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Departamento de Serviço Social 1 POLÍTICA PÚBLICA DE TRANSPORTE EM MASSA: ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS USUÁRIOS SOBRE O TREM NO RAMAL SANTA CRUZ Aluna: Maria Júlia Batista de Oliveira Reis Orientadora: Inez Stampa Introdução O presente relatório é resultante da pesquisa “Transporte Ferroviário Urbano em Questão: análise das políticas públicas em pauta e as consequências para os trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, coordenado pela professora Inez Stampa, do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. O estudo foi desenvolvido a partir da experiência como aluna bolsista de iniciação científica. O objetivo da pesquisa é analisar a política pública de transporte na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e conhecer as percepções dos trabalhadores usuários do transporte público urbano ferroviário, o que remete às mudanças que vêm ocorrendo na cidade e como as mesmas impactam a vida da sociedade, de forma geral, e dos trabalhadores usuários dos trens, em particular. Ao longo dos últimos anos consolida-se um ciclo de transformações na cidade, voltadas para lógica de um espaço urbano mercantilizado. É possível observar a dinâmica do sistema capitalista monopolista que se internaliza nas contradições como motor da sociedade [1]. Há um planejamento de desenvolvimento urbano onde se prioriza a manutenção do modelo de sociedade atual tendo como base a supervalorização dos lucros, deixando de lado o pensamento de desenvolvimento urbano com base no conhecimento sobre a fragmentação particular de cada espaço. Aparentemente, a questão da mobilidade urbana na sociedade vem tomando lugar de destaque devido às elaborações, por parte do Estado, de projetos urbanísticos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Salienta-se que o tema dos transportes urbanos se tornou uma questão crítica, tendo em vista o grande aglomerado de pessoas no espaço urbano, fato que se intensificou em um momento de expansão industrial [2]. O termo mobilidade urbana não se refere apenas ao deslocamento da sociedade como algo isolado e característico da locomoção, mas sim como algo mais amplo que se insere nos direitos básicos dos sujeitos. Desde os deslocamentos para o trabalho, por exemplo, até o acesso aos serviços públicos, que pode ser feito de diversas maneiras: a

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Departamento de Serviço Social

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POLÍTICA PÚBLICA DE TRANSPORTE EM MASSA: ANÁLISE DAS

PERCEPÇÕES DOS USUÁRIOS SOBRE O TREM NO RAMAL SANTA CRUZ

Aluna: Maria Júlia Batista de Oliveira Reis

Orientadora: Inez Stampa

Introdução

O presente relatório é resultante da pesquisa “Transporte Ferroviário Urbano em

Questão: análise das políticas públicas em pauta e as consequências para os

trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, coordenado pela professora

Inez Stampa, do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. O estudo foi

desenvolvido a partir da experiência como aluna bolsista de iniciação científica. O

objetivo da pesquisa é analisar a política pública de transporte na Região Metropolitana

do Rio de Janeiro e conhecer as percepções dos trabalhadores usuários do transporte

público urbano ferroviário, o que remete às mudanças que vêm ocorrendo na cidade e

como as mesmas impactam a vida da sociedade, de forma geral, e dos trabalhadores

usuários dos trens, em particular.

Ao longo dos últimos anos consolida-se um ciclo de transformações na cidade,

voltadas para lógica de um espaço urbano mercantilizado. É possível observar a

dinâmica do sistema capitalista monopolista que se internaliza nas contradições como

motor da sociedade [1]. Há um planejamento de desenvolvimento urbano onde se

prioriza a manutenção do modelo de sociedade atual tendo como base a

supervalorização dos lucros, deixando de lado o pensamento de desenvolvimento

urbano com base no conhecimento sobre a fragmentação particular de cada espaço.

Aparentemente, a questão da mobilidade urbana na sociedade vem tomando

lugar de destaque devido às elaborações, por parte do Estado, de projetos urbanísticos

na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Salienta-se que o tema dos transportes

urbanos se tornou uma questão crítica, tendo em vista o grande aglomerado de pessoas

no espaço urbano, fato que se intensificou em um momento de expansão industrial [2].

O termo mobilidade urbana não se refere apenas ao deslocamento da sociedade

como algo isolado e característico da locomoção, mas sim como algo mais amplo que se

insere nos direitos básicos dos sujeitos. Desde os deslocamentos para o trabalho, por

exemplo, até o acesso aos serviços públicos, que pode ser feito de diversas maneiras: a

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pé, de ônibus, avião, barca, metrô, trem, bicicleta, entre outros. A questão da mobilidade

urbana se apresenta como fator essencial para o exercício da cidadania.

Mobilidade Urbana refere-se a “facilidade de deslocamento de pessoas e bens no

espaço urbano por meio de transportes motorizados e não motorizados” [3], ou seja, a

interação pessoas – bens – cidade. Segundo o Conselho Federal de Engenharia e

Agronomia (Confea) o planejamento acerca da mobilidade urbana deve se pautar em

três princípios mínimos que se resumem no direito de ir e vir, na apropriação do espaço,

ou seja, o direito ao espaço público e o acesso aos serviços e equipamentos públicos.

Essa argumentação vai ao encontro do direito à cidade e seus desdobramentos.

No que tange à questão da mobilidade urbana, e em especial no Rio de Janeiro,

sobretudo no período dos grandes eventos na cidade, não é novidade a insatisfação da

população no que diz respeito aos transportes públicos urbanos. O direito a mobilidade

não vem como pauta única para o poder público e se entrelaçou com outras pautas e

agendas relacionadas à questão urbana como consequência explícita da urbanização1

[4].

A ilustração a seguir mostra um pouco sobre esta situação:

1 Urbanização é um processo decorrente do momento histórico da expansão industrial.

Consideramos que este fenômeno também provocou um grande aumento de problemas sociais,

econômicos e culturais tendo em vista o modelo econômico, político, social, cultural capitalista

[2].

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No que diz respeito ao projeto desta pesquisa acadêmica pode-se refletir que a

partir da restruturação produtiva2, houve um aumento da participação da iniciativa

privada no setor de transportes, justificada pela complexidade do gerenciamento da

política pelo governo, transferindo para a iniciativa privada a função de implementar

políticas sociais. Estas, muitas vezes são aceitas pela população, pois a sociedade

capitalista faz com que o indivíduo tenha uma ideia decrescente de reflexão, aceitando a

ideia de que o gerenciamento pela iniciativa privada seria mais eficaz.

A organização competitiva do mercado, própria do modelo de privatização e seus

desdobramentos na sociedade, foi um fator crucial para escolha do tema de pesquisa. O

estudo está sendo realizado desde dezembro de 2015 no Ramal de Santa Cruz, operado

pela empresa Supervia3 na cidade do Rio de Janeiro. A escolha do ramal se deu a partir

de diversas transformações no sistema de transportes, tais como a construção do VLT

(Veículo Leve sobre Trilhos), o desenvolvimento do BRT (Transporte Rápido por

Ônibus) e a eliminação de algumas linhas de ônibus, mudanças no sistema de transporte

ferroviário dos trens e metrôs. Escolhemos o ramal de Santa Cruz devido à

infraestrutura dos transportes urbanos na zona oeste, que é deficitária.

Foi utilizado como instrumento para a coleta de dados a entrevista

semiestruturada, realizada com 00 usuários, e guiada por um questionário com 13

questões divididas entre a caracterização do usuário e sua relação com o trem.

Os usuários do ramal Santa Cruz foram abordados durante viagens de trem ou nas

estações, e contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento do trabalho aqui

apresentado. Para análise dos dados colhidos no trabalho de campo foram utilizadas

ferramentas do Excell para formação de uma estatística descritiva voltada para o objeto

de pesquisa. A perspectiva da pesquisa foi realizar um estudo que entendesse as

percepções dos usuários dos trens, tendo como “pano de fundo” o processo de

restruturação produtiva adotado pelo Estado brasileiro desde a década de 1990, que

decidiu por efetivar concessões de serviços públicos antes prestados por empresas

públicas a empresas privadas, bem como seus desdobramentos para a sociedade. Como

2 O processo de restruturação produtiva é um dos mais perversos para a sociedade. O processo

de privatização, as parcerias público-privado e concessões são resultados desse movimento de

restruturação produtiva onde o Estado se afasta de sua responsabilidade de implementar uma

política, por exemplo, e em forma de concessão (no caso dos trens urbanos) uma empresa

escolhida fica com a função de implementar a política pública [5]. 3 Detalharemos sobre este ramal no decorrer do relatório.

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eixo central da análise foi tomado como base o direito à cidade por todos os sujeitos que

nela vivem.

Mobilidade no Rio de Janeiro

Desde o período colonial os trabalhadores já sofriam com os problemas advindos

da falta de mobilidade, como reflete Kawahara:

Em 1808 se instala a Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, nessa época só

existiam as freguesias urbanas que correspondem ao que é hoje o Centro e Zona

Portuária. Se concentravam em torno dessa área moradia e trabalho (portos,

armazéns, manufaturas, oficinas, comércio, serviços e administração pública).

Porém, já havia diferenciações no espaço urbano, onde aos pobres que não

tinham possibilidade de mobilidade só era possível habitar onde se localizam os

atuais bairros de Santo Cristo, Saúde e Gamboa [6].

A partir do século XX já era possível identificar um aumento populacional na

região da Central, que traz consigo todas as suas consequências. Algumas relacionadas à

formação de favelas que se intensifica até os dias atuais, tendo em vista que muitas

pessoas vêm buscar uma melhor qualidade de vida nas metrópoles e se deparam com

algo diferente do que pensaram. E outras relacionadas aos desdobramentos desse

aumento populacional como projetos voltados para mobilidade urbana [7].

A população habitante do Rio de Janeiro é afetada diariamente com os prejuízos

causados pelos problemas no trânsito: os compromissos não cumpridos e as horas

perdidas, dificuldades de mobilidade, estresse, entre outras questões [8]. Fato este que

tem muito impacto devido à organização competitiva do mercado e inerente ao modelo

de privatização do setor de transportes.

Pode-se refletir que a falta de efetividade das políticas públicas para o setor de

transporte tem por fundamento uma lógica voltada para o mercado, de forma a apenas

confirmar a imagem de que o Estado não possui recursos ou competência técnica para

garantir o gerenciamento dessas políticas. As chamadas crises fiscais, entre outras

questões, encaminharam a política pública de transporte urbano, mais

especificadamente a de transporte ferroviário, para o caminho da privatização [9].

Para a compreensão dos resultados da pesquisa em tela e nossas considerações é

necessário ter ciência da relação ambígua deste modelo de sociedade. A lógica de

políticas de corte neoliberal de impulsionar as privatizações e o distanciamento do

Estado em cumprir sua função social para com a sociedade são fatores essenciais

quando se dialoga com a temática da privatização, a partir do momento que os projetos

são desenvolvidos e aplicados pelas empresas de uma forma que cria um abismo entre o

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processo de gerenciamento dos serviços de transporte público e os usuários dos

mesmos, ou seja, não inclui a participação da sociedade civil.

Atualmente, com as mudanças na economia brasileira, o Estado passou a adotar

medidas que visam à redução dos custos com transporte. Neste ano de 2016, com os

jogos Olímpicos, muitas mudanças foram feitas. Podemos acompanhar essas mudanças,

em muitos jornais que circulam na cidade, onde o setor ferroviário assim como seus

trabalhadores sofrem diretamente o impacto dessas reduções como. A reprodução de

uma matéria de jornal, apresentada a seguir, exemplifica esta percepção.

É impossível refletir sobre os impactos de certos acontecimentos na vida dos

trabalhadores que são usuários diários dos meios de transporte públicos sem conjecturar

sobre a não interferência, muito significativa, do Estado para com essas questões e sobre

a adoção por parte do poder público de medidas que refletem negativamente na vida dos

trabalhadores.

Desenvolvimento da pesquisa e análise dos dados

Inicialmente buscamos fazer um levantamento bibliográfico, que se deu de forma

constante durante o estudo, sobre temáticas referentes à mobilidade urbana, cidadania,

transporte urbano público, direito à cidade e os desdobramentos dessas questões para,

assim dar início à pesquisa de campo. Utilizamos como instrumento de pesquisa a

entrevista semiestruturada guiada por um questionário, além da observação participante

que permite uma interação maior com as questões envolvidas nos trens da SuperVia

para com os seus usuários.

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Assim, foi possível observar que o movimento de restruturação produtiva

impulsiona algumas das ditas “estratégias de melhoria” para os serviços públicos que,

na verdade, funcionam como ponto crucial para uma maior participação da iniciativa

privada no meio público. Tais estratégias costumam ser desenvolvidas por meio de

parcerias público-privadas. No setor de transporte urbano, por meios de concessões, o

Estado licita o serviço de transporte para que empresas do ramo se responsabilizem pela

logística e implementação da política de transporte [10]. Em especial, no caso em

estudo, o transporte ferroviário fica a cargo da empresa SuperVia, responsável por gerir

todo o funcionamento dos trens na Região Metropolitana do Rio de Janeiro [11]. A

figura seguinte demonstra a malha ferroviária dos trens gerida pela Supervia.

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A pesquisa vem sendo realizada no ramal Santa Cruz (traço verde) das linhas da

SuperVia na cidade do Rio de Janeiro. O ramal Santa Cruz corta os principais bairros

periféricos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e, em estações específicas se

conecta a outros ramais da SuperVia, regiões estas segregadas desde o desenvolvimento

da cidade e, posteriormente, com a intensificação do processo da urbanização. Para

Oliveira:

Pode-se observar que, desde o início do século XX, seu centro e entorno sofreram

um processo de urbanização bastante intenso, diferente de suas áreas periféricas,

sobretudo na Zona Oeste, a qual possuía características rurais até mesmo por

volta da década de 1970. Contudo, a expansão da malha viária, o crescimento

demográfico e a descentralização da atividade produtiva, permitiram uma

progressiva expansão da cidade em direção às áreas periféricas. Assim, o intenso

crescimento demográfico na cidade foi empurrando as classes menos abastadas

para as áreas mais distantes da área central, indo se instalar próximo às estações

ferroviárias ( p 16) [8].

É nesse contexto que entendemos a importância do transporte público para a

população. Em especial o transporte ferroviário para desenvolvimento das cidades,

tendo em vista o que foi colocado pelo autor, nos remetendo às consequências da

restruturação produtiva que impactam diretamente toda a população usuária dos trens.

Atualmente, com as mudanças feitas no setor ferroviário, o ramal Santa Cruz liga a

Zona Oeste à Central do Brasil de ponta a ponta e a outros ramais que vão ao encontro

da Baixada Fluminense. Funciona na forma expressa, onde a parada para entrada e

descida dos passageiros é realizada em estações específicas dentre as 23 que são

contempladas por este Ramal ,como podemos observar na ilustração a seguir:

Fonte: Elaboração da autora.

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A estação de Santa Cruz (1) é o ponto de partida dos trens vindos da Zona Oeste.

Os trens param em todas as estações até Deodoro4 (2), onde os passageiros podem

descer para pegar os trens paradores do sentido Central do Brasil ou Japeri.

Após a estação de Deodoro os trens só realizam parada na estação de Madureira,

que funciona para livre circulação dos trens e de transferência para os BRT –

Barra/Galeão e Madureira/Galeão. Depois o trem faz parada na estação do Maracanã e,

em seguida, em São Cristóvão, que são estações de transferências para os ramais de

Saracuruna e Belfort Roxo. A central do Brasil é a estação final.

Durante a pesquisa foi possível constatar, nas viagens de trem, que muitas

mudanças estavam sendo feitas, era o ápice das obras urbanísticas no Rio de Janeiro.

Com as obras em algumas estações, os trens do ramal Santa Cruz não estavam fazendo

parada na estação de São Francisco Xavier. Foi percebido também que a estação de

Silva Freire só funciona até às 15 horas em dias úteis, o que, segundo alguns relatos de

usuários, “não serve para nada”.

Entrevistamos 100 usuários dos trens do ramal Santa Cruz, dentre eles 56

mulheres e 44 homens, com idades entre 18 e 60 anos. Foi observada, na pesquisa de

campo, com a prática da observação participante, a relação do trem para com os

usuários e dos usuários com o trem. Primeiramente procuramos fazer um recorte de

gênero com a perspectiva de nortear a pesquisa e, assim, elaborar ideias para as

entrevistas, as quais também deveriam estar relacionadas à realidade dos usuários.

Tendo como dados de base o censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia Estatística) sobre a população do município do Rio de Janeiro. O censo nos

indica que no município há 2.960.954 de homens para 3.362.083 de mulheres. No

desenvolvimento da pesquisa as usuárias mulheres entre 18 e 30 anos se mostraram

mais receptíveis à participação nas entrevistas do que os usuários homens [12].

Em um segundo momento, ainda na etapa de caracterização dos usuários,

procuramos desenvolver no questionário uma pergunta que abordasse o modo de

utilização dos trens. O gráfico a seguir traz informações sobre os participantes dos sexos

masculino e feminino.

4 A estação de Deodoro antes das mudanças não era ponto de partida dos trens paradores apenas

estação de livre circulação de trens. Atualmente é ponto de partida dos trens paradores para

Central do Brasil e de transferência para o Ramal Japeri.

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10

0%

16

28

0%

Utiliza o Trem para:

Masculino

4

22 29

1

Utiliza o trem para: Feminino

Gráfico 1 Gráfico 2

Fonte: pesquisa de campo. Elaboração da autora.

Buscamos também, como parte da pesquisa, verificar junto aos 100 usuários se o

trem satisfazia as necessidades relacionadas à mobilidade urbana. Desenvolvemos uma

questão direcionada para isso, como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 3

Fonte: pesquisa de campo. Elaboração da autora.

Apenas 23% dos usuários eram comtemplados integralmente pelo trem, no

aspecto da mobilidade, para ir de sua casa à sua atividade cotidiana. Articulando com os

referenciais teóricos analisamos que a estrutura da cidade do Rio de Janeiro para

23%

77%

Sim Não utilizo outros modais

Você utiliza somente o trem para ir de casa e sua atividade?

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transporte de massa é voltada, atualmente para a modernização seguindo a lógica de

“cidade olímpica” [13].

Cabe ressaltar que a população do Rio de Janeiro enfrenta diariamente um longo

percurso para a realização de atividades profissionais e pessoais [14]. Fato que foi

evidenciado com os usuários do Ramal Santa Cruz, que se constitui em uma extensa

malha ferroviária, conforme procuramos demonstrar. O gráfico a seguir mostra o tempo

de percurso gasto pelos usuários entrevistados.

Gráfico 4

Fonte: pesquisa de campo. Elaboração da autora.

O gráfico acima demostra justamente o fator já estudado pelo Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, porém com enfoque nos trens da Supervia. Diante

dos relatos dos usuários foi possível constatar que há uma série de investimentos que

ainda precisam ser feitos, porém o trem ainda se apresenta como uma das alternativas

mais eficazes para a locomoção na RMRJ, tendo em vista o “caos do Brasil” como

afirmou uma entrevistada.

Durante o desenvolvimento da pesquisa os questionários utilizados para nortear as

entrevistas om os usuários dos trens da Supervia contavam com perguntas pertinentes

para alcançar o objetivo deste estudo. Dentre as 13 questões elaboradas, desenvolvemos

uma pergunta para saber qual, na opinião dos usuários, era o transporte mais econômico,

onde 58% dos entrevistados afirmaram ser os ônibus ,frente aos 71% que afirmam que

os trens possuem uma relação melhor de custo x benefício, que ultrapassa o fator

econômico, tendo como questão principal as horas perdidas em engarrafamentos.

1%

15%

74%

10%

Menos de 30 min Entre 30 e 1 hora Entre 1 e 2 horas Mais de 2 horas

Tempo de viagem gasto:

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No caso dos benefícios da utilização dos trens do Ramal Santa Cruz, obtivemos

respostas bem interessantes que contrapõem algumas afirmativas que a mídia faz sobre

o transporte ferroviário. Na tabela 1, abaixo é possível observar a predisposição dos

usuários em responderem sobre a questão da operacionalidade dos trens.

Tabela 1

Fonte: pesquisa de campo. Elaboração da autora.

Foi pedido que os usuários avaliassem com notas de 1 a 3 variáveis que serviram

como eixo central da pesquisa. Foram feitas perguntas abertas onde as respostas

atribuiriam sentido à pesquisa e expressariam, junto com as outras 12 questões, a

percepção que o usuário tem, nessa questão em especial, sobre a qualidade do serviço.

Como foi possível observar, em todos os 100 questionários foram assinaladas com

100% de nota máxima 3, os fatores Redução do tempo de viagem e Redução no

congestionamento do tráfego, fatores ligados diretamente à qualidade de vida da

população. Questões como essas fazem com que os usuários permaneçam utilizando os

trens, porém nos finais de semana a logística é diferente, todos os trens do ramal Santa

Cruz são paradores, o que provocou muita critica dos usuários. Esse aspecto nos faz

voltar à assertiva feita no início deste relatório, de que as políticas de transporte público

adotadas são voltadas para o mercado. Neste caso, a opção de lazer para o usuário que

deseja usar o meio de transporte nos finais de semana fica muito comprometida, pois o

trem parador aumenta o tempo de viagem e o desconforto dos passageiros, mas é mais

lucrativo para a empresa quando o tráfego de pessoas diminui.

Variáveis como Redução do impacto no meio ambiente e Redução do cansaço

físico e psíquico também tiveram avaliações significantemente boas. A avaliação dos

usuários para os itens Custo da Tarifa, Infraestrutura e Segurança deixaram a desejar,

Redução

do tempo

de viagem

Redução do

impacto no

meio

ambiente

Redução no

congestionamento

do tráfego

Custo

da

tarifa

Redução do

cansaço

físico e

psíquico

Infraestrutura

e conforto Segurança

3 100% 92% 100% 6% 75% 18% 1%

2 0% 8% 0% 49% 21% 67% 73%

1 0% 0% 0% 45% 5% 15% 26%

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concretizando que investimentos nos transportes ainda precisam melhorar, assim como

uma tarifa adequada para a população que, em sua maioria, opta por utilizar o Bilhete

Único Carioca5, uma alternativa de efetivar o direito a cidade, dados os valores das

passagens que, de outra forma, inviabilizariam determinadas viagens para muitos

usuários.

Também foram surgindo algumas questões no constante levantamento

bibliográfico e nas práticas de observação participante, que deu base para a questão que

faz referência se os trens atendem às necessidades dos usuários no quesito mobilidade.

Deparamos-nos com relatos que giram em torno da questão da distância do local de

trabalho, da necessidade de pegar outros transportes, uma “falsa segurança” dentro dos

vagões e a insatisfação com o valor da tarifa. A tabela 2 mostra como ficaram

distribuídas as respostas:

O trem atende suas necessidades relacionadas a mobilidade urbana?

Sim

Preciso pegar outro

transporte

Localização ruim da estação

Infraestrutura e conforto precários

Aumento do cansaço físico

e psíquico

“Falsa segurança”

Custo elevado da

tarifa

23% 77% 28% 43% 41% 55% 72%

Tabela 2

Fonte: pesquisa de campo. Elaboração da autora.

Foi observado que as alternativas assinaladas com maior porcentagem faziam

referência à necessidade de 77% dos usuários em pegar outro transporte além do trem,

um público grande que utiliza desde outros modais inseridos nos transportes públicos

urbanos como também de transportes informais da região, tais como o uso de vans,

kombis e moto taxi, nos remetendo à questão das configurações geográficas de algumas

localidades e o acesso ao transporte público de qualidade.

5 Segundo o site do RioCard, o “Bilhete Único Carioca é um benefício tarifário que possibilita a

utilização de um segundo transporte, em um período de 2 horas e meia no município do Rio de

Janeiro”. Disponível em: <https://www.cartaoriocard.com.br/rcc/bilheteUnico>. Acesso em 10

jun. 2016.

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Muitos relatos se associavam a uma “falsa segurança”, pois muitas vezes há certo

receio de sofrer um assalto ou um acidente dentro dos vagões, tanto devido as

superlotações quanto por muitas vezes o trem apresentar defeito nas portas. Cruzando os

dados verificamos que mesmo com os aspectos negativos das necessidades dos usuários

o trem ainda possui preferencia no quesito rapidez.

Considerações Finais

O estudo permitiu uma compreensão maior sobre questões que perpassam a

mobilidade urbana. Consideramos que na medida em que a urbanização foi se

intensificando o transporte sobre trilhos deixou de ser a tendência para dar lugar ao

transporte em massa rodoviário. Mesmo com uma proposta eficiente em relação às

características urbanas de melhoria da mobilidade, os ônibus se tornaram um meio de

locomoção mais valorizado.

Entretanto, com as mudanças estruturais na cidade e com base nos dados da

pesquisa realizada, o transporte ferroviário se mostra como uma alternativa para os

trabalhadores da zona oeste efetivarem seu direito à cidade neste aspecto. Porém, ainda

são necessárias políticas duradouras e direcionadas a este meio de transporte.

Ficou evidente nas respostas obtidas a preferência pelos trens da SuperVia,

porém estes não estão atendendo as necessidades dos passageiros, que optam por

usufruírem também de outros modais como a integração ônibus, metrô e BRT, entre

outros. Refletimos sobre a importância do bilhete único para os trabalhadores, sendo um

instrumento de redução do valor da passagem e contribuindo para o exercício da

cidadania, mas que não resolve o problema do transporte eficiente, seguro e acessível

para todos.

A partir da experiência no processo de pesquisa consideramos que os trens,

mesmo com as adversidades constatadas, ainda possuem a preferência quando se fala de

mobilidade urbana, ainda mais na zona oeste, área que vem sofrendo muitos impactos

de redução de transporte público rodoviário.

Consideramos que uma das formas possíveis de oferecer um transporte de

melhor qualidade à população, a partir da análise dos dados obtidos com o questionário

e com as entrevistas, seria a melhoria da mobilidade a partir de projetos que

priorizassem o transporte público de qualidade e não somente a revitalização da cidade

associada com a busca por lucros cada vez maiores por parte das empresas

concessionárias. Uma das ações para melhoria do transporte ferroviário seria no

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investimento da infraestrutura e de oferta que pudesse atender a demanda de milhares

de passageiros diários.

As vantagens do uso dos trens ficaram evidentes e, tendo em vista a história da

cidade do Rio de Janeiro que se desenvolveu seguindo o traçado da linha férrea, pode-se

afirmar que a classe que vende a sua força de trabalho para a sua sobrevivência é a que

mais se utiliza desse meio de transporte para chegar ao seu destino final. Então, a partir

dos conhecimentos adquiridos ao longo da graduação, somados a uma consciência

crítica, bem como com a experiência da iniciação científica, podemos refletir que uma

política pública enfraquecida por um Estado que prioriza políticas de corte neoliberal

impacta diretamente o cotidiano desses trabalhadores.

O caráter mais qualitativo do que quantitativo desta pesquisa nos faz refletir

também sobre diversas questões inerentes ao transporte público ferroviário. Tendo

como base a dimensão da cidade, sua demografia e a oferta de transporte, fatores

exteriores ultrapassam a lógica de raciocínio. É de grande relevância para uma aluna de

graduação estar inserida neste meio que vem se mostrando como uma das possíveis

formas do profissional de Serviço Social atuar.

Referências Bibliográficas

1 - NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. 8ª edição. São

Paulo: Editora Cortez. 1992.

2 – SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.

3 - CONFEA. CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA.

Mobilidade e inclusão social. Brasília, 2013.

4 – ROLNIK, Raquel. 10 anos do Estatuto da Cidade: das lutas pela reforma urbana

às cidades da Copa do Mundo. Rio de Janeiro: 2013. Disponível em:

<https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/07/10-anos-do-estatuto-da-cidade.pdf>.

Acesso em 05 mai. 2016.

5 - DIAS, Edmundo Fernandes. A liberdade (im) possível na ordem do capital:

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