política externa brasileira no período lula (2003-2010)

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Introdução O artigo busca demonstrar as articulações e principais características da política externa brasileira no Governo Lula, bem como suas principais características, princípios e direcionamentos. Nesse sentido, será explicado o contexto internacional em que se deram movimentos das relações exteriores do Brasil, a inserção do país no cenário internacional nesse momento, a tentativa de articulação brasileira em coalizões e blocos descritos ao longo do texto. Será demonstrado como a nova definição da política externa no governo Lula com proximidade e estreitamento de relações com o Ministro da Defesa deram novo perfil à política externa brasileira, que se torna mais articulada e ativa. Para tanto, serão analisadas as visões de Paulo Roberto de Almeida (2005) e de Rubens Ricupero em “Carisma e prestígio: a diplomacia do período Lula de 2003 a 2010” e de Celso Amorim, de modo que serão discutidas a nova inserção da política externa brasileira no Governo Lula, a posição do Brasil no cenário internacional, o novo direcionamento da política externa brasileira, no qual o sentimento interna e externamente foi de mudança. No texto, buscam-se demonstrar visões díspares sobre a interpretação da política externa brasileira no governo Lula, argumentando a respeito das controvérsias das medidas tomadas, a visão da fragilidade da política brasileira bem como interpretações sobre o papel e a representatividade de Lula nas relações exteriores do país. Além da demonstração das manobras da política externa brasileira nos anos compreendidos entre 2003 2010, que permitiu ao Brasil nova inserção no cenário internacional. Também será descrita a visão do Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. Dentro dessa discussão, será comentado a relação de proximidade de Lula com Celso Amorim na tomada de decisão em política externa. Será destacada também a interpretação de Ricupero sobre o papel de Lula como fundamentado no papel de líder carismático e dotado de popularidade e a política externa partidária, na qual o autor interpreta a defesa de interesses do partido no processo de tomada de decisão. Celso Amorim, diplomata brasileiro que foi Ministro da Defesa e duas vezes Ministro das Relações Exteriores, teve importante papel na definição da política externa brasileira. Na segunda vez em que ocupou o cargo de Ministro das Relações Exteriores (

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O artigo busca demonstrar as articulações e principais características da política externa brasileira no Governo Lula e sua articulação engajada com o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

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Page 1: Política externa brasileira no período Lula (2003-2010)

Introdução

O artigo busca demonstrar as articulações e principais características da política

externa brasileira no Governo Lula, bem como suas principais características, princípios

e direcionamentos. Nesse sentido, será explicado o contexto internacional em que se

deram movimentos das relações exteriores do Brasil, a inserção do país no cenário

internacional nesse momento, a tentativa de articulação brasileira em coalizões e blocos

descritos ao longo do texto. Será demonstrado como a nova definição da política externa

no governo Lula com proximidade e estreitamento de relações com o Ministro da

Defesa deram novo perfil à política externa brasileira, que se torna mais articulada e

ativa.

Para tanto, serão analisadas as visões de Paulo Roberto de Almeida (2005) e de

Rubens Ricupero em “Carisma e prestígio: a diplomacia do período Lula de 2003 a

2010” e de Celso Amorim, de modo que serão discutidas a nova inserção da política

externa brasileira no Governo Lula, a posição do Brasil no cenário internacional, o novo

direcionamento da política externa brasileira, no qual o sentimento interna e

externamente foi de mudança.

No texto, buscam-se demonstrar visões díspares sobre a interpretação da política

externa brasileira no governo Lula, argumentando a respeito das controvérsias das

medidas tomadas, a visão da fragilidade da política brasileira bem como interpretações

sobre o papel e a representatividade de Lula nas relações exteriores do país. Além da

demonstração das manobras da política externa brasileira nos anos compreendidos entre

2003 – 2010, que permitiu ao Brasil nova inserção no cenário internacional. Também

será descrita a visão do Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.

Dentro dessa discussão, será comentado a relação de proximidade de Lula com

Celso Amorim na tomada de decisão em política externa. Será destacada também a

interpretação de Ricupero sobre o papel de Lula como fundamentado no papel de líder

carismático e dotado de popularidade e a política externa partidária, na qual o autor

interpreta a defesa de interesses do partido no processo de tomada de decisão.

Celso Amorim, diplomata brasileiro que foi Ministro da Defesa e duas vezes

Ministro das Relações Exteriores, teve importante papel na definição da política externa

brasileira. Na segunda vez em que ocupou o cargo de Ministro das Relações Exteriores (

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2003 – 2010) , Celso Amorim foi responsável por ação conjunta ao presidente Lula de

extensão dos parceiros brasileiros internacionalmente principalmente nas relações com

o cone-sul.

Novas diretrizes

Fazendo um balanço da política externa durante o governo Lula, Celso Amorim

afirma que a forma como o Brasil é visto, tanto internamente quanto externamente,

mudou drasticamente no período. Houve uma redefinição da imagem projetada pelo

Brasil, em grande parte alavancada pela personalidade carismática de Lula, que foi

capaz de conquistar cada vez mais aliados e desenhar uma nova agenda diplomática

ativa e engajada.

Para isso, buscou-se a diversificação de parceiros comerciais, com ênfase para

países em desenvolvimento, de modo a promover a cooperação Sul-Sul e fomentar mais

autonomia em relação aos países desenvolvidos.

“Desde o primeiro dia, o presidente Lula escolheu adotar uma atitude claramente

independente – destemida, mas não imprudente – compatível com o tamanho e

aspirações do Brasil” (AMORIM, 2010, p. 3). Isso ficou evidente logo no início de seu

primeiro mandato, em 2003, quando os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque e o

Brasil pronunciou oficialmente ser contrário à guerra, entoando o discurso do secretário-

geral das Nações Unidas Kofi Annan e do Papa João Paulo II para evitá-la.

Tal atitude foi coerente com o princípio ético que norteou as relações do Brasil

com os demais países no período: a não indiferença. Se o respeito pela soberania dos

outros países e a consecução dos interesses nacionais são fundamentais na política

externa, isso não deve impedir que seja preservado um senso de humanidade e

solidariedade em relação a países mais pobres e mais vulneráveis. “Essa relação

dialética entre interesse nacional e exercício da solidariedade foi um aspecto

fundamental da política externa de Lula” (AMORIM, 2010, p. 9), afinal o próprio Brasil

se beneficia de um cenário em que possam florescer alianças e cooperações.

Foi com isso em mente que o Brasil criou, por exemplo, o grupo dos amigos da

Venezuela. Com a participação do Brasil, Chile, México, Portugal e Estados Unidos, o

objetivo do grupo era evitar um conflito civil violento entre o presidente Chávez e seus

opositores, realizando um referendo tido como neutro e justo pela comunidade

internacional, a fim de atestar a legitimidade do governo Chávez.

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Isso significou também uma nova atitude do Brasil em relação à América do Sul,

a qual se tornou a mais alta prioridade da política externa de Lula. Uma boa relação com

seus vizinhos foi considerada essencial para avalizar mais autonomia, paz e

prosperidade na região como um todo.

Em função disso, o Mercosul, enquanto célula da integração sul-americana, foi

grandemente fortalecido. Economicamente, as trocas comerciais entre Brasil e o

Mercosul subiram de US$8,8 bilhões em 2002 para US$ 36,6 bilhões em 2008,

superando o volume de trocas do Brasil com os Estados Unidos. A Argentina se tornou

o país que mais absorve as exportações brasileiras, com exceção da China.

Mas, além disso, o princípio de solidariedade pautou uma nova modalidade de

relação com os países membros do Mercosul, baseada em forte dimensão política em

vez de predominantemente econômica como até então. Isso significou uma nova ênfase

para a redução das assimetrias entre os países da região e levou, em 2005, à criação do

FOCEM (Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul), cujo intuito é a

realização de projetos de desenvolvimento, sobretudo para os países mais pobres do

bloco, Paraguai e Uruguai. O Brasil contribui com cerca de 70% dos recursos do fundo,

pois acredita que o desenvolvimento socioeconômico da região é chave para uma maior

prosperidade e independência de todos.

Paulo Roberto de Almeida (2005) também analisa a abordagem de política

externa durante os anos 2003-2006 do Governo Lula. Segundo o autor, esse governo é

caracterizado pela inovação em assuntos regionais, como também internacionais.

O autor ressalta a "política internacional" como um elemento extremamente

marcante no Governo Lula e também como representação do PT, com intuito de auxiliar

na comunicação e contatos externos visando atingir as mesmas causas do Brasil, isto é,

alianças para atingir os mesmos objetivos.

A diplomacia do governo, segundo Almeida (2005) era pautada nas relações

Sul-Sul, elemento de uma política externa dos presidentes que antecederam Lula, porém

com o intuito de modificação das ênfases do Brasil no cenário internacional, com maior

relevância da Índia, África do Sul e China, além do Mercosul. Outros contrastes com o

Governo Fernando Henrique Cardoso, segundo o autor, podem ser vistos no

multilateralismo e negociações comerciais, o Brasil assumindo o papel de líder na

região, além do fato de relevância política do Mercosul (e não apenas econômica).

De acordo com Almeida (2004), visando a comparação entre o Governo FHC e

Governo Lula, o autor ressalta que

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De modo geral, a política externa conduzida no governo FHC tinha no

Itamaraty seu foco principal, sendo que até mesmo os conselheiros

presidenciais eram diplomatas. No governo Lula, o Itamaraty partilha

a formulação e até mesmo a execução da política externa com

assessores presidenciais. No primeiro caso, a diplomacia presidencial

era explícita, no segundo caso também o é, mas o próprio conceito foi

recusado por sua suposta identificação com a administração anterior,

sendo portanto implícita. FHC parecia colocar as prioridades

econômicas antes de tudo, ao passo que o novo governo assume suas

prioridades políticas em primeiro lugar. (ALMEIDA, 2004, p. 177)

Como objeto de análise, o autor apresenta algumas categorias para aprofundar o

entendimento dos simpatizantes e críticos do Governo Lula.

A primeira categoria são as "vozes autorizadas" (ou representantes autorizados),

grupo integrado por aqueles que formulavam a política externa do Governo Lula,

representado pelo Presidente da República (Luís Inácio Lula da Silva), chanceler

(embaixador Celso Luis Nunes Amorim), secretário-geral das Relações Exteriores

(Samuel Pinheiro Guimarães) e pelo assessor especial para assuntos internacionais da

presidência (professor Marco Aurélio Garcia). A política do Governo Lula transformou

o papel desses importantes formuladores de política externa, uma vez que o secretários

geral do Itamaraty, por exemplo, nos governos anteriores, se inseria apenas na

administração interna do órgão de relações exteriores, fato que foi mudado com a

política de Lula, em que o secretário passou a ser considerado como um "ideólogo" do

governo.

A segunda categoria apresentada pelo autor é conhecida como "apoiadores

externos", caracterizados por membros acadêmicos de esquerda que concordam

plenamente com as ações do Governo Lula. Esses "simpatizantes benevolentes" tem

como seus principais membros os professores Moniz Bandeira, Amado Luiz Cervo,

Paulo Nogueira Batista Jr., Paulo Vizentini e Ricardo Seitenfus. Esse grupo homogêneo,

segundo Almeida (2005), considera o Governo Lula adequado e coerente para um país

em desenvolvimento como o Brasil, além de criticar o governo FHC, alegando a

submissão do Brasil ao Consenso de Washington, à globalização assimétrica e, como

consequência, a vulnerabilidade financeira do país.

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A última categoria que Almeida (2005) caracteriza se refere aos independentes e

críticos, os quais, supostamente neutros, analisam as ações da política externa do

Governo Lula com o intuito de estabelecer críticas. Os também chamados "opositores

declarados" são jornalistas de O Estado de São Paulo, acadêmicos como os professores

Marcelo de Paiva Abreu da PUC-Rio e Eduardo Viola da UnB e diplomatas

aposentados como os embaixadores Luiz Augusto Souto Maior e Rubens Antônio

Barbosa. Segundo Eduardo Viola,

A modernização incompleta do Brasil nas áreas econômica e política

teve seus reflexos na política externa que, mesmo tendo mudado

significativamente com relação ao período anterior, não evoluiu tudo o

que seria necessário no sentido de adaptar-se com sucesso e pós-

ativamente às realidades da sociedade do conhecimento globalizada

com hegemonia das democracias de mercado. As limitações para a

plena modernização da política externa são derivadas da mentalidade

dominante nas elites e na opinião pública sobre a natureza do sistema

internacional. (VIOLA, 2006)

Já em outra perspectiva, a qual enfatiza as fragilidades e contradições das

relações exteriores definidas no Governo Lula, em “Carisma e prestígio: a diplomacia

do período Lula de 2003 a 2010”, de Rubens Ricupero, são colocados em discussão os

aspectos da política externa (PE) brasileira no que tange suas relações com os países da

América Latina e os demais na esfera internacional, dando ênfase àqueles que

participam de coalizões junto ao Brasil (integrantes do BRICs, IBAS e G-20).

O autor inicia seus argumentos partindo do contexto internacional diferenciado

que o Brasil se desenvolveu durante o governo Lula. Estava em ascensão a ideia de

policentrismo, somada ao enfraquecimento do poder e do prestígio americano; também,

a expansão da economia mundial e o fortalecimento do mercado de commodities,

liquidez financeira e juros baixos deu oportunidades de promoção para países como a

China e membros do G-20; e, no que diz respeito a América Latina, o vazio de liderança

na região. Disso entende-se que o cenário internacional era favorável ao Brasil na

tentativa de encontrar novos parceiros e estabelecer relações multilateralmente.

Essas tendências abriam espaços para o incremento da capacidade formulação e

iniciativa diplomática que o Brasil poderia exercer. Além de que, o governo Lula

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contava com uma coesão social e estabilidade dos horizontes econômicos deixados pelo

governo anterior de FHC. Sendo assim, nesse período o governo usufruiu de vantagens

internas e internacionais que foram intrínsecas para viabilizar a política internacional

ambiciosa de projeção do país.

Ainda segundo Ricupero, os eixos da diplomacia brasileira estariam calcados em

aproveitar as oportunidades surgidas no âmbito global. Dessa forma, o Brasil queria

galgar o seu reconhecimento através de instituições (CSNU) e coalizões (BRICs, IBAS

e G-20), através da exploração de suas vantagens econômicas, principalmente na

agricultura, por meio do aprofundamento das relações Sul-Sul e pela preponderância do

Brasil no Mercosul.

É necessário destacar que existe uma linha tênue entre as pretensões brasileira e

a realidade que permite realizá-las. Em determinadas matérias, Ricupero entende que o

Brasil não é poderoso o suficiente para concretizar suas aspirações, ao mesmo tempo

que poderia fazer melhor uso do seu poder sobre a América Latina, por exemplo.

(RICUPERO, 2010)

O autor critica o direcionamento da PE a assuntos longínquos, ao invés da

estabilização do cenário regional, em um tipo de diplomacia a qual um gesto

(“diplomacia gestual”) é mais importante que o resultado. Por exemplo, o interesse em

mediar/interferir em assuntos no Oriente Médio do que no seu próprio quintal (no caso

do desinteresse de rivalidades estéreis dos países latino-americanos, apontados por

Ricupero).

No texto, também são exaltadas as controvérsias da orientação diplomática

brasileira em relação aos países latino-americanos. O autor expõe o paradoxo da PE do

governo em uma região onde o Brasil exerce a função de líder. A maior quantidade de

falhas e equívocos da política exterior englobam assuntos sul-americanos ou latino-

americanos.

Nessa linha, apesar da projeção do país no continente, ele não consegue diminuir

e nem competir com a preferência de relações com os EUA em importantes Estados da

América do Sul e Latina, como por exemplo Chile, Colômbia e Peru - existe um

desencontro de políticas externas do Brasil e dos EUA. No caso dos países integrantes

do Mercosul, o autor critica que, mesmo dentro do bloco, o Brasil não consegue

desempenhar o papel de mercado propulsor e impulsionar o crescimento do Uruguai e

Paraguai, a favor não só do fortalecimento regional, mas também do que poderia vir a

progredir num mercado comum.

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Foi no governo Lula que o consenso no âmbito da PE deixou de existir. Sua

forma de percepção e formação passou a ser moldada pelo “excesso de protagonismo e

liderança pessoal de Lula; autossuficiência na formulação e condução; a politização

partidária e ideologização da política externa” (RICUPERO, 2010, p. 36). O

partidarismo influenciando na formulação das políticas de relações exteriores excluiu e

diminuiu o reconhecimento dos agentes diplomáticos, canalizando todo o mérito em

nome do governo atual e seu partido.

Ou seja, é enaltecida a personalidade do presidente e esconde quem está por trás

das articulações, causando problemas de consenso diplomático. Todo um potencial que

a diplomacia brasileira poderia exercer, contanto com cenário internacional favorável

entre outras variáveis a favor do país, foi travado pelo partidarismo. Vai se perdendo a

noção de política do Estado a favor da nação, no lugar de uma política de partido. Passa

a ser utilizado o sucesso da PE para prestígio interno do partido e manutenção e

continuidade do poder para as próximas eleições

Nesse sentido, para Ricupero, é importante perceber que o governo Lula não foi

sempre o mesmo. No começo trabalhava para articular certos aspectos, principalmente

na promoção do Brasil no cenário internacional e depois se utilizou dessa projeção

como forma de manutenção do partido, respaldado pelo carisma e popularidade do

governante. Ricupero pontua que o prestígio deveria ser convertido na realização de um

projeto para a nação. Contudo, esse prestígio padece a partir de suas ações

contraditórias.

Conclusão

À guisa de concluir, cabe ressaltar que a política externa desse período entre

2003 a 2010 foi em certo sentido redesenhada em relação ao período anterior de

Fernando Henrique Cardoso. É claro que também houve continuidade e

aprofundamento de estratégias de cooperação iniciadas na década anterior, contudo em

outros aspectos aconteceram rupturas fundamentais, as quais resultaram em uma nova

projeção internacional do Brasil.

Não só o país se tornou mais ativamente engajado nas organizações

internacionais e no sistema internacional como um todo, como também passou a ser

visto de uma maneira diferenciada pelos demais países: a própria União Europeia chega

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a afirmar em 2007 que o Brasil havia conquistado um lugar de destaque e se tornado um

dos principais parceiros do bloco.

Para além da manutenção e ampliação das relações positivas com os países

desenvolvidos, Lula e Celso Amorim mostraram-se reiteradamente preocupados com a

busca por uma maior autonomia do Brasil e estreitamento das alianças com os países do

Sul, especialmente a América do Sul, tornada prioritária para a política externa. Desse

modo, percebe-se a efetividade do discurso a respeito do pragmatismo responsável, uma

vez que o Brasil não deixou de perseguir seus interesses nacionais, no entanto recusou-

se a manter a atitude de indiferença em relação aos demais países, principalmente os

mais pobres.

É nesse sentido que o princípio de solidariedade passou a integrar a diretriz da

política externa: em vez de um pragmatismo egoísta que toma o próprio país como

exemplo de superioridade moral, optou-se pela atividade e não indiferença em relação a

outras realidades diferentes da brasileira. O Brasil se dispôs e se movimentou desde o

início do primeiro mandato de Lula para fortalecer a cooperação Sul-Sul, tanto

politicamente, criando instituições para ampliar o debate e as negociações, como

economicamente, destinando recursos especificamente para diminuir as assimetrias

regionais e contribuir para a superação de problemas relacionados ao

subdesenvolvimento de outros países, como no caso do Paraguai e Uruguai. Se é

verdade que ainda não existe forte concentração política entre os países sul-americanos,

também é verdade que ela jamais existirá sem que antes sejam criados espaços de

discussão e negociação. Até mesmo os países da atual União Europeia precisaram de

quase 50 anos de diálogo para se tornarem uma união monetária. De qualquer modo,

não dá para negar que o Mercosul saiu fortalecido e ganhou importância tanto nas

relações políticas como comerciais.

Esse novo engajamento do Brasil significou, evidentemente, uma maior pro-

atividade do presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores, que atuaram como

condutores dessa nova dinâmica, algo que antes não se via na política externa. Por esse

motivo, sucederam uma série de críticas de diplomatas, sobretudo institucionalistas, que

insistem na suposta neutralidade do Ministério de Relações Exteriores, afirmando que a

ênfase acabou recaindo na personalidade carismática de Lula em vez do projeto

nacional. Ou seja, sua política teria sido excessivamente personalista e focado na

autoimagem do presidente e de seu partido. Essa crítica, porém, não consegue se

sustentar precisamente quando analisamos a mudança na percepção de outros países a

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respeito do Brasil: não foi apenas Lula que se tornou um ícone internacional, mas o país

como um todo passou a ser visto diferentemente pela mídia e autoridades internacionais.

As mudanças posteriores do presidente e do ministro do MRE não anularam as

conquistas obtidas por Lula e Celso Amorim, muito pelo contrário, agora o Brasil se

encontra em uma posição muito mais privilegiada para discutir internacionalmente as

questões de seu interesse, além de ter multiplicado em grande escala o número de

parceiros internacionais e de acordos de cooperação. O suposto excesso de

protagonismo foi crucial para romper com a inércia, na qual a política externa brasileira

havia se afundado com o neoliberalismo de Fernando Henrique.

O que é fundamental agora é que as próximas administrações sejam capazes de

dar continuidade e de ampliarem as estratégias de cooperação e de protagonismo

internacional do Brasil, de modo que os novos passos dados em direção ao

fortalecimento do Mercosul e da autonomia brasileira continuem caminhando

progressivamente.

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Bibliografia

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