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s-Graduação em Direito Público Disciplina: Fazenda Pública em Juízo LEITURA OBRIGATÓRIA II – AULA 2 CASSIO SCARPINELLA BUENO

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Pós-Graduação em Direito Público

Disciplina: Fazenda Pública em Juízo

LEITURA OBRIGATÓRIA II – AULA 2

CASSIO SCARPINELLA BUENO

2

A (IN)EFETIVIDADE DO PROCESSO E O PODER PÚBLICO

1. UMA REPETIÇÃO DE REGRAS INDESEJÁVEL

Desde a 1a reedição da Medida Provisória n° 2.180, então Medida Provisória n° 1.798-1, de 11 de fevereiro de 1999, a Lei n° 9.494/97 ganhou um art. 2º-B, que trata, especificamente, da vedação da execução provisória em face do Poder Público.

Àquela época, também se acrescentou um odioso parágrafo único àquele dispositivo — que mereceu, na minha opinião, as críticas mais severas na 1a edição deste trabalho —, que deixou, sem maiores explicações, de ser "reeditado" a partir da Medida Provisória nº 1.984-20, de 28 de julho de 2000, embora, na sua última reedição, em 24 de agosto de 2001, um pouco de seu intuito, seu fantasma, talvez, tenha ressurgido no atual § 9º do art. 4º da Lei n. 8.437/92 (v. item 10 do Capítulo II)1.

O atual art. 2º-B da Lei nº 9.494/97, devidamente congelado pelo art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001, tem a seguinte redação:

Art. 2º-B. A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado2.

A regra desse art. 2º-B é, em grande parte, repetição do que já constava do art. 5° e de seu respectivo parágrafo único da Lei nº 4.348/64, segundo o qual:

1 Era a seguinte a redação do dispositivo: "A sentença proferida em ação cautelar só poderá ter caráter satisfativo, quando transitada em julgado a sentença referida na ação principal". 2 Cheguei a propor uma sistematização desse dispositivo em meu Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 194 e 195. Salientei, naquela oportunidade, a existência de uma ação direta de inconstitucionalidade dirigida a esse novo art. 2º-B, que ainda não havia sido julgada. Essa ação, a ADI 1.974/DF, foi arquivada por decisão de 16 de agosto de 1999, proferida pelo Ministro Maurício Corrêa, diante da falta de necessário aditamento da inicial motivado pelas sucessivas reedições da medida provisória, de acordo com jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal. V., a este último respeito, além da nota 3 e do trabalho a que me referi na nota 9, ambas do Capítulo I, Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, p. 205.

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Art. 5° Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento de extensão de vantagens.

Parágrafo único. Os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença.

Por identidade de razões, o art. 7° dessa mesma Lei nº 4.348/64 dispõe que:

Art. 7° O recurso voluntário ou ex officio, interposto de decisão concessiva de mandado de segurança que importe outorga ou adição de vencimentos ou ainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.

De forma ainda mais genérica, o art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 5.021/66 disciplina que:

Art. 1º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.

...

§ 4º Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.

Essas mesmas proibições foram incorporadas, por texto de lei expresso, às ações cautelares quando propostas contra o Poder Público ou seus agentes.

Claro, nesse sentido, o art. 1º, caput, da Lei nº 8.437/92, que estende às liminares em ações cautelares ajuizadas contra o Poder Público as mesmas restrições relativas ao mandado de segurança. Do mesmo modo, o art. 3º desse diploma legal

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tem redação quase idêntica ao art. 7º da Lei nº 4.348/64, já transcrito, conservando, inclusive, o termo "recurso ex officio", o que, como reconhece unanimemente a doutrina, foi banido do Código de Processo Civil de 1973 e integralmente substituído pelo reexame necessário de seu art. 4753.

Com a introdução do instituto da antecipação de tutela no Código de Processo Civil, pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, e o crescimento gradativo daqueles requerimentos contra o Poder Público, o art. 1º da Medida Provisória nº 1.570/97, que se converteu no art. 1º da Lei nº 9.494/97, estendeu ao novel instituto as mesmas restrições. Para usar a ementa da lei, disciplinou a antecipação da tutela contra o Poder Público4.

Após esse breve histórico o leitor perceberá que o art. 1º da Lei nº 9.494/97 fechou, por assim dizer, o ciclo da tutela de urgência exercitável em face do Poder Público quando a matéria diz respeito a pagamentos ao funcionalismo público. Toda a disciplina legislativa restritiva do mandado de segurança e de sua liminar a esse respeito migrou para a ação cautelar e, logo após sua criação, também para a antecipação da tutela contra o Poder Público. Se amanhã a técnica processual incorporar algum novo mecanismo com ânimo de efetividade ao direito processual público seguir-se-á ato normativo que o discipline adequadamente. Há razões para duvidar disso? Infelizmente me parece que não.

2. VIABILIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA? NÃO MAIS!

O art. 2º-B em exame não se contentou apenas com a vedação indicada nas linhas anteriores. Ele ainda vai (bem) mais longe.

Com efeito. Ao estabelecer que a sentença cujo objeto são os bens jurídicos que indica só pode ser executada após seu trânsito em julgado, está

3 V., a respeito, meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 209 e 210. 4 Todo o histórico relativo à antecipação da tutela contra o Poder Público, a Medida Provisória nº 1.570/97 e a Lei nº 9.494/97 consta do meu Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 31-62, e do meu "Tutela antecipada e ações contra o Poder Público (reflexão quanto a seu cabimento como consequência da necessidade de efetividade do processo)", em Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 37-100. Além das normas referidas naqueles trabalhos, vale o destaque, também do art. 29-B da Lei nº 8.036/90, segundo o qual: "Não será cabível medida liminar em mandado de segurança, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, nem a tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil que impliquem saque ou movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS". A inclusão deu-se pela Medida Provisória nº 2.197-43, de 24 de agosto de 2001. Há três ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra o dispositivo, nº 2.382 (ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos), nº 2.425 (ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores) e nº 2.479 (ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), que aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal. O relator originário era o Ministro Sidney Sanches e o atual é o Ministro Cezar Peluso.

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querendo dizer que não se admite mais a execução provisória contra o Poder Público naquelas hipóteses. Nesse sentido, proferimento da sentença não é suficiente para franquear a possibilidade da execução pelo particular. Tampouco, como dispõe esse art. 2º-B, faz-se suficiente sua confirmação pelo Tribunal em sede de apelação ou de reexame necessário. Em suma: o proferimento da sentença e o exercício da cognição plena e exauriente não são suficientes para início da execução contra o Poder Público5. Terá o particular de aguardar, de acordo com o texto do novo dispositivo legal, o trânsito em julgado para dar início à execução. Desde que a ação verse sobre um dos bens jurídicos referidos no dispositivo de lei — indiferente, para essa finalidade, a ação proposta contra o Poder Público —, a execução provisória está vedada.

Nessas condições, a vedação não mais diz respeito somente à concessão de liminar em mandado de segurança ou em ação cautelar ou à antecipação da tutela contra o Poder Público. Veda-se a execução das decisões antes de seu trânsito em julgado.

Atente, caro leitor. O dispositivo exige o trânsito em julgado para início da execução do julgado. A execução provisória, destarte, está eliminada nas hipóteses referidas no art. 2º-B da Lei nº 9.494/97. Isso quer dizer que nem sequer é possível a execução provisória enquanto pendem de exame perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal recursos especiais ou extraordinários, respectivamente, ou seus agravos derivados.

Com uma penada, derrogaram-se, para as hipóteses mencionadas no dispositivo, os arts. 497, 520 e 542, § 2º, todos do Código de Processo Civil.

Quero crer, no entanto, que a intenção do dispositivo vai um pouco mais além. É porque, de uma forma ou de outra, o conjunto formado pelas Leis nos 4.348/64, 5.021/66, 8.437/92 e 9.494/97 já era significativo de que o exercício da tutela de urgência (aí incluída, em alguns casos, a execução provisória) já era "proibido" quando o Poder Público era o destinatário do comando jurisdicional6.

5 Para a definição dos diferentes tipos (profundidades e extensões) de cognição judicial, v. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, p. 83 e s. Na 2a edição da obra, editada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais e pela Central de Publicações Jurídicas, 2000, v. p. 111 e s. 6 Ernane Fidélis dos Santos entende que nem sempre os arts. 5º e 7º da Lei nº 4.348/64 — fonte inspiradora desse art. 2º-B em foco — são significativos de satisfação da pretensão do servidor público. Segundo o jurista mineiro, "Não se proíbe (...) a possibilidade de algum adiantamento pecuniário à parte, dentro das específicas condições da verossimilhança e do periculum in mora, ou do abuso de defesa, ou de intenção procrastinatória". E, para impedir a satisfação vedada pelos dispositivos de lei, acentua, em continuação, que, "Neste caso, o efeito pode ser antecipado, ficando o levantamento de qualquer importância, com relação ao Poder

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Assim sendo, tenho para mim — mero palpite — que a razão de ser da nova norma é também a de vedar liberação de recurso ou inclusão em folha de pagamento em prol de servidor público a qualquer título, mesmo que não se trate, como referem as mencionadas leis, de reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens. Friso: o novo dispositivo parece querer ampliar a restrição já constante do ordenamento jurídico para todas as hipóteses em que há liberação de recursos a qualquer título em prol dos servidores que indica.

Parece-me pertinente essa observação. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, mesmo após a liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4/DF, declarando a Constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/97 e suspendendo, conseqüentemente, as decisões antecipatórias da tutela contra o Poder Público nos casos "disciplinados" por aquele diploma legal, entendeu por diversas vezes que o reajuste dos 28,86% concedido pelo Executivo Federal aos servidores militares tinha cabimento também para os civis.

O fundamento desse entendimento? O acréscimo do percentual não havia sido admitido a título de reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens. Tratou-se, apenas e tão-somente, de reajuste monetário (mera recomposição monetária da expressão de vencimentos). Tanto assim, lê-se nesses acórdãos, que o Supremo Tribunal Federal afastou a incidência da Súmula 339 daquela Corte, que nega ao Judiciário a possibilidade de conceder aumentos ao funcionalismo com base na isonomia, quando entendeu que o índice de 28,86% era devido. Nessas condições, a hipótese de incidência do art. 1º da Lei nº 9.494/97, mesmo com sua Constitucionalidade revitalizada, não alcançava o caso sub judice. Todas as remissões legislativas nele feitas não vedavam a concessão daquele ajuste pelas razões que o Supremo Tribunal Federal havia reconhecido. A hipótese em causa, em suma, não se amoldava a quaisquer restrições legais7.

Público, apenas sujeito à prestação de caução (art. 273, § 3º c/c o art. 588, II, do CPC), o que aliás, sob pena de frustração do próprio direito, em circunstâncias ex-cepcionais, deve ser dispensado" ("Antecipação da tutela satisfativa na doutrina e na jurisprudência", Revista de Processo, v. 97, p. 202). Sobre esta última possibilidade — a dinâmica da execução provisória, inclusive da antecipação da tutela —. v. meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 172-87 e 345-55.

7 V. meu Execução provisória e antecipação da tutela, esp. p. 227-29. Existem diversos precedentes daquela Turma no mesmo sentido: (i) "Administrativo e processo civil. Recurso Especial. Servidores públicos militares. Embargos de declaração. Ausência de prequestionamento. Súmula 356, do STF. Leis nºs 8.622/93 e 8.627/93. Violação inexistente. Reajuste de 28,86%. Direito à diferença. Dissídio não comprovado. (...) 3. Este Superior Tribunal de Justiça, conforme decisão emanada do Colendo Supremo Tribunal, já firmou entendimento no sentido de estender aos vencimentos de todos os servidores civis federais, o reajuste de 28,86% concedido aos militares e a algumas categorias civis, por força das Leis nºs 8.622/93 e 8.627/93. A concessão do reajuste aos militares deveria ocorrer de forma linear,

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Dessa forma, quando o novo dispositivo refere-se a "sentença que tenha por objeto a liberação de recurso" ou "inclusão em folha de pagamento", introduz, diferentemente de todo o histórico de leis que lhe é anterior, redação ampla o suficiente para albergar acréscimo patrimonial que se verifique a qualquer título, mesmo que, tecnicamente (do ponto de vista do direito material, portanto), não seja qualificável como reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens.

Em síntese: aniquilou-se, derradeiramente, a eficácia de qualquer tutela de urgência em matéria de vencimentos dos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, vinculando a possibilidade de efetividade do provimento jurisdicional respectivo ao trânsito em julgado da decisão. Para esses casos, a qualquer título e com base em qualquer fundamento, qualquer liberação de recursos para servidor público será permitida somente com o trânsito em julgado. De resto, como o art. 2º-B não se refere a uma

não se admitindo aumentos variados. Desta forma, têm os autores, servidores públicos militares, o direito de perceber a diferença entre o reajuste de 28,86% e o percentual já recebido. 4. Recurso Especial conhecido nos termos acima expostos e, neste aspecto, desprovido" (STJ, 5a Turma, Recurso Especial n. 584.930/MG, rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., j. 5-2-2004, DJU, 26 abr. 2004, p. 211); (ii) "Trata-se de recurso especial fundado na alínea 'a', do permissivo constitucional, contra v. acórdão do Tribunal Regional Federal da 2a Região, que, ao apreciar agravo regimental, concedeu efeito meramente devolutivo ao agravo de instrumento interposto contra decisão antecipatória de tutela, ensejadora da imediata incorporação do reajuste de vencimentos de 28,86% aos servidores públicos civis. Aduz a recorrente violação ao disposto nos arts. 1º, § 4º da Lei 5.021/66, 5º da Lei 4.348/64 e 1º da Medida Provisória 1.570, além da violação às Leis 8.622/93 e 8.627/93. Devidamente inti-mados os recorridos deixaram de apresentar contra-razões (fl. 90). Decisão admitindo o recurso, (fl. 91) Decido: O recurso não merece ser conhecido, pois o v. acórdão recorrido segue a jurisprudência deste Tribunal. Ilustrativamente, cito Recurso Especial de minha relatoria: 'Processual civil. Tutela antecipada. Reajuste de vencimentos de servidores públicos. 28,86%. Reconhecimento administrativo do direito. Medida Provisória 1.704-3/97 (hoje, Medida Provisória n. 1.962-25, de 28 de abril de 2000). O direito ao reajuste de vencimentos dos servidores públicos em 28,86% está pacificado no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. O reconhecimento administrativo desse direito, através da Medida Provisória 1.704-3/97, conjugado com a intenção de efetuar o pagamento dos valores correspondentes a todos os servidores públicos, mesmo que não tenham ingressado em juízo, torna inequívoco o direito dos recorridos à concessão de antecipação da tutela. Recurso com manifesto propósito protelatório (art. 273, II, do CPC). Recurso especial não conhecido.' (REsp 176.558-PE, 5a Turma, DJ de 01.03.1999) Ante o exposto, com base no art. 557, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n. 9.756/98, não conheço do recurso especial. Intimem-se" (STJ, 5aTurma, rel. Min. Gilson Dipp, REsp 227.024/RJ, j. 11-2-2000, DJU, 18 fev. 2000, sem o esclarecimento); e (ii) "A jurisprudência referente ao direito de reajuste de vencimentos dos servidores públicos civis em 28,86% está pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Quanto à concessão da tutela antecipada, evidenciado é o direito dos recorrentes, posto que a própria União já reconheceu ser devido o reajuste (REsp n. 190.517/CE, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma, DJ 06/09/99). Isto posto, nego provimento ao agravo. Publique-se" (STJ, 5a Turma, AgI 250.287/RN. rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15-9-1999, DJU, 21 set. 1999, p. 123).

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ação em especial, não há razão alguma para duvidar de que a restrição nele contida aplica-se a qualquer ação que tenda à formação de título executivo contra a Fazenda Pública.

Mais recentemente,o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de, interpretando o julgamento da mencionada Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4, decidir que as restrições relativas à antecipação de tutela decorrentes do art. 1º da Lei nº 9.494/97 não são aplicáveis a questões previdenciárias justamente pela falta de previsão normativa expressa a este respeito, vedada qualquer interpretação "analógica" ou "extensiva". Vale, a respeito, destacar a Súmula 729 daquela Corte: "A decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária"8.

3. EFETIVIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA? NÃO MAIS!

Como adiantei no início do item 1 deste Capítulo, até a 19a reedição da Medida Provisória nº 2.180, havia um parágrafo único no art. 2º-B da Lei nº 9.494/97 segundo o qual:

"A sentença proferida em ação cautelar só poderá ter caráter satisfativo quando transitada em julgado a sentença proferida na ação principal".

8 É esta a mesma razão pela qual se encontram julgados no STJ que negam aplicação generalizada ao entendimento de que "não cabe tutela antecipada contra a Fazenda Pública". Para ilustrar esta afirmação, vale o destaque do seguinte julgado: "Agravo Regimental. Processo Civil. Administrativo. Servidor público. Supressão de vantagens. Tutela antecipada. Fazenda Pública. Possibilidade. 1. Conforme precedentes, a regra do artigo 1º da Lei n. 9.494/97 comporta temperamentos, máxime quando a discussão recair sobre supressão de vantagem cujo pagamento se alega ter sido indevidamente suspenso. 2. Agravo regimental improvido" (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 699.296/RS, rel. Min. Paulo Gallotti, j.un. 9-5-2006, DJ, 19 jun. 2006, p. 215). Também com relação à vedação decorrente do art. 29-B da Lei n. 8.036/90 (v. nota 4, supra), verifica-se o mesmo, situação bem exemplificada pelo seguinte julgado: "FGTS. Tutela antecipada. Correção monetária. Creditamento. Art. 29-B da Lei n. 8.036/90. Não incidência. I — O art. 29-B da Lei n. 8.036/90, acrescentado pela Medida Provisória n. 2.197-42/2001, veda a concessão de tutela antecipada que implique em saque ou movimentação da conta vinculada do FGTS. Na hipótese dos autos, a tutela foi deferida apenas para aplicação à conta dos índices de correção monetária, em consonância com a Súmula 252/STJ, o que não implica em saque ou movimentação da conta, não incidindo a vedação contida no supracitado dispositivo legal. II — No que diz respeito à forma de levantamento dos créditos e o saldo existente, nada foi decidido no aresto, carecendo a matéria do necessário prequestionamento. III — Recurso Improvido" (STJ, 1a Turma, REsp 818.548/MG, rel. Min. Francisco Leitão, j.un. 1a-6-2006, DJ, 19 jun. 2006, p. 124).

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As críticas e os comentários que desenvolvi ao dispositivo na 1a edição deste livro podem ser resumidas no "desabafo" que, em forma de posfácio, encerrou aquela edição e que aqui torno parte integrante do texto:

O leitor terá observado que, no Capítulo V, traí, brevemente, minha premissa metodológica. Desesperei-me, em verdade. Não vi — por mais que tentasse — salvação para o fim da efetividade dos processos quando dirigidos ao Poder Público. Desisti, naquele instante, de justificar, de buscar ou encontrar razão bastante para a ineficácia processual declarada, dentre tantos, também pelo novo art. 2º-B da Lei n. 9.494/97.

As interrogações que dão título aos itens 2 e 3 daquele Capítulo são representativas deste sentimento. Se elas fossem dirigidas abertamente ao 'legislador' — '— O processo dirigido ao Poder Público deve, também, pautar-se nos ideais de efetividade e de realização pronta do Direito?'

— sua resposta seria, tenho certeza: '— Nunca mais!'.

A resposta, dura, ecoou na minha mente ao longo daquele capítulo. Lembrei-me, ouvindo-o, de um poema de Edgard Allan Poe, 'O Corvo', e de seu refrão de desespero e de angústia: '—Nunca mais; nunca mais; nunca mais...'. A recordação tomou conta do meu texto. Influenciou-o.

Busquei o poema e o li. O narrador de Poe é um estudante. '— Que coincidência', pensei.

O autor a ele se refere, na tradução primorosa de Machado de Assis, da seguinte maneira:

“...Eu caindo de sono e exausto de fadiga,

Ao pé de muita lauda antiga,

De uma velha doutrina, agora morta,

Ia pensando, quando ouvi à porta...”.

E na estrofe seguinte esta ideia é enfatizada:

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“Eu, ansioso pelo sol, buscava

Sacar daqueles livros que estudava

Repouso (em vão!) à dor esmagadora...”.

Não quero — e agradeço a Deus por isto — comparar os móveis do narrador com os meus. São (felizmente) bastante diferentes. Mas é característica da poesia a riqueza de significados e o sonhar e o imaginar com mundos que eles nos conduzem com espantosa facilidade.

Por que não ver no 'Corvo' a medida provisória? Seu caráter negatório de liberdades e suas constantes reedições — a sua persistência, portanto —, bem se amoldam na penúltima estrofe do poema:

“Ave ou demónio que negrejas!

Profeta, ou o que quer que sejas!

Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!

Regressa ao temporal, regressa

À tua noite, deixa-me comigo.

Vai-te, não fique no meu casto abrigo

Pluma que lembre essa mentira tua,

Tira-me ao peito essas fatais

Garras que abrindo vão a minha dor já crua”.

E o corvo disse: “nunca mais”.

Mudei o texto antes de entregá-lo, em definitivo, ao meu querido Moisés. Não fosse pelas luzes que devem ser focadas

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para a vivência democrática e cidadã brasileira e, certamente, a resposta do 'legislador' — o 'nunca mais' — teria que estar, ainda, estampado nos itens a que me referi de início. Assim como no poema, entretanto, a resposta é amarga demais. Não quis admiti-la. Não podia admiti-la. Recusei-me a admiti-la.

O 'não mais', que passou a responder às questões formuladas ao longo do Capítulo V, permite, quero crer, uma maior flexibilidade. É negativa — afinal é esta a perspectiva da medida provisória — mas não é negativa geral. Nem eterna. Há espaço, destarte, para reflexão, para atitude e para a luz.

Mais que nunca — e esta a derradeira reflexão — a sombra não pode tomar o espaço das luzes, embora, ninguém o negará, não há sombra que prescinda da luz para existir. É desta contradição que se tece a história das instituições brasileiras9.

A regra não se repetiu a partir da então Medida Provisória nº 1.984-20, de 28 de julho de 2000. Isso é motivo de felicidade? Acredito que sim. Mas felicidade que dura pouco, muito pouco. Felicidade passageira. Uma batalha vencida? Pode ser. Mas ainda há uma guerra para ser lutada.

Isso porque o subsistente art. 2º-B, ao vincular a execução de sentença contra o Poder Público, nos casos de "liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens" aos servidores da Administração direta e indireta de direito público, ao trânsito em julgado da decisão respectiva, quer dizer que, contra o Poder Público, ao menos nessas hipóteses, é inconcebível que se verifique qualquer efeito concreto antes de esgotados todos os recursos. Ora, não há como esconder o fato de que, se nem a sentença tem executividade (leia-se: aptidão para produzir seus regulares efeitos) antes de seu trânsito em julgado, não há como reconhecer que mera decisão interlocutória pudesse ir além.

Daí ser entendimento meu que já ocupava a 1a edição do trabalho a idéia de que:

"O parágrafo único deste art. 2º-B é coerente com esta ideologia. Isto não posso deixar de reconhecer. Se nem sentença e nem acórdão de Tribunal Estadual ou Regional Federal proferidos em causa em que cognição plena e exauriente tenha sido exercida admitem execução provisória

9 O Poder Público em juízo, p. 229-31.

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por que uma sentença proferida em ação cautelar admitiria? Se não se pode o 'mais' por que se poderia o 'menos'?

A sentença cautelar, por definição, repousa, em um juízo de cognição mais brando que o da ação usualmente denominada de 'principal'. Trata-se, como identificam os estudiosos da matéria, do exercício de cognição sumária e superficial justamente porque a tutela cautelar volta-se à busca da aparência do direito que autoriza a efetividade da jurisdição e não da certeza, característica ínsita às tutelas fundadas na cognição plena e exauriente.

Assim sendo, por que admitir que ela possa satisfazer e, neste sentido, ir aonde sequer o caput do dispositivo autoriza possa pretender se dirigir a sentença fundada em cognição jurisdicional a mais completa possível e, portanto, fundada, por definição, em cem por cento de certeza jurisdicional?

Se o parágrafo único refere-se desta forma a sentença proferida em ação cautelar, certamente e por identidade de razões, nenhuma liminar em ação cautelar pode pretender ser eficaz antes de transitada em julgado a decisão proferida na ação principal. Se não se pode sequer o 'menos', por que admitir a sua antecipação, que é, ainda, menos?

Com efeito, a vinculação entre a negativa de liminar e da execução (ou efetivação) provisória do julgado é tática que o legislador tem empregado há mais de trinta anos em se tratando de mandado de segurança. Claros a este respeito os diplomas legislativos que busquei evidenciar no início deste Capítulo. Até porque se alguma dúvida houvesse a este respeito, afastaria-a o art. 1º e respectivo § 3º, da Lei nº 8.437/92, já mencionados."

Com o devido respeito aos que pensam diferentemente, não há como emprestar maior eficácia a um ato jurisdicional que, por definição, é provisório, temporário e instável do que ao ato capital do processo civil, a sentença.

Assim sendo, só posso concluir, até para fins de problematização, no sentido de que a não-reprodução do parágrafo único nas edições subsequentes da Medida Provisória nº 2.180 é indiferente. Pelo menos quanto às matérias que estão

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reguladas no art. 2º-B da Lei nº 9.494/9710 feita, expressamente, a ressalva que deriva da Súmula 729 do Supremo Tribunal Federal, transcrita no fim do item anterior.

A esta altura da exposição, pareço escutar: "Mas, se assim é, podemos ficar felizes. O parágrafo único não foi reeditado desde a Medida Provisória nº 1.984-20, de 28 de julho de 2000, e, pelo menos, as ações propostas contra o Poder Público que não digam respeito às situações do art. 2º-B da Lei n. 9.494/97 dispensam o trânsito em julgado para início da execução. Viva a execução provisória!".

Não, ainda não. Infelizmente ainda não é hora para ficarmos felizes. Não basta duelar com o art. 2º-B da Lei nº 9.494/97.

Bem longe das medidas provisórias, uma outra reforma processual civil ganhou forma nos últimos anos. Refiro-me à Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, que alterou profundamente o sistema de precatórios e, quase desnecessário dizer, a forma da execução contra a Fazenda Pública.

Sem as amarras literais do art. 2º-B da Lei nº 9.494/97, sem o emprego de termos e expressões técnicas — afinal, qual a diferença, para o processo, entre estender vantagem a servidor público e aumentar, pura e simplesmente, seus vencimentos? —, a redação dada pela referida Emenda Constitucional ao § 1º do art. 100 da Constituição Federal exige o trânsito em julgado para a expedição de pre-catórios. O que é patético — e não conheço outra palavra para empregar aqui — é que a Emenda Constitucional nº 30/2000 até dispensa o precatório para os pagamentos de "pequeno valor" (art. 100, § 3º). Mas não dispensa o trânsito em julgado em nenhuma hipótese.

Dediquei trabalho longo ao tema no qual quis revisitar os velhos problemas da execução contra a Fazenda Pública à luz das novas regras constitucionais. A propósito, acabei enfrentando tantos outros problemas e questões

10 Na 1a edição do trabalho, enfrentei a problemática de saber se o parágrafo único era ocioso, isto é, se ele repetia, em última análise, a mesma regra do então caput do art. 2º-B da Lei n. 9.494/97. Inclinei-me pela negativa. Para mim — do ponto de vista sistemático da lei, evidentemente — o parágrafo único era mais amplo do que o caput no sentido de se referir a qualquer sentença cautelar. Escrevi, a respeito, o seguinte: "... a redação do parágrafo único dá a entender que a preocupação do 'legislador' neste dispositivo é bem diferente da do caput. O que está na mira do 'legislador' é qualquer cautelar que pretenda ser satisfativa. É o 'ser satisfativa' que caracteriza a sentença cautelar do parágrafo único e não a circunstância de a ação cautelar voltar-se a um dos bens jurídicos referidos no caput do art. 2º-B. Nestas condições, também, mas não só, a sentença cautelar que liberar recursos, incluir em folhas de pagamento, reclassificar, equiparar ou conceder aumento ou estender vantagens a servidores públicos da Administração direta e indireta de direito público, desde que se pretenda satisfativa, não pode surtir efeitos senão quando transitada em julgado a sentença proferida na ação principal. Desta maneira, o parágrafo único é bem mais amplo que o caput. Erro de técnica? Certamente. Mas não é o cometimento de erros deste jaez que inibirão o esvaziamento gradativo de qualquer eficácia de investida jurisdicional contra o Poder Público" (O Poder Público em juízo, 1ª edição, p. 164 e 165).

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novas que decorrem, justamente, daquela regra constitucional. É dizer de forma bem direta: se a Constituição exige trânsito em julgado para expedição de precatório, é porque todo o pagamento a que o Poder Público seja condenado (o termo é técnico) judicialmente pressupõe o trânsito em julgado. Por quê? Porque, como regra, o Poder Público não paga sem precatório. E vou além para frisar a idéia: mesmo quando o Poder Público paga sem precatório o trânsito em julgado é indispensável11.

Sem prejuízo das reflexões do meu artigo que acabei de citar na última nota, não posso deixar de me perguntar, aqui, até para demonstrar que não se trata de mero jogo de palavras ou de tecnicismo vil: como o Poder Público consegue pagar sem precatório? Onde estão os cultores dos princípios informadores do orçamento público que nunca quiseram abrir mão dos precatórios? De onde sai o dinheiro público, sem a programação financeira que supera os seis meses exigidos pela Constituição Federal? Por que se paga com precatório quando o valor não é "pequeno"? Qual a diferença entre vários "pequenos valores" e um "valor que não é, em si mesmo, pequeno mas que não é maior do que a soma de vários pequenos valores" para fins de programação financeira? Afinal, e em definitivo: o dinheiro público sai do precatório ou do trânsito em julgado!

Éramos felizes. E não sabíamos. Se todo o problema da inefetividade do processo contra o Poder Público fosse uma medida provisória, as coisas seriam mais fáceis.

Sistematizo essas considerações. Hoje, por força do art. 100, §§ 1º e 3º, da Constituição Federal, toda condenação em dinheiro contra o Poder Público pressupõe, para sua implementação concreta, o trânsito em julgado. Com ou sem precatório, a Constituição exige o trânsito em julgado, e, nessas condições, está confirmado o temor que expus no item 2, supra: qualquer liberação de dinheiro público, independentemente do título que o justifique, pressupõe trânsito em julgado.

É hora de unir as duas pontas do raciocínio apresentado até aqui: se nem sentença produz esses efeitos de "pagamento" antes do trânsito em julgado não há como, tecnicamente, falar em "liminares" ou, mais amplamente, em tutelas de urgência contra o Poder Público que signifiquem liberação de dinheiro. Não, pelo menos, nos casos que tratem de "pagamentos" pelo tradicional método "condenação-execução", que, não obstante as mais recentes reformas experimentadas pelo Código de Processo Civil, em especial trazidas pela Lei nº 11.232/2005, prevalece para as

11 V. meu "Execução por quantia certa contra a Fazenda Pública: uma proposta atual de sistematização", esp. p. 144-54 e 166-70; meus comentários aos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil em Código de Processo Civil interpretado, p. 2102-24, e o n. 6 do Capítulo 8 da Parte II do v. 3 do meu Curso sistematizado de direito processual civil. Ainda sobre o assunto, obrigatória a leitura do excelente trabalho de Fernão Borba Franco, Execução em face da Fazenda Pública, p. 128-48.

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ações contra a Fazenda Pública12'. Uma vez mais, portanto, a necessidade da "coerência" de eficácias a que me referi acima. Analisada a questão deste ponto de vista, não há como deixar de acentuar que, infelizmente, a recente Súmula 729 do Supremo Tribunal Federal tem pouco a acrescentar...

Não que o sistema processual civil não tenha, ainda, malgrado as mais recentes reformas, superado todas as suas incoerências internas, inclusive aquelas que dizem respeito às "liminares" com maior carga de eficácia do que as sentenças13. Para mim, no entanto, a solução desse problema não reside em negar o que está claramente escrito na lei. Penso que a superação dessa "incongruência" de eficácias e o reconhecimento de que não se pode vincular execução (mais amplamente, concretização fática dos efeitos dos atos jurisdicionais) a trânsito em julgado não está em teimar em não ler o que está escrito na lei, na medida provisória e, superiormente, na própria Constituição Federal. Fingir que não existe lei, medida provisória e, acima delas, uma emenda constitucional, que restringe direito de quem tem razão. Deixar de estudá-la ou sistematizá-la, com efeito, não leva ninguém a lugar algum.

O critério de superação de tais incongruências, na minha opinião, é diverso. E questionar a constitucionalidade da restrição, vale dizer, da vinculação do início dos efeitos do ato a seu trânsito em julgado. É esse o caminho que deve ser tomado pelo estudioso do direito processual civil.

Que bom que o art. 2º-B é "lei" (e o que significa o art. 2° da Emenda Constitucional nº 32/2001 senão uma conversão automática de medidas provisórias em lei?). Que bom que a vinculação do trânsito em julgado para a "execução" contra a Fazenda Pública que está na Constituição Federal é fruto de emenda constitucional. É que, nessas condições, ninguém duvida — nem o Supremo Tribunal Federal — de que o contraste de sua constitucionalidade, mesmo no caso de emenda, é plenamente viável juridicamente14. Aqui, atrevo-me a dizer, não se trata de

12 Sobre os impactos da Lei n. 11.232/2005 e as execuções contra a Fazenda Pública, consultar o meu A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, v. 1, p. 220-225. 13 Essa incongruência de eficácias dos diversos atos jurisdicionais é, a bem da verdade, o pano de fundo do meu Execução provisória e antecipação da tutela, esp. p. 48-50. A meu ver, é insuficiente para superá-la o novo inciso VII do art. 520, retirando o efeito suspensivo nos casos em que a apelação é dirigida a sentença que confirma a tutela antecipada que merece, por isso mesmo, interpretação extensiva, em consonância com o "modelo constitucional do processo civil". Sobre o assunto, v. meu Tutela antecipada, esp. p. 80-103. 14 A esse respeito, v. o acórdão proferido na Questão de Ordem suscitada na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 1/DF, assim ementada: "Ação declaratória de constitucionalidade. Incidente de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 03/93, no tocante à instituição dessa ação. Questão de ordem. Tramitação da ação declaratória de constitucionalidade. Incidente que se julga no sentido da constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 3, de 1993, no tocante à ação declaratória de constitucionalidade" (STF, ADC-QO 1/DF, rel. Min. Moreira Alves, j.m.v. 27-10-1993, DJU, 16 jun. 1995, p. 18212). O acórdão respectivo está publicado em obra coletiva coordenada por Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Ação declaratória de constitucionalidade, p. 183-235. A

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perquirir a respeito de "inconstitucionalidades" internas, de pesos diferentes de diversos artigos constitucionais e na interessante busca de valores constitucionais mais importantes do que outros. Não pretendo pesquisar qual dispositivo da Constituição deve preponderar perante outro. Minha preocupação aqui é de ordem mais prática. Trata-se, apenas e tão-somente, de verificar em que medida ato infraconstitucional ou emenda à Constituição pode, ou não, postergar a satisfação de um direito, reconhecido em prol do particular, mesmo que em face do Estado, para um futuro incerto e não sabido. Que depende não de uma programação financeira específica (e, bem ou mal, típica do sistema brasileiro, o precatório) mas de um "tempo", designado pela necessidade de trânsito em julgado da decisão jurisdicional respectiva.

Sempre opinei no sentido de que nenhuma restrição desse tipo é constitucional. Por um só motivo, bastante e suficiente: o art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, ao estabelecer que a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, não faz nenhuma distinção entre quem tem esse direito, quem o ameaça, quem o lesiona ou quem sofre a ameaça ou a lesão15.

Enfatizo: o inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal de 1988 não autoriza qualquer restrição ao contraste jurisdicional de afirmação de direito. E o dispositivo constitucional vai mais além: nega que a ameaça a afirmação de direito não possa ser devida e eficazmente neutralizada ou protegida mediante a atuação do Poder Judiciário. Esse inciso da Constituição veda, destarte — basta lê-lo —, qualquer ânimo de validade para o art. 2º-B da Lei nº 9.494/97 e também para as restrições incorporadas ao sistema constitucional do precatório.

A possibilidade de execução provisória (leia-se: produção de seus efeitos imediatamente, independentemente do trânsito em julgado e, até mesmo, em forma antecipada) é, pois, decorrência — para evitar a palavra imposição — da Constituição Federal, é, pelo menos entre nós, "direito-garantia fundamental". Mais ainda: o sistema processual civil revitalizado e fortificado pelas mais recentes reformas processuais empreendidas desde 1994 capturou — e muito bem — esse valor constitucional, a maior prova da introdução do instituto da antecipação da tutela16. Nem sequer o reexame necessário, típica regra de "direito processual público", é óbice para a implementação desse valor imposto pela Constituição Federal17.

doutrina publicista mais recente, de seu turno, não hesita em admitir o controle da constitucionalidade de emendas constitucionais. Vejam-se, por exemplo, as considerações de Roque Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, 16. ed., São Paulo, Malheiros Ed., 2001, p. 387-92, e Roque Antonio Carrazza, ICMS, p. 232-4. 15 V., a respeito, meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 206-31. 16 À demonstração desse ponto de vista volta-se, fundamentalmente, meu Execução provisória e antecipação da tutela. V., esp. p. 299-311. 17 Aqui, também, v. meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 206-31. O voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence na cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.753-2/DF (anexo II) traz considerações pertinentes a esse respeito

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Vou além. A execução provisória pode decorrer, a exemplo do que se dá com relação às tutelas de urgência em geral, de uma necessidade a significar a sobreposição do direito mais evidente (assim declarado, não é demais escrever, em sentença fundada em cognição plena e exauriente), em detrimento daquele menos evidente, independentemente do segmento recursal.

Lapidar e iluminada a respeito a seguinte afirmação de Luiz Guilherme Marinoni:

"É preciso deixar bem claro que a técnica antecipatória nada mais é do que uma técnica de distribuição do tempo do processo. Todos pensam que está de acordo com a lógica o desaparecimento da medida cautelar quando o juiz, na sentença de mérito, afirma inexistir o direito acautelado. Mas ninguém percebe que é contrária a esta mesma lógica a impossibilidade da execução da sentença enquanto pende o recurso. Ora, se o juiz afirma que existe o direito não é lógico impor ao autor o ônus do tempo do processamento do recurso. Alguém diria. É que se o tribunal reformar a sentença, um grave prejuízo poderá ter sido imposto ao réu. A mesma preocupação deveria assaltar àquele que assim objeta quando percebe (se é que percebe) que o tribunal, reformando a sentença que implicou a revogação da medida cautelar, pode dar ao autor um resultado absolutamente inútil!"18.

Nem sequer o medo da "irreversibilidade", tão em voga quando o assunto é tutela de urgência, é óbice para as conclusões anteriores19. Mesmo que a

ao identificar a dificuldade da execução quando voltada ao Estado. Além disso, os novos §§ 2° e 3º do art. 475 do Código de Processo Civil (frutos da Lei n. 10.352/2001) dispensam o reexame necessário em determinadas situações, uma delas quando a condenação ou o direito controvertido não for superior a 60 salários mínimos. 18 A antecipação da tutela, 3. ed., São Paulo, Malheiros Ed., 1997, p. 137 e 138. Sobre o tema, tendo presente a nova sistemática da execução provisória do Código de Processo Civil (a redação dada pela Lei n. 11.232/2006 ao art. 475-O), v. meu Tutela antecipada, esp. p. 108-139.

19 "Portanto, obstar-se a concessão das cautelares que tenham como fundamento o periculum in mora e o fumus boni iuris, só porque o efeito prático perseguido podia coincidir com o efeito prático decorrente do julgamento do mérito da causa (não sendo aquelas, diferentemente destas, definitivas) parecia mesmo conflitar com o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional. Isto porque, como se afirmou atrás, por vezes, era e é necessário antecipar-se para, com isso, acautelar (= tornar possível a plena eficácia do processo principal, seja de conhecimento ou de execução)" (...) "Por outro lado, em casos

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"execução" da sentença, da "liminar" ou do acórdão ainda pendente de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal possa dar ensejo a "efeitos irreversíveis", isto é menos importante. Sua eficácia imediata é decorrência da Constituição Federal, do "modelo constitucional do direito processual civil". A não se entender assim, viola-se a amplitude do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. Aqui também, como se estivessem transcritos, valem os ensinamentos doutrinários referidos na nota 15 do item 3 do Capítulo VI20.

Agride, pois, os valores constitucionalmente tutelados de amplo e efetivo acesso à Justiça e a técnica processual negar a possibilidade de execução provisória (nem sequer enquanto se aguarda o desfecho dos recursos de direito estrito perante os Tribunais Superiores, como sempre foi regra entre nós) e, de outra parte, vincular a efetividade da tutela ao trânsito em julgado do processo de conhecimento. O que é a tutela de urgência quando seus efeitos não podem ser sentidos antes do desfecho final do processo plenário? Jurídica e faticamente nada.

Mesmo o art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, ao autorizar a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a deixar de recorrer nas condições que lista não torna menos inconstitucionais os dispositivos em foco. Idem para o art. 4° da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e a possibilidade de o Advogado-Geral da União desautorizar a propositura de ações ou a não-interposição de recursos naqueles casos em que dada tese jurídica está consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou dos Tribunais Superiores21. O mesmo digo para o art. 12 da Medida

extremos, podiam ser concedidas medidas satisfativas no sentido de tornarem desnecessários outros provimentos posteriores, porque irreversíveis no plano dos fatos" (Arruda Alvim, "Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas pelo processo hodierno entre nós. Evolução da cautelaridade e suas reais dimensões em face do instituto da antecipação de tutela. As obrigações de fazer e não fazer. Valores dominantes na evolução dos nossos dias", p. 70). Importante destacar que o processualista vale-se de termos no passado considerando que, no seu entender, a função "cautelar satisfativa" foi absorvida pelo instituto da antecipação da tutela. V. op. cit., esp. p. 71 e nota 46. 20 Além da indicação bibliográfica constante do texto, remeto o interessado às considerações que lancei em meu Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 76-81 e 187-97, em que neguei constitucionalidade a qualquer vedação geral e abstrata de liminares diante do art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, mencionando, dentre tantas outras decisões de nossos Tribunais, as ADI 226 e 975, ambas do Supremo Tribunal Federal. Outro trabalho de interesse é o de Alcioní Serafim de Santana, Poder geral de cautela e medidas legislativas impeditivas à sua consecução, Campinas, Copola Editora, 1996. O Informativo do STF n. 185, de 10 a 21 de abril de 2000, fazendo referência a publicação no Diário da Justiça de 14 daquele mesmo mês, traz notícia de que foi indeferida liminar requerida na ADI 273-2, proposta contra as Medidas Provisórias n. 181 e 182. Esses atos, quando da edição do Plano Collor, estabeleceram restrições e durações temporais para liminares em ações cautelares contra o Poder Público e para liminares em mandado de segurança. A composição da Corte foi bastante alterada desde então (o julgamento data de 8 de maio de 1990), pelo que esse julgado é menos relevante do que os que abordei nos trabalhos mencionados. 21 Esses dispositivos sempre me pareceram, antes de tudo, indicativos da legitimidade da antecipação da tutela contra o Poder Público a ser pleiteada com Inndamento no art. 273, II, do Código de Processo Civil, desde que presentes em concreto os demais pressupostos

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Provisória nº 2.180-35/2001, que dispensa o reexame necessário em certos casos (v. item 4, infra), a exemplo do que também ocorreu, em função da Lei nº 10.352/2001, com o art. 475 do Código de Processo Civil. Nem mesmo a otimização das procuradorias públicas — bem mais do que a metade da Medida Provisória nº 2.180-35/2001 volta-se a otimizar e melhor aparelhar a Advocacia-Geral da União — alivia o peso das normas aqui estudadas.

É que esses "pequenos avanços" em matéria de efetividade da jurisdição, com o devido respeito, não representam muita coisa diante das questões aqui em estudo.

É que, mesmo nesses casos em que não se deve mais recorrer para os Tribunais Superiores e mesmo nessa linha de otimização da atuação jurisdicional da Administração direta e das autarquias e fundações federais, qualquer liberação de dinheiro terá de aguardar o trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito do particular. E, mesmo quando se dispensa o reexame necessário, não há como esquecer o art. 24-A da Lei nº 9.028/95 e o art. 1º-A da Lei nº 9.494/97, ambos fruto da mesma Medida Provisória nº 2.180-35/2001, que, grosso modo, isentam o Poder Público do pagamento de qualquer despesa para recorrer. O que isso significa? Dentre as alternativas que apresento no item 2 do Capítulo VII, parece-me que a mais coerente com essas regras é a de que, enquanto houver recurso, a decisão não transita em julgado. E, se não transita em julgado, não há por que o Poder Público cumpri-la. Afinal, recorrer não custa nada.

Nessas condições, é abominável o que se lê do art. 2º-B e, superiormente, do art. 100, §§ 1º e 3º, da Constituição Federal. É inconstitucional, injurídico, atécnico e injusto. É negar todos os avanços que o processo civil alcança "nas ações contra os particulares" nos casos em que o Estado é parte. O interesse público justificaria essa distinção de eficácias? Interesse público de quem?

O próprio Estado, nessas condições, tem receio de sua Justiça e a torna, quando a pretensão é dirigida contra ele, inefetiva e ineficaz. Verdadeiramente vazia e inócua, porque tardia, porque perdida no tempo, sempre do aguardo do que é tão difícil de ver, o "trânsito em julgado".

Não se trata, destarte, da discussão quanto à existência de prerrogativas ou de privilégios da Fazenda Pública em juízo. O que os dispositivos aqui analisados reservam para o Poder Público é sua total e completa imunização do Poder Judiciário. É, também, agredir de morte o princípio da separação dos Poderes.

Cada vez mais parece-me imperioso um estudo próprio, devidamente valorado e aquilatado do Poder Público em juízo para desvendar e expor para debate

autorizadores daquela providência (v. meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 305 e 306).

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essas e tantas outras desproporções que se verificam quando o Estado, de alguma forma, é acionado22. Ou agora, sem mais tardança, ou "nunca mais"!

4. DISPENSA DO REEXAME NECESSÁRIO

Reputo dois contrapontos pertinentes de serem feitos para encerrar o Capítulo. O primeiro deles, apenas para explicitar o que já referi no item anterior, diz respeito ao art. 12 da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, que, em algumas situações, dispensa o reexame necessário. O outro, que ocupará o item seguinte, trata do poder geral de cautela e as ações rescisórias.

Chamo-os de "contraponto" pelo simples motivo de que essas regras, diferentemente das comentadas nos itens anteriores, admitem, de alguma forma, um pouco mais de efetividade no processo (seja no campo da satisfação, dispensando o reexame necessário em alguns casos; seja no campo da mera cautelaridade, como nas rescisórias), mesmo quando o Poder Público está presente na relação processual.

O precitado art. 12 foi incorporado ao direito positivo brasileiro pela 18a reedição da Medida Provisória nº 2.180, em 1º de junho de 2000, e, desde a Medida Provisória nº 2.180-34, de 27 de julho de 2001, assumiu sua redação final, corrigido pequeno erro de ortografia, que se repetiu por mais de um ano23:

Art. 12. Não estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição obrigatório as sentenças proferidas contra a União, suas autarquias e fundações públicas, quando a respeito da con-trovérsia o Advogado-Geral da União ou outro órgão admi-nistrativo competente houver editado súmula ou instrução normativa determinando a não-interposição de recurso voluntário.

22 Com o privilégio da companhia de quatorze juristas notáveis, organizei, com Carlos Ari Sundfeld, na Sociedade Brasileira de Direito Público, seminário sobre o que denominamos "Direito processual público — A Fazenda Pública em juízo". As conclusões a que então chegamos em oito semanas de encontros estão reunidas em livro homônimo publicado pela Editora Malheiros de São Paulo. Recomendo a leitura do trabalho. Mas acredite, meu leitor, é pouco se comparado com o que há a ser feito em nome da cidadania e das instituições brasileiras, mesmo que do prisma da atuação jurisdicional do Poder Público. 23 Se o leitor veio para esta nota é porque é curioso. Sacio, pois, sua curiosidade. As versões anteriores se referiam a duplo grau de jurisdição "abrigatório" e não

"obrigatório"...

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Que o dispositivo dispensa o reexame necessário das sentenças nas condições que ele especifica não há dúvida alguma. E, felizmente — eis a razão pela qual me referi, de início, a contraponto —, ele está em consonância com outras duas regras no mesmo sentido. É o caso do art. 19 da Lei nº 10.522/2002, segundo o qual a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional pode autorizar a não-apresentação de contestação e a não-interposição de recurso voluntário ou a desistência do já interposto nos casos em que enuncia, dispondo o § 2° do dispositivo estar dispensado o reexame necessário quando o Procurador da Fazenda Nacional reconhecer expressamente o pedido ou manifestar o seu desinteresse em recorrer quando intimado para tanto. Da mesma forma, o referido art. 12 relaciona-se com o art. 4º

da Lei nº 9.469/97, segundo o qual o Advogado-Geral da União pode autorizar a não-propositura de ações ou a apresentação de recursos na forma como estabelece.

Acredito, todavia, que o art. 19 da Lei nº 10.522/2002 é bem mais benéfico e amplo do que o art. 12 da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, tendo em vista que excepciona a regra do reexame necessário (e do "recurso voluntário") em todos aqueles casos em que, independentemente de qualquer providência administrativa, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou de quem quer que seja, já houver consolidação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Basta, a esse respeito, consultar o rol do art. 18 daquele diploma legal (art. 19,I)24.

De qualquer sorte, mesmo que se entenda, do ponto de vista estático do direito, que há necessidade de um ato complementar do Advogado-Geral da União para que o reexame necessário do art. 12 em exame deixe de ser regra, a providência é de ser louvada, quando menos porque ajuda a demonstrar que o reexame necessário do art. 475 do Código de Processo Civil não é (se é que um dia pôde ser entendido assim) um dogma absoluto, imutável e indiscutível.

A regra do reexame necessário admite exceções. Tanto expressas, como as que acabei de destacar, e são claras a respeito as disposições normativas indicadas, como implícitas, na forma a que faço referência no trabalho citado na nota 20, supra.

Aliás, justamente em função dessas "exceções implícitas" é que o art. 12 não incide em flagrante inconstitucionalidade por não se referir à dispensa do reexame necessário também para os Estados, o Município e o Distrito Federal em situações similares. Para afugentar o fantasma da inconstitucionalidade, mister que ele seja interpretado indistintamente para todas as pessoas jurídicas de direito público. 24 O art. 11 da Medida Provisória n. 2.180-35/2001 traz, a respeito, um interessante dispositivo para solucionar eventual controvérsia no âmbito interno da Administração Federal. Segundo o dispositivo: "Art. 11. Estabelecida controvérsia de natureza jurídica entre entidades da Administração Federal indireta, ou entre tais entes e a União, os Ministros de Estado competentes solicitarão, de imediato, ao Presidente da República, a audiência da Advocacia-Geral da União. Parágrafo único. Incumbirá ao Advogado-Geral da União adotar todas as providências necessárias a que se deslinde a controvérsia em sede administrativa".

22

Melhores do que as disposições normativas destacadas acima que, de uma forma ou de outra, acabam por depender da expedição de ato administrativo pelo Advogado-Geral da União, isto é, de uma sua manifestação de vontade, são os dois novos parágrafos que a Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, introduziu no art. 475 do Código de Processo Civil.

De acordo com esses dispositivos, o reexame necessário está sempre e objetivamente dispensado em causas de até sessenta salários mínimos ou quando a sentença estiver em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior. Para não trair o corte metodológico do presente trabalho, envio o interessado às considerações que lancei sobre esses novos dispositivos nos comentários que redigi às leis do mandado de segurança25.

5. O PODER GERAL DE CAUTELA E AS AÇÕES RESCISÓRIAS

A Medida Provisória nº 2.180-35/2001 tem um art. 15 que não chegou a despertar maior interesse da comunidade jurídica nacional. Trata-se de um dispositivo que derrogava o art. 489 do Código de Processo Civil, por admitir expressamente a aplicação do poder geral de cautela às ações rescisórias, colocando, no particular, um ponto final em acirrada e clássica discussão da doutrina e da jurisprudência nacionais sobre aquela possibilidade.

É a seguinte a sua redação:

"Art. 15. Aplica-se à ação rescisória o poder geral de cautela de que trata o art. 798 do Código de Processo Civil".

Assim lido — e sem prejuízo da constatação de que o dispositivo acabou sendo revogado tacitamente pela Lei nº 11.280/2006, conforme exposição que encerra este item —, não tenho a menor dúvida de que o dispositivo sempre foi impertinente para ser discutido aqui. É que ele não trata de nenhuma vicissitude do Poder Público em juízo e, nessas condições, transborda do corte metodológico deste trabalho. Por que mencioná-lo, então? Por que abrir um item todo para seu exame? Aliás, se ele nada diz com o Poder Público em juízo, o que faz em medida provisória que disso trata?

25 Mandado de segurança, p. 145-8. Uma interessante abordagem dos novos §§ 2º e 3° do art. 475 do CPC, em um contexto de profunda alteração do "ser" do reexame necessário é feita por Francisco Glauber Pessoa Alves, "A remessa necessária e suas mudanças (Leis 10.259/01 e 10.352/01)", esp. p. 125-30.

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As respostas às questões estão perdidas no tempo, nas sucessivas, mensais e exaustivas reedições da Medida Provisória nº 2.180. E justamente por isto, não obstante o advento da Lei nº 11.280/2006, ainda são pertinentes.

Houve tempo em que o poder geral de cautela só era aplicável às ações rescisórias ajuizadas pelo Poder Público, de todos os níveis federais. Não ajuizadas contra elas, note-se desde já. Por mais estranha que possa parecer a idéia, era o que se lia no antigo art. 4º-A da Lei nº 8.437/92, que, até a Medida Provisória nº 1.984-21, de 28 de agosto de 2000, foi direito vigente no Brasil.

Art. 4º-A. Nas ações rescisórias propostas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida cautelar para suspender os efeitos da sentença rescindenda.

A leitura do dispositivo revela uma faceta interessante da medida provisória que dá ensejo ao desenvolvimento deste trabalho. Ao mesmo tempo em que o Estado retira mecanismos de salvaguarda da efetividade do processo quando seu requerente é o particular (assim, por exemplo, o art. 2º-B da Lei nº 9.494/97), cria mecanismos para aquela finalidade quando ele, Estado, é o autor da ação, é quem pede seja prestada a tutela jurisdicional.

Técnicas e sistematizações processuais à parte, a inconstitucionalidade do dispositivo original era flagrante. Não só porque também era fruto de medida provisória, mas porque só criava proteção de direito para uma das partes da relação processual, justamente o Estado.

Já na 1a edição do trabalho, busquei uma interpretação que constitucionalizasse o dispositivo.

Foi o seguinte meu texto, mantidas as notas ainda pertinentes e atuais:

Aqui, no entanto, e ao contrário dos comentários anteriores, parece-me possível salvar o dispositivo de sua flagrante inconstitucionalidade, oferecendo, para ele, uma interpretação conforme (à Constituição) e sistemática.

É que doutrina e jurisprudência têm, gradativamente, amenizado a letra do referido art. 489 do Código de Processo

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Civil admitindo a propositura de ações cautelares para suspender os efeitos da decisão rescindenda enquanto tramita a ação rescisória. Objetiva-se com isto viabilizar a efetividade ampla do que vier a ser decidido nesta ação.

O debate com relação à suspensividade dos efeitos da decisão rescindenda durante a tramitação da ação rescisória foi incrementado com a introdução do instituto da antecipação da tutela no Código de Processo Civil.

Tive oportunidade de sistematizar o problema em outro escrito, o que me dispensa de fazê-lo aqui para não me tornar repetitivo. Escrevi que, com a modificação do art. 273 do Estatuto processual, deslocou-se o eixo de dúvidas e questionamentos acerca do tema. Da existência de correntes opostas relativas ao cabimento e ao descabimento da ação cautelar para suspender os efeitos da decisão rescindenda (permitiria o art. 489 do Código de Processo Civil o exercício do poder geral de cautela?), passou-se, com a reforma processual de 1994, a discutir (somente) se era mesmo a ação cautelar instrumento apto para a pretendida suspensão de efeitos ou se, diante da nova regra do art. 273, o veículo não teria passado a ser, com exclusividade, a antecipação da tutela. Abandonou-se, por assim dizer, a dúvida relativa à possibilidade de suspensão dos efeitos da decisão rescindenda. O embate passou a se concentrar (apenas) no veículo processual adequado para aquela finalidade: se cautelar ou se antecipação da tutela26.

Feitas estas considerações, decorre uma constatação. Mesmo que o art. 4º-A dirija-se só às pessoas administrativas que menciona (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias e fundações públicas), na dinâmica do direito admite-se o exercício da tutela de urgência — quer a título de cautelar ou de antecipação da tutela — também quando o requerente é particular. O exame da tutela de urgência nas ações rescisórias, nesses casos, é feito,

26 V., longamente, meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 335-45, em que sustento, diante do rico debate existente em doutrina e jurisprudência acerca do correto mecanismo para evitar danos durante a tramitação da ação rescisória, a fungibilidade das ações cautelares e dos requerimentos de antecipação da tutela em homenagem à instrumentalidade do processo. Analisei nesse trabalho, outrossim, versão anterior da medida provisória em comento (a 3a reedição, de abril de 1999) e o art. 71 da Lei n. 8.212/91 com a redação da Lei n. 9.032/95, que também admite a concessão de "liminar" em ação rescisória nos casos que especifica (op. cit., p. 340 e 341).

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corretamente, a partir da necessidade da tutela e não a partir do exame da qualidade da parte que a pleiteia.

Se assim é, os efeitos unilaterais decorrentes desta inovação legislativa restam minimizados. O dispositivo está salvo.

Mas, e como última observação, a modificação interessada do ordenamento jurídico em prol do Estado é inequívoca e revela muito mais do que a mera identificação ou declaração tópica da inconstitucionalidade de um dado dispositivo de medida provisória27.

O fato é o que o dispositivo, que também fazia parte de outra série de medidas provisórias, acabou sendo julgado inconstitucional na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.251/DF, e, por isso, não há outra razão, é que "voltou" com a nova roupa, transcrita no início deste item28.

A redação que acabou sendo dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001 é neutra, como se realmente fosse do interesse de seus idealizadores que o particular pudesse valer-se de sua regra em seu favor e, pior, contra o Poder Público. É fato que o art. 15, como adiantei, não revela seu "passado", parcial, interessado e condenado pelo Supremo Tribunal Federal.

Como consequência deste breve histórico, não hesito em afirmar que o art. 15 conflita, em alguma medida, com a decisão que o Supremo Tribunal Federal proferiu na referida ação direta de inconstitucionalidade. É que, embora reescrito, o dispositivo admite o exercício do poder cautelar no âmbito da ação rescisória também pelo Poder Público, o que, de uma forma ou de outra, não deixa de ir contra o que o Supremo decidiu, embora em sede cautelar.

É certo, a declaração de inconstitucionalidade do então art. 4º-A da Lei nº 8.437/92 repousou, fundamentalmente, no privilégio então criado apenas para a Fazenda Pública. O texto anterior, basta lê-lo, só previa o cabimento da ação cautelar em ações rescisórias pelo Poder Público. Negava, por assim dizer, a evolução jurisprudencial e o distanciamento da rigidez literal do art. 489 do Código de Processo Civil quando o autor da rescisória fosse o particular. Porque também violadora da isonomia processual, declarou-se liminarmente a inconstitucionalidade da medida.

27 O Poder Público em juízo, p. 174-6. 28 Após duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (n. 1.718-2/DF e 1.821 -8), o dispositivo foi julgado inconstitucional na ADI 2.251/DF, relator o Ministro Sydney Sanches (DJU, 28 ago. 2000).

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Talvez o objeto da 22a reedição da Medida Provisória nº 2.180 tenha sido tentar remediar a flagrante inconstitucionalidade do art. 4º-A da Lei nº 8.437/92, e por isso se passou a admitir a cautelar para quaisquer das partes envolvidas na ação rescisória, inclusive, vale a pena repetir, quando ajuizada pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal, suas autarquias e fundações públicas.

Se foi esse o intuito, a grande verdade é que a regra, que se pretendeu nova, sempre tendeu, rigorosamente falando, à inocuidade, porque queria disciplinar o que doutrina e jurisprudência já garantiam e sobre o que já não havia mais dúvida alguma: quando da sua edição não havia por que duvidar de o poder geral de cautela ter aplicação em qualquer ação ou processo e a qualquer situação de dano ou de ameaça de dano que pudesse comprometer a efetividade do processo (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).

Tal inocuidade só poderia ser descartada se o objetivo da inovação guardasse alguma relação com o término da discussão que se verificava em jurisprudência e em doutrina, à época, acerca do correto e adequado mecanismo para a suspensão dos efeitos da decisão rescindenda: se a ação cautelar ou se a antecipação da tutela29.

No contexto das sucessivas reedições da medida e diante do que o Supremo Tribunal Federal decidiu no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.251, no entanto, não posso crer que tenha sido aquele o intento do art. 15. Parece-me, definitivamente, que seu objetivo repousou em desviar a atenção da ruptura do princípio da isonomia contida na regra anterior, ao mesmo tempo em que se passou a admitir expressamente o cabimento da ação cautelar pelo Poder Público nas ações rescisórias por ele ajuizadas. Mesmo que para tanto tenha acabado por tolerar idêntica iniciativa para o particular, o que — não há como deixar de reconhecer — jurisprudência e doutrina, a uma só voz, já vinham admitindo sem maiores questionamentos.

Parecem-me bastante pertinentes, por isso mesmo, as considerações que lancei quando conclui, na 1a edição deste trabalho, os comentários ao então art. 4º-A da Lei nº 8.437/92: "... como última observação, a modificação interessada do ordenamento jurídico em prol do Estado é inequívoca e revela muito mais do que a mera identificação ou declaração tópica da inconstitucionalidade de um dado dispositivo de medida provisória"30.

29 A respeito, v. meu Execução provisória e antecipação da tutela, p. 335-45. Hoje não hesito em afirmar que aquela discussão está minimizada diante da nova regra do § 7º do art. 273, acrescentada pela Lei n. 10.444/2002, que aceita verdadeira fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, na linha, aliás, do que já havia defendido enfaticamente naquele trabalho. Para o meu pensamento mais recente sobre o assunto, v. o meu Tutela antecipada, p. 140-57. 30 O Poder Público em juízo, 1. ed., p. 176.

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Sem prejuízo das considerações anteriores que, repito o que escrevi, justificam-se para demonstrar o "pano de fundo" das constantes modificações do sistema processual civil pelas regras de "direito processual público", importa destacar que o art. 15 da Medida Provisória nº 2.180-35/2001 acabou sendo tacitamente revogado pela nova redação que ao art. 489 deu a Lei nº 11.280/2006, passando o dispositivo a ter a seguinte redação:

Art. 489. O ajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou ante-cipatória de tutela31.

Currículo Resumido:

CASSIO SCARPINELLA BUENO

Mestre, Doutor e Livre-docente em Direito Processual Civil pela PUC–SP. Pro-fessor do curso de mestrado das Faculdades Integradas de Vitória. Professor da PUC-SP. Advogado.

Como citar este texto:

BUENO, Cassio Scarpinella. “A (in)efetividade do processo e o poder pú-

blico”. In: O Poder Público em Juízo, 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 197-227. Material da 2ª aula da disciplina Fazenda Pública em Juízo, minis-trada no Curso de Pós-Graduação de Direito Público–Anhanguera-Uniderp | Rede LFG.

31 Voltei-me ao exame do dispositivo fora do contexto do "direito processual público" em meu A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, v. 2, p. 141-9.