PODERES ADMINISTRATIVOS

Guilherme Fonseca Tadini

Procurador Municipal

No período absolutista o poder de legislar, administrar a coisa pública e decidir os conflitos se concentrava nas mãos dos reis.

Com a Revolução Francesa se disseminou a idéia da repartição de atribuições estatais entre 3 Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (repartição dos Poderes).

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. É o conjunto de órgãos e pessoas voltados à concretização do interesse público.

Por vezes se confunde com o Governo. Este é composto pelos agentes públicos dotados de competência dada pela Constituição para definir os rumos do Estado (União, Estados e Municípios). Definem os objetivos imediatos a serem perseguidos pela Administração (opções políticas ou atividades co-legislativas e de direção). A Administração adota esses objetivos e realiza as atividades necessárias para que se tornem concretos. Ex.: O Governo decide que a construção de creches é prioridade. A Administração direciona todos os órgãos para a realização das desapropriações e licitações necessárias para a construção dessas creches.

A Administração Pública trabalha sobre 2 pilares:

SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR e INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO PELA ADMINISTRAÇÃO.(CABM)

INTERESSE PÚBLICO. É o "resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem." (CABM).

Do conceito tiramos dois aspectos:

1) todos podem defender esses interesses e exigir seu

cumprimento (pois todos sofrerão as consequências do exercício errado ou da omissão), e

2) nem sempre o interesse do Estado reflete o interesse público. Ex.: realizar uma desapropriação pagando preço inferior ao correto parece o melhor para o Estado, mas não satisfaz o interesse público previsto na Constituição de pagar a prévia e justa indenização.

A supremacia do interesse público se apresenta em diversas formas, tais como: maiores prazos para defesa judicial, possibilidade de rescisão unilateral dos contratos e anulação de atos e impor, também de forma unilateral, obrigações aos particulares. Além dessas prerrogativas, impõe também restrições e sujeições especiais aos administradores, tais como: exigência de licitação, de tratamento equânime entre os administrados e agir somente para consecução do interesse público, usar os meios mais adequados ou previstos em lei para obtenção dos fins e motivar seus atos.

A indisponibilidade do interesse público significa que "os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador." (CABM) Como o administrador não é proprietário dos bens e dos interesses tem o dever perseguir o interesse público e utilizar os bens da melhor forma para conseguir esse objetivo. Daí a necessidade de realizar licitações e concursos públicos, bem como lei para alienação de bens imóveis. Aqui também está o fundamento para a publicidade e, em última instância, a atual Lei de Transparência ou Lei de Acesso.

PODERES DA ADMINISTRAÇÃO: São prerrogativas concedidas à Administração para que ela possa sobrepor-se à vontade individual.

Como o interesse público é irrenunciável (indisponível) não se trata de mera faculdade da Administração o exercício desses poderes, mas verdadeiro dever. Daí os autores falarem de "poderes-deveres". Esses poderes, como demais todos os atos da Administração, tem fundamento e limites na lei.

PODER NORMATIVO (ou REGULAMENTAR). Faculdade de que dispõe a Administração para, de forma geral, explicar a lei para sua correta execução (regulamentos) ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. Ex.: Agências Reguladoras.

São atos de caráter geral (não específico) o que os distingue dos atos administrativos comuns (decisões, aplicação da lei ao caso concreto). Por isso nem todo ato do Poder Executivo é exercício do Poder Normativo.

Regulamentos. Sendo ato inferior à lei, não a pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições. Caso contrário serão ilegais e poderão ser declarados nulos. Ex.: Lei 11.603/03 e Decreto 14.446/03.

O Decreto é ato privativo do Chefe do Executivo. As Ordens de Serviço e Resoluções também são espécies de atos normativos.

Omissão na criação de leis - Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI, CF).RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO.

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SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. A ausência de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer lesão aos demais princípios constitucionais nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37).

VINCULAÇÃO E DISCRICIONARIEDADE

DISCRICIONARIEDADE. "A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal." (CABM)

"A diferença nuclear entre ambos residiria em que nos primeiros a Administração não dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já regulou antecipadamente em todos os aspectos o comportamento a ser adotado, enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao administrador certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa realizar." (CABM)

Ato vinculado. Ex.: aposentadoria (compulsória ou por idade), licença de funcionamento

Ato discricionário. Ex.: autorização para uso de bem público, aplicação de pena disciplinar ou substituição por multa.

Critérios a serem observados na atuação discricionária: 1) Legalidade. O exercício dessas prerrogativas e as limitações a atividade

administrativa estão previstas na lei. A lei aqui deve ser entendida como todas as formas normativas, ou seja, Constituições (Federal e Estadual), Lei Orgânicas, Leis Federais e Municipais, Decretos, Ordens de Serviço, Resoluções, Portarias e etc.

A lei serve para orientar qual o interesse público a ser exercido ou protegido e de que forma isso ocorrerá.

No entanto, as normas, por maior quantidade que existam, não conseguem abranger todas as situações do mundo real. Por isso em inúmeras ocasiões caberá (e deverá) ao administrador apreciar discricionariamente essas situações a fim de exarar a melhor atuação visando a satisfação da finalidade pública.

2) Finalidade. Toda lei é criada para atender um determinado fim (princípio da finalidade). Assim, para se aplicar uma lei corretamente deve-se entender qual o seu objetivo. Ex.: no caso da lei de licitações, a finalidade é obter a melhor compra pelo melhor preço para a Administração.

3) Razoabilidade/Proporcionalidade. É um limitador "à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida." (Diogo Figueiredo).

Ex.: fiscal de receita que verificando um recolhimento menor do que o devido, coloca uma faixa escrita devedor na frente do estabelecimento comercial.

Ex2.: O Estatuto do Servidor prevê diversas penalidades, mas nem todas fixa as condutas que geram essas penalidades. O agente que aplica a penalidade, sem qualquer justificativa, aplica a pena de suspensão no grau máximo, a uma falta leve e infrator primário (quebra a proporcionalidade).

Ex.3: DIREITO ADMINISTRATIVO. PODER DISCRICIONÁRIO. ESCOLHA DE ASSESSORES DE PRESIDENTE DE TRIBUNAL. DIÁRIAS E DESPESAS DE VIAGENS. Os Presidentes de Tribunais, por exercerem relevante função na estrutura administrativa do Poder Judiciário, dentro da margem de discricionariedade que lhes é conferida, têm o poder de decisão sobre a conveniência e oportunidade na escolha de servidores para desempenharem funções extraordinárias relacionadas com o interesse da administração. Segurança concedida.

Ex. 4: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECIFICO DE RECORRIBILIDADE. A parte sequiosa de ver o recurso extraordinário admitido e conhecido deve atentar não só para a observância aos pressupostos gerais de recorribilidade como também para um dos especificos do permissivo constitucional. Longe fica de vulnerar o artigo 6., parágrafo único, da Constituição de 1969 acórdão em que afastado ato administrativo praticado com abuso de poder, no que revelou remoção de funcionário sem a indicação dos motivos que estariam a respaldá-la. Na dicção sempre oportuna de Celso Antonio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível.

ABUSO DE PODER. "Vício do ato administrativo que ocorre quando o agente público exorbita de suas atribuições ou pratica o ato com finalidade diversa da que decorre implícita ou explicitamente da lei" (MSDP). Se divide em:

DESVIO DE PODER (ou de finalidade) e EXCESSO DE PODER.

EXCESSO DE PODER. "O excesso de poder ocorre quando o agente público excede os limites de sua competência." (MSDP)

Ex.: De acordo com o estatuto do servidor somente o Prefeito pode aplicar a pena de demissão, portanto, um procurador municipal que aplique essa pena estará agindo em excesso de poder.

Ex2.: “Licença para localização e funcionamento - Cassação - Inexistência de procedimento regular e oportunidade de defesa prévia - Inadmissibilidade - Segurança concedida - Decisão confirmada - Aplicação do artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República. Não se admite cassação de licença para localização e funcionamento de estabelecimento comercial, sem procedimento regular e a oportunidade de defesa prévia e ampla.” (TJSP)

DESVIO DE PODER. "Ocorre desvio de poder quando o agente se serve de um ato para satisfazer finalidade alheia à natureza do ato utilizado" (CABM).

"O desvio de finalidade, ou de poder, verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal." (HLM)

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Portanto, manifesta-se de 2 maneiras: 1) quando o agente busca uma finalidade alheia ao interesse público. Usa os poderes para prejudicar um inimigo ou para beneficiar a si próprio ou a um amigo.

Ex. APELAÇÃO. Ação declaratória cumulada com indenização por danos morais. Servidor público cedido pelo Estado de São Paulo ao Município de Taiaçu. Dispensa do servidor pelo Prefeito Municipal mediante edição de portaria com motivação no acúmulo de cargo público com cargo privado, sem compatibilidade de horário. Fato não apurado pelo devido procedimento administrativo. Inamovibilidade do servidor pelo exercício de mandato de vereador no Município. Prova testemunhal produzida pelo autor a evidenciar alegada perseguição política como razão verdadeira da dispensa. Direito do servidor de permanecer no exercício do cargo público junto ao Município caracterizado. Danos morais não configurados. Sentença de parcial procedência mantida. Recursos não providos.

Ex2.: reconhecimento, pela Câmara Municipal, de vínculo empregatício para agente que prestou serviços como autônomo.

2) quando o agente busca uma finalidade - ainda que de interesse público - alheia à "categoria" do ato que utilizou.

Ex.: Mandado de Segurança - Veículo apreendido Liberação sem o pagamento de taxas, encargos e multas Tais verbas devem ser cobradas pela Administração através dos meios apropriados, e não exigidas mediante a retenção do veículo Caráter confiscatório Recursos não providos.

O desvio de poder também poderá ocorrer na produção de leis:

Ex.: "Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º , LIV, da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só no aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos e conteúdo arbitrário ou razoável

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A essência do 'substantive due process of law' reside na necessidade de proteger os direito e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva que como no caso, destituídas do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que esse dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e impensável, gerando, com o seu comprometimento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal" (STF)

Ex2.: Recurso Extraordinário. Municípios. Câmara de Vereadores. Composição. Autonomia municipal. Limites constitucionais. Número de vereadores proporcional à população. Cf, artigo 29, iv. Aplicação de critério aritmético rígido. Invocação dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade entre a população e o número de vereadores. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. Efeitos para o futuro. Situação excepcional.

USURPAÇÃO DE FUNÇÃO. Praticar ato privativo de servidor público sem possuir essa qualidade. Crime previsto no artigo 328, CP.

ABUSO DE AUTORIDADE. São abusos de poder que estão previstos em lei específica como crime (Lei 4.898/65). Ex.: ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder ou submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei (art. 4º).

Efeitos do abuso do poder. O agente poderá responder na esfera administrativa (penalidades previstas no Estatuto do Servidor e na lei de improbidade administrativa); na esfera cível pelos danos e prejuízos que causar (art. 37, § 6º, CF) e na esfera penal se o ato também configurar crime (Ex. abuso de autoridade, peculato, advocacia administrativa, etc.)

Obrigado!

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guilherme.tadini@campinas.sp.gov.br