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JAPG
Nº 70070809710 (Nº CNJ: 0291165-81.2016.8.21.7000)
2016/CÍVEL
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO.
INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL COM A MORTE
DO PACIENTE. ATENDIMENTO DEFICIENTE NO
QUE TANGE AOS SERVIÇOS DE ENFERMAGEM E
HOTELARIA. DANOS MORAIS OCORRENTES.
INDENIZAÇÃO DEVIDA.
I. A responsabilidade civil é a obrigação de reparar
o dano causado a alguém. A responsabilidade dos
entes da administração pública, em regra, é
objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando a
comprovação do prejuízo e do nexo de
causalidade entre a ação (conduta comissiva ou
omissiva) e o dano. Inteligência do art. 37, § 6°, da
Constituição Federal. Por sua vez, quanto aos
hospitais, na qualidade de fornecedores de
serviços, respondem objetivamente pelos danos
causados aos seus pacientes, ou seja,
independente de culpa, bastando a comprovação
do prejuízo e do nexo de causalidade. Inteligência
do art. 14, caput, do CDC.
II. No caso concreto, a perícia médica realizada
concluiu que não há nexo de causalidade entre a
conduta do hospital e a morte. Portanto, não há
falar na ocorrência de erro médico que tenha
contribuído para a piora e, posteriormente, para a
morte do de cujus.
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
III. Contudo, a prova testemunhal não deixa
dúvidas de que foi deficiente e desumano o
atendimento hospitalar prestado, no que tange
aos serviços de enfermagem e hotelaria. Durante a
internação do paciente, não houve a higienização
adequada, as trocas de fraldas e da roupa de
cama não ocorriam com regularidade e as visitas
médicas e de enfermagem não eram freqüentes
IV. Assim, é devida a reparação por danos morais
postulada, tendo em vista o deficiente serviço
prestado pelo nosocômio-réu durante a
internação do de cujus. A indenização é devida
tanto para o Espólio, em razão da dor e
sofrimento suportados pelo de cujus durante o
período de internação, como à esposa do de
cujus, diante da situação vivenciada por ela na
internação.
V. Indenização arbitrada de acordo com a
condição social dos autores, o potencial
econômico da ré, a gravidade do fato, o caráter
punitivo-pedagógico da reparação e os
parâmetros adotados por esta Câmara em casos
semelhantes. A correção monetária pelo IGP-M
incide a partir do presente arbitramento, na forma
da Súmula 362, do STJ. Os juros moratórios de 1%
ao mês contam-se a partir do evento danoso, nos
termos da Súmula 54 do STJ.
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
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APELAÇÃO CÍVEL
QUINTA CÂMARA CÍVEL
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81.2016.8.21.7000)
COMARCA DE SAPUCAIA DO SUL
ESPÓLIO DE BRISIOLAR BORGES LEITE
APELANTE
NILVA MORAES LEITE
APELANTE
FUNDAÇÃO HOSPITALAR MUNICIPAL
GETULIO VARGAS
APELADO
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à
apelação.
Custas na forma da lei.
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Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (PRESIDENTE) E DES. LÉO ROMI
PILAU JÚNIOR.
Porto Alegre, 30 de novembro de 2016.
DES. JORGE ANDRÉ PEREIRA GAILHARD,
Relator.
R E L A T Ó R I O
DES. JORGE ANDRÉ PEREIRA GAILHARD (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por Espólio de
Brisiolar Borges Leite e Nilva Moraes Leite contra a sentença que, nos autos da
Ação Indenizatória por Danos Morais ajuizada contra Fundação Hospitalar
Municipal Getúlio Vargas, julgou a demanda nos seguintes termos:
DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a ação
indenizatória ajuizada por ESPÓLIO DE BRISIOLAR BORGES
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LEITE, representado por NILVA MORAES LEITE em face do
HOSPITAL MUNICIPAL GETÚLIO VARGAS.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas
processuais e de honorários advocatícios em favor do
patrono do demandado, que fixo em 10% sobre o valor da
causa. Todavia, suspendo a exigibilidade dos ônus
sucumbenciais, na medida em que goza do benefício da
gratuidade de justiça, nos termos da Lei nº 1.060/50.
Em face da nova sistemática do Código de Processo Civil e,
diante da inexistência de juízo de admissibilidade, (art. 1010,
§ 3º do NCPC), em caso de interposição de recurso de
apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que
apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias.
Decorrido o prazo, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça
do Estado do RS.
Sustenta a petição recursal que, embora o laudo médico indireto
produzido, a prova testemunhal foi clara e unânime a demonstrar que a piora se
deu por causa da negligência do hospital no atendimento. Diz que a perícia
médica não pode ser levada em consideração, uma vez que a própria apelada
afirmou em contestação que não possui os prontuários dos dias 01.05.2008 a
11.05.2008. Alega que a prova testemunhal demonstrou que a conduta do
hospital foi absolutamente inadequada e incompatível com uma instituição
especializada no atendimento humano. Argumenta que o paciente e sua esposa
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foram expostos a abalo emocional e frustração que podem ser presumidos,
decorrentes da falta de atendimento, má prestação de serviço de enfermagem e
pouca atenção aos cuidados essenciais, que certamente acarretou na piora do
paciente. Lembra que a responsabilidade do hospital é contratual. Entende que o
fundamento para a condenação é encontrado na negligência de atendimento do
hospital público, eis que o paciente foi levado em três oportunidades para que
fosse verificada a origem das dores e malefícios, sem que, em nenhuma delas,
tenha sido internado para averiguação. Discorre sobre o quantum indenizatório.
Requer o provimento do apelo (fls. 621/627).
Intimada, a apelada apresentou as contrarrazões (fls. 630/633).
Subiram os autos a este Tribunal.
Distribuídos, o Ministério Público opinou pelo parcial provimento
do apelo (fls. 636/641).
Adiante, vieram os autos conclusos.
Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do
CPC.
É o relatório.
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V O T O S
DES. JORGE ANDRÉ PEREIRA GAILHARD (RELATOR)
O apelo é tempestivo. Dispensado o preparo em razão do
benefício da justiça gratuita.
Cuida-se de ação de indenização por danos morais em decorrência
de suposta falha no atendimento médico prestado pelo hospital ora requerido a
Brisiolar Borges Leite, o qual, lamentavelmente, veio a falecer em 12.05.2008.
Neste ponto, importante esclarecer que, como bem observado
pelo ilustrado Procurador de Justiça, Dr. Gilmar Possa Maroneze, no parecer de
fls. 636/641, a causa de pedir da presente demanda não está consubstanciada
apenas na ocorrência de erro médico que tenha contribuído para a piora de
Brisiolar e, posteriormente, para a sua morte.
Pela leitura da petição inicial, depreende que a ação também está
fundamentada na deficiência e indignidade do serviço prestado pelo nosocômio,
como um todo, especialmente quanto ao serviços de enfermagem e de hotelaria,
independentemente de terem contribuído para o agravamento do estado de
saúde do de cujus.
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Pois bem. Segundo Maria Helena Diniz: “A responsabilidade civil é
a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou
patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por
pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de
simples imposição legal” (in Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade
Civil, Volume 7, 29ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, p. 51).
Nessa linha, importante referir que são pressupostos da
responsabilidade civil: a ação (conduta comissiva ou omissiva), a culpa do
agente, a existência do dano e o nexo de causalidade entre a ação e o dano.
Contudo, em se tratando de responsabilidade civil dos entes da
administração pública (da União, dos Estados e dos Municípios), a regra é a
responsabilidade objetiva, assim considerada a que não necessita de
comprovação da culpa.
Aliás, a Constituição de 1988 seguiu a orientação das Constituições
anteriores, desde a Carta de 1946, com a adoção da responsabilidade civil
objetiva, na modalidade do risco administrativo, conforme determina o art. 37, §
6º, com a seguinte redação:
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Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.
(...)
O Código Civil de 2002 seguiu a mesma linha, conforme se
percebe na redação do art. 43:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por
parte destes, culpa ou dolo.
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De outro lado, para excluir ou atenuar a indenização do dano,
caberá ao ente público a prova da culpa exclusiva ou concorrente da vítima, de
terceiro ou por motivo de caso fortuito ou de força maior.
Por sua vez, quanto aos hospitais, na qualidade de fornecedores
de serviços, respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes,
ou seja, independente de culpa, na forma do art. 14, caput, do CDC, bastando a
comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade. Assim dispõe o referido
dispositivo legal:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos
à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
É o que ensina Sergio Cavalieri Filho (in Programa de
Responsabilidade Civil, 11ª ed., Editora Atlas, São Paulo, 20014, p. 449):
(...) Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de
serviços, e, como tais, respondem objetivamente pelos danos
causados aos seus pacientes, quer se tratem de serviços
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decorrentes da exploração de sua atividade empresarial, tais
como defeito de equipamento (v, g. em Porto Seguro a mesa
de cirurgia quebrou durante o parto e o bebê caiu ao chão,
não resistindo ao traumatismo craniano), equívocos e
omissões da enfermagem na aplicação de medicamentos,
falta de vigilância e acompanhamento do paciente durante a
internação (v. g. queda do paciente do leito hospitalar com
fratura do crânio), infecção hospitalar etc.; quer se tratem de
serviços técnico-profissionais prestados por médicos que
neles atuam ou a eles sejam conveniados.
É o que o CDC chama de fato do serviço, entendendo-se
como tal o acontecimento externo ocorrido no mundo físico
que causa danos materiais ou morais ao consumidor, mas
decorrente de um defeito do serviço.
Essa responsabilidade, como se constata no próprio texto
legal, tem por fundamento ou fato gerador o defeito do
serviço, que, fornecido ao mercado, vem a dar causa a um
acidente de consumo. “O serviço é defeituoso, diz o §1° do
art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, quando não
fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar,
levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais o modo do seu fornecimento, o resultado e os
riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que
foi fornecido.” Trata-se, como se vê, de uma garantia deque o
serviço será fornecido ao consumidor sem defeito, de sorte
que, ocorrido o acidente de consumo, não se discute culpa; o
fornecedor responde por ele simplesmente porque lançou no
mercado um serviço com defeito. E mais, será absolutamente
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irrelevante saber se o fornecedor tinha ou não conhecimento
do feito, bem como se esse defeito era previsível ou evitável.
Em face do fato do serviço, o defeito é presumido porque o
Código diz – art. 14, §3°, I – que o fornecedor só excluirá a
sua responsabilidade se provar – ônus seu – que o defeito
inexiste, vale dizer, que o acidente não teve por causa um
defeito do serviço.
Igualmente, de acordo os art. 186 e 927, do Código Civil, aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito, ficando obrigado a repará-lo, nos seguintes termos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
No caso concreto, a perícia médica realizada concluiu que não há
nexo de causalidade entre a conduta do hospital e a morte de Brisiolar, uma vez
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que os procedimentos adotados foram corretos e estão de acordo com a boa
prática médica (fls. 510/513-verso).
Portanto, não há falar em erro médico, na hipótese dos autos.
Contudo, a prova testemunhal não deixa dúvidas de que foi
deficiente e desumano o atendimento hospitalar prestado, no que tange aos
serviços de enfermagem e hotelaria.
Ora, pelo que se constada pela prova oral, durante a internação do
paciente não houve a higienização adequada, as trocas de fraldas e da roupa de
cama não ocorriam com regularidade e as visitas médicas e de enfermagem não
eram freqüentes (fls. 592/594). Inclusive, nos memoriais apresentados perante o
juízo a quo, o próprio nosocômio reconhece que as trocas de fraldas e lençóis
de cama não foram realizadas na proporção esperada pelos familiares do de
cujus (fls. 605/613).
Aliás, uma das testemunhas informou que a enfermeira se recusou
a realizar a higiene do paciente quando este se urinou porque resultaria em
“retrabalho”.
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Enfim, neste ponto, peço vênia para transcrever o seguinte trecho
da própria sentença recorrida, a qual sintetizou o relato das testemunhas ouvidas
em juízo:
(...)
A testemunha Vera Lucia Junqueira disse em Juízo que era
responsável pelos cuidados do Sr. Carlos, com quem o de
cujus dividia o leito quando da internação no hospital réu.
Asseverou que não havia médicos “no feriadão de 1º de
maio”, nem roupas de cama; que os familiares eram
responsáveis pela higienização do de cujus e que traziam
fraldas de casa. Mencionou, ainda, que as enfermeiras eram
resistentes em prestar auxílio, inclusive, algumas vezes,
negando-o e que testemunhou o momento em que o de
cujus entrou em coma, ocasião em que um socorro pontual
poderia ter mudado o desfecho dos fatos. Afirmou, ainda,
que trazia todos os aparatos necessários para os cuidados do
Sr. Carlos também, inclusive, a pedido do hospital.
Nilza Beatriz Pires, que à época cuidava do de cujus,
profissionalmente, já que desempregada, confirmou o
alegado pela parte autora e corroborou com o depoimento
da testemunha Vera. Afirmou que a enfermeira se recusou a
realizar a higiene do de cujus, já que resultaria em retrabalho
e confirmou que não havia médicos “no feriadão”.
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No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha Maria
Inês Sonda Lopes ao declarar que cuidava de seu marido, à
época, internado no mesmo quarto do de cujus e que
presenciou todos os acontecimentos narrados. Escassez (ou
ausência) de médicos e enfermeiros, indisponibilidade de
recursos e prestação mínima de auxílio.
O preposto do demandado, Eduardo Mello Rodrigues não
recordou, especificamente, do caso sub judice. Contudo,
esclareceu pendências técnicas ao juízo e às partes,
especialmente no que diz respeito às condições neurológicas
do de cujus quando da internação.
Ademais, vale lembrar que o Magistrado não está adstrito ao
laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos
provados nos autos, na forma do art. 479, do CPC/2015 (art. 436 do CPC/1973).
Nestas circunstâncias, tenho que é devida a reparação por danos
morais postulada, tendo em vista o deficiente tratamento prestado pelo
nosocômio-réu durante a internação de Brisiolar. No caso, a indenização é
devida tanto para o Espólio, em razão da dor e sofrimento suportados pelo de
cujus durante o período de internação, como à autora Nilva, diante da situação
vivenciada por ela na internação do seu esposo.
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Aqui, diga-se que a hipótese dos autos reflete o dano moral in re
ipsa ou dano moral puro, uma vez que o aborrecimento, o transtorno e o
incômodo causados pela parte requerida são evidentes, conferindo o direito à
reparação sem a necessidade de produção de outras provas sobre a sua
ocorrência.
Aliás, Yussef Said Cahali (in Dano Moral, 4ª ed., Editora RT, São
Paulo, 2011, p. 635) menciona que:
(...)
Portanto, em determinados casos, os danos morais são ínsitos
à própria ofensa (in re ipsa), presumidos, a dispensar a
respectiva demonstração probatória concreta para a sua
caracterização.
Na mesma linha, Carlos Roberto Gonçalves (in Responsabilidade
Civil, 8ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p. 552), explica que:
(...)
O dano moral, salvo casos especiais, como o de
inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz
mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado,
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dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da
personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção
absoluta. Desse modo, não precisa a mãe comprovar que
sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra
demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o autor provar
que ficou vexado com a não-inserção de seu nome no uso
público da obra, e assim por diante.
Sobre a questão, os seguintes precedentes deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. MORTE DE PACIENTE INTERNADO EM PORÃO
DE HOSPITAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO
CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE MÉDICA AFASTADA.
QUANTUM REDUZIDO. 1. IMPRUDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA E
IMPERÍCIA MÉDICA NÃO EVIDENCIADA. Ausente o nexo
causal entre o evento - morte do ente querido dos autores
por infarto no miocárdio - e o agir dos médicos demandados,
não se há de falar em dever de indenizar. Hipótese em que,
além de estar totalmente descartada a possibilidade de o
remédio ministrado ao paciente ter sido uma das causas da
insuficiência respiratória, não há descrição de qualquer outra
conduta apta a qualificar como negligente, imprudente ou
imperita a conduta dos profissionais médicos que prestaram
atendimento ao autor no dia anterior ao fato.
Responsabilidade civil afastada. 2. FALHA NO SERVIÇO
HOSPITALAR. DESCASO E ABANDONO DO
PACIENTE. DANO MORAL. A responsabilidade objetiva dos
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hospitais, pelo serviço defeituoso prestado ao consumidor,
somente é afastada quando comprovada a inexistência de
defeito ou a culpa exclusiva do paciente, ou de terceiro, ex vi
do art. 14, § 3º do CDC. Caso em que restou demonstrada
nos autos a negligência por parte da administração e do
quadro de enfermagem do hospital, bem como
o tratamento desumano dispensado ao ente querido dos
autores que, devido às alterações em seu estado anímico, foi
trancafiado em uma peça, no porão do nosocômio, a qual
contava com apenas uma janela e uma porta de ferro, cuja
tranca ficava para o lado de fora. Prova de que lhe foi
disponibilizado apenas um colchão e de que na referida sala
não havia cama e sequer campainha. Relatório do setor de
enfermagem denotando que o paciente ficou abandonado
durante toda a noite, sendo encontrado sem vida no dia
seguinte, vítima de um infarto no miocárdio. Precariedade das
instalações que, por si só, torna latente a negligência e
descaso no agir do réu. Dever de indenizar reconhecido.
Condenação mantida. 3. "QUANTUM" INDENIZATÓRIO.
REDUÇÃO. Na fixação da reparação por danoextrapatrimonial,
incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as
condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado,
e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar
quantum que se preste à suficiente recomposição dos
prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa
da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais
particularidades do caso concreto, conduz à redução do
montante indenizatório fixado para R$ 50.000,00 (cinqüenta
mil reais), corrigidos monetariamente, pelo IGP-M, desde a
data desta sessão até o efetivo pagamento, e acrescidos de
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juros de mora, à razão de 12% ao ano, a contar da citação.
Sentença reformada, no ponto. APELAÇÃO DOS AUTORES
DESPROVIDA. APELO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70015735343, Décima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz,
Julgado em 23/11/2006);
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL DESCASO NO
ATENDIMENTO DE PACIENTE. Nulidade da sentença.
Inocorrência. Não intimação sobre as ponderações do laudo
complementar. Prejuízo indemonstrado. Caracterizada a
omissão do hospital demandado que não prestou o
atendimento médico que a situação da mãe dos autores
exigia. Dano moral caracterizado Montante indenizatório
fixado por arbitramento pelo julgador, considerando
inexistirem critérios legais ou doutrinários de tarifamento
do dano. Observação da intensidade da ofensa, necessária
compensação à vítima e reprimenda ao ofensor. Quantum
mantido. AJG. Hospital filantrópico. Possibilidade de
concessão. Preliminar desacolhida. Apelações desprovidas.
Unânime. (Apelação Cível Nº 70034675066, Décima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto
Schreiner Pestana, Julgado em 26/05/2011).
No pertinente ao quantum indenizatório, é sabido que este deve
possuir dupla função, qual seja, reparatória e pedagógica, devendo objetivar a
satisfação do prejuízo efetivamente sofrido pela vítima, bem como servir de
JAPG
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exemplo para inibição de futuras condutas nocivas. Imbuído dessa ideia, a
reparação deve ser fixada com parcimônia pelo Julgador, estando este sempre
atento aos critérios de razoabilidade que o caso concreto exige.
Com efeito, o patrimônio moral das pessoas físicas e jurídicas não
pode ser transformado em fonte de lucro ou polo de obtenção de riqueza. Não
se admite a indenização como instrumento de enriquecimento ilimitado do
ofendido, transformando-se o direito ao ressarcimento em loteria premiada, ou
sorte grande, de forma a tornar um bom negócio o sofrimento produzido por
ofensas.
É certo que a indenização por dano moral tem caráter pedagógico.
Todavia, devem ser observados os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade na fixação dos valores, atendidas as condições do ofensor, do
ofendido e do bem jurídico lesado.
Impende, pois, ao Julgador dosar a indenização de maneira que,
suportada pelo patrimônio do devedor, consiga no propósito educativo da pena,
inibi-lo de novos atos lesivos, por sentir a gravidade e o peso da condenação, ao
passo que a vítima, pelo grau de participação no círculo social e pela extensão
do dano suportado, sinta-se razoável e proporcionalmente ressarcida.
JAPG
Nº 70070809710 (Nº CNJ: 0291165-81.2016.8.21.7000)
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Desta forma, tendo em vista a condição social dos autores, o
potencial econômico da parte ré, a gravidade do fato, o caráter punitivo-
pedagógico da reparação e os parâmetros adotados por esta Câmara em casos
semelhantes, tenho que a indenização deva ser arbitrada em R$ 10.000,00, para
cada autor, acrescidos de correção monetária pelo IGP-M, a contar do presente
arbitramento, na forma da Súmula 362, do STJ, e dos juros moratórios de 1% ao
mês, a partir do evento danoso (26.04.2008 – fl. 15), de acordo com a Súmula
54, do STJ.
Consequentemente, merece prosperar em parte o recurso.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para julgar
procedente em parte a ação e condenar o réu ao pagamento de indenização por
danos morais, no valor de R$ 10.000,00, para cada autor, acrescidos de correção
monetária pelo IGP-M, a contar do presente arbitramento, e dos juros
moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios ao procurador dos autores, fixados 15% sobre o valor
atualizado da condenação, observado o art. 85, § 2°, do CPC/2015.
É o voto.
JAPG
Nº 70070809710 (Nº CNJ: 0291165-81.2016.8.21.7000)
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DES. LÉO ROMI PILAU JÚNIOR - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (PRESIDENTE) - De acordo com o(a)
Relator(a).
DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Presidente - Apelação Cível nº
70070809710, Comarca de Sapucaia do Sul: "À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL
PROVIMENTO À APELAÇÃO."
Julgador(a) de 1º Grau: LUCIANE DI DOMENICO HAAS