poetas de ontem e de hoje
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Poetas de ontem e de hoje
Clicar sobre cada poeta.
D. Dinis Séc. XIII - XIVAi, flores, ai, flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo? Ai, Deus, e u é? Ai, flores, ai, flores do verde ramo, se sabedes novas do meu amado?Ai, Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo? Ai, Deus, e u é?Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi à jurado? Ai, Deus, e u é?-- Vós me preguntades polo vosso amigo? E eu ben vos digo que é sano e vivo. Ai, Deus,e u é? Vós me preguntades polo vosso amado? E eu ben vos digo que é vivo esano. Ai, Deus, e u é? E eu ben vos digo queé sano e vivo e seerá vosco ante o prazo saido. Ai, Deus, e u é? E eu ben vos digo que é vivo e sano e seerá vosco ante o prazo passado. Ai, Deus, e u é?
Luís Vaz de Camões Séc. XVI
"Os bons vi sempre passarNo Mundo graves tormentos;E pera mais me espantar,Os maus vi sempre nadarEm mar de contentamentos.Cuidando alcançar assimO bem tão mal ordenado,Fui mau, mas fui castigado.Assim que, só pera mim,Anda o Mundo concertado."
Manuel Maria Bocage – Séc. XVIII
A Raposa e as Uvas Contam que certa raposa,andando muito esfaimada,viu roxos maduros cachospendentes de alta latada.
De bom grado os trincaria,mas sem lhes poder chegar,
disse: “estão verdes, não prestam,só cães os podem tragar !”
Eis cai uma parra, quandoprosseguia seu caminho,
e crendo que era algum bago,volta depressa o focinho.
João Baptista de Almeida GarrettSéc. XIX
Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que é tão bela,Ó pescador?Não vês que a última estrelaNo céu nublado se vela?Colhe a vela,Ó pescador!Deita o lanço com cautela,Que a sereia canta bela...Mas cautela,Ó pescador!Não se enrede a rede nela,Que perdido é remo e velaSó de vê-la,Ó pescador!Pescador da barca bela,Inda é tempo, foge dela,Foge dela,Ó pescador!
José Joaquim Cesário Verde Séc. XIX
Naquele pique-nique de burguesas,Houve uma coisa simplesmente bela,E que, sem ter história nem grandezas,Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,Foste colher, sem imposturas tolas,A um granzoal azul de grão-de-bicoUm ramalhete rubro de papoulas.
José de Almada NegreirosSéc. XIX e XXPede-se a uma criança: Desenhe uma flor! Dá-se-lhepapel e lápis. A criança vai sentar-se no outro cantoda sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas.Umas numa direcção, outras noutras; umas maiscarregadas, outras mais leves; umas mais fáceis,outras mais custosas. A criança quis tanta força emcertas linhas que o papel quase que não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápisjá era de mais. Depois a criança vem mostrar essas linhas àspessoas: uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com asde uma flor! Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança,da cabeça para o coração e do coração para acabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor,e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, outodas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares,mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!
Fernando Pessoa Séc. XIX e XX
Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê !
Florbela Espanca Séc. XIX e XX
Ser poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!
António Gedeão Séc. XX
Pedra Filosofal
Eles não sabem, nem sonham,que o sonho comanda a vidaQue sempre que um homem sonhao mundo pula e avançacomo bola coloridaentre as mãos de uma criança.
Gota de Água
Eu, quando choro,não choro eu.Chora aquilo que nos homensem todo o tempo sofreu.As lágrimas são as minhasmas o choro não é meu.
Miguel Torga - Séc. XX
Sei um ninho.E o ninho tem um ovo.E o ovo, redondinho,Tem lá dentro um passarinhoNovo.
Mas escusam de me atentar:Nem o tiro, nem o ensino.Quero ser um bom meninoE guardarEste segredo comigo.E ter depois um amigoQue faça o pinoA voar...
Sophia M. Andresen – Séc. XXNo fundo do mar há brancos pavores,Onde as plantas são animaisE os animais são flores.
Mundo silencioso que não atingeA agitação das ondas.Abrem-se rindo conchas redondas,Baloiça o cavalo-marinho.Um polvo avançaNo desalinhoDos seus mil braços,Uma flor dança,Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisaLeve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisaTem um monstro em si suspenso.
Álvaro Magalhães – Séc- XXEscrevi a palavra flor.Um girassol nasceuno deserto de papel.Era um girassolcomo é um girassol.Endireitou o caule,sacudiu as pétalase perfumou o ar.Voltou a cabeçaà procura do sole deixou cair dois grãos de pólensobre a mesa.Depois cresceu até ficarcom a ponta de uma pétalafora da Natureza.
Ary dos Santos – Séc. XXEstudar não é só ler nos livros que
há nas escolas.É também aprender a ser livres,
sem ideias tolas.Ler um livro é muito importante, às
vezes, urgente.Mas os livros não são o bastante
para a gente ser gente.É preciso aprender a escrever, mas
também a viver, mas também a sonhar.
É preciso aprender a crescer, aprender a estudar.
Estudar também é repartir, também é saber dar
o que a gente souber dividir para multiplicar.
Eugénio de Andrade – Séc. XX
Pastor, pastorinho,onde vais sozinho?
Vou àquela serrabuscar uma ovelha.
Porque vais sozinho,pastor, pastorinho?
Não tenho ninguémque me queira bem.
Não tens um amigo?Deixa-me ir contigo.
Maria Alberta Menéres – Séc. XXO bicho-de-contaFaz de conta, fazQue é cabeça tontaMas lá bem no fundoNão é mau rapaz.
Se a gente lhe toca,Logo se disfarça:Veste-se de bola.
Por mais que se façaNão se desenrola.
Lá dentro escondendoPatinhas e rostoÉ todo um segredo:
Se eu fosse meninoComigo brincavaSem medo sem medo.