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POLÍTICA SOBRE DROGAS E A POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA Maria Tereza Uille Gomes, Pedro Ribeiro Giamberardino, Rodrigo Luís Kanayama, Hellen Oliveira Carvalho e Flávia Palmieri Oliveira Ziliotto Introdução A política sobre drogas revela-se como uma das esferas mais importantes e, ao mesmo tempo, mais carentes de políticas públicas planejadas, com base em avaliação e monitoramento de resultados. A presente constatação perpassa fatores complexos e que não se relacionam diretamente ao gestor, mas à própria estruturação desta política pública. Registra-se que, em razão da Organização das Nações Unidas e da política internacional centrarem sua preocupação com a repressão, mais especificamente com a Conferência de Viena, que somado aos meios de comunicação que muito falaram do movimento hippie, Woodstock, rockeiros, entre outros segmentos culturais, inclusive reiterados com novas Convenções aderidas pelo Brasil na década de 90, muitas pessoas vieram a identificar a questão da droga como algo recente, o que não é verdade (CRUZ, A. R., CÂMARA, M.M., 2010, p. 32) 1 . Pode-se dizer que não há registros de culturas humanas que não fizessem uso de alguma substância psicoativa 2 . O padrão de consumo de cada sociedade, contudo, é variável e consiste no ponto focal de direcionamento de políticas públicas em prol da diminuição do grau de abuso e de fatores de risco desencadeadores de agravos em razão das drogas. O presente artigo visa inicialmente fazer uma análise crítica sobre a política sobre drogas, detendo-se metodologicamente sobre a política criminal sobre drogas aplicada no Brasil. Diante do exposto inicia-se o texto problematizando os diferentes eixos da política sobre drogas e a necessidade de articulá-los de forma aprofundada e consistente para que possa haver uma proposta série e interventiva de atuação. Em um segundo momento parte-se para o principal objeto deste artigo que consiste em analisar o impacto da Lei de Drogas dentro do contexto prisional, que atualmente ocupa crescente espaço dentro da persecução penal brasileira. Isto também ocasiona discussão a respeito das técnicas interpretativas da Lei de Drogas e da estratégia adotada quando se aborda a política sobre drogas no Brasil. Neste contexto, este trabalho se referencia em sistematização de alguns dados que trazem parâmetros sobre o que seria uma pequena quantidade de droga, analisando-se a necessidade de aprofundamento de maior uniformidade de tratamento conforme discplinado pelo artigo 1 Para uma leitura crítica sobre o tema: LIMA, Renato Sergio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli (org). Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: ed. Contexto, 2014; CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil. São Paulo: Ed. Saraiva, 6ª edição, 2013. 2 Amadeu Roseli Cruz e Martial Câmara (2010, p. 36), em trabalho que analisa políticas de prevenção do abuso de drogas no Brasil, contextualiza o tema sobre drogas: “Como se poder observar, a droga não é algo recente; pelo contrário, ela se confunde com a própria história da humanidade. Se o homem primitivo já conhecia os principais tipos de drogas, incluindo o álcool e o tabaco, o progresso da ciência tornou essas drogas muito mais poderosas”.

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POLÍTICA SOBRE DROGAS E A POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA

Maria Tereza Uille Gomes, Pedro Ribeiro Giamberardino, Rodrigo Luís Kanayama, Hellen Oliveira Carvalho e Flávia Palmieri Oliveira Ziliotto

Introdução

A política sobre drogas revela-se como uma das esferas mais importantes e, ao mesmo tempo, mais carentes de políticas públicas planejadas, com base em avaliação e monitoramento de resultados. A presente constatação perpassa fatores complexos e que não se relacionam diretamente ao gestor, mas à própria estruturação desta política pública.

Registra-se que, em razão da Organização das Nações Unidas e da política internacional centrarem sua preocupação com a repressão, mais especificamente com a Conferência de Viena, que somado aos meios de comunicação que muito falaram do movimento hippie, Woodstock, rockeiros, entre outros segmentos culturais, inclusive reiterados com novas Convenções aderidas pelo Brasil na década de 90, muitas pessoas vieram a identificar a questão da droga como algo recente, o que não é verdade (CRUZ, A. R., CÂMARA, M.M., 2010, p. 32)1.

Pode-se dizer que não há registros de culturas humanas que não fizessem uso de alguma substância psicoativa2. O padrão de consumo de cada sociedade, contudo, é variável e consiste no ponto focal de direcionamento de políticas públicas em prol da diminuição do grau de abuso e de fatores de risco desencadeadores de agravos em razão das drogas.

O presente artigo visa inicialmente fazer uma análise crítica sobre a política sobre drogas, detendo-se metodologicamente sobre a política criminal sobre drogas aplicada no Brasil. Diante do exposto inicia-se o texto problematizando os diferentes eixos da política sobre drogas e a necessidade de articulá-los de forma aprofundada e consistente para que possa haver uma proposta série e interventiva de atuação.

Em um segundo momento parte-se para o principal objeto deste artigo que consiste em analisar o impacto da Lei de Drogas dentro do contexto prisional, que atualmente ocupa crescente espaço dentro da persecução penal brasileira. Isto também ocasiona discussão a respeito das técnicas interpretativas da Lei de Drogas e da estratégia adotada quando se aborda a política sobre drogas no Brasil. Neste contexto, este trabalho se referencia em sistematização de alguns dados que trazem parâmetros sobre o que seria uma pequena quantidade de droga, analisando-se a necessidade de aprofundamento de maior uniformidade de tratamento conforme discplinado pelo artigo 1 Para uma leitura crítica sobre o tema: LIMA, Renato Sergio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli (org). Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: ed. Contexto, 2014; CARVALHO, Salo. A política criminal de drogas no Brasil. São Paulo: Ed. Saraiva, 6ª edição, 2013. 2 Amadeu Roseli Cruz e Martial Câmara (2010, p. 36), em trabalho que analisa políticas de prevenção do abuso de drogas no Brasil, contextualiza o tema sobre drogas: “Como se poder observar, a droga não é algo recente; pelo contrário, ela se confunde com a própria história da humanidade. Se o homem primitivo já conhecia os principais tipos de drogas, incluindo o álcool e o tabaco, o progresso da ciência tornou essas drogas muito mais poderosas”.

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42 da Lei nº 11.343/06 em relação à natureza e quantidade da substância, sem prejuízo dos requisitos subjetivos a serem aferidos no caso concreto.

Por fim, analisa-se sobre a extensão dos comandos constitucionais quanto à repressão do tráfico ilícito de drogas, problematizando-se a interpretação constitucional já realizada pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo-se considerações críticas e propositivas sobre o tema. Os dados trazidos no presente artigo buscam diferenciar a política sobre drogas da política criminal sobre drogas, buscando que esta última atue de forma subsidiária e que haja uma maior uniformidade e parametrização de procedimentos com mecanismos de garantias de direitos voltados para uma construção de uma política pública integradora e promotora de direitos humanos.

1. Atual política sobre drogas no Brasil

O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, em 2005, regulamentou a Política Nacional sobre Drogas subdividindo-a em 5 principais eixos: (a) prevenção; (b) tratamento, recuperação e reinserção social; (c) redução de danos; (d) redução da oferta; (e) estudos, pesquisas e avaliações. Os referidos eixos devem orientar diferentes planos de gestão que abordem – tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade civil – estratégias adequadas ao tema.

A política pública relacionada ao eixo prevenção, ainda que conte com importantes avanços em capacitações e outras intervenções, também é afetada pela dificuldade de direcionamento e gerenciamento de projetos com linhas metodológicas claras e adequadas. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC enfatiza a necessidade de aprofundar técnicas para a educação preventiva sobre drogas cientificamente embasadas não apenas no conteúdo, mas especialmente na técnica metodológica (Normas Internacionais sobre a Prevenção do Uso de Drogas, 2014)3.

Por outro lado, o eixo tratamento, recuperação e reinserção social transita especialmente entre as áreas de saúde mental e serviço social, com estratégias delineadas sobretudo após a Lei 10.216/2001, priorizando-se o atendimento ambulatorial e a redução de danos.

O próprio Programa “Crack, é possível vencer!”, lançado pelo Governo Federal com três eixos de atuação – cuidado, autoridade e prevenção – concentra, em grande parte, recursos no eixo relacionado à área denominada cuidado, subdividida

3 Conforme se extrai do documento (UNODC, 2014, p. 7): “Devemos ter cautela com as lacunas na ciência, mas isso não pode nos impedir de agir. Uma abordagem de prevenção bem sucedida em uma parte do mundo é, provavelmente, uma opção mais eficaz que aquela criada localmente na base da boa vontade e em suposições. Este é particularmente o caso de intervenções e políticas que abordam vulnerabilidades que são expressivas em todas as culturas (por exemplo, a índole, negligência parental). Além disso, as abordagens que falharam ou que até mesmo impactaram negativamente em alguns países são excelentes candidatos para o fracasso e para efeitos iatrogênicos em outros lugares. Profissionais na área de prevenção, governantes e membros da comunidade envolvidos na prevenção às drogas e prevenção do uso abusivo de substâncias têm o dever de levar em consideração tais exemplos. Temos uma válida indicação de que estamos no caminho certo. Ao utilizar este conhecimento e complementá-lo com mais avaliação e pesquisa, seremos capazes de fornecer aos governantes conhecimento necessário no desenvolvimento de sistemas nacionais de prevenção, baseadas em evidências científicas e que irão assistir crianças, jovens e adultos em diferentes contextos, a fim de levar um estilo de vida positivo, saudável e seguro”.

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especialmente entre o atendimento especializado em saúde mental, consultórios de rua e outros equipamentos do sistema único de assistência social, além das comunidades terapêuticas.

Observa-se que o tema redução de danos, na Política Nacional sobre Drogas, foi inserida em eixo próprio e diferenciado ao tratamento. No Brasil não há um posicionamento uniforme acerca do conceito de redução de danos e o seu grau de abrangência. Esta área, que por razões metodológicas não será objeto de aprofundamento neste trabalho, representa um dos aspectos cruciais da política sobre drogas na medida em que se relaciona diretamente com a sua demanda social4.

O eixo redução da oferta, inserido no Programa de Governo como eixo autoridade, acaba sendo tratado na esfera da segurança pública, relativamente à repressão ao tráfico ilícito de drogas, ainda que seu conceito deva assumir contornos muito mais amplos, abrangendo-se desde áreas lícitas como a prescrição indevida de medicamentos, emagrecedores, anabolizantes, bem como estratégias ampliadas de fiscalização e intervenção. Portanto, embora o eixo redução da oferta apresente marco significativo na atuação do Poder Público sobre o tema, também cumpre atualmente função precípua de modo limitado nas drogas ilícitas e na política criminal sobre drogas.

Por fim, o eixo estudos, pesquisas e avaliações, responsável pela elaboração de indicadores para aferição de demandas pautadas em dados cientificamente embasados, mediante avaliação e monitoramento de resultado, revela-se ainda bastante incipiente. Esta primeira carência que exige aproximação das políticas públicas entre gestores, universidades, profissionais, Conselhos de Direitos, entre outros atores, revela um importante setor cuja carência de dados ainda faz com que a política sobre drogas seja gerida muito mais em percepções do que por fundamentos gerenciais e científicos5.

4 Durante a elaboração do Plano Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado do Paraná, em 2014, o Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, que também era vinculado a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, deliberou por manter os cinco eixos estruturados na Política Nacional sobre Drogas, atualizando-o por abranger, no mesmo eixo, redução de danos, tratamento e (re)inserção social, bem como inserir a questão legislativa junto ao eixo de pesquisas e avaliações. Neste sentido o Plano Estadual do Estado do Paraná, pendente de deliberação plenária e publicação final, foi estruturado em quatro principais linhas: (a) prevenção; (b) redução de danos, tratamento, reabilitação e (re)inserção social; (c) redução da oferta; (d) legislação, estudos pesquisas e avaliações. 5O principal levantamento sobre uso de drogas no Brasil foi realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, vinculado a UNIFESP. O II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas no Brasil em grandes cidades foi realizado em 2005, sendo que o VI Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas Psicotrópicas nas Escolas foi realizado em 2010. Em caráter recente a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD publicou editais de pesquisa sobre o perfil epidemiológico na população carcerária e anunciou a futura contratação de pesquisa sobre o perfil epidemiológico na população em geral. Entretanto, as gestões não possuem políticas continuadas de elaboração de indicadores e monitoramento de resultados. No Estado do Paraná, em 2014, a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos pactuou Protocolo de Intenções entre o Governo do Estado, Companhia de Informática do Paraná – CELEPAR, Universidade Federal do Paraná, Universidade de Chicago (The Harris School) e Ministério Público Federal visando a institucionalização de um Observatório de Políticas Públicas sobre Drogas e o contínuo aprimoramento de informações gerenciais. Na ocasião iniciou-se pesquisa sobre o perfil epidemiológico da população carcerária, perfil dos condenados pela lei de drogas e pactuou o planejamento de pesquisa sobre o perfil de uso de drogas entre crianças e adolescentes. No entanto exige-se a necessidade de aprofundamento de indicadores claros que permitam referenciar a política sobre drogas dentro de diferentes políticas públicas.

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Os cinco eixos da política sobre drogas, reveladores de uma política pública ainda bastante incipiente, faz com que a política sobre drogas ainda seja tratada pelo senso comum cotidiano com olhar especialmente voltado à política criminal sobre

drogas. Ainda que a política sobre drogas não seja considerada como algo diretamente atrelado às políticas de segurança pública, não se pode desconsiderar que esta ainda é a principal tônica do discurso sobre drogas principalmente quando este é tratado pela mídia ou até mesmo pelo Poder Legislativo.

Isto revela um modelo vigente – embora bastante questionado por diversos segmentos, inclusive do próprio Poder Público – de guerra às drogas. A política de guerra às drogas remonta a estratégia política adotada no Brasil, especialmente a partir do Estado Novo, que agregou uma grande carga moralizante. Nilo Batista define este momento como divisor entre a política sanitária e a política bélica sobre drogas6.

A legislação vigente – Lei nº 11.343/2006 –, contudo, não apenas por não penalizar criminalmente o usuário de drogas ilícitas e admitir determinadas drogas lícitas, mas também – e principalmente – por admitir a possibilidade, conforme os diferentes contextos culturais, de uso e cultivo de drogas enquanto reconhecimento de culturas milenares.7

Por isso, existe a necessidade de direcionar políticas públicas adequadas ao usuário de drogas, abrangendo-se fatores de proteção, saúde e cuidado, sem criminalizá-lo, estigmatizá-lo ou puni-lo. A política sobre drogas no Brasil, acompanhada da posição da UNODC, caracteriza-se pela dualidade de tratamento entre o usuário, pelo sistema de saúde, e o traficante, pelo sistema de justiça. Entretanto há obstáculos. O Direito brasileiro não consegue diferenciar um do outro com clareza.

1.1. A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e suas consequências

Em razão da dificuldade de delimitação de critérios técnicos, o Ministro Gilmar Mendes, relator do Habeas Corpus nº 123.221, com posicionamento acolhido por unanimidade na Segunda Turma do STF, encaminhou cópias ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ recomendando-se que avalie a possibilidade de padronizar procedimentos para aplicação da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas). Em data posterior, o Ministro Luís Roberto Barroso também se pronunciou sobre o tema, no Habeas Corpus nº 127.986, em que decidiu monocraticamente pela revogação da prisão preventiva8.

6 Sobre o tema: SCHECAIRA, Sergio Salomão. Drogas e Criminologia. In: Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, pg. 334-339; PEDRINHA, Roberta Duboc. Notas sobre a Política Criminal de Drogas no Brasil: elementos para uma reflexão crítica. Anais do Congresso Nacional de Pós Graduação em Direito – CONPEDI, Manaus – AM. Fonte: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/roberta_duboc_pedrinha.pdf. Acesso em 13/06/2015. 7Destaca-se, nesse sentido, os povos indígenas: a lei de drogas permite aos indígenas, em território brasileiro, o plantio e uso de plantas que já fazem parte de sua cultura. As legislações do mundo todo tendem a permitir esse uso decorrente de contextos culturais, segundo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS). 8 “Na determinação da intensidade da repressão à maconha, é preciso ter em conta, em primeiro lugar, que não se trata de droga cujo consumo torne o usuário um risco para terceiros. Diante disso, salvo circunstâncias especiais, não se justifica a intervenção extrema de cerceamento cautelar da liberdade. Notadamente nas situações em que o consumo próprio, a repartição entre parceiros usuários e o comércio

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Conforme ponderado em sessão plenária pelo Ministro Gilmar Mendes, a nova Lei de Drogas, que veio para abrandar a aplicação penal para o usuário e tratar com mais rigor o crime organizado, "está contribuindo densamente para o aumento da população carcerária”. 9 Isto é refletido nos dados do InfoPen entre 2005 e 2012, que demonstram o aumento de 320% no número de prisões por tráfico de drogas, elevando-o ao tipo penal mais frequente do sistema penitenciário equivalente a 25% dos casos à frente de crimes como roubo e homicídio.

Quando projetada à população de mulheres presas, que representava 2,5% da população carcerária nacional e hoje alcança aproximadamente 8,5%, a proporção dos crimes de tráfico de drogas alcançam mais de 60% dos casos de prisão segundo o InfoPen/2012.

Por outro lado, o tráfico transacional manteve-se no percentual de 1% da população prisional do país, o que demonstra que a política criminal sobre drogas ocupa-se precipuamente em deter a ponta do tráfico de drogas, em vez de atingir o crime organizado, com principal ênfase no tráfico transnacional onde se estrutura a grande circulação de drogas no país com substâncias oriundas mormente do Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia. 10

Em razão do expressivo e vertiginoso aumento da população carcerária após a Lei de Drogas, mister refletir sobre o assunto. Não é de hoje que o sistema prisional brasileiro destaca-se pela falta de estrutura física e humana, pela precariedade de condições e pela falta de mecanismos de gestão que possibilitem o enfrentamento dos problemas de forma mais efetiva. O crescimento da população carcerária brasileira nas últimas duas décadas ultrapassou o percentual de 400% e a curva de crescimento continua ascendente, com raras exceções. Dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) divulgados no final de 2014 mostravam que no Brasil, em dezembro de 2013, havia 581.507 presos no Sistema Penitenciário e nas Delegacias de Polícia11 (neste dado não estavam incluídas as prisões domiciliares). Faltavam, no entanto, 255.588 vagas.

Se a esse cenário fosse acrescida uma parcela significativa dos cidadãos que têm prisão decretada e ainda não foram detidos, a realidade seria ainda pior. Informações do

de pequenas quantidades não oferecem linhas divisórias totalmente nítidas. Em segundo lugar, no atual sistema prisional brasileiro, enviar jovens, geralmente primários, para o cárcere, em razão do tráfico de quantidades não significativas de maconha, não traz benefícios à ordem pública. Pelo contrário, a degradação a que os detentos são submetidos na grande maioria dos estabelecimentos e a ausência de separação dos internos entre primários e reincidentes e entre provisórios e condenados, transformam os presídios em verdadeiras “escolas do crime”. Presos que cometeram ou são acusados de ter cometido crimes de menor potencial lesivo passam a ter conexões com outros criminosos mais perigosos, são arregimentados por facções e frequentemente voltam a delinquir após saírem das prisões” (HC 127986. Relator Min. Luis Roberto Barroso. DJe-087, de 12/05/2015; Republicação: DJe-089, de 14/05/2015) 9 Notícias STF. 2ª Turma absolve acusado de tráfico e decide oficiar o CNJ quanto à aplicação da Lei de Drogas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 05 de nov de 2014. 10 Porcentagens calculadas segundo dados sistematizados pelo Sistema Nacional de Informação Penitenciária (InfoPen) e divulgadas no site do Ministério da Justiça. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br>. Acesso em 05 de nov de 2014. 11 BRASIL. Ministério da Justiça. Quadro geral da População Carcerária – Sintético – Dez. 2013. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-prisional/anexos-sistema-prisional/populacao-carceraria-sintetico-dez-2013-1.pdf>. Acesso em: 04 maio 2015.

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Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça, de fevereiro de 2015, mostravam a existência de 438.589 mandados de prisão aguardando cumprimento nos vários estados brasileiros12. Mesmo sabendo-se que o número de mandados de prisão é maior que o número real de pessoas a que se referem, já que cada indivíduo pode ter mais de um mandado contra si, os números são grandes. A estrutura atual e projetada do sistema carcerário não absorveria tal demanda.

O investimento para construção de novos prédios e o montante necessário à manutenção e à gestão de novas vagas no sistema também são complicadores. O custo mínimo para a construção de novas vagas é estimado pelo Ministério da Justiça em R$ 30 mil por preso13. Logo, seriam necessários R$ 7,65 bilhões para a construção das vagas necessárias para suprir a superlotação (255 mil vagas) e mais de 13 bilhões para dar conta dos mandados de prisão pendentes de cumprimento (438 mil vagas). O custo mensal da gestão prisional, por sua vez, pode ser calculado à razão mínima de R$ 2 mil por mês por preso14. Ou seja, os Estados, que já despendem, mensalmente, a quantia aproximada de R$ 1,1 bilhão com a gestão de 550 mil presos, ainda teriam que aumentar a capacidade de investimento na gestão mensal do sistema prisional para dar conta de atender à demanda, em permanecendo a lógica de gestão atual do sistema e a forma de atuação da Justiça no país.

Num sistema sobrecarregado, incorpora-se a cada dia mais presos cautelares – grande parte detida por crimes não violentos, com recorte significativo para o envolvimento com drogas (o tráfico de drogas, em 2007, representava 10,5% do total da população prisional. Em 2012, o percentual passou a 25%. Hoje, responde pela metade da população prisional feminina). O “Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil”, do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, que traz dados de junho de 2014, mostrou que 41% dos presos no Brasil não têm condenação definitiva.

A política criminal brasileira, causadora da superlotação carcerária, que consiste em objeto de ampla preocupação expressada pela violação de direitos humanos, muitas vezes deixa de abordar com a devida preocupação outro aspecto de fundamental importância sobre a mesma causa: como fazer a gestão prisional e quais são os mecanismos para obter maior eficiência aliada ao planejamento estratégico de recursos públicos.

Cumpre lembrar que mesmo diante do vertiginoso – e sempre insuficiente – aumento de implemento de recursos públicos nas políticas de encarceramento registrado no Brasil nos últimos anos, a tramitação das leis penais e o atendimento às ordens judiciais pelo Poder Público, diferentemente das demais áreas, não passam por estudo de impacto orçamentário ou por um planejamento para a falta de vagas, assim como ocorre em outras áreas essenciais e sensíveis, como educação e saúde.

12 Informações do BNMP acessadas em 25 fev. 2015. 13 O valor baseia-se no Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional que repassa recursos do Fundo Penitenciário, sob gestão do Ministério da Justiça, às unidades federadas para construção de novas unidades. 14 O valor corresponde a média do Estado do Paraná, com correspondência em outros estados da federação, sendo o mesmo cálculo exposto no Projeto de Lei do Senado n. 513/2013, que propõe a atualização da Lei de Execução Penal, inserindo-se, entre outras modificações, a preocupação expressa com a superlotação carcerária como causa da violação de direitos humanos.

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Ao pensar o nível de encarceramento pela Lei de Drogas, sob o aspecto da gestão pública, deve-se retomar a estatística do InfoPen que revela que 23% dos presos no Brasil estão encarcerados por tráfico de drogas. Logo, levando em consideração a população carcerária total de 550.000 presos, conclui-se que estão custodiados 126.500 pessoas por tráfico de drogas ao custo médio de 2 mil reais por mês, o que equivale em um investimento de recursos públicos de 253 milhões de reais ao mês ou, aproximadamente, 3 bilhões ao ano para repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes (sem considerar o custo de polícia ostensiva, polícia científica, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros órgãos e instituições correlacionados). Por outro lado não há demonstração científica sobre o retorno deste investimento à sociedade no sentido de melhorar as políticas de segurança e saúde pública.

Diante do exposto, da mesma forma que a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal exigem o equilíbrio entre receita e despesa e a adoção de providências a serem adotadas pelos entes federados para reduzir as despesas quando ultrapassados os limites de gastos, no campo da execução penal, guardadas as proporções, também há que se buscar uma equação capaz de equilibrar a porta de entrada e de saída das prisões, numa proporção razoável de taxa de encarceramento por 100 mil habitantes, sem agravar as taxas de criminalidade, especialmente o número de crimes violentos que resultam em lesão grave e morte das vítimas.

1.2. Dados coletados sobre população carcerária após a Lei de Drogas

Dentro da gestão do sistema prisional desponta a atenção o vertiginoso crescimento de presos em decorrência da Lei de Drogas. Diversos estudos vêm sendo realizados neste sentido, sendo que o tema “Política sobre Drogas e Superlotação Carcerária” já foi, inclusive, objeto de debate na sede das Nações Unidas no Brasil, realizado em 27 de abril deste ano. Neste encontro, foram relatados estudos anteriores e outros que estão sendo desenvolvidos atualmente sobre o perfil dos apreendidos por tráfico de drogas.

Entre os dados já coletados, registram-se duas principais pesquisas concluídas anteriormente: uma realizada pela Universidade de São Paulo e outra, em parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade de Brasília. Nesta última, ocorrida entre 2007 e 2009, que envolveu juízes de primeira instância dos foros centrais do Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF), afirma-se:

“(...) o perfil dos condenados por tráfico de drogas no foro central da cidade do Rio de Janeiro é de primários (66,4%), presos em flagrante (91,9%) e sozinhos (60,8%), sendo que 65,4% respondem somente por tráfico (art. 33, sem associação ouquadrilha), e 15,8% em concurso com associação. Destes, 14,1% foram condenados em concurso com posse de arma, sendo 83,9% do sexo masculino, e 71,1% dos casos presos com cocaína. Destes, 36,9% receberam penas acima de 5 anos de prisão.

Em Brasília – DF, o número de réus primários condenados é menor, ficando em 38%, sendo ainda um pouco inferior o percentual de presos em flagrante (83,5%), mantendo-se a prevalência de presos sozinhos

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em 60,5%. Na capital federal, 72,2% respondem somente por tráfico (sem associação ou quadrilha), e apenas 10,8% em concurso com associação. O percentual de condenados por tráfico de drogas em concurso com posse de armas é bastante inferior ao Rio de Janeiro (0,6%). Com relação ao sexo do acusado, 73,1% são do sexo masculino, sendo a maconha a droga mais encontrada (46,9% dos casos). No DF, 68,7% das sentenças se referem a quantidades de maconha inferiores a 100g, e em 50% dos casos, a quantidade de cocaína encontrada foi de até 106g”.15

Para Luciana Boiteaux, “o dado é eloquente no sentido de revelar que, à diferença da ideia difundida pelo senso comum, o traficante condenado não é por definição integrante de organização criminosa, nem atua, necessariamente, em associação”.

Segundo o InfoPen/2005, o tráfico de drogas representava 13,4% da população carcerária nacional, ao passo que, segundo InfoPen/2012, este número cresceu para 24%, sendo que em relação às mulheres alcançou o percentual de 59%. Quando analisado o tráfico transnacional, por sua vez, verifica-se que este permanece no índice de 1% da população carcerária nacional. Sendo o Brasil um país com baixa produção de drogas, este dado revela que atualmente o Poder Público se ocupa em custodiar a ponta do tráfico de drogas.

Por outro lado, após realização de estudo técnico visando delimitar quantidade compatível com uso diário de droga, verificou-se que aproximadamente 50% das pessoas estavam presas com natureza e quantidade inferior a este critério, entre as quais 22% estavam encarceradas unicamente por este crime. Destes 22% dos presos apenas por tráfico de drogas por pequena quantidade, 5,5% não tinham certidão de antecedentes criminais, ou seja, tratava-se de primeira prisão16.

O Ministério Público Federal, também preocupado com esta temática, instaurou Grupo de Estudos, em 2014, sobre dosimetria da pena aplicada a tráfico de drogas. Os resultados devem ser publicados ainda em 2015, mas amostra de resultados parciais realizadas em evento no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, já demonstrou a necessidade de uniformização de tratamento em razão de graves disparidades: tratamento penal idêntico ou similar vem sendo ofertado tanto para o tráfico transnacional de quantidades expressivas de drogas, quanto para situações tipificadas como tráfico doméstico com algumas gramas, inclusive com natureza e quantidade compatíveis para uso pessoal. Na análise de dados, registrou-se tratamento proporcionalmente mais brando dado pela Justiça Federal em relação à Justiça Estadual, sendo que nesta última acaba-se punindo com igual ou maior rigor casos de menor relevância, levando-se em conta quem a legislação pretende reprimir.

A diretriz política de endurecimento penal no tocante ao tráfico de drogas não aprofundou as consequências com as quais hoje o país se depara nesta temática. Quando 15 BOITEUX, Luciana. Tráfico e Constituição – um estudo sobre a atuação da justiça criminal do Rio de Janeiro e de Brasília no crime de tráfico de drogas. In: Revista Jurídica, Brasília, v. 11, n. 94, p. 1-29, jun/set. 2009. 16 Tratam-se de dados parciais durante a definição do grupo amostral para análise de jurisprudência a respeito da fundamentação judicial sobre os requisitos objetivos e subjetivos na aplicação da Lei de Drogas.

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se discute política criminal, por sua vez, sempre se questiona: quem estamos prendendo

no Brasil? Esta pergunta é essencial para análise da seletividade da privação da liberdade. Reduzir o número de presos por crimes não violentos e aumentar a efetividade do cumprimento dos mandados de prisão por crimes violentos é um dos maiores desafios, bem como evitar a desnecessária superlotação que conduz à violação de direitos humanos e cumprimento de pena em ambientes cruéis e degradantes.

Nesses termos a criminologia crítica assume vertentes diferenciadas sobre a aplicação da lei penal. A partir da concepção agnóstica da pena, defendida por Eugenio Raul Zaffaroni, leciona Salo de Carvalho (2013, p. 269):

“Ao assumir a pena como realidade (fenômeno) da política, a minimização dos poderes arbitrários exsurge como reação igualmente política. O projeto de redução de danos decorrentes da punitividade atinge todas as fases de sua individualização, no esforço de redefinir critérios de sua cominação, aplicação e execução, a partir da observância dos postulados constitucionais de proporcionalidade, razoabilidade e proibição do excesso. Especificamente na aplicação da pena, direciona na objetivação dos fundamentos e requisitos judiciais; na execução penal, postulando a jurisdicionalização absoluta, capacita o direito e o processo penal para controlar práticas desregulamentadas do direito penitenciário e criminologia administrativa”.

O paradigma de compreensão da política criminal por alternativas penais, em vez do encarceramento, também compõe o quadro de absoluto ceticismo em relação à finalidade e função da pena sobretudo quando aplicada no contexto carcerário brasileiro que além de afronta aos direitos humanos possui, hoje, patamares comprovadamente inviáveis sob o ponto de vista da gestão pública17.

Deste modo deve-se reconhecer a necessidade de clara distinção entre a política sobre drogas e a política criminal sobre drogas, sendo que o presente artigo busca delimitadamente debater as estratégias de política criminal sobre o tema com estratégias para garantia da individualidade da pena de modo proporcional e compatível à uma jurisprudência balizada em critérios mais claros e com maior isonomia de aplicação.

Além do exposto, deve-se buscar a otimização de recursos públicos para a melhor gestão, priorizando-se áreas de saúde e serviço social em detrimento de uma política criminal que deve ser necessariamente seletiva e excepcional. Registra-se que debater limites e critérios para aplicação da pena faz o debate delimitado no próprio princípio da legalidade sem a necessidade de qualquer revisão legislativa.

17 Uma das iniciativas implementadas no Estado do Paraná foi a concessão de tornozeleiras eletrônicas que se iniciaram a partir do Programa SOL – Sistematização e orientação à liberdade, destinado inicialmente para mulheres presas por crimes não violentos, na sua maioria por tráfico de drogas, especialmente para presas provisórias, primárias, idosas com mais de 60 anos e/ou com filhos que necessitem de seus cuidados, grávidas ou portadoras de doença que exijam especial atenção. Com isto estimulou-se os primeiros projetos de monitoração eletrônica levando em consideração que a maior parte das mulheres encarceradas no Paraná estão presas sob acusação ou condenação por crimes não violentos, evitando-se violação de direitos humanos com a sua manutenção em carceragens de delegacias de polícia degradantes e evitando que crianças permaneçam no interior do estabelecimento penal justamente em um momento importante de suas vidas.

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2. A Lei 11.343/2006 e a diferenciação de tratamento

Conforme a legislação atual, o crime de porte para uso de drogas, embora vigente, é considerado despenalizado, prevendo-se como consequência a advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medidas educativas de comparecimento a programa ou curso educativo, colocando-se à disposição do infrator estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

O crime de tráfico de drogas, por sua vez, teve sua pena mínima elevada de 3 para 5 anos com o advento da Lei nº 11.343/06, tratando-se de crime equiparado a hediondo, com progressão de regime diferenciada na fração de 2/3 para primários ou 3/5 para reincidentes (artigo 2º, §2º, da Lei 8072/90), inafiançável, insuscetível de graça ou anistia, conforme inciso XLII, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Outras exigências previstas em lei que aumentavam a severidade da pena foram atenuadas pela jurisprudência. Neste caso, deixou-se de aplicar a regra de regime integralmente fechado ou da impossibilidade de progressão de regime ao se verificar que a rigorosidade do tratamento penal não correspondia à política criminal mais adequada e feria a individualização da pena.

A Lei nº 11.343/06, prevê, tanto para o crime de uso de drogas, quanto para o crime de tráfico de drogas, os mesmos núcleos verbais relativos a “adquirir, guardar,

tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo drogas sem autorização ou em

desacordo com determinação legal ou regulamentar”, com a diferença de conduta baseada exclusivamente no elemento volitivo, ou seja, se a destinação da droga será para uso pessoal ou não.

Isso provoca diferentes interpretações, ocasionando, inclusive, tratamentos desiguais para situações similares. Registre-se que as condutas que apresentam compatibilidade com o uso de drogas, previsto no artigo 28 da referida Lei, não podem ser confundidas com o tratamento penal dispensado ao tráfico de drogas, sob pena de severa violação ao princípio da legalidade, da proporcionalidade e, especialmente, um grave problema de política criminal.

A submissão de pessoas que deveriam ser encaminhadas ao sistema de saúde e inclusão social por políticas públicas de educação e trabalho para o sistema carcerário acaba por superlotar estabelecimentos penais, com maior dificuldade na implementação de políticas de (re)inserção, tendo como consequência a própria potencialização da violência.

Logo, sempre que possível, deve-se analisar a dependência química sob o prisma da atenção à saúde em seu sentido amplo e não por meio do simples encarceramento da pessoa, o que amplia ainda mais a estigmatização e exclui os horizontes da (re)inserção.

Diante da ausência de literatura especializada ou de referências bibliográficas sobre o perfil dos usuários de drogas no Brasil e, sobretudo, considerando a diferença de tratamento entre as condutas na legislação sobre o tema, impõe-se a disponibilização de estudos que subsidiem a diferenciação entre o tratamento jurídico para o usuário e o traficante.

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2.1 Delimitação dos critérios legais: requisitos objetivos e subjetivos

O art. 28, §2º, da referida Lei afirma que para determinar se a droga destinava-

se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância

apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias

sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. Verifica-se que na análise judicial a ser proferida existem dois critérios objetivos e cinco critérios subjetivos conforme a seguir descrito:

REQUISITOS OBJETIVOS

1) Natureza

2) Quantidade

REQUISITOS SUBJETIVOS

1) Local

2) Condições da ação

3) Circunstâncias sociais

4) Circunstâncias pessoais

5) Conduta e antecedentes do agente.

O art. 42 da mesma Lei afirma que o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Verifica-se que na análise judicial a ser proferida, neste caso, existem novamente 2 critérios objetivos e 2 critérios subjetivos, conforme a seguir descritos:

REQUISITOS OBJETIVOS

1) Natureza

2) Quantidade

REQUISITOS SUBJETIVOS

1) Personalidade

2) Conduta Social

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Da mesma forma, o inciso I, do art. 52, da Lei acima referida, prescreve que a autoridade de polícia judiciária, ao remeter os autos do inquérito ao Juízo, “relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente”. Verifica-se que a análise a ser proferida abrange dois critérios objetivos e sete critérios subjetivos, conforme a seguir descritos:

REQUISITOS OBJETIVOS

1) Natureza

2) Quantidade

REQUISITOS SUBJETIVOS

1) Circunstâncias do fato

2) Razões que levaram à classificação

3) Local

4) Condições em que se desenvolveu a ação criminosa

5) Circunstâncias da prisão

6) Conduta

7) Qualificação e antecedentes do agente

Desconsiderando-se nesta análise os critérios subjetivos, que serão aferidos no caso concreto e não integram a presente sistematização, percebe-se que os critérios objetivos de natureza e quantidade da substância ou do produto já trazem consequências importantes a serem aferidas pela autoridade policial ou judiciária.

No entanto, inexistem indicativos objetivos, no Brasil, sobre o perfil que caracteriza o usuário e o traficante de drogas mesmo diante de severa diferença de tratamento preconizada pela legislação e a orientação da United Nations Office on

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Drugs and Crime – UNODC para que as questões relativas ao uso problemático de drogas sejam tratadas no âmbito da saúde.18

3.1 Dos requisitos objetivos sobre natureza e quantidade da droga

Por certo que os 2 critérios objetivos relativos à natureza e quantidade da substância não são critérios únicos a definirem o perfil da conduta, sobretudo considerando a existência de outros requisitos subjetivos a serem ponderados no caso concreto.

Todavia, a análise da natureza e quantidade consiste em importante elemento objetivo para presunção da conduta e que já se verifica em países que mantém o uso de drogas como crime, permitindo subsidiar a atividade do profissional responsável pela apreensão ou custódia da pessoa, sem prejuízo da análise dos requisitos subjetivos.

Neste caso importante salientar que no direito comparado a política criminal sobre drogas adota duas estratégias diferenciadas. A primeira delas, em razão da pequena quantidade de substância apreendida, opta-se por não criminalizar em virtude da baixa ofensividade da conduta que não justifica, por razões de política criminal, o enrijecimento do Estado. Isto não desconsidera a mercancia das drogas, mas sim, que a apreensão de pequenos traficantes vulgarmente conhecidos como biqueiras ou mulas não são o alvo da persecução penal. A segunda delas, em que a atual legislação brasileira se insere, afirma que a natureza e quantidade deve ser sopesada na aplicação da lei penal e serve como referência de presunção do tráfico. Logo, quando apreendido por pequena substância, pode-se manter a conduta como tráfico desde que comprove a presença de outros elementos de prova lícitas apuradas em adequado processo criminal.

Considerando os fundamentos expostos em pareceres veiculados pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD/MJ, pelo Setor Técnico Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Rio Grande do Sul – SETEC/SR/DPF/RS e pelo Instituto de Criminalística do Paraná – IC/PR, relativamente à legítima preocupação para o estabelecimento de critérios objetivos na aplicação da Lei de Drogas, elaborou-se estudo técnico na Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos sistematizando o que seria pequena quantidade de droga apto a ser considerada compatível para o uso, resguardado-se o afastamento da presunção conforme o caso concreto.

Com os referidos quantitativos projetou-se na população carcerária paranaense condenada por tráfico de drogas como elemento indiciário para analisar o caso concreto e verificar o fundamento da decisão judicial. Neste artigo apresentar-se-á os dados coletados nos referidos documentos, que balizam projeto de pesquisa sobre o perfil dos condenados pela Lei de Drogas no Estado do Paraná, para contribuir com as discussões referentes a necessidade de padronização de procedimentos a serem ofertados na aplicação da Lei de Drogas.

MACONHA 18 ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIMES - UNODC. Da coersão à coesão: Tratamento da dependência de drogas por meio de cuidados em saúde e não da punião. Nova York, 2010. p. 1-2.

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O estudo técnico, a partir dos documentos que lhe subsidiavam e com a finalidade de estabelecer critério quantitativo compatível com o uso diário, entendeu adequado os critérios adotados por Portugal (cf. Portaria nº 94/96), que definem como quantidade de maconha compatível ao uso diário 2,5 gramas19. No caso, multiplicando-se por 10 dias, considerou-se apreensão de pequena quantidade o critério objetivo de 25 gramas.

Conforme Informação Técnica nº 023/2013 do SETEC/SR/DPF/RS, a partir de consulta da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, um cigarro de maconha pode conter uma massa média de 0,5 a 1,5 gramas, equivalente de 1 (um) a 5 (cinco) cigarros ao dia, conforme variação de peso apresentada pela quantidade de folhas, sementes, galhos e comprimento.

Ainda que se considere a diferença de pureza da droga entre Brasil e Portugal, bem como a complexidade de parametrizar uma substância variável em seu conteúdo conforme a região e o fornecedor, destaca-se que o quantitativo apresentado por Portugal não deslegitima como critério referenciador.

É verdade que adotar esta medida na Europa, comparativamente ao Brasil, faz da política criminal sobre drogas no Brasil ser mais rigorosa em sua aplicação pois o grau de impureza da droga brasileira é maior. No entanto isto não descaracteriza, por si só, a possibilidade de adotá-la como uma referência técnica passível de análise para estudo e pesquisa.

COCAÍNA (SAL)

O parâmetro considerado por Portugal (cf. Portaria nº 94/96) para definir o perfil do usuário de cocaína (sal) é de 0,2 gramas por dia20.

O IC/PR, em parecer técnico, considera que um usuário de cocaína utiliza cerca de 2 gramas por dia e destaca que dentre os usuários frequentes, o consumo pode chegar até 10 gramas diárias. Já um estudo realizado com 18 pacientes internados com o fim específico de deixarem o abuso de cocaína e crack na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (PR)21, constatou que os pacientes viciados em cocaína utilizavam diariamente cerca de 3,8 gramas por dia, com variação de 1 a 10 gramas/dia.

Isto demonstra mais uma vez a dificuldade em parametrizar valores para situações diversas, o que também não retira a importância de elaboração de referenciais técnicos inclusive para amadurecer algo que deve ser parametrizado: os critérios judiciais – objetivos e subjetivos – para aplicação da lei penal.

Deste modo para a finalidade do estudo técnico da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná, aplicando-o na população carcerária do

19 A legislação portuguesa (Art. 2º, 2, da Lei nº 30 de 29 de novembro de 2000) determina que a quantidade de drogas compatível com o uso é o utilizado em 10 dias. Consideram-se, assim, como usuários, os apreendidos com até 25 gramas de maconha.

20 A legislação portuguesa (Art. 2º, 2, da Lei nº 30 de 29 de novembro de 2000) determina que a quantidade de drogas compatível com o uso é o utilizado em 10 dias. Consideram-se, assim, como usuários, os apreendidos com até 2 gramas de cocaína.

21A.C.N. Nassif Filho, S.G. Bettega, S. Lunedo, J. E. Maestri, F. Gortz. Repercussões otorrinolaringológicas do abuso de cocaína e/ou crack em dependentes de drogas. Revista Ass Med Brasil, 1999; 45(3): 237-41.

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Estado, adotou-se como parâmetro a referência de Portugal com 2 gramas por dia, multiplicado por 10 dias, chegou-se ao total de 20 gramas de apreensão como pequena quantidade.

No caso, faz-se as mesmas ressalvas acima expostas de que a droga brasileira é sabidamente mais impura do que a droga europeia, todavia, isto não deslegitima como referencial técnico embora consista em medida sabidamente mais rigorosa do que aquela aplicada em Portugal.

COCAÍNA NA FORMA DE CRACK

Segundo o IC/PR, a média de uso de cocaína, na forma de crack, é de até 15 pedras diárias e de acordo com a Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack realizada por meio de parceria entre a SENAD/MJ e a Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ22 é de 11 até 16 pedras diárias.

A referida pesquisa destaca, no entanto, que não há como definir de forma minimamente precisa o peso em gramas e o conteúdo do que cada usuário denomina “pedra”. Desse modo, há uma subjetividade intrínseca às definições utilizadas pelos próprios usuários23.

Inobstante a ressalva feita pela pesquisa, a Informação Técnica nº 023/2013 SETEC/SR/DPF/RS, constata que cada pedra de crack pode variar de 0,1 a 1,5 gramas.

Segundo o estudo realizado na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (PR)24, a quantidade consumida por aqueles identificados como usuários de crack variava entre 1 a 15 gramas diárias, sendo que a média identificada foi de uso de 5,2 gramas por dia.

A Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, por sua vez, considera que um usuário pode consumir a quantia de até 20 (vinte) pedras de crack por dia, sendo que cada pedra pesa aproximadamente 0,24 gramas.

As pesquisas acima relacionadas possuem a seguinte descrição:

FONTE QUANTIDADE

PESO INDICADO

Associação do Ministério Público do

Rio Grande do Sul

20 pedras 0,24 gramas por pedra resultando em 5,8 gramas ao dia

Instituto de Criminalística do

Paraná IC/PR

15 pedras 0,1 a 1,5 gramas por pedra, resultando em variável entre 1,5 a 22,5 gramas ao

dia

SENAD/FIOCRUZ 11 a 16 pedras Sem indicação de peso por pedra

22 INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EM SAÚDE E FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack. Rio de Janeiro: ICICT/FIOCRUZ, 2014. 23 ICICT/FIOCRUZ, 2014, p. 60.

24 A.C.N. Nassif Filho, S.G. Bettega, S. Lunedo, J. E. Maestri, F. Gortz, 1999, p. 237-41.

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Nessa esteira, a partir da definição da composição química do crack é que se poderá estabelecer parâmetros cientificamente consistentes para se definir sua quantidade razoável a embasar a presunção de porte para consumo pessoal.

Em virtude da peculiaridade do padrão de consumo desta droga, diferentemente da maconha e da cocaína, utilizou-se como referencial o critério de um dia apenas sem multiplicá-lo por 5 ou 10 dias conforme as demais substâncias psicoativas.

Conforme demonstrado pela tabela que segue, outros países adotam parâmetros para determinar quantidade considerada compatível para uso:

PAÍS

QUANTIDADE PREVISTA NA LEGISLAÇÃO CONSIDERADA COMPATÍVEL COM O USO

MACONHA COCAÍNA (SAL)

Alemanha 6 a 30g de maconha* 1 a 2g*

Austrália

Quatro estados australianos descriminalizaram a posse de maconha

de 15 até 50g

Bélgica 3g

Colômbia 20g 1g

EUA

Diversos estados descriminalizaram a posse maconha. Vários utilizaram o

limite máximo de 28,45g

Finlândia 15g 1,5g

Holanda 5g 0,2g

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México 5g 0,5g

Paraguai 10g 2g

Peru 8g 5g

Portugal 25g 2g

República Tcheca 15g 1g

Uruguai 40g

Venezuela 20g 2g

*A quantidade estabelecida pela legislação alemã varia em cada unidade federativa.

Destaca-se que na Espanha, embora não tenha sido determinado por lei um limite quantitativo para descriminalização de posse para uso pessoal, a prática jurídica considera que a apreensão de até 40g de maconha e 5g de cocaína não são consideradas tráfico25.

Segundo constatado pelo Projeto Perfil Químico de Drogas (PeQui) da Polícia Federal26, em parceria com a UNODC, que tem como um de seus objetivos identificar o perfil químico das drogas, especialmente da cocaína e do crack apreendidos no Brasil, cerca de 60% da cocaína consumida advém da Bolívia, 30% do Peru e 10% da Colômbia.

25 JELSMA, 2009, p.5.

26 Pesquisa realizada pelo Projeto Perfil Químico de Drogas (PeQui), da Polícia Federal (PF) que utiliza a análise química detalhada de drogas para a identificação de características de origem e de correlação/ligação entre amostras. A obtenção de resultados validados e a estruturação de bancos de dados visam estabelecer origens geográficas e rotas do tráfico de drogas de abuso comercializadas no Brasil e contribuir com dados estatísticas que consigam apontar as tendências deste mercado ilícito. O Projeto possui cooperações técnicas com instituições forenses da França, Holanda e Estados Unidos e no Brasil (UnB, UNICAMP, UFRGS, INCTAA).

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Corroborando com o estudo apresentado acima, o Relatório Mundial sobre Drogas de 201327, elaborado pela UNODC, identificou o aumento do cultivo de coca e da produção de cocaína em 44% no Peru e 86 % na Bolívia durante o período 2000-2011.

Insta constar que embora a tabela exponha quantidades de drogas compatíveis com o uso em diversos países, subsiste a diferença da volubilidade da pureza da droga consumida nas diferentes regiões do mundo, devendo-se sopesar, para fins de comparação, as quantidades consideradas pelos países dos quais comprovadamente provém a droga consumida no Brasil, que são mais impuras do que em outras regiões do mundo.

Destaca-se com base nas apreensões na região de fronteira com o Paraguai, que o parâmetro de uso nesse país pode ser igualmente considerado como referência para os padrões de consumo do Brasil. Dessa forma, tem-se que a quantidade compatível para uso nesses países varia entre 8 a 20 gramas de maconha e 1 a 5 gramas de cocaína.

Destaca-se também a informação oriunda da Polícia Federal de que as drogas apreendidas na região norte e nordeste do país são, frequentemente, mais puras do que aquelas apreendidas na região sul e sudeste, o que enseja necessidade de diferença de tratamento.

No que toca ao entendimento jurisprudencial nacional, pesquisas realizadas em Tribunais de diferentes regiões do país indicaram que não existe um parâmetro uniforme quanto à quantidade relacionada com o uso e o tráfico de drogas. Verificaram-se, contudo, precedentes que consideraram relevantes quantidades de drogas, juntamente com outros elementos subjetivos, para desclassificação do crime previsto no art. 33 para o exposto no art. 28 da Lei 11343/0628.

TRIBUNAL DE ORIGEM

COCAÍNA NA FORMA DE CRACK

COCAÍNA

(SAL)

MACONHA

PR 1,0 g - 15 g

SC 2 g - -

SP 8,5 g - -

27 ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIMES - UNODC. Relatório Mundial sobre Drogas de 2013. Nova York, 2013. 28 Trata-se de consulta jurisprudencial realizada nas 5 regiões do Brasil sem encontrar precedente jurisprudencial na região norte. Os valores apresentados consistem em análises de casos individuais e não revelam um parâmetro específico adotado pelas respectivas Cortes Judiciais. Com a finalidade de aprofundar os elementos objetivos e subjetivos utilizados nas decisões judiciais foi validado formulário de aplicação com a consequente realização de pesquisa na Secretaria de Estado de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, juntamente com a Universidade Federal do Paraná, de 198 casos, que será objeto de publicação própria, sobre os critérios judiciais utilizados na interpretação da Lei de Drogas que por razões metodológicas não encontra-se contemplado neste trabalho.

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MS - 6,2 g 20 g

BA 2,6 g 1,65 g -

Há, por certo, relevante preocupação com a adoção do critério objetivo da natureza e quantidade de forma isolada. Ocorre que não é esta a proposta: afinal, nenhum dos países acima mencionados ignora que há possibilidades de manipulação do critério (fracionando-se a droga, por exemplo). Tal risco não justifica, porém, a carência de uma presunção relativa – que pode, justamente, ser afastada no caso concreto – como regra probatória, com base em parâmetros minimamente objetivos.

Do mesmo modo, a necessidade de ponderação de critérios subjetivos não elimina a necessidade de conhecer e discutir o perfil de uso da população, tendo em vista a relevância jurídica de um tema que não compõe a formação da grande maioria dos profisisonais que trabalham no Sistema de Justiça.

4. AMPLITUDE DO RIGOR PENAL: VEDAÇÃO AO INDULTO?

Além da ausência de critérios objetivos para aferição da natureza e quantidade da droga, conforme preconiza expressamente a legislação, cumpre refletir também sobre a extensão da disposição constitucional sobre graça e anistia aos condenados por crimes de tráfico ilícito de drogas afins, prevista no art. 5º, XLIII, da Constituição da República.

Isso porque diferentemente da graça e anistia, que consistem em benefícios individuais, a concessão de indulto ao tráfico de drogas permitiria uma medida de política criminal em tema que assumiu contornos preocupantes enquanto fator de superlotação carcerária e ausência de parametrização de dosimetria da pena.

A hipótese a ser analisada é se a lei infraconstitucional pode vedar a concessão de indulto aos condenados por aquele crime, em razão de não haver previsão constitucional expressa.

A redação do dispositivo constitucional objeto da análise é:

“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem” (art. 5º, XLIII, Constituição).“

A fim de tornar mais denso o texto constitucional, sobrevieram leis que aumentaram o rigor penal aplicado aos referidos crimes. A lei de crimes hediondos (Lei 8.072/1990) carrega disposição nesse sentido:

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“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto.“

Em 2006, como visto, a Lei 11.343, mormente em seu art. 44, trouxe normas rigorosas acerca da restrição à liberdade:

“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1 º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”.29

29 O art. 44 da Lei 11.343/2006 refere-se aos seguintes crimes:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

(…)

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

(…)

Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

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Entretanto, essa norma já foi colocada em xeque em algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, que editou, por exemplo, a Súmula Vinculante nº. 26, com a seguinte redação:

“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.

Com relação à Lei 11.343/2006, em análise de Habeas Corpus, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5o DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.

2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.

3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou

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restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.

4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga vedada a conversão em penas restritivas de direitos, constante do §4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente. (STF - Plenário – HC 97.256, Rel. Min. Ayres Britto)

No mesmo sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu:

Habeas corpus. 2. Paciente preso em flagrante por infração ao art. 33, caput, c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. 3. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei n. 11.343/2006, art. 44). 4. Constrição cautelar mantida somente com base na proibição legal. 5. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação inidônea. 6. Ordem concedida, parcialmente, nos termos da liminar anteriormente deferida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos: declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” do caput do art. 44 da Lei 11.343/2006; conceder, parcialmente, a ordem; e, ainda, autorizar os senhores ministros a decidir, monocraticamente, habeas corpus quando o único fundamento da impetração for o art. 44 da mencionada lei, nos termos

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do voto do Relator. (HABEAS CORPUS 104.339 SÃO PAULO – Rel. Min. Gilmar Mendes)

Já em sede de Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral e julgou o mérito “pela reafirmação da jurisprudência desta Corte quanto à inconstitucionalidade da vedação à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos” (Relator Min. Luiz Fux, ARE 663261 RG/ SP).

Como se vê em alguns julgados, o STF debruçou-se, com densidade, sobre a parte inicial do art. 44 da Lei 11.343/2006, porém, somente sobre a possibilidade da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

O que se questiona, nesse momento, no entanto, é o conflito entre o texto constitucional (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia…”) e parte do art. 44 da Lei 11.343/2006 (“insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória”), ou seja, se houve extensão indevida da vedação prevista no texto constitucional.

A Constituição da República refere-se à graça e anistia. O texto infraconstitucional refere-se ao sursis, à graça, ao indulto, à anistia e à liberdade provisória. Insta determinar se graça e anistia diferenciam-se de indulto e se ao legislador concedeu-se competência para caminhar além da norma fundamental.

Em julgamento anterior à Lei 11.343/2006, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Medida Cautelar) 2.795 - MC/DF, o relator Ministro Maurício Corrêa, ao analisar o indulto, assim manifestou-se:

“O indulto, modalidade de graça, como elementar, insere-se no exercício do poder discricionário de clemência que detém o Chefe do Poder Executivo, a evidenciar instrumento de política criminal colocado à disposição do Estado para a reinserção e ressocialização dos condenados que a ele façam jus, segundo conveniência e oportunidade das autoridades competentes”

O julgamento da cautelar foi assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO FEDERAL. INDULTO. LIMITES. CONDENADOS PELOS CRIMES PREVISTOS NO INCISO XLIII DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. REFERENDO DE MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.

1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5º da Carta da República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não pode ser obstado por hipotética alegação de ameaça à segurança social, que tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada.

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2. Revela-se inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso temporal da condenação. Interpretação conforme a Constituição dada ao §2º do artigo 7º do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua aplicação, assegurando-se legitimidade à indulgencia principis.

Apenas para situar-nos, cuidava-se de Decreto Presidencial que concedeu indulto a diversos apenados, inclusive aqueles que, segundo análise em cautelar, não poderiam ser beneficiados, pois atingidos pela vedação do inciso XLIII do art. 5º da Constituição. Pode-se afirmar que, primeiro, tratava-se de medida cautelar e, segundo, reconheceu-se o “exercício do poder discricionário do Presidente da República” ao conceder indulto.

Mais tarde, no julgamento do mérito da ADI, o Ministro Relator Marco Aurélio Mello decidiu que “a ação direta de inconstitucionalidade pressupõe ato normativo abstrato autônomo em pleno vigor. A superveniente perda da eficácia do diploma contestado implica o prejuízo do pedido formulado”.

O entendimento vem se mantendo no Supremo Tribunal Federal, como se observa, por exemplo, no Habeas Corpus 90.364, Relator Ricardo Lewandowski, e Habeas Corpus 118.213, Relator Ministro Gilmar Mendes:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INDULTO E COMUTAÇÃO DE PENA. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. CRIME HEDIONDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, XLII, E 84, XII, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA ILEGALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.072/90 E DO DECRETO 5.993/06. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE FAVORES QUE SE INSEREM NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. NÃO-CABIMENTO DE HC CONTRA LEI EM TESE. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA I - Não cabe habeas corpus contra ato normativo em tese. II - O inciso I do art. 2º da Lei 8.072/90 retira seu fundamento de validade diretamente do art. 5º, XLII, da Constituição Federal. III - O art. 5º, XLIII, da Constituição, que proíbe a graça, gênero do qual o indulto é espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o art. 84, XII, da Lei Maior. IV - O decreto presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade. V - Habeas corpus não conhecido. (STF - HC 90364, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 31/10/2007)

Habeas corpus. 2. Tráfico e associação para o tráfico ilícito de entorpecentes (arts. 33 e 35 da Lei 11.343/2006). Condenação. Execução penal. 3. Sentenciada com deficiência visual. Pedido de concessão de indulto humanitário, com fundamento no art. 1o, inciso VII, alínea a, do Decreto Presidencial n. 6.706/2008. 4. O Supremo Tribunal Federal já declarou a

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inconstitucionalidade da concessão de indulto a condenado por tráfico de drogas, independentemente da quantidade da pena imposta [ADI n. 2.795 (MC), Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 20.6.2003]. 5. Vedação constitucional (art. 5o, inciso XLIII, da CF) e legal (art. 8o, inciso I, do Decreto n. 6.706/2008) à concessão do benefício. 6. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (STF - HC 118.213 - Rel. Min. Gilmar Mendes - J. 6 de maio de 2014)

Para estudar a inconstitucionalidade de dispositivos infraconstitucionais que proíbam a concessão de indulto aos condenados por crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, analisar-se-ão os seguintes aspectos: (i) conceitos de graça e indulto; (ii) a discricionariedade do Presidente da República na concessão de indulto (o que impediria leis que restrinjam a faculdade).

Os dois conceitos não se confundem, a despeito de decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal no sentido de que graça é gênero do qual o indulto é espécie. Embora um se relacione ao outro, ou sejam gênero e espécie, ou geral e individual, há diferenças. Ademais, a Constituição não possui palavras vazias e sem significado. Assim, lê-se:

Art. 5º.

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

(...)

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

A Constituição não adotou os mesmos termos. Concessão de indulto – e não graça e anistia – compete ao Presidente. Na hipótese de serem tidos como sinônimos, o Constituinte adotaria as mesmas palavras.

Além do mais, observe-se o Código Penal:

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

(…)

II - pela anistia, graça ou indulto;

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Novamente, diferenciados. E, ainda, o Código de Processo Penal:

Art. 734. A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da Republica, a faculdade de concedê-la espontaneamente.

(…)

Art. 741. Se o réu for beneficiado por indulto, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, do Ministério Público ou por iniciativa do Conselho Penitenciário, providenciará de acordo com o disposto no art. 738.

Art. 742. Concedida a anistia após transitar em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, do Ministério Público ou por iniciativa do Conselho Penitenciário, declarará extinta a pena.

Embora a doutrina – e o próprio Supremo Tribunal Federal – entendam, por vezes, que graça signifique em seu sentido amplo o indulto coletivo30, não se deve interpretar a norma constitucional dessa forma. Graça, então, é individual; indulto é coletivo, concedido pelo poder público, independentemente de motivo ou provocação. Nesse sentido:

"A graça, forma de clemência soberana, destina-se a pessoa determinada e não a fato, sendo semelhante ao indulto individual. A Constituição Federal vigente, porém, não se refere mais à graça, mas apenas ao indulto (art. 84, XII), exceção feita à regra que veda a concessão do favor nos crimes hediondos e assemelhados (art. 5º, XLIII). Por essa razão, a Lei de Execução Penal passou a tratá-la como indulto individual, o que não ocorreu na reforma da Parte Geral do Código Penal".31 (MIRABETE, 2010)

“O que caracteriza a graça é o fato de ser medida de caráter individual, favorecendo pessoa determinada. É ela, em regra, solicitada (art. 734, CPP), cuja audiência, no entanto, o Presidente pode considerar desnecessária (art. 84, XII, CF). Todavia, a CF proíbe concessão de graça ao condenado por prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e

30 SOUZA, Jarbas Fidelis de. Breves considerações sobre graça, o indulto e reduções de penas. http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181478/000403563.pdf?sequence=3, acesso em 13 de maio de 2015.

31 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, v. 1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 372.

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crimes definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, CF), o que é reproduzido por leis ordinárias que tratam desses delitos (…)”

“O indulto é medida de caráter coletivo, cuja concessão também pode receber opinião do Conselho Penitenciário, que o Presidente pode não acatar”. 32 FRAGOSO, 2003)

A graça, se entendida como indulto individual, e espécie de extinção da punibilidade vedada aos crimes de tráfico de drogas (art. 5º, XLIII, Constituição), não exclui a discricionariedade do Presidente da República conceder o indulto geral no exercício de suas competências (art. 84, XII, Constituição). E a lei, enfim, não poderá ir além e coibir a competência presidencial. Em outras palavras, mesmo que consideremos graça como espécie ou gênero de indulto, este será geral e, aquele, individual. O que a norma da Constituição proíbe é o individual.

A distinção também é necessária na medida em que o indulto prevê medidas de política criminal, extensível a todos os cidadãos equiparados nas mesmas condições, sem qualquer violação aos princípios da impessoalidade, isonomia e moralidade.

Não obstante o julgado do Supremo Tribunal Federal, em voto do Ministro Sydney Sanches, no Habeas Corpus 77.528, ter entendido que “(…) a Constituição não tolera que qualquer indivíduo que haja praticado crime legalmente considerado hediondo, seja contemplado com a graça (indulto individual), [e por isso] não há de se tolerar que o mesmo indivíduo seja beneficiado mediante o expediente do indulto coletivo”, e que o art. 84, XII abrange “indulto individual (graça) e o coletivo”, a Constituição, ao contrário, buscou impedir que o Presidente concedesse graça (individual), em desprestígio ao princípio da isonomia, visando a concessão de indulto geral.

Nesse caso, tratando-se de restrição a direito individual, a interpretação restritiva impõe-se. Conforme Häberle,

“precisamente la corriente legitimación exclusiva de las ‘restricciones’ al derecho fundamental a partir de los interesses públicos es un claro ejemplo de una simplificación, tan errónea como frecuente, del problema”.33 (HÄBERLE, 2003)

O autor ainda defende que uma limitação aos direitos fundamentais somente poder se dar por norma do mesmo nível, que, no caso, é a norma constitucional:

“Si se coloca a los derechos fundamentales bajo una reserva de este tipo, ello significa dos cosas: sólo pueden ser limitados para la protección de bienes de valor constitucional igual o superior, pero pueden ser limitados

32 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 511.

33 HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial dos direitos fundamentais. Madri: Dykinson, 2003, p. 25.

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siempre que ello sea necesario para la protección de estos bienes jurídicos. El valor de los derechos fundamentales y de los bienes jurídicos que los limita hay que determinarlo exclusivamente a nivel constitucional. (HÄBERLE, 2003, p. 34).

Ao adotar, portanto, no art. 5º, XLIII, da Constituição, graça, não se pretendeu dizer indulto. Por isso, é inconstitucional que a lei inove e amplie restrições aos direitos fundamentais. É preciso razoabilidade e proporcionalidade na vedação ao direito de liberdade por meio do indulto, que, sendo geral – e não individual, como o é a graça –, respeita a isonomia, embora seja possível que se definam critérios adequados para sua concessão (como quantidade de droga apreendida e grau da pena).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é atenta e flexível a mudanças, se assim se impuserem. Como explica Luciano Feldens, sobre o indulto – mesmo que indique posição pela possibilidade de ampliar restrições de natureza penal:

O regime penal especial predeterminado constitucionalmente indica que, além da inafiançabilidade (…), essas infrações penais haveriam de se considerar insuscetíveis de graça e anistia. Inexiste vedação, em princípio, a que o legislador amplie o âmbito de restrições de natureza penal ou processual a tais delitos, ou mesmo que faça incluir, no rol de delitos considerados hediondos, uma nova espécie penal, desde que estas inovações não colidam, evidentemente, com outras disposições constitucionais, atendida uma perspectiva de proporcionalidade. Nesse tom, além da insuscetibilidade de graça e anistia, a Lei n. 8.072/90 impediu a concessão de indulto aos crimes hediondos, à prática de tortura, ao tráfico e ao terrorismo (art. 2º, I), bem como ampliou para 30 dias, prorrogáveis por igual período, o prazo da prisão temporária para esses delitos (art. 2º, §3º). Todas essas disposições situam-se sob o olhar atento – e mutante – da jurisdição constitucional, que não se tem furtado de intervir. Segundo previa a redação original da lei, a pena pela prática de crime hediondo, tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo haveria de ser cumprida ‘integralmente’ em regime fechado (art. 2º, §1º). Depois de muitos anos, o STF considerou inconstitucional essa restrição (…). Em face dessa decisão, o legislador alterou a lei, determinando que as penas, para tais hipóteses delitivas, haveriam de ser cumpridas em regime ‘inicialmente’ fechado; em paralelo, instituiu para os crimes hediondos, patamares de cumprimento de pena diferenciados para a progressão de regime (…).”34 (FELDENS, 2014)

Do mesmo modo, concomitante à presente discussão, faz-se necessário delimitar – mediante interpretação restritiva, vez que envolve direitos fundamentais – se o §4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006 insere-se ou não no rol taxativo da Lei de crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990).

34 FELDENS, Luciano. Comentário ao art. 5º, XLIII. In.: CANOTILHO, J. J. Gomes. MENDES, Gilmar Ferreira e outros. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 398.

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O referido tipo penal criminaliza com menos intensidade aquele que pratica tráfico de drogas com a condição de primariedade, bons antecedentes e que não se

dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Ou seja, na maioria das vezes, em razão da equiparação aos crimes hediondos, verificam-se pessoas submetidas a tratamento desproporcional à conduta sobretudo diante da dificuldade de delimitação e falta de parâmetros entre as condutas previstas pelo artigo 28 da referida lei, já considerado como crime despenalizado, com a presente conduta. O assunto foi objeto de divergência no Superior Tribunal de Justiça, prevalecendo-se o entendimento pela hediondez do crime, no entanto, trata-se de tema com importante repercussão a ser refletida frente aos objetivos de política criminal que se pretende atingir.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política criminal sobre drogas adotada no Brasil revela-se uma das grandes responsáveis pela superlotação carcerária, sem refletir uma implementação estratégica e planejada de política pública apta a prevenir e reabilitar pessoas com agravos decorrentes do abuso de substâncias psicoativas.

A dificuldade de interlocução entre diferentes saberes que permeiam a política sobre drogas ocasiona, no âmbito jurídico, uma aplicação rigorosa da lei penal baseada muito mais em percepções do que em critérios objetivos ou respaldados em parâmetros uniformes de aplicação.

Entre as ações mais emergenciais que se apresentam uma delas consiste na atribuição do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas referenciar padrões de consumo que permitam definir, objetivamente, o que seria uma apreensão insignificante, pequena, média ou de grande porte. Este referencial técnico permite uma orientação jurisprudencial mais clara para atendimento ao que está expressamente descrito no artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, sem embargo aos critérios subjetivos a serem aferidos no caso concreto.

Mesmo os critérios subjetivos devem ser alvo de aprofundamento mediante estudos sobre o perfil dos condenados pela Lei de Drogas, evitando-se, com isto, dosimetrias da pena que firam a impessoalidade e a isonomia, permitindo-se a aplicação de diferentes graus de pena conforme o nível de intervenção estatal. Com isto também seria possível permitir a individualização da pena amparada em critérios uniformes, mesmo que esses fundamentos sirvam para diferenciar situações que devam ser analisadas dentro de suas especificidades a exemplo do tráfico em região de fronteira.

O aprofundamento do tratamento a ser aplicado na Lei de Drogas também permite (re)pensar os diferentes encaminhamentos possíveis a serem oferecidos ao Poder Judiciário, contemplando-se também estratégias diferenciadas em prol de uma política criminal diferenciada e que não potencialize o encarceramento e a violação de direitos mediante superlotação em ambientes inadequados.

Ainda para solucionar a grave crise carcerária instaurada, em grande parte, em virtude do exponencial aumento de presos por tráfico de drogas que muitas vezes não representam o grau de periculosidade e envolvimento com o crime que supôs o legislador ao vedar a aplicação de indulto, torna-se importante (re)discutir a pertinência

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técnica desta diretriz política que impede uma gestão penitenciária mais estratégica e eficaz.

A parametrização de procedimentos com mecanismos de garantias de direitos como a Audiência de Custódia e as alternativas penais poderão ser importante exemplo de mudança de paradigma e de superação de guerra às drogas para uma construção de uma política pública integradora e promotora de direitos humanos.

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