poesia africana

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Literatura Africana.

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  • 1

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    PEDRO CORSINO AZEVEDO (CABO VERDE)

    CONQUISTA

    Trs!... Explodiu a Verdade, Agora sou capaz De tudo Indiferente e quedo e mudo Deixarei escangalhar o brinquedo Que temi na Infncia, Rasgou-se o cu em mil fatias lindas, Ricos Fanicos Que recolhi na mo. Desiluso! Cristal, cristal, cristal! E eu a namorar o mal... (in "Claridade", n5, 1947)

  • 2

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    PEDRO CORSINO AZEVEDO (1905-1942, CABO VERDE) TERRA-LONGE Aqui, perdido, distante das realidades que apenas sonhei, cansado pela febre do mais-alm, suponho mimha me a embalar-me, eu, pequenino, zangado pelo sonho que no vinha. "Ai, no montes tal cavalinho, tal cavalinho vai terra-longe, terra-longe tem gente-gentio, gente-gentio come gente" A doce toada meu sono caa de manso da boca de minha me: "Cala, cala, meu menino, terra-longe tem gente gentio gente-gentio come gente". Depois vieram os anos, e, com eles, tantas saudades!... Hoje, l no fundo, gritam: vai! Mas a voz da minha me, a gemer de mansinho cantigas da minha infncia, aconselha ao filho amado: "Terra-longe tem gente-gentio, gente-gentio come gente". Terra-longe! terra-longe!... - Oh me que me embalaste - Oh meu querer bipartido! (in Claridade,1947)

  • 3

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    JORGE BARBOSA

    (CABO VERDE) CANO DE EMBALAR "Dorme Maninho pra no vir Ti Lobo..." Maninho volta-se e dorme no colcho de saco vazio sobre a terra batida. Ao lado no cho dormindo tambm o naviozinho de lata que fez com suas mos... Apaga-se a luz. Maninho acorda depois por causa da voz falando baixinho segredando no meio escuro... No fala de mame... Ti Lobo talvez... Mas nh Chico Polcia h dias contava: "Ti Lobo no tem..." Essa voz nocturna segredando... O homem branco talvez que l vai de vez enquando... "Dorme Maninho pra no vir Ti Lobo..." Volta-se e torna a dormir... Amanh cedo vai correr o naviozinho de lata nas poas da Praia Negra... (in "Ambiente", 1941)

  • 4

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    CORSINO FORTES

    (CABO VERDE)

    PECADO ORIGINAL Passo pelos dias E deixo-os negros Mais negros Do que a noute brumosa. Olho para as coisas E torno-as velhas To velhas A cair de carunchos. S charcos imundos Atestam no solo As pegadas do meu pisar E fica sempre rubro vermelho Todo o rio por onde me lavo. E no poder fugir No poder fugir nunca A este destino De dinamitar rochas Dentro do peito... (Claridade, 1960)

  • 5

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    GIRASSOL

    Girassol Rasga a tua indeciso E liberta-te. Vem colar O teu destino Ao suspiro Deste hirto jasmim Que foge ao vento Como Pensamento perdido. Aderido Aos teus flancos Singram navios. Navios sem mares Sem rumos De velas rotas. Amanheceu! Ora o teu leme E entra em mim Antes que o Sol Te desoriente Girassol! Corsino Fortes in "Claridade", n9, 1960

  • 6

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    YOLANDA MORAZZO (Mindelo, Ilha de S.Vicente, Cabo Verde, 16/12/1928)

    BARCOS

    "Nha terra quel piquinino So Vicente que di meu"

    Nas praias Da minha infncia Morrem barcos Desmantelados. Fantasmas De pescadores Contrabandistas Desaparecidos Em qualquer vaga Nem eu sei onde. E eu sou a mesma Tenho dez anos Brinco na areia Empunho os remos... Canto e sorrio... A embarcao: Para o mar! para o mar!... E o pobre barco O barco triste Cansado e frio No se moveu...

  • 7

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    ONESIMO SILVEIRA

    (Mindelo, So Vicente, Cabo Verde, 1935) AS GUAS A chuva regressou pela boca da noite Da sua grande caminhada Qual virgem prostituida Lanou-se desesperada Nos braos famintos Das rvores ressequidas! (Nos braos famintos das rvores Que eram os braos famintos dos homens...) Derramou-se sobre as chagas da terra E pingou das frestas Do chapu roto dos desalmados casebres das ilhas E escorreu do dorso descarnado dos montes! Desceu pela noite a serenar A louca, a vagabunda, a prfida estrela do cu At que ao olhar brando e calmo da manh Num aceno farto de promessas Ressurgiu a terra sarada Ressumando a fartura e a vida! Nos braos das rvores... Nos braos dos homens... (Hora grande, 1962)

  • 8

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    ONESIMO SILVEIRA (Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, 10/2/1935)

    QUADRO

    L vem nho Cacai da ourela do mar Acenando a sua desiluso De todos os continentes! Ele traz o peito afogado em maresias E os olhos cansados da distancia das horas... L vem nho Cacai Com a boca amarga de sal A boiar o seu corpo morto Na calmaria da tarde! Nho Cacai vem alimentar os seus filhos Com histrias de sereias... Com histrias das farturas das Ame'ricas... Os seus filhos acreditam nas Amricas E sabem dormir com fome... (Hora grande, 1962)

  • 9

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    JOO VARIO (conhecido tambm como T.T.Tiofe) (S. Vicente, Cabo Verde 1937)

    (Fragmento)

    H muito passado no estar aqui com o tempo, Fim e reconhecimento, e no sofrendo nada mais do que o tempo concede, Fim de novo e reconhecimento de novo E tudo crime, ou crime sempre, crime ou crime, Criminosissimamente crime, Quando arriscamos a intensidade, comemorando. Aumento e festa, ou cilcio, e tempo de cair e tempo de seguir, Tempo de mal cair e tempo de mal seguir, Oh amamos tanto, amamos tanto estar aqui com o tempo E sabendo que h nisso pouco passado. Porque maiores que os desgnios da vida So os desgnios da medida e, divididos Em dois por eles, com eles indo, se por eles Ganhamos o tempo, pedimos a forma mais fcil De indagar que vamos morrer e, um dia, se O tempo for deles e, a memria, de outros, Havemos de ser teis como mortos h muito, Sem que a causa, o delrio, a designao, O julgamento nossa medida abandonem, Dividida em duas por elas, e ganhando constncia. Depois, depois faremos ou far o tempo, por sua vez, Aquele blasfemissimo comentrio, E ento consta que ammos. (Exemplo geral, 1966)

  • 10

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    JOO VARIO (S. Vicente, Cabo Verde, 1937)

    (Fragmento)

    E ento subimos aquele grande rio e as portas do Rodo, chamadas. Era em abril dois dias depois da neve e da cidade dos neves, na serra. E olhamos para os penhascos da beira-rio, as oliveiras, o chisto, a cevada as ervas de termo, e as colinas. E, junto da via frrea, os homens do pais miravam-nos como se fossemos ns e no eles os mortos desta terra, homens do medo e do tempo da discrdia que trazem para o cimo das estradas a malcia que vai apodrecendo seus ps neste mundo e em terras de outrem. Que fazeis do mundo e da sua chama impondervel, os homens, perdidos que estais, hoje como ontem, entre a casa e o limiar? E evocamos, mais uma vez, esse provrbio sessouto. E, na verdade, porque regressaremos, aps tantos anos, a este tema? Ser que a morte nos ensinou a olhar para o homem com pavoroso xtase? (Exemplo relativo, 1968)

  • 11

    Autores Africanos - Do Rovuma ao Maputo

    JOS LUS TAVARES

    (CABO VERDE) CURVO-ME AO OBSTINADO PESO DAS RAZES Curvo-me ao obstinado peso das razes. Mais alto se erguem os morosos frutos da inquietude. Por todo o meu corpo animais em desero, blicos murmrios, impendentes murmrios, desdenhada fortuna. No sei de barcos, no sei de pontes, para outro to melodioso territrio. Afeioados ficaram os olhos ao sonhado verde dos campos. Derrotados sob o adivinhado zelo do sol por quantos dias a ilha estremece ao temor da sede e da runa. Deram-lhe navegadores nome de santo, quando vista das angras lgrimas e gritos se confundiram. E na hora terreal, feito o sinal da cruz, divisa de quem por to longes terras os mandara navegar, um destino de penumbra ali se traou. E ficmos nufragos, irmos dos chibos, pela ocidental terra que o dia j desnuda. Pelos sinos da matriz avisando da inexorvel aproximao dos corsrios (um tempo de rapina subjaz ainda na memria desses anos) eu vos sado, velho cadamosto, diogo gomes, antnio da noli; eu vos sado desde esses picos de sede de onde a noite mais veloz se confunde com os desfraldados estandartes da alegria.