polÍticas linguÍsticas e ensino de lÍngua(s) de

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POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E ENSINO DE LÍNGUA(S) DE FRONTEIRA NA ESCOLA 1 LINGUISTIC POLICIES AND EDUCATION OF BORDER LANGUAGE(S) IN SCHOOL Simone Beatriz Cordeiro Ribeiro 2 RESUMO: Este estudo deriva de uma pesquisa de doutorado desenvolvida no município de Guaíra, Paraná, sobre o ensino e a aprendizagem da Língua Espanhola enquanto Língua de Fronteira. Como Guaíra faz fronteira com o Paraguai e recebe muitos alunos que não falam a Língua Portuguesa, buscou-se linvestigar mais a fundo essa relação. Paralelamente à observação participante, se realizaram trinta e três entrevistas semiestruturadas para gerar os dados do estudo. Através das entrevistas, os participantes contribuíram com suas percepções e conhecimentos sobre a Língua Espanhola, a situação fronteiriça com o Paraguai, as festividades locais oriundas das crenças, culturas e tradições deste país e a relevância do ensino dessa Língua no município. A pesquisa teve como foco as Políticas e Planificações Linguísticas (CALVET, 2007; OLIVEIRA, 2005, 2010 e 2013; RAJAGOPALAN, 2013) e o Ensino de Língua(s) de Fronteira (STURZA, 2006 e 2010; RIBEIRO, 2015), em que a situação enunciativa do campo de estudo se desenvolve por meio da comunicação enquanto um representativo de vozes que entram em contato e conflito pela expressão de línguas e de culturas existentes em ambos os lados da fronteira física. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Linguísticas; Língua(s) de Fronteira; Fronteira Geográfica Enunciativa. ABSTRACT: This study comes from a doctoral research developed in the municipality of Guaíra, Paraná, that deals with the teaching and learning of the Spanish Language as a Border Language. Because Guaíra borders with Paraguay, and receives many students who don´t speak the Portuguese language, an on-site research was developed, and through participant observation, thirty-three semi-structured interviews were conducted, aiming to generate data for the study. Through the interviews, the participants contributed with their perceptions and knowledge about the Spanish language, the border situation with Paraguay, the local festivities stemming from the beliefs, cultures and traditions of this country, as well as the relevance of the teaching of that language in the municipality. The research focused on Applied Linguistics, Linguistic Policies and Plans (CALVET, 2007, OLIVEIRA, 2005, 2010 1 Este artigo corresponde a um recorte da pesquisa de doutorado desenvolvida no município de Guaíra, Paraná, no Programa de Pós-Graduação em Letras, Linguagem e Sociedade, da UNIOESTE, campus de Cascavel, sob a orientação da professora Doutora Clarice Nadir von Borstel. 2 Doutora em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora adjunta de Português/Espanhol Adicional na Universidade Federal da Integração Latino-Americana.

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POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E ENSINO DE LÍNGUA(S) DE

FRONTEIRA NA ESCOLA1

LINGUISTIC POLICIES AND EDUCATION OF BORDER

LANGUAGE(S) IN SCHOOL

Simone Beatriz Cordeiro Ribeiro

2

RESUMO: Este estudo deriva de uma pesquisa de doutorado desenvolvida no município de

Guaíra, Paraná, sobre o ensino e a aprendizagem da Língua Espanhola enquanto Língua de

Fronteira. Como Guaíra faz fronteira com o Paraguai e recebe muitos alunos que não falam

a Língua Portuguesa, buscou-se linvestigar mais a fundo essa relação. Paralelamente à

observação participante, se realizaram trinta e três entrevistas semiestruturadas para gerar

os dados do estudo. Através das entrevistas, os participantes contribuíram com suas percepções

e conhecimentos sobre a Língua Espanhola, a situação fronteiriça com o Paraguai, as

festividades locais oriundas das crenças, culturas e tradições deste país e a relevância do

ensino dessa Língua no município. A pesquisa teve como foco as Políticas e Planificações

Linguísticas (CALVET, 2007; OLIVEIRA, 2005, 2010 e 2013; RAJAGOPALAN, 2013) e o

Ensino de Língua(s) de Fronteira (STURZA, 2006 e 2010; RIBEIRO, 2015), em que a situação

enunciativa do campo de estudo se desenvolve por meio da comunicação enquanto um

representativo de vozes que entram em contato e conflito pela expressão de línguas e de

culturas existentes em ambos os lados da fronteira física.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas Linguísticas; Língua(s) de Fronteira; Fronteira Geográfica

Enunciativa.

ABSTRACT: This study comes from a doctoral research developed in the municipality of

Guaíra, Paraná, that deals with the teaching and learning of the Spanish Language as a

Border Language. Because Guaíra borders with Paraguay, and receives many students who

don´t speak the Portuguese language, an on-site research was developed, and through

participant observation, thirty-three semi-structured interviews were conducted, aiming to

generate data for the study. Through the interviews, the participants contributed with their

perceptions and knowledge about the Spanish language, the border situation with Paraguay,

the local festivities stemming from the beliefs, cultures and traditions of this country, as well

as the relevance of the teaching of that language in the municipality. The research focused on

Applied Linguistics, Linguistic Policies and Plans (CALVET, 2007, OLIVEIRA, 2005, 2010

1 Este artigo corresponde a um recorte da pesquisa de doutorado desenvolvida no município de Guaíra, Paraná, no Programa

de Pós-Graduação em Letras, Linguagem e Sociedade, da UNIOESTE, campus de Cascavel, sob a orientação da professora

Doutora Clarice Nadir von Borstel. 2 Doutora em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora adjunta de Português/Espanhol Adicional na

Universidade Federal da Integração Latino-Americana.

and 2013, RAJAGOPALAN, 2013) and Teaching of Border Language(s) (STURZA, 2006 and

2010; RIBEIRO, 2015). These references were selected because they study with scientific

rigor how the enunciative situation develops through communication. The enunciation is

object of research of this work because it represents how different voices come into contact

and conflict by the expression of different languages and cultures, in both sides of the

physical border, in Brazil and in Paraguay.

KEYWORDS: Linguistic Policies; Border language(s); Geographical Frontier Enunciative.

Introdução

O contexto atual suscita discussões sobre os direitos linguísticos, os planejamentos e

as políticas linguísticas em conjunto com o ensino e com a aprendizagem de Línguas tanto

Estrangeiras, de Imigrantes, como de Minorias, Indígenas, de Fronteira e Maternas. Sendo a

política linguística a arte que administra as cogitações e as ações a respeito das línguas,

conduzindo-as conforme o interesse público e o que se acredita ser importante para uma

nação e o seu povo (RAJAGOPALAN, 2013), entende-se que “não é possível desvincular a

língua do significado social e particular que assume para cada indivíduo” (OLIVEIRA, 2013,

p. 3), haja vista a “intrínseca relação entre a linguagem, os indivíduos, suas identidades e a

sociedade” (VON BORSTEL, 2013, p. 3).

Em regiões de fronteiras, em que limites cartográficos e enunciativos ditam regras

econômicas, políticas, linguísticas e culturais em detrimento à prática da interculturalidade,

essa relação estabelecida por von Borstel (2013), é bem mais complexa. A situação

evidenciada pelas fronteiras e seus habitantes demonstram que estas vão além de limites

cartográficos e de poder, são também espaços de interação linguístico-cultural, social, étnica e

política, o que as caracteriza como fronteiras geográficas enunciativas3 (RIBEIRO, 2015).

A fronteira considerada como espaço de enunciação enfraquece a visão de Estado

soberano e controlador, uma vez que as fronteiras sociais se fortalecem em virtude de novas

necessidades de mercado que ultrapassam seus limites cartográficos, condição que, sob uma

abordagem pós-moderna, possibilita um “espaço supranacional, determinado por todos os

tipos de relações além de suas margens territoriais” (STURZA, 2006, p. 31).

3 Ribeiro (2015) utiliza o termo “enunciativa” agregado à expressão “fronteira geográfica”, por entender que a fronteira não é

apenas geográfica ou enunciativa, mas sim a junção de ambas, pois a fronteira caracteriza-se pela interação comunicativa

existente no representativo de vozes que permeiam o Brasil e os países de Língua Espanhola, tanto pela expressão de línguas

como de culturas em contato e em conflito nos dois lados da fronteira. Portanto, a expressão fronteira geográfica enunciativa

caracteriza-se pela interação comunicativa existente no espaço fronteiriço (RIBEIRO, 2015).

Portanto, a presente discussão define-se pelo viés de fronteira geográfica enunciativa,

pois a “fronteira se dá na e pela linguagem” (CAMPIGOTO, 2000, p. 17), e é preenchida, acima

de tudo, de conteúdo social. Como nas fronteiras vivem etnias diferentes que, consequentemente,

acabam entrando em contato linguístico, “os preconceitos, ao invés de serem eliminados, serão

colocados em evidência” (CAMPIGOTO, 2000, p. 17). Isso porque a “fluidez das relações

sociais fez surgir uma fronteira significada bem mais como espaço de interações e muito menos

como um território delimitado” (STURZA, 2006, p. 29).

Assim, este texto corresponde a um recorte da pesquisa desenvolvida no município de

Guaíra, Paraná, no Brasil, sobre o ensino e a aprendizagem da Língua Espanhola enquanto

Língua de Fronteira. Guaíra está localizada na região oeste do Paraná, com fácil acesso à

cidade de Salto del Guairá, Paraguai, uma vez que faz fronteira com este país. Apesar de as

duas cidades serem separadas pelo Lago de Itaipu (Rio Paraná), pode-se ir e vir de uma a

outra por meio de balsa a partir da cidade guairense, ou pela travessia da ponte Ayrton Senna,

que tem 3.600 metros de extensão (divisa com o estado do Mato Grosso do Sul que faz

fronteira seca com o Paraguai). Essa proximidade entre as duas regiões possibilita que a

Língua Portuguesa e a Língua Espanhola entrem em contato, em conflito e que se misturem.

Em virtude dessa proximidade territorial, do comércio, do contato pessoal e

institucional, uma vez que as escolas guairenses recebem muitos alunos hispano falantes que

não falam a Língua Portuguesa, buscou-se investigar a presença da Língua Espanhola em

Guaíra e a sua viabilidade na matriz curricular das instituições de ensino. Desse modo, por

meio de uma pesquisa de campo e através de entrevistas realizadas, discutiu-se a importância

e relevância da elaboração de uma política e de uma planificação linguísticas condizentes com

a realidade de fronteira geográfica enunciativa vivenciada pelo município.

Para tanto, o estudo centra-se na Linguística Aplicada, com foco nos Direitos

Linguísticos (Hamel, 2003), nas Políticas e Planificações Linguísticas conforme Calvet

(2007), Oliveira (2010, 2004), Rajagopalan (2013), e von Borstel (2013), e nas Políticas de

Ensino de Língua(s) de Fronteira (STURZA, 2006 e 2010; RIBEIRO, 2015), visto que a

situação enunciativa, sob a perspectiva de fronteira geográfica enunciativa, desenvolve-se por

meio da comunicação enquanto um representativo de vozes que entram em contato e conflito

pela expressão de línguas e de culturas existentes em ambos os lados da fronteira física.

Políticas linguísticas e ensino de línguas

O ensino de línguas atrelado às políticas linguísticas tornou-se uma necessidade

emergente, pois como afirma Rajagopalan, em entrevista concedida a Silva, Santos e Justina

(2011, p. 5), “precisamos atrelar as duas coisas [política linguística e ensino de línguas] cada

vez mais. A gente tem que pensar o ensino de línguas desde a abordagem, a metodologia a ser

adotada em função da política linguística adotada no país”.

Para que as políticas e planificações da linguagem tornem-se efetivas é preciso

respeitar os direitos linguísticos da comunidade ou do grupo, tanto em sua implementação

como em sua defesa, pois “todo o direito linguístico se embasa, em última instância, na

comunidade, e tem, portanto, um caráter coletivo” (HAMEL, 2003, p. 63).

Se atualmente discute-se a questão dos direitos linguísticos é porque na sociedade

atual se faz necessária essa investigação e, como toda ação política repercute no âmbito da

sociedade, é fundamental que em uma “democracia todos os cidadãos [tenham] o mesmo

direito de expressar suas opiniões e serem consultados na tomada de decisões”

(RAJAGOPALAN, 2013, p. 23). Assim, tanto o linguista como o cidadão merecem ser

consultados quando se trata de políticas linguísticas, pois “o que está em jogo, a meu ver, é o

futuro de uma língua nacional ou outras questões de tamanha importância sobre as quais todos

os cidadãos – sem exceção – têm ou, se não tem, devem ter direito igual e irrestrito de opinar”

(RAJAGOPALAN, 2013, p. 22), porque “quanto mais democrático for um dado sistema

político, tanto mais ele proverá pela cidadania” (RAJAGOPALAN, 2013, p. 37).

Ao relacionar a linguística com a política, Rajagopalan (2013), afirma que a política

linguística “tem tudo a ver, isto sim, com a política, entendida como uma atividade na qual

todo cidadão – todos eles sem exceção – têm o direito e o dever de participar em condições de

absoluta igualdade” (RAJAGOPALAN, 2013, p. 22), assim como têm o direito de expressar

livremente suas opiniões, fazerem-se ouvir e serem respeitados, indiferentemente de como

pareçam suas opiniões.

Na perspectiva do linguista citado, a política linguística compreende o campo da

política e é o instrumento pelo qual as leis e mudanças linguísticas são elaboradas, providas e

pensadas. A política linguística corresponde, de um lado, à “determinação das grandes

decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade [de outro] à sua implementação”

(CALVET, 2007, p. 11), a sua “transformação em realidade” (OLIVEIRA, 2013, p. 1). A

política linguística é “um conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre

língua(s) e vida social, o planejamento linguístico: a implementação prática de uma política

linguística, em suma, a passagem ao ato” (CALVET, 2002, p. 145 – grifos do autor).

Oliveira (2005), também concorda que a planificação linguística é a ação de pôr em

prática as políticas linguísticas, pois é uma forma de intervenção e pode ter a participação de

diferentes sujeitos da sociedade. Portanto, como destaca Rajagopalan (2013), a política

linguística deve ser planejada com vistas a atender realmente as necessidades da comunidade

ou ao grupo a que se destina, intensificando a participação dos cidadãos nas escolhas e

determinações linguísticas e permitindo que as avaliações quanto à viabilidade e necessidade

decididas pelas autoridades durante o planejamento linguístico, não sejam consideradas de

maneira secundária, visto que intervenção “significa então: trabalho conjunto com as

comunidades lingüísticas que conformam o país” (OLIVEIRA, 2005, p. 87).

É preciso que as necessidades e as urgências da sociedade sejam consideradas antes

mesmo de se elaborar e promulgar uma lei de cunho político linguístico. Um planejamento

engajado no âmbito social deverá impreterivelmente considerar as necessidades e as

consequências de sua aplicação no seio da sociedade. Condição que determina

[...] a necessidade, em suma, de uma reforma linguística do país que permita uma

reação coletiva positiva frente às novas demandas da globalização e da inclusão

cultural e linguística. Essa reforma linguística passa pela organização das demandas

dos falantes, através de suas representações, e do seu contato com o legislativo, onde

estas demandas se transformam em indicação de ação, pela capacitação de órgãos de

Estado diretamente envolvidos com a planificação linguística, como ministério de

cultura, de educação, de ciência e tecnologia, secretarias estaduais e municipais, as

escolas e as mídias (OLIVEIRA, 2013, p. 13).

Compreende-se que qualquer decisão política deve ter como ponto de partida o âmbito

regional ou local. É preciso que o conhecimento já produzido e o a ser produzido sejam

“adaptados para cada região, cada lugar, cada realidade. Cada um de nós, apesar de vivermos

no mesmo país, temos realidades imediatas diferentes. Assim, como nossas circunstâncias são

diferentes, nossas situações são diferentes” (SILVA, SANTOS e JUSTINA, 2011, p. 3), e

fatores como a sociedade e as suas particularidades precisam ser considerados.

No caso das regiões fronteiriças, “as línguas da fronteira, ao enunciarem, significam

uma política que as organiza e as distribui” (STURZA, 2006, p. 19). Esta distribuição é,

muitas vezes, determinada por questões de interesse e/ou visões homogeneizadas que visam

ao monolinguíssimo ou que consideram apenas as línguas a partir de conceitos de status.

Fronteira geográfica enunciativa

Quando se considera somente a cartografia como o âmbito que marca os limites físicos

entre os territórios, a fronteira é vista apenas como o lugar que marca o início ou fim de um

território. Mesmo que o faça de maneira simbólica, esses espaços são representativos, pois

permitem que cada sujeito se comunique e se afirme em relação ao outro, definindo-se como,

por exemplo, brasileiro, paraguaio, guairense, etc. Esses limites físicos ainda determinam

condições de circulação e controle por parte do Estado, pois a fronteira “é sempre espaço de

transgressão e contenção – transgressão pelos movimentos migratórios de ocupação social e

política; contenção pelos mecanismos de limitações, de vigília e de controle” (STURZA,

2006, p. 19 – grifos nossos).

A linha de divisa (fronteira) entre os países “é um ‘objeto’ dito e escrito de vários

modos. Podemos expressá-la como um traçado imaginário na periferia geográfica das nações,

estabelecimento jurídico que separa os povos ou, ainda, ponto de junção entre nacionalidades”

(CAMPIGOTO, 2006, p. 153). Além desses limites físico-demarcatórios de condições de

poder, “a vida da fronteira, o habitar a fronteira [significa], para quem nela vive, muito mais,

porque ela já se define em si mesma como um espaço de contato, um espaço em que se tocam

culturas, etnias, línguas, nações” (STURZA, 2006, p. 26 – grifos da autora).

Assim, se, de um lado, tem-se a fronteira como espaço físico, de outro, tem-se a

fronteira como espaço linguístico, condição que permite determinar essa dualidade como

sendo uma fronteira geográfica (espaço físico, cartográfico) enunciativa (linguístico) (cf.

RIBEIRO, 2015). Isso é possível porque o significado atribuído à “linha da fronteira depende

dos ‘olhos do observador’” (CAMPIGOTO, 2000, p. 11) e, no caso da fronteira geográfica

enunciativa a Língua Estrangeira e/ou as Línguas Hibridas, como é o caso do Portunhol,

passam a serem vistas como Línguas de Fronteira.

Neste caso, as fronteiras “são entendidas por aquelas áreas onde determinados grupos

étnicos se reúnem/vivem, preservando suas culturas e, em muitos casos, suas línguas de

“berço” para usar a categoria do RCNEI (2005)” (PEREIRA, 2011, p. 1). Para a pesquisadora

citada, bem como para Sturza (2006) e Ribeiro (2015), as fronteiras são consideradas espaços

de enunciação e de contato cultural, étnico, linguístico, etc., indo além dos limites físicos.

A fronteira geográfica enunciativa corresponde, como já destacado, às situações

enunciativas que se desenvolvem por meio da comunicação enquanto um representativo de

vozes que entram em contato e em conflito pela expressão de línguas e de culturas existentes

em ambos os lados da fronteira física, uma vez que

As fronteiras são espaços de trânsito: relações de convergência e divergência. As

fronteiras são simbolicamente definidas pelo traçado geopolítico, mas são vividas

socialmente. Há um espaço de enunciação fronteiriço. As relações entre as línguas

se significam neste espaço de enunciação fronteiriço de modo diferenciado em

relação a outros espaços de enunciação. As relações entre as línguas se significam

no conflito, ou seja, no político. O espaço de enunciação fronteiriço revela que o

espaço de circulação das línguas está condicionado à história das comunidades,

sobretudo, a da economia local. O status de uma língua em relação à outra decorre

da sua construção no imaginário dos sujeitos falantes e não se dá de modo simétrico

(STURZA, 2010, p. 345-346).

Na fronteira geográfica enunciativa os sujeitos, ao se reconstruírem, transformam-se

em novos sujeitos e, no caso de nações diferentes, a Língua Estrangeira passa a ser vista como

uma Língua de Fronteira, em constante contato, conflito e hibridização, pois o espaço

enunciativo fronteiriço é configurado pela integração de usuários e de línguas, que muitas

vezes se misturam. Como é o caso do Portunhol, “um falar de solidariedade e de intercâmbio

comercial” (RIBEIRO, 2015, p. 151) que ocorre em ambos os lados da Fronteira.

Ao transgredirem os limites geográficos e se constituírem como línguas de integração,

a língua deixa de ser nacional, por se tratar de uma língua enunciativa de fronteira, suas

necessidades e interações não são mais determinadas por contextos nacionais ou

internacionais, mas sim por espaços de enunciação fronteiriços, pois as línguas de fronteira

“se distribuem segundo uma organização própria, enunciada nas línguas ou sobre as línguas,

nesse espaço de enunciação” (STURZA, 2006, p. 66).

Breve traçado metodológico da pesquisa

A pesquisa in loco desenvolvida na cidade de Guaíra realizou-se com o intuito de

gerar dados sobre o ensino e a aprendizagem da Língua Espanhola nas instituições de ensino

do referido município. Para tanto, elaborou-se um roteiro de entrevista semiestruturado que

contemplou perguntas de cunho pessoal e sociocultural; função (em relação ao uso e

entendimento da Língua Espanhola); e atitudes (ensino, aprendizagem e uso da Língua

Espanhola; aspectos socioculturais e tradicionais do país vizinho festejados em Guaíra).

No total realizaram-se 33 (trinta e três) entrevistas semiestruturadas, que foram

gravadas e, posteriormente, transcritas, durante o final do ano de 2013 e todo o ano de 2014.

Na execução das entrevistas participaram diversos segmentos da sociedade guairense: equipes

pedagógicas (coordenadores ou diretores) das instituições de ensino; alunos (CELEM e

Colégios Privados); Professores; Participantes e Gestores da Festa da Nossa Senhora de

Caacupé4; e um representante da Secretaria Municipal de Educação.

Como o objetivo geral do estudo visava à relevância do ensino e da aprendizagem da

Língua Espanhola nas instituições municipais de ensino guairense, a seleção dos

Entrevistados ocorreu com vistas a ter no mínimo um representativo de cada uma dessas

instituições e da Secretaria Municipal de Educação, ou seja, este grupo foi composto por 15

entrevistados. O quantitativo restante (18 entrevistas) foi preenchido com a participação de

alunos, professores, participantes da festa em homenagem a Nossa Senhora de Caacupé e

equipes pedagógicas de colégios estaduais e particulares, que fecharam o segundo grupo.

Através das entrevistas os participantes contribuíram com suas percepções e

conhecimentos sobre a Língua Espanhola, a situação fronteiriça com o Paraguai, as

festividades locais oriundas das crenças, culturas e tradições deste país e a importância do

ensino dessa Língua no município.

Durante as entrevistas, a pesquisadora procurou de maneira clara e objetiva apresentar

os pressupostos da pesquisa, a sua dimensão e as abordagens. Em cada visita, os participantes

foram informados dos objetivos da investigação e foram convidados a colaborar. Os

participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TECLE, que foi

lido em voz alta, explicado e na sequência assinado.

A Língua Espanhola na fronteira: anseios, expectativas e a realidade dos Entrevistados

Conforme o Entrevistado 01, a Língua Estrangeira que compõe a grade curricular das

escolas municipais guairenses é a Língua Inglesa. Inclusive quando a pesquisadora chegava às

escolas, se apresentava e informava o motivo de sua visita, relatando que se tratava de uma

pesquisa de doutorado sobre a Língua Espanhola e o seu ensino no município, já lhe

informavam que a língua presente na grade curricular era a Língua Inglesa.

Segundo as informações apresentadas durante as entrevistas, a decisão sobre a escolha

Língua Estrangeira a ser ofertada na rede de ensino municipal partia da Secretaria Municipal

de Educação, órgão responsável pelo ensino público do Ensino Fundamental I:

ENTREVISTADO.07 – R: 01

4 Conforme Ribeiro (2015), a Nossa Senhora de Caacupé é a padroeira do Paraguai e sempre foi festejada em

Guaíra, Paraná. Trazida pelos primeiros moradores e funcionários da Companhia Matte Larangeira, que em sua

maioria eram paraguaios, até os dias atuais é festejada e homenageada no dia 08 de dezembro. É uma tradição

em Guaíra.

Então assim, a grade da gente vem montada, né [...]. (Entrevista em

19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.05 – R: 01

Depende da secretaria, pode sugerir, mas é ela quem decide por causa de

funcionário. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.15 – R: 01

Tem reuniões com a equipe pedagógica, mas quem decide é a secretaria. A

escola gostaria, mas depende da secretaria [...]. (Entrevista em 12/11/2014 –

grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.10 – R: 01

É livre. A gente pode até opinar. Agora só como a gente depende (?) da

prefeitura, né e da secretaria de educação, [...]. Mas temos o direito sim

[opinar]. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

É possível observar, a partir dos recortes destacados, que as escolas podem opinar e

sugerir sobre a Língua Estrangeira que gostariam de oferecer aos seus alunos, mas que isso

somente acontece quando ocorrem reuniões com a Secretaria Municipal de Educação,

instância que determina as disciplinas a comporem a matriz curricular municipal. Portanto,

fica evidente a importância e o papel desempenhado por este órgão público.

Diante do exposto, destaca-se a relevância da participação desta comunidade nas

escolhas das disciplinas que irão compor a grade curricular do Ensino Fundamental I e

incentiva-se a Secretaria Municipal de Educação a ouvir e avaliar as sugestões das escolas.

Sugere-se que essa instância deliberativa reflita, em conjunto com a comunidade, sobre o

contexto político educacional atual do município, pois “não é a lei, não é o estado quem vai

decidir qual ou quais línguas deverão ser ensinadas; é a comunidade, a partir de seus

interesses e necessidades” (LEFFA, 2001, p. 339).

Assim, os Entrevistados, por meio de seus depoimentos, puderam expressar os seus

anseios e perspectivas, sobre a relevância do ensino e a aprendizagem da Língua Espanhola

no espaço de fronteira geográfica enunciativa em que se encontravam:

ENTREVISTADO.04 – R: 01

Eu acho que a gente deveria ter nas escolas... é... a aula, a língua (?) em

espanhol. Em vez da gente ter o inglês, que a gente tem o inglês, deveria

adotar o espanhol. [...] Seria uma coisa muito interessante de ser

implantado nas escolas, porque daí já é da realidade, quando a coisa é da

realidade... os alunos de interessam mais e a aprendizagem é mais fácil, né.

(Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.03 – R: 02

Olha... olhando onde a gente tá aqui, nossa localização geográfica. Seria

mais interessante tá trabalhando o espanhol, né, com os alunos, porque daí

a gente tá muito próximo, [...], mas seria uma... boa coisa para ser

implantado nas escolas [...]. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos da

pesquisadora).

ENTREVISTADO.05 – R: 02

É importante [o ensino da Língua Espanhola]. Acredito ser mais importante

que o inglês porque se tem mais contato e seria mais utilizado [...] É

importante porque é um município de fronteira e o país vizinho fala

espanhol [...]. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.02 – R: 02

Eu acho que aqui o espanhol seria melhor, né, porque é uma língua que eles

tem contato, né, que eles tem como praticar [...] (Entrevista em 10/04/2014 –

grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.09 – R: 01

A língua espanhola seria bem viável para nós, por morar perto da fronteira

[Paraguai], como disciplina. Em comparação como inglês, o espanhol é

bem mais viável. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

Embora alguns Entrevistados compartilharem da importância da Língua Inglesa e

outros não, ponderou-se ser a Língua Espanhola a mais adequada ao ensino no município de

Guaíra, haja vista o contexto atual de fronteira geográfica enunciativa vivenciado pela região.

Esse espaço enunciativo, permeado de contato linguístico, possibilita que os habitantes da

fronteira se utilizem de ambas as línguas, tanto portuguesa quanto espanhola e inclusive do

Portunhol, de modo prático e integrativo, uma vez que “o espanhol é a segunda língua mais

usada no comércio internacional, especialmente no eixo que liga a América do Norte, Central

e do Sul” (SEDYCIAS, 2005, p. 36 – grifos nossos).

O Entrevistado 05, através do recorte 03, reforça o ensino da Língua Espanhola de

duas maneiras, a primeira enquanto acréscimo de conhecimento à bagagem dos alunos e a

segunda, por ser o idioma mais falado na América, a se considerar o número de falantes:

ENTREVISTADO.05 – R: 03

[...] Conhecimento nunca é demais, pois se fazer uma viagem ajuda porque a

América fala espanhol. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

O Entrevistado 05, no recorte 03, enfatiza a prática da Língua Espanhola ao considerar

o contexto geográfico em que o Brasil se encontra. Partindo dessa perspectiva, a condição

física que determina o limite entre os territórios de cada nação já justifica a presença da

Língua Espanhola, não apenas no município de Guaíra, mas também a nível nacional, uma

vez que à exceção de Suriname, Guiana e Guiana Francesa, todos os países fronteiriços com o

Brasil “têm o espanhol como língua oficial, [...]. Isso é tão importante não somente do ponto

de vista econômico e comercial (p.ex., Mercosul) como também cultural e até pessoal, já que

compartilhamos culturas muito similares” (SEDYCIAS, 2005, p. 39).

Já o Entrevistado 07, no recorte 03, reforça a valorização do ensino e da aprendizagem

da Língua Espanhola sob o enfoque da interação comunicativa, haja vista a sua realidade de

contato linguístico dentro da escola:

ENTREVISTADO.07– R: 03

[...] Seria interessante [ter o espanhol]? Seria, porque a gente tem uma

demanda grande de alunos que falam isso, né, e a gente tem essa

intermediação, que não é tão forte, com o Paraguai, mas seria interessante ter

a língua espanhola, mas também não é de interesse público, né. [...].

(Entrevista em 19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

A partir do exposto pelo Entrevistado 07, recorte 03, comprova-se a presença de

alunos falantes da Língua Espanhola nas escolas guairenses e o descaso com políticas

públicas de incentivo ao bilinguismo fronteiriço. Rajagopalan (2013), realça que, na maioria

das vezes, as políticas linguísticas em vigor são resultados de ações que vêm de cima para

baixo. Muitas vezes estas ações não consideram as particularidades locais e reais da

comunidade e ainda que “qualquer grupo [poça] elaborar uma política lingüística [...] apenas

o Estado tem o poder de e os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr em prática

suas escolhas” (CALVET, 2007, p. 21). Diante disso:

ENTREVISTADO.02 – R: 01

Teria que ser todas as escolas... exigirem [...]. (Entrevista em 10/04/2014 –

grifos da pesquisadora).

Nessa perspectiva, se todas as escolas exigissem a oferta da Língua Espanhola seria

possível que “todos do município [...] tivessem o mesmo projeto” (ENTREVISTADO 13,

2014). O ato de exigir seria uma forma de posicionamento e uma possibilidade de construção

conjunta de um planejamento político-linguístico condizente com a realidade guairense.

Acresce-se que durante a pesquisa, dois (02), dos quinze (15) Entrevistados, mostram-

se mais favoráveis ao ensino da Língua Inglesa:

ENTREVISTADO.07 – R: 02

Bom, essa é minha opinião particular: hoje em dia o mundo fala inglês, o

mundo gira em torno do inglês, qualquer lugar que você vai, você fala o

inglês. [...] Então, vários lugares que já viajaram [amigas] quando você

chega lá vai falar o espanhol a pessoa não sabe, mas falou o inglês não tem,

tem como errar. [...] Mas o ideal seria, assim a meu ver, o inglês ainda,

ainda mais até que o espanhol, apesar da gente ter a proximidade aqui com

a fronteira [Paraguai]. (Entrevista em 10/04/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.01 – R: 04

O inglês é a língua mundial. São as classes com maior poder aquisitivo que

se utilizam e preferem o inglês. Olhando a nossa realidade, são as classes

menos favorecidas que se utilizam do espanhol. (Entrevista em 10/04/2014 –

grifos da pesquisadora).

Tanto a posição do Entrevistado 07, recorte 02, como a do Entrevistado 01, recorte 04,

são resultantes de seus pontos de vista, da forma como avaliam a importância das Línguas

Estrangeira e, como tal, a opinião de cada um deve ser respeitada, pois retrata a maneira pela

qual enxergam o mercado linguístico atual. Se na atualidade a Língua Inglesa adquiriu o

status de língua universal, sendo tão importante quanto evidencia os dois participantes, foi

porque passou por um processo que a reconheceu como tal.

No entanto, Sedycias (2005) faz a ressalva de que a condição atual da Língua

Espanhola não difere muito da Língua Inglesa, pois a posição que essa “ocupa no mundo hoje

é de tal importância que quem decide ignorá-la não poderá fazê-lo sem correr o risco de

perder muitas oportunidades de cunho comercial, econômico, cultural, acadêmico ou pessoal”

(SEDYCIAS, 2005, p. 36). Ao alertar sobre a importância que a Língua Espanhola vem

adquirindo na atualidade, o autor citado destaca o status de língua global que a mesma está

conquistando.

Oliveira (2010, p. 25), complementa que

Estes permanentes rearranjos dos mercados linguísticos, dados pela mudança rápida

de contextos para o ingresso e a permanência das línguas nos circuitos de produção,

seja em espaços sub-nacionais, seja no âmbito dos países, seja nos novos blocos

econômicos e políticos, nos permitem entender melhor as políticas linguísticas em

curso direcionam nosso olhar para o que poderíamos chamar de reposicionamento

dos centros de gestão de línguas. Este reposicionamento dos agentes político-

linguísticos decorre da necessidade de estarem atentos para perceber os contextos

altamente mutantes e as oportunidades altamente fugidas para a manutenção ou

ampliação dos âmbitos de uso das línguas.

Ao tratar do lugar das línguas, o estudioso destaca a mobilidade das línguas para

atender aos imperativos mais emergentes. Se hoje a Língua Espanhola tem se equiparado à

Língua Inglesa, foi porque se desenvolveram situações que suscitaram a utilização da mesma.

Quando o pesquisador evidencia o reposicionamento das línguas, faz um alerta à necessidade

de ampliação dos circuitos de uso das línguas para atender à demanda dos usuários.

Nesse contexto de fronteira geográfica enunciativa, a Língua Espanhola tem tanta

importância quanto a Língua Inglesa, como pode ser observado nas seguintes falas:

ENTREVISTADO.13 – R: 02

Se de repente pudesse acontecer os dois [espanhol e inglês], pensando nesta

questão deles saírem daqui para o fundamental II, é que lá é o inglês. Então

eu acho interessante... ter os dois... ou no fundamental I ter o espanhol e

depois o inglês [...], mas acho que seria interessante sim adotar línguas.

(Entrevista em 17/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.03 – R: 03

Olha, o Espanhol... e o inglês. [...] O principal seria assim..., pelo nosso

contexto da localidade, seria muito interessante o espanhol e o inglês,

porque isso é uma quest., i, né, de outras, outras crianças tem, que é a mais

falada. E o espanhol também, porque hoje em dia, né, tem prova que a gente

vai fazer quando adulto que só tem o inglês, (?), tem prova que tem as duas

opções, então, seria..., já facilitava [...]. (Entrevista em 19/11/2014 – grifos

da pesquisadora).

ENTREVISTADO.12 – R: 02

O espanhol é importante... porque nós... devido a fronteira, devido a nós

termos contato, né, e... a língua inglesa também é importante... porque hoje

em dia você tem... você tem que falar, né, você tem que... nós assim... que

nós temos que... fazer cursos. Igual mesmo, eu não faço, mas para os meus

filhos... eu quero que eles façam inglês..., espanhol, porque é importante, né,

eles conhecerem outras línguas e quando eles precisarem... eles vão saber,

né. Então é importante. (Entrevista em 17/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.11 – R: 01

[...] Porque assim, as duas línguas mais faladas é o inglês e o espanhol.

Então eu acho que seria interessante junto com... as matérias específicas

assim... trabalhar as duas línguas, inglês e espanhol... (Entrevista em

12/11/2014 – grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.10 – R: 02

No caso o espanhol, a língua materna o português e o inglês. Isso seria o

necessário. [por que você acha que deveria ser as três?] Bom, o espanhol

devido à fronteira, o inglês por ser a, a linguagem... como se diz?...

mundial, universal e o português a língua materna mesmo. E apesar de

falar... ser uma linguagem que já deveria saber... e a gente não, não tem...

acaba não sabendo falar... né, falar corretamente, a gente fala mais aquela

linguagem coloquial, mas que deveria ter [...]. (Entrevista em 19/11/2014 –

grifos da pesquisadora).

ENTREVISTADO.04 – R: 02

Eu acho que o espanhol, igual eu falei pra você e... também... o inglês

também eu acho, e também a língua guarani, porque aqui a gente tem as

aldeia que estão a volta e também recebe crianças do Paraguai que vem

estudar. Pra gente eu acho... que seria uma boa [...]. (Entrevista em

19/11/2014 – grifos da pesquisadora).

Os seis recortes citados pelos participantes ressaltam a validade e a importância das

Línguas Estrangeiras na escola, em especial do ensino conjunto da Língua Espanhola e da

Língua Inglesa, ambas enquanto disciplinas curriculares. Nesse sentido, os participantes 13,

03, 12, 11, 10 e 04, por meio dos recortes anteriores, discutem uma abordagem que já é

realidade em uma das escolas particulares:

ENTREVISTADO.16 – R: 01

[...] [Vocês tem o inglês e o espanhol junto?] O inglês e o espanhol... em

aulas diferentes. [Na grade as duas línguas?] Sim, as duas línguas [...].

(Entrevista em 12/11/2014 – grifos da pesquisadora).

O Entrevistado 16 esclarece que a escola (privada) em que trabalha oferece a Língua

Espanhola em conjunto com a Língua Inglesa do 1º ao 9º anos do Ensino Fundamental I e II,

e justifica que cada escolha se deve ao contexto, como ressalta no recorte 02:

ENTREVISTADO.16 – R: 02

[...] O inglês ele é obrigatório... então a escola precisa ter na sua grade. A

opção pelo espanhol é principalmente por esse... estarmos na fronteira, por

termos alunos... né, que falam espanhol, por termos também... o país vizinho

que eles tem que estar... que nossos alunos tem contato e precisam estar

usando [a língua espanhol]. Então, por ser um país... por ser fronteira... e usa

a língua... Então, a opção foi realmente trabalhar o que seria de importância

para o contexto de nossos alunos. Então o inglês, ele é importantíssimo

também porque é uma linguagem, universal, mas o espanhol por fazer parte

do contexto de vida deles. (Entrevista em 12/11/2014 – grifos da

pesquisadora e o sublinhado é a ênfase dada pelo Entrevistado).

É evidente no enunciado do Entrevistado 16, recorte 02, a importância que se aplica à

Língua Espanhola neste âmbito de ensino particular, uma vez que considera o contato

linguístico com o Paraguai e a presença de alunos paraguaios no colégio, como fatores que

predispõem o ensino dessa Língua Estrangeira na instituição. Sendo assim, o “fato de sermos

vizinhos é um motivo a mais para aprendermos sua língua e nos familiarizarmos com sua

cultura” (SEDYCIAS, 2005, p. 39).

Ao destacar que ofertam as duas línguas, Língua Espanhola e Língua Inglesa, O

Entrevistado 16, no recorte 03, faz a ressalva de que:

ENTREVISTADO.16 – R: 03

[...] O inglês e o espanhol tem que caminhar junto [...]. (Entrevista em

12/11/2014 – grifos da pesquisadora).

O enunciado 03, do Entrevistado 16, complementa o que propuseram os Entrevistados

13, 03, 12, 11, 10 e 04, nos enunciados anteriores, ao sugerirem a oferta e o ensino das duas

Línguas Estrangeiras nas escolas municipais. Essa postura voltada para o plurilinguismo

reforça e sugere uma conduta mais engajada entre o poder público e a comunidade, bem como

uma política linguística planejada em detrimento dos sujeitos atendidos e da realidade

vivenciada, uma vez que são diversos os fatores em prol do ensino e da aprendizagem da

Língua Espanhola na cidade guairense.

Desse modo, destaca-se a relevância de uma abordagem de cunho aplicado, que

envolva toda a problemática advinda da contemporaneidade, orientada não por teorias, mas

sim por problemas, que vão além das fronteiras da linguagem e do contexto social.

Considerações finais

Há, portanto, uma emergência na conscientização e no reconhecimento da pluralidade

linguístico-cultural vivenciada no município de Guaíra, haja vista o contato linguístico

existente entre a Língua Portuguesa e a Língua Espanhola. No que se refere à relação entre as

culturas brasileiras e, sobretudo, paraguaias, a integração e o respeito contribuem para atender

tanto as demandas emergentes de um mundo globalizado quanto às particularidades locais.

Assim, dentro do que se pôde descrever neste texto, pode-se dizer que os

Entrevistados demonstraram interesse pela oferta da Língua Espanhola ao refletirem sobre as

particularidades do município e da presença de alunos hispano falantes nas salas de aula, bem

como da possibilidade de melhoria na comunicação entre os usuários das Línguas Portuguesa

e Espanhola, tanto no comércio como no dia a dia, seja no contato pessoal ou profissional.

Desse modo, é preciso pensar em ações políticas vindas do Estado e/ou do Município

em parceria com a Comunidade, para que todos possam usufruir das mesmas oportunidades

de ensino, dirimindo as diferenças refletidas tanto na língua como na cultura e no acesso ao

saber institucionalizado.

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Recebido em: 31/03/2017. Aceito em: 19/06/2017.