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World's Children's Prize promotes a more humane world. The program is open for all schools and 57,450 schools with 26.8 million pupils in 102 countries supports it. Every year millions of children learn about the rights of the child, democracy and global friendship through the program. They gain faith in the future and a chance to demand respect for their rights. In the Global Vote, the children decide who receives their prestigious award for their work for the rights of the child. The candidates for the Prize are chosen by a child jury who are experts in the rights of the child through their own experiences. The Prize Laureates become role models for millions of children. The prize money is used to help some of the world's most vulnerable children to a better life. The patrons of the World's Children's Prize include Nelson Mandela, Queen Silvia of Sweden, Aung San Suu Kyi and Graça Machel.

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Ann Skelton

Ann cresceu sob o violento regime do Apartheid na África do Sul. Quando ela tinha 15 anos, as crianças negras de sua idade que protestavam eram baleadas e presas. Como jovem promotora, viu crianças que haviam sido espancadas pela polícia e mordidas por cães policiais, e crianças condenadas a chibatadas. Ela se tornou uma advogada na luta pelos direi-tos da criança e ajudou a redigir leis que as protegem. Ann leva casos de crianças ao tribunal e, ao vencer esses casos, muitas crianças em situações semelhantes às de seus clientes são ajudadas.

É importante para Ann que os adultos ouçam as crianças. “Crianças são pessoas. Elas precisam da oportunidade de participar das

decisões que influenciam suas vidas”.

Quando Ann era ado-lescente, ela detesta-va todas as regras na

escola. “Quando comecei o ensi-

no médio, meus colegas de classe e eu tínhamos que usar crachás com nossos nomes pendurados no pes-coço. Achei aquilo degra-dante e recusei-me a usá-lo”.

Mas esta foi apenas a pri-meira de uma série de humi-lhações que Ann enfrentou na nova escola.

“As crianças mais velhas nos atormentavam, nos mandavam comprar coisas para elas e nos tratavam como escravos, simplesmen-te por sermos mais jovens. Eu me rebelava contra todas essas perseguições e, obvia-mente, me envolvia em pro-blemas; muitas vezes era enviada para a sala de deten-ção da escola. Sempre me senti distante deste sistema onde alguém podia ser puni-do apenas por ter suas pró-

NOMEADA • Páginas 90–109POR QUE ANN É NOMEADA? Ann Skelton foi nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo 2012 por seus mais de 20 anos de luta bem sucedi-da pelos os direitos de crianças afetadas pelo sistema judiciário.

Ann realizou um trabalho revolucionário pelas crianças da África do Sul, tanto em tribunais quanto alterando as leis relaciona-das às crianças. Quando Nelson Mandela se tornou presidente, Ann foi convidada para presidir a redação da nova lei que protege crianças envolvi-das em problemas com a lei. Ao auxiliar, por exemplo, uma criança em um processo de divórcio, uma criança maltratada em um lar infantil, uma criança refugiada desacompanha-da, crianças maltratadas na prisão, crianças das “escolas de barro” em más condições, e chegar a uma decisão judicial em favor delas, Ann tem ajudado e protegido todas as crianças da África do Sul em situações semelhantes. Ann é Diretora do Centro de Direito Infantil da Universidade de Pretória e é auxiliada por duas jovens advogadas.

Ann com alunos da Escola de Ensino Médio para Meninos e da Escola de Ensino Médio para Meninas de Pretória interessados em promover os direitos da criança. fOTO: MASI LOSI

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prias ideias e uma opinião diferente”.

Regras do apartheid Ann estudava em uma escola “exclusiva para brancos” em Pietermaritzburg – naquela época, crianças negras e bran-cas eram separadas umas das outras em todas as esferas da vida. Era literalmente um cri-me uma criança negra visitar uma criança branca em um bairro branco sem uma per-missão, que era chamada de “passe”!

Ann lembra-se do dia em que as crianças negras foram às ruas para protestar contra o apartheid.

“Quando eu tinha 15 anos e vi, na televisão, as crianças negras da África do Sul se rebelando contra as regras do apartheid, entendi seu des-contentamento de um modo diferente que a maioria das pessoas na minha escola e bairro exclusivos para bran-cos. Isso foi em 1976, quando as crianças negras protesta-ram contra o governo do apartheid, que as obrigava a

viver na miséria e aprender em africâner – o idioma dos brancos. Eles queriam apren-der em seus próprios idiomas negros, o que havia de errado nisso? Todavia, muitas crian-ças que protestaram nas ruas em 16 de junho de 1976 foram presas ou mortas a tiros pela polícia, simplesmente porque tinham suas próprias opini-ões e por se recusarem a ser tratadas como escravos. Lembro-me que escrevi um poema sobre meus sentimen-tos e as crianças que tiveram

que pagar com suas próprias vidas pela liberdade”.

A família de Ann “Meu pai, que era filho de um operário de uma mina de car-vão na Inglaterra antes de vir para a África do Sul, entendia como era ser pobre. Um dia, quando passamos por um lugar onde muitos negros for-mavam fila no portão de uma fábrica para tentar conseguir um emprego, meu pai disse: “Coitados, eu me lembro de como é estar em uma fila

assim”. Naquele momento, eu soube que minha família não era diferente das famílias negras e que éramos todos iguais, dignos de respeito”.

“Em meu último ano no ensino médio, fiz um discurso sobre a desigualdade. Aquilo não me tornou popular, pois ainda era a época do apar-theid, mas foi importante para mim, porque aprendi a colocar meus sentimentos e pensamentos rebeldes em palavras. Na ocasião, eu não sabia que me tornaria uma advogada que falaria em nome das crianças e lutaria por seus direitos. Mas foi isso que aconteceu”.

Crianças na prisão “Anos depois, fui estudar direito e, em 1986, consegui meu primeiro emprego como promotora no tribunal. Neste

O Child Justice Act foi desenvol-vido por uma comissão liderada por Ann. A lei enfatiza a neces-sidade de cuidado e reabilita-ção de menores infratores, em vez de punição. Atualmente, a maioria das crianças que infrin-gem a lei na África do Sul é libe-rada mediante a presença dos pais; quando detidas, a maior parte vai para instituições cor-recionais, não prisões.

Quando Ann tinha 15 anos, ela viu crianças negras protes-tando contra o apartheid. Hector Pieterson, que tinha apenas doze anos, foi morto a tiros pela polícia. Hector foi laureado postumamente com o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo no ano 2000.

Somente pessoas brancas eram autori-zadas a nadar nesta praia.

Apartheid era racismo oficial O racismo começou cedo na África do Sul, mas em 1948 ele foi oficializado e rece-beu o nome de apartheid, que significa “separação”. Naquela época, pessoas negras e brancas eram mantidas separadas, e os negros enfrentavam discriminação e perseguição. A África do Sul foi dividida em áreas negras e brancas. Milhões de crianças negras e suas famílias tiveram que ir morar nas áreas “negras”. As crianças eram deixadas para trás enquanto seus pais procuravam trabalho longe, nas casas, fazendas e fábricas de pessoas brancas. Muitas crianças só viam os pais no natal. Os negros eram presos se entrassem em uma área branca sem uma autorização. Eles não tinham permissão para usar os mesmos ônibus, parques, toaletes públicos, restaurantes e inúmeros outros serviços reservados somente para brancos. Quando as crianças protestavam contra essas desigualdades e clamavam por liberdade, policiais e soldados usavam de violência para silenciá-las.

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Ao ajudar Shaafi, da Somália, e outras crianças refugiadas desacompanhadas em pro-cessos judiciais, Ann protege os direitos de todas as crian-ças na mesma situação na África do Sul.

“Eu vi muitas crianças presas, espancadas pela polícia e mordidas por cães policiais”.

trabalho, vi muitas crianças aparecem no tribunal, presas e espancadas pela polícia, mordidas por cães policiais e com feridas ainda abertas. Algumas estavam com frio, sem roupa para mantê-las aquecidas. Geralmente, elas eram muito jovens e a polícia as mantinham em prisões por muito tempo. Se fossem con-sideradas culpadas de infrin-gir uma lei, podiam ser con-denadas a ser açoitadas com uma chibata”.

“Percebi que o sistema era muito ruim para as crianças que cometiam alguma infra-ção e que precisávamos mudá--lo. Deixei o tribunal, fui tra-balhar para a Lawyers for Human Rights (Advogados pelos Direitos Humanos) e

criei um projeto que visava ajudar as crianças presas. Agora, meus colegas advoga-dos e eu podíamos ir ao tribu-nal durante o dia e, só de olhar, conseguíamos saber quais crianças haviam sido presas durante a noite”.

“Às vezes, tínhamos que esperar durante horas em ban-cos duros nas delegacias de polícia, pois os policiais faziam de tudo para tentar nos fazer desistir e ir embora. Porém, esperávamos até que nos mostrassem as crianças. Tentávamos de tudo para entrar em contato com suas famílias para avisar que seus filhos estavam presos e ajudá--las a comparecer no tribunal para poderem levar seus filhos para casa. É preciso lembrar que naquela época não havia telefones celulares. Era muito difícil encontrar até mesmo algum membro da família que tivesse telefone, mas, quando conseguíamos, podíamos real-mente ajudar a criança e ela tinha chance de ser liberada”.

Espancado até a morte “Um dia, em 1992, um meni-no de 13 anos, Neville

Snyman e seus amigos inva-diram uma mercearia e rou-baram doces, batatas fritas e refrescos. Quando a polícia os encontrou, eles foram levados para a cadeia, onde Neville foi estuprado e espancado até a morte. Jornais de todo o país contaram esta história cho-cante e muitas pessoas perce-beram, pela primeira vez, como as coisas eram ruins para crianças nas prisões”.

Para Ann, essa foi a gota d'água. Ela não aguentava mais.

“Percebi que, até então, eu estava apenas ajudando algu-mas crianças em uma cidade, quando precisávamos ajudar todas as crianças presas em todo o país imediatamente. Iniciamos uma campanha chamada ‘Liberte uma

Criança para o Natal’. Telefonei para centenas de pessoas, e cada advogado de direitos humanos da África do Sul telefonou para outro advogado, que telefonou para outro... criamos uma corrente de adultos que trabalharam em conjunto para garantir que mandássemos tantas crianças quanto possível para casa para o Natal. Conversei com o governo e as autorida-des prisionais e consegui con-vencê-los a cooperar comigo. Nós tiramos 260 crianças da prisão naquele ano!”.

Ameaçada de detenção Um dia, policiais de seguran-ça do apartheid fizeram uma revista de surpresa nos escri-tórios onde Ann e seus cole-

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Quando Nelson Mandela tor-nou-se presidente, em 1994, ele disse: “Devemos esvaziar as prisões de crianças!”. Ann foi designada para presidir a comissão que redigiria uma nova lei para as crianças.

Ann tornou-se uma advogada que fala-ria em nome das crianças e lutaria por seus direitos.

gas advogados de direitos humanos trabalhavam. Eles levaram os arquivos e muitos documentos em que Ann mantinha informações sobre as crianças que estava ajudan-do. Ann imediatamente per-cebeu que era possível que ela própria fosse detida, pois a polícia de segurança vinha prendendo seus colegas negros e milhares de outras pessoas que lutavam contra as leis do apartheid em todo o país na época. Ann foi direto para casa e telefonou para o marido. Ela disse que ele teria que aprender a dar mamadeira para seu bebê pequeno naque-le mesmo dia, para o caso de Ann ser a próxima a acabar na prisão. Seu marido ficou cho-cado, mas fez o que ela pediu, pois sabia que Ann não desis-tiria de seu trabalho pelas crianças, mesmo em face da ameaça de prisão.

Isso foi em 1992, e as coisas estavam mudando rapidamen-te. O apartheid caminhava para o fim, e foi um momento muito emocionante na África do Sul. Finalmente, após muitos anos de luta contra o sistema de apartheid, Nelson Mandela e outras pessoas que lutaram pela liberdade foram soltas das prisões. Era hora de sonhar sobre como um país decente trataria suas crianças.

Nelson Mandela tornou-se presidente em 1994 e, em seu primeiro discurso ao parla-mento, declarou: “Devemos esvaziar as prisões de crian-ças!”. E ele realmente preten-dia fazê-lo. Ann foi convidada para presidir uma comissão especial, que redigiria uma nova lei para menores infra-tores.

Perguntou às criançasEnquanto redigiam a nova lei, Ann e seus colegas decidi-ram pedir a opinião das crianças. Afinal de contas, a nova lei iria afetá-las! Estes foram alguns dos comentá-rios feitos pelas crianças:

“Crianças menores de 10 anos são jovens demais para

planejar um ato criminoso, a menos que haja uma pessoa mais velha incentivando-as a fazê-lo”.

“O policial conversou gen-tilmente comigo quando veio me prender. Porém, na dele-gacia de polícia as coisas mudaram. Fui torturado e até confessei coisas que não fiz, porque ele disse que eu havia feito tais coisas. É melhor que haja alguém, como um de seus pais ou um assistente social, junto com você duran-te o depoimento, para que não fique tão assustado”.

“A polícia simples - mente me levou e me prendeu. Eles não me disseram que eu tinha o direito de fazer um telefonema. Mesmo quando está preso, você tem que ser informado sobre seus direitos”.

“Não há camas em uma cela de prisão. Não se pode com-prar comida. Não há nin-guém para ajudá-lo quando você adoece. Você dorme com pessoas muito mais velhas, que abusam de você. Prisões levam a pensamentos suicidas quando se está deprimido”.

“Os tribunais devem ser mais infantis, com cartazes coloridos, tinta, móveis, doces. Os adultos não devem usar jaquetas pretas longas, pois parecem assustadores”.

Crianças são pessoas Ann explica que as

opiniões das crianças sobre prisões e tribunais conta-vam histórias de deses-pero e raiva. Elas expres-sam o terror e a solidão sentidos pelas crianças quando infringem a lei.

“Também nos contavam como os adultos

desapontam

as crianças quando estas estão em apuros, mas também nos diziam que, se realmente con-sultarmos suas opiniões e tra-tarmos seus pensamentos com dignidade e respeito, as crianças podem se expressar de maneira lógica e sensata, o que, por sua vez, pode nos ajudar a ajudá-las”.

Ann chama as crianças que ajuda de “clientes crianças”.

“Crianças são pessoas”, diz ela, “Elas precisam da oportunidade de participar das decisões que influenciam suas vidas. Uma das coisas que considero prazerosas é ajudar uma criança a organi-zar sua raiva ou rebeldia em ação construtiva, para que a criança possa encontrar maneiras de ajudar a mudar sua própria situação!”.

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O crime é pernicioso Ann sorri ao dizer:

“Hoje temos essa nova lei que redigimos, é o chamado Child Justice Act (Ato da Justiça da Infância). Ele entende que as crianças come-tem erros e que os adolescen-tes tendem a quebrar as regras. Se os tratamos como criminosos, há o risco de que eles entrem em contato com verdadeiros criminosos e endureçam, podendo até cometer crimes realmente graves quando crescerem. Se reconhecermos que eles fize-ram algo errado, mas lhes dermos uma segunda chance para acertar as coisas sem levá-los aos tribunais e pri-sões, é provável que apren-dam com seus erros e cresçam

como cidadãos cumpridores da lei, que respeitam os direi-tos das outras pessoas”.

“Menores não devem ser obrigados a arcar com as con-sequências de seus erros pelo resto de suas vidas, nem transformados em crimino-sos. A lei permite que sejam enviados para programas onde podem aprender o que é certo e o que é errado, como se comportar em relação a outras pessoas e porque o cri-me é pernicioso para os envol-vidos. Eles podem crescer e se tornar membros da sociedade cumpridores da lei”.

“No entanto, caso conti-nuem a cometer crimes ou se o crime tiver sido muito gra-ve, como homicídio, assalto à mão armada ou estupro, a nova lei determina que eles podem ser levados a julga-mento e, se condenados, serão enviados para uma institui-ção correcional ou prisão. Se forem para a prisão, deve ser pelo menor tempo possível e devem ser mantidos separa-dos dos adultos. Toda criança tem direito a um advogado; se não puder pagar, o Legal Aid

África do Sul (Assistência Judiciária financiada pelo governo) oferece um advoga-do gratuitamente”.

Um caso ajuda a muitos “Hoje em dia, meu trabalho não se limita a crianças na pri-são. Levo ao tribunal casos sobre muitas questões que afe-tam as crianças. Embora atu-almente tenhamos leis melho-res na África do Sul, estas leis nem sempre são seguidas, e as crianças sofrem. Às vezes

pegamos um caso em favor de muitas crianças de uma só vez, para que os seus direitos sejam cumpridos. Outras vezes, pegamos o caso de uma criança isoladamente, mas, se ganharmos, podemos ajudar todas as crianças na mesma situação – o caso de Shaafi é assim, o caso era sobre Shaafi, mas ajuda todas as crianças que estão pedindo asilo como refugiadas no Sul África, como Shaafi”.

Em um caso inicialmente envolvendo sete “escolas de barro” na África do Sul, Ann apontou que ela e o Centro de Direitos da Criança representavam crianças de toda a África do Sul que encontravam-se em situação semelhante à dos alunos daquelas sete escolas. O resultado do caso foi que o governo sul-africano prometeu gastar um total de 8,2 bilhões de rands (US$ 1,2 bilhão), para substituir todas as escolas de barro.

Ann acredita que, muitas vezes, o sistema falha com as crianças, e que os adultos precisam aprender a ouvir as crianças.

“Hoje, quando levamos casos ao tribunal, não é mais para ajudar crianças que já estão presas, como durante o apar-theid. Agora já aprendemos que o que acontece naquele tribunal pode afetar milhares de crianças”.

Em outra época, esses dois meninos lendo a revista O Globo em uma instituição correcional estariam na prisão. Porém, a nova lei para crianças em que Ann está envolvida enfatiza a necessidade de cuidado e reabilitação de menores infratores, em vez de punição.

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Shaafi foi bombardeado, roubado, ilegal e agora é legalQuando a casa de Shaafi na Somália foi bombardeada, ele fugiu e viajou por quatro países antes de chegar à África do Sul. Lá, ele se tornou “ilegal” e foi preso. Ann Skelton e a Lawyers for Human Rights levaram seu caso ao Supremo Tribunal, para lutar por seu direito, e os de outras crianças refugiadas, de ser “legal”...

Abra a porta!” O homem sibila o

comando em voz baixa, enquanto os olhos de Shaafi se dirigem rapidamente para a arma na mão do homem, apoiada no balcão da loja de entre eles. Ele corre e destran-ca a porta da loja. Os dois homens entram e batem em Shaafi, que cai no chão.

“Onde está o dinheiro?” – perguntam os ladrões.

Shaafi aponta para as moedas e notas nas duas caixas de papelão ao lado do balcão da loja.

“Se você gritar por socorro, o mataremos”, adverte um dos homens, apontando sua arma para Shaafi. O outro homem esvazia as caixas cheias de moedas e notas em um saco e pega algumas latas de peixe atrás do balcão da loja. Eles se vão tão rápido quanto vieram.

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Reza cinco vezes Poucos minutos depois, uma mulher chega para comprar pão. Em seu inglês ruim, Shaafi explica a ela que está sem troco hoje.

“Quantos ovos posso levar no lugar do troco do pão?” – pergunta ela.

Shaafi faz um rápido cálcu-lo mental. “Três”, ele respon-de e, cuidadosamente,

Shaafi se levanta e tranca a porta atrás dos homens. Suas mãos tremem, mas ele man-tém o controle e a compostu-ra. O somali dono da loja o deixou cuidando da loja hoje, porque tinha negócios impor-tantes para resolver. Eles já foram roubados antes, e Shaafi está determinado a não desapontar seu patrão. Ele precisa deste emprego.

embrulha os ovos em jornal. Shaafi dorme debaixo do

balcão da pequena loja, onde seu colchão e cobertores ficam dobrados durante o dia. Quando o sol se põe, ele tran-ca a porta da loja e, ao nascer do sol, destranca. Entre esses dois horários, Shaafi tem muito medo de ir ao banhei-ro, o qual tem permissão para usar no quintal do vizinho.

Ao lado de sua cama, em uma prateleira com os ali-mentos enlatados, está sua única posse, uma mala. Dobradas dentro dela, estão suas poucas peças de roupa e o Corão, que ele usa cinco vezes por dia, quando ora para Alá. Suas orações são pela segu-rança de sua família na Somália, por seu próprio futuro na África do Sul e,

Crianças desacompanhadas Crianças como Shaafi, que cruzam fronteiras sozinhas, são chamadas de “crianças desacompanhadas” ou “menores desacompanhados”. Algumas delas o fazem porque estão fugindo de algo ruim que está acontecen-do em seu país, como guerra ou fome. Outras vivem em países onde a maioria das pessoas é muito pobre e se mudam na esperança de encontrar oportunidades melhores em outro país – como educação ou, se forem maiores de 15 anos, emprego. Outras ainda podem estar à procura de membros da família de quem foram separadas. Quando crianças viajam sozinhas, isso pode ser perigoso, pois estranhos podem tentar abusar delas. Ao chegarem ao novo país, elas podem ter difi-culdade para encontrar um lugar para morar ou uma escola para frequentar, por não terem documentos para mostrar que estão autorizadas a ficar no país. Advogados podem ajudá-las a obter documentos e impedir que sejam “deportadas”, que significa serem enviadas de volta para seus países de origem. Se uma criança nunca puder voltar para seu próprio país por-que a situação lá continua perigosa, ela pode tornar-se “refugiada” no novo país e, eventualmente, obter autori-zação para ficar ali permanentemente. Na África do Sul há muitas crianças desacompanhadas de outros paí-ses africanos, como Zimbabwe, Moçambique, República Democrática do Congo e Somália.

Shaafi dorme debaixo do balcão da loja.

Shaafi mantém suas únicas posses em uma pequena mala. Ele abre a mala cinco vezes por dia, para tirar seu Corão e rezar para Alá. Suas orações são por sua família e seu próprio futuro.

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Shaafi Daahir Abdulahi ,17

licença de trânsito que lhes dava 14 dias para chegar até o escritório de refugiados mais próximo.

Preocupado e preso “Os adultos no meu grupo pagaram pelo meu transporte para Johannesburg e, em tro-ca, eu carregava suas baga-gens”, diz Shaafi. “Porém, quando chegamos ao escritó-rio de refugiados para solici-tar minha licença de reque-rente de asilo, as pessoas lá me recusaram, afirmando que eu era uma criança. Eles me

disseram para ir ao Departa-mento de Desenvolvimento Social do governo sul-africa-no. Eu não sabia o que era o tal departamento ou onde encontrá-lo. Eu estava come-çando a ficar preocupado, pois minha licença de 14 dias estava prestes a expirar. Eu tinha que encontrar um lugar para morar e um trabalho para comprar comida”.

“Foi então que comecei a trabalhar para o somali dono da loja. Comecei a aprender inglês com meus clientes. Procurei uma escola por ali, e me ofereceram uma vaga em uma escola muçulmana, mas não pude me matricular por-que eu não tinha documentos para provar quem eu era, mas também não teria condições de pagar as mensalidades”.

“A polícia fiscalizou a loja em dezembro de 2010 e pediu

para ver minha licença de tra-balho. Como eu não falava inglês, o dono da loja explicou que eu não poderia obter a licença, uma vez era apenas uma criança. O policial me prendeu e disse que eu estava ilegal e que, se eu realmente era uma criança, não deveria estar trabalhando. O dono da loja deu-lhe 30 rand e então ele me libertou”.

“Leis de Ann” protegem “Algumas semanas depois, um policial fiscalizou a loja novamente, mas, felizmente, não me levou para a cadeia. Todavia, minha sorte acabou quando outro policial pediu para ver a minha licença, quando eu caminhava na rua. Fui preso e molestado na van da polícia por cerca de uma hora. Eu fui liberado quando um amigo foi à delegacia e

principalmente, para conse-guir ir à escola.

Casa bombardeada Como Shaafi acabou traba-lhando e morando em uma loja de esquina no perigoso subúrbio de Mamelodi em Tshwane, África do Sul?

Em setembro de 2010, a casa Shaafi em Mogadishu, capital da Somália, foi bom-bardeada. Seu pai morreu e sua mãe e irmãos fugiram em direções diferentes no pânico que se seguiu. Inúmeras casas foram bombardeadas naquele dia, e soldados dos grupos de milicianos balearam muitas pessoas. Shaafi se juntou a um grupo de sobreviventes que fugiram para salvar suas vidas. Ele deixou sua cidade natal apenas com a roupa do corpo, sem saber se sua mãe estava viva ou morta.

Durante semanas, Shaafi e as famílias de refugiados via-jaram a pé e de carro a cami-nho da África do Sul, na espe-rança de viver naquele país. Eles atravessaram o Quênia, a Tanzânia, a Zâmbia e, final-mente, o Zimbabwe. Foi uma jornada perigosa. Eles tive-ram seu dinheiro roubado na Zâmbia e tiveram que passar várias noites no mato, antes de finalmente chegarem à fronteira entre a África do Sul e o Zimbabwe. Ali, eles decla-raram aos oficiais de fronteira que estavam buscando asilo e pediram uma licença para solicitar a condição de refu-giados. Eles receberam uma

ADORA: Ler o Corão e rezar por paz na vida. DETESTA: Guerra. A PIOR COISA: Quando minha casa foi bombardeada, meu pai mor-reu e minha mãe desapareceu. A MELHOR COISA: Quando Ann Skelton me ajudou a ser legalizado na África do Sul, para que eu não volte a ser preso. ADMIRA: Alá. QUER SER: Bem sucedido na vida. Ter minha própria família e poder cuidar dela. SONHO: Encontrar minha mãe.

Entre o por e o nascer do sol, Shaafi tem muito medo de destrancar a loja para ir até o banheiro, o qual tem permissão de usar, no quintal do vizinho.

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pagou 50 rands por mim. Eu vivia com medo e não tinha como organizar minha vida e nem mesmo podia pensar sobre a escola”.

“Outros somalis me acon-selharam a procurar a Lawyers for Human Rights e pedir ajuda para obter minha licença. O advogado foi gentil comigo e explicou que o governo sul-africano tem uma lei que protege as crian-ças refugiadas, como eu. Eles me levaram para o Departamento de Desenvolvimento Social. Os adultos deste local se recusa-ram a me ajudar, argumen-tando que não havia nenhu-

ma lei que os obrigasse a aju-dar crianças estrangeiras refugiadas”.

O governo não conhecia as leis de seu próprio país. A África do Sul assinou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que pro-tege o direito das crianças refugiadas a processos de asi-lo. Ann Skelton decidiu aju-dar Shaafi. Ela sabia que a África do Sul tinha novas leis para proteger as crianças, porque havia presidido a redação destas leis. Ela sabia que Shaafi tinha o direito de ir à escola, de receber trata-mento em um hospital quan-do precisasse e de ser protegi-do do assédio da polícia e de outros adultos.

No Supremo Tribunal Juntos, Shaafi e Ann foram ao Supremo Tribunal. O juiz intimou o Departamento de Desenvolvimento Social a

comparecer no tribunal. Agora, todas as pessoas que haviam se recusado a ajudar Shaafi teriam que ouvir sua história. Foi isto que Ann e Shaafi solicitaram ao Supremo Tribunal: •Concederimediatamentea

Shaafi sua licença de reque-rente de asilo, a qual diz quem ele é e lhe permite

acesso a seus direitos legais. •Declararquetodasascrian-

ças refugiadas sem os pais recebam a mesma licença. •OrdenaraoDepartamento

de Desenvolvimento Social que faça uma lista de todas as crianças refugiadas sem os pais e escrever um plano para que elas reivindiquem seus direitos.

Shaafi é “legal”Shaafi agora é uma pessoa “legal”, com os direitos, mas sua licença não pode protegê--lo da xenofobia de pessoas que não gostam dele só por ser de outro país e religião. No entanto, essa licença per-mite que Ann o ajude a plane-jar seu futuro.

Shaafi agora tem uma licen-ça de requerente de asilo, mas

Esta é a vista que tem Shaafi de dentro da pequena loja onde fica quase 24 horas por dia.

Quando não há clientes, Shaafi brinca com algumas crianças fora da loja.

“Eu tinha 8 anos quando os soldados da comunidade Mai Mai me tiraram da sala de aula. Antes disso, eu morava com minha mãe em Bukavu, que fica na parte oriental da República Democrática do Congo. Muitos outros meni-nos foram levados junto comigo para um lugar onde nos ensinaram a usar armas

de fogo. Depois de algum tempo, consegui fugir junto com quatro de meus amigos. Viajamos por diferentes paí-ses, ficando em vários luga-res. Eu conheço bem o mapa da África! Eventualmente, acabei na África do Sul. Eu recebi ajuda, tenho um lugar para morar e as minhas men-salidades e transporte esco-lar são pagos. Alguns sul-

-africanos não gostam de estrangeiros, e às vezes os estrangeiros são atacados por causa de xenofobia. Nessas ocasiões, eu tenho medo de sair e, em uma fase assim, não frequentei a esco-la durante um mês inteiro, pois estava com medo de pegar o trem. No entanto, compartilhei minha história com as crianças de minha

escola, porque quero que outras crianças entendam que a vida pode ser difícil para crianças que vivem separadas de suas famílias, longe de casa. Depois deste ano, ainda tenho mais um ano na escola. Quando concluir, espero estudar política inter-nacional”.Joshua Masudi, 17 anos

Difícil viver longe de casa

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deveria ir para onde o man-dassem, mas Ann escuta. Ela sabe que a liberdade de prati-car sua religião e a liberdade de não sofrer assédio moral são direitos humanos básicos, e que as crianças são seres humanos. Ela agora tem uma nova missão. Está pensando em como criar um lar especial

para crianças refugiadas, onde crianças como Shaafi possam sentir-se livres para lembrar a cultura de sua famí-lia, sem discriminação ou medo.

isso não é suficiente. Em uma tarde fria de inverno, Ann Skelton se dirige para o subúrbio de Mamelodi, onde Shaafi trabalha. Ela corre o risco de ser assaltada e até mesmo perder sua vida, só por sentar-se na esquina, ao lado da loja, para descobrir o que Shaafi deseja para o futu-ro. Ela quer ajudá-lo a cons-truir sua vida e realizar seus sonhos.

“Há algo que eu quero te dizer”, afirma ele, “Encontrei recentemente outro menino que fugiu da minha cidade natal na Somália, onde a guerra ainda continua. Ele me disse que meu irmão mais novo estava vivo. Os soldados o haviam levado para que se tornasse um soldado como eles em sua guerra. Ele disse que ninguém tinha visto ou ouvido falar da minha mãe”.

Respeitar minha religião “Shaafi, agora que seus direi-tos na África do Sul foram reconhecidos, você quer que eu encontre um lar infantil seguro onde você possa morar e ir para a escola?” – Ann per-gunta.

Shaafi não precisa pensar para formular sua resposta. “Quero ir para a escola, mas não para um lar infantil”.

“Por que você não quer ir para um lar seguro?” – Ann quer saber.

“Não me deixariam rezar cinco vezes por dia e respeitar minha religião. Minha cultu-ra é diferente, e as outras crianças me perseguiriam ou zombariam de mim, como fazem aqui”.

Ann acena com a cabeça. Ela entende. Muitos adultos teriam dito que ele é ingrato e

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Ann Skelton pergunta o que Shaafi quer fazer agora que seus direitos na África do Sul foram reconhecidos.

“Não quero ir para um lar infantil, pois não respeitariam minha religião, e as outras crianças zombariam de mim”, diz Shaafi.

Dê sua opinião sobre a xenofobia e o racismo Você já teve alguma experiência enfrentando xenofobia ou racismo? Conte para o Prêmio das Crianças do Mundo sua história e seus pensa-mentos sobre tratar “outras” pessoas mal.

“Xeno” significa estrangeiro e “fobia” significa medo; por-tanto, a palavra xenofobia significa literalmente “medo dos estrangeiros”. Por que as pessoas teriam medo dos estrangeiros, que também são seres humanos? Em alguns países, principalmen-te onde há muitas pessoas pobres, elas temem que os

estrangeiros que chegam ao país consigam empregos e outras oportunidades, como educação, em seu lugar. Às vezes, essas pessoas que temem os estrangeiros usam de violência para tentar força-los a irem embora – ameaçando-os, ferindo-os ou danificando seus bens e, em alguns casos, até mesmo

matando-os. Isso deixa os estrangeiros, inclusive crian-ças, muito assustados. Eles geralmente não podem voltar para seus países devido a guerras ou outras situações de risco que acontecem lá. A xenofobia também pode evoluir para racismo.

Xenofobia e racismo fazem as pessoas tratarem outros seres humanos mal

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Crianças Encarceradas Caso de Ann mudou lei para todas as crianças da África do Sul

A melhor mãe que eu poderia ter

Michael

O Tribunal Constitucional da África do Sul é um

tribunal muito importante, pois pode decidir se uma lei está de acordo com os direi-tos determinados na Constituição Sul-Africana. A Constituição é a lei mais importante de um país, e nenhuma outra lei ou ações das pessoas não pode ir contra ela. Qualquer pessoa que tenha seus direitos lesa-dos pode levar um caso ao tribunal, inclusive crianças, desde que alguém lhes dê assistência.

Um dos casos que Ann levou ao Tribunal Constitu-cional em nome de todas as crianças da África do Sul foi sobre uma lei que permitia que crianças ficassem pre-sas por um longo tempo, até mesmo prisão perpétua. A Constituição determina que a detenção de crianças seja usada somente como o últi-mo recurso, e que o tribunal deve sempre tentar encon-trar outro tipo de sentença, e pelo menor período de tem-po possível.

O Tribunal Constitucional considerou que a lei que per-mitia sentenças longas e até mesmo a prisão perpétua para crianças ia contra os direitos da criança na Constituição, e determinou que tal lei fosse removida dos livros de direito. Crianças não podem mais ser senten-ciadas à prisão perpétua. Esse caso importante mudou a lei para todas as crianças na África do Sul, pois todos os juízes de todos os tribu-nais do país devem obede-cer aquilo que o Tribunal Constitucional determina.

Quando Nelson Mandela se tornou presidente, em 1994, havia

muitas crianças presas na África do Sul. O governo de Mandela pediu

que Ann Skelton desenvolvesse um novo sistema judiciário para crianças. Em 2010, o Ato da Justiça da Infância, desen-volvido por uma comissão liderada por Ann, foi colocado em prática. A lei enfatiza a necessidade de cuidado e reabilitação para crianças infratoras, ao invés de pu-nição. Atualmente, a maioria das crianças que infringem a lei na África do Sul é libera-da mediante a presença dos pais. Quando são detidas, a maior parte vai para institui-ções correcionais, onde recebem terapia especial e há cursos de arte, carpintaria, soldagem, encanamento, oficinas de estofador e esportes.

Quatro garotos do centro Horizon BOSASA em Cape Town contam como se envolveram em problemas e quais são seus sonhos para o futuro.

“Tive uma ótima infância com a melhor mãe que um garoto pode ter. Quando eu tinha dois meses, minha mãe se divorciou do meu pai porque ele estava usando drogas. Eu não vi meu pai até meus 5 anos de idade. Tive uma vida ótima até os 15 anos, quando um amigo me apresentou às drogas. Eu me viciei rapidamente e comecei a roubar. Minha mãe percebeu que as coisas sumiam da casa e que eu estava emagrecendo e não quase não comia. Então, numa noite ela perguntou, ‘Dominique, você está usando drogas?’, eu respondi, ‘Está louca?’. Eventualmente, minha mãe colocou-me em um lar para garo-tos viciados em drogas. Fiquei lá por cerca de uma semana. Depois, roubei um laptop e acabei detido. É por isso que estou em BOSASA. Faço parte de um programa que me ajuda com meu vício. Os adultos aqui são gentis conos-co, mas todos os dias eu tenho vontade de ir para casa.

“Quero deixar de ser viciado em dro-gas e um dia tornar-me conservacionis-ta da natureza. É assim que pretendo pedir desculpas à minha mãe por tê-la magoado”.Dominique

O rosto sorridente é Dominique cumprimentando sua mãe.

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Crianças Encarceradas

Fiz escolhas erradas Desculpe, mãe

Minha família é tudo para mim

Os meninos estão escrevendo suas histórias de vida.

Brandon

“Quando eu tinha 3 anos, meus pais começaram a beber e a me bater. Um assistente social me levou para um lar infantil. Aos 7 anos, me enviaram para pais adotivos que eu não conhecia. Eu fiquei por um ano e depois fugi, pois eles estavam zombando de mim. Quando eu tinha 9 anos, me mandaram para outro lar adotivo. Eu brigava muito, pois quando me perguntaram se eu tinha pais de verdade, eles riram. Foi por isso que fiquei com muita raiva e comecei a brigar.

“Aos 12 anos, eu comecei a pergun-tar onde estavam meus pais verdadei-ros. Tornei-me muito agressivo. Foi por isso que eles me mandaram para outro lugar, bem longe. Um dia eu pedi dinheiro a meus pais adotivos e eles me xingaram. Eu fugi e comecei a invadir casas e roubar coisas das pessoas. Eu fui pego e me sentenciaram a seis meses de prisão. Depois disso, eu rou-bei novamente e, em 2010, recebi uma sentença de 2 anos. Não tenho orgulho do que eu faço. Fiz escolhas erradas na vida. É por isso que quero que alguém me ajude a parar de invadir casas”.Michael

“Meus pais se divorciaram há muito tempo. Meu pai casou-se novamente e teve cinco filhos com sua nova esposa. Ele não se importa comigo, e minha mãe trabalha para sustentar sozinha minha irmã e eu. Eu fui à escola até o nono ano, mas comecei a usar drogas com meus amigos. Isso bagunçou toda a minha vida. Começamos a roubar para pagar as drogas que consumía-mos. Fui preso por arrombamento e roubo. No tribunal, me mandaram para o Presídio Pollsmoor por quatro sema-nas, mas quando eu compareci no tri-bunal novamente, me mandaram para BOSASA. Espero que da próxima vez que eu comparecer no tribunal, me dei-xem ir para casa. Se eu for sentenciado, eles me enviarão outra vez para o Presídio Pollsmoor, pois terei mais de 18 anos e não serei mais uma criança.

“Eu quero pedir desculpas à minha mãe, que trabalhou tanto para pagar as mensalidades da escola. Se eu tiver a sorte de não ser sentenciado, quero terminar meus estudos e me esforçar para conseguir ser engenheiro automotivo”.Kevin

“Meu pai morreu em um acidente de motocicleta quando eu tinha sete anos. Minha mãe estava junto com ele na moto-cicleta e, por causa do acidente, não pode mais trabalhar. Por isso, nós está-vamos constantemente lutando contra nossas necessidades em casa. Minha família é tudo para mim.

“Eu andava com más companhias e acabei nas ruas em busca de dinheiro para meu problema com drogas. Parei de ir à escola. Fui preso porque fiquei zangado com minha mãe e fiz muitas besteiras por causa das drogas. Eu bati no seu ombro e ela se machucou. Ela me denunciou para a polícia, pois disse que eu precisava aprender o quanto o que eu havia feito estava errado. Minha mãe dis-se que retiraria a queixa na polícia se eu cooperasse. O tribunal me mandou para BOSASA onde eu agora estou partici-pando de um programa de controle da raiva que me ajuda a combater minha ânsia por drogas. Meu sonho é concluir meus estudos na escola e ser soldador em uma plataforma de petróleo e um dia ter uma boa casa e um carro”.Brandon

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Kevin

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Quando chove, não tem aula

O caso de Ann fez bilhões para as escolas de barroO caso das “escolas de barro” começou com sete

escolas de ensino fundamental da província de Eastern Cape, na África do Sul, que eram desprovidas do mínimo básico necessário a uma escola. As constru-ções são feitas de barro, não há água corrente e as crianças não têm mesas e cadeiras suficientes.

A escola de Zinathi, Tembeni Junior Primary, é uma destas escolas. São 220 estudantes compartilhando 53 mesas, e em algumas salas não há nenhuma cadei-ra. Em outra escola, Nomandla Senior Primary, as crian-ças precisam usar as costas de seus colegas como apoio para escrever, pois não há mesas. Os pais e alu-nos dessas escolas resolveram ir ao tribunal (ajudados por seus advogados do Legal Resources Centre – Centro de Recursos Jurídicos) para exigir a reforma das escolas, água corrente e mesas e cadeiras suficientes nas salas de aula.

Ann escreveu uma declaração juramentada (uma pro-messa de que está falando a verdade) para o tribunal. Nesta declaração, ela afirmou que sua organização, o Centre for Child Law (Centro de Direito para a Infância), apoiava o que os pais e alunos destas sete escolas queriam, mas também que o problema era muito maior. Ela apontou que havia muitas escolas construídas com barro por toda a África do Sul, as quais não tinham mesas e cadeiras suficientes. Foi importante o Centre for Child Law unir-se ao caso, pois eles representam crianças na mesma situação em toda África do Sul. Isto significa que o governo não podia resolver o problema somente destas sete escolas.

O resultado deste caso foi que o governo da África do Sul prometeu, por escrito, que nos próximos três anos, reformariam todas as escolas de barro do país e garan-tiriam que houvesse água corrente e mesas e cadeiras suficientes. Prometeram gastar 84 milhões de rand (US$ 11,5 milhões) nas sete escolas, e um total de 8,2 bilhões de rand (US$ 1,2 bilhão) para substituir todas as escolas de barro da África do Sul.

7h Zinathi se levanta de sua esteira de junco e lava-se em uma bacia com água.

Zinathi é aluna da Tembani Junior Primary, uma das muitas escolas de barro da África do Sul. Quando chove, Zinathi e seus colegas só con-seguem chegar às salas de aula usando tábuas como pontes.

“Como meu sonho para mudar nossas vidas depende de que eu estude, entristeço-me quan-do não posso ir”, diz Zinathi. Ela espera que as coisas melhorem agora, pois sua escola é uma das escolas de barro que o governo sul-africano prometeu substituir.

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ZinathiQuando chove, não tem aula Apartheid destruiu florestasO bosque que cerca o vilarejo onde Zinathi

mora está em perigo. Esta área era conheci-da como a suposta nação Transkei até 1994, quando o apartheid foi abolido. Milhares de pes-soas se amontoavam em uma pequena extensão de terra que ficou tomada pelo gado e planta-ções. As pessoas aqui são muito pobres e dependem dos pequenos bosques que restaram para obter lenha, água e pasto para seus ani-mais. Todavia, em outros lugares da Província de Eastern Cape, o governo estabeleceu progra-mas de proteção ambiental e parques de caça para proteger os recursos naturais. 7h30

Zinathi caminha para a escola com sua amiga, Amanda Puzi. O cami-nho é longo, quatro quilômetros para ir e voltar. “Isso nos mantém em forma!”, diz Zinathi.

8h Zinathi e Amanda formam uma fila com outras crianças da escola e entram em sua sala de aula de barro, onde estudam até às 14h.

Z inathi está sentada junto ao fogo que aquece a casa

tradicional da família na pequena aldeia de Ngqeleni. Ela observa as faíscas lança-das misturando-se à fumaça enquanto sobem em direção à abertura do telhado de sapé de sua casa.

Lá fora está chovendo forte. Zinathi e seus amigos não podem ir à escola hoje, por-que a estrada está cheia de

lama e, além disso, são quatro quilômetros de caminhada até a escola. Todos eles esta-riam completamente ensopa-dos ao chegar lá.

Tirar a água“Quando chegamos na escola depois de uma chuva como esta, temos que tirar a água das salas de aula antes estu-dar. Nós pegamos algumas tábuas que usamos como

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Zinathi Ngxokagi, 12ADORA: Ter carne suficiente na refeição para mim e minha família.DETESTA: Crime.A PIOR COISA: Minha amiga ter sido atacada em nossa vizinhança, pois ninguém mais está seguro.A MELHOR COISA: Quando ganharmos uma nova sala de aula, com janelas, um telhado e muitas cadeiras.ADMIRA: Nelson Mandela. QUER SER: Policial, para deter os criminosos.SONHO: Estar protegida nos arredores de casa. Ter um vestido verde novo.

mesas e fazemos uma peque-na ponte na porta da sala. Nossa escola é feita de barro e não tem janelas ou portas e a chuva goteja em nossos livros. É difícil de aprender nas nos-sas salas de aula, mesmo quando não está chovendo”.

Zinathi está frustrada por não poder ir à escola, mas ela tem muito trabalho a fazer em sua casa e na propriedade da família. Ela é responsável por ajudar a manter o estoque de mingau de farinha de milho, uma tarefa que demanda tempo.

Quer uma mudançaA chuva diminuiu e Zinathi pode fazer uma fogueira do lado de fora, para cozinhar. Quando a água do caldeirão preto ferve, ela adiciona algu-mas xícaras da farinha de milho recém-moída, mistura e deixa cozinhar por uma

hora ou mais. Sua mãe rece-beu açúcar de uma amiga hoje. Adicionando um pouco de suco de limão, hoje a refei-ção terá um bom sabor agri-doce.

Enquanto espera, Zinathi trabalha tecendo a esteira que ela está fazendo com junco que recolheu no rio. Ela dor-me em uma esteira de junco no chão de terra do quarto da família.

Porém, Zinathi está cansa-da de comer mingau de fari-nha milho todos os dias e dormir na esteira de junco no chão. Ela quer mudar a situa-ção da família de sua família.

“Eu quero ir à escola, para conseguir bons resultados e me tornar uma policial. Sei que ir à escola me ajudará a nos livrar, algum dia, do tipo de vida que temos. Não quero comer mingau de milho toda noites. Também desejo dor-mir em uma cama, com um travesseiro macio, como já vi que outras crianças do vilare-jo fazem”.

“Com o meu primeiro salário de policial, vou com-prar uma geladeira, como a do meu vizinho, e colocar carne e legumes dentro”.

Roubo e abusoProporcionar uma vida melhor para sua família não é o único motivo para Zinathi desejar tornar-se policial quando terminar os estudos.

“Há muitas pessoas nesse

vilarejo que não trabalham e roubam das outras”, diz ela.

“Quero mudar isso. Meu sonho é tornar-me policial quando crescer, assim, pode-rei proteger minha família e vizinhança”.

Há pouco tempo, uma ami-ga de Zinathi foi atacada por um homem no bosque nos 15h

Zinathi volta para casa e come um pouco do mingau do caldeirão que está no fogo. Hoje tem limão e açúcar para colocar no mingau – uma delícia!

16hZinathi busca água e recolhe lenha no bosque. Quando chega ao riacho, ela lava suas roupas em uma bacia.

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arredores de sua propriedade. Desde então, as meninas fica-ram com medo de se afasta-rem de suas casas. Mesmo assim, elas precisam formar pequenos grupos para ir ao bosque quase todos os dias, pois dependem das árvores para a lenha e do riacho para ter água para beber e se lavar. Não há lojas no vilarejo de Zinathi, por isso as pessoas têm que se contentar com os recursos da natureza para viver.

“É por isso que fico chatea-da quando não consigo apren-der na escola. Meu sonho de mudar nossas vidas depende de minhas notas. Só poderei ir para a Academia de Polícia se eu terminar a escola com boas notas”.

17hÉ hora de mais tarefas domésticas. Zinathi mói o milho para fazer farinha para o mingau. Ela recolhe vários punha-dos de grãos secos de milho e coloca na velha pedra de moer de sua avó.

21hZinathi dorme no chão, em sua esteira de junco.

Zinathi está tecendo sua nova esteira de dormir e um cesto. Ela conhece este padrão de tecelagem tão bem que poderia fazê-lo de olhos fechados. É uma atividade manual tradicional que ela aprendeu quando era pequena.

A nova escola!Em breve a escola se mudará para o novo edifício. Zinathi varre seu exterior para que fique limpo.

Uniforme escolar limpoNos dias seguintes à chuva, o uniforme escolar se suja facilmente no longo caminho para a escola. Zinathi o lavou e deixou impecável.

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Os amigos de Zinathi

“Eu gosto de assistir TV. Não gosto da pobreza e do crime em minha vizinhança. Quero estudar e tornar-me enfermeira um dia”. Amanda Puzi, 12

“Gosto de jogar futebol. Não gosto dos valentões da escola. Quero ser rico um dia, para ter condições de oferecer boa comida para minha família, uma casa, e um automóvel”.Magwenqana Masithebe, 12

“Gosto de jogos. Eu não gosto do crime, pois machuca as pessoas. Quero ser uma estre-la da TV. Emihle Sawulisi, 12

“Eu gosto de jogar futebol. Não gosto da escola. Quero morar em uma casa feita de tijolos, com janelas, e dirigir um auto-móvel”. John Asiphe, 13

“Gosto de dirigir um automóvel. Eu odeio a violência do meu vilarejo e quero ser professora para ajudar as pessoas a se tornarem alguém na vida”.Nelisa Sonyaka, 11

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Um rap para o anjo de Wonder

Quando Wonder Machethe tinha 10 anos, ele começou a fugir de casa. Aos doze anos, ele foi preso em um lar infantil, onde os meninos deveriam

receber amor, uma vida decente e educação. Em vez disso, Wonder vivia

com medo e quando chovia, sua cama ficava molhada.

Quando Ann Skelton apareceu na vida de Wonder, ela fez o que já vinha fazendo há anos: ajudar muitas crianças ao levar um caso para o tribunal. Ela processou o lar infantil onde Wonder vivia no tribunal e venceu. O juiz decla-rou: “Nós traímos essas crianças” e ordenou que o lar infantil fizesse mudanças e se tornasse um bom lugar para as crianças. Desde então, esta decisão deve ser colocada em prática por lares infantis em todo o país.

“ A casa era dolorosa demais para mim.

Nós dividíamos uma casa com várias famílias, muitas das quais eram muito pobres,

como nós. Sempre havia alguém gritando, bêbado ou drogado, brigando com sua esposa ou vizinho ou filho.

violência na minha

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Eu vivia com medo e, um dia, simplesmente abri a porta e fugi. Eu não sabia para onde estava indo, mas acabei pegando uma carona para fora da cidade. Eu sabia que meu tio morava numa peque-na vila na província de Limpopo, e decidi tentar encontrá-lo. Levei dias, mas no fim acabei conseguindo. Quando cheguei à sua casa, ele foi gentil, mas disse que eu tinha que voltar para a casa de meus pais e me colocou em um ônibus”.

“De volta a Johannesburg, eu fiquei por um tempo, mas me cansei novamente das per-seguições na escola e da vio-lência em casa e fugi outra vez. Eu vaguei bastante pela cidade e, uma noite, acabei dormindo no banheiro da estação de trem de Johannesburg. Na manhã seguinte, um segurança me encontrou. Ele me entregou à polícia, pois afirmou que eu não podia dormir ali”.

Sentia-se ameaçadoOs dias de fuga de Wonder haviam chegado ao fim. Ele tinha 12 anos quando foi pre-so em um lar infantil chama-do Escola Luckhoff.

“Era um lugar horrível. Chovia em nossas camas e sempre me sentia ameaçado pelo diretor da escola e sua esposa. Eles não se importa-vam com as crianças e eram muito severos quando nos puniam. Quando um dos meninos machucou outro

com uma faca, ele foi mantido em uma cela por três sema-nas, mas saiu de lá pior do que havia entrado”.

“Aquele era um lugar onde a polícia e o estado colocavam as crianças cujos pais não tinham condições de cuidar delas. Eles chamavam de esco-la industrial, pois deveríamos aprender algum ofício, como soldagem, carpintaria ou mecânica de automóveis. Mas não aprendíamos nada disso”.

“Eu era muito bom na esco-la e gostava de praticar espor-tes. Eu jogava futebol, e entrei para o time. Isso aumentou minha confiança e eu me senti muito bem quando o profes-sor de esportes me convidou para ir à sua casa num sábado à tarde. Ele veio me buscar e lhe contei como me sentia e o quanto eu queria uma chance

para trabalhar duro e praticar esportes. Eu disse que me sen-tia em perigo de viciar-me nas drogas que as crianças contra-bandeavam dentro e fora daquele lugar. Ele me ouviu e fez-me sentir compreendido por um adulto pela primeira vez em minha vida”.

Ann entra em açãoAnn Skelton encontrou Wonder neste lugar quando ele tinha 12 anos. Ele a chama de anjo. Ann lembra muito bem do dia em que conheceu Wonder. Há cinco anos, ela visitou a Escola Industrial Luckhoff para fazer uma vis-toria depois de receber um telefonema anônimo sobre as condições das crianças naque-la escola. Ann e Wonder acham que foi o professor de esportes de Wonder quem fez aquele telefonema, pouco depois que Wonder lhe con-tou o que se passava.

“Eu fui até a escola para fazer uma vistoria e a encon-trei em péssimas condições. As camas das crianças eram ruins, havia goteiras no telha-do e, quando chovia, as crian-ças se molhavam. Os coberto-res eram muito finos e velhos.

As janelas estavam quebradas e não havia segurança em vol-ta do edifício”.

Ann não perdeu tempo e levou a Escola Luckhoff para o Supremo Tribunal. Os adul-tos dessa escola do estado ten-taram se defender no tribunal dizendo que não tinham dinheiro para comprar cober-tores. No entanto, tinham dinheiro para pagar o proces-so judicial!

“Nós os traímos”O juiz declarou que a Escola Luckhoff violou os direitos das crianças e as leis do país. Ele ordenou que eles forne-cessem sacos de dormir para cada criança imediatamente e que fosse construída uma cer-ca de segurança em volta da escola. Ele também solicitou que eles escrevessem um pla-no para que as crianças fos-sem cuidadas por adultos ins-truídos e preparados para tra-tá-las bem e que informassem ao juiz sobre seu progresso em poucas semanas. Ele declarou:

“Que mensagem enviamos para as crianças quando dize-mos que vamos retirá-las das casas de seus pais porque elas

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RGWonder com suas irmãs Ashley, 12 anos, e Robin, 10 anos. Ashley diz:

“Admiro meu irmão pois ele cuida de mim, conversa comigo. Ele foi a uma boa escola e por isso me ajuda com os deveres de casa e me diz que estudar é a melhor coisa que eu posso fazer pela minha vida”.

Ann Skelton encontrou Wonder no lar infantil quando ele tinha 12 anos.

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merecem ser bem tratadas, e depois negligenciamos total-mente este cuidado a elas? Nós as traímos, e ensinamos a elas que nem a lei, nem as ins-tituições estatais são confiá-veis para protegê-las”.

Ann afirma que não basta fazer boas leis para proteger as crianças.

“Também precisamos ensi-nar essas leis para os adultos, como fizemos na Escola Luckhoff. Muitos adultos não sabem como proteger e apoiar as crianças. Eles devem aprender uma nova maneira de tratar as crianças, um modo bondoso de tratá-las. Este caso fez a diferença não só para as crianças da Escola Luckhoff, mas para todas as crianças de escolas semelhan-tes de todo o país”.

“Minha vida mudou”Ann entendeu que a capacida-de de Wonder de se dedicar na escola e seu talento para jogar futebol precisavam ser cultivados. Ela convidou um padrinho para patrocinar Wonder em uma Escola de Ensino Médio de Pretoria por cinco anos.

“Isso mudou minha vida”, conta Wonder, “Pela primeira vez, as pessoas me tratavam com respeito e eu aprendi a confiar em um grupo de irmãos. Eu morava no dormi-tório da escola e ninguém era punido com violência, mas com palavras e aconselha-mento. Tornei-me excelente no rúgbi e entrei para o melhor time da escola. Terminei os estudos no ano passado e passei nos exames!”.

“Minha mãe se mudou para um lugar melhor agora e eu moro em casa, dividindo um quarto com ela e minhas irmãs. Minha experiência aju-dou minhas irmãs mais novas, Ashley e Robin, pois eu posso ajudá-las com o dever de casa. Eu converso com elas, aconse-lho que estudem bastante e para poderem ter uma vida melhor no futuro”.

Um rap para Ann

Quando Wonder ficou sabendo que Ann havia sido nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo, ele escreveu uma rap para ela. O rap, explica ele, é como uma poesia com uma batida, ele tem uma mensagem e pode expressar sua paixão e sua dor.

“Quando tinha 12 anos, fui tirado do inferno para o paraíso. Antes eu ficava à toa, mas agora minha vida passou de ruim para boa.Seis anos depois, és nomeada para o Prêmio das Crianças do Mundo. O que fizeste por mim é difícil de descrever, deu--me amor de outro ângulo!Eu juro que quando a vi pela primeira vez, parecia um anjo. Me apanhaste quando eu estava para baixo, acho que é minha vez de mudar retribuir, Pois me encontraste como uma alma pecadora – o que quer que aconteça neste dia, para mim, sempre será uma vencedora!

Quando Ann levou a escola onde Wonder estava ao Supremo Tribunal, ela o fez para ajudar Wonder e os outros meninos de lá, mas também para ajudar todas as crianças de todos os lares infantis na África do Sul. Aqui Wonder está escrevendo um rap para Ann, que ele chama de anjo.

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A de Sarisa, disse ao juiz que quando os pais se

divorciam, as crianças devem ser consultadas sobre as deci-sões que influenciam suas vidas, tais como quanto tem-po elas devem passar com cada um de seus pais.

Isto fez a diferença para Sarisa, pois o juiz a ouviu e, com isso, outros adultos tam-bém lhe deram ouvidos. Entretanto, isso também fez a diferença para muitas outras crianças, pois deu início a um

processo no qual as opiniões das crianças passaram a ser ouvidas nos casos de divórcio entre seus pais. O caso de Sarisa foi o primeiro na África do Sul no qual uma criança envolvida em uma disputa por sua custódia teve seu próprio advogado para ajudá-la. O caso de Sarisa abriu um prece-dente importante para outros casos. Atualmente, deixou de ser incomum uma criança ter um representante legal no tribunal.

Um rap para Ann

“Crianças têm direito de opinar em batalhas de custódia”, afirma o jornal Pretoria News, após o juiz concordar em ouvir Sarisa van Niekerk quando ela tinha doze anos (hoje ela tem 19 anos). Seus pais não chegavam a um acordo sobre a partilha da custódia. Ann Skelton foi a advogada de Sarisa e aquela foi a primeira vez que uma criança teve seu próprio advogado numa disputa de custódia.

Minha voz deve ser ouvidaQuando Sarisa tinha doze anos, ela estava no meio de uma batalha judicial que envolvia seus pais divorciados. Eles não conseguiam chegar a um acordo sobre a partilha da custódia dela e de sua irmã. Sarisa ficou descontente por não ter sua opinião consultada e escreveu uma carta ao juiz.

Tenho 12 anos e estou envolvida em uma batalha

judicial no Supremo Tribunal que diz resp

eito aos

meus direitos humanos como pessoa e como criança.

A primeira vez que ouvi falar sobre os direito

s da

criança foi na escola, quando eu tinha

10 anos.

Aprendi que os direitos da criança faze

m parte da

constituição chamada Declaração dos Direitos, mas

nem sempre as crianças são consideradas port

ado-

ras de direitos.

Toda criança tem o direito de ser auxiliada por um

advogado. Um advogado é alguém treinado para

entender as leis e ajudar quem precisa. Ás vezes, um

caso judicial pode ter um resultado muito injusto

para uma criança se um advogado não ajuda-la.

Toda criança tem o direito à proteção contra ser

tratada de qualquer modo que a faça sen

tir-se mal

consigo mesma e também contra ser maltratada por

alguém.

O Centro de Justiça da Infância ajudou-me a

obter uma ordem judicial para ter um advogado de

minha própria escolha, que agora me representa no

tribunal para que meus direitos como criança também

possam ser protegidos e minha voz também possa ser

ouvida sobre assuntos que tenham influência sobre

minha vida.

Sarisa

nn Skelton, a advogada

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