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Especialização em “Polícia e Segurança Pública” Estudos Sociais de Polícia

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Especialização em

“Polícia e Segurança Pública”

Estudos Sociais de Polícia

Corpo Docente:

Leon Denis da Costa

Desmistificação

da polícia

Pós-graduação em “Polícia e Segurança Pública”

Objetivos:

Apresentar a teoria sobre o trabalho policial de David Bayley;

Apresentar as três formas utilizadas para descrever o trabalho policial: atribuições, situações e resultado;

Discutir as atribuições, situações e resultado da atividade policial.

Pós-graduação em “Polícia e Segurança Pública”

DESMISTIFICANDO A POLÍCIA:PESQUISA SOCIAL E PRÁTICA POLICIAL

O mito da “lei e ordem” retrata a polícia como uma forçaeficaz na prevenção e descoberta do crime e defende opoder da polícia como a panaceia para os problemas deordem pública e de aplicação da lei. (REINER, 2004, p.161).

Sua antítese, o mito do “aparato repressivo do Estado”,floresceu na criminologia radical dos anos de 1970 e1980, e mostra a polícia como uma força políticaessencialmente opressiva, criando com suas atividadesrotuladoras, o crime e os criminosos. (REINER, 2004, p.161).

[...] Nas mitologias acerca do policiamento podemos aindadistinguir uma espécie de “terceira via”, que cresceu e deu frutosnos anos 1990, refletindo a questão mais ampla das políticassociais que foram “além da esquerda e da direita.” O“policiamento comunitário” foi e continua sendointernacionalmente um nome em moda nas discussões de políticasda polícia... . A premissa básica é de que o trabalho policial eficazsó é possível se baseando no consentimento do público e suacooperação... (REINER, 2004, p. 161).

[...] essa proposta inócua se transforme numa ampla mitologia dopoliciamento como idealmente, uma espécie de serviço socialprestando bons trabalhos para uma comunidade harmoniosa declientes satisfeitos. Como tal idílio não é a realidade deste mundoatual, desumano e obcecado por conflitos, devem ser imaginadaspolíticas para restaurá-lo. (REINER, 2004, p. 162).

Pós-graduação em “Polícia e Segurança Pública”

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Uma versão mais agressiva da terceira via do policiamento pode serchamada de “bala mágica”. Pesquisando e analisando problemas depoliciamento, é possível desenvolver táticas que forneçam o graucerto de força necessário para, efetiva e legitimamente, controlar ocrime e manter a ordem. Esse mito de redução do crime para usoretórico é uma versão sofisticada do mito da “lei e ordem”. Aí seacredita que um policiamento dirigido inteligentemente para o alvo,usando como que uma precisão de mira a laser, extirpe o crime e adesordem com um mínimo de efeitos colaterais negativos em termosde liberdades civis e justiça social. (REINER, 2004, p. 162).

O que todas as mitologias simplificam além da conta, ou ignoram, éaté onde o policiamento reflete os conflitos e contradições daestrutura social mais ampla, da cultura e da economia política.Sozinho, o policiamento não é capaz de conseguir uma sociedadeordenada, por mais desejável ou repressivo que isso seja... Por outrolado, ele não pode funcionar com total harmonia prevista por algunsprofetas. (REINER, 2004, p. 162).

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QUAL É O PAPEL DA POLÍCIA?

Um clichê perene do debate, acerca do papel da políciatem sido se ela deve ser considerada mais como umaforça, com a função principal de aplicar a lei criminal, oucomo um serviço, acalmando um mar de problemassociais. (REINER, 2004, p. 163).

Cumming, Cumming e Edel (1965) analisando telefonemasdo público para uma força policial americana, descobriramque mais da metade envolvia pedidos de ajuda ou deapoio, relacionados a problemas pessoais e interpessoais,em que a polícia representava o “filosofo, o guia e oamigo”. (REINER, 2004, p. 163).

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As descobertas empíricas sobre a natureza da atividade policialestimularam duas reações contraditórias. [...] algunsargumentavam que o mandato da prevenção do crime queria dizermais do que a polícia estar apenas engajada em técnicastradicionais de patrulha e resolução de crimes; ela deveriacolaborar com outros órgãos de serviço social e do governo, paradetectar as causas subjacentes ao crime, assim como seussintomas (Stephens e Becker, 1994).( REINER, 2004, p. 164).

[...] Há também grandes afinidades com a ideia de “policiamentoorientado para problemas”, pela qual em vez de responder aocrime e outros problemas em uma base reativa, fragmentária, apolícia deveria analisar e detectar de forma proativa a fonte deproblemas recorrentes [...] (REINER, 2004, p. 164).

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O debate força/serviço, que durante muito tempoalimentou as discussões acerca do papel da polícia,apoia-se em uma falsa dicotomia. Do mesmo modoque os dois papéis são distintos, eles também sãointerdependentes e originam-se de um mandato maisfundamental, de primeiros socorros para amanutenção da ordem. (REINER, 2004, p. 165).

[…] A maior parte do trabalho policial não é nem deserviço social, nem de aplicação da lei, mas demanutenção da ordem – a decisão de conflitos poroutros meios que não a aplicação formal da lei.(REINER, 2004, p. 166).

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A principal raizon d`être [razão de ser] da nova polícia era aprevenção do crime pela patrulha regular ( isto é, a intervençãoem situações antes dos crimes acontecerem), assim como amanutenção da ordem no sentido do controle de multidões.(REINER, 2004, p. 168).

Dizer, porém, que o papel principal da polícia é o de manter aordem, é não dar a ela a responsabilidade por todos os elementosda ordem social. A tarefa da polícia é a da manutençãoemergencial da ordem, não a criação de suas pré-condições,como buscam as filosofias mais difundidas de policiamentocomunitário... (REINER, 2004, p. 168).

E ver o controle do crime como sendo a tarefa principal da políciaé perigoso para a própria polícia, pois hoje existe um conjunto deevidências que sugerem não só que isto não está sendo realizadocom eficácia, mas que pode não ser realizável. (REINER, 2004, p.171).

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QUÃO EFICAZ É A POLÍCIA?

[…] Durante o século XIX, a polícia foi parte de um processo quetornou as cidades menos violentas, menos dominadas pelo crimee pela desordem. Quando comparado a processos mais gerais depacificação social, é difícil detectar precisamente a contribuiçãoexata da polícia para isso, mas é provável que ela tenha sido umfator significativo.

Mesmo que não fosse mais bem sucedida do que é hoje nasolução de crimes, o efeito do impacto da criação de uma forçaregular de patrulhamento, que registrava e tornava possível aacusação por violações, provavelmente aumentou o risco que oscriminosos enfrentavam. As conquistas da polícia do século XIXestabeleceram uma linha básica de controle do crime e daordem, que a polícia atual continua a manter com maior oumenor sucesso. (REINER, 2004, p. 171).

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Estudos em trabalho de patrulhamento

As primeiras pesquisas americanas sugeriam que as taxas de crimedeclinavam se a força do patrulhamento aumentasse significativamente.No entanto esses trabalhos iniciais tinham falhas tanto metodológicasquanto nos dados fornecidos pela polícia [...] (REINER, 2004, p. 172).

O estudo mais sofisticado sobre a patrulha motorizada é o famosoexperimento de patrulha preventiva de Kansas City (Kelling et al, 1974).[...] O estudo não encontrou diferenças significativas nos registros decrimes entre as áreas, nem nas taxas de vitimização e também não nosníveis de medo dos cidadãos, ou na satisfação com a polícia. [...] Mas oestudo (após algumas respostas iniciais hostis provenientes dos chefesde polícia americanos) tornou-se aceito de forma geral, comodemonstrando que o aumento doa carros de patrulha (ao menos dentrodos limites do possível) não está relacionado de forma significativa aosníveis do crime. (REINER, 2004, p. 172-173).

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Se o carro de patrulha preventiva não exerce bem a funçãode “espantalho” e é improvável que se depare com crimesem andamento, será que a resposta mais rápida achamados de emergência, que esses carros conseguem ter,aumenta as chances de prender criminosos? (REINER, 2004,p. 173).

[…] O número de alvos potenciais de crime, principalmenteem áreas urbanas, é simplesmente grande demais para sercoberto com eficácia por patrulhas policiais com qualquervisibilidade ou frequências viáveis, a menos que os recursoslimitados da polícia sejam proativamente focados nos maisprováveis alvos de vitimização por crime, detectados pelainteligência ou por análises de padrões de crime. (REINER,2004, p. 175).

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ESTUDOS EM DETECÇÃO DE CRIMES

A falta de sucesso no trabalho de investigação criminal éaparente, de um lado, pela baixa (e declinante)proporção de crimes registrados na polícia que sãoresolvidos. (REINER, 2004, p. 175).

No entanto, a taxa de resolução de crimes é uma medidanotoriamente inadequada para medir a eficácia dosdetetives... O denominador- crimes conhecidos pelapolícia – pode variar por um motivo independente docomportamento criminoso: se uma proporção maior oumenor de vitimização é denunciada pela população ouregistrada pela polícia (REINER, 2004, p. 175).

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A aferição de crimes resolvidos é por si só fundamentalmenteproblemática como índice da eficiência e da eficácia da policia.Estudos sobre as funções dos detetives mostram que muitos doscrimes classificados como resolvidos não são solucionados comoresultado de esforço investigativo. (REINER, 2004, p. 175).

Análises críticas da atividade investigativa da polícia indicaramque, tradicionalmente, ele segue dois padrões, ambos comconsequências sociais discriminadoras e hostis de estigmatizaçãoe criminalização de grupos vulneráveis, através de um processoda “ampliação de desvio comportamental”... O primeiro método...a solução de crimes bem sucedida depende do conhecimento dosubmundo. Os crimes são resolvidos selecionando o grupo depessoas conhecidas por cometerem delitos de um certo tipo, oupela manutenção de informantes. O segundo método é o doestereótipo e da suspeição (REINER, 2004, p. 176).

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A maior descoberta dos estudos de processos pelosquais os crimes são solucionados é que o principaldeterminante do sucesso é a informação imediatamentefornecida por membros da população (em geral, avítima), aos patrulheiros ou detetives quando chegam àcena do crime. As pessoas são detidas porque seencaixam na noção preconcebida do investigador sobrecertos tipos de delinquentes. (REINER, 2004, p. 176).

As pesquisas também enfatizam a proporçãosignificativa de crimes resolvidos por “meiossecundários”, isto é, pelo interrogatório de suspeitos ecriminosos de modo a fazer com que admitissem outrosdelitos pelos quais não seriam acusadosseparadamente. (REINER, 2004, p. 177).

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ESTRATÉGIAS INOVADORAS DE POLICIAMENTO

No final dos anos de 1970, na onda da pesquisa que desacreditouas táticas tradicionais, surgiram duas sugestões diametralmenteopostas: o patrulhamento “agressivo” somado a sanções severas,e diversas variações do “policiamento comunitário”. (REINER,2004, p. 179).

O uso intensivo de “interrogatório de campo” (isto é, parar – e -revistar) reduzia o crime. Entretanto, o preço era um aumentoconsiderável da hostilidade da população. (REINER, 2004, p. 180).

Um outro tipo de tática inovadora, que se desenvolveu após ofinal dos anos 1970, enfatiza a importância fundamental dacooperação pública e advoga medidas para aumentar oconsentimento da comunidade e a colaboração com a polícia.(REINER, 2004, p. 180).

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Um outro tipo de tática inovadora, que se desenvolveuapós o final dos anos 1970, enfatiza a importânciafundamental da cooperação pública e advoga medidaspara aumentar o consentimento da comunidade e acolaboração com a polícia. (REINER, 2004, p. 180).

Em grande parte, as táticas tradicionais falham porquediluem demais os recursos escassos da polícia entretodas as vítimas, alvos e criminosos, seja sob a formade atividades preventivas ou de detetives. Progressosna detecção e redução do crime podem ocorrer usandoabordagens proativas, orientadas para problemas eguiadas por inteligência. (REINER, 2004, p. 181 - 182).

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No conjunto, as pesquisas sobre o controle do crimesugerem que a polícia, com mais ou menos sucesso,mantêm uma eficácia básica. Também sugerem que nemo uso mais acentuado das mesmas táticas inovadoras écapaz de melhorar sua capacidade de resolução ouprevenção em qualquer grau substancial. O aspecto finaldas pesquisas em práticas da polícia, que é de sumaimportância para a análise de seu significado político, é aquestão sobre o quanto a polícia é justa em sua busca poreficácia na aplicação da lei e manutenção da ordem.

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O QUANTO A POLÍCIA É JUSTA?

Desde que pesquisas anteriores sobre a polícia descobriram querotineiramente, ela exerce uma considerável quantia de poderdiscricionário na forma como aplica a lei, tem havido um excessode trabalhos a respeito dos padrões e dos determinantes dessacaracterística [...] (REINER, 2004, p. 183).

Uma preocupação central tem sido a questão de se o poderdiscricionário realmente significa discriminação, em particularcontra os negros. A polícia realmente faz discriminações contraminorias, étnicas e outras, as mulheres e os socialmentedespossuídos de poder, ao tratar deles como suspeitos, comovítimas ou colegas de trabalho? (REINER, 2004, p. 183).

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Raça e Policiamento

A questão é mais complexa e difícil de resolver do que amaioria das polêmicas sugerem. Contrárias às criticas radicais àpolícia, as evidências de um padrão de diferenciação social nouso dos poderes da polícia, em que os jovens, a classe maisbaixa e os negros sofrem mais – apesar de inquestionável –não estabelecem, por si mesmas, a discriminação. (REINER,2004, p. 183).

A crítica radical implica em que o exercício diferenciado depoderes de polícia contra os que estão em desvantagem social,e tem relativamente pouco poder, é produto de implicâncias, deestereótipos e da ampliação do aparente desviocomportamental desses grupos (D. Chapman, 1968; Cashmoree McLaughlin, 1991). (REINER, 2004, p. 183).

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O exercício diferenciado de poderes não reflete a discriminaçãopor parte da polícia, mas o desvio comportamental variável dediversos grupos sociais. (Wilbanks, 1987; D.J. Smith, 1997; P.Waddington, 1999ª, p. 49-50). (REINER, 2004, p. 183).

Se estudos de cultura policial revelam atitudes hostis para comgrupos minoritários, isto é o produto, não o determinante dotrabalho policial ( P. Waddington, 1983 a, 1983ª, 1999ª, pp.118-119. (REINER, 2004, p. 183).

As duas posições contêm um elemento de verdade, mas issotem sido obscurecido por discussões desagradáveis oupolêmicas. Há uma interação complexa entre a discriminaçãoexistente na polícia e as pressões diferenciais geradoras decrime experimentadas por diferentes grupos sociais. (Jefferson,1988, 1993; Reiner, 1989ª, 1993). (REINER, 2004, p. 183).

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Algumas questões terminológicas precisam ser resolvidas antes que asevidências possam ser analisadas. Eu adotaria as seguintes definições:1. Preconceito: crença de que todos os membros de um grupoespecifico ou a maioria deles, tem inúmeras qualidades negativas, umapré-concepção que é levada para os enfrentamentos com indivíduos detal categoria, tenham eles, ou não, tais características.2. Implicância: a ideia “tendenciosa” de que alguns tipos de pessoasdevem ter tratamento preferencial, independentemente de sua condutaespecífica em qualquer tipo de situação.3. Diferenciação: um padrão, no exercício dos poderes de polícia,contra determinadas categorias sociais, que varia de acordo com suarepresentação na população (por exemplo, uma taxa desproporcional deprisões de homens jovens negros).4. Discriminação; um padrão, no exercício dos poderes de polícia,que resulta em alguma das categorias sociais super-representadas comoalvos da ação da polícia, mesmo quando variáveis legalmente relevantes(especialmente o padrão de delitos) se mantêm constantes. (REINER,2004, p. 184).

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É necessário distinguir cinco formas que a discriminação podeassumir. Banton (1983) propõe uma distinção entre adiscriminação “categórica” e discriminação “estatística”. A primeirase refere ao tratamento hostil a membros de um grupo, apenaspelo fato de eles pertencerem a uma certa categoria social, semconsiderações sobre a importância disso para qualquer critérioespecifico de desempenho. A segunda se refere ao tratamentodiferenciado dos membros de um grupo, baseado numa crença deque eles sejam desproporcionalmente propensos a certascaracterísticas, mas sem referência aos comportamentosespecíficos dos indivíduos. Um exemplo obvio é o da policiaparando jovens cabeludos, ou homens negros jovens,desproporcionalmente, por causa da crença de que obtenham“resultados”. (p. 184-185). (REINER, 2004, p. 184).

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Aos dois tipos de discriminação de Banton, gostaria de acrescentar maistrês tipos. O primeiro é a discriminação “transmitida” em que a polícia agecomo esteira rolante para os preconceitos da comunidade. Por exemplo, opreconceito racial de cidadãos brancos pode fazer com que,desproporcionalmente, vítimas rotulem seus agressores como negros,levando a polícia procurar por suspeitos negros. (REINER, 2004, p. 184-185).

O segundo é a discriminação “interacional”, em que o processo de interação(querendo dizer a conduta agressiva de um suspeito) produz um resultadodiferencial com justificativas legais duvidosas. Estudos de observaçãofrequentemente têm notado que o principal fator para desencadear o usode poderes pela polícia é o “desrespeitar o tira”. Há evidências substanciaisde que homens negros jovens têm mais atitudes negativas em relação àpolícia do que outros grupos..., espelhando o preconceito de longa data quea polícia tem deles. Provavelmente é por isso que confrontos com homensnegros jovens geram uma espiral viciosa de hostilidade que culmina com adetenção... (REINER, 2004, p. 185).

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O terceiro é a discriminação “institucionalizada”, em que asconsequências de políticas ou procedimentos de policiamentoestruturado universalmente contribuem para práticasdiscriminatórias, por causa do desvio estrutural de umasociedade desigual. (REINER, 2004, p. 185).

Há muito tempo o conceito de discriminação institucional temprovocado controvérsias. Em seu relatório de 1981, sobre ostumultos em Brixton, Lord Scarman considerou duas possíveisinterpretações. Uma é a discriminação oficial, que ocorre“reconhecidamente como um assunto de políticas”; a outra éindireta e acidental, “práticas que podem ser adotadas pelasinstituições públicas e primadas ou indivíduos, que semintenção, são discriminatórias” (Scarman, parag. 2.22).(REINER, 2004, p. 186).

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Essa última interpretação é utilizada como padrão pela maioria dasanálises sociológicas, e eu a usei anteriormente. O relatórioMacpherson, sobre o caso Stephen Lawrence, adotou-a e concluiu quea Met era institucionalmente racista nesse sentido. Agora a definiçãode Macpherson de “racismo institucional” é considerada oficial. É ela:“Racismo institucional é a omissão coletiva de uma instituição emfornecer serviço apropriado e profissional a uma pessoa, devido à suacor, cultura ou origem étnica. Pode ser visto ou detectado emprocedimentos, atitudes e comportamento que compõemdiscriminação através de preconceito não intencional, ignorância,inconsequência e estereótipos racistas que colocam em desvantagempessoas de minorias étnicas”. (REINER, 2004, p. 186).

Todas essas formas de discriminação podem funcionar tanto no níveldas políticas dos escalões superiores como nas decisõesdiscricionárias do simples policial nas ruas. (REINER, 2004, p. 186).

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Diferenciação [discriminação]De modo desproporcional em sua proporção ao resto da população, a políciapara e revista, prende e acusa e usa da força física contra homens negrosjovens de status mais baixo. Ao mesmo tempo, tem um contatodesproporcional com eles enquanto no papel de vítimas ou de queixosos porsofrerem crimes violentos (Police Studies Institute, 1983...). (REINER, 2004,p. 187).

Suspeitos jovens, negros e/ou de classe mais baixa são mais passíveis deserem detidos... De acordo com o estudo de Black e Reiss, os suspeitos jovensou da classe mais baixa são mais passíveis de serem tratados rudemente...Todos aqueles submetidos ao uso excessivo da força eram de classe maisbaixa. Mas o estudo descobriu que uma proporção menor de suspeitos negrossofria abusos físicos, apesar de dado sua maior chance de serem suspeitos, asperspectivas de negros ou brancos estarem na ponta receptora final da forçapolicial serem as mesmas... [...] Ser jovem, do sexo masculino, negro,desempregado e em desvantagem econômica são características associadascom uma probabilidade maior de ser abordado, revistado, preso, detido emcustódia, acusado e também, de fazer queixas contra a polícia ( em especialde agressão) e ver essas queixas não serem levadas em consideração.(REINER, 2004, p. 187).

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Discriminação

Resta ver, entretanto, até que ponto o claro padrão dediferenciação da polícia envolve discriminação – isto é, o uso depoderes de polícia sem a justificativa de fatores legais relevantes –e, ainda, que tipo de discriminação está envolvido. (REINER, 2004,p. 190).

Mas o papel da discriminação da polícia pode ser deduzido do fatode os negros serem detidos, com uma frequência muito maior, pordelitos que permitem um âmbito maior para a percepção seletivapor parte dos policiais: “outro roubo violento” e “vadiagem” -fazendo com que as taxas de detenções de negros fossem catorzeou quinze vezes as taxas de detenções dos brancos. (REINER,2004, p. 191).

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Entretanto, inúmeros estudos... apontam para a identificação pelavítima, da raça do criminoso, como apoio para a afirmação de que astaxas desproporcionais de detenções de negros tanto refletemenvolvimentos variados em delitos, como refletem a estereotipizaçãopela polícia (apesar de a identificação pelas vítimas de poder ser, por sisó, pelos menos em parte, consequência de estereótipos dapopulação). Mas a extensão diferencial de detenções negros / brancosé tão grande, que seria pouco plausível atribuí-lo totalmente àdiscriminação pela polícia... (REINER, 2004, p. 191).

Parece claro que a taxa desproporcional de detenção de negros éproduto tanto da extrema pobreza dos negros quanto dos estereótiposda polícia – e da interação entre esses fatores, em que um amplifica ooutro. É importante reconhecer que as estatísticas da policia temalguma base numa realidade do crime praticado por negros, que em sié relacionado a estruturas de discriminação direta e institucionalizadana vida econômica e social. Isso ressalta o ponto que mais precisamudar, ao invés de apenas esclarecer os estereótipos ou preconceitosequivocados pela polícia. (REINER, 2004, p. 193).

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As evidencias sugerem claramente que parte da aparentediferenciação social noexercício do poder discricionário policial, masnão é toda ela, é responsável por fatores legalmente relevantescomo padrões de delitos. Existe, entretanto, um elemento adicionalde classe, idade e discriminação racial, abrangendo discriminação“transmitida”, “interacional”, “institucionalizada”, “estatística”, bemcomo genuína discriminação “categórica”. (REINER, 2004, p. 194).

Discriminação transmitida. Na pesquisa, o papel da discriminação“transmitida” (isto é, em que a polícia age como transmissora dadiscriminação pública) está indicado de diversas formas. Está noimportante papel da informação e da identificação fornecidas pelasvitimas e testemunhas no esclarecimento do crime... (REINER,2004, p. 194).

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Discriminação interacional. Muitos pesquisadores têmenfatizado o contexto e o processo de interação em si(especialmente o respeito concedido por m suspeito,que pode depender da abordagem policial) comodeterminante crucial da tomada de decisão da polícia....Isso resulta, em grande parte, do imperativo cultural deo poder ter de parecer estar mantendo o controle,especialmente em situações públicas – razão pela qual apresença de espectadores aumenta a probabilidade dedetenção ou do uso da força... (REINER, 2004, p. 194).

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Discriminação institucionalizada. Um exemplo importante de discriminação

institucionalizada é o direcionamento de recursos policiais extraordinários, ou

de táticas mais agressivas, para áreas de “alta criminalidade” que sofrem de

privação social. O resultado será uma possibilidade maior de paradas com

revista, detenções, etc., para aquelas pessoas vivendo ali que são

vulneráveis à atenção da polícia, isto é, jovens negros e/ou homens

desempregados... (REINER, 2004, p. 195).

Outro exemplo é o uso de índices do risco de reincidência no crime (sendo

eles mesmos, um exemplo de discriminação “estatística”) em procedimentos

rotineiros para determinar decisões como advertir ou acusar. Tais índices

baseados em “família problemática” e outros semelhantes, mesmo se forem

usados universalmente pela burocracia da polícia, vão resultar em decisões

discriminatórias... (REINER, 2004, p. 195).

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Discriminação estatística. Em vários estudos, a discriminaçãoestatística é apontada como a principal causa de discriminação empráticas de parar-e-revistar, devido à pressuposição da polícia eseus estereótipos de que certos grupos (inclusive homens negrosjovens) são criminosos mais prováveis... (REINER, 2004, p. 196).

Discriminação categórica. Sem dúvida nenhuma, alguns usosdiscriminatórios dos poderes da polícia são o reflexo deimplicâncias categóricas, do tipo que se encontra na cultura dapolícia. [...] ao mesmo tempo, os estudos de observação retratam,de fato, uma prevalência de opiniões preconceituosas, que não sãonecessariamente traduzidas diretamente na prática policial...(REINER, 2004, p. 196).

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Gênero e policiamento

A discriminação de gênero também tem sido um assunto difícil. Uma clara

diferença entre os debates acerca da discriminação de raça e os relativos a

sexo é de ser proporcionalmente baixa a frequência de mulheres na ponta

receptora dos serviços policiais, enquanto uma das principais questões em

relação à raça é o policiamento desproporcionalmente alto de negros.

(REINER, 2004, p. 196).

Foi sugerido com certa plausibilidade, que os policiais tendem a ver as

mulheres com uma imagem convencional, bifurcada em dois rótulos: ou são

“esposas” ou são “putas”. Em consequência disso, pode ser que a baixa taxa

de processos formais de mulheres mascare uma rede complexa de

discriminação. Algumas mulheres escapam da suspeita porque, nos

estereótipos dos policiais de investigação, as “boas maneiras” as colocam

fora do quadro de prováveis criminosos. (REINER, 2004, p. 193).

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Há evidências bem mais claras de discriminação policialno tratamento dado às mulheres enquanto vítimas decrime. Chamados em brigas domésticas sempre foramparte significativa da carga de trabalho da polícia, masreconhecidamente tendem a ser tratados pelos policiaissem recorrer a processos criminais, mesmo quando hásinais corporais evidentes de agressão... Na culturapolicial tradicional, “assuntos domésticos” sãoconsiderados confusos, improdutivos, e fora do“verdadeiro” trabalho da polícia. (REINER, 2004, p.197).

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Por um volume crescente de evidencias, também ficaclaro que as mulheres são discriminadas enquantopoliciais, em termos de perspectivas de carreira bemcomo por assédio no trabalho... Muitos analistasafirmaram que o emprego e a promoção desigual depoliciais femininas são importantes não só comoassunto de justiça, mas para diluir o machismo dacultura policial, que tem sido visto como umaimportante fonte de abuso. (REINER, 2004, p. 198).

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Conclusão

O padrão de discriminação e o mapa da população encontrados na culturapolicial são similares. Eles são interdependentes e confinados dentro daestrutura, mais ampla, de raça e de desvantagem de classe. Apesar de,algumas vezes, a discriminação estar associada com atitudespreconceituosas anteriores dos policiais individualmente, os processosfundamentais são estruturais. Mesmo se, no início, os recrutas não sãoespecialmente preconceituosos, as evidencias sobre o impacto daexperiência de policiamento sugerem que eles tendem a se tornarpreconceituosos.

A jovem população das “ruas” tem sido sempre, o foco principal namanutenção da ordem e no trabalho de aplicação da lei. Os processos dedesvantagem racial na moradia, emprego e educação levaram os jovensnegros a um envolvimento desproporcional com a cultura das ruas. Elestambém ficaram comprometidos com tipos específicos de crimes das ruas,por razões que já foram citadas.

Bibliografia

REINER, Robert. Desmistificando a polícia. in: REINER, Robert. A política da

polícia. Tradução Jacy Cardia Ghirotti e Maria Cristina Pereira da Cunha

Marques. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.

Especialização em “Polícia e Segurança Pública”