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1 Poemas Da madrugada (ensaio sobre a loucura) J.Last

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Page 1: Poemas Da madrugada 02:52 Concertei o relógio da sala Quando muito menino Disse ao meu pai Eu meio franzino Que o velho relógio da sala não funcionava mais. Ele precisava comprar

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Poemas

Da

madrugada

(ensaio sobre a

loucura)

J.Last

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Há metafísica bastante em não pensar em

nada.

O que penso eu do Mundo?

Sei lá o que penso do Mundo!

Se eu adoecesse pensaria nisso.

Alberto Caeiro

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A meus amigos que gostam de

julgar-me louco ou incoerente,

digo-lhes que têm total razão. Me

veio, ainda que por acaso, certa

vontade de escrever algo novo, e

inacabado. Conheço-me e sei bem

dos meus anseios.

Provavelmente não acabo isso

E se acabar

Não o terei por completo.

O autor.

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Ao Mateus

Já que o prometi um novo livro.

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Sobre o livro

Veja bem, é mais uma madrugada e

eu ando sem sono. Achei que

beber adiantaria, mas não estou

com vontade.

Pensei em continuar a virar-me

de um lado para o outro mas não

posso mais evitar. Todo o livro

será escrito em uma noite.

Algumas horas de insônia por

favor.

Aliás

Quero avisar-lhes que todo erro

meu não será corrigido.

Quero que minhas falhas se

espalhem por linhas

Quero algo cru, tal qual sempre

fui

Afinal se está aí

Aí deve ficar.

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29/03/2017 – 02:40

Sensato

Eu?

Sou ser quase petulante.

Gosto de incomodar com as letras

que escorrem em papel

Verá muitas

Bom

Pra começar

A cada hora que passa

Mais tenho vontade de sumir

De sonhar

De querer o que o mundo não

quer

Me dar

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E tudo isso aliado

A uma falta de sentido e rumo.

Veja não há problema em um

poeta não saber qual será o seu

fim

Pois se for o fim

Que seja

Que morra o desgraçado

Ainda que morra sozinho.

Se nasci

Sou sortudo

Se morri

Também

Que tenha eu a chance de morrer

um dia

Pois sei que fins não são mais

do que fins.

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Não tenho medo dos fins

Não estremeço esperando o meu

tumulo

Nem me importo se terei ou não

um tumulo

Veja bem

Eu não estremeço se esvair-me um

dia

Nem me importo

Quando esse dia virá.

Se há começos

E há fins

Sou meio.

E meio é o que vale pra mim.

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02:50

Falando em fins eu tenho de

contar que a última vez que

terminei algo de verdade

Foi a

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02:52

Concertei o relógio da sala

Quando muito menino

Disse ao meu pai

Eu meio franzino

Que o velho relógio da sala não

funcionava mais.

Ele precisava comprar um novo.

Ele

Abismou-se

Disse-me:

– Meu filho não diga asneiras,

teu pai acorda todo o dia às

cinco da manhã pra trabalhar, e

já o tenho a dez anos, meu filho,

e o relógio toca. Como pode?

O relógio não emitia som algum.

Era só um velho relógio.

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Entendi então que o relógio

funcionava bem

Quem não funcionava

Era meu pai.

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02:58

Acalme-se amigo

Está tudo bem.

São três horas da manhã

(Ainda

Não são)

Mas poderia muito bem ser outra

hora

Outro dia

Outra qualquer.

Amores vem e vão

E tudo é tão romantizado

Tão lírico

Tão piegas

Que já passou da hora de você

entender

Têm mais

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Ainda mais

Se vier de você.

Amigo ou amiga

Ainda não sei

Amor não tem gênero

Se tivesse

Seria amor e amora

Pois não tem

E olha

Eu quase esqueci de dizer

Se morrer hoje

E amanhã for amar

Será necrófila a mãe ou o pai de

seus filhos?

Acho que não

É tudo tão fácil

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Quando acaba

Mas se acaba

É fim.

E fim

É tão sem graça.

Fim é tão sem graça

Que é de graça.

E se é de graça

Qualquer um pode ter.

Viu

Então acalme-se.

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03:05

Conheci uma senhora

Um dia

Ela vinha caminhando com seus

sapatos altos

Sua enorme bunda

Volumosas coxas

Disse-me

Olha rapaz

Se eu tivesse voltado há anos

Teria dado mais.

Hoje em dia tudo pode

E eu

Só posso fazer o genérico

Atacar os de hoje

Mas sonhando

Ah se eu pudesse voltar

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Eu dava mais

Com certeza eu dava mais.

Curiosamente eu gostava do jeito

dela caminhar.

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03:08

Sol

Eu poderia odiá-lo

Pois há beleza em outras coisas.

Esses que dizem

Dias cinzas são tediosos

Não sabem o tédio

Que tenho

Ao ouvi-los dizer isso.

Gosto de dias cinzas

Eles me fazem pensar que a vida

É a vida

Pura e simplesmente assim.

Você pode odiar o sol

Mas não pode viver sem ele

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Igualmente

Sem os dias de chuva

Nada iria nascer.

É isso.

Gosto dos dias cinzas

Porque eles vêm

Cercado de certeza.

Virão sempre

Quando precisam vir.

Eu

Com toda minha incoerência

Vivo a tentar fugir.

É melhor assim.

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03:13

As moscas

você já viu as moscas

voando?

Estão quase sempre em bandos

Mas mesmo as sozinhas

Sempre buscam um espécie de

certeza.

Um erro

E elas perdem a vida.

Um simples equívoco

E elas deixam de existir.

Eu vivo cercado de moscas

Por todos os lados

Aqui mesmo

Há muitas moscas

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Querem que você se organize

Mas querem te desorganizar.

Falam em momento certo

Mas nem sabem sobre certeza

Fazem-nos odiar

Lutar

Até o amor

Eles querem nos tirar.

Imagine

Eu poeta

Sem amor

Viveria por aí buscando

Lixo

Como uma mosca

Voando em cima dos outros

Tentando o momento certo

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Para não ir parar debaixo de

uma sola de sapato

Ou uma palma qualquer.

Muitas moscas voam e zumbem

Muitas delas aprenderam a falar

Escolheram lados

E matam-se

Por certo

Extinguiram-se por completo se

tivessem a chance

e eu

sou poeta.

Quem sabe o que isso significa?

Eu não.

Eu nem consigo matar uma mosca.

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03:21

Já fazia bastante tempo

Que eu não me sentia assim

Agora que faz

Já não sei se sinto.

Vinguei a minha tola alma

Procurando sentido em coisas

simples

Como beber

Fumar

Fingir que gosto das pessoas

É tudo fingimento.

Na verdade

Talvez eu sinta

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Mais do que o de costume

E as pessoas fingem bem.

Dão respostas criativas a

perguntas difíceis

Quando a vida

Não exige resposta.

Você pode até responder as

perguntas

Mas provavelmente

Perderá a sua vida para isso

E talvez

Tivesse sido mais fácil

Apenas viver.

Que se dane de onde viemos

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Pois se viemos

Estamos aqui.

Que se explodam deuses

Religiões

Não há nada certo

(E tudo que for assim pensado

Será mera mitologia um dia

Tudo é mitológico

Eu sou ser mitológico

Vou virar cinzas

E talvez minha existência

Nem seja lembrada).

E se vamos nós

A algum lugar

Que seja.

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Mas se for

Vai ser depois

Não agora

Não hoje.

Hoje

Eu só quero

Não fazer sentido algum.

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03:32

Querem

Criar robôs por aí

Desses mais modernos

Cercados de outros

Que imploram suas misericórdias

E clamam

Por sua atenção.

Ligue a sua televisão

Olhe bem pra ela

É a mesma.

Ela pode mudar de canal

Mas é a mesma.

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Somos feitos de carne

Mas não somos consumidores

De nós mesmos

Porque alguém nos disse

Para não engolir o humano.

Mas o ser

Já não é mais questão.

Robôs modernos

Quero um

Para ir até a minha televisão

E trocar o canal quando estiver

com preguiça.

Mas para isso

Já existe o controle.

Acho que nós perdemos o controle

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Afinal de contas

Não vemos nós que ela não muda

Ela continua sempre a mesma.

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03:37

Sobre a minha morte

Penso que ninguém pensa

E se pensa

Finge que não.

Afinal de contas

Em meu velório

Quantas pessoas irão?

Aliás

O que vestirão.

De certo preto

Que por sinal

Gosto muito.

Mas quero

Que bebam vinho

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Vinho que hoje

Não bebo mais

E quero que leiam meus poemas

Não para relembrar

Mas porque gostam

Ah

E se não gostam

Peço que leiam outra coisa

Ou não leiam

Que bebam até vomitar!

(Podem vomitar no tumulo prometo

que não reclamo

Até porque defunto não sabe

desaprovar

Ou

Não conhece muito bom

vocabulário.)

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e quero muitos que se conheçam

ali

e ali

Comessem alguma coisa.

Nunca gostei de fins

E começos são meramente

necessários

Quero que sejam o que eu fui

Quero muito

Que façam

E depois

Vão embora.

Deixem-me sonhar sozinho

A sete palmos da terra.

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Aos que questionam os horários

talvez eu não consiga lembrar

bem o porque mas adormeci

Ainda não comi nada

Levantei-me e volto a escrever.

A noite ainda não acabou

Não para mim.

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15:19

Orgulho

Imagino o quão orgulhoso

Alguém pode ser

Por ser normal

Criam-se datas

Hasteiam-se bandeiras em

mastros

Orgulho de ser normal!

Mas veja

Você é o comum

Normal

É ser o que quiser

E se não quiser ser

Melhor ainda.

Vagamos em meio aos absurdos

Você diz

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Eu tenho orgulho!

Orgulho de que?

De ser aceito desde que nasceu?

Admirável o homem que nasce e

não quer ser homem

Ou a mulher que um dia

Decide sumir

E reaparecer como outro alguém

Nenhum ódio será capaz de calar

o amor

Quando ele for infinito

Verdadeiro.

E se for

Tudo bem seja

Mas não seja sendo orgulhoso

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Pois orgulho vem acompanhado do

ódio de alguém

E se nunca foi odiado

Não sabe como é.

É como estar perdido

Às vezes

Tem gente que não suporta

E deixa de existir

Quando deveria ter orgulho.

Mundo triste

Deveríamos ser menos

Apenas

Ser menos.

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20:20

Ironicamente

Volto eu a frente disso

Para dizer que as horas são

iguais.

Eu sou o mesmo

E o mundo lá fora

Continua a girar

Mas é o mesmo.

Ainda que muitos morram

Ele continuará a girar

Ainda que eu morra

Ele continuará

E continua

Então o que é mais relevante?

Eu?

Você?

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A menina que está sozinha

Sendo abusada pelo pai?

A tristeza que existe nas ruas?

O medo de quem se esconde nas

casas?

Tudo é tão relevante

E discutido

E muitos querem liderar

Querem mudar

E falam em mudanças

Mas lá fora continua noite

E a esfera cheia de almas

Continua a girar no espaço

Continua

Por mais que se acaba

Continua.

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20:13

Significados

Vivemos uma vida

Atrás de significados.

Até das poesias

Querem significados

Fazem tanto para encontrar o

poeta e pedir

Qual o significado?

Eu digo sempre

Se não sabes agora

Então

Não tem.

Quando souber

Terá.

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Nunca redigi uma linha sequer

para mim.

Se existe

Então é sua

Então é seu

Então

Eu que pergunto

Qual o significado?

E se não tiver

Bom

Então pouco importa.

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20:17

Os poetas

Gostam de falar sobre a morte

Não do jeito

Que os outros falam

Esses

Falam com medo

Falam como se quisessem espantá-

la

Nós

Somos apreciadores da morte

Afinal

A morte

Virá a todos

E nós

Não merecemos qualquer tipo de

preferência.

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Que venha

Se vier

Traga consigo a certeza

Que fiz o que deveria fazer.

Estava eu onde deveria estar

E amei

O quanto poderia amar.

Se não fui correspondido

Pois que seja

Deve-se apreciar a tristeza

De um amor escondido.

Se houve alguma coisa

Que eu deveria ter feito

Então

Eu vivi errado

Pois se não fiz

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Não importa

Vivem os poetas

Das linhas tortas

Mas que sempre estarão ali.

Adeus

Que digam a mim um adeus breve

Tranquilo

Sem muito pesar

Afinal de contas

Se me amou uma vida inteira

Foi tempo suficiente

Se não for

Azar

Nada mais pode ser feito.

Que viva sempre o sujeito

Da forma que mais lhe agradar.

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Onde pensar

Deve estar

Onde gostar

Deve ficar

E se quiser mudar de rumo

Presta-se a caminhar

Mas não pare

Não antes de chegar o fim.

E quando chegar

Aceite.

Todo mundo morre

E os poetas

Não querem ser especiais.

A imortalidade de um escritor se

dá nas linhas que ele deixou

para trás.

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20:27

Ainda sobre a morte

Quero que quando morra

Todos venham me visitar

Todas as lembranças

Dos amores de escola

De todo o medo

Da vergonha

Do primeiro beijo

Da primeira vez que o peito

bateu forte por alguém.

Junto com os amores de escola

Virão meus animais de estimação.

Meu porco

Virá de certo grunhindo

Afobado

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Deitará de barriga para cima

E eu

Terei de cocá-lo

Majestosamente para que ele se

sinta satisfeito.

Depois

Virão os outros

Já na adolescência

Trazendo as mesmas bebidas

baratas

Escondidas

Dizendo-me:

Veja, temos trago! Não há mais

tristeza.

E não há tristeza alguma

Pois estão todos ali

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Todos

Um pouco depois

Vem os da faze adulta

Os escritores

Pedirão que eu os ajude

A escrever

Que eu contribua

Que eu me junte a eles em uma

noite boemia

E eu direi sim

Sim

Sim

Eu amo a noite

Eu amo o sexo

Eu amo o cheiro das flores

E sim

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Virá também a flor

As várias flores

Virão a mim

E eu poderei cheirá-las

Todas elas

Depois

Virão meus filhos

Netos

Ou quem sabe

Eu não tenha tempo para isso ...

Então

Deixo-os

E me despeço

Peço para que voltem pois a eles

Terá um fim esperando também

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E será lindo

Será tão lindo

Poder morrer um dia.

Espero estar vivo até lá

Pois morrer

Nunca teve a ver

Com perder a vida.

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20:37

Sonhei com você essa noite

No sonho

Sua voz soava como um açoite

E minha pele

Marcada em carne viva

Exposta

Todas as feridas

Que um dia você me deixou.

Estremeci

Ao ver teus olhos de carmim

e via

saltando sangue e cordas

e sapos

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baratas e ratos

saíam todos de mim

e tudo aquilo me sufocava

em minha frente você estava

e me perguntava

coisas sem sentido:

quanto tempo você vai demorar?

Ou até:

Por que não percebeu que eu

estava fingindo?

E depois você caminhava

E eu por mais que tentasse

Nunca te alcançava.

Então você dobrou uma rua

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E meu peito

Voltou a se fechar

Você sorrindo disse-me:

É aqui que eu vou ficar.

Então entrou em um lugar

Não era uma casa

Mas se fosse

Não saberia identificar

Era um desejo

Louco

E o que eu vejo

A porta permanecia aberta

Para mim entrar.

Então tive de acordar.

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E quando acordei senti toda

A dor que sentia

Enquanto estava a sonhar.

Coitados

Nós somos pobres coitados

Eu e os demais que por aí

Escrevem ou cantam

Ou falam de amor.

Se querem dormir não dormem

E quando conseguem

Sonham

E quando acordam

Tudo acabou.

Mas desde o início

Tudo acabou.

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20:47

As cidades estão cheias

Mas ficam mais vazias

A cada novo dia.

Reparei

Que a fome faz a barriga

Roncar

A sede

Nos faz ficar fracos

O cansaço

Nos deixa bambos

E a necessidade

Faz um homem enlouquecer.

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Quem nessas ruas

Tão grande

Que cruzam de um lado ao outro

Dessa imensa cidade

É capaz de sentir empatia

Por alguém que vagueia

A procura de emprego.

Mesmo que você possa ajudar

Você não vai

Estamos divididos

Esperamos que o indivíduo

resolva matar para podermos

julga-lo

Só pra poder condená-lo a morte.

E é imensa

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A cidade sem cor

Sem alma.

É enorme

É gigantesca

A falta de sentimento

A falta de amor.

Já não existe amor entre as

pessoas

Existe interesse

Até o que falam que é amor

É interesse.

A cidade é tão grande

Mas nós nos apequenamos.

E quem diria

Quantos amanhã vão enlouquecer

Não por necessidade

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Não

A loucura é a necessidade

Nessa cidade.

Ou você enlouquece ou morre.

Ou então

Você vira mais um

Nessa imensa cidade

Sem alma alguma.

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08:57

pouco

A barriga ronca

Ele olha para a sua melhor

amiga

Roubam umas laranjas na estrada

Ela sorri

E ele corresponde.

Se ele chorar ela chora

E ele não quer vê-la chorar.

Foi o acaso que uniu os dois

E ele

É capaz de tantas outras coisas.

Mas os sonhos são gigantes

E não há fome

Ou dor

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Ou cansaço

Que irá parar qualquer um deles.

Mas se pudessem

Desistiam ali mesmo.

Quem ensinou o homem a lutar

contra o próprio homem

Foi Deus?

Foi o homem?

Eu vivo sem acreditar no divino

Mas acredito no homem

Se não fosse por isso

Não continuaria o menino a

sorrir

Para que a menina não chore.

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Estão em pedaços

Estão lutando a tanto tempo

Nessa guerra chamada vida

Que já se esqueceram de como é

Ser feliz.

É bem mais fácil acabar tudo

agora

Mas nem eles irão fazer

Nem eu.

Afinal

Sou eu quem crio as palavras

E por elas

Eu me derramo.

Quem ensinou as pessoas aterem

esperança?

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Foram os deuses

Ou foram os homens?

Acho que nenhum dos dois.

Acho que ainda não ensinaram.

A esperança é uma descoberta.

É uma forma de remédio

Para que você não enlouqueça

E tente matar outros homens.

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21:05

Viagem

Adoro viajar na chuva

E ver os pingos de chuva

Caírem e se derramarem em uma

janela

De um ônibus qualquer.

Lá fora

As imagens são distorcidas

E os homens

São monstros

E os carros

São irrelevantes

Suas marcas

Modelos

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E cores

Pois são chuva

Pois são agua escorrendo no

vidro.

Eu ponho minha cabeça encostada

E sinto ela bater

Ouço o barulho

E logo quero abri-la

Mas temo molhar-me.

Temo

Ainda que a ame

Eu prefiro que ela fique lá fora.

Acho que já vi tantos assim

Amando

Mas mantendo-se distante

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Distante da possibiidade

De mar verdadeiramente.

De aproveitar verdadeiramente

De se molhar

Pois já estão

Com frio

E o frio

Veio de outras chuvas

E o medo

Veio de gente

Que não se importou.

Desse eu tenho pena.

Ainda que não abra minha janela

Quando finamente chegar

Vão notar

Que não trouxe nenhum guarda-

chuva.

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21:12

Eles pedem

Pra você sorrir

Pra você fingir

Pedem pra você sair

E também

Para você ficar.

Eles dizem quando você tem que

andar

Ou até

Parar.

Eles mandam quando você paga

E quando ganha

O quanto ganha

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E quem irá te pagar.

Eles te obrigam a vestir gravata

Ternos

E até o martelo

Que você vai usar.

Eles te obrigam

A usar saia

Sapato

E quando veem um buraco

Podem até

Te obrigar a pular

Sua casa não é sua

Seu carro não é seu

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Suas coisas

Não são suas

Sua vida não lhe pertence mais ...

Mas

Ainda assim

Você passa por alguém

Sem emprego

Sem dinheiro

Sem casa

Sem carro

Sem dignidade

E vira o rosto.

Sua vida não é mais sua

Então respeite

Quem decidiu viver.

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21:19

Coisas

E outras coisas

Se a maçã não tivesse caído

Na cabeça de alguém

Voaríamos nós pelo céu

Até as nuvens

De algodão doce.

Se um idiota

Não tivesse levado um choque

Com uma pipa

Estaríamos nós

Todos reunidos

Em volta de uma mesa

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A luz de velas

Conversando

E nos importando.

Se você não precisasse comprar

tanto

Sentaria do lado de alguém

Que nada tem

E o ouviria atentamente.

É assim

A culpa das coisas

São outras coisas.

Somos perfeitos em culpar

alguém

Eu mesmo

Vou culpar o cansaço agora

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Por ter de dar um fim

Quando queria

Continuar

Até amanhã de manhã.

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21:32

Eu queria

Querer poder ajudar as pessoas

Mas sou incapaz

De me ajudar

Quem dirá fazer qualquer coisa

Para ter um sorriso de alguém.

E o meu sorriso?

Importa?

O poeta

É dono de linhas tristes

Deveria fazê-las felizes

Deveria saber mentira

Mas não pode

Mentira não é poesia

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É ficção.

Poesia é a verdade

Seja ela como for

E eu

Sou incapaz de roubar sorrisos

Escrevendo

Mas talvez bebendo

Eu consiga.

Então

Que você tenha a sorte

De me conhecer

Quando não estiver com um monte

de folhas por aí

Pois se assim for

Talvez você venha a chorar.

Mas se isso te fizer sorrir

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Então bem

Muito prazer!

Sou poeta

O rei dos fracassados.

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14:38

Sobre o rei dos fracassados

Hoje decidi caminhar

E tropecei

Decidi que iria até a rua

Ver os lindos raios de sol

Choveu

Mas choveu muito.

Finalmente quis eu

Mas o mundo não quis

E sempre foi assim

Ora eu tinha

E me tiravam

Ora eu queria

E não me davam

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Então

Decidi que me tornaria bom

Em ser ruim

E isso

Me torna o mais eficaz

Dos ineficazes.

Destino cruel e sorrateiro o meu

Quando amei

Não me amaram

Quando amaram

Algo atravancou-me

Assim

Sou um fracasso

Nessa coisa de viver.

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De certo

Quando morrer

Espero pelo menos isso

Ter a chance de fazer certo.

Ou será que quando finalmente

bater eu as minhas sujas e

surradas botas

A morte virá e dirá

Parabéns!

Você foi selecionado

Entre os sortudos que não têm o

direito de descansar.

Daí perco eu a compostura

E grito alto

Sou o rei

Rei dos fracassados!

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14:52

A vida é dura

Para as boas pessoas.

O insuportável

O lastimável

O exagerado

O inaceitável

O mais inacreditável

Torna-se real.

É tudo real.

Você sangra

Para saber que está vivo

E as pessoas te veem sangrar

E sorriem

Como uma mãe sorri para um bebê.

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E se a criança sangrar

Eles sorriem também.

Afinal de contas

Não somos nós todos crianças?

O homem sentado na calçada sem

ter o que comer

É uma criança.

A garota com suas marcas

Abandonada pelos pais

É criança

O menino

Que gosta de outros meninos

É criança

Merda

Eu sou uma criança!

Somos todos crianças!

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Todos bebês

Todos precisamos de amor

Droga!

Precisamos amar mais

Precisamos andar por aí

Abraçando quem precisa ser

abraçado

Dando uma chance

A quem não teve nada

Estendendo a mão

A quem negaram qualquer membro

Precisamos ser mais

Precisamos ser

Precisamos ...

Mas é engraçado pra você

Eu te faço rir

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15:13

Entre o céu e o inferno

Vivemos todos.

Entre o amendoim

E a noz

Entre eles

E nós

Entre esquerdas

E direitas

Entre ex-quedas

E direitos

Entre tantos

E tão poucos

Entre puritanos

E os considerados loucos

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E os que são loucos

Vivemos nós preenchendo metades

Morrendo na flor da idade

Colhendo flores até tarde

E vendo enterros de verdades.

Somos poucos

Quando muitos

Somos muitos

Aos poucos

Somos libertadores de ideias

E aprisionadores de mentes

Somos sufocadores de gritos

E protestadores calados.

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Somos santos

E pecadores

Somos independentes

Ou dependentes de amores.

Somos tudo

Tantos

E ao mesmo tempo

Somos nada.

O ser é tão pequeno diante do

mundo

Mas nossos egos são gigantescos.

O que temos de melhor esquecemos

E o que mostramos

Pode ser comprado.

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Que seja

Tantos por aí são de outros há

tanto tempo

Apenas defina seu preço.

Alguém estará disposto a

comprar.

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15:49

Poema rápido

Quem deixar sua mente livre

Vagando por aí

Corre o risco de tê-la capturada

por alguém

E acredite

Mentes aprisionadas valem

milhões.

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15:52

Outras perguntas

Ando me perguntando

Será que alguém dá ouvidos a

mim?

Nós poetas

Parecemos arrogantes.

Escrevemos para quem não nos

conhece

E esperamos ser entendidos.

Mas e se simplesmente

Nos ignorarem?

Todavia

Nenhum poeta

Ainda que não conheça muitos

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Não teme ser ignorado.

O maior medo do poeta

É ser mal interpretado

Pois que deixem-nos pelos cantos

Com nossas linhas tortas

Mas jamais diga o que não saiu

de mim.

De um sujeito desses

Tudo que sai deve sair

E o que fica guardado

Continuará lá

Esperando sua vez

Rasgando-lhe peito a dentro

Até ter sua chance de sair.

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16:09

Vozes

Ouço uns cochichos aqui e ali

Dizem que o homem está louco.

Das coisas que ele diz

Fazem pouco

E riem do pobre coitado

Chamam-no de debilitado

E aos gritos:

Ele está louco!

Vai o tumulto apressado.

Passam pelo o que ele diz

Sem prestar muita atenção.

Ele pede

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Não darão

Ele implora

Nem se importa a multidão.

Seguem a passos largos

Muitos cargos

A manter

Seguem todos tão apressados

Não se calam

Vão dizer

É louco!

É louco!

É pouco.

Coitado do pobre indivíduo.

Se os que correm

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Tivessem lhe dado ouvido

Não cairiam logo à frente

No gigantesco precipício.

Pobres homens

Tão pobres.

Que não ouvem

Nem quem quer lhes ajudar.

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01:50

Raiva

Quem consegue controlar minha

fúria

Nesses tempos sem amor.

Não é que não haja amor no

mundo

Não

Isso seria o fim

E não é o fim

Digo-lhes sobre mim

Não há amor dentro do peito.

Do meu peito.

E a isso

Culpo a vida

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Culpo o tempo

O cansaço.

Caminhei quilômetros e mais

quilômetros de peito aberto

Veias pulsantes

Sangue e carne a mostra e disse:

Toma!

Em seguida entreguei o baú de

nervuras

A quem não se importou.

Então

Após tal maratona

Desisti.

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Nem sei se desisti.

Acho que só

Cansei.

É isso

Aposentei todas as coisas

Que me faziam feliz.

Agora sou trapo

Resto

Sobrou-me algo e foi o cansaço.

Acho que o que se sobra

Depois de tanto dar

É o cansaço.

E isso é inevitável.

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Se escreve é porque fracassou.

Se fracassou

Sobrou o cansaço

E algum resto

Para poder seguir fazendo

linhas

Rimas

Ou algo sem nexo.

É perigoso demais fazer isso

Então já aviso de antemão

Aos que querem se aventurar

Na poesia

Não há vitoriosos.

Somente os que desistiram

E o cansaço

Isso há de sobra.

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02:04

Tempo

O tempo

Na poesia

É relativo.

Diria até facultativo.

Não se trata de heresia

É que nas linhas

Há fantasia

Que nas verdades

É demasia

Ou nas mentiras

Se escondia.

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Nunca verás

Filho da poesia

Vagando com muitas certezas

Ganha de cortesia

Absurda frenesia

Seguida de muita tristeza.

Mas nunca é absoluto.

De beirar o absurdo

O que o poeta faz.

Cria-se e logo jaz

Sentado em algum canto

Fumando e lembrando o tanto

Que já fora feliz.

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E o tempo

Esparramou-se

E espalhou-se

Em algum momento.

É

Portanto

Algo que nem mesmo os tantos

Conseguirão prever.

Por isso

A poesia é movida disso.

Hoje escreve

Mas não é hoje.

Amanhã se escreve

Mas nem pode lembrar.

Assim

Vive-se ao se suicidar

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E os valores

Das palavras e seus amores

Perdem-se de seus criadores

Até alguém que vai acreditar.

Real ou imaginário?

Ninguém vai delimitar.

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Pós livro.

Caro leitor

Se chegas-te até aqui

És vencedor.

Eu

Que não vou dizer

É o fim

Mas é

Mesmo sendo

Talvez não seja ...

Isso está muito confuso

Então vou resumir

É o fim

Por enquanto

Mas quem me garante que minha

insônia

Não me tomará outras vez?

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Bem provável que sim

Daí

Eu trago algo a mais.

Alguma coisa

Que me consumirá por horas

Mas que não passará disso.

O fim deve ser assim

Melhor terminar sem fim

Melhor acabar sem um termino.

É isso

Fim é meramente fim

Infelizmente

Nunca é só isso pra mim.

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Biografia

Adriel Marques é um escritor brasileiro

de 23 anos, natural de Lajeado, no estado

do Rio Grande do Sul. Começou a escrever

ainda nos tempos de escola, e alguns anos

mais tarde, resolveu criar um heterônimo

chamado J.Last. Diferente de um

pseudônimo, J.Last tem vida e morte bem

definidas, e difere muito da forma

original na qual Marques costumava a

escrever.

Este mesmo livro foi escrito em apenas

quatro horas.

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