout do

“Encontro”, sendo que um deles ficaria na entrada do auditório e o outro ao lado dos

palestrantes, na frente do público participante. Também ocorreu a montagem das pastas

a serem distribuídas aos convidados e participantes, as quais continham caneta, bloco de

anotações e programação para o dia do evento.

Ressalta-se que tanto o certificado de participação e as pastas, contendo bloco de

papel para anotações, caneta e programação do “Encontro”, foram contribuições obtidas

através de parceria com a Universidade Federal de Viçosa. Outra parceria, mas em Ubá,

deu-se com a Superintendência Regional de Ensino, então dirigida pelo professor

Edmar Pereira Lopes, que patrocinou o lanche para ser oferecido aos participantes e

convidados durante os dois intervalos do evento. Além disso, houve o empréstimo de

uma exposição de fotografias denominada “Ubá Antigo” – cerca de vinte fotos que

fizeram parte da decoração do auditório. A exposição pertence ao memorialista Miguel

Arcanjo Batista, que gentilmente cedeu o material.

No dia anterior ao “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”, em 21 de

julho de 2016, coube à equipe organizadora, formada pelos mestrandos alunos do

Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagem e Cidadania da UFV, Ana

Carolina Santos e Silva, Anderson Moreira Vieira e Leonardo Augusto Almeida, a

checagem final dos preparativos para o evento do dia seguinte: montagem e teste da

sonorização, decoração do local, assim como a recepção e a confraternização com os

palestrantes, incluindo os próprios alunos da equipe organizadora, mas também a

mestranda Aline Ribeiro, da cidade de Ponte Nova e o Prof.Dr. Leonardo Civale, da

cidade do Rio de Janeiro.

1.3: “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem” – uma

programação que oportunizou o debate sobre o campo do patrimônio.

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A programação pertinente ao “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”

abordou diferentes pontos de vista sobre as questões relacionadas ao patrimônio

cultural, principalmente por que o objetivo geral era justamente desencadear discussão a

respeito das práticas patrimoniais, tendo como ponto de partida a reflexão sobre as

experiências dos pesquisadores que foram convidados a expor seus trabalhos de

pesquisa, concluídos ou ainda por concluir.

A seguir, apresenta-se a Ementa elaborada por o curso, que traz as informações a

seu respeito:

Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem

O “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem” pretende discutir questões

relacionadas ao patrimônio cultural na atualidade e sua relação com o cotidiano, através

da problematização de conceitos como história, memória, patrimônio, identidade e

paisagem. O objetivo é possibilitar que os participantes, principalmente agentes

culturais e estudantes, reflitam sobre as práticas patrimoniais em suas respectivas

cidades, oportunizando um debate sobre as políticas públicas para esta área que

raramente é privilegiado durante os processos de patrimonialização. O evento será

realizado na cidade de Ubá, Minas Gerais, no dia 22 de julho de 2016, sexta-feira, no

auditório do Colégio Sagrado (Praça São Januário, centro), a partir das 8 horas da

manhã até as 18 horas, totalizando 10 horas de programação. Os certificados de

participação serão emitidos pela Universidade Federal de Viçosa.

Programação:

08horas – Cerimônia de Apresentação do Evento

08h15min – Palestra de Abertura

“O Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania da

Universidade Federal de Viçosa”

Prof. Dr. Jonas Queiroz (UFV) e Prof. Dr. Leonardo Civale (UFV)

09h30min – Mesa Redonda 1

Mestranda Aline Ribeiro – “Patrimônio Documental: a experiência da Casa Setecentista

de Mariana”.

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Mestrando Leonardo Almeida – “Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural:

implementação, expansão, desafios e oportunidades”.

10h30min – Intervalo para café

10h45min – Mesa Redonda 2

Mestrando Anderson Moreira Vieira – “Estudo de caso sobre as patrimonializações

feitas em Ubá entre 2001 e 2004 – políticas públicas, patrimônio e memória”.

Prof. MsC. Flávio Teixeira – “Sobre as terras de São Sebastião: a Freguesia do Anta nos

sertões do leste oitocentista”.

12h00min – Intervalo para almoço

13h30min – Apresentação Artística

14h00min – Mesa Redonda 3

Prof. Dr. Wagner Barbosa (UFV) – “Cartografia e atlas digitais: Atlas dos Bens

tombados em Minas Gerais pelo IPHAN”.

Mestranda Ana Carolina Santos e Silva – “Um estudo sobre da paisagem cultural de

Ubá, em Minas Gerais, à luz das Toponímias”.

15h30min – Intervalo para café

15h45min – Mesa Redonda 4

Profª. Drª Vanessa Lana (UFV) – “A Manchester mineira como nova capital do Estado:

olhares sob a paisagem de juiz-forana em fins do século XIX”.

Prof. MsC. Wagner Candian – “Patrimônio da casa: um estudo sobre o Maestro João

Ernesto”.

17h00min – “Troca de Saberes” e propostas de trabalho em rede.

18h00 – Cerimônia de Encerramento.

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175

Figura 15: Cartaz - material de divulgação do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagens

1.3.1: “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”– discussões e

propostas apresentadas.

A palestra de abertura do “Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”,

intitulada “O Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania-

UFV”, foi proferida pelo Prof. Dr. Leonardo Civale, pois o Prof. Dr. Jonas Marçal

Queiroz, em função de compromissos assumidos anteriormente, justificou sua ausência.

Durante quase uma hora o professor Leonardo discorreu sobre a importância de uma

pós-graduação Strictu Sensu direcionada para o debate acerca do patrimônio,

considerando os diversos autores que discutem as questões relacionadas à identidade,

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memória e história. O professor ressaltou que a procura por esse curso da UFV tem

crescido bastante nos últimos anos, o que fez aumentar a demanda de vagas para novos

alunos. Segundo ele, isso pode ser reflexo de um fenômeno mundial que nos leva a ver

os atos preservacionistas como mais importantes que a sua destruição. O Prof. Dr.

Leonardo Civale também levantou o debate acerca das políticas patrimonializadoras,

argumentando que preservar os vestígios do passado é importante, mas entender o

contexto destes vestígios é ainda mais essencial. Caso contrário, seria a memória pela

memória, e não a história ou as discussões que podem advir desse debate. Seguindo essa

corrente de pensamento, o professor discorreu sobre a ampliação do conceito de

patrimônio no mundo atual, que está muito relacionada ao fortalecimento das

identidades. Isso, por sua vez, está vinculado ao fenômeno da globalização, ou seja, ao

mesmo tempo que a globalização impõe a homogeneidade, há uma resposta contrária de

uma sociedade que procurar sua identidade.

Figura 16: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Prof. Dr. Leonardo

Civale.

Importante ressaltar que o Professor Doutor Leonardo Civale, além de integrar a

equipe docente do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e

Cidadania da UFV, também é autor do artigo “Sobre luzes e Sombras: A revitalização

da Praça XV de Novembro no centro histórico da cidade do Rio de Janeiro e o papel da

paisagem urbana como patrimônio cultural (1982-2012)”, publicado nos Anais do 3º

Colóquio Íbero-Americano “Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto: desafios e

perspectivas”, realizado na cidade de Belo Horizonte em setembro de 2014. O referido

artigo serviu como fonte de pesquisa bibliográfica à presente dissertação, justamente por

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abordar questões intimamente ligadas ao meu objeto de estudo, pois deixa claro que a

opção dos agentes do patrimônio por patrimonializar determinados bens culturais em

detrimento de outros, na verdade, é resultado de escolhas que se fazem de acordo com

os interesses daqueles que estão no exercício do poder. Neste sentido, o texto de Civale

contribuiu significativamente para ampliar meus horizontes de pesquisa e compreensão

da realidade estudada no Município de Ubá. Além de representar o programa de pós-

graduação em patrimônio cultural da UFV, foi também por isso que seu nome foi um

dos principais palestrantes do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem.

Logo após a apresentação do Professor Doutor Leonardo Civale, aconteceu a

primeira mesa redonda, com participação dos mestrandos Aline Ribeiro e Leonardo

Almeida, a programação se voltou para assuntos mais específicos em relação ao

patrimônio cultural. Ambos falaram como alunos do Curso de Mestrado Profissional em

Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania da UFV, sendo que Leonardo Almeida

também esteve como um dos integrantes da comissão organizadora desse Encontro.

Através do tema “Patrimônio Documental: a experiência da Casa Setecentista de

Mariana” a mestranda Aline discorreu sobre seu trabalho de pesquisa nesse arquivo

histórico das Minas Gerais, que não está somente voltado para a descoberta de

documentos ainda pouco divulgados, mas também para a compreensão do papel dos

arquivos e dos documentos na construção da ideia de patrimônio cultural.

A participação da mestranda Aline contribuiu para desmitificar a ideia do

patrimônio “pedra e cal”, ou seja, a compreensão literal de que apenas os bens imóveis e

antigos é que são considerados passíveis de preservação. O relato da sua experiência na

pesquisa realizada na Casa Setecentista de Mariana serviu como divulgação da

importância do patrimônio documental, bem como da sua preservação como fator

preponderante para o conhecimento e reinterpretação do passado, principalmente pelas

futuras gerações. Afinal, manter o documento histórico preservado é garantir a

possibilidade de novas escritas historiográficas e, assim, a continuidade do trabalho de

crítica dos historiadores.

O mestrando Leonardo Almeida apresentou trabalho de pesquisa a respeito de

“Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural: implementação, expansão, desafios e

oportunidades”, cuja discussão envolve a formação do Conselho do Patrimônio Cultural

de Ubá e seus principais desafios, tendo como ponto de partida a Constituição Federal

de 1988, que regulamentou o funcionamento desses órgãos representativos da

sociedade.

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Figura 17: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Leonardo Augusto

Almeida e Aline Ribeiro.

A discussão proposta pelo mestrando Leonardo constitui substancial argumento

para repensar a política pública local para o patrimônio cultural, pois abre um campo de

discussão que os projetos de educação patrimonial pouco ou nada abordam, ou seja, de

que forma os conselhos de patrimônio são formados? Quem são as pessoas que se

encarregam de “defender” o patrimônio? Quais são as posições que esses agentes

ocupam na sociedade e que camadas sociais eles representam? Tudo isso interfere

diretamente na política pública que qualquer Município venha a desenvolver em relação

à preservação patrimonial. Esse viés do conhecimento possibilita pensar sobre as

patrimonializações feitas na cidade e, com isso, abrir discussão a respeito dos interesses

individuais de determinado grupo. Também é importante para refletir se tais interesses

interferiram nos processos de preservação, o que oferece condições de entender a

realidade local de forma mais profunda e crítica.

Após a participação dos mestrandos Aline e Leonardo houve um intervalo de

aproximadamente 15 minutos. Logo após aconteceu a segunda mesa redonda, que

reuniu o mestrando Anderson Moreira Vieira, integrante da comissão organizadora do

“Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem”, quando foi apresentado parte do

projeto de pesquisa que analisa processos de patrimonialização realizados em Ubá. Em

seguida, o Prof. MsC. Flávio Teixeira discorreu acerca de sua pesquisa: “Sobre as

Terras de São Sebastião: a Freguesia do Anta nos sertões do leste oitocentista”.

Ao apresentar o tema “Estudo de caso sobre as patrimonializações feitas em Ubá

entre 2001 e 2004 – políticas públicas, patrimônio e memória”, o mestrando Anderson

Moreira informou que se tratava de uma parte da pesquisa que ainda estava em curso,

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pois naquela oportunidade o tempo de apresentação não seria suficiente para discorrer

sobre todo o período por ele pesquisado, ou seja, 1996 a 2004. O acadêmico destacou

fatos e versões que não foram divulgados quando da realização das ações

patrimonializadoras na cidade, como a influência da FEMUR 2000 no registro da

manga e da mangada e, também, a influência do centenário do compositor Ary Barroso,

bem como os usos de suas memórias, no tombamento da Estação Ferroviária da Praça

Guido Marlière. Tais questões vão ao encontro das possibilidades de críticas e debates

sobre as formas de compreender e entender o patrimônio cultural, cuja discussão esteve

presente no início deste capítulo.

Assim como os outros dois temas já apresentados na primeira mesa redonda, a

abordagem da análise crítica de processos conservacionistas também pode contribuir

sobremaneira para a discussão da realidade local, principalmente por que envolve

pesquisas que revelam a escrita além da escrita, isto é, informações que não foram

divulgadas em jornais e que não estão claramente expostas nos materiais oficiais

produzidos pelo poder público, como os dossiês de tombamento e de registro e as atas

do Conselho do Patrimônio Cultural. Desta forma, a proposta do Encontro

Microrregional Patrimônio e Paisagem de abrir discussão sobre o campo do patrimônio,

mas com os olhos voltados para o nosso “umbigo”, encontra força e propulsão a partir

dessas análises.

Figura 18: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Anderson Moreira Vieira.

A discussão proposta pelo Prof. MsC. Flávio Teixeira corrobora com o objetivo

do evento à medida que amplia o debate acerca do patrimônio para outras localidades,

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ainda que sua pesquisa esteja mais vinculada ao século XVIII. Porém, ao tratar da

formação daquela região conhecida como “Freguesia do Anta”, o texto também

apresenta elementos bastante propícios ao debate sobre memória, principalmente por

que inclui os aspectos formadores de uma localidade. Assim, quando se discute as

formas que contribuíram a formação e constituição de determinada população, entram

em cena questões como identidade e exercício do poder, condições que não se

distanciam da discussão sobre as patrimônio cultural e herança memorial.

1.3.2: Diferentes abordagens e uma mesma reflexão: as interferências do

Patrimônio na vida da população e vice-versa.

Concluídas as apresentações da primeira etapa do Encontro Microrregional

Patrimônio e Paisagem, na parte da manhã, os convidados e participantes tiveram cerca

de noventa minutos para o almoço, retornando por volta das 13h e 30 minutos. Ao

retornar, o público presente foi recebido com uma apresentação artística instrumental de

teclado e violão, gentilmente cedida pelo Conservatório Estadual de Música Professor

Theodolindo José Soares.

Figura 19: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Wagner Candian e Júnior

Martins.

De acordo com programação constante na Ementa do Encontro Microrregional

Patrimônio e Paisagem, no retorno dos participantes para a segunda etapa do evento,

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logo após o intervalo para almoço, estava prevista a participação do Prof. Dr. Wagner

Barbosa (UFV) que apresentaria o tema “Cartografia e atlas digitais: Atlas dos Bens

Tombados em Minas Gerais pelo IPHAN”. Entretanto, em função de compromissos

assumidos anteriormente, ele justificou ausência e a palestra, por ação da comissão

organizadora, foi substituída. Neste sentido, a mesa redonda que seria composta pela

mestranda Ana Carolina Santos e Silva e pelo Prof. Dr. Wagner Barbosa (UFV) sofreu

uma alteração, pois o referido professor foi substituído pelo M.Sc. Inácio Andrade

Silva. A mestranda, que também integrou a comissão organizadora do evento, fez uma

apresentação baseada em “Um estudo da paisagem cultural da cidade de Ubá, em Minas

Gerais, à luz das Toponímias”, onde abordou a discussão acerca da relação entre os

nomes dos lugares e das ruas com a formação cultural, social e política da população.

Tal abordagem tem significativa importância para a ampliação da discussão

sobre patrimônio cultural no Município de Ubá, pois possibilita retornar às memórias

que originaram a denominação de logradouros na cidade. Através desse retorno é

possível identificar características do exercício do poder local nos momentos em que

essas toponímias passaram a existir, ou seja, os nomes escolhidos atendiam à satisfação

de quais interesses? O perfil das escolhas estaria mais voltado para colocar em

evidência alguma etnia? Neste caso, os representantes de determinadas camadas sociais

que não foram eleitas para denominar logradouros acabam sendo excluídos desse

exercício de poder. Tudo isso diz respeito aos usos de memória e, consequentemente, as

possibilidades de manipulação e construção de argumentos para justificar tais escolhas

ou exclusões. Através da compreensão dessa prática, é possível construir uma ponte

entre as toponímias e o patrimônio cultural, pois a memória acaba sendo manipulada

pelos agentes públicos, tanto em processos de patrimonialização, quanto em ações que

desembocam na nomenclatura de logradouros. As semelhanças entre ambos os

processos é uma justificativa para que esse tema fosse apresentado no Encontro

Microrregional Patrimônio e Paisagem.

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Figura 20: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: Ana Carolina

Santos e Silva.

Em seguida, o tema apresentado na terceira mesa redonda, conjuntamente com a

questão das toponímias, foi “Patrimonialização Alimentar: o saber fazer doces

artesanais no distrito de São Bartolomeu (Ouro Preto, Minas Gerais)”, quando o

convidado Inácio Andrade Silva colocou em debate as questões relacionadas à memória

gustativa, as formas de fazer e a discussão em torno do registro do patrimônio imaterial.

O assunto pode ser abordado de várias formas e sob vários pontos de vista, mas em

acordo com os objetivos do evento, penso ser importante associar o “saber fazer” doces

de São Bartolomeu com a questão discutida na presente dissertação, notadamente a

questão da patrimonialização da mangada, em Ubá, ainda que a pesquisa realizada pelo

palestrante não tenha caminhado no sentido de uma análise crítica da realidade

estudada, como aconteceu com o estudo sobre a mangada. O tema apresentado pelo

M.Sc. Inácio Andrade Silva propõe discussão acerca do patrimônio imaterial e sua

importância na vida de moradores de um distrito de Ouro Preto. Porém, está

intimamente ligado ao processo que patrimonializou a mangada, em Ubá, justamente

por trazer à tona questões que envolvem a apropriação de um bem cultural pelo Estado.

Em ambos, os processos visaram a patrimonialização de doces, ou seja, formas de

apropriação de um conhecimento. Com isso, é possível identificar noções de

singularidade em relação às memórias utilizadas nos referidos processos de preservação,

o que denota ação de agentes públicos interferindo na relação entre o patrimônio

cultural e a comunidade.

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Logo após as participações acima e depois de um breve intervalo, aconteceu a

quarta e última mesa redonda do evento, composta pela Profª. Drª. Vanessa Lana, da

UFV, e pelo mestrando Wagner Candian. Ressalta-se que na ocasião, ou seja, julho de

2016, Wagner Candian ainda não havia defendido sua dissertação de mestrado. A

respeito dos trabalhos apresentados nesta mesa redonda, a professora fez uma

abordagem significativa sobre “A Manchester mineira como nova capital do Estado:

olhares sob a paisagem juiz-forana em fins do século XIX”, discutindo as pretensões do

Município em se tornar a capital de Minas Gerais, as ações da Sociedade de Medicina

para atingir esta meta e o crescimento econômico da cidade no final do XIX.

Importante ressaltar que a Prof.ª Dr.ª Vanessa Lana faz parte do corpo docente

do Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania da

Universidade Federal de Viçosa. Entretanto, o convite para a participação da referida

professora no Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem se deve também ao fato

de que sua área de pesquisa – a História da Ciência no Brasil – pode ser mais uma

ferramenta a ser utilizada para ampliar a discussão sobre patrimônio cultural.

Inicialmente são áreas que demonstram pouco aspectos em comum. Porém, ao discutir

sobre as ações da Sociedade de Medicina da cidade de Juiz de Fora, principalmente

quando esta passa a agir no intuito de levar o título de capital do Estado para o

Município juiz-forano, é possível encontrar nuances e aspectos bastante característicos

das discussões acerca dos usos da memória. Percebe-se um esforço para arquitetar e

construir determinada visão da cidade, a qual deveria sustentar a nova capital de Minas

Gerais. Apesar desse esforço não ter o resultado esperado, pois a nova capital foi levada

para outra região do Estado, as realizações da Sociedade de Medicina se tornaram

marcos indeléveis na paisagem cultural de Juiz de Fora, o que pode ser levado para o

campo do patrimônio cultural, pois além dos discursos produzidos com os conteúdos de

memória que interessavam aos condutores dessa política, há os resquícios físicos e

materiais de tal empreitada.

O então mestrando Wagner Candian, durante sua exposição, fez um esboço da

sua dissertação de mestrado – “Patrimônio da casa: um estudo sobre o Maestro João

Ernesto” – que versa sobre a vida e a obra de um músico que viveu em Ubá no início do

século XX e enfrentou os desafios de ser negro e espírita numa época nem diferente de

hoje em dia. A discussão proposta pelo palestrante Wagner no Encontro Microrregional

Patrimônio e Paisagem também vai ao encontro dos objetivos de ampliar o debate sobre

patrimônio cultural, pois trouxe para o campo de análises uma natureza patrimonial

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pouco discutida – o patrimônio musical. A referida pesquisa se dedicou a estudar as

obras do compositor João Ernesto, o que levou o pesquisador a descobrir partituras

inéditas, as quais ele incluiu em sua dissertação de mestrado. Entretanto, o pesquisador

deixou claro que os resultados do trabalho vão um pouco além, pois, ao estudar

questões relativas aos aspectos musicais do maestro, ele acabou conhecendo um pouco

da história e da memória que, conjuntamente, fizeram parte da época em que João

Ernesto viveu na cidade de Ubá.

Além disso, outro aspecto que justifica a inclusão desse assunto no Encontro e,

principalmente, no presente texto, é o fato de que o referido maestro fez parte dos

primeiros anos de existência da Corporação Musical e Cultural “22 de Maio” (fundada

em 1898), a qual integra parte das análises apresentadas nesta dissertação,

especificamente no Capítulo 1, item 1.3.1 (Centenário da Banda “22 de Maio” – luz e

sombra na política pública de patrimônio cultural da cidade de Ubá”.

Figura 21: Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. Detalhe: público participante do

evento.

O encerramento do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem se deu com

o momento da “Troca de Saberes” e com a proposta do trabalho em rede, espaços em

que o público presente teve a oportunidade de discutir, perguntar e debater a respeito

dos temas apresentados durante as mesas redondas. Essa metodologia possibilitou aos

palestrantes retomarem questões importantes e argumentos que não ficaram muito

claros durante suas respectivas falas. Além disso, as perguntas e questionamentos

também foram amadurecidos por aqueles que usaram da palavra, pois o momento foi de

perguntas e troca de informações.

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Três intervenções chamaram a atenção pelos assuntos que trouxeram para o

campo do debate. O maestro Marum Alexander, presidente da Academia Ubaense de

Letras, parabenizou à comissão organizadora do evento e lembrou que ele próprio

compôs o “Hino de Ubá”, na década de 1960 – uma música que, segundo ele, deveria

ser mais lembrada pelo poder público quando da abertura de eventos oficiais, pois sua

execução, juntamente com a composição de Ary Barroso “Aquarela do Brasil”, é uma

exigência de legislação municipal. Durante sua intervenção, o maestro Marum também

colocou os serviços da AULE à disposição dos participantes do Encontro, o que muito

pode contribuir para ampliar o debate acerca do patrimônio cultural, pois a entidade

possui um rico acervo literário e vasto material de pesquisa.

Outra intervenção bastante significativa aconteceu através da Professora M.Sc.

Walkiria Maria de Freitas Martins, que expôs sua experiência como pesquisadora das

políticas públicas patrimoniais no vizinho Município de Viçosa. De acordo com a

participação da professora foi possível perceber que as políticas públicas de patrimônio,

ainda que realizadas em diferentes regiões e por diferentes atores, de um modo geral se

aproximam, seja pelas estratégias de discurso que os agentes públicos utilizam, seja pela

apropriação que acontece quando o processo de preservação é liderado pelo Estado, ou

seja, quando a patrimonialização assume caráter de política pública.

A terceira intervenção da “Troca de Saberes”, a qual incluo na presente análise,

aconteceu através do jornalista Levindo Barros, ex-conselheiro do CDMPCU que expôs

a ideia de se formar uma rede de contatos, interligando, pela internet, todos os

participantes do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem. De acordo com o

jornalista o objetivo da proposta seria dar continuidade à troca informações e

conhecimentos, de forma a garantir que a discussão não fosse interrompida naquele

momento em que o evento se encerrava.

Em relação ao público presente no “Encontro Microrregional Patrimônio e

Paisagem”, considera-se que chegou a um total considerável, em que pese o evento ter

acontecido numa sexta-feira, durante o recesso escolar. Foram cerca de 60 pessoas, não

só de Ubá, mas de várias cidades da região, o que demonstra interesse e, ao mesmo

tempo, preocupação desses agentes com a condução da política pública de patrimônio

cultural em seus respectivos municípios.

A comissão organizadora do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem

voltou a se reunir no dia 28 de julho de 2016 para uma avaliação geral do evento.

Depois de apontar as questões positivas e negativas os mestrandos chegaram à

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conclusão de que era necessário dar prosseguimento aos trabalhos e levar a discussão

sobre o patrimônio para o ambiente escolar, considerado um verdadeiro palco da

aprendizagem e da formação de conhecimentos. Apesar de considerarem como positiva

a avaliação do Encontro, essa necessidade se deu em virtude da ausência de certos

setores ao evento, principalmente os representantes da educação. É possível que essa

ausência tenha sido motivada pelo período de recesso escolar do final do mês de julho,

data que coincidiu com a realização do Encontro Patrimônio e Paisagem.

Diante do exposto, esclareço que meu produto final, apresentado ao Mestrado

Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania, não se restringiu à

organização e participação no evento acima descrito. Uma outra etapa, entendida aqui

como desdobramento do “Encontro”, nasceu a partir das considerações de que era

necessário expandir a discussão para o ambiente escolar, palco privilegiado da

aprendizagem. Dessa forma, surgiu a iniciativa de elaboração de um projeto pedagógico

que unisse educação e patrimônio cultural, a ser oferecido à comunidade escolar do

Município de Ubá, de forma a integrar alunos e professores nesse campo de debate. O

referido projeto, denominado “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação”,

tem foco especial na capacitação de professores da Rede Municipal de Ensino,

principalmente aqueles que atuam do quinto ao oitavo ano do Ensino Fundamental. Os

estudantes dessa faixa etária são crianças e adolescentes que, por razões diversas, já

identificam locais da cidade e conhecem áreas onde se localizam imóveis que possuem

estrutura arquitetônica diferenciada. Esse conhecimento pode facilitar o diálogo entre

alunos e professores, encurtando a distância entre a educação patrimonial e o público

discente.

Figura 22: Fotografia que integra exposição “Ubá Antigo”, cedida pelo memorialista Miguel Arcanjo. À esquerda, a antiga rodoviária de Ubá, na Praça Guido Marlière (década de 1950).

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Capítulo 2: Desdobramentos do produto final – Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação”.

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A proposta de estender a discussão sobre o patrimônio para a comunidade

escolar de Ubá, pauta-se no pensamento de autores que pensam na relação entre os usos

da memória e o patrimônio cultural, o que contribui no direcionamento do presente

trabalho para a ampliação do debate acerca das patrimonializações feitas no Município,

em vez de tentar reafirmá-las ou procurar justificativas para as mesmas. Importante

lembrar que quando se fala em patrimônio, ainda que indiretamente, também se fala em

memória e, principalmente, as suas diversas possibilidades de utilização por parte das

instituições e grupos locais, o que nem sempre acontece de forma positiva,

especialmente quando sua inclusão nos discursos assume caráter de construção ou

manipulação. Importante ressaltar que muitas das considerações presentes ao longo

deste texto são resultado de reflexões a partir da minha experiência como aluno do

Mestrado Profissional e pesquisador da realidade patrimonial do Município de Ubá.

Em História, cativa da memória? Ulpiano Bezerra de Menezes ressalta que a

memória não é um pacote de recordações, previsível e acabado, mas o inverso, ou seja,

um processo permanente de construção e reconstrução, com caráter fluídico e

mutável.310 Essa concepção de memória trazida pelo autor remete ao próprio objetivo de

promover o debate sobre as patrimonializações feitas em Ubá, pois a crítica e as

discussões a respeito do trabalho realizado pelos agentes do patrimônio se tornam um

processo de reconstrução de saber, pois essa memória se torna fluídica à medida que

deixa de ser um conhecimento estanque para aqueles que dela se apropriam, alcançando

diferentes concepções em relação àquela que era única até determinado momento.

Uma das diferenças talvez esteja na forma como o indivíduo se coloca perante os

discursos de memória, muito utilizados por agentes do patrimônio para justificar

processos de patrimonialização. Essa postura é facilitada por debates democráticos,

onde os sujeitos possam ser capazes de reconhecer sua individualidade no grupo. Trata-

se da necessidade de investigar a ação da esfera pública nos processos de memória,

justificada pelos riscos de manipulação nessa cadeia mnemônica.

Por isso, como desdobramento do Encontro Microrregional Patrimônio e

Paisagens, apresento o projeto de educação patrimonial “Educação e Patrimônio –

Desafios para a Preservação”. O trabalho não segue o padrão de cartilhas prontas e

310MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História, cativa da memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n.34, p. 09-23, 1992. p.17.

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acabadas, pois visa promover o estudo do patrimônio cultural de Ubá em sala de aula –

uma oportunidade de discutir e dialogar com alunos e professores sobre o que foi

realizado na cidade e a forma como aconteceram essas patrimonializações, tendo como

base os resultados da pesquisa sobre a política pública patrimonial realizada na cidade, a

qual descrevo na presente dissertação. Ressalta-se ainda que o planejamento para este

projeto está voltado para a linguagem a ser utilizada, considerando a faixa etária dos

estudantes do Ensino Fundamental, entre 10 e 13 anos de idade. O cronograma de

execução está entre os meses de agosto e dezembro de 2017, tendo em vista que neste

período a Rede Municipal de Ubá realiza anualmente um trabalho de Educação

Patrimonial, conforme planejamento escolar já previsto pela coordenação pedagógica da

Secretaria de Educação no Município.

2.1: Descrição do Projeto Pedagógico apresentado à Rede Municipal de

Ensino de Ubá.

Título do projeto: Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a

Preservação”

1. Justificativa

O projeto “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação” é um

desdobramento do Encontro Microrregional Patrimônio e Paisagem, evento realizado

em Ubá, Minas Gerais, no dia 22 de julho de 2016, como parte integrante do produto

final que foi apresentado ao Mestrado Profissional Patrimônio Cultural, Paisagens e

Cidadania, da Universidade Federal de Viçosa pelo mestrando Anderson Moreira

Vieira.

2. Objetivos

O objetivo principal é promover a reflexão sobre o patrimônio cultural nas

unidades escolares da rede municipal de ensino, tendo como embasamento teórico-

metodológico as discussões propostas pelo próprio Mestrado Profissional, como as

noções sobre patrimônio, memória e história, além das pesquisas realizadas pelo

mestrando Anderson Moreira Vieira acerca dos processos de patrimonialização

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realizados no Município de Ubá entre os anos de 1996 e 2004, não obstante as formas

de linguagem que deverão ser utilizadas para que haja melhor compreensão, haja vista a

faixa etária do público discente participante.

Outra necessidade a ser alcançada com o presente projeto pedagógico é o

desenvolvimento de uma proposta de trabalho que não esteja vinculada a nenhum

patrimônio de Ubá em específico, de forma a proporcionar um leque maior de abertura

para inclusão de outras referências culturais que a comunidade escolar, porventura,

manifeste intenção de adotar como objeto de estudo.

Por fim, objetiva-se ainda promover a criação de um material para exposição,

confeccionado pelos próprios estudantes no ambiente escolar, de forma a tornar

palpável e visualmente expressas as conclusões que foram possíveis de serem obtidas

no decorrer do processo de ensino e aprendizagem.

3. Atividades/Metodologia

- Atividade 1: Capacitação de docentes (formação e informação).

Todos os professores envolvidos no desenvolvimento do projeto “Educação e

Patrimônio – Desafios para a Preservação” terão a oportunidade de participar de uma

capacitação que, além do repasse das informações relevantes sobre o presente projeto de

educação patrimonial, também serão informados das questões de ordem prática, como

os objetivos, metodologia e cronograma do trabalho proposto. Os professores receberão

indicações a respeito de bibliografia para auxiliar no trabalho de esclarecimentos que se

façam necessários, tanto em relação a autores que discutem o patrimônio em nível mais

amplo, quanto em relação a informações locais a respeito dos bens culturais a serem

estudados. Neste sentido, além do sítio eletrônico da Prefeitura de Ubá, onde constam as

informações referentes ao trabalho com o patrimônio na cidade, serão apresentadas

sugestões bibliográficas.

Entretanto, o principal foco dessa capacitação é possibilitar que esses

profissionais façam uma análise da atual situação do patrimônio cultural na cidade de

Ubá, como política pública. Para isso, uma das propostas é abrir discussão sobre as

formas de uso da memória, criando caminhos para compreensão da realidade

patrimonial local. Outro possível caminho está na análise conceitual de termos que se

apresentam quando se estuda esse campo do conhecimento, como memória,

tombamento, natureza do patrimônio, etc. Com isso, busca-se incentivar a capacidade

de discutir os avanços e os recuos no campo da preservação do patrimônio no

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Município. O conteúdo a ser utilizado na referida capacitação se encontra em material

disponibilizado no Item 2.2 do presente texto (Projeto “Educação e Patrimônio –

Desafios para a preservação” - Capacitação para Professores).

- Atividade 2: Aula Introdutória.

Este momento consiste na apresentação do projeto aos estudantes. Um(a)

professor(a) da escola ministrará uma aula introdutória sobre conceitos do patrimônio

cultural, desenvolvida em linguagem e abordagem apropriadas para a idade dos alunos.

Recomenda-se que seja utilizado material multimídia, como Datashow para exibição de

algum vídeo de curta duração. Neste caso, sugerimos um trecho do filme “Procurando

Nemo”, especificamente na parte em que o peixe “Doli” demonstra estar

desmemoriado, quando é possível estabelecer um link com a importância da história e

da memória. Além disso, também é importante a utilização de fotos impressas em

tamanho A4 dos bens culturais, objetivando dar ludicidade ao projeto, fazendo com que

o aluno possa interessar-se em conhecer o patrimônio cultural local. A aula inaugural

deve ocorrer preferencialmente no pátio, refeitório, biblioteca ou outro local da escola

que desperte a curiosidade dos alunos.

- Atividade 3: Roda de Conversa com Memorialista.

A escola irá convidar um(a) ou mais memorialistas da cidade para um “bate-

papo” (roda de conversa) com os estudantes, preferencialmente alguém que tenha

vivenciado parte da história da cidade ou do bairro onde se localiza a escola.

Memorialista é a pessoa que tem experiência e conhecimento suficientes para dar

depoimento acerca de assuntos relacionados a história e a memória de um local, ou seja,

é um(a) pesquisador(a) da vida cotidiana de uma determinada região. Esta roda de

conversa deve acontecer de forma informal, com os alunos sentados no chão, em torno

do(a) convidado(a). Após cada “bate-papo” será realizado um debate entre alunos,

professores e memorialista(s).

- Atividade 4: Eleição do bem cultural a ser pesquisado.

Após o debate proposto na atividade anterior, o(a) professor(a), em sala de aula,

deverá levar a discussão sobre patrimônio cultural para a divulgação dos bens culturais

inventariados, tombados e ou registrados na cidade de Ubá, de forma a promover um

conhecimento prévio daquilo que as crianças irão decidir conhecer mais profundamente.

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Depois disso, haverá uma eleição com os estudantes para que a turma decida qual bem

cultural será o objeto de estudo. A escolha será feita de forma democrática, a partir de

uma discussão em sala de aula, quando se deverá reforçar os conceitos e as visões já

vistas sobre patrimônio cultural. A escolha será feita por votação dos alunos, dentro de

lista de locais inventariados, tombados ou registrados. Recomenda-se a realização de

um júri simulado, onde as crianças podem defendem cada sugestão para futura votação

pelos próprios alunos.

- Atividade 5: Visita ao bem cultural escolhido.

Os alunos devem ser orientados a fazer uma pesquisa sobre o bem cultural eleito

por eles, como trabalho escolar que poderá valer ponto, a critério do professor. A

bibliografia usada deverá ser indicada pela escola e pelo setor municipal responsável

pela política de proteção do patrimônio cultural. É importante que esta atividade conte

com a presença de um membro da comunidade, ou um(a) memorialista, que tenha

vivenciado uma experiência pessoal com o local escolhido. Este(a) convidado(a) poderá

fazer o papel de guia durante a visita, relatando sua experiência com o objeto de estudo.

- Atividade 6: Produção e criatividade.

Em nova data, em sala de aula, os alunos farão uma produção textual,

registrando o que aprenderam sobre o bem visitado, quais as emoções que fluíram

durante o passeio, de que forma eles viam e como passaram a ver aquele bem cultural.

Os alunos que apresentarem dificuldade para expor suas opiniões no formato “texto

escrito”, podem ter a liberdade de o fazer em qualquer outro formato: desenho,

produção de uma música, um poema, pintura, peça de teatro, maquete ou linha do tempo

com as fotografias que, porventura, tenham registrado durante as atividades. O

importante neste momento é incentivar o uso da criatividade e da liberdade de

pensamento das crianças.

- Atividade 7: Exposição do material produzido.

Todo o material produzido na execução da atividade anterior, inclusive outros

possíveis produzidos pelos professores no decorrer do projeto, deverão ser apresentados

publicamente em uma Mostra Cultural, aberta a toda a escola e comunidade escolar, de

forma a explorar e divulgar o tema patrimônio cultural. Este momento do projeto

“Educação e Patrimônio” deverá contar também com apresentações artísticas dos alunos

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que optaram em produzir música ou qualquer outra forma de produção sobre o bem

cultural pesquisado.

4. Cronograma 20

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e 2

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Agosto X

Setembro X X

Outubro X X

Novembro X

Dezembro X X

Figura 23: Cronograma proposto para realização do Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação”

5. Avaliação

Ao final do projeto pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a

Preservação” e após o encerramento da Mostra Cultural, alunos e professores

envolvidos no trabalho deverão preencher fichas de avaliação para que possam avaliar

da forma democrática a participação das atividades propostas.

Modelos das fichas de avaliação:

FICHA DE AVALIAÇÃO I – PROFESSORES Escola Diretor(a) Professor(a)/Disciplina Ano/Série Data da Visita Bem Cultural visitado

AVALIAÇÃO 1. Aponte a(s)maior(es) dificuldade(s) encontrada(s) para a realização do projeto “Educação e Patrimônio” na sua escola. 2. Aponte o que de melhor pode ser destacado em relação ao projeto “Educação e Patrimônio” na sua escola. 3. Indique nota entre 1 e 5 que você daria para o interesse dos alunos? Justifique. 4. Aponte suas sugestões para outros projetos de educação patrimonial. 5. Qual pedagogia você sugere que seja usada para que o patrimônio cultural seja compreendido pelos alunos?

Figura 24: Ficha de Avaliação do Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação” (Professores)

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FICHA DE AVALIAÇÃO I I – ALUNOS Escola Disciplina Nome do aluno: Série Data da Visita Bem cultural visitado

AVALIAÇÃO 1. Aponte alguma coisa que você aprendeu com o projeto “Educação e Patrimônio – Desafios para a preservação”. 2. Escreva o que você achou da história contada pelo(a) Sr.(a) (memorialista). 3. Escreva ou desenhe sua opinião sobre a visita ao (nome do bem cultural). 4. Na sua opinião, qual é a informação mais importante sobre o bem cultural que estudamos neste projeto? 5. Qual ou quais bens culturais você ainda gostaria de conhecer?

Figura 25: Ficha de Avaliação do Projeto Pedagógico “Educação e Patrimônio – Desafios para a Preservação” (Alunos)

2.2: Projeto “Educação e Patrimônio – Desafios para a preservação”:

Capacitação para Professores.

A capacitação para os professores participantes do referido projeto pedagógico

está prevista para acontecer em agosto de 2017, de acordo com cronograma constante

no item 4 do subtítulo 2.1. A proposta é reunir cerca de 20 professores para discutir e

refletir sobre 70 (setenta) slides que serão apresentados a seguir, perfazendo um total de

oito horas de trabalho. Ressalto que minha participação direta na execução do projeto

está vinculada a este momento com os docentes. Todo o trabalho restante, com os

alunos e na escola, terá meu acompanhamento, mas deverá ser executado pelos

professores e equipes pedagógicas que irão participar da capacitação. O objetivo é

deixar os profissionais à vontade para a prática da educação patrimonial de acordo com

a realidade de cada unidade escolar.

A apresentação em power point deve acontecer com a utilização de data-show.

Para melhor exposição da mesma no presente texto, optei por colocar dois slides por

página.

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