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POESIA, A ARTE DE LER E ESCREVER COM O CORAÇÃO: A I NFLUÊNCIA DA

POESIA NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM DE LEITUR A

Lia Sandra Lourenço de Souza1

Giuliano Hartmann 2

Resumo O presente trabalho apresenta a experiência pedagógica desenvolvida com alunos do sexto ano do Ensino Fundamental, do município de Irati, Estado do Paraná, por meio do projeto “Poesia: a arte de ler e escrever com o coração”. A proposta foi empreendida na Escola Estadual Professora Luiza Rosa Zarpellon Pinto, no período entre agosto e dezembro de 2010, com o objetivo de possibilitar aos alunos o contato com textos poéticos, levando-os a motivação e interesse para ouvir, ler e escrever poesias, bem como, praticar ações leitoras com outros tipos de textos. A escola pode e deve ser o lugar no qual a convivência com a poesia acontece de fato, exercitando a capacidade de sentir e perceber a linguagem poética, já que ela se faz presente em nosso cotidiano. É preciso garantir aos alunos, espaço para as práticas literárias, possibilitando a interação do educando com a literatura nas mais diferentes circunstâncias do uso da língua, e, acreditamos que o gênero textual “poema”, configura-se como uma estratégia significativa para reflexão e descoberta do ser enquanto sujeito, nas relações que tangem texto literário, leitura e universo circundante. Nesse sentido, este relato destaca alguns passos das atividades desenvolvidas e seus resultados, tendo como fio condutor as reflexões acerca do uso da poesia na escola. Palavras- Chave: Leitura; Poesia; Escola.

1 Professora PDE/2012 na área de Letras, licenciada em Letras Português. Especialista em Literaturas da Língua Portuguesa e Gestão Escolar. 2 Professor Mestre em Literatura pela Universidade Estadual de Maringá – UEM e doutorando pela mesma instituição, com atuação em Teoria Literária, Literatura Brasileira, Portuguesa e Ocidental, e docente do Departamento de Letras da UNICENTRO. Orientador PDE/2010.

1 Introdução

A polivalência de sentido com que é tomada a palavra “poesia” alia-se a

multiplicidade de funções, mutações intrínsecas que, no decorrer da história, têm

modificado o raio de atuação e a própria natureza do fenômeno poético. Cada

período literário, cada grande poeta ou crítico cultiva uma concepção própria de

poesia. Acreditamos que, ao invés de se prender às diversas definições de poesia, é

mais enriquecedor encontrar o valor de cada uma delas para nortear as mais

variadas possibilidades de ampliação destes conceitos na escola, pois a linguagem

poética rompe com a objetividade comunicativa, pois ao deixar de servir apenas ao

propósito de representar a realidade literal, passa a expandi-la, transfigurá-la,

transgredi-la como forma de abrir-se a novas possibilidades com o jogo das

palavras.

Como nos expõe Lúcia Pimentel (1995, p. 25), “talvez a crise da poesia seja

a crise do nosso modo de ensinar poesia”. Por isso, partindo da observação de Eliot

(1995, p.15), de que “aprendemos o que é poesia lendo poesia”, e do princípio de

que o ser humano tem alma poética, defendemos que o mais importante é fazer com

que os alunos sintam a poesia, exercitem o contato com o texto poético e possam

gozar dos efeitos que ele produz, enquanto atividade estética, lúdica, expressiva ou

engajada. Assim sendo, é preciso garantir aos alunos, espaço para as práticas

literárias, para que possam interagir nas mais diferentes circunstâncias do uso da

língua, pois de acordo com Soares (1998), o leitor posiciona-se e interage com as

exigências da sociedade diante das práticas de linguagem, demarcando sua voz no

contexto social.

Dessa forma, este estudo se caracteriza como uma proposta de investigação

e reflexão acerca dos interesses dos alunos no que tange sua relação com a leitura

e escrita, bem como a aproximação destes estudantes com textos poéticos para

estimular a aprendizagem e a consequente ampliação das perspectivas em relação

ao mundo que os circunda.

Para aprofundarmos a discussão a que este artigo se propõe,

apresentaremos em primeira instância uma reflexão sobre a importância da literatura

em nossas relações interpessoais, com o meio em que estamos inseridos, bem

como abordaremos as modalidades literárias, com o intuito de nos aproximarmos do

gênero - poesia. Posteriormente apresentaremos a importância da poesia na escola,

sendo que explicitaremos como se deu o trabalho na Escola Estadual Professora

Luiza Rosa Zarpellon Pinto, no município de Irati, Paraná, tendo como público alvo,

alunos do sexto ano do Ensino Fundamental, após elaboração do Projeto: “Poesia, a

arte de ler e escrever com o coração”, produzido para o programa de

Desenvolvimento Educacional - PDE, do estado do Paraná. E, por fim

apresentaremos as considerações acerca do significado de se trabalhar o gênero

literário – poesia, considerando o processo ensino/aprendizagem.

2 Fundamentação teórica

Tendo em vista que “leitura é um ato dialógico, interlocutivo, que envolve

demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de

um determinado momento, (PARANÁ, Diretrizes Curriculares, 2008), é mais

precisamente na escola que se dá a formação de leitores, e que os modos de uma

sociedade relacionar-se com a leitura e com os livros depende, sobretudo do

ambiente escolar.

Kleiman (2000) destaca a importância na leitura, das experiências, dos

conhecimentos prévios do leitor, que lhe permitem fazer previsões e interferências

sobre o texto. Considera a autora que o leitor constrói, e não apenas recebe um

significado global para o texto: ele procura pistas formais, formula e reformula

hipóteses, aceita ou rejeita conclusões, utilizando estratégias baseadas no seu

conhecimento linguístico e na sua vivência sociocultural (conhecimento de mundo).

Assim sendo, a leitura não precisa ser encarada como um dever, como uma

tarefa a ser cumprida, ao contrário, deve ser apresentada como uma opção, como

uma atividade agradável, capaz de despertar o interesse, o prazer e a emoção. Ela

precisa estar inserida no cotidiano escolar, estar presente na vida dos alunos, ser

formadora de opiniões.

A escola deve fazer uso da linguagem literária que é rica esteticamente e

apresenta textos com conteúdos imaginativos que despertam a atenção dos alunos,

pois conforme Antonio Cândido (1972), trata-se de uma arte que

transforma/humaniza o homem e a sociedade. Este ainda atribui três funções à

literatura: A psicológica, a formadora e a social. A função psicológica faz os

indivíduos mergulharem em um mundo de fantasias, enquanto a função formadora

contribui para a construção do sujeito, como um instrumento de educação, pois é

capaz de retratar as diversas faces da realidade. Para o autor, ao descrever a função

social da literatura, afirma que esta aborda os diversos segmentos da sociedade, isto

é, a representação social e humana:

A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial. [...] Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica, ela age com impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela. [...] Dado que a literatura ensina na medida em que com toda a sua gama, é artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta. E a sociedade não pode senão escolher o que em cada momento lhe parece adaptado aos seus fins, pois mesmos as obras consideradas indispensáveis para a formação, trazem frequentemente aquilo que as convenções desejariam banir [...] É um dos meios porque o jovem entra em contato com realidades que tenciona escamotear-lhe.[...] Ela não corrompe nem edifica portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver (CANDIDO;1972; p. 805- 806).

Para tanto, a leitura literária é a porta de entrada e percepção de que a

língua tem uma magia: a de dar forma e existência ao que sentimos e somos. Ela

concentra, converge, encontra possibilidades expressionais presentes na língua em

todas as suas variedades escritas e orais.

Trabalhar adequadamente um gênero seria levar o aluno a considerar seu

suporte, sua esfera de circulação, e os leitores aos quais se dirige. Seria enfim,

apresentar propostas de escrita desse gênero – poesia nas quais estivessem

delineados os parâmetros de produção e circulação que o poema tem nas práticas

sociais de linguagem.

2.1 O convívio com o texto poético

A literatura, seja em suas modalidades dramática, narrativa, épica ou lírica,

na qual se insere a poesia, refere-se, entre outros aspectos, a textos que mantêm

uma relação intrínseca com o mundo: uma relação de ficcionalidade e

representação, ou seja, os textos literários referem-se a um mundo e a indivíduos

imaginários que, embora pareçam reais, são criações dos autores que os inventam

por meio de sua particular percepção da realidade. Como ressalta Culler (1999, p.

22), “texto literário é um evento linguístico que projeta um mundo ficcional que inclui

falantes, atores, acontecimentos”.

Segundo Tufano (2000), quando lemos literatura, lemos a vida. Quando

discutimos um texto, discutimos a vida, as reações humanas e os problemas da

existência. No entanto a literatura tem sido, em alguns casos, um desafio para os

alunos, pois a escola centrou-se no aspecto cognitivo e deixa de lado muitas vezes a

arte, o prazer do lúdico e o encantamento da leitura. Para Perrotti (1986, p. 17) “a

literatura é um espaço de liberdade, imaginação e aventuras. Nesse sentido, não

pode ser instrumentalizada para uma finalidade de ensino”. Ela tem uma função

educativa e não meramente escolar.

Bunzen (2006) nos coloca que as práticas discursivas presentes nos

diversos gêneros, que fazem parte do cotidiano dos educandos, podem ser

legitimadas na escola, pois a literatura está intrinsecamente ligada à vida social. É

preciso aprender a ler, afirma poeticamente o escritor mineiro Bartolomeu Campos

Queirós, na confiança da leitura como prática dialógica:

Desconheço liberdade maior e mais duradoura do que esta do leitor ceder-se à escrita do outro, inscrevendo-se entre as suas palavras e seus silêncios. Texto e leitor ultrapassam a solidão individual para se enlaçarem pelas interações. Esse abraço a partir do texto é soma das diferenças, movida pela emoção, estabelecendo um encontro fraterno e possível entre leitor e escritor. Cabe ao escrito sua fantasia para, assim, o leitor projetar seus sonhos (QUEIRÓS, 1999, p.14).

Vivemos numa época de muitas transformações e, são poucas as

oportunidades de contato com a leitura para informação, para exercer minimamente

a cidadania e para entretenimento, fora da escola. Por isso ela precisa se preocupar

cada vez mais com a formação de leitores. Nesse sentido, o poema é um gênero

que apresenta a finalidade de viajar, de sentir as metáforas, a musicalidade, o ritmo.

Na poesia, a arte e a estética se encontram como elementos da natureza humana.

O que se percebe, é que nas séries finais do Ensino Fundamental, nem

todos os alunos dominam as práticas de leitura. Alguns têm dificuldade para

compreender textos curtos e localizar informações, inclusive as que estão explícitas.

Conforme ressalta Silva (2009, p.27), “o analfabetismo funcional persiste

entre os jovens brasileiros, 15% deles não têm habilidades de leitura e escrita

compatíveis com sua escolaridade”.

Tahan (2003, p. 2), enfatiza que o leitor precisa compreender e desvendar o

sentido do texto:

É preciso ensiná-lo a colocar em ação várias estratégias: antecipar informações que possam estar no texto; fazer previsões apoiadas nas pistas do próprio texto e em sua experiência leitora; confirmar ou relutar sua hipótese, conhecimento; produzir inferências, perceber significado acerca do que não está dito de forma explícita no texto; verificar no texto se as suposições e inferências estão corretas ou precisam ser reformuladas.

Para tanto, é fundamental o trabalho com “gêneros”. Estes possibilitam ao

leitor criar situações que permitam desenvolver as diferentes capacidades

envolvidas no ato de ler.

Marcushi (2008, p. 56) afirma que, “o trabalho com gênero é uma grande

oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia

a dia”. O ensino-aprendizagem de leitura, pela perspectiva dos gêneros, nesse caso

o poético, reposiciona o professor como um especialista nas diferentes modalidades

textuais, orais e escrita de uso social. Desta forma o gênero textual pode ser definido

como:

Textos orais e escritos produzidos por falantes de uma língua em um determinado momento histórico. Os gêneros textuais são diretamente ligados às práticas sociais. Alguns exemplos de gêneros textuais são: carta, bilhete, e-mail, artigos, discurso, piadas, anúncios, poemas, romance, carta de leitor, notícia, biografia, requerimento, editorial, receita entre outros. São muitos os gêneros que circulam. São as situações que definem qual usar (CIPRO; INFANTE 2008, p. 64).

Considera-se então, que o ato de ler não se define apenas como um

processo de transferência de informações, mas que o indivíduo recorre aos seus

conhecimentos prévios e se permite experimentar as diferentes linguagens na

atividade social que é leitura.

2.2 A importância da poesia no contexto social

O mundo conturbado do qual fazemos parte, as grandes transformações nas

relações sociais, provocadas pelas regras do mercado, pelo consumismo

exagerado, enfim pelo capitalismo, vem provocando um sentimento de

desenraizamento do homem em relação ao tempo, cada vez mais acelerado, e

também em relação ao espaço, que prioriza a virtualidade ao contato real. Assim, o

sentimento de pertencimento, de compartilhamento de valores, as formas de relação

e de comunicação tradicionais modificam-se e se problematizam. Esse quadro tem

sido apontado como uma das causas para o aumento de distúrbios ligados à

solidão, à sensação de não pertencimento, falta de saída e pânico frente ao mundo.

Pois conforme Baumam (2010), o capitalismo é, na essência, um sistema

parasitário. Como todos os parasitas, podem prosperar durante algum tempo, uma

vez que encontra o organismo ainda não explorado, do qual pode se alimentar, mas

não pode fazê-lo sem prejudicar o hospedeiro nem sem destruir cedo ou tarde as

condições de sua prosperidade ou até de sua própria sobrevivência.

Nesse contexto, Oberg (2006, p. 44), ressalta a poesia como elemento

capaz de amenizar, tornar suportável a existência, “ao tecer mundos com a

linguagem, ao apresentar a palavra sensível ao leitor, a poesia toca, emociona,

mobiliza o ser humano, tanto no nível racional quanto no emocional”, possibilita

dessa forma uma vinculação diferenciada consigo mesmo, com o outro e com o

mundo.

Essa relação do homem com a poesia vem dos primórdios da humanidade,

e, como enfatiza Lajolo (2001, p. 146), “quem sabe por isso, sejam poéticos tantas

passagens de livros religiosos como a Bíblia, que falam das relações do ser humano

com Deus, com os outros homens, consigo mesmo e com o universo”. Está presente

na contemplação de um céu estrelado, no rosto de uma criança, na fúria de uma

tempestade, enfim na maneira de se olhar o mundo, visto que este é por si só, um

ato de criação poética. Nós todos o herdamos, compartilhamos, interferimos nesse

ato.

O contato com o texto poético, desde a infância justifica-se para além do

desenvolvimento de habilidades cognitivas, ele promove o conhecimento sensível,

afetivo e a formação cultural. É o principal elemento da humanização do próprio

homem. Para Paz (2000, p.13) “A poesia é conhecimento, salvação, poder,

abandono. Operação capaz de transformar o mundo”.

A leitura de textos poéticos estimula a aprendizagem dos alunos, como

também amplia a visão de mundo, possibilitando a espontaneidade e a criatividade.

Para Bakhtin, o trabalho poético está inteiramente inter-relacionado ao contexto

social, “o poeta, afinal, seleciona palavras, não do dicionário, mas do contexto de

vida, onde as palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor”

(BAKHTIN, 1986, p.67). Assim, os gêneros discursivos por mobilizarem diferentes

esferas da atividade humana, representam unidades abertas da cultura.

3 Resultados e discussão

Considerando que a poesia é um dos gêneros literários mais complexos a ser

trabalhado em sala de aula, necessita de especial atenção para ser atendida. Como

afirma Pinheiro, “a leitura do texto poético tem peculiaridades e carece, portanto de

mais cuidados do que o texto em prosa” (PINHEIRO, 2002, p.23). É, portanto um

desafio para os professores propor atividades lúdicas aos alunos, favorecendo um

contato frequente com a poesia, para que ocorra um interesse por ela.

Certamente os gêneros, sejam eles, oral ou textual, são ferramentas

essenciais para o ensino e para a aprendizagem, uma vez que quando se ensina

também se aprende. Dessa perspectiva, a discussão a partir do gênero “poema” traz

consideráveis contribuições para o desenvolvimento do aluno, enquanto leitor crítico

e reflexivo.

Sendo assim, a leitura de dados observados na fase empírica da pesquisa,

orientou o trabalho de seleção, análise e interpretação dos textos poéticos, não que

estes resolvam todas as dificuldades comuns de leitura em sala de aula, mas com

sugestão de variedades no trabalho, possibilitando ao leitor “ler o mundo”, o

fantástico, e assim modificando e criando a sua própria maneira de ver a vida.

3. 1 Poesia na escola

A escola pode e deve ser o espaço no qual, a convivência com a poesia

acontece de fato, permitindo o contato com os autores e estilos diversos,

exercitando a capacidade de sentir o que é poético, sendo que ela está presente em

nosso cotidiano, seja na forma de comerciais, vídeos, mensagens, e-mails, músicas,

ou livros, revistas, entre outros. Nessa perspectiva desenvolveu-se uma reflexão

acerca do uso da poesia como incentivo à leitura e escrita.

Considerando que a leitura de textos poéticos estimula a aprendizagem dos

alunos, como também amplia a visão de mundo, possibilitando a espontaneidade e

a criatividade, antes do início das atividades em sala de aula, aplicou-se um

questionário investigativo, que teve como objetivo, recolher informações sobre as

práticas leitoras dos alunos. Este pode ser respondido em casa com ajuda dos

familiares. Essa primeira etapa foi necessária para descoberta da relação dos alunos

com a leitura, com poemas, redefinindo intervenções nas práticas pedagógicas.

Compreendemos que toda escola pública comprometida com a

democratização social, cultural, precisa garantir às crianças, aos jovens e aos

adultos o domínio da leitura e escrita necessárias para a participação autônoma nas

diferentes práticas sociais.

Para Silva (2005, p. 24 apud PARANÁ, Diretrizes Curriculares da Educação

Básica, 2008, p. 57):

[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas obrigações e também pode defender os seus direitos, além de ficar às conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa, democrática e feliz.

Mas, com frequência, encontramos nas séries finais do Ensino Fundamental,

alunos com sérias dificuldades de aprendizagem como: escrita sem intenção

definida, incapacidade de interpretar um texto, falta de conhecimento acerca dos

gêneros textuais, entre outros.

Conforme respostas dos 35 alunos/sujeitos da pesquisa, apontadas no

gráfico 1, pudemos observar que a maioria dos discentes não tem o hábito de ler,

ou seja, o contato com textos, livros e literatura se dá exclusivamente na escola.

Gráfico 1: Prática leitora dos alunos/sujeitos da pesquisa

Fonte: A autora

Ao que concerne a aceitação dos alunos quanto ao gênero literário – poesia,

pudemos perceber, conforme explicitado no gráfico 2, que estes antes da aplicação

do projeto: “Poesia: A arte de ler e escrever com o coração”, não se identificavam

com o gênero, visto que 65% afirmavam não gostar de poesia, e a classificavam

como algo distante da realidade deles, e apenas 15% expressavam gostar de

poesia, mesmo sem ter tido tanto contato com a mesma.

Gráfico 2: Aceitação dos alunos com relação ao gênero literário: poesia

Fonte: A autora

Entendemos dessa forma que, para conseguirmos um resultado satisfatório,

é necessário, em primeiro lugar, um mergulho no universo da literatura, ou nas

palavras de Marc Soriano (1995, p.15): “tudo, sempre, começa assim, pelo amor”,

garantindo um comportamento seguro na tarefa de promover o encontro dos alunos

com a poesia.

Assim sendo, com o apoio da direção e da equipe pedagógica da Escola

Estadual Luiza Rosa, promovemos um encontro entre a poetisa Naiade Ribeiro

Camargo, do município de Irati, e alunos contemplados nessa pesquisa didático-

pedagógica.

A poetisa Naiade Ribeiro de Camargo trouxe suas obras publicadas, e por

meio de uma conversa informal com os educandos, ressaltou a importância da

leitura na vida do ser humano. Esta fez-nos perceber que, a leitura nos possibilita

conhecer mundos diferentes, que abre portas para que as pessoas se tornem

melhores, além de evidenciar que com o conhecimento adquirido por meio da leitura,

pode-se melhorar de vida. A escritora ainda, comentou acerca de sua infância difícil,

de como os livros e a poesia a ajudaram a superar as dificuldades, e principalmente

reiterou a importância da curiosidade. Leu para as crianças o livro: A coruja curiosa,

de Liliana e Michele Lacocca (1986), e declamou alguns de seus poemas publicados

no livro Sombras no Espelho (2001).

A autora explicou às crianças que, escreve abordando diversos temas,

dependendo de seu estado de espírito. Quando está alegre, vê borboletas e flores

em toda parte, e quando está triste fica melancólica, sua escrita se remete a coisas

tristes, mas conforme expôs “tudo faz parte da vida”.

Após ler o gráfico exposto na sala de aula, referente ao interesse dos alunos

em relação à poesia, a poetisa pediu que levantasse a mão quem gostava de

música. Quase todos levantaram. Solicitou que alguns alunos cantassem, ou

declamassem trechos de músicas do repertório do próprio cotidiano. Timidamente

um a um, os educandos foram expondo suas preferências. Acabaram todos

cantando. Naiade os aplaudiu, afirmando que o gosto pela poesia estava presente,

e que, voltaria mais vezes visitar a escola.

Após a visita da escritora, tiveram início as três primeiras oficinas, utilizando

o material didático construído anteriormente para aplicação prática do trabalho

pedagógico com poesia. Este possui sugestões de atividades organizadas em forma

de sequência didática tendo como objetivos: reconhecer o texto poético, sua

estrutura e sua função no contexto social; identificar os recursos utilizados nos

poemas pelos autores, para a interação com os leitores. Cabe destacar que o

material fora organizado no decorrer da pesquisa como forma de subsidiá-la.

Assim sendo, nas primeiras oficinas o objetivo era promover o

reconhecimento do texto poético, sua estrutura, recursos estilísticos e sua função no

contexto social, tendo como suporte os textos poéticos de Cecília Meireles (2001):

“Colar de Carolina”, “Jogo de Bola”, “A bailarina”, “Cavalinho Branco”, “Ou isto ou

Aquilo”, sendo que estes poemas foram explorados em suas especificidades,

natureza e função, observando que, ao expor o seu sentimento de mundo, o poeta

recorre a diversos recursos.

Dentre estes recursos, estão os que possibilitam o trabalho artístico com as

palavras. No que se refere aos recursos formais, o poeta pode utilizar as estrofes, os

versos ou a prosa, as rimas, o ritmo, os extratos como a aliteração e a coliteração, o

extrato visual – disposição das palavras no espaço da folha, a linguagem metafórica.

O texto mais apreciado pelos alunos foi ”Ou Isto ou Aquilo”, com sua função

expressiva diante do dilema. O poema é composto por oito estrofes, cada uma com

dois versos, ou seja, em dísticos cuja construção paralelística enfatiza o tema do

texto. O ritmo agradável e as rimas acontecem não só no final dos versos, mas

também em posição medial. Cecília Meireles consegue tratar literariamente a

questão da dúvida diante das opções. Os efeitos das características do poema

encantaram as crianças.

As oficinas número quatro, cinco e seis tiveram como objetivo, familiarizar o

aluno com a poesia, para que este tenha prazer em ler e ouvir poemas e, sobretudo

para que se sinta motivado a expor suas emoções. Em suma, levar o educando a

descobrir que o poema pode representar situações cotidianas, e que é possível

brincar com as palavras no tempo e no espaço.

Selecionamos os livros da Coleção “Literatura em minha casa”, do Projeto

Institucional de Incentivo à Leitura (PNDE, 2002), e que fazem parte do acervo da

biblioteca da escola: A Bailarina (Roseana Murray); Palavra de Poeta (Henriqueta

Lisboa, José Paulo Paes, Mário Quintana e Vinícius de Moraes); Palavras de

Encantamento (Elias José, José Paulo Paes, Luiz Gama, Manoel de Barros, Olavo

Bilac, Pedro Bandeira e Roseana Murray) e A Arca De Noé (Vinícius de Moraes).

Consideramos relevante o contato do aluno com o suporte original, uma vez

que, de acordo com a sociologia da leitura, a maneira como o texto se apresenta,

influencia na leitura e interfere na produção de sentidos. Esses livros foram

utilizados em várias aulas e os alunos tiveram oportunidade de escolher os poemas

que mais gostavam, para ler e declamar.

Nesse momento da implementação pedagógica, o suporte estético literário

foram os poemas “Trem de ferro” (Meus primeiros Versos) de Manuel Bandeira

(2001) e “A Boneca” (Palavras de Encantamento) de Olavo Bilac (2001). Os alunos

demonstraram por meio das atividades propostas (leitura, dramatização, música,

artes plásticas, dobraduras), que poesia é vida, é puro sentimento, pois os poetas

colocam em palavras a forma peculiar com a qual enxergam o mundo: “um bom

poema pode ser estudado, relido e meditado vezes sem conta pelo resto da vida.

Você jamais cessará de encontrar coisas novas nele, novos prazeres e encantos, e

também novas idéias a respeito de você mesmo e do mundo” (ADLER, VAN

DOREN, 1986, p 74-75).

Observamos também que os alunos dramatizaram os textos com

desenvoltura, participando com entusiasmo, cantando, desenhando, criando, para

além das expectativas. No poema “A Boneca” de Olavo Bilac (2001), a tentativa de

aproximar poesia e jogo dramático, nasceu da necessidade de oferecer alternativas

lúdicas, criativas que não se prendam ao meramente formal e informativo. Como

enfatiza Slade: “O jogo dramático infantil é forma de arte por direito próprio: não é

uma atividade inventada por alguém, mas sim o comportamento real dos seres

humanos” (SLADE, 1978, p.37).

Nas oficinas sete e oito, os textos trabalhados, foram: “São Francisco”; “A

foca”; “Leão”; “Carneirinho”; “O elefantinho”; “O pato”; “O peru”; “O gato”;, “Os

marimbondos”; e outros do livro “A Arca de Noé”, de Vinícius de Moraes, (2002), no

qual o CD musicado da obra acima citada, serviu como material de apoio para a

realização de diversas atividades como: dobraduras, jogos e brincadeiras, mímicas,

danças, teatros de fantoches, leituras de contos e textos informativos e pesquisas

relacionadas ao tema “animais”.

Cabe ressaltar que, os alunos trouxeram para sala de aula materiais de apoio:

uma bíblia, para leitura acerca da construção da arca de Noé, (Gênesis, 6-12), e

fotos de animais em extinção. Sugeriram também, uma visita ao zoológico da capital

do Estado, para conheceram animais que não são vistos em nossa região.

A mobilização foi grande, e a viagem tornou-se possível com a colaboração

dos pais e de parte da comunidade na qual a escola está inserida. Durante o

passeio os alunos demonstraram-se interessados, explorando o espaço com atitude

de curiosidade, vivenciando emoções, exercitando a fantasia e a imaginação.

Comparavam os textos lidos, com os animais reais.

Nas oficinas número nove e dez, as crianças tiveram, oportunidade de

perceber, que o poeta muitas vezes, tematiza os anseios infantis, tornando-se

cúmplice entre eles. Foram apresentados os poemas: “O Medo do menino” e

”Quatro Historinhas de Horror”, de Elias José (2001), Palavras de Encantamento.

Deste modo, entre as atividades propostas foram realizadas leitura silenciosa,

percepção de semelhanças e diferenças entre os textos, exposição oral e escrita de

proposições referentes ao tema “medo”, leitura de contos e pesquisa na internet das

diferentes representações artísticas do assunto.

No decorrer das oficinas, já familiarizados com o gênero “poema”, os alunos

ajudaram na promoção de um sarau de poesias, para encerramento do projeto.

Confeccionaram convites e cartazes, para anunciarem o evento. A partir dessa

atividade, pode-se perceber o quanto o horizonte dos alunos já havia sido ampliado.

O entusiasmo com que ensaiaram as apresentações, decoraram o ambiente e

incentivaram a participação por parte dos colegas de outras séries.

O sarau de poesias constitui-se como uma prática social, em que as

pessoas se reúnem para apreciar e declamar poesias, além de interagir com o

público ouvinte. Este oportuniza o incentivo à leitura e mostra que a literatura pode

ser acessível a todos, desmistificando o papel de que o texto literário – poético, é só

para intelectuais, ou para a “elite”:

[...] a leitura que une a imensa confraria de leitores, aquela que é comum e disponível a todos é a leitura literária, pois é na literatura, em suas diferentes formas e nos mais remotos tempos, que a humanidade tem repertoriado, reunido sua própria história. Com a mais rica linguagem que foi capaz de criar, a humanidade tem explicado para todos e para cada um as nossas origens, crenças, mitos, alegrias e sofrimentos (PIACENTINI, 2008, p.18).

O evento/sarau foi considerado como um momento especial. Teve início com

o comentário da direção da escola e de alguns professores sobre a relevância do

projeto em questão para a escola, como incentivo lúdico no processo de ensino e

aprendizagem de leitura, e prosseguiu com as apresentações dos alunos:

declamações, dramatizações e músicas, as quais foram filmadas e posteriormente

apresentadas à comunidade escolar.

Para tanto, todos os momentos de prática literária por meio da poesia,

contribuíram significativamente para o desenvolvimento de uma postura crítica e

reflexiva por parte dos alunos com relação ao ambiente escolar e social em que

estão inseridos.

4 Considerações finais

Este artigo, além de ser fruto de uma indagação surgida na prática docente,

relacionada ao pouco interesse dos alunos à leitura literária, trouxe inúmeros

conhecimentos para o planejamento de atividades lúdicas, capazes de estimular,

envolver e, sobretudo, promover o prazer no ato de ler.

A intenção de trabalhar o gênero “poema” na sala de aula, foi firmemente

pontuar inquietações e investigações que foram desvendadas durante o processo de

estudo.

Acreditamos que a elaboração deste trabalho de pesquisa, a busca pelo

desvendamento do tema abordado, possibilitou a esta pesquisadora, não só para a

formação profissional como também pessoal, um aprofundamento teórico, dando

condições de adquirir uma nova visão dos determinantes que envolvem a realidade

específica, bem como firmar ainda mais o comprometimento com a realidade em

questão.

Considerando a particularidade do gênero “poema”, foi possível observar a

participação, interesse e interação dos alunos no decorrer do processo. Dessa forma

ao término do trabalho, foi possível estabelecer comparações e verificar em que

medida a posição do aluno mudou, ou foi enriquecida durante o percurso.

Nesse sentido, a partir dos dados coletados, e da prática pedagógica

explorada, permitiu-se inferir que o trabalho com a poesia, auxiliou e promoveu o

desenvolvimento cognitivo dos estudantes.

Assim sendo, reconhecemos que a prática de leitura ainda constitui-se como

um desafio no processo ensino aprendizagem, pois se não houver um planejamento

didático que considere as especificidades de cada grupo de alunos, seus interesses,

seu contexto social, esta prática não atingirá o êxito esperado.

Referências

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