pollyana moça

Upload: brena-moura

Post on 11-Oct-2015

79 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Eleanor H. Porter.

Pollyanna cresceu. agora uma encantadora adolescente, amada por todos os que com ela aprenderam o famoso 'Jogo do Contente'. Sua fama de pessoa especial vai alm dos limites de Beldingsville, a cidadezinha onde vive com a Tia Polly. Pollyanna recebe um convite especial para passar uma temporada em Boston. Algum de l precisa muito dela. Nesta continuao de suas aventuras, Pollyanna no ir apenas conviver com pessoas fascinantes e conquistar novas amizades, mas tambm escontrar o amor e conhecer a inquietao, as dvidas e as emoes de tirar o flego pelas quais passam todas as jovens apaixonadas.

Pollyanna Cresce

Eleanor H. Porter.

Coleco Azul.

Editorial Publica, Lisboa, 1991.

Infanto-Juvenil.

Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente leitura de pessoas portadoras de deficincia visual. Por fora da lei de direitos de autor, este ficheiro no pode ser distribudo para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.

Pollyanna Cresce

Composto e impresso por

Printer Portuguesa, Indstria Grfica, Lda. Mem Martins - Sintra

Para A Editorial Publica, Com Sede Na Avenida Poeta Mistral, 6-b - 1000 Lisboa

Maro de 1991

Traduo de Joo Sargao

Adaptao de Antnio M. Francisco

Capa de Jos Antunes

Editorial Publica

Digitalizao e Correco: Dores Cunha

Formatao: Ctia Alencar

1.Della diz o que pensa

Della Wetherby dirigiu-se decididamente para casa da sua irm, na Commonwealth Avenue, e tocou energicamente campainha. Da cabea aos ps irradiava sade, competncia e deciso. At a sua voz vibrava com a alegria de viver, ao cumprimentar a criada que lhe abriu a porta.

- Bom dia, Mary. A minha irm est em casa?

- Sim, minha senhora, Mrs. Carew est em casa

- hesitou a rapariga -, mas deu ordens para no deixar entrar ningum.

- Ah sim? Mas eu no sou qualquer pessoa! - sorriu Mrs. Wetherby. - Portanto ela h-de receber-me. No se preocupe, porque eu responsabilizo-me. Onde est ela, na sala de estar?

- Sim, minha senhora, mas...

Miss Wetherby, no entanto, j ia a meio caminho das escadas, e a criada, com expresso de desespero, desistiu. J no hall, passou atravs de uma porta semiaberta e bateu.

- O que , Mary? - ouviu-se uma voz aborrecida. - Ah, a Della! - ouviu-se a mesma voz

6

completamente modificada, cheia de calor e surpresa. Minha querida irm, donde vieste?

- Sim, sou eu - sorriu a jovem, j dentro da sala.

- Fui passar o Domingo com duas outras enfermeiras, e agora estou de regresso ao Sanatrio. No me demoro. Vim s dar-te um beijo.

Mrs. Carew fez uma expresso triste e retraiu-se com alguma frieza. O ar de alegria que, por momentos, se lhe espelhara no rosto, tinha desaparecido.

- Claro! Devia ter calculado, tu nunca c pras!

Della Wetherby riu, estendendo-lhe as mos; a seguir, de repente, a sua voz e os seus modos alteraram- se. Olhou para a irm com seriedade e ternura e diss delicadamente:

- Querida Ruth, bem sabes que no consigo viver nesta casa.

Mrs. Carew olhou para ela irritada, protestando:

- No sei porqu!

Della Wetherby abanou a cabea, explicando.

- Sabes sim, querida. Sabes que no sinto afinidade nenhuma com tudo isto: o ambiente, a falta de objectivos, a tua insistncia na tristeza, na amargura.

- Mas eu sou triste e amargurada.

- Mas no devias ser!

- Porque no? Que razes tenho para no ser

assim?

Della Wetherby fez um gesto de impacincia e continuou:

- Olha Ruth, tens 33 anos. Tens boa sade, devias ter, se tratasses bem de ti; dispes de muito tempo

7

e ainda mais de dinheiro. Devias arranjar alguma coisa para fazeres nesta manh maravilhosa ao contrrio de ficares aqui sentada e encafuada em casa, ainda por cima dando ordens criada para no deixar entrar ningum.

- Mas eu no quero ver ningum!

- Olha, eu havia de arranjar maneira de querer. Mrs. Carew olhou constrangida e virou a cabea.

- Oh! Della, porque que nunca me compreendes? Eu no sou como tu. No consigo esquecer...

Uma expresso compreensiva passou pelo rosto da irm.

- Referes-te a Jamie? Se , no me esqueo, querida, mas anichares- te em casa, no te ajudar a encontr-lo.

- Como se eu no tivesse j tentado encontr-lo durante oito longos anos, sem ficar metida em casa! respondeu prontamente Mrs. Carew indignada, com um soluo na voz.

- Claro que sim, querida - atalhou a outra rapidamente - e vamos continuar a procur-lo, as duas, at o encontrarmos ou morrermos. Realmente este ambiente no ajuda nada.

- Mas eu no quero fazer mais nada - murmurou Ruth Carew, desgostosa.

Fez-se silncio por momentos. A irm mais nova sentou-se a olhar para a outra com uma expresso preocupada e reprovadora.

- Ruth - disse ela por fim, com alguma impacincia -, desculpa-me, mas ser que vais continuar sempre assim? Reconheo que s viva, contudo, a tua vida de casada durou apenas um ano e o teu marido era muito mais velho que tu. Esse breve ano, agora, no pode contar muito mais do que um sonho. Decerto no vais ficar amargurada toda a vida!

- No, no murmurou Mrs. Carew desgostosa.

- Ento vais ficar sempre assim?

- Se eu conseguisse encontrar Jamie.

- Sim, eu sei. Porm, minha querida, no haver mais nada no mundo que te possa fazer feliz sem ser o Jamie?

- Acho que no - suspirou Mrs. Carew, com indiferena.

- Ruth! - exclamou a irm quase zangada.

Depois, riu de sbito e adiantou: - Oh! Ruth, Rute,

como gostava de te dar uma dose de Pollyanna! No conheo ningum que precise tanto disso!

Mrs. Carew endireitou- se um pouco.

- No fao ideia do que seja isso da Pollyanna

mas, seja o que for, no quero - retorquiu ela rispidamente. - Isto no o teu querido Sanatrio e no

sou uma doente tua a quem ds remdios e ordens. Por favor, lembra-te disso.

Os olhos de Della Wetherby brilharam, mas a boca

manteve-se sem sorrir.

- Pollyanna no um remdio, minha querida

- disse ela com ar srio - se bem que j ouvisse algumas pessoas chamarem-lhe tnico. Pollyanna uma

menina.

9

- Uma criana? Como podia eu saber? - respondeu a outra, ainda com alguma amargura. - Tu tens a tua "beladona", portanto era natural que tivesses alguma "Pollyanna". Alm disso, ests sempre a aconselhar-me a tomar alguma coisa, e como disseste distintamente "dose" e dose significa normalmente remdio.

- Bom, Pollyanna uma espcie de remdio - sorriu Della. - So os mdicos do Sanatrio que dizem, todos, que ela melhor do que qualquer remdio que possam receitar. uma menina, de 12 ou 13 anos, que esteve no Sanatrio durante o Vero todo e que l passou a maior parte do Inverno. Eu s estive com ela um ms ou dois, porque se foi embora depois de eu chegar. Foi, no entanto, o suficiente para me tocar com o seu encanto. Alm disso, todo o Sanatrio continua a falar de Pollyanna e a jogar o jogo dela.

- Jogo?

- Sim - assentiu Della, com um sorriso curioso.

- Era o "Jogo do Contentamento". Nunca me hei-de esquecer desse jogo. Consiste em procurar algo que d contentamento em tudo o que nos acontece. Pollyanna achou que era um jogo engraadssimo e joga-o sempre. E quanto mais difcil encontrar alguma coisa que d contentamento, mais divertido o jogo se torna, ainda que, por vezes, seja horrivelmente difcil.

- Mas que interessante! - murmurou Mrs. Carew que ainda no tinha compreendido bem.

- Havias de ver os resultados desse jogo no Sanatrio. E o Dr. Ames diz que ela revolucionou a cidade

10

inteira de onde veio, exactamente da mesma maneira. Ele conhece muito bem o Dr. Chilton, o homem que casou com a tia de Pollyanna. E, a propsito, creio que esse casamento foi um dos seus feitos. Ela resolveu uma velha birra de namorados que havia entre eles. Sabes, que h dois anos ou mais, o pai de Pollyanna morreu e a menina foi enviada para o Este, para casa da tia. Em Outubro foi atropelada por um automvel e disseram-lhe que nunca mais poderia voltar a andar. Em Abril, o Dr. Chilton mandou-a para o Sanatrio e ficou at Maro, durante quase um ano. Regressou a casa praticamente curada. Ai, se visses a menina! S houve uma coisa que ensombrou a felicidade dela. que no pde ir a p at casa. Parece que a cidade inteira a foi receber com bandeiras e fanfarras. Digo-te, quase impossvel falar de Pollyanna. preciso conhec-la. Por isso que te digo que devias receber uma dose de Pollyanna. Fazia-te bem, de certeza.

Mrs. Carew levantou um pouco o queixo.

- Devo dizer que estou um pouco em desacordo contigo - respondeu ela friamente. - No estou interessada em ser "revolucionada" e no tenho nenhuma

birra de namorados para resolver. E no haveria nada que me fosse mais detestvel do que ter uma menina presunosa que me dissesse o que eu devia pensar. Nunca suportaria. - e foi interrompida por uma sonante gargalhada.

- Oh! Ruth, Ruth! A Pollyanna presunosa! S gostava que a conhecesses agora! Eu bem sabia que era

difcil falar de Pollyanna. Assim, claro, no ests

11

preparada para a conhecer. Mas presunosa que ela no ! - e desatou outra vez a rir. Porm, logo a seguir, olhando a irm com ar preocupado, prosseguiu: - A srio, minha querida, no se pode fazer nada? Acho que no deves desperdiar a tua vida desta maneira. Porque no sais mais e visitas outras pessoas?

- Mas porqu, se no me apetece? Estou cansada das pessoas. Sabes que a sociedade sempre me aborreceu!

- Ento porque no tentas algum trabalho em prol do prximo?

Mrs. Carew fez um gesto de impacincia.

- Minha querida Della, eu j passei por isto antes. Dou muito dinheiro e isso suficiente. No sei bem quanto, mas se calhar at demais. No acredito em gente pobre.

- Eu quis dizer dares um pouco de ti prpria, querida - atreveu-se Della, delicadamente. - Se te conseguisses interessar por alguma coisa exterior tua prpria vida, isso ajudar-te-ia muito!

- Olha, minha querida Della - interrompeu a irm, gravemente -, gosto muito de ti e prezo que venhas c, mas falta-me pacincia para te ouvir dizer o que devo fazer. A ti, assenta bem fazeres o papel de anjo-da-guarda e tratares dos doentes, e talvez tu con sigas esquecer o Jamie dessa maneira. Mas eu no consigo. Tudo isso me faria pensar ainda mais nele, martirizando-me por no saber se tem algum a cuidar dele. Alm disso, ser-me-ia muito desagradvel o facto de ter de me misturar com todo o gnero de pessoas.

12

- J alguma vez tentaste?

- Claro que no! - respondeu Mrs. Carew indignada.

- Ento como podes saber sem experimentares? perguntou a jovem enfermeira, levantando-se aborrecida.

- Tenho de me ir embora. Vou ter com as minhas colegas na South Station. O nosso comboio parte ao meio-dia e meia. Desculpa se te fiz zangar - concluiu ao despedir-se.

- No estou zangada, Della - suspirou Mrs Carew

- , mas gostava que me compreendesses!

Della Wetherby saiu logo. O seu semblante, os seus passos e modos eram bem diferentes daqueles com que tinha entrado uma hora antes. Toda a vivacidade e alegria de viver tinham desaparecido. Ao longo de meio quarteiro quase arrastava os ps. Depois, de repentt ergueu bem a cabea e respirou fundo.

- Se passasse uma semana naquela casa morria. Acho que nem sequer Pollyanna conseguiria desfazer aquele ambiente! E a nica coisa que arranjaria para ficar contente seria no ter de l ficar.

Tal descrena na capacidade de Pollyanna para alterar o estado das coisas na casa de Mrs. Carew no co respondia exactamente opinio de Della Wetherby.

Isso acabou por se revelar a curto prazo, pois a enfermeira mal tinha chegado ao Sanatrio quando soube de algo que a fez percorrer de novo a viagem de 80 kms at Boston, logo no dia a seguir.

Tal como anteriormente, ela percebeu que Mrs. Carew no sara de casa desde que se tinham encontrado.

13

- Ruth - disse ela ansiosa, depois de ter correspondido saudao da irm surpreendida - eu tinha

que vir e tu, desta vez, tens de confiar em mim e fazer

o que te digo. Ouve! Tu podes receber aqui a Pollyanna

se quiseres.

- Mas eu no quero - retorquiu Mrs. Carew friamente.

Della Wetherby parecia no a ter ouvido e continuou

entusiasmada.

- Ontem, quando voltei para o Sanatrio, soube

que o Dr. Ames recebeu uma carta do Dr. Chilton, o

tal que casou com a tia de Pollyanna. Nessa carta, ele

diz que vai passar o Inverno Alemanha, frequentar

um curso especial, e que levaria com ele a mulher se

a conseguisse convencer de que Pollyanna ficaria bem

durante esse tempo num colgio interno. S que Mrs.

Chilton no queria deixar Pollyanna num colgio, e por

isso ele receava que ela no o pudesse acompanhar.

E a est agora, Ruth, a nossa oportunidade. Queria

que tu ficasses com Pollyanna durante o Inverno, de

modo a que ela pudesse ir escola aqui perto.

- Mas que ideia to absurda, Della! Como se eu

quisesse ter aqui uma criana para me atrapalhar e aborrecer!

- Mas ela no te vai aborrecer nem um bocadinho.

Deve ter quase 13anos e sabe fazer absolutamente tudo.

- Eu no gosto de crianas que sabem fazer tudo

- retorquiu Mrs. Carew com uma ponta de perversidade, mas rindo-se, o que fez a irm readquirir coragem e insistir no seu propsito.

14

Talvez fosse pelo carcter sbito daquele apelo ou pela sua novidade. Talvez fosse por a histria de Pollyanna ter tocado de algum modo o corao de Rutt Carew. Ou talvez fosse a sua falta de vontade em recusar a defesa apaixonada da irm. Fosse o que fosse, quando Della Wetherby se despediu apressadament meia hora mais tarde j levava consigo a promessa de Ruth Carew em receber Pollyanna naquela casa.

- Mas lembra-te disto - avisou Mrs. Carew enquanto a irm se despedia -, se essa menina comear a querer impor-me seja o que for, devolvo-ta logo e podes fazer com ela o que quiseres. No ficarei mais com ela!

- No me esquecerei disso, mas no estou nada preocupada - respondeu a irm mais nova, despedindo-se.

E enquanto se afastava murmurava consigo prpria: Metade do trabalho est feito; agora vamos outra metade, que a de fazer com que Pollyanna venha.diabo! hei-de conseguir! Vou escrever uma carta de modo a que eles a deixem vir!

2. Amigos de longa data

Naquele dia de Agosto, em Beldingsville, Mrs. Chilton esperou que Pollyanna se fosse deitar antes de conversar com o marido sobre a carta que tinha chegado

no correio da manh. O assunto teve de esperar, porque o mdico estava sempre muito ocupado com os seus

doentes e no houvera tempo para conferncias familiares.

Quando o mdico entrou na sala eram j oito e meia.

O seu rosto cansado iluminou-se ao v-la, sem que os

seus olhos deixassem de reflectir interrogao.

- Que se passa, Polly querida? - perguntou ele

com ar preocupado.

A mulher riu divertida.

- uma carta... no pensei que descobrisses s por

olhar para mim.

- Ento no deves ficar com esse ar - disse ele a

sorrir. - O que , afinal?

Mrs. Chilton hesitou, cerrou os lbios e depois agarrou numa carta que tinha junto dela.

- Vou l-la - disse. - de uma tal Miss Della

Wetherby, do Sanatrio do Dr. Ames.

16

- Ento l l - pediu ele, deitando-se ao comprido no sof junto da mulher.

Mrs. Chilton comeou ento a ler a carta em

voz alta:

" Cara Mrs. Chilton

Esta a sexta vez que comeo a escrever-lhe, pois das restantes cinco vezes rasguei a carta. Assim decidi no comear de todo em todo mas dizer- Lhe directamente ao que venho. Quero a Pollyanna. Posso t-la?

Conheci-a, a si e seu marido, em Marosado, quando vieram buscar Pollyanna, mas calculo Que no se lembrem de mim. Vou pedir ao Dr. Ames, que me conhece muito bem, para escrever a seu marido de modo a que no receie confiar-me a sua querida sobrinha.

Sei que no quer ir com o seu marido Alemanha, para no deixar Pollyanna sozinha; por isso me atrevo a pedir-lhe que nos deixe ficar com Pollyanna. Peo-lhe que a deixe ficar connosco. Vou agora dizer-lhe porqu.

A minha irm, Mrs. Carew, uma senhora solitria e muito infeliz. Vive num mundo de tristeza onde nem a luz do Sol penetra. Estou convencida de que se existe alguma coisa na Terra que lhe pode trazer alegria vida, a sua sobrinha, Pollyanna.

Quer deix-la experimentar? Gostava de lhe contar tudo o que ela fez aqui no Sanatrio, mas

17

impossvel. S vendo com os prprios olhos. H muito que descobri que no conseguimos explicar tudo acerca de Pollyanna. Quando tentamos, parece que se trata de uma menina impossvel, presumida e enfadonha. No entanto, sabemos bem que no nada disso. Basta trazer Pollyanna e deix-lafalar por si. por isso que a quero levar minha irm e deix-la falar por siprpria. Claro que ela frequentaria a escola e, entretanto, disso estou convencidssima, ela seria capaz de sarar a ferida que minha irm traz no corao.

No sei como terminar esta carta. Creio que ainda mais difcil do que come-la. Penso que no desejo conclu-la. S me apetece continuar a falar sem parar, com receio de, parando, lhe dar a oportunidade de me dizer no. Por isso, se estiver tentada a dizer essa palavra horrorosa, porfavor, considere como se eu no tivesse parado de falar, dizendo-lhe como quero e preciso de Pollyanna.

Della Wetherby.

- isto! - exclamou Mrs. Chilton, enquanto punha a carta de lado. - J alguma vez leste uma carta assim, ou ouviste falar de um pedido to absurdo?

- No penso assim - disse o mdico sorrindo. No creio que seja absurdo querer Pollyanna.

- Mas. a maneira como ela expe o assunto! Sarar a ferida no corao da irm e tudo isso! At parece que a criana uma espcie de remdio!

O mdico riu abertamente.

- O facto que ela o . Eu sempre disse que gos taria de a poder receitar e vender, como se de embalagem de comprimidos se tratasse. O Charlie Ames diz que sempre fez questo, no Sanatrio, de dar rapidamente aos seus doentes uma dose de Pollyanna aps a chegada deles, durante o ano inteiro que ela l esteve internada.

- Uma dose!... - desdenhou Mrs. Chilton.

- Ento no a vais deixar ir?

- Ir? Claro que no! Achas bem que deixasse ficar a criana com pessoas desconhecidas? E estranhos como estes? Ao voltarmos da Alemanha no me surpreenderia que viessemos encontrar Pollyana j embalada e eti quetada.

O mdico riu de novo, deitando a cabea para trs, e levando as mos ao bolso procura de uma carta.

- Recebi notcias do Dr. Ames esta manh

- disse ele num tom algo diferente do habitual e que produziu uma expresso de estranheza no rosto da mulher.

- E se eu te lesse agora a minha carta?

" Caro Tom

Miss Della Wetherby pediu-me que lhe fizesse

um favor a ela e irm, o que fao com prazer;

Conheo as Wetherby desde crianas. So de uma

familia antiga e educada, e dignas do maior respeito-

Por esse lado nada tem a recear.

19

Eram trs irms, Doris, Ruth e Della. Doris

casou com um tal John Kent, contra a vontade da

famlia. Kent era de boas famlias, mas ele prprio

no valia muito. Um excntrico e de trato difcil.

Ficou muit o zangado com a atitude dos Wetherby

em relao a ele e o relacionamento entre as famlias era difcil at nascer umfilho. Os Wetherbypassaram a adorar aquele menino, James, ou Jamie,

como lhe chamavam. Doris, a me, morreu quando

o menino tinha quatro anos e os Wetherbyfizeram

todo o possvel para que o pai lhes entregasse completamente a criana. Kent, porm, desapareceu de

repente, levando consigo o menino. Desde ento

nunca mais souberam deles, embora tivessem mandado procur-los, pelo mundo inteiro.

A perda levou praticamente morte Mr. e Mrs.

Wetherby, ocorrida a ambos pouco depois. Ruth,

por sua vez casou e enviuvou. O marido, chamado

Carew, era muito rico e bem mais velho do que ela.

Morreu um ano aps o casamento, deixando-a com

um beb que acabou tambm por morrer um ano

depois.

Desde que o pequeno Jamie desapareceu, Ruth

e Della passaram a ter um nico objectivo na vida:

reencontr-lo. Fartaram-se de gastar dinheiro e

revolveram o cu e a terra, todavia sem resultados.

Della acabou por se dedicar enfermagem. Tem

feito um trabalho esplndido e tornou-se uma

mulher saudvel, eficiente e alegre, embora sem

esquecer o sobrinho perdido e sem descuidar

20

qualquer possvel pista que a pudesse conduzir sua descoberta.

Porm, com Mrs. Carew as coisas passaram- se de modo bastante diferente. Depois de ter perdido o seu prprio filho, concentrou todo o amor maternal no filho da irm. Como pode imaginar, ficou completamente desesperada quando ele desapareceu. Isso sucedeu h oito anos e tm sido para ela oito longos anos de infelicidade, tristeza e amargura. Tudo o que o dinheiro pode comprar e est evidentemente ao alcance dela, mas nada lhe agrada, nada a interessa. Della acha que a altura de fazer com que ela mude, custe o que custar, e acredita que a brilhante sobrinha da sua mulher, Pollyanna, pode ser a chave mgica que conseguir abrir a porta de uma nova vida para ela. Sendo assim, espero que no vejam impedimento em satisfazer o pedido dela. E devo acrescentar que tambm eu, pessoalment ficaria muito grato pelo favor, porque Ruth Carew e a irm so grandes e antigas amigas minhas e de minha mulher, e o que as afecta a elas tambmtoca a ns.

Charlie"

Concluda a leitura da carta, fez-se entre ambos

um longo silncio, to longo que o mdico perguntou:

- Ento, Polly?

.

1

r'

f:

- .

POLLYANNA CRESCE 1

O silncio manteve-se. O mdico, observando atentamente o rosto da mulher, viu que os lbios dela estavam trmulos. Aguardou sem insistir at ela responder.

- Quando achas que contam com ela? - perguntou finalmente.

Surpreendido, o Dr. Chilton indagou:

- Ento vais deix-la ir?

- Mas que pergunta, Thomas Chilton! Com uma

carta destas eu podia fazer outra coisa que no fosse

deix-la ir? Sendo o prprio Dr. Ames quem pede,

achas que depois de tudo o que ele fez pela Pollyanna

eu podia recusar fosse o que fosse?

- Oh, minha querida, s espero que o mdico no

se lembre de te pedir a ti - murmurou o marido com

um sorriso excntrico.

A mulher apenas lhe concedeu um olhar de desdm,

dizendo:

- Podes escrever ao Dr. Ames e dizer-lhe que deixamos ir a Pollyanna. E pede-lhe que diga a Miss

Wetherby para nos escrever a dar todas as instrues.

Ter de ser por volta do dia 10do ms que vem, porque tu partes a seguir e eu quero ver a criana bem instalada antes de partir.

- Quando vais dizer a Pollyanna?

- Talvez amanh.

- O que lhe vais dizer?

- Ainda no sei bem, mas s aquilo que tiver de

dizer. Seja como for, Thomas, no devemos estragar

Pollyanna e qualquer criana poderia estragar-se se

metesse na cabea que era uma espcie de... de...

22

- De remdio embalado com etiqueta e tudo - interrompeu o mdico com um sorriso.

- Sim, isso - suspirou Mrs. Chilton. A inconscincia dela que salva tudo. Sabes isso muito bem.

- Sim, eu sei - assentiu o marido.

- claro que ela sabe que tu e eu e metad da cidade esto a jogar o jogo com ela e que somos mais felizes por o jogarmos.

A voz de Mrs. Chilton vacilou um pouco, continuando depois com mais firmeza:

- Mas se ela, conscientemente, deixasse de ser como , natural, radiosa e feliz, a jogar o jogo que o pai lhe ensinou, tornava-se exactamente aquilo que a enfermeira disse que parecia: impossvel. Por isso, diga o que lhe disser, nunca lhe direi que vai para casa de Mrs. Carew para a alegrar - concluiu Mrs. Shilton, levantando- se decididamente e pondo o trabalho de lado.

- Acho que s muito sensata - aprovou o mdico.

No dia seguinte disseram a Pollyanna. Foi assim que as coisas se passaram:

- Minha querida - comeou a tia, quando anbas ficaram a ss nessa manh -, gostavas de ir passar o prximo Inverno a Boston?

- Consigo?

- No. Eu decidi ir com o teu tio Alemanha. Mrs. Carew, uma grande amiga do Dr. Ames, convidou-te para permaneceres com ela o Inverno e acho que devo deixar-te ir.

23

O rosto de Pollyanna fez-se triste.

- Mas em Boston no tenho o Jimmy, ou Mr. Pendleton ou Mrs. Snow, nem ningum conhecido.

- No, querida, mas quando para aqui vieste tambm no os tinhas at os conheceres.

Pollyanna esboou um sorriso.

- verdade tia Polly, no os conhecia! Isso quer dizer que em Boston existem Jimmys, Mr. Pendletons

e Mrs. Snows minha espera para eu as conhecer, no verdade?

- Sim, querida.

- Ento devo ficar contente com isso. Acho que agora a tia Polly sabe jogar o jogo melhor do que eu. e Nunca tinha pensado em ter pessoas minha espera s para eu as conhecer. E h muita gente! Vi algumas pessoas, quando l estive h dois anos com Mrs. Gray. Estivemos l duas horas inteiras no caminho do Oeste para aqui. Na estao havia um homem simpatiqussimo, que me disse onde eu podia beber gua. A tia acha que ele ainda l est? Gostava de o rever. E tambm havia uma senhora muito bonita com uma menina

pequenina. Vivem em Boston, como me disseram. A menina chamava- se Susie Smith. Talvez as venha a ver. Acha que sim? E havia um rapaz e uma outra senhora

com um beb, mas viviam em Honolulu, por isso no devo conseguir encontr-los agora. Mas conhecerei Mrs. Carew. Quem Mrs. Carew, tia Polly? das suas relaes?

- Querida Pollyanna! - exclamou Mrs. Chilton meio a rir meio desesperada. - Como podes querer que

24

algum acompanhe o que dizes e ainda menos o que pensas, quando vais a Honolulu e voltas em dois segun dos! No, Mrs. Carew no nossa conhecida. irm de Miss Della Wetherby. Lembras-te de Miss Wetherby do Sanatrio?

Pollyanna bateu palmas.

- irm de Miss Wetherby? Ah, tenho a certeza de que muito querida! Miss Wetherby era. Adorei Miss Wetherby. Tinha pequenos vincos em redor dos olhos e da boca, quando ria, e conhecia histrias engra adssimas. S a tive durante dois meses, porque schegou um pouco antes de eu ter alta. Ao princpio tive pena por no a ter tido durante todo o tempo, mas no fim, fiquei contente, porque se eu a tivesse tido durante todo o tempo teria sido muito mais difcil despedir-me dela. Engraado, e agora parece que a vou ter outra vez, porque vou ficar com a sua irm.

Mrs. Chilton respirou fundo e mordeu o lbio.

- Mas Pollyanna, no podes estar espera que elas sejam parecidas! - atreveu-se a tia a dizer.

Nos dias seguintes, enquanto se trocavam cartas sobre a permanncia de Pollyanna em Boston, Pollyanna preparava-se para partir desdobrando-se em visitas aos amigos de Beldingsville.

Toda a gente da pequena cidade de Vermont conhecia agora Pollyanna e quase todos jogavam o jogo con ela. Os poucos que no o faziam era por desconhecerem o que era o Jogo do Contentamento. Assim, de uma casa para a outra, Pollyanna contou as novidades sobre a sua partida para Boston, onde passaria

25

o Inverno. Em todo o lado ouviu um clamor de lamenntaes e protestos, desde Nancy, cozinheira da tia Polly,

at ao casaro da colina onde vivia John Pendleton.

Nancy no hesitou em dizer a toda a gente, excepto

patroa, que considerava tal viagem um disparate, e

que se pudesse ficaria muito contente em levar Miss

Pollyanna consigo para a sua casa na terra, podendo

assim Mrs. Polly partir para a Alemanha. Na colina,

John Pendleton repetiu praticamente a mesma coisa,

e no hesitou em diz-lo directamente a Mrs. Chilton.

Quanto a Jimmy, um rapazinho de 12anos de quem

John Pendleton tomara conta a pedido de Pollyanna

e que entretanto adoptara, ficou indignadssimo e no

demorou a manifest-lo:

- Mas acabaste de chegar! - disse ele, reprovando

Pollyanna num tom de voz que os rapazinhos usam

quando querem esconder o facto de se sentirem

magoados.

- Bem, estou c desde Maro. Alm disso, no vou

l ficar para sempre, s este Inverno.

- No interessa. Estiveste fora o ano inteiro, e se

eu soubesse que ias outra vez embora, no me tinha

dado ao trabalho de te receber com bandeiras e "fafarras" no dia da tua chegada do "sadatrio".

No me digas, Jimmy Bea! - exclamou Pollyanna,

em tom surpreendido e desaprovador. Depois, com um

toque de superioridade, resultante do orgulho ferido,

observou: - No te pedi para me ires receber. Alm

disso cometeste dois erros: fanfarras e sanatrio

que se diz.

26

- E quem se rala com isso?

Os olhos de Pollyanna abriram-se ainda mais numa expresso de reprovao.

- E tambm j no me chamo Jimmy Bean! redarguiu o rapaz, levantando o queixo.

- No s? Ento porqu? - perguntou a menina.

- Fui adoptado legalmente. Ele tencionava h muito adoptar-me, mas no conseguia. Agora j conseguiu. Chamo-me Jimmy Pendleton e passei a cham-lo por tio John. S que ainda no estou habituado e tenho dificuldade em cham-lo assim.

O rapaz continuava zangado, mas os vestgios da irritao tinham-se atenuado no rosto da menina, ao ouvir as palavras dele. Bateu as palmas com alegria.

- Mas que bom! Agora tens uma famlia a srio, uma famlia que gosta de ti. E nunca mais ters que explicar o teu nome, pois agora igual ao dele. Estou to contente, to CONTENTE!

O rapaz levantou-se de repente do muro onde estavam sentados e afastou-se. Estava corado e tinha os olhos cheios de lgrimas. Era a Pollyanna que ele tudo devia, todo o bem que lhe tinha acontecido, ele bem o sabia.

3. Uma dose de Pollyanna

medida que o dia 8 de Setembro se aproximava, data em que Pollyanna deveria chegar, Mrs. Ruth Carew tornava-se cada vez mais nervosa e exasperada consigo prpria. Dizia lamentar a promessa que fizera em receber a criana. Escreveu irm, pedindo-lhe para a libertar do compromisso, mas Della respondeu que era demasiado tarde, pois tanto ela como o Dr. Ames j tinham escrito aos Chiltons.

Pouco tempo depois chegou a carta de Della, transmitindo-lhe que Mrs. Chilton tinha dado o seu acordo e que viria dentro de alguns dias a Boston tratar da questo da escola e de outros assuntos. Assim, no havia nada a fazer seno deixar as coisas seguir o seu curso natural. Mrs. Carew acabou por se convencer e sujeitou-se ao inevitvel, mas de m vontade. Procurou ser educada quando Della e Mrs. Chilton chegaram, mas ficou satisfeita por Mrs. Chilton se demorar pouco devido quantidade de coisas que tinha para resolver.

Felizmente, a chegada de Pollyanna no estava prevista para depois do dia 8, pois o tempo em vez de

28

reconciliar Mrs. Carew com a ideia da nova hspede, enchia-a antes de impacincia com aquilo a que chamava de aceitao absurda do esquema disparatado de Della.

Della tambm estava perfeitamente consciente do estado de esprito da irm, e embora exteriormente ela no tivesse uma atitude decidida, no seu ntimo estava muito receosa em relao aos resultados. Depositava todas as suas esperanas em Pollyanna e decidiu apostar em deixar a menina iniciar a sua luta totalmente sozinha e sem ajuda. Arranjou, assim, as coisas de modo a que Mrs. Carew a fosse esperar estao. E logo que as apresentaes foram feitas, alegou um compromisso inadivel e despediu-se. Mrs. Carew, mal tendo tempo de observar a convidada, encontrou-se sozinha com ela.

- Della, Della, no te vs j embora - disse ela agitada na direco da enfermeira que se afastava.

Della no deu mostras de a ter ouvido. Aborrecida, Mrs. Carew virou-se para a criana a seu lado.

- Mas que pena ela no ter ouvido - disse Pollyanna, cujos olhos tristes seguiam tambm a enfermeira. - Preferia que ela tivesse ficado, mas agora tenho-a a si, no ? Posso ficar contente com isso.

- Ah sim, tem-me a mim e eu tenho-a a si - respondeu a senhora de maneira pouco graciosa. - Vamos por aqui - indicou ela com um gesto para a direita.

Vagarosamente, Pollyanna virou-se e caminhou ao lado de Mrs. Carew atravs da gigantesca estao. Olhou ainda uma ou duas vezes, preocupada, para o

29

rosto pouco sorridente da senhora e, finalmente, disse hesitante e com voz perturbada:

- Se calhar pensava que eu era bonita.

- Bonita? - repetiu Mrs. Carew.

- Sim, com caracis! Decerto deve ter pensado como eu era, tal como fiz em relao a si. S que eu sabia que a senhora devia ser bonita e simptica por causa da sua irm. Eu tinha-a a ela como referncia, mas a senhora no tinha ningum e eu sei que no sou bonita por causa das sardas e no simptico estar-se espera de uma menina bonita e receber uma como eu,

e...

- Que disparate, menina! - interrompeu Mrs. Carew um pouco asperamente. - Vamos buscar a sua mala e depois seguimos para casa. Estava a contar que a minha irm ficasse connosco mas parece que no pode, nem por uma noite.

Pollyanna sorriu e fez que sim com a cabea.

- No devia poder. Devia ter algum espera. Tinha sempre algum espera dela l no Sanatrio. uma maada quando as pessoas esto sempre nossa espera, no ? Assim, nem temos tempo de estar por nossa conta; mas, apesar disso, podemos ficar contentes, porque bom ser-se desejado, no ?

No se ouviu resposta, talvez porque, pela primeira vez na sua vida, Mrs. Carew reflectia se existia algum algures que a desejasse realmente. No que quisesse ser desejada, pensou para si prpria, zangada, enquanto levantava mais a cabea e franzia o sobrolho na direco da criana.

30

Pollyanna no a viu franzir o sobrolho. Os olhos da menina dirigiam-se agitadamente em redor.

- Que carro to bonito! Vamos nele? - exclamou Pollyanna quando chegaram diante de uma bonita limosina, com o motorista de libr a abrir a porta.

O motorista procurou sem xito ocultar um sorriso. Porm, Mrs. Carew respondeu com a despreocupao de algum para quem andar de automvel no mais do que um meio de deslocao de um lugar aborrecido para outro to aborrecido como o anterior.

- Sim, vamos nele. Vamos para casa, Perkins - acrescentou, dirigindo-se ao deferente motorista.

- O carro seu? - perguntou Pollyanna, detectando um ar inegvel de proprietria no comportamento da sua anfitri. - Mas que carro to bonito! Deve ser muito rica, mais do que os que s tm tapetes em todas as salas e gelado aos domingos como os Whites, uma das minhas Senhoras da Caridade. Eu pensava que eles eram ricos, mas sei agora que ser realmente rico significa ter anis de diamantes, criadas, casacos de pele de foca, vestidos de seda e veludo para mudar todos os dias e um automvel. Tem isso tudo?

- Sim, acho que sim - admitiu Mrs. Carew, com um ligeiro sorriso.

- Ento, com certeza, rica! - concluiu Pollyanna. - A minha tia Polly tambm tem tudo isso, mas o carro dela puxado por cavalos. Gosto imenso de andar nestas coisas. Nunca tinha andado antes, a no ser naquele que me atropelou. Levaram-me nele depois de me terem tirado debaixo. Mas, claro,

31

no dei por nada, de maneira que no pude apreciar. Desde ento nunca mais estive dentro de nenhum. A tia Polly no gosta. O tio Tom gosta e quer ter um. Ele diz que precisa de um automvel na sua profisso. mdico e todos os outros mdicos da cidade j tm carro. No sei o que ir sair dali. A tia Polly est muito incomodada com aquilo. Ela quer que o tio Tom tenha tudo o que quer, mas quer que ele queira aquilo que ela quer que ele queira, est a perceber?

Mrs. Carew riu de repente.

- Sim, minha menina, parece-me que percebo - respondeu com alguma reserva, embora o olhar reflectisse uma expresso pouco habitual.

- Ainda bem - respondeu Pollyanna contente. Sabia que compreenderia, apesar de parecer um bocado confuso o que eu disse. A tia Polly diz que s no se importava de ter um automvel se fosse o nico no mundo, para que ningum fosse contra ela... Tantas casas! - bruscamente, Pollyanna mudou de assunto, olhando em redor, com admirao. - Nunca mais acabam! Tem de haver muitas, para que tanta gente possa ter onde morar, pelo que vi na estao, para alm das muitas outras que se vem nas ruas. E, claro, onde h mais pessoas, tambm h mais gente para conhecer. Adoro pessoas. E a senhora?

- A dorar pessoas?

- Sim, as pessoas, toda a gente!

- No, Pollyanna, no posso dizer que as adoro

- respondeu Mrs. Carew, friamente e um pouco contrada.

32

Os olhos de Mrs. Carew tinham perdido aquela expresso especial. Viravam-se desconfiadamente para Pollyanna. Mrs. Carew dizia para si prpria: ser que tenho agora, como arenga principal, o meu dever de me dar com o prximo, maneira da Irm Della!

- A senhora no gosta de pessoas? Eu gosto muito. So todas to simpticas e diferentes umas das outras. E aqui deve haver muitas que so simpticas e diferen tes. Nem imagina como fiquei contente ao saber que vinha para c! Adivinhei que ia gostar logo que descobri que era a senhora, isto , a irm de Miss Wetherby. Adoro Miss Wetherby e, por isso, no duvidei que ia gostar muito de si, pois, com certeza, so parecidas por serem irms.

A limosina tinha virado para a Commonwealth Avenue e Pollyanna comeou imediatamente a louvar a beleza da avenida, com um jardim to bonito no meio e que se tornava ainda mais bonita depois de terem passado por tantas ruas estreitas.

- Acho que toda a gente devia gostar de viver aqui

- comentou entusiasmada.

- muito possvel, mas seria difcil - retorquiu Mrs. Carew, com as sobrancelhas levantadas.

Pollyanna, suspeitando que a expresso reflectida no rosto da senhora era de contentamento por a casa dela no se situar naquela linda avenida, apressou-se a corrigir.

- No, claro que no - concordou. - Eu no quis dizer que as ruas mais estreitas no sejam tambm bonitas. At talvez ainda sejam melhores, pois assim podemos

33

estar contentes por no ter que andar tanto quando precisamos de atravessar a rua para pedir um ovo emprestado. Mas vive aqui? - interrompeu ela, quando o carro se deteve defronte da porta de uma casa. - Vive aqui Mrs. Carew?

- Sim, claro que vivo aqui - respondeu a senhora, algo irritada.

- Mas que contente que se deve sentir por viver num stio to bonito - exultou a menina, correndo para o passeio e olhando excitada em redor. - No se sente contente?

Mrs. Carew no respondeu. Sisuda e de testa franzida, saiu da limosina.

Pela segunda vez em cinco minutos Pollyanna apressou-se a corrigir.

- Claro que eu no me referia ao tipo de contentamento que seja pecado de orgulho - explicou, perscrutando ansiosa o rosto de Mrs. Carew. - Talvez pensasse que eu me referia a esse tipo de contentamento, como a tia Polly pensava s vezes. No me refiro a esse tipo de contentamento por termos alguma coisa que os outros no tm, mas ao tipo de contentamento que nos faz apetecer gritar e bater com as portas, mesmo que no seja boa educao - concluiu, danando e saltando em bicos dos ps.

O motorista virou-se precipitadamente e meteu-se no carro. Mrs. Carew, que continuava sria, ia frente ensinando o caminho.

- Venha Pollyanna - limitou-se a dizer, crispadamente.

34

Cinco dias mais tarde, Della Wetherby recebeu uma carta da irm e abriu-a ansiosamente. Era a primeira que chegava desde que Pollyanna estava em Boston com Mrs. Carew.

" Querida irm

"Della, porque no me informaste sobre esta criana que insististe para que tomasse conta? Estou fula e no a posso mandar embora. J tentei por trs vezes, mas, em todas elas, antes de comear a dizer o que quero, ela interrompe-me dizendo-me que est a gostar imenso de estar comigo, que se sente muito contente e que sou muito boa em ficar com ela enquanto a tia est na Alemanha. Assim, diz-me, com que cara posso virar-me para ela e dizer: porfavor vai para casa, no te quero aqui. E o mais absurdo que acho que no lhe entra na cabea que no a quero c e parece que tambm no consigo fazer-lhe compreender isso.

" claro que se ela comear a pregar e a dizer-me para pensar nos meus pecados, mando-a imediatamente embora. Eu disse-te que no permitiria isso. E no permito. Por duas ou trs vezes pensei que ela ia comear com prdicas, mas at aqui no passam das histrias ridculas acerca dumas Senhoras da Caridade, com o sermo a derivar para outro lado, felizmente para ela, se quer ficar.

"Mas ela realmente impossvel. Eu conto.

35

"Em primeiro lugar, est maravilhada com a casa. No primeiro dia em que aqui chegou, pediu-me para abrir todas as salas e no ficou satisfeita seno quando viu desaparecer todas as sombras da casa para que pudesse apreciar todas as coisas maravilhosas que havia, coisas essas qQue ela disse serem ainda mais bonitas que as de Mr. John Pendleton que creio ser algum de Beldingsville. De qualquerforma no se trata de uma das Senhoras da Caridade. A t a j percebi.

"Depois, como se no bastasse fazer-me correr de quarto em quarto, laia de cicerone, descobriu um vestido de noite de cetim branco que eu j no vestia h anos e suplicou-me que o vestisse. Acabei por faz-lo, no sei porqu, mas senti-me completamente desamparada nas mos dela.

"Mas isto foi apenas o principio. Pediu-me ento para ver tudo aquilo que eu tinha e era to engraada nas histrias que contava sobre as colectas para os missionrios, que eu tive mesmo de rir, embora ao mesmo tempo quase tivesse vontade de chorar, ao pensar nas coisas horriveis que a pobre criana tinha de vestir. E, claro, dos vestidos passmos s jias. E ela fez tanto barulho ao ver dois ou trs dos meus anis, que eu, disparatadamente, acabei por abrir o cofre s para ver os olhos dela arregalados. Cheguei mesmo a pensar que a criana ficava maluca. Ps-me todos os anis, alfinetes de peito, pulseiras e colares que tenho e insistiu em colocar dois diademas de brilhantes na minha cabea. Fiquei

36

sentada com prolas, diamantes e esmeraldas pen durados, sentindo-me qual deusa num templo hind, principalmente quando to disparatada criana comeou a danar minha volta batendo as palmas e cantando: Que maravilhosa, que maravilhosa! Como eu gostava de a pendurar por um fio na janela! Daria um prisma lindissimo!

"Ia-lhe perguntar que diabo queria dizer com aquilo, quando ela caiu no cho e comeou a chorar. E porque achas que estava a chorar? Calcula! Porque estava radiante por ter olhos para poder ver! Que achas tu disto?

"Claro que no a aturo, isto s o principio. Pollyanna est c h quatro dias e trava conhecimento com toda a gente. Mas, como disse, ficarei com ela at que comece com prdicas. Ento devolvo-ta. Felizmente que ainda no comeou com isso.

Ruth. "

"Ainda no comeou com prdicas", realmente!

- murmurou Della Wetherby, dobrando as folhas da carta da irm. - Oh, Ruth! Ruth! E ainda admites ter aberto todas as salas, escancarado todas as janelas, e que te cobriste de cetim e de jias! E Pollyanna ainda nem esteve a, sequer, uma semana! E, de facto, sem que tenha, ainda, feito alguma prdica!

4. O jogo e Mrs. Carew

Para Pollyanna, Boston era uma experincia nova. E decerto que tambm para a parte da cidade que tinha o privilgio de a conhecer, ela era igualmente uma experincia nova.

Pollyanna, ao contrrio das pessoas que acham que para ver o mundo se deve comear pelos pontos mais distantes, comeou por "ver Boston" atravs de uma explorao minuciosa do meio mais prximo, a bela residncia da Commonwealth Avenue, agora a sua casa. Isso, juntamente com os trabalhos escolares, ocuparam-na completamente durante alguns dias.

Havia tanta coisa para ver e para aprender. Era tudo to maravilhoso e to bonito. Desde os botezinhos na parede, os quais, ao tocar-se-lhes, inundavam as salas de luz, ao grande e silencioso salo de baile, cheio de espelhos e quadros. Tambm havia tanta gente encantadora para conhecer, alm da prpria Mrs. Carew. Havia a Mary, que limpava os quartos, respondia campainha e acompanhava Pollyanna escola todos os dias; a Bridget, que estava na cozinha e cozinhava; Jenny, que servia mesa; e Perkins, que conduzia o

38

automvel. E eram todos to simpticos, apesar de to diferentes tambm!

Pollyanna tinha chegado numa segunda-feira e, portanto, passara quase uma semana at ao domingo seguinte. Desceu as escadas nessa manh com uma expresso radiosa.

- Adoro os domingos - disse alegremente.

- Adora? - a voz de Mrs. Carew soava com o aborrecimento de quem no gosta de dia nenhum.

- Sim, por causa da igreja e da catequese. De que gosta mais, da igreja ou da catequese?

- Bom, de facto... - balbuciou Mrs. Carew, que raramente ia igreja e nunca frequentava a catequese.

- difcil dizer, no ? - interrompeu-a Pollyanna, com olhos luminosos, mas ao mesmo tempo srios. Eu gosto mais da igreja por causa do meu pai. Sabe, ele era pastor e deve estar mesmo no Cu com a me e os meus irmos. Mas tento imagin-lo c em baixo e, muitas vezes, mais fcil faz-lo na igreja quando o padre est a pregar. Fecho os olhos e imagino que o pai que ali est, o que me ajuda muito. Fico to contente por conseguir imaginar coisas. A senhora no fica?

- No sei bem, Pollyanna.

- Mas pense s como so muito mais bonitas as coisas que imaginamos do que as que so realmente verdadeiras. claro, as suas no so, porque as reais so to bonitas.

- Mrs. Carew, zangada, comeou a falar mas Pollyanna retomou apressadamente o que dizia.

39

- E claro que as minhas coisas reais so sempre muito mais bonitas. Realmente, durante o tempo em que estive doente, sem poder andar, tive de imaginar tanto quanto podia. Talvez por isso, continuo a faz-lo inmeras vezes, ora sobre o pai ora sobre o que calha. Hoje vou imaginar que o pai que est l no plpito. A que horas vamos?

- Vamos, onde?

- igreja.

- Mas, Pollyanna, eu no vou, no gosto de ir...

- Mrs. Carew tossiu para aclarar a voz e tentar de novo dizer que no ia igreja e que quase nunca l ia, mas ao ver o rosto confiante de Pollyanna e aqueles olhos alegres diante de si no conseguiu diz-lo. - Talvez por volta das dez e um quarto, se formos a p - disse ento, quase de mau humor. - Enfim, perto daqui!

Aconteceu, assim, que Mrs. Carew, naquela linda manh de Setembro, ocupou pela primeira vez desde h muitos meses o banco dos Carew na igreja muito elegante onde ia quando era rapariga e que continuava a auxiliar bastante no que se referia a dinheiro.

Para Pollyanna, a missa daquela manh de domingo foi motivo de grande admirao e alegria. A msica maravilhosa do coro, os vitrais iluminados pelo sol, a voz apaixonada do pastor e os rituais do culto, encheram-na de xtase, deixando-a perplexa. S j perto de casa, disse com fervor:

- Oh! Mrs. Carew, tenho estado a pensar como estou contente por no termos de viver seno um dia de cada vez!

40

Mrs. Carew franziu o sobrolho e olhou para a menina. Mrs. Carew no estava com disposio para prdicas. Tinha acabado de ser obrigada a ouvi-las, do plpito, e no estava disposta a ouvi-las de uma criana. Alm disso, essa teoria de "viver um dia de cada vez" bem sabia que era uma doutrina particularmente querida de Della. No insistia ela, constantemente: "Mas tu s tens de viver um minuto de cada vez, Ruth, e toda a gente pode aguentar seja o que for durante um minuto de cada vez! "

- Que disseste? - inquiriu Mrs. Carew, tensa.

- Sim. Pense s o que eu faria se tivesse que viver ontem, hoje e amanh ao mesmo tempo - disse Pollyanna. - Com tantas coisas maravilhosas. Mas tive o dia de ontem; agora, estou a viver hoje; e o de amanh ainda est para vir e tambm o prximo domingo. Honestamente, Mrs. Carew, se no fosse domingo e no estivssemos nesta rua to simptica e calma, punha-me a danar e a gritar. No podia deixar de o fazer. Mas, por ser domingo, tenho de esperar at chegar a casa, para a cantar um hino, o hino mais alegre de que me consiga lembrar. Sabe qual o hino mais alegre que existe, Mrs. Carew?

- No, acho que no - respondeu Mrs. Carew, com voz fraca, olhando como se estivesse procura de alguma coisa perdida.

Para uma pessoa que espera que lhe digam que s precisa de aguentar um dia de cada vez por as coisas serem to ms, surpreendente, para no dizer outra coisa, que lhe digam que, por as coisas serem to boas,

41

uma felicidade no ter de aguentar seno um dia de cada vez!

Segunda-feira, na manh seguinte, Pollyanna foi sozinha pela primeira vez escola, de que gostou muito. Conhecia agora perfeitamente o caminho. Ficava prximo. Tratava-se de um pequeno colgio privado para meninas e, de certo modo, constitua uma nova experincia para si, e se ela gostava de experincias novas!

Ora, Mrs. Carew no gostava de experincias novas, e o certo que estava a t-las nos ltimos dias. Para uma pessoa que se sente cansada de tudo, ter como companhia to ntima algum para quem tudo constitui uma alegria fascinante, por certo tudo isso deve ser um aborrecimento. E Mrs. Carew estava mais que aborrecida, sentia- se exasperada. Ainda assim, admitia para consigo prpria que, se algum lhe perguntasse por que razo se sentia exasperada, a nica razo que poderia apresentar seria "por Pollyanna estar to contente".

A Della, porm, Mrs. Carew escreveu que a palavra "contentamento" lhe dava cabo dos nervos, e que, por vezes, preferia no voltar a ouvi-la. Continuava a admitir que Pollyanna ainda no lhe fizera nenhuma prdica, e que nem sequer tentara faz-la jogar ojogo. O que fazia, simplesmente, era considerar o "contentamento" de Mrs. Carew como uma coisa bvia, o que para quem no se sentia contente era quase uma provocao.

Foi durante a segunda semana da estada de Pollyanna que o aborrecimento de Mrs. Carew se manifestou com irritao. A causa imediata foi a concluso brilhante

42

de Pollyanna para uma histria acerca de uma das suas "Senhoras da Caridade".

- Ela estava a jogar ojogo, Mrs. Carew. Mas talvez no saiba de que jogo se trata. Vou contar- lhe. um jogo ptimo.

- No interessa, Pollyanna - objectou Mrs. Carew. Sei tudo sobre esse jogo. A minha irm contou-me, e devo dizer que no me interessa nada.

- Com certeza, Mrs. Carew! - exclamou Pollyanna, pedindo desculpa. - No estava a pensar nojogo para si. A senhora, evidentemente, no o podia jogar.

- No o podia jogar? - perguntou indignada Mrs. Carew, que, apesar de no tencionar jogar tal jogo disparatado, no estava disposta a ouvir dizer que no o conseguiria fazer.

- Creio que no! - disse Pollyanna, rindo. O jogo para descobrir alguma coisa que nos d contentamento e a senhora nem consegue comear a procurar, porque no h nada ao seu redor que no lhe d contentamento. Assim, no seria jogo nenhum para si, percebeu?

Mrs. Carew corou, zangada. Com o seu habitual aborrecimento dissera porventura mais do que queria dizer.

- Bom, no quis dizer tanto - contrariou ela friamente. - O que sucede que no encontro nada que me d contentamento.

Por momentos Pollyanna olhou-a espantada.

- Mas porqu, Mrs. Carew?

43

- Ora, que quer que haja aqui que me d contentamento? - desafiou a senhora, esquecendo-se momentaneamente que no permitiria que Pollyanna lhe "desse prdicas".

- Mas, tudo - murmurou Pollyanna ainda espantada. - Tem esta linda casa.

- apenas um lugar onde se come e dorme e eu no gosto de comer nem de dormir.

- Mas tem tantas coisas lindas!

- Cansei-me delas!

- Mesmo o seu automvel, que a pode levar a toda a parte?

- Mas eu no quero ir a toda a parte.

- J pensou nas pessoas e nas coisas que podia ver, Mrs. Carew?

- No estou interessada nelas, Pollyanna. O espanto de Pollyanna no se dissipava. A expresso crispada do rosto da senhora ficou mais vincada.

- Mas, Mrs. Carew, no compreendo. Antes, havia sempre coisas ms para as pessoas jogarem o jogo e quanto piores fossem mais divertido era descobri-las; ou seja, descobrir coisas que nos dessem contentamento. Mas quando no existem coisas ms, eu prpria no sei como jogar o jogo.

Houve silncio por momentos. Mrs. Carew, sentada, olhava para a janela. O seu ar zangado transformara-se entretanto num olhar desesperado e triste. Vagarosamente virou-se e disse:

- Pollyanna, no tinha pensado dizer-lhe isto, mas decidi faz-lo. Vou contar-lhe por que razo nada do

44

que tenho me pode dar contentamento. - Assim comeou a contar a histria de Jamie, o menino de quatro anos que h oito anos desaparecera completamente sem nunca mais ter dado sinal de si.

- E nunca, nunca mais o viu? - balbuciou Pollyanna, com os olhos cheios de lgrimas quando a senhora terminou a histria.

- Nunca mais!

- Mas havemos de o encontrar, Mrs. Carew. Tenho a certeza que o encontraremos.

Mrs. Carew abanou a cabea tristemente.

- No consigo. J procurei por toda a parte, mesmo em pases estrangeiros.

- Mas ele tem de estar nalgum stio.

- Talvez esteja morto, Pollyanna. Pollyanna soltou um pequeno grito.

- No, Mrs. Carew. Por favor no diga isso! Vamos imaginar que ele est vivo. Podemos fazer isso e ser uma grande ajuda. Se conseguirmos imagin-lo vivo, podemos tambm imaginar que o vamos encontrar. E isso ajudar ainda mais...

V, Mrs. Carew, agora j pode jogar o jogo! Pode jog-lo com o Jamie. Pode ficar contente todos os dias, porque cada dia a aproxima mais do momento em que o tornar a ver.

5. Um novo conhecimento

Acompanhada de Mrs. Carew, Pollyanna assistiu a concertos e matins e visitou a biblioteca municipal e o museu de arte. Acompanhada de Mary, deu belos passeios para ver Boston e visitou o palcio municipal e a velha igreja do sul.

Embora gostasse imenso de andar de automvel, Pollyanna gostava ainda mais de andar de autocarro, como Mrs. Carew, surpreendida veio a descobrir.

- Vamos de autocarro? - perguntou Pollyanna ansiosa.

- No. Perkins leva-nos - respondeu Mrs. Carew. A seguir, ao ver o desapontamento indisfarvel estampado no rosto de Pollyanna, ela acrescentou surpreendida:

- Eu a pensar que a menina gostava mais de andar de automvel!

- Sim, sim! - assentiu Pollyanna, apressadamente. - Eu no devia ter dito nada! Possivelmente mais barato do que andar de autocarro e.

- Mais barato que andar de autocarro! - exclamou Mrs. Carew surpreendida.

46

- Sim - explicou Pollyanna, de olhos mais abertos -, de autocarro so cinco cntimos por pessoa e o automvel no custa nada porque seu. claro, gosto muito do automvel - apressou-se ela a dizer antes que Mrs. Carew falasse. - s porque no autocarro h tanta gente e muito divertido observ-los, no acha?

- No, Pollyanna, no acho - respondeu Mrs. Carew secamente.

Por acaso, dois dias depois, Mrs. Carew ouviu algo mais sobre Pollyanna e os autocarros, e desta vez foi Mary que lhe contou.

- Que estranho, minha senhora! - explicava Mary, em resposta a uma pergunta que a patroa lhe fez.

- A prontido com que Miss Pollyanna transforma toda a gente, sem qualquer esforo! Est nela! Transpira felicidade! Calcule, entrmos num autocarro, em que todos pareciam maldispostos, e cinco minutos depois tudo era irreconhecvel. Homens e mulheres tinham parado de resmungar e as crianas pararam de chorar.

- s vezes, por algo que Miss Pollyanna me diz e que as pessoas ouvem. Outras, apenas o "obrigado" que ela diz quando algum insiste em dar-nos o lugar. Outras ainda, pela maneira como ela sorri para um beb ou para um co. verdade, todos os ces abanam a cauda com ela; e todos os bebs, crescidos ou mais pequenos, sorriem e acenam para ela. Se o autocarro no pra, ela faz disso uma brincadeira, e se por acaso, nos enganamos no autocarro, a coisa mais divertida que nos pode acontecer. Ela assim com todas

47

as coisas. De facto, com Miss Pollyanna ningum consegue estar mal- humorado!

- Sim, acredito - murmurou Mrs. Carew, retirando-se.

O ms de Outubro veio a revelar-se nesse ano especialmente quente e agradvel. E medida que os dias dourados passavam, tornava-se evidente que acompanhar o ritmo de Pollyanna, quando saam de casa, era uma tarefa que consumia bastante tempo e pacincia a qualquer um. Mrs. Carew dispunha de tempo, mas no de pacincia; por outro lado, no estava disposta a permitir que Mary passasse tanto tempo com Pollyanna nas suas fantasias.

claro que estava fora de questo manter a criana dentro de casa. Foi assim que, algum tempo depois, Pollyanna se veio a encontrar no grande e belo jardim, no Jardim Pblico de Boston, e sozinha. Aparentemente, tinha toda a liberdade mas, na realidade, estava sujeita a uma quantidade de regras. No devia conversar com estranhos, fossem homens ou mulheres; no devia brincar com crianas estranhas e, em circunstncia nenhuma, devia sair do jardim, excepto para voltar para casa. Alm disso, Mary, que a levava ao jardim, verificava primeiro se ela saberia depois regressar a casa e se sabia que a Commonwealth Avenue vinha de Arlington Street atravs do jardim. E o regresso a casa seria necessariamente quando o relgio da torre da igreja badalasse as quatro e meia.

Pollyanna, passou realmente a ir muitas vezes ao jardim. Muitas vezes acompanhada de algumas das colegas

48

da escola; mas, muitas mais sozinha. Apesar das restries serem rgidas, divertia-se muito. Podia observar as pessoas sem mesmo falar com elas; e podia tambm conversar com os esquilos e os pombos que vinham avidamente comer as nozes e os gros de milho que ela sempre lhes levava.

Encontrou muitas vezes um rapaz numa cadeira de rodas, com quem gostava de falar. Gostava de se entreter com os animais, especialmente quando eles vinham buscar-lhe as nozes aos bolsos. Mas Pollyanna, observando distncia, notava sempre uma circunstncia estranha. Apesar da satisfao do rapaz em servir o seu banquete, a reserva de comida que trazia acabava quase sempre imediatamente e apesar de ele dar mostras de desapontamento, tal como o esquilo, nunca solucionava o problema trazendo mais comida no dia seguinte. Pollyanna achava que era uma questo de vistas curtas.

Quando o rapaz no brincava com os pssaros e com os esquilos, entretinha-se a ler. Na cadeira tinha normalmente livros usados e, s vezes, uma revista ou duas. Ele estava quase sempre num lugar especial e Pollyanna intrigava-se como que ele l chegava. Ento, num dia inesquecvel, descobriu. Era feriado e fora mais cedo. Logo aps ter chegado ao lugar do costume, viu trazerem-no na cadeira de rodas. Um rapaz de cabelo claro empurrava-a. Correu ao encontro deles, com contentamento.

- No devo conversar com desconhecidos. Mas consigo posso, porque o conheo de vender jornais l na rua e tambm posso conversar com ele, depois de

49

sermos apresentados - concluiu ela, com um olhar cintilante na direco do rapaz paraltico.

O rapaz riu-se para o lado e deu umas palmadinhas no ombro do rapaz paraltico.

- Ests a ouvir? Vou apresentar-te! - e, adoptando uma atitude pomposa, disse: - Minha senhora, este o meu querido amigo Sir James, Lorde of Murphy's Alley, e... - mas o rapaz da cadeira de rodas interrompeu-o.

- Jerry, deixa-te de disparates! - exclamou zangado; depois, virando para Pollyanna o rosto radiante, disse: - Tenho-a visto aqui muitas vezes, e observo-a particularmente quando d de comer aos pssaros e aos esquilos, pois traz sempre muita comida para eles! At acho que prefere, como eu, o Sir Lancelot. Mas, claro, tambm temos a Lady Rowena, mas no acho que ela tenha sido malcriada com Guinevere, ontem, quando lhe tirou o jantar da frente.

Pollyanna, confusa, piscou os olhos e franziu a testa, olhando ora para um ora para outro rapaz. Jerry riu outra vez socapa. Depois, com um ltimo empurro, colocou o carro na posio habitual e preparou-se para ir embora. Por cima do ombro ainda disse a Pollyanna:

- Olhe, menina, deixe-me avis-la de uma coisa. Este tipo no est bbado nem maluco, percebe? Ele s deu os nomes aos seus amiguinhos - e fez um gesto amplo dos braos na direco das criaturas felpudas e aladas que se juntaram ali vindas de todos os lados. E nem sequer so nomes de gente. So nomes de

50

pessoas dos livros, est a perceber? Ento adeus, Sir James

- despediu-se ele com uma careta para o rapaz da cadeira de rodas, e foi-se embora.

Pollyanna ainda piscava os olhos e franzia a testa quando o rapaz paraltico se virou para ela com um sorriso.

- No ligue ao Jerry. Ele assim. Era capaz de cortar a mo direita por minha causa, mas gosta muito de brincar. Ele no me disse o seu nome.

- Chamo-me Pollyanna Whitier.

Uma expresso de simpatia espelhou-se nos olhos de Pollyanna.

- No consegue andar mesmo nada, Sir James? O rapaz riu divertido, para depois esclarecer:

- Com que ento Sir James! Isso foi mais um dos disparates do Jerry. No sou "sir".

Pollyanna pareceu desapontada.

- No ? Nem "lord", como ele disse?

- Claro que no.

- Pensava que era. Como o pequeno Lord Fauntleroy. E.

Mas o rapaz interrompeu impaciente:

- Conhece o pequeno Lord Fauntleroy? E tambm conhece Sir Lancelot e o Graal Sagrado, o Rei Artur e a Tvola Redonda, e Lady Rowena e Ivanhoe? Conhece-os todos?

Pollyanna fez um sinal de dvida.

- Receio no os conhecer todos - admitiu. Esto todos nos livros?

O rapaz fez que sim com a cabea.

51

- Tenho-os aqui. Alguns deles j os li vrias vezes. Encontro sempre algo de novo neles. Sabe, tambm no tenho mais. Estes eram de meu pai. Deixa isso, meu diabinho! - interrompeu ele, rindo e dirigindo-se a um esquilinho pendurado nas suas calas, que metia o nariz num dos bolsos. - Acho que melhor dar-lhes a paparoca, seno ainda nos comem - disse o rapaz a rir. Este o Sir Lancelot. sempre o primeiro.

O rapaz puxou de uma caixinha, que abriu com cuidado, protegendo-a dos inmeros olhitos brilhantes que observavam cada movimento. Em redor dele s se ouviam zumbidos e batidelas de asas. Sir Lancelot, atento e vido, ocupava um dos braos da cadeira de rodas. Um outro amiguinho, de cauda farfalhuda, menos atrevido, sentava-se nos quartos traseiros a um metro de distncia. E um terceiro esquilo chiava barulhento num ramo de uma rvore vizinha.

Da caixa, o rapaz tirou algumas nozes, um pozinho e uma rosca. Olhou para esta, hesitante, e perguntou a Pollyanna:

- Traz alguma coisa?

- Sim, trago muita coisa - respondeu Pollyanna, batendo no saco que trazia.

- Ento, hoje talvez a coma - disse o rapaz, guardando a rosca com ar de alvio.

Pollyanna, para quem esse gesto passou quase desapercebido, meteu os dedos no seu prprio saco e deu incio ao banquete.

Foi uma hora maravilhosa. Para Pollyanna, foram os momentos mais maravilhosos que passou desde que

chegara a Boston, pois tinha encontrado algum com quem podia falar depressa e durante todo o tempo que queria. Este estranho jovem parecia dispor de uma colectnea de histrias maravilhosas sobre bravos guerreiros e lindas damas, de torneios e batalhas. Alm disso, descrevia as suas imagens com tanta nitidez e vivacidade, que Pollyanna via com os seus prprios olhos os feitos valorosos dos guerreiros em armas, e as belas damas com tranas, trajando vestidos carregados de jias.

As "Senhoras da Caridade" foram esquecidas. Nem sequer pensava no "Jogo do Contentamento". Pollyanna, com a face corada e os olhos brilhantes, percorria aquela poca encantada conduzida por um rapaz que se alimentava de romances, e que, apesar de o desconhecer, tentava meter nessa curta hora em que estava acompanhado inmeros dias de solido.

Quando soou o meio-dia, Pollyanna apressou-se a regressar a casa e, no caminho, lembrou-se de que nem sabia o nome do rapaz. "S sei que no se chama Sir James", e suspirou, franzindo a testa contrariada. "Mas no faz mal, amanh vou perguntar-lhe. "

6. Jamie

No dia seguinte, Pollyanna no viu o rapaz. Estava a chover e no pde ir ao jardim. No outro dia tambm choveu. Nem sequer no terceiro dia. Apesar de o Sol ter voltado a brilhar e embora ela tenha ido ao princpio da tarde para o jardim e ter esperado bastante, ele no apareceu. Mas no quarto dia, sim, ele l estava no stio do costume e Pollyanna apressou-se a ir cumpriment-lo alegremente.

- Estou to contente por o ver! Onde esteve? No tem vindo.

- No pude. Tive muitas dores - explicou o rapaz bastante plido.

- Teve dores? - inquiriu Pollyanna cheia de pena.

- Sim, tenho-as sempre - respondeu o rapaz, com naturalidade. Quase sempre consigo suport-las e, ento, venho c. S quando pioro, como nestes dias, que no venho.

- Mas como aguenta as dores sempre?

- Tenho que aguentar - respondeu o rapaz, abrindo mais os olhos. - As coisas so como so e no podem ser de outro modo. Para que serve imaginar que

54

poderiam ser diferentes? De resto, quanto mais di num dia, mais agradvel se torna no dia seguinte, quando di menos.

- Eu sei. como ojogo... - ia Pollyanna a dizer, mas o rapaz interrompeu-a.

- Hoje, trouxe muita comida? - perguntou ele ansioso. - Espero que sim! Eu no consegui trazer nada. O Jerry no conseguiu poupar um cntimo e esta manh no havia comida suficiente para eu trazer.

Pollyanna olhou cada vez mais comovida.

- E o que faz quando no tem nada para comer?

- Passo fome!

- Nunca conheci ningum que no tivesse nada para comer - disse Pollyanna com voz trmula. - claro que o pai e eu ramos pobres, e tnhamos de comer feijes e pastis de peixe quando o que nos apetecia era per. Mas tnhamos sempre alguma coisa. Porque no se queixa voc s pessoas que vivem aqui nestas casas?

- Ora, no servia de nada!

- Como assim, no lhe dariam alguma coisa? O rapaz voltou a rir, mas agora de modo estranho.

- Ningum, que eu conhea, deita fora carne assada e bolos com natas! Alm disso, se nunca passarmos fome, no sabemos como bom saborear batatas e leite e no teria grande coisa para escrever no meu Livro das Alegrias.

- Escrever onde?

O rapaz riu embaraadamente e corou.

- Esquea! Pensava que falava com a Mumsey ou o Jerry.

55

- Mas o que o seu Livro das Alegrias? - insistiu Pollyanna. - Conte-me, por favor. Os cavaleiros, os lordes e as damas entram nesse livro?

O rapaz disse que no com a cabea. Os olhos deixaram de sorrir e assumiu uma expresso triste.

- No, antes estivessem! - disse ele, suspirando tristemente. - Bem v, quando no podemos andar, tambm no podemos combater nem ter damas que nos dem a espada e concedam talisms.

- Os olhos do rapaz iluminaram-se com um brilho sbito. Ergueu o queixo altivamente. Depois, tambm com rapidez, o brilho esmoreceu e o rapaz caiu de novo na sua tristeza.

- No podemos fazer nada - concluiu ele, desanimadamente. - S podemos sentar-nos e pensar, s vezes at com pensamentos desagradveis. Eu queria r escola e aprender mais coisas do que a Mumsey me pode ensinar. Penso muito nisso. Queria correr, e jogar bola com os outros rapazes. Tambm penso nisso. Queria ir para a rua vender jornais com o Jerry. No queria que tomassem conta de mim por toda a vida. enfim, penso nisso tudo!

- Eu tambm sei isso - disse Pollyanna suspirando. - Eu tambm perdi as minhas pernas durante algum tempo.

- Perdeu? Ento deve saber alguma coisa. Mas recuperou-as. e eu no - disse o rapaz com um ar ainda mais sombrio.

- Voltando atrs: ainda no me contou sobre o Livro das Alegrias - insistiu Pollyanna.

56

O rapaz riu, um pouco envergonhado.

- Sabe, no grande coisa, a no ser para mim. Para si no deve ter grande importncia. Comecei a escrev-lo h um ano. Nesse dia sentia-me especialmente mal. Nada corria bem. No parava de me lamentar. Ento, agarrei num dos livros do pai e tentei l-lo. A primeira coisa que li, foi isto, que decorei:

"Os prazeres so mais intensos

Onde parecem no existir

No h uma folha que caia no solo

Que no tenha uma alegria de silncio ou de som"*

- Fiquei fulo. Queria ver o tipo que escreveu aquilo no meu lugar e ver que gnero de alegria ele podia encontrar nas minhas "folhas". Estava to zangado, que decidi demonstrar que ele no sabia o que dizia, e, assim, comecei a procurar as alegrias nas minhas "folhas". Peguei num pequeno bloco-notas vazio, que o Jerry me tinha dado, e decidi escrev-las. Tudo o que tivesse a ver com alguma coisa de que eu gostasse, escrevia no livro. Poderia desse modo saber quantas "alegrias" eu tinha.

- Sim, sim! - exclamou Pollyanna interessadssima, quando o rapaz fez uma pausa para respirar.

- Bem, no estava espera de arranjar muitas, mas ainda arranjei bastantes. Em quase tudo havia sempre

* Blanchard, "Alegrias Ocultas" - in Ofertas Liricas

57

alguma coisa de que eu gostava um pouco e, assim, tinha quase sempre assunto para escrever. Primeiro, foi o prprio livro, o facto de o ter arranjado e ter decidido escrever nele. Depois, uma pessoa ofereceu-me uma flor num vaso, e o Jerry encontrou um livro giro no metropolitano. A partir da tornou-se-me divertidssimo procurar motivos de alegria e encontrava-os nos lugares mais estranhos. Um dia, o Jerry descobriu o bloco-notas e percebeu o que era. Desde ento, ficou a ser o Livro das Alegrias. E tudo.

- Tudo? - exclamou Pollyanna, deliciada e surpreendida, procurando controlar-se. - Calcule, isso o mesrno que o meu jogo! Voc est a jogar o "Jogo do Contentamento" sem o conhecer. Bem, talvez esteja a jog-lo melhor do que eu! Penso que o no conseguiria jogar, se no tivesse que comer e no pudesse mesmo andar - disse ela comovida.

- Jogo? Que jogo? No conheo jogo nenhum! disse o rapaz, franzindo a testa.

Pollyanna bateu as palmas.

- Eu sei que no conhece e por isso que to bonito! Mas oia: vou explicar-lhe o que o jogo.

E ela explicou.

- Ah! - exclamou o rapaz, satisfeito, quando ela acabou. - Quem diria!

- E voc a est a jogar o meujogo, melhor do que toda a gente que conheo, e eu ainda nem sequer sei o seu nome! - exclamou Pollyanna, em tom quase escandalizado. - Quero saber tudo a seu respeito e desse famoso Livro das Alegrias.

58

- S que no h mais nada para saber. Alm disso est aqui o pobre Sir Lancelot e os outros espera de comida - concluiu ele.

- verdade, aqui esto eles - disse Pollyanna, suspirando e olhando impaciente para as criaturas que se agitavam em torno deles. Com deciso, virou o saco de pernas para o ar e espalhou o que trazia aos quatro ventos. - Pronto, j est. Agora podemos conversar outra vez - disse ela, contente. - E h uma quantidade de coisas que eu quero saber. Primeiro, por favor, como se chama? S sei que no Sir James.

O rapaz sorriu.

- No sou de facto, mas assim que o Jerry quase sempre me chama. Mumsey e os outros chamam- me Jamie.

- Jamie! - Pollyanna conteve a respirao, com um brilho de esperana a cintilar-lhe nos olhos. Mas quase de seguida sentiu-se assaltada pela dvida.

- Mumsey significa me?

- Claro!

Pollyanna descontraiu-se. Se Jamie tinha uma me, no podia ser o mesmo Jamie de Mrs. Carew, cuja me morrera h muito tempo. Mas se fosse ele, que interessante que era.

- Onde vive? Tem mais algum de famlia, para alm de sua me e do Jerry? Vem para aqui todos os dias? Onde est o seu Livro das Alegrias? Posso v-lo? Os mdicos j o desiludiram de voltar a andar? Onde disse que arranjou esta cadeira de rodas?

O rapaz respondeu troando.

59

- Tantas perguntas! Quer que comece por qual? Bem, vou comear pela ltima, portanto do fim para o princpio. Assim talvez no me esquea de nenhuma. Arranjei esta cadeira de rodas h um ano. Jerry conhece um jornalista que escreveu sobre mim, dizendo que eu no podia andar, etc. e falava do Livro das Alegrias. Logo apareceu uma quantidade de homens e mulheres com esta cadeira de rodas para mim. Disseram-me que tinham lido tudo acerca de mim e que queriam que eu ficasse com ela para me recordar deles.

- Mas que contente deve ter ficado!

- verdade! Gastei uma pgina inteira do Livro das Alegrias para contar tudo sobre a cadeira.

- Mas nunca mais pode voltar a andar? - os olhos de Pollyanna estavam rasos de lgrimas.

- Infelizmente, disseram que no.

- Tambm me disseram isso, mas depois mandaram-me para o Dr. Ames, onde fiquei quase um ano, e ele ps-me a andar. Talvez que ele pudesse fazer o mesmo consigo!

O rapaz fez que no com a cabea.

- Oh, no podia! De qualquer maneira no podia l ir tratar-me. Devia custar muito dinheiro. J me convenci de que nunca mais voltarei a andar. Pacincia!

- e o rapaz atirou a cabea para trs num gesto de impacincia. - Procuro no pensar nisso. Sabe como quando o nosso pensamento comea a trabalhar.

- Sim, claro, e eu a falar disso! - exclamou Pollyanna, arrependida. - J lhe disse que sabe jogar o jogo melhor do que eu. Continue, pois ainda nem

60

sequer me contou metade. Onde vive? E o Jerry, o nico irmo que tem?

Uma expresso doce surgiu no rosto do rapaz. Os olhos brilharam-lhe.

- Ele no da famlia, nem a Mumsey! Oh, mas tm sido to bons para mim!

- O qu? - perguntou Pollyanna, imediatamente alerta. - Ento essa tal "Mumsey" no a sua me?

- No.

- E no tem me? - perguntou Pollyanna cada vez mais agitada.

- No, no me lembro de alguma vez ter tido me, e o pai morreu h seis anos.

- Que idade tinha?

- No sei. Era pequeno. A Mumsey diz que eu tinha uns seis anos. Foi nessa altura que ficaram comigo.

- E chama-se Jamie? - Pollyanna continha a respirao.

- Sim, j lhe disse.

- Mas com certeza tem outro nome!

- No sei.

- No sabe?

- No me lembro. Era demasiado pequeno e nem os Murphys sabem. S me conheceram por Jamie.

Uma expresso de grande desapontamento surgiu no rosto de Pollyanna, mas quase de imediato um novo pensamento afastou-lhe as sombras.

- Se no sabe qual o seu apelido tambm no pode saber se ou no Kent! - exclamou ela.

61

- Kent? - perguntou o rapaz, confuso.

- Sim - respondeu Pollyanna, excitadssima. Sabe, que h um rapazinho chamado Jamie Kent que. - ela parou de repente e mordeu o lbio.

Ocorrera a Pollyanna que no seria simptico dar a conhecer ao rapaz a sua esperana de que ele fosse o desaparecido Jamie. Era prefervel que ela se certificasse antes de suscitar quaisquer expectativas, pois de outro modo podia causar mais tristeza do que alegria.

- Bom, esqueamos isso do Jamie Kent. Fale-me antes de si, por quem estou mais interessada.

- No h mais nada a contar. No sei nada de interessante - disse o rapaz hesitante. - Disseram-me que o meu pai era estranho e nunca falava. E que nem sequer sabiam como se chamava. Todos lhe chamavam "o professor". Mumsey diz que ele e eu vivamos num pequeno quarto das traseiras, no ltimo andar de uma casa em Lowell, e que ramos pobres, mas no tanto como agora. O pai de Jerry era vivo nessa altura e tinha um emprego.

- Sim, sim, continue - instou Pollyanna.

- Bem, a Mumsey diz que o meu pai estava bastante doente e se tornou cada vez mais estranho, de maneira que, por isso, tinham-me com eles uma boa parte do tempo. Nessa altura eu conseguia andar um pouco, mas as minhas pernas j no estavam bem. Brincava com o Jerry e com a menina que morreu. Entretanto, o meu pai morreu e no havia ningum que tomasse conta de mim. Foi ento que umas pessoas queriam pr-me num orfanato, mas a Mumsey disse que

62

ficava comigo e o Jerry esteve de acordo. E assim fiquei com eles. A menina tinha morrido e eles disseram que eu podia tomar o lugar dela. Desde ento tm tomado conta de mim. Depois ca e fiquei pior. Agora eles so muitssimo pobres porque o pai de Jerry morreu. Mas continuam a tomar conta de mim. No so to bons?

- Sim, sim - exclamou Pollyanna. - Mas ho-de ter a sua recompensa. Tenho a certeza, sero recompensados!

Pollyanna tremia agora toda de satisfao. A ltima dvida tinha desaparecido. Encontrara o desaparecido Jamie. Tinha a certeza. Mas, prudentemente, no devia ainda falar. Mrs. Carew devia v-lo primeiro. Depois... Bem, nem a imaginao de Pollyanna conseguia visualizar a imagem do feliz reencontro de Mrs. Carew com Jamie!

Ps-se de p de repente, com desrespeito manifesto por Sir Lancelot, que tinha voltado e estava a meter o nariz no colo dela procura de mais nozes.

- Bom, tenho de me ir embora j, mas amanh volto. Talvez traga comigo uma senhora que, julgo, gostar de o conhecer. Voc tambm volta c amanh? - quis ela saber, ansiosa.

- Sim. Jerry traz-me c quase todas as manhs. Eles preparam as coisas para mim de maneira a eu trazer o meu almoo e ficar at s quatro da tarde. O Jerry muito bom para mim!

- Eu sei, eu sei - assentiu Pollyanna. - Entretanto, talvez eu encontre outra pessoa boa para si!

Os planos de Pollyanna

No caminho para casa, Pollyanna foi idealizando alegres planos. No dia seguinte, de uma maneira ou de outra, teria de convencer Mrs. Carew a acompanh-la num passeio ao Jardim Pblico. No sabia bem como havia de arranjar as coisas, mas teria de o conseguir.

Estava fora de questo dizer directamente a Mrs. Carew que tinha encontrado Jamie e que desejava que ela fosse v-lo. Havia a possibilidade de este no ser o Jamie dela. E se no fosse, teria suscitado falsas esperanas a Mrs. Carew, podendo o resultado ser desastroso. Atravs de Mary, Pollyanna soubera que j por duas vezes Mrs. Carew ficara muito doente em consequncia de grandes desiluses ao seguir pistas que a conduziram a rapazinhos que no eram o filho da falecida irm. Assim, Pollyanna sabia que no podia dizer a Mrs. Carew a razo por que queria que a acompanhasse num passeio ao Jardim Pblico, no dia seguinte. E foi a pensar nisso que Pollyanna regressou a casa.

Porm, o destino, mais uma vez, interveio sob a forma de uma forte carga de gua, e bastou a Pollyanna olhar para a rua, na manh seguinte, para saber como

64

a inteno lhe sara furada. E o pior foi que nem nos dois dias seguintes as nuvens desapareceram. Pollyanna passou trs tardes inteiras a caminhar de uma janela para outra, olhando o cu e perguntando ansiosamente a toda a gente: "No acham que vai levantar?"

Tal comportamento era to estranho na alegre menina e as perguntas constantes eram to irritantes, que Mrs. Carew acabou por perder a pacincia.

- Por amor de Deus, menina, qual o seu problema? - exclamou ela. - Como me surpreende que se preocupe tanto com o tempo! Afinal, onde est hoje esse seu belo jogo?

Pollyanna corou e ficou cabisbaixa.

- verdade, parece que desta vez me esqueci do jogo - admitiu ela. - E, claro, se procurar encontrarei algo que me d contentamento. Posso ficar contente porque, uma vez, Deus disse que no mandaria outro dilvio. E tudo isto porque eu queria tanto que hoje fizesse bom tempo!

- E porqu hoje especialmente?

- Queria ir passear para o Jardim Pblico. Pollyanna procurou falar despreocupadamente. Quis assim, exteriormente, manifestar uma indiferena afectada. Embora, interiormente, tremesse de excitao e expectativa.

- Talvez Mrs. Carew gostasse de ir comigo? -arriscou-se.

- Eu? Ir passear ao Jardim Pblico? - perguntou Mrs Carew de sobrolho ligeiramente levantado. No, obrigada, receio que no - respondeu sorrindo.

65

- Pensei que no recusasse! - hesitou Pollyanna, quase em pnico.

- Pois recuso!

Pollyanna procurava controlar-se, aflita. Estava muito plida.

- Mas, por favor, Mrs. Carew... por favor no diga que no vai! - pediu ela. - Queria que viesse comigo por uma razo especial. Desta vez, s desta vez!

Mrs. Carew franziu a testa. Ia a abrir a boca para dizer um "no" bem determinado, mas algo nos olhos suplicantes de Pollyanna lhe alterou tal propsito porque, ao responder, pronunciou um "sim", ainda que vago.

- Est bem, menina, farei como pede, mas, ao prometer-lhe ir, ter tambm de prometer que no se aproxima da janela durante uma hora e no volta mais a perguntar com tanta insistncia se o tempo vai levantar, est bem?

- Est! - exclamou, excitada, Pollyanna. Logo a seguir, quando uma rstea de luz plida que era quase um raio de sol atravessou a janela, ela gritou de alegria:

- Acha que vai. - levou a mo boca, lembrando-se da promessa, e fugiu da sala a correr.

O tempo melhorou s na manh seguinte. Porm, no obstante o sol brilhar, estava fresco; e tarde, quando Pollyanna regressou da escola, sentia-se mesmo um vento frio. E, ao contrrio de todos, insistia que estava um lindo dia e que ficaria infelicssima se Mrs.

66

Carew no fosse passear com ela ao jardim. claro que Mrs. Carew acabou por ir, mesmo contrariada.

Como seria de esperar, foi uma sada infrutfera. A senhora impaciente e a menina ansiosa, caminharam apressadamente cheias de frio, pelos arruamentos do jardim. Pollyanna, no encontrando o rapaz onde era habitual, procurava nervosamente por todos os cantos do jardim. No se conformava. Ali andava acompanhada de Mrs. Carew, e no via Jamie. E como era irritante no poder dizer nada senhora! Finalnente, cheia de frio e fula, Mrs. Carew insistu em irem para casa. Pollyanna, desesperada, no teve outro remdio seno fazer-lhe a vontade.

Os dias que seguiram foram de tristeza para Pollyanna. Para ela, parecia um segundo dilvio; s que do ponto de vista de Mrs. Carew no passava das chuvas habi tuais de Outono. Depois, veio nevoeiro, humidade, nuvens e mais frio. Se, por acaso, surgia um dia de sol, Pollyanna corria imediatamente at ao jardim. Mas em vo, Jamie no estava l. J estavam em meados de Novembro e o prprio jardim apresentava-se cada vez mais triste. As rvores estavam nuas, os bancos mais vazios e no se via um barco no lago. verdade que os esquilos e os pombos continuavam por l, mas dar-lhes de comer constitua mais uma tristeza do que uma alegria, porque cada sacudidela da cauda de Sir Lancelot lhe trazia memrias amargas do rapaz que o baptizara e estava ausente.

"E eu que no lhe perguntei onde vivia! ", lamentava-se Pollyanna, medida que os dias passavam.

67

"Chama-se Jamie. S sei que se chama Jamie. Ser que tenho agora de esperar at Primavera e que faa calor suficiente para ele voltar? E se nessa altura j no posso vir c?"

Mas, numa tarde sombria, aconteceu o inesperado. Ao passar pelo hall superior ouviu vozes zangadas no andar de baixo, e reconheceu numa delas a de Mary e uma outra que dizia:

- Nem pensar! No sou um pedinte, est a perceber? Quero falar menina Pollyanna, porque tenho um recado para ela, de Sir James. V, v cham-la, se no se importa.

Com uma exclamao de alegria, Pollyanna desceu as escadas a correr.

- Estou aqui, estou aqui! O que ? Foi o Jamie que o mandou?

Assim agitada, quase se ia a atirar de braos abertos para o rapaz, quando Mary, escandalizada, a interceptou com mo firme.

- Miss Pollyanna, conhece este pedinte? O rapaz barafustou, zangado; mas antes de ele poder falar mais, Pollyanna interps-se e disse:

- Ele no pedinte. um dos meus melhores amigos. - Depois virou- se para o rapaz e perguntou ansiosa - O que ? Foi o Jamie que o mandou?

- Foi. H um ms que est de cama sem se levantar. Est doente e quer v-la. Pode vir?

- Doente? Que pena! - lamentou Pollyanna. Claro que vou. Vou buscar j o meu chapu e o meu casaco.

- Miss Pollyanna! - protestou Mary, reprovadora. - Como se Mrs. Carew a deixasse ir a algum stio com um rapaz assim to estranho!

- Mas ele no um estranho! - objectou Pollyanna. J o conheo h muito tempo e tenho de ir. Eu...

- Afinal, que vem a ser tudo isto? - perguntou Mrs. Carew, severa, vinda da sala. - Quem este rapaz, Pollyanna. O que faz ele aqui?

Pollyanna virou-se com vivacidade.

- Mrs. Carew deixa-me ir, no deixa?

- Ir aonde?

- Ver o meu irmo, minha senhora - interrompeu o rapaz apressadamente e esforando-se por ser bem educado. - Ele est inquieto e no descansou enquanto eu no vim pedir a Pollyanna que o fosse visitar. Ele at tem vises com ela.

- Posso ir, no posso? - suplicou Pollyanna. Mrs. Carew franziu o sobrolho.

- Ir com este rapaz, menina? Evidentemente que no! Admira-me como pode ser to rebelde ao pensar nisso por um instante!

- Mas eu quero ir - insistiu Pollyanna.

- Que criana absurda! Nem pense nisso. Pode dar algum dinheiro a este rapaz se quiser, mas.

- Obrigado senhora, mas eu no vim aqui procura de dinheiro - respondeu o rapaz ofendido. - Vim procura dela.

- Sim, Mrs. Carew, este o Jerry, Jerry Murphy, o rapaz que vende jornais c na rua - apoiou Pollyanna.

- Deixa-me agora ir com ele?

69

Mrs. Carew abanou a cabea, objectando:

- Isso est fora de questo, Pollyanna.

- Mas Jam. o outro rapaz, est doente e quer-me ver!

- No posso consentir.

- Conheo-o muito bem, Mrs. Carew. A srio que conheo. Ele l livros muito bonitos, cheios de cavaleiros, lordes e damas e d de comer aos pssaros e aos esquilos, d-lhes nomes e tudo isso. Ele no pode andar, e, alm disso, muitas vezes no tem comida suficiente. E tambm joga, desde h um ano, o meujogo e eu no sabia. Consegue at jog-lo muito melhor do que eu. H vrios dias que ando procura dele. A srio, Mrs. Carew, com honestidade, tenho de o ver - dizia Pollyanna, quase soluando. - No o posso perder outra vez!

O rosto de Pollyanna estava vermelho de aflio.

- Pollyanna, tudo isso um completo disparate. Estou surpreendida por a menina insistir em fazer uma coisa que eu reprovo. No posso permitir que v com este rapaz. No quero saber de mais nada.

No rosto de Pollyanna surgiu uma expresso nova. De olhar meio assustado, meio exaltado, levantou o queixo e enfrentou Mrs. Carew. Trmula e determinada, disse ento:

- Nesse caso, terei de lhe dizer. No tencionava faz-lo antes de ter a certeza. Queria que o visse primeiro, mas agora tenho de lhe dizer. No o posso perder outra vez. Mrs. Carew, penso que o Jamie, o seu Jamie.

70

- Jamie? No! O meu Jamie? - O rosto de Mrs. Carew tornou-se subitamente plido.

- Sim.

- impossvel!

- At pode ser. Mas por favor, ele chama-se Jamie e no sabe o apelido. O pai morreu quando ele tinha seis anos e no se lembra da me. Agora julga ter doze anos. Estas pessoas tomaram conta dele quando o pai lhe morreu. O pai era esquisito e jamais disse a algum o nome, e.

Mrs. Carew interrompeu-a com um gesto. Com efeito, a senhora estava cada vez mais plida, e os seus olhos irradiavam um brilho indescritvel.

- Vamos imediatamente - disse ela. - Mary, diga ao Perkins para preparar j o carro. Pollyanna, v buscar o seu chapu e o casaco. Rapaz, por favor espera aqui. Iremos contigo imediatamente. - E foi-se, escada acima, a correr.

No hall, finalmente, o rapaz pde respirar fundo, desabafando:

- Chi! Agora at vamos de carro! Mas que nvel! Que dir Sir James?

8. No beco dos Murphys

Com o rudo opulento que parece caracterizar as limosinas de luxo, o automvel de Mrs. Carew atravessou a Commonwelth Avenue e subiu Arlington Street, em direco a Charles. No banco de trs sentava- se uma menina de olhos brilhantes e uma senhora crispada e plida. frente, dando indicaes ao motorista pouco satisfeito, sentava- se Jerry Murphy, orgulhoso e empavonado.

Quando a limosina parou diante de uma porta de aspecto pobre, num ptio sujo, o rapaz saltou para o cho e, numa imitao ridcula das pomposidades que j observara muitas vezes, abriu a porta do automvel e ficou espera das damas.

Pollyanna saltou imediatamente, com os olhos abertos de espanto e tristeza, mirando em redor. Atrs dela saiu Mrs. Carew, visivelmente incomodada pela sordidez do ambiente e pelas crianas mal vestidas da vizinhana que acorreram imediatamente.

Jerry, zangado, gesticulava e bravateava.

- Vo-se embora! Isto no cinema grtis! Desapaream! Temos de passar, Jamie tem visitas.

72

Mrs. Carew pousou a mo trmula no ombro de

Jerry.

- melhor no ir! - disse ela depois, recuando. O rapaz, porm, no a ouviu. cotovelada e empurrando, abriu caminho fora. E antes de Mrs. Carew saber como, chegou com o rapaz e Pollyanna ao vo de umas escadas, num hall mal iluminado e com cheiro a bafio.

Mais uma vez Mrs. Carew estendeu a mo trmula.

- Esperem - ordenou ela. - Lembrem-se! No digam uma palavra sobre a possibilidade de ele ser o rapaz que eu procuro. Tenho de o ver primeiro com os meus prprios olhos e interrog-lo.

- Com certeza! - concordou Pollyanna.

- Est bem. Concordo - disse o rapaz acenando afirmativamente. Agora, subam com cuidado. As escadas tm buracos e h quase sempre midos a dormir nos patamares. O elevador no est hoje a funcionar - disse ele a brincar. - Tm que subir at ao ltimo andar!

Mrs. Carew deu pelos buracos nas tbuas, que rangiam assustadoramente, e cruzou-se com um mido, um beb de dois anos, que brincava com uma lata vazia dependurada num fio. As portas estavam abertas e viam-se mulheres mal vestidas e despenteadas ou crianas de caras sujas. Algures, ouvia-se um beb a chorar. De outro lado, o praguejar de um homem. Por toda a parte se sentia um cheiro nauseabundo.

No cimo do ltimo lance de escadas, o rapaz parou diante de uma porta fechada.

- Estou a pensar no que dir Sir James quando vir

a