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PLENÁRIAS PRIMEIRO CONGRESSO MISSIONÁRIO IBERO-AMERICANO São Paulo, Brasil 23 a 29 de novembro de 1987

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PLENÁRIAS

PRIMEIRO CONGRESSO MISSIONÁRIO IBERO-AMERICANO

São Paulo, Brasil

23 a 29 de novembro de 1987

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Conteúdo

A Realidade Ibero-americana e Missões ............................ 3 Alberto Barrientos

Apocalipse, A Revelação do Reino .................................... 12 Caio Fábio

Igreja e Missões ............................................................... 17 Edison Queiroz

Oração e Missões ............................................................. 18 Francisco Anabalón

Luz para as Nações ........................................................... 19 Luis Bush

Sonhe grandes Sonhos ..................................................... 28 Luís Palau

Lições e Modelos .............................................................. 33 Roberto Hatch

O Espírito Santo na Missão do Povo de Deus .................... 44 Rudy Girón

Finanças e Missões .......................................................... 47 Theodore Williams

O Desafio Transcultural.................................................... 51

Guillermo Taylor

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Alberto Barrientos A realidade Ibero-Americana e Missões

Introdução Viemos a este congresso para orar e estudar como promover as missões cristãs. A grande maioria dos presentes são parte da Igreja de Jesus Cristo nas nações ibero-americanas. Como tais, estamos pensando e focando este importante aspecto da obra de Deus. Mas nesta tarefa não podemos omitir o fato de que nossas terras têm sido definidas por alguns como parte do chamado TERCEIRO MUNDO. Dentro de certo marco conceitual, o terceiro mundo é sinônimo de subdesenvolvimento, de dependência, de dívidas mais que milionárias, milenares; de inflação incontrolável, de crescente pobreza e de certo sentimento de impotência. Enxerga-se uma incapacidade nossa de empreender frente ao chamado Primeiro Mundo e de realizar tarefas que têm sido características desse primeiro mundo, durante as últimas décadas. Na história das missões cristãs em nossos países se dá também uma situação muito particular, de que a Ibero América tem sido campo missionário, a partir da perspectiva protestante, de organismos e de pessoas provenientes em sua maioria do chamado mundo desenvolvido anglo-saxão. À primeira vista, não parece irônico e irreal que nós, cristãos do terceiro mundo, venhamos a projetar empresas missionárias? Será que este trabalho não é próprio de irmãos de regiões com outras condições econômicas, políticas e culturais? Ou existem outros aspectos que devemos levar em conta para embaralhar com aqueles e entender de onde devem provir nossa motivação e ação no campo das missões?

1. Um Retrato de Nossa História Missionária

É um fato amplamente conhecido e aceito que o passado das pessoas, instituições e povos tem muito a ver com seu presente e ainda com seu futuro. Por exemplo, a língua, os costumes, as estruturas sociais e muitas outras manifestações culturais, determinam de modo muito significativo o comportamento presente e futuro dos povos. Do ponto de vista missionário, perguntamo-nos hoje quais modos de pensar têm sido direta ou indiretamente forjados na mente do cristão evangélico ibero-americano? Quais são algumas das imagens que temos recebido e que se têm cristalizado na forma de pensar de muitos, e acerca das quais devemos não só tomar consciência, mas procurar

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desfazer-nos delas, superá-las e substituí-las por outras que agilizem a visão missionária? Aqui estão algumas:

1.1. Em nosso continente, em geral, quando se pronuncia o vocábulo MISSIONÁRIO, quase automaticamente evocamos a figura de um europeu ou norte-americano. A poucos ocorre pensar, logo de início, que sejam pessoas provenientes de outras terras, com pele que não seja muito branca e cuja língua materna não seja o inglês;

1.2. Paralelamente, ainda que talvez com menos força que o conceito

anterior, se pensa que o missionário deve provir de povos muito "avançados" economicamente e, portanto, com uma cultura superior. E isto faz com que, conscientemente ou não, identifiquemos a mensagem que trazem com seu sistema de vida, produzido por certas condições socioeconômicas e culturais. E ainda que seja duro mencionar, esta é a impressão que o trabalho de alguns missionários tem produzido. É por isso que se tem comentado muito que o trabalho missionário de alguns tem sido o de fazer um transplante cultural em vez de uma semeadura dos princípios do Reino de Deus;

1.3. Outro sentimento muito generalizado tem sido o de que as pessoas

recebem e escutam mais atentamente os missionários que procedem de nações importantes, em vez de alguém que procede da Jamaica, do altiplano boliviano ou de outro lugar "insignificante"

Para concluir, podemos dizer que na mente de muitos cristãos evangélicos de nosso continente se tem fixado, em maior ou menor grau, a ideia de que para a obra missionária se necessita uma condição quase essencial: a base econômica, política e cultural que mostra a empresa missionária proveniente do mundo chamado desenvolvido. E todos somos testemunhas do ataque ideológico proveniente do marxismo, principalmente, que insinua que toda a obra protestante não é outra coisa que não uma superestrutura ou prolongamento do sistema capitalista. Assim, é muito pouco ou nada o que podemos fazer hoje no campo missionário.

2. Algo de Nossa Realidade Evangélica

Há outros elementos muito típicos do modo de ser e de pensar de muitos cristãos evangélicos ibero-americanos que não contribuem para o pensamento e ação missionários. Talvez eles coloquem em evidência uma forma do que podemos chamar de subdesenvolvimento religioso.

2.1. É evidente que a manifestada INFERIORIDADE NUMÉRICA dos cristãos evangélicos frente ao resto da população faz pensar que somos muito poucos, que precisamos de muita proteção externa e que ainda falta muito para podermos lançar-nos como empreendimento de grande

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envergadura. Em alguns setores ainda existe a crença de que a igreja apenas consegue sobreviver. E este fenômeno se amplia quando os grupos denominacionais olham para si mesmos, sem ver o resto do corpo de Cristo, e se dão conta "quão poucos somos ainda" e quão frágeis, especialmente quando proliferam as igrejas chamadas "independentes", que no geral tendem a ser muito sectárias, e sua pequenez parece aumentar;

2.2. Permanecem ainda no continente agrupamentos evangélicos altamente dependentes, tanto de sustento econômico como do governo e da visão que lhe proporcionam as missões estrangeiras. E se isto ainda acontece, como é que podem sequer pensar na possibilidade de empreender obra missionária por si próprias?

2.3. É importante mencionar o fato de que muitas igrejas e denominações em nossos países nem sequer têm em suas cartas constituintes algo relacionado com a visão missionária. Muitas congregações nunca oraram nem pensaram em, pelo menos, iniciar uma congregação filha em suas redondezas. Muitos menos pensam chegar mais distante;

2.4. Finalmente, ainda paira na mente de muitos que a tarefa missionária se dirige unicamente a grupos humanos de lugares muito distantes. Por exemplo às profundezas da África, da Oceania, do Tibete ou da Mongólia. Que a obra missionária se dirige a culturas atrasadas, lá onde se come carne humana, se cura os enfermos mediante feitiços ou onde as pessoas ainda não tomam alguma bebida que nos anunciam cada dia pelos meios de comunicação.

Por fim, vemos que em nosso meio existe, na realidade, uma série de imagens, histórias e preconceitos que são principalmente circunstanciais, que estão fortemente arraigados na mentalidade do cristão ibero-americano e dificultam o avanço, e em alguns casos inclusive o início, da visão e da tarefa missionária.

3. A Empresa Missionária Vista de Outra Perspectiva

Frente aos aspectos mencionados anteriormente, é necessário para o cristão e para a igreja cristã ibero-americana, e de qualquer outra região, considerar e estabelecer um fundamento sólido e estável para enfrentar o desafio missionário a partir do chamado Terceiro Mundo. E ainda que nossa realidade evangélica aparentemente nos indique que não reunimos as "condições objetivas" para cumprir o mandato de sermos testemunhas até o último da terra, há outras condições e outros critérios que, a meu juízo, são os que devem realmente determinar nossas atitudes, visão e compromisso no campo missionário. Aqui estão algumas delas: 3.1. É certo que a história ensina muitas coisas. Também é certo que as

circunstâncias e os recursos são fatores muito importantes na vida da igreja.

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Mas o que realmente deve determinar nossa fé e conduta, tanto pessoal como eclesiástica, deve ser a PALAVRA DE DEUS. É ela que devemos examinar, ver seus modelos, suas ordens e os casos que nos mostra. Qualquer outro critério deve ser analisado à luz da Palavra. E nossa ação deve ser motivada e dirigida por ela. Assim, se queremos não só superar nossa história, os erros de outros e os nossos, primeiramente devemos recorrer com fé e obediência à Santa Bíblia. Todo pastor, evangelista, missionário e cristão em geral deve aproximar-se básica e primeiramente à Palavra de Deus, em busca de orientação no que se refere à tarefa missionária;

3.2. Entendida a partir da Bíblia, a tarefa missionária é parte de uma ordem divina dada à Igreja (Mt 28:18-20; Mc 16:15; Jo 20:21; At 1:8). A igreja, como na parábola das bodas, está comissionada por seu Senhor a ir pelos caminhos para falar, chamar e reunir todos os que encontrarem para que a festa final esteja cheia de convidados (Mt 22:14). E como tudo "começa pelo princípio", o cristão e sua congregação devem ser ensinados desde o início a respeito da centralidade e da amplitude da grande comissão em relação ao seu trabalho, tanto pessoal como comunitário. No Instituto Internacional de Evangelização a Fundo (IINDEF), por anos temos oferecido um modelo da grande comissão para ser ensinado a todos os cristãos, que consiste no seguinte ciclo:

Proclamar o Evangelho Formar novas congregações Fazer discípulos

Enviar missionários

Com isto, estamos ajudando a criar consciência entre líderes denominacionais, pastores, congregações e crentes em geral e a dinamizar a vocação missionária desde que nascem para a fé;

3.3. A ordem missionária dada por Deus à sua igreja é INDEPENDENTE do estado

cultural, econômico ou político do país em que a igreja está presente. Nada há no Novo Testamento que nos indique que por ser um país poderoso economicamente, ou de cultura reconhecida, é que seja chamado a enviar missionários. O que lemos é que as igrejas primitivas foram missionárias. Umas atuaram de forma espontânea em relação ao mandato do Senhor, como a de Antioquia e a de Tessalônica. Outras praticamente à força, como a de Jerusalém. Estas igrejas não eram "ricas" em dinheiro, nem foram sustentadas por países desenvolvidos. A realidade foi que nem a nação judia nem o Império Romano dedicaram recursos para missões. E mais, a igreja primitiva foi como “rebanho pequeno”, solitária e pobre economicamente, sem nenhum poder político nem apoio militar. Amparadas unicamente pelo Senhor, que a enviava

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a semear sua Palavra. O cristianismo foi difundido por uma igreja nascida em uma nação oprimida e humilhada muitas vezes; constituída por grupos étnicos e sociais que em sua época não representavam valor algum para apoiar ou reforçar a ideia que apresentavam ao mundo. Linguisticamente, tinham que usar outro idioma, grego ou latim, porque o aramaico não tinha valor suficiente, pois estava limitado a um grupo humano como ocorre hoje o guarani, o quechua ou o papiamento.

É fundamental ver esta realidade na Palavra de Deus referente à situação que vive a Igreja ibero-americana. Neste ponto se anula o conceito dos marxistas e o conceito dos que defendem a Teologia da Libertação, de que nossa fé e ação missionária são superestruturas do sistema econômico em que vivemos. Há dois mil anos a igreja demostrou que sua fé e sua ação são INDEPENDENTES do sistema em que vivem. Dependem do Senhor, de sua Palavra e de seu Espírito e podem transcender as circunstâncias que a rodeiam. Hoje, este é um dos grandes desafios para a Igreja cristã. Fomos chamados a demostrar, como a igreja primitiva, que não importa qual seja nossa língua, raça, cultura ou sistema econômico e político; o Espírito Santo voltará a chamar e enviar missionários das igrejas, sejam do Brasil, México, Bolívia, Cuba ou Nicarágua. Porque o evangelho é de Deus para toda a humanidade e não pertence nem devemos identificá-lo com algum sistema ideológico, político, econômico ou social;

3.4. A partir da perspectiva bíblica, a tarefa missionária se dirige a judeus, samaritanos, gregos, romanos e a todas as famílias da terra. Não se trata unicamente das culturas chamadas atrasadas ou de povos sob certo sistema econômico, político ou social. A tarefa se dirige a TODOS SEM EXCEÇÃO. Porque todos estão debaixo do pecado, estão no reino das trevas, sob o poder de Satanás, em situação de inimizade com Deus e afastados do novo pacto.

Sob esta perspectiva, então, a tarefa missionária deve dirigir-se POR IGUAL tanto aos grupos étnicos que habitam nas profundezas do Amazonas como aos que vivem nas selvas de concreto, ferro e luzes artificiais em cidades como São Paulo, Buenos Aires, México ou Nova Iorque. A tarefa deve dirigir-se por igual tanto aos da China Comunista, Rússia ou Cuba como aos norte-americanos, europeus ou australianos, indianos ou chineses. Não é a condição econômica, política ou cultural que determina de onde e para onde deve dirigir-se a tarefa missionária. É sua condição diante de Deus. E é por esta razão que a igreja cristã é devedora de todos. De modo que, para a igreja, quanto a sua responsabilidade, deve ser indiferente se ela é ou não parte de uma região desenvolvida ou subdesenvolvida. Assim também deve ser indiferente se seu alvo é algum grupo desenvolvido, em vias de desenvolvimento, em estado primitivo, capitalista ou socialista. Qualquer outro critério, o que pode fazer é deter em vez de dinamizar a visão missionária em nossos países;

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3.5. É evidente no Novo Testamento que quem chama e envia é o Espírito Santo.

Não podemos negar que hoje, como na Igreja primitiva, alguns têm abusado do nome do Senhor, ou se equivocaram porque nunca foram chamados nem enviados. Mas nenhuma destas circunstâncias pode mover-nos da verdade, que é o Espírito do Senhor e não um sistema econômico ou social que dá o fundamento à obra missionária. É a razão pela qual Deus pode chamar e enviar a países democráticos ou socialistas, de brancos, de chineses, de negros, de malaios ou outros. Ele continua sendo o Senhor da tarefa missionária e a Ele devemos dar o lugar que lhe corresponde na obra. A igreja que está consciente do estado e da necessidade do mundo, que tem a firme convicção do poder do Evangelho, como resposta divina à condição humana, e que está disposta a fazer a vontade de seu Senhor; a essa Igreja o Espírito Santo chamará, mostrará caminhos e abrirá portas para que realize a obra missionária, chamando seus discípulos.

4. Ibero América: Terra de Missões e de Missionários Há vários fatores adicionais que desejo incluir para nos despertar e nos encorajar na visão missionária: 4.1. Segundo o relatório da Missão Mundial, no ano de 1980, ou seja, há 7 anos,

havia pelo menos 368 sociedades missionárias do Terceiro Mundo com uns treze mil missionários da América Latina, África e Ásia. Quantos há hoje talvez não saibamos, mas esses números falam por si mesmos. Nosso mundo supostamente subdesenvolvido e dependente é já um mundo de missionários. Louvado seja o Senhor!

4.2. Com humildade por um lado e com louvores pelo outro, temos de reconhecer que este congresso, COMIBAM 87, embora seja o primeiro em seu gênero na Ibero América, não constitui a primeira iniciativa missionária de nossa terra. Do Brasil, Chile, Argentina, Peru, Colômbia, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e outros países, há tempos tem saído irmãos para o campo missionário. Alguns sustentados por sua congregação, por irmãos individualmente ou por várias congregações; outros têm ido para ganhar seu próprio sustento e paralelamente fazer a obra do Senhor. Eu sou testemunha de haver encontrado irmãos destas terras por muitos lugares do mundo, em meio a incríveis privações. Alguns vivendo quase da caridade pública, o que é doloroso, mas fazendo a obra de Deus. E isto tem que se multiplicar para que toda a terra ouça a voz de Deus;

4.3. Em nossos países não existe um modelo único no envio de missionários, mas

muitos. É hora de conhecê-los para motivar o povo de Deus a levar muito a sério este trabalho;

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4.4. A Ibero América ainda é um enorme campo missionário. Há extensas regiões na Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Caribe, México e Espanha, como também entre imigrantes de fala ibérica na França, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e outras nações que precisam de quem lhes anuncie Jesus Cristo. A motivação

missionária pode começar, para muitas igrejas, em sua própria nação, em regiões geográficas ou étnicas que requerem o testemunho do Evangelho. Cito o caso de meu país, Costa Rica. Segundo um relatório sobre o estado da igreja, oferecido por PROCADES, em 4 anos se estabeleceram mais de 800 novas congregações. Muitas delas em zonas isoladas, onde não havia testemunho evangélico. Em poucos anos, praticamente todo o território já foi coberto. O interessante do caso é que a obra foi levada adiante, em sua maioria, por homens e mulheres que, ouvindo a voz do Senhor, saíram por todos os lados, ainda sem preparação teológica e estabeleceram centenas de congregações em pouco tempo. Inclusive chegaram a grupos étnicos aos quais antes só missionários estrangeiros chegavam. Hoje os compatriotas se sentem movidos em direção a eles como jamais havia sucedido a outras regiões do mundo. De modo que o desafio missionário se enfrentou primeiro em casa e dali a visão se ampliou. A Ibero América deve ser, creio, nosso primeiro objetivo. Vamos enchê-la do conhecimento de Deus. E o Espírito Santo saberá a quem enviar, a quais outras regiões e com que meios.

Tenhamos muito presente que hoje ocorre um esforço sem precedentes por parte de muitos grupos religiosos do Oriente e do Ocidente para adentrar a Ibero América. A Igreja Católica Romana, ao dar-se conta do terreno que perdeu nestas terras, que é o último bastião que lhe resta, está tratando de reconquistar seu lugar, mediante os sistemas tradicionais de religiosidade popular e mediante a ilusão utópica da Teologia da Libertação e seus derivados. Igualmente, as ideologias políticas, sustentadas pelas potências mundiais, bombardeiam nossos povos com suas ideias e falsas esperanças. O espaço está aberto para a igreja. É hora de trabalhar para o Senhor e por seu Reino, como jamais se fez;

4.5. Não pretendo exaltar nosso tão heterogêneo ser ibero-americano, porque

nós, cristãos, só podemos gloriar-nos na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Não somos conhecidos em outros lugares por sermos imperialistas comerciais, militares ou ideológicos (com suas exceções). Nossa história nos últimos 150 anos não conhece guerras e ódios raciais, religiosos ou nacionais como em outros continentes, apesar de situações que ainda ocorrem e que não gostaríamos de ver. Contudo, este é o continente no qual as diferenças étnicas foram sendo superadas, como não se vê em outros lugares do mundo. A Igreja de Jesus Cristo, especialmente, é testemunha de como as conhecidas contradições do mundo, a saber, nacionalidades, cor de pele e condição econômica e social podem ser vistas e superadas em Cristo. De modo que, ainda que não possamos exibir ao mundo poderio militar, espacial ou

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econômico, temos uma rica experiência que podemos compartilhar como parte de nossa vivência do Evangelho;

4.6. O cristianismo evangélico ibero-americano, em geral, aceita a fé com sinceridade e, às vezes, com paixão. Vive a fé e gosta de compartilhá-la. Se nossos programas de evangelização e de discipulado fossem mais consistentes e profundos, creio que mostraríamos maior vitalidade que a que se percebe à primeira vista. Tem-se dito que “missões são pessoas enviando pessoas para alcançar pessoas”. E se diz também que a verdadeira riqueza das nações não consiste nos recursos geológicos, marinhos e geográficos, e sim as pessoas que têm. E que o verdadeiro desenvolvimento não deriva das riquezas acumuladas ou em movimento, mas da disposição e da capacidade de sua gente para enfrentar os desafios da vida. Assim, a grande riqueza humana da Igreja ibero-americana não só deve ser aperfeiçoada na ética do reino, como também deve ser mobilizada nos planos de extensão do reino de Deus, mediante o poder do Espírito Santo. O cristão ibero-americano é ainda chamado pelo Senhor para superar certos aspectos conhecidos de nossa idiossincrasia, como o individualismo, “caciquismo” e caudilhismo infrutíferos, improvisação, usufruto do presente às custas do futuro, pouca visão do porvir, desunião, pouco afeto pelo trabalho, fascinação mais por palavras que por ações planejadas e conjuntas. Temos de recordar que o objetivo do Senhor ao nos fazer nascer do Espírito, é que todas as coisas sejam feitas novas. Já há mostras evidentes de que o povo cristão está dando passos mais além do que supostamente nossa condição de subdesenvolvimento nos permite. Com uma dose maior de discipulado, de consciência como povo de Deus e de nossa responsabilidade no mundo como testemunhas de Deus, a Igreja deste continente será um instrumento muito valioso para o anúncio do Evangelho do Reino até o último da terra.

Conclusão

Se somos subdesenvolvidos ou não, segundo os critérios do mundo; se nossa cultura é inferior ou superior a outras; se a Ibero América tem ou não futuro para liderar o mundo, não são esses os critérios fundamentais que nos devem guiar na reflexão missionária. O importante é saber que os cristãos brancos da Argentina, os negros antilhanos ou os bronzeados dos Andes foram comprados pelo sangue precioso de Cristo, batizados por um mesmo Espírito e convocados pelo Senhor para fazer uma mesma tarefa em todo o mundo. Enquanto o mundo se debate em uma luta pela hegemonia militar, econômica e ideológica, cabe ao povo do Senhor anunciar e chamar todas as pessoas a crerem e a esperarem no glorioso projeto histórico-eterno de nosso Deus no qual morará a justiça. Esta deve ser nossa visão e objetivo. Portanto, superemos, no nome do Senhor, os defeitos que a história nos tem trazido. Creiamos de verdade que em Cristo tudo pode ser feito novo. Creiamos e atuemos com o pensamento de que para Deus

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não há nada impossível. Desta maneira poderemos não só empreender ações de grande envergadura, como também mostrar ao mundo que Deus existe, que está no meio de nós com amor e poder para salvar e preparar um reino inabalável, no qual se beijarão a paz e a justiça. E, sobretudo, estaremos cumprindo a vontade do Senhor, que deve ser nossa preocupação central.

A ELE SEJA TODA A GLÓRIA E A HONRA. AMÉM.

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Caio Fábio Apocalipse, a Revelação do Reino

“Vi, na mão direita daquele que estava sentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, de todo selado com sete selos. Vi, também, um anjo forte, que proclamava em grande voz: Quem é digno de abrir o livro e de lhe desatar os selos? Ora, nem no céu, nem sobre a terra, nem debaixo da terra, ninguém podia abrir o livro, nem mesmo olhar para ele; e eu chorava muito, porque ninguém foi achado digno de abrir o livro, nem mesmo de olhar para ele. Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos. Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto. Ele tinha sete chifres, bem como sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra. Veio, pois, e tomou o livro da mão direita daquele que estava sentado no trono; e, quando tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos, e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Então, ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos. E os quatro seres viventes respondiam: Amém! Também os anciãos prostraram-se e adoraram”. (Ap 5:1-14) Se o Deus que existe fosse somente uma energia impessoal, então a história estaria completamente à mercê das intenções do homem. O texto em Apocalipse, contudo, começa dizendo que Aquele que reina sobre tudo e sobre todos e que reina absolutamente sobre a criação e sobre todo o incompreensível, não é algo e sim alguém. É uma pessoa que se percebe, que se conhece e que é capaz de se identificar e se solidarizar com sua criação. Há uma pessoa no centro de tudo, cuja personalidade é absolutamente caracterizada por aquele que associamos com uma pessoa, somente que neste caso na dimensão do infinito, do que não tem fim. Esta personalidade está sobre e por cima de todas as outras pessoas existentes.

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Mas de repente, Ele aparece com algo na mão; um livro, um livro da história humana, selado por dentro e por fora. É o livro da história da humanidade pelo fato de que, ao abrir seus selos, se desatou uma recontagem de todo o processo dos eventos da história até a consumação da mesma, até alcançar seu Ômega. O último selo fez com que as trombetas soassem e a última trombeta fez com que se começasse a ditar as vozes de juízo. A declaração das vozes de juízo desencadeia os sete flagelos, ao fim dos quais a superpotência babilônica, o poder absoluto do pecado, a forte força que oprime universalmente, o sistema de morte, cai, e Cristo vem para reinar, consolar e estabelecer uma nova ordem, na qual habitará a justiça.

Neste ponto surge a grande pergunta histórica: Quem pode exercer um poder respeitável sobre a história humana até um final feliz? Diz a passagem que nem na civilização humana nem no cosmos foi achado alguém digno de poder levar a história até seu fim. Ninguém que habitasse no céu, nem anjos, nem personalidades humanas. Tampouco dentre as personalidades cuja força é o ódio e que estão no inferno, ou seja, debaixo da terra, conforme a cosmogonia apocalíptica. Também dentre eles não se encontrou alguém que fosse capaz de levar a cabo o projeto de que a história chegara a seu cume, nem mesmo na história contemporânea dos dias de João. Em seus dias não havia na terra um homem capaz de desencadear a história, surgindo também uma denúncia a Domiciano. João estava dizendo que César era indigno de levar a história a seu final. Hoje nós, como João, poderíamos dizer que nenhum dos líderes políticos atuais dos países ao redor do mundo poderiam ser capazes de levar a história a um final feliz. E nem mesmo a ideologia que pretende desenvolver situações utópicas para oferecer esperança ao mundo. Esta situação cria um clima de profundo desespero em João e o faz chorar muito (versículo quatro). Porque nada deprime mais que a desesperadora e incontestável realidade de reconhecer a completa incapacidade de dirigir a história até um bom final. A crise que João enfrentava era a crise potencial de todos nós diante desta realidade, que significa dar uma olhada e não perceber nenhuma solução para o drama da dor humana. No meio desta triste realidade, de decepção de reconhecer que o homem não é capaz de administrar sua própria história, surge uma voz de esperança. Alguém olha a dor de João e seca suas lágrimas, oferecendo esperança e diz (literalmente do texto grego): “Pare de chorar”. Essa voz que vinha do céu é a que oferece esperança à terra. Dando uma olhada através de toda a história, oferece esperança para a história. Vejamos como começa o versículo 5: “Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores”. Neste mundo de adversidades,

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Deus introduz uma alternativa de esperança. Apesar do caos, “não chores”. É neste momento que se anuncia que há alguém com poder e com a dignidade de poder conduzir a história a seu fim, a seu final de brilho. Anunciou-se fortemente: “Jesus é digno. Não chores; o Cordeiro é digno. Enxugue tuas lágrimas e escute Jesus”. Ele é digno porque Ele é o Leão capaz de vencer o leão que anda ao redor de nós no planeta, buscando devorar-nos, destruir as sociedades e suas economias para angustiar os corações, enlouquecer as mentes e desmoronar as estruturas. Jesus é digno porque enfrenta o leão do mal. Ele é o mais valente e expulsa o valente mais armado. Ele é digno porque é o legítimo descendente das promessas de redenção. Ele é a raiz de Davi, a raiz de esperança. Ele é aquele para o qual as promessas do evangelho convergem e no qual elas se cumprem. Lembram-se de que Deus prometeu a Adão e a sua esposa oferecer redenção? E é dali, dessa raiz que tudo brota. Ele é o renovo dos troncos da história, que foram cortados e eliminados. Ele é digno porque derramou seu sangue para comprar a história humana (v. 6). Ele é o Cordeiro que entregou sua vida pela vida. Ele é a provisão absoluta para o pecado da história, por isso é descrito como o Cordeiro que tem poder redentor. É dito que tem sete olhos: Ele é o Cordeiro que tem toda a visão de miséria do mundo. É dito que ele tem os sete chifres; esta é uma figura simbólica do poder absoluto e redentor de Jesus Cristo. Ele é o Salvador absoluto, o todo-poderoso, porque pode ver tudo, solidarizar-se com todos, interessar-se por todos, gemer por todos e redimir a todos. Ele é o manso que herdará a terra. Não é em sua qualidade de Leão ou de Rei, e sim de Cordeiro que herdará a terra. Isso revela que a grande e revolucionária mensagem que se tem para amarrar a história é a mensagem da cruz, do Cordeiro que pode alterar a realidade. A partir dali se sabe em que mãos a história estará para sempre. O versículo sete nos diz que Ele viu e tomou o livro da mão direita do que estava sentado no trono Pode existir uma cena mais bela? Pode haver uma demonstração de mais esperança? A história da humanidade não está sob nenhum poder humano; está nas mãos de Jesus Cristo.

Entendendo isto: a que deve levar-nos essa verificação?

1. Deve mover-nos à oração que confia no destino do mundo. Depois que se diz que a história está nas mãos de Jesus, a primeira variável que se introduz é a realidade da oração, das orações que sobem à presença de Deus. Já não como palavras sem força e sim como palavras de muita força, dirigidas Àquele que tem a história em suas mãos. Faz sentido, então, orar, clamar, interceder. Faz sentido dar meia volta e depositar nossa confiança nos céus;

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2. Deve conduzir-nos à evangelização do mundo. Deve mover-nos a missões, deve impelir-nos a vencer todas as fronteiras. Deve motivar-nos a pensar em outras culturas, outras línguas, outros mundos. Deve converter-nos em “cidadãos do cosmos”. Diz o versículo 9 que Jesus derramou seu sangue para “comprar pessoas de todo povo e língua e tribo e nação”. Se eu fosse universalista creria que tudo isto é automático. O fato de alguém ter morrido, implicaria que automaticamente esta pessoa é salva, concretizando-se em uma espécie de violação salvífica, ou seja, forçar a salvação. O que creio é que o sangue derramado em favor de todos tem que ser aplicado na forma do evangelho, levado à consciência de todos para que todos tenham a oportunidade de responder a este evangelho;

3. Deve mover-nos a dedicar tudo o que temos e somos à causa de Deus. Depois de saber que a história está nas mãos de Jesus, não há mais lugar para mediocridade. Ou as pessoas se dão ou se retiram; ou radicalizam sua entrega ou se afastam. Se temos a convicção que Ele é o que Ele diz que é, e confessamos acerca do que Ele é, e nossa confissão não é só falatório e sim um fato da convicção mais profunda de nossa alma, então, é tempo de uma dedicação absoluta. Por isso é que os versículos 11 e 12 nos falam que há uma série de coisas que precisam ser entregues nas mãos dEle. A lista começa dizendo que o poder tem que ser dEle. O poder de empresas e empresários, de bancos e banqueiros. O poder de pastores, caudilhos, tiranos, dominadores de igrejas, o poder das denominações cristalizadas, o poder dos perversos interesses. Os poderes devem ir ao Cordeiro.

Os bens têm que ir para o Cordeiro. Os bens pessoais, os bens da igreja, devem ser utilizados na perspectiva da glória do Cordeiro e não como condição do estabelecimento da nossa megalomania através de templos que nada mais fazem do que sentir elevar-se nosso orgulho. Os bens do país têm que ir ao Cordeiro. A economia deve ser tratada na perspectiva de justiça do Cordeiro. A sabedoria, a inteligência, a cultura, a ciência, não podem ser encaradas e vistas dicotomicamente separadas, diferenciadas e alienadas da perspectiva do Reino, porque toda a sabedoria tem que ser posta nas mãos do Cordeiro. Por isso vale a pena aprender, estudar, expandir a mente e desenvolver toda a inteligência. Por isso toda cosmovisão tem sua razão de ser, porque o melhor da inteligência do mundo tem que ser dedicado ao Cordeiro. A força tem que ir para o Cordeiro. A força física, diz o texto grego. O suor, o esforço, o vigor, o entusiasmo, o trabalho, deve ser dedicado ao Cordeiro. A honra, a primazia, deve ser para o Reino de Deus: no dia, no tempo e na expressão primeira de gratidão. A glória tem que ser para o Cordeiro. Deve ser o resultado do reconhecimento de que acima das personalidades

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humanas que nos possam ajudar, existe a intervenção soberana de Deus. O louvor tem que ser dado ao Senhor. Todo elogio radical deve ser atribuído ao Cordeiro;

4. Deve conduzir-nos a gozar antecipadamente o que será o futuro Reino de Deus. Os versículos 13 e 14 fazem uma prolepse, ou seja, antecipam a visão do que será, mantendo-o na perspectiva de hoje. Assim aparece o universo prostrado diante de Jesus Cristo. Quando se diz que toda criatura o reverencia, significa que criatura é tudo menos Deus. Do caracol ao anjo, da ameba ao querubim, do grão à estrela. Tudo à sua maneira, em sua própria forma se prostra ante Jesus Cristo. Seres do céu, da terra, do inferno, todos estarão dizendo: “Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus, o Pai”.

Lá estarão todos os homens. Os mais perversos, os poderosos, os governantes se prostrarão. Assim como os sábios e os grandes pais das religiões e do humanismo. O ‘invergável’ personagem da história e da trans-história, estará lá. Será dito: “Ah, Lúcifer!” e ele vai ajoelhar-se e vai glorificar o Cordeiro para a glória de Deus Pai. Por tudo isso, devemos viver com esperança a alegria do Reino de Deus, com a qual o Senhor nos abençoa. Quando os periódicos anunciarem calamidades; a televisão, tragédias; a vida, desgraças... em vez de nos alienarmos, nos escondermos e dizer que tudo está bem, diremos que a maldade é a maldade que tem que ser enfrentada, mas não nos deprimiremos. Oraremos Àquele que tem a história em suas mãos e confiaremos que ninguém fará explodir este mundo, ninguém arruinará esta terra, ninguém fará cair um cabelo de seu lugar, ninguém, ninguém conseguirá produzir surpresa alguma para o Cordeiro, porque Ele tem a história toda em suas mãos e nós somos filhos do Reino. Queremos vivenciar o Reino não desanimados, não deprimidos, não derrotados, não pessimistas, não alienados, e sim comprometidos com a batalha do Reino aqui e agora. Com a esperança do Reino ali e lá, para que o nome de Jesus comece a ser glorificado na terra hoje. “Venha teu Reino, seja feita tua vontade assim na terra como no céu”. Louvado seja o nome do Cordeiro, que esteve morto, mas vive pelos séculos dos séculos e tem a história em suas mãos. Todo poder lhe foi dado no céu e na terra. Ide e pregai o evangelho a todas as nações, ensinando aos homens que guardem todo o conselho de Deus, o conhecimento do Reino. Batizem-nos, integrem-nos às comunidades, façam deles filhos do Reino e contem comigo, porque eu estou com vocês decisiva, comprometida e “batalhadoramente” até o final da história, disse Jesus.

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Edison Queiroz Igreja e Missões

Introdução

Missões é tarefa da igreja local. A visão de Deus.

Desenvolvimento do Tema

1. Modelo do Antigo Testamento – a missão do povo de Israel. 2. Modelo do Novo Testamento – a missão da igreja. A igreja de Antioquia como modelo bíblico. Inauguração, edificação e expansão.

Conclusões

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Francisco Anabalón Oração e Missões

Introdução Texto: At 4:23-31. Este é o mais óbvio dos temas em um encontro como este.

Desenvolvimento do Tema

1. O avanço missionário evangélico é possível com homens e mulheres de ação. Mas a oração antecede a ação?

2. A importância de ver a oração em suas justas e bíblicas dimensões, evitando dois extremos que se encontram na América Latina:

- Deificar a oração em vez de deificar o Deus a quem se dirige a oração.

- A prática piedosa, a fim de ganhar méritos diante de Deus. 3. A importância da oração para lançar mão dos recursos sobrenaturais que

Deus ofereceu para a igreja.

- É preciso orar ao Senhor para que envie obreiros para sua messe.

Conclusões

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Luis Bush Luz para as Nações

Introdução

Em 1916 a América Latina foi declarada campo missionário; em 1987 a América Latina se declara corpo missionário. Em 1918, missionários estrangeiros se reuniram para avaliar a forma de enviar missionários para a América Latina. Em 1987, missionários nacionais se reúnem para avaliar como enviar missionários a partir da América Latina. Jesus Cristo disse: “Vós sois a luz do mundo”. Somos chamados por nosso amo, mestre e Senhor para que sejamos luz para as nações do mundo. Este é o lema para o COMIBAM 87: “LUZ PARA AS NAÇÕES”. Cristóvão Colombo, após navegar vários dias, pressionado pelos marinheiros de Niña, Pinta e Santa María para regressar à Espanha, esgotou seu esforço humano. Estava para voltar, quando, na noite escura, aparece uma luz que lhe dá fé para seguir adiante. Pouco depois vem o grito que todos esperavam: “Terra! Terra!” Quase 500 anos depois, o povo de Deus desses países olha para a luz da Palavra de Deus e do Espírito Santo e clama pelas nações! As nações! Na Itália se prepara as Colombíadas e na Espanha, Sevilha '92. Este último é para celebrar os 500 anos da conexão ibero-latina, com diplomatas, artistas e negociadores dos países da Península Ibérica e dos países latino-americanos. No COMIBAM' 87 antecipamos os 500 anos e celebramos um encontro focado no próprio Senhor, Jesus Cristo; uma mesma fé evangélica cristã e uma mesma visão de ser luz para as nações. Em 1493, Cristóvão Colombo foi consultado pelos poderosos de seu tempo e disso resultou a famosa "linha" desenhada sobre um mapa das Américas. Segundo eles, tudo o que estava ao ocidente daquela linha pertencia à Espanha, e o que estava ao oriente era de Portugal. Hoje, tanto os hispânicos das Américas como os de fala portuguesa do Brasil, nos reunimos com os da Espanha e Portugal como um só corpo, congregados como Corpo de Jesus Cristo, para avaliar como implementar o mandato de Cristo de ser luz às nações.

Não viemos ao COMIBAM para perguntar “sim” ou “não”, mas para perguntar “como?” Como fazer para ser luz para as nações?

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Senhor, reunidos aqui em São Paulo, mostra-nos por meio de tua Palavra, de teu Espírito e pelo conselho de muitos que te amam, como é que podemos cumprir teu chamado para ser luz para as nações. Senhor, estamos dispostos. Eis-nos aqui para fazer tua vontade, apesar de algumas mudanças que teríamos que fazer. Mudanças de atitudes, reordenamento de nossas prioridades e ajustes em nossas atividades eclesiásticas, mesmo que isto implique mudanças em nossa mentalidade. Isaías 49:1-3, 5-6. Somos chamados a ser luz para as nações.

1. Para quem é feito o chamado de ser luz para as nações?

A passagem em Isaías 49 enfatiza, mais que qualquer outra coisa, a quem se dirige o chamado de ser luz para as nações. É para aquele que é: Chamado desde o ventre; Nomeado pelo Senhor; Coberto pela sombra de sua mão; Colocado por flecha polida; Guardado em sua aljava; Indicado por Deus: “Meu servo é você”; Em quem Deus se gloriará. Deus comissionou seu povo. É aquele que Ele considera ser servo: “Pouco é o seres meu servo” (Is 49: 6). Em cada geração, Deus entrega a tocha àquele povo que deve cumprir com seu mandato de ser luz para as nações. Neste texto é Israel, povo de Deus, servo de Deus, a quem foi entregue a tocha... “...te dei como luz para os gentios.” Dei a você a tocha acesa. Só que esta tocha passou das mãos de Israel para Jesus Cristo, que admitiu ser o servo profetizado pelo próprio Isaías nos capítulos 42 a 57, quando disse: “Eu sou a Luz do mundo”. Depois Cristo entregou aquela tocha a seus discípulos, dizendo-lhes: “Vós sois a luz do mundo”. “Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra." Na sequência, a tocha foi entregue à Igreja do Senhor (Atos 13:47) para que se convertesse no Povo do Senhor, o servo de Isaías 49:6, dado por Deus para ser luz para as nações. A tocha da igreja nascente no Oriente Médio foi passada à Igreja da Europa, e se poderia dizer que nos últimos 100 anos passou aos norte-americanos. Agora, desde 1980, o ano em que o número de evangélicos no terceiro

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mundo foi igual ao número dos evangélicos dos países do Atlântico Norte, começou a passar aos países terceiro-mundistas. Estamos entrando em uma nova era de missões. A porcentagem de evangélicos no terceiro mundo já cresceu de 50% de todos os evangélicos do mundo em 1980 para 66% em 1985, apenas cinco anos depois. O aumento de missionários da América Latina, África e Ásia ocorre rapidamente. Neste ritmo de crescimento, no ano 2000 serão 67.000 missionários dos países asiáticos, sem contar os da África e América Latina. É nossa vez de segurar aquela tocha.

No COMIBAM 87, como ibero-americanos, estamos pegando aquela tocha e dizendo sim ao Senhor: “Senhor, estamos dispostos a ser teu servo, teu instrumento para levar aquela tocha e ser luz para as nações”.

2. O que significa ser luz para as nações? 2.1. Em primeiro lugar, ser luz significa ter INTEGRIDADE PESSOAL, SANTIDADE. No dia em que Moisés, servo de Deus, foi chamado, foi atraído a uma luz brilhante. Ele se aproximou de uma luz sobrenatural. Era uma sarça que ardia e não se consumia. Ali, no deserto, escutou as palavras de Deus: “Tire as sandálias de teus pés porque o lugar em que estás é terra santa”. “Sede santo”, disse Deus a seu servo, “porque Eu sou santo”. Cristo falou da integridade pessoal, da santidade e da excelência do caráter moral em Mateus 6:22 quando disse: "...todo o teu corpo será luminoso”, ou seja, cheio de integridade. Para que você e eu cumpramos o mandato do Senhor, necessitamos de integridade pessoal e algo mais; necessitamos proclamar o evangelho.

2.2. Em segundo lugar, "ser luz" significa INSISTÊNCIA NA PROCLAMAÇÃO do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Deus equipou seu servo para ser luz para as nações: "fez a minha boca como uma espada aguda". Para quê? Para proclamar as boas novas da salvação até o último da terra (Isaías 49:2,6). A luz representa a revelação de Deus, a proclamação de Deus. Quando Deus guiou seu povo pelo deserto no caminho para a terra prometida, iluminou para ele as noites com uma coluna de fogo. A luz representou a revelação, a proclamação das boas novas, da salvação de Deus.

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O crescimento da igreja de nosso Senhor Jesus Cristo sempre tem ocorrido por meio da proclamação. Quando veio a perseguição sobre a igreja primitiva em Jerusalém, diz a Sagrada Escritura que todos foram espalhados e iam por todas as partes, insistentemente anunciando o evangelho; e veio avivamento à Samaria. Assim como em tempos passados, cumprir com o chamado de ser luz para as nações implica não apenas proclamar o evangelho, mas perseverar na proclamação, apesar da perseguição. Hoje em dia, mais da metade dos cinco bilhões de pessoas vivendo no mundo encontram-se em países onde os evangélicos são perseguidos. Por exemplo, tomemos o caso atual da China, país em que vive quase uma quarta parte da população do mundo. Apesar da terrível perseguição aos evangélicos na China desde 1949, os que sobreviveram insistentemente testificaram e pregaram sobre sua fé em Cristo. A igreja do Senhor neste país cresceu mais dramaticamente que em qualquer outro lugar e tempo da história, pelo testemunho de missionários chineses que foram a outros povos, cruzando fronteiras culturais, linguísticas, étnicas e sociais. Foram espalhados por toda a China, penetrando nos mais de dois mil grupos de pessoas com características culturais distintas. Missionários que pregaram o evangelho insistentemente em cada lugar onde foram; e a igreja cresceu de um estimado um milhão de crentes em 1949 para mais de 50 milhões hoje em dia. A igreja cresceu cinquenta vezes em uma geração, 5,000%. E como diz o salmista em 34:5, “Contemplai-o e sereis iluminados, e o vosso rosto jamais sofrerá vexame”. “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela” (João 1:5). Cristo disse: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa”. Se vamos ser luz para as nações, devemos preparar-nos para proclamar o evangelho insistentemente, apesar de todo tipo de perseguição. Ter sido dados como luz para as nações significa integridade pessoal e insistente proclamação, mas também significa uma coisa mais...

2.3. Influência com nossa presença "Ser luz" significa influenciar bem a comunidade onde nos encontramos. Influenciar as sociedades de uma maneira positiva e no próprio curso da história secular pelo simples fato de nossa presença. Tem a ver com as boas

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obras. Cristo disse: "Vós sois a luz do mundo [...] Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam suas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”. É para que você e eu colaboremos para o bem na vida econômica, política e social das nações; contribuamos em hospitais, clínicas e outros; e nos interessemos por nossa vizinhança, pelos marginalizados, pelos pobres, pelas viúvas, pelos órfãos e outros. Israel, o Povo de Deus no passado, foi dado para ser luz para as nações. Deus lhe deu a promessa: "As nações se encaminham para a tua luz...” (Is 60:3). Por sua influência foi visitado pela rainha de Sabá, que, ao contemplar Israel, povo de Deus, e Salomão, seu Rei, disse: “eis que não me contaram a metade; sobrepujas em sabedoria e prosperidade...” Paulo e Barnabé, ao saírem como missionários para as nações em sua primeira viagem missionária (At 13:47), citam as palavras de Isaías 49:6: "também te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação até a extremidade da terra”.

Que nossa presença nas nações sirva de influência para o bem. “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus.” Cabe a nós ser luz, demostrando integridade pessoal, com insistente proclamação e influenciando com nossa presença. Mas surge a inquietude: onde?

3. Onde devemos ser luz?

São duas descrições focando o lugar onde cumprir com o mandato em nosso texto, lema de Isaías 49:6: Diz 'te dei como luz para os gentios”, "para seres a minha salvação até a extremidade da terra”. Primeiro, menciona "os gentios” e depois, “a extremidade da terra." Quando se fala em nações não se está fazendo referência a um país. Muitos países do mundo, especialmente na América Latina e na África, foram determinados por poderosos de tempos passados, que pegaram um mapa e traçaram seu “limite” humano, dividindo solo e habitantes do continente entre as coroas dos conquistadores. O mandato “fazei discípulos de todas as nações” e "sede luz para as nações” se refere a algo mais e é algo que precisamos entender bem para cumprir a tarefa encomendada.

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Desde 1974, especialmente em diversas consultas missiológicas, tem-se estudado o significado da palavra “nações” e se chegou a entender que o termo se refere a um grupo afim. Definiu-se como: “Um grupo sociológico de pessoas suficientemente numeroso, os quais consideram ter alguma afinidade uns com os outros. Do ponto de vista da evangelização ou da tarefa de ser luz para as nações, é o maior grupo de pessoas dentro do qual o evangelho pode ser disseminado sem encontrar barreiras de compreensão ou aceitação”. A ênfase do COMIBAM é, portanto, ir a estas nações para ser luz. É uma ênfase transcultural, de ir a outra cultura e ingressar num grupo distinto no sentido antropológico ou sociológico, seja um grupo social ou um grupo étnico. E em particular, ir a um grupo inalcançado, a um grupo entre o qual não existe uma comunidade de crentes nem recursos para evangelizar o grupo sem ajuda de fora. A ênfase do COMIBAM é nos grupos não alcançados do mundo, tanto nos grandes centros urbanos como nas zonas rurais, dentro e fora do continente latino-americano. O Atlas e o livro Desafio Ibero-americano, que foram entregues a vocês para este congresso, são uma tentativa de identificar algumas das nações que constituem um desafio especial para nós, tanto dentro do continente latino-americano como fora. Uma carta que recebi a respeito do processo do COMIBAM expõe a inquietude de que temos esquecido nossa Judeia e Samaria. Não é isso; é parte do desafio das nações ir mais além. Diz o texto lema de Isaías 49:6, que sejamos luz até o último da terra. Precisamos fixar-nos no último extremo da terra para fazer missões lá também. Dali se depreende outra preocupação expressada por muitos. Como pode a Igreja ibero-americana, no momento e hora históricos de tanta crise econômica e social, contemplar o envio de missionários? Isto nos leva à quarta interrogação...

4. Quando ser luz para as nações?

A resposta é clara. Isaías 49:5 começa com as palavras: “Agora pois...” Como Paulo diz: “já é hora de vos despertardes do sono...” Quando Deus chama e diz “Tu és meu servo, te coloquei como flecha polida...”, só se pode responder “SIM Senhor”. Hoje é o dia para a igreja ibero-americana levantar-se e tomar a tocha para levar luz às nações. Agora é o momento.

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Lembro-me do que disseram os irmãos bolivianos na Consulta realizada na Bolívia: "Esta visão é um eco do que Deus já nos deu”. Também as palavras dos irmãos do Chile ao expressar: “é a hora de a igreja latino-americana colocar seu grão de areia na causa da evangelização do mundo”. E a chamada telefônica a partir da República Dominicana que dizia: "Nós, delegados da COMIBAM, vamos com vontade porque cremos que este é o momento para a América Latina”. O fato de que cada país ibero-americano enviou uma boa delegação, que na maioria dos casos é muito maior que a esperada, mostra que Deus tem confirmado entre seu povo ibero-americano que é hora de cumprir o chamado para ser luz para as nações. Os chamados à evangelização do mundo vêm em momentos de debilidade humana para que Deus se glorifique. Hoje é o tempo da Ibero América, ainda que seja tempo de crise econômica. É assunto de fé. Assim como Abraão foi obediente ao chamado de Deus, com quase 100 anos de idade, seu corpo fraco, sua esposa estéril e sem o cumprimento da promessa de começar a linhagem através da qual viria aquele que seria bênção a todas as famílias da terra. Nós também devemos estar plenamente convencidos de que “...era também poderoso para fazer tudo o que havia prometido”. Como diz Paulo em Romanos 4 é Deus quem chama as coisas que não são como se fossem. É assunto de esperança contra esperança. Os discípulos também estavam em crise econômica no princípio do livro de Atos, quando foram comissionados a serem testemunhas até o último da terra. É que as missões não dependem do poder político nem econômico e sim da obediência e da fé na Palavra de Deus. Hoje é o dia para a igreja latino-americana tomar aquela tocha, converter-se de um campo missionário em uma força missionária para a glória de Deus. A pergunta é por quê devemos fazê-lo.

5. Por que ser luz para as nações?

A primeira razão de ser luz é porque Deus assim demanda. Isaías 49:6 diz: “...tu sejas ... luz para as nações...”. Israel, como povo de Deus, havia prostituído o propósito de Deus para eles. É de pouca importância para Deus, é algo leve, é algo secundário que levantes as tribos de Jacó e restaures o remanescente de Israel.

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Estavam preocupados com eles próprios e era bom, mas secundário. Eram nacionalistas, interessados em seus povos, em suas tribos e em seu remanescente. Estava bem serem nacionalistas, preocupados com seu próprio país. Existe, porém, algo ainda mais importante na mente de Deus, que é ser luz para as nações. O chamado maior que o servo de Deus tem é o de preocupar-se com outros povos. Cristo falou desta maneira: “Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará”. Se você buscar salvar sua vida a perderá, mas se perder sua vida por causa de mim e do evangelho a salvará. Você quer ser abençoado e que sua terra seja restaurada? Quer vida abundante? Eu quero que você seja luz para as nações, diz o Senhor dos Exércitos. Deus havia abençoado Israel, redimindo-o da escravidão e levando-o a uma terra abundante, onde mana leite e mel. Para Israel, como mostra de gratidão a Deus pelo que Ele havia feito, era pouco cumprir o que Deus desejava para eles: ser luz para as nações. Contudo, eles não o fizeram. É isso mesmo que Deus deseja para sua Igreja na Ibero América. O Senhor tem feito tanto por nós, seu povo na Ibero América: nos salvou, comprando-nos com o que tem mais valor que ouro e prata, o sangue de Jesus Cristo. A segunda razão porque devemos ser luz para as nações é pela necessidade do mundo em que vivemos; necessidade em todos os sentidos. 75% dos incrédulos do mundo vivem entre povos inalcançados, onde só se pode chegar com um trabalho “secular”. Necessitam do evangelho inteiro, tanto da presença de boas obras como da proclamação clara da mensagem redentora. Se não vamos às nações, outros irão para fazer o trabalho transcultural. A Bíblia é clara: naquele dia, diante do trono e na presença do Cordeiro, haverá pessoas vestidas de roupas brancas de todas as nações, tribos, povos e línguas. Se nós não vamos, outros sim, irão. Como povos do Senhor de fala espanhola e portuguesa ponhamos nosso grão de areia para a causa da evangelização do mundo. A grande pergunta é: Como? Estamos convencidos que é preciso fazê-lo; a questão é como fazê-lo?

6. Como ser luz para as nações? Nós nos reunimos para responder esta pergunta. Por isso estamos aqui nesta semana. Por essa razão, se investiu tanto esforço, recurso e dinheiro para nos reunirmos no COMIBAM 87. Para consultar Deus, sua Palavra e uns

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aos outros, como é que as igrejas evangélicas ibero-americanas podem cumprir a comissão que nosso Senhor nos deu de ser luz para as nações. Busquemos a resposta a essa pergunta em Deus e em sua Palavra, através da hora bíblica em cada dia; por meio das nove plenárias, que traçam como um fio o “como” do mandato de Cristo; por meio dos 80 seminários; por meio das consultas nos minigrupos por afinidade e nas reuniões por países. Como implementar a visão de ser luz para as nações? Que prioridades temos que modificar em nossa vida e ministério? Que mudanças de mentalidade, de ser receptora para ser enviadora do evangelho? Que atividades devemos ajustar? Que programas temos que diversificar na escola dominical, grupo de jovens, de mulheres, de homens, na igreja, em nossa denominação, entidade de serviço cristão, instituto bíblico ou seminário? Que novas estruturas temos que criar? Associação de igrejas ibero-americanas pró missões mundiais? Centros nacionais de missões mundiais? Associação de crentes comprometidos com missões transculturais? Uma federação ou associação de agências missionárias? Uma associação de pesquisadores para continuar a pesquisa do

campo missionário e da força missionária? Uma federação de professores de missões? Associações de jovens, mulheres ou homens? Porque este não é nosso propósito, de ser luz para as nações?

Conclusão O campo é o mundo, um mundo de cidades, um mundo de grupos étnicos, um mundo de universitários, um mundo de marginalizados, um mundo árabe muçulmano, um mundo de países necessitados espiritualmente, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, Angola, Moçambique, Filipinas, Índia, China e outros. O chamado de Deus é para ser luz neste mundo, nas nações. Ele nos chama como seu povo, jovens, senhoritas, senhoras, homens, médicos, pastores, homens de negócios, profissionais, líderes denominacionais, líderes de entidades de serviço cristão. Levemos a sério o chamado dEle. Ouçamos sua voz. A tarefa é grande demais para uma denominação ou uma organização cristã. Compartilhemos nossas ideias. Participemos todos. Cooperemos para implementar a Palavra que Deus nos deu, de ser luz para as nações.

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Luis Palau Sonhe Grandes Sonhos

Quão grande é a visão de sua vida? Alguma vez já pensou no que Deus poderia fazer em sua geração através de você? Há quatro premissas que creio que são chaves na vida de todo cristão. Têm sido chaves em minha vida e, por isso, quero compartilhá-las:

Sonhe grandes sonhos; Planeje grandes planos; Ore grandes orações; Obedeça aos grandes mandamentos de Deus.

Sonhe Grandes Sonhos

Quando tinha uns 17 anos e havia começado a dar a importância devida à Palavra de Deus, um versículo na Bíblia começou a me incomodar. Era difícil para mim aceitar essa verdade. Inclusive me dei ao trabalho de compará-lo com outras traduções para ver se podia encontrar uma melhor interpretação. Contudo, em cada versão as palavras eram essencialmente as mesmas. Jesus Cristo declara: “Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai” (João 14:12). É uma promessa magnífica, quase incrível, mas você verá. É uma promessa feita pelo próprio Senhor Jesus e, portanto, é segura. Você já a experimentou em sua vida? Posso recordar que me sentia frustrado quando jovem, pensando na evangelização dos não-cristãos. Assim, com vários de meus amigos, começamos a orar juntos. E lentamente em meu coração, e no coração dos outros, começou a crescer uma visão. Era a visão de ganhar milhares para Cristo. Alguns de meus sonhos eram tão descabidos que não os comentei com ninguém além de minha mãe; e nem sequer com ela compartilhei todos. Mamãe nos animava, dizendo: "Vamos, vocês não precisam de uma revelação especial de Deus para ir alcançar os perdidos. Há séculos Ele deixou a grande comissão de anunciar as boas novas a todo o mundo. Então vão. Não fiquem esperando mais instruções.” Dessa maneira, começamos a evangelizar lentamente. Só posso maravilhar-me ao recordar como o Senhor tornou realidade tantos de nossos grandes sonhos.

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Hoje Cristo chama você a sonhar grandes sonhos porque todo aquele que crê nEle pode fazer as grandes obras que Ele fez. Como pode ser possível? Em primeiro lugar, Deus enviou o Espírito Santo para que vivesse em nós, e agora Cristo faz Sua obra através de nós. Em segundo lugar, Cristo condicionou “Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço”. O Senhor nos desafia a ter fé, não necessariamente mais fé, mas fé nEle. Uma fé ativa. O estancamento da vida cristã pode aparecer por termos deixado de lado os grandes sonhos. A isso se soma que temos deixado de crer no que Deus pode fazer. Por acaso termina nossa confiança no Senhor depois de crermos nEle como Salvador? Você parou de ver grandes coisas em sua vida? O que limita Deus aqui na terra? Por acaso, Deus é incapaz de fazer com que os corações de milhares se voltem para Ele? Por acaso não pode produzir um avivamento nas igrejas e fazer com que as chamas desse avivamento se estendam para todo o continente? É claro que Ele pode fazer isso. Contudo, preferiu limitar, ao menos em parte, Sua obra: decidiu limitá-la a todo aquele que nEle confia para agir por meio de nós. Fico encantado com a promessa que encontramos em Atos dos Apóstolos: “Vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos” (2:17). Sonhe sim, mas não deixe seus sonhos serem levados pelo vento. Faça-os realidade.

2. Planeje Grandes Planos

Você tem planos e sonhos a respeito do que Deus poderia fazer através de sua vida? Ou simplesmente está ocupado com as tarefas diárias e a rotina da vida? Está vegetando, aborrecido com você mesmo ou aborrecido com os demais? O Senhor Jesus Cristo nos desafia a abandonarmos nosso conformismo e nos diz: “Através do meu Espírito que mora em vocês, poderão fazer coisas ainda maiores que as que eu mesmo fiz”. Ele não espera que nos sentemos comodamente todo o dia e apenas sonhemos sobre o que poderia ocorrer para Sua glória. Ele quer que tenhamos grandes planos para que os grandes sonhos se tornem realidade. Com frequência, vários anos depois de entregar sua vida a Cristo, as pessoas duvidam de Deus em vez de continuar confiando nEle para coisas maiores. Para que Deus volte a nos usar, devemos confessar esta incredulidade, dizendo: “Senhor Jesus, renova minha visão do teu poder. Renova minha confiança no que podes fazer. Renova minha fé em teus recursos, que são divinos”. Quando você fizer isso, sonhe e planeje outra vez.

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Deus colocou uma responsabilidade em meu coração: pregar o evangelho e ganhar para Ele tantas pessoas quanto seja possível. Primeiro foi a cidade onde vivia como jovem, depois o estado. Em seguida, a Argentina inteira e, na sequência, toda a América Latina. Hoje, pela graça de Deus nossa equipe quer que todo o mundo escute a voz de Deus. E você? Está esperando grandes coisas de Deus? Ou, por acaso, está deixando passar oportunidades? Se é verdade que o Senhor deseja que se pregue o evangelho em todas as nações, então não podemos permanecer passivos. Qual foi o segredo do apóstolo Paulo? Não era só um sonhador. Também planejou grandes planos e os realizou no poder do Espírito Santo. Observe que o apóstolo usou a estratégia para levar a cabo seu ministério. Ele não considerou que um plano estratégico fosse carnal ou indigno. Pelo contrário. Ele a viu como uma ferramenta para ministrar de forma mais efetiva. Sonhe por um momento. Trate de visualizar as cinco bilhões de pessoas no mundo e os milhares de milhões que não escutaram o evangelho nesta geração. O que você vai fazer? Trate de determinar como Deus poderia usá-lo para compartilhar sua fé em Cristo no trabalho, na escola, na vizinhança e ainda mais além. Comece fazendo planos específicos.

3. Ore Grandes Orações

O Senhor não nos diz para simplesmente sonharmos grande sonhos e planejarmos grandes planos, mas acrescenta: “E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (João 14:13,14). É uma formidável promessa. Deus deseja que peçamos a Ele. Só que andamos fazendo voltas e não somos diretos com Ele. Parece que tememos que o Senhor se assuste pelos grandes pedidos que fazemos a Ele. “Peça-me”, diz o Senhor. O que estão esperando? Quando Estevão, meu filho mais novo tinha apenas 6 anos, sempre me pedia centenas de coisas, como costuma acontecer com crianças dessa idade. E seus pedidos, às vezes, eram de difícil viabilização, mas gostava muito que viesse e me fizesse as solicitações. Em regra geral, se o que Estevão pedia estava dentro de minhas possibilidades, eu dava para ele. Acima de tudo é meu filho. Nosso Pai Celestial também deseja que nos cheguemos a Ele com nossas petições.

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Vejamos novamente o que enfatiza o Senhor em João 14:13,14: “E tudo quanto pedirdes em meu nome ... a fim de que o Pai seja glorificado no Filho”. Ele nos desafia a utilizarmos seus infinitos recursos e a pedirmos em Seu nome qualquer coisa que glorifique a Deus. Por acaso não é este nosso objetivo na vida? Deus continua respondendo muitas orações. Orações por decisões importantes, por necessidades tremendas, por segurança, por pessoas e por sabedoria. E as respostas de Deus a essas orações, tanto por coisas grandes como por coisas pequenas, tem resultado numa fé renovada e ampliada. O Senhor conhece nossos sonhos e nossos planos. Não temos que convencê-Lo, tratando de vender a Ele nossa ideia para que assim nos dê o que pedimos. Ele simplesmente diz: “Peçam!” Sonhe, planeje, mas ore grandes orações.

4. Obedeça os Grandes Mandamentos

O primeiro passo na vida cristã é confessar que “Jesus é Senhor” (Rm 10:9). À medida que amadurecemos em nossa fé, compreendemos mais e melhor quem é Jesus, o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores (1 Tm 6:15). Cada passo posterior na vida cristã tem a ver com a obediência a Jesus como Senhor. O apóstolo João nos diz: “Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardarmos os seus mandamentos” (1 João 2:3). Até o ponto em que saibamos e creiamos que Jesus é Senhor, até esse ponto O obedeceremos.” “Bem-aventurado o homem que teme ao Senhor e se compraz nos seus mandamentos” (Salmo 112:1). O Senhor não somente nos chama a sonhar grandes sonhos, planejar grandes planos e orar grandes orações. Também nos chama a obedecer seus grandes mandamentos. “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14:15). E seus mandamentos não são meras sugestões e sim, precisamente, grandes mandamentos. E porque Cristo é Senhor dos Senhores, tem direito a nos deixar tais mandamentos. Antes de subir aos céus, disse a seus discípulos: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mateus 28:18-20). Como Senhor dos senhores, nos deu esta grande comissão.

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O Senhor não nos chamou para a passividade e sim para a ação. Sonhemos, façamos planos, oremos e desfrutemos da emoção de obedecê-Lo, sendo testemunhas de como outros entregam seu coração a Ele. Adiante com o Senhor.

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Roberto Hatch Lições e Modelos

Introdução

A história de missões é um vasto campo de lições e modelos para nosso desafio de ser luz para as nações. Não estamos começando do nada ao empreender a tarefa de missões transculturais da Ibero América; temos uns 4.000 anos de história desde que Deus disse a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei... em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12:1-3). Que podemos aprender de 40 séculos de história missionária? O apóstolo Paulo apreciava a história e constantemente fazia referências ao passado. “Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1 Co 10:11). Sem dúvida nenhuma, temos alcançado os fins dos séculos. Com o surgimento de esforços missionários na Ásia, África e América Latina, que se unem com os da Europa e América do Norte, fazemos parte de uma nova época de missões, que o doutor Lorenzo Keyes chama de “A Época Final de Missões”1. Com crescente expectativa, esperamos aquele momento apocalíptico: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim” (Mt 24:14). Junto com a benção de termos alcançado esta época nova e culminante de missões e da história, prestemos nova atenção ao desafio de Paulo, de sermos advertidos pelo que sucedeu a nossos antepassados na história sagrada e nos 2.000 anos de missões cristãs. Poderia passar toda a vida explorando a riqueza da história missionária para abordar o tema que me foi atribuído. Embora me fascine a história, confesso a vocês que não sou historiador. Apenas comecei a explorar a superfície desta mina inesgotável de lições e modelos. Por outro lado, ao pensar no tiempo limitado aqui no COMIBAM 87, me encontro com a frustração de ter que cortar muito dos modelos que surgiram em meu estudo. Também me dou conta de que há muita história que temos perdido, que não foi escrita em seu devido tempo e, por consequência, foi esquecida. O Dr. Pablo Deiros, historiador argentino declara:

A história do cristianismo, contudo, não foi muito justa com aqueles que poderiam ser reconhecidos como os verdadeiros protagonistas de tão tremenda façanha (o impressionante desenvolvimento da Igreja antiga e sua ampla expansão). Trata-se dos milhares e milhares de homens e mulheres cujos nomes não ficaram nas crônicas oficiais, não foram gravados

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em mármore e nem sequer ocuparam um ínfimo lugar nos escritos de seus contemporâneos. Nesta estirpe de testemunhas anônimas, contudo, podemos encontrar a chave do crescimento fenomenal que experimentou a Igreja nos primeiros séculos. Com certeza, é sumamente difícil recuperar os nomes destes crentes, cuja única aspiração era proclamar o senhorio de Cristo e não

figurar nos anais da história2. Como Deiros, podemos acrescentar que a mesma coisa acontece em nosso continente e em nosso século. Quem nos pode contar dos missionários da Igreja Evangélica Peruana, que avançaram para Bolívia, Equador, Colômbia, Panamá e Costa Rica antes de 1908?3 Ou do Rev. João da Mota Sobrinho, enviado pela Missão Presbiteriana Brasileira a Portugal em 1910?4 A falta de histórias escritas sobre a obra missionária na América Latina nos rouba a possibilidade de aprender com aqueles pioneiros heroicos, que arriscaram suas vidas no cumprimento da Grande Comissão. Também nos condena a repetir seus erros. São muitos os países onde teríamos que fazer eco das palavras do Dr. Estuardo Mclntosh: “É uma lástima pensar que depois de mais de cem anos da entrada do evangelho no Peru, não se encontra até hoje um livro escrito em castelhano sobre a história da Missão Evangélica no Peru. E mais... em um lugar como o Seminário Evangélico de Lima, não se ensina nada da história da igreja na América Latina há 10 anos”5. De imediato surge a primeira lição: que nos convertamos em estudantes da história, que descubramos as ricas experiências de nossos antepassados em sua luta para serem fiéis à Grande Comissão. A segunda lição é similar: que escrevamos a história dos missionários ibero-americanos que abriram a brecha na qual estamos entrando agora; que não deixemos desaparecer os traços que ainda permanecem na tradição oral de suas vidas e obras. Muito devemos a estes pioneiros ibero-americanos e, se não resgatarmos sua história, teremos perdido para sempre um rico tesouro.

O Ponto de Partida

A estratégia missionária de Jesus Cristo se concentrou na seleção de doze discípulos para levar seu próprio ministério até o último da terra. A mesma atividade da qual se ocupou nosso Senhor é a que ele atribuiu aos apóstolos. Por um lado, “percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt 9:35). Por outro lado, e quase em seguida, “a estes doze enviou Jesus, dando-lhes as seguintes instruções:... e à medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes,

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de graça dai” (Mt 10:5-8). Na Grande Comissão se amplia o campo de responsabilidade, mas o ministério é o mesmo. A seleção e a preparação dos discípulos foram uma estratégia missionária. Quando, porém, olhamos apenas para a Grande Comissão e para os vários ensaios que a antecederam, corremos o risco de perder o verdadeiro ponto de partida da obra missionária. Em primeira instância, Jesus não escolheu os discípulos para enviá-los. Este é um segundo passo, que seria impossível sem o primeiro. “Então (Jesus) designou doze para estarem com ele e para os enviar a pregar...” (Marcos 3:14). Jesus somente envia o discípulo que já está com ele, que conhece a experiência de viver dia após dia na presença de seu Senhor. Nosso grande risco neste renovado esforço missionário é o de nos ocuparmos tanto com as múltiplas exigências do serviço missionário que não dedicamos tempo para estar com Ele. Somos como Marta, atarefados e perturbados com muitas coisas e ainda reclamamos das Marias que querem sentar-se aos pés do Senhor. Frente ao desafio de cinco bilhões de pessoas que habitam este globo e à Grande Comissão, que nos insta a alcançar cada uma delas, as palavras de Jesus ressoam: “Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lucas 10:42). Nas palavras de J. Hudson Taylor, aquele famoso missionário inglês que fundou a Missão para o Interior da China em 1872, “não é perda de tempo esperar em Deus”6. Quantos fracassos missionários teriam sido evitados se tivéssemos mantido este ponto de partida e base para o serviço missionário?

Estratégia Missionária

O apóstolo Paulo nos apresenta um fascinante modelo de estratégia missionária. Seu objetivo geral é declarado em Romanos 15:20: “esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio”. Para realizar este objetivo não vemos uma estratégia muito desenvolvida e muito menos um rígido plano de ação. Com Barnabé, começou suas viagens missionárias sem articular de antemão seu itinerário: “Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre” (Atos 13:4). Pode-se presumir que Paulo teve, sim, planos para suas viagens, mas em várias ocasiões foram truncados pela intervenção do Espírito Santo: “Tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia” (Atos 16:6).

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“Tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu” (Atos 16:7). “Muitas vezes me senti impedido de visitar-vos (Roma)" (Romanos 16:22). Os planos de Paulo sempre eram submetidos à revisão do Espírito. Suas próprias ideias e intenções eram mantidas em forma tentativa e flexível, sempre sujeitos a modificações. Nos três casos citados, não sabemos de que forma o Espírito contrariou o propósito de Paulo, mas na bem conhecida chamada macedônica de Atos 16:9, o Espírito falou numa visão, à noite, para mudar seus planos e enviá-lo pela primeira vez a Europa. Muito pouco se lê sobre visões e sonhos no restante de missões. Poderia ser mencionado o caso de Anskar, chamado de apóstolo do Norte, que nasceu na França no ano 801 e foi um dos primeiros missionários para a Dinamarca e a Suécia. Dele temos apenas uma referência breve de que foi um místico movido por visões e sonhos7. Tenho a impressão de que nossa historiografia tem escondido esta dinâmica espiritual na vida de muitos missionários através dos séculos. Seja como for, temos o caso irrefutável de Paulo e as claras advertências de Tiago em relação aos planos fechados e definitivos, que não mantêm certa provisionalidade para incorporar a direção de Deus: “Atendei, agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos, e teremos lucros. Vós não sabeis o que sucederá amanhã […] Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo. Agora, entretanto, vos jactais das vossas arrogantes pretensões. Toda jactância semelhante a essa é maligna” (Tiago 4:13-16). Hoje há certas escolas de administração que entraram na igreja e no movimento missionário, com um forte estímulo para estabelecer objetivos e fazer planos. Tal abordagem pode ser de muita ajuda frente à nossa tendência de improvisar, mas à medida que nossos planos deixam de ser tentativos, provisórios e humildes, perdemos a possibilidade de escutar a voz do Espírito ou de receber suas visões e sonhos por nossa soberba. No processo de elaborar planos para a obra missionária, guardemos sempre um espaço para a intervenção do Espírito Santo. Uma realidade da obra missionária não requer discussão: a conversão das pessoas depende da intervenção divina. Não basta o trabalho humano. O melhor esforço não pode obter o mais mínimo êxito. A intervenção de Deus pode ocorrer da forma mais imprevisível. Aqui está uma história eloquente:

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Em 1721, o pastor luterano Hans Egede zarpou da Noruega, seu país natal, junto com a esposa e quatro filhos para levar o evangelho aos esquimós da Groenlândia. O trabalho foi árduo e sem muitos resultados. Além da barreira do idioma, Egede achou muito difícil visitar as casas durante os longos meses do inverno por causa das temperaturas extremas e do cheiro repugnante de carne e peixe podre, e das tinas de urina que usavam para curtir as peles. Em 1733 chegaram os primeiros missionários morávios à Groenlândia e não faltou conflito entre os dois grupos. No mesmo ano, depois de mais de uma década de luta, Egede viu a intervenção de Deus, mas da forma menos prevista. Um dos poucos convertidos regressava de uma visita à Dinamarca, contaminado por varíola. Inconsciente do perigo, acompanhava Egede em suas visitas de povoado em povoado, infectando os esquimós. Logo irrompeu uma epidemia da doença e os esquimós lutavam por sua sobrevivência. Durante as semanas e meses em que a praga os castigou, Egede e sua esposa se entregaram totalmente para atendê-los e curá-los. Cuidando dos enfermos, Egede demostrou uma ternura e amor sacrificado que impactou os esquimós. Chegavam de longe até sua casa os esquimós mais enfermos e miseráveis e sempre eram atendidos com uma cama, remédios e carinho. Por sua entrega sacrificada, houve uma transformação marcante na atitude dos esquimós e muitos responderam ao evangelho. Um deles disse: “você tem sido carinhoso conosco, mais que nós próprios; nos alimentou quando tivemos fome, enterrou nossos mortos que, de outra forma, teriam sido comidos pelos cachorros, lobos e urubus; e em particular nos falou de Deus e de como receber sua bênção, para assim morrer com satisfação pela esperança de uma vida melhor”. O preço foi muito alto. Egede nunca recuperou sua saúde e sua esposa ficou doente até sua morte, três anos depois8. Não se pode antecipar a forma como Deus vai realizar Sua obra. Podemos fazer planos, mas sempre temos que estar na expectativa das surpresas e das tragédias que Deus envia. Séculos antes, um dos missionários mais importantes da história da Igreja, o espanhol Ramón Lulio, estabeleceu em detalhes como se deveria fazer a tarefa missionária. Por sua experiência no ministério entre os muçulmanos, escreveu no ano de 1311: “Os missionários converteram o mundo pela pregação, mas também pelo derramamento de lágrimas e de sangue, com grande trabalho e com uma morte amarga”9.

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Toda obra missionária e todo plano para sua realização tem que contemplar esta realidade. Afinal de contas, Deus faz sua obra como quer e, seguindo o modelo de Jesus Cristo, com frequência há sofrimento, dor e morte. “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Salmo 116:15).

Superioridade Cultural

A conquista espanhola da América nos dá um modelo negativo da obra missionária e ainda que rejeitemos tanto seu estilo como seu conteúdo, corremos o risco de cair em alguns dos mesmos erros. No dia 16 de novembro de 1532, em Cajamarca, Peru, o Frei Vicente Valdeverde, por incumbência do conquistador Francisco Pizarro, leu ao imperador inca Atahualpa o seguinte requerimento:

Da parte de Sua Majestade..., eu, seu criado, mensageiro e capitão, vos notifico e faço saber...que Deus Nosso Senhor...encarregou São Pedro (e os continuadores em sua cadeira) para que sobre todos os homens do mundo fosse Senhor e Superior... Assim se tem feito até agora e continuará até que o mundo se acabe... Um dos Pontífices anteriores (Alexandre VI) fez doação destas ilhas e da terra firme do mar oceano aos Reis Católicos da Espanha.... Assim, Sua Majestade (Carlos I da Espanha e V da Alemanha) é rei e senhor destas ilhas e terra firme, por virtude da referida doação..., e quase todos a quem isto foi notificado receberam Sua Majestade e lhe obedeceram e serviram..., e Sua Majestade os recebeu alegre e benignamente... Por conseguinte, e como melhor posso, rogo e requeiro que entendais bem isto que lhes digo, e tomeis para entender e deliberar sobre isso todo o tempo que for justo..., e consintais que estes padres religiosos declarem e preguem para vós.... Se assim fizerem, farão bem... Se não o fizerem, ou maliciosamente nele colocarem delongas, certifico que, com a ajuda de Deus, eu entrarei poderosamente contra vós, e lhes farei guerra por todas as partes.... E protesto que as mortes e danos...sejam vossa culpa, e não de Sua Majestade, nem minha, nem destes cavaleiros que vieram comigo, e de como vos digo e requeiro, peço ao presente escrivão que o me dê por

testemunho assinado10. Não nos surpreende a rejeição de Atahualpa ou sua cólera contra os espanhóis por semelhante soberba e afronta à sua honra e dignidade.

Antes de nos acomodarmos com a ideia de que jamais faríamos tal coisa, é preciso recordar as atitudes de superioridade que temos visto em alguns missionários norte-americanos. Ainda mais próximo, conversei com um missionário brasileiro na Bolívia, que desejava trazer do Brasil um piano para substituir o violão e o charango para, dessa forma, ensinar aos bolivianos a

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forma correta de cantar. Nosso comportamento em relação aos grupos autóctones da América Latina com frequência demonstra a mesma soberba dos conquistadores; longe de valorizar sua cultura e idioma, temos desejado impor nossa cultura e linguagem. Nós os tratamos como crianças, com um paternalismo sufocante, em vez de aprender sua cultura e identificar-nos com eles. Sejamos conscientes do desafio transcultural de que William Taylor falou no passado e da tendência de todos de nos aproximarmos de outra cultura com uma atitude de superioridade. As palavras do Pacto de Lausanne vêm ao caso:

O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.11

Volto às missões católicas na América Latina para tratar de um tema correlato: a formação de um líder autóctone. Segundo o historiador de missões Stephan Neill, um dos graves defeitos da obra missionária católica neste continente foi a falta de esforço sério para preparar um ministério autóctone: “As missões propriamente ditas sofreram, através da América Latina, daquela penúria de sacerdotes, o que nunca foi totalmente remediado até hoje”12.

Em 1525 o Contador Rodrigo de Abornez, do México, escreveu ao rei da Espanha, solicitando que se formasse uma escola superior para a formação de sacerdotes indígenas: “Se destes indígenas se produz um só sacerdote, ele poderia ser de maior valor que cinquenta sacerdotes europeus”13. Apesar de tão nobre e acertada visão, o primeiro Conselho do México, em 1555, proibiu a ordenação de pessoas da raça “mora” que incluía indígenas, mestiços e mulatos. O Conselho de Lima, em 1585, não assumiu uma postura tão fechada, mas na prática muitos poucos mestiços e nenhum indígena foram ordenados por mais de dois séculos. Os primeiros três sacerdotes indígenas foram ordenados em 1794, depois do terceiro Conselho de Lima. Até hoje, há três grupos autóctones no continente que não têm nenhum sacerdote de sua própria raça e cultura, fazendo com que a Igreja Católica represente ainda uma religião estrangeira14.

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Entregar a liderança de uma obra missionária a elementos da própria cultura requer atribuir grande valor e ter confiança no poder do Espírito Santo. Perder o controle e correr o risco de um fracasso nas mãos de pastores e presbíteros locais é um desafio comum nas missões transculturais. A frequente demora em preparar líderes locais e entregar a eles responsabilidade facilmente comunica uma atitude de superioridade do missionário sobre as pessoas que ele quer alcançar. As palavras de Rodrigo de Albornez têm igual validade para a Igreja evangélica nos dias de hoje. A liderança local, com seu domínio perfeito do idioma e da cultura, está mais capacitada para fazer da fé cristã uma experiência natural e apropriada para seu próprio grupo. Nas palavras do Pacto de Lausanne: Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local15.

Talentos Seculares em Missões

A obra missionária não se faz somente por meio da pregação. Desde as tendas que Paulo fazia, se tem visto através da história de missões como Deus utiliza habilidades “seculares” dos missionários para a evangelização. Estes talentos têm que ser vistos não como seculares e sim espirituais; dons que Deus tem dado como parte integral da obra missionária. A atenção médica e contribuições à agricultura abrem caminhos para expressar a compaixão de Cristo, ao suprir necessidades básicas do ser humano, e a história de missões está cheia de casos onde o exercício destes talentos contribuiu claramente para a evangelização. Há outros casos nos quais a relação não parece ser tão direta: O jesuíta italiano Matteo Ricci entrou na China em 1583, a partir da colônia portuguesa de Macau. Foi o primeiro missionário moderno para este país16. Seus conhecimentos de matemática e astronomia foram os que motivaram o governador de Shiuhing a convidar Ricci a morar na China. Depois sua habilidade como relojoeiro e cartógrafo lhe rendeu um convite do imperador para mudar-se para Pequim, a capital, em 1601, onde permaneceu por 10 anos até sua morte, recebendo um salário do governo imperial. Os 2.000 convertidos que Ricci alcançou prosperaram e se multiplicaram sob a direção dos sucessores de Ricci, que também ganharam favor com o imperador por seus conhecimentos de astronomia e ciência. O ódio dos chineses aos estrangeiros foi neutralizado por seus conhecimentos "seculares" e ainda assim o próprio Ricci escreveu: “é um milagre da mão onipotente do Mais Alto... não somente que estejamos morando em Pequim, mas que desfrutemos aqui de uma autoridade incontestável”17.

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Deus quer utilizar toda a gama de habilidades e talentos humanos no avanço missionário. Não nos devemos limitar somente à preparação teológica e, sim, também buscar excelência em outras disciplinas. A obra missionária não é domínio exclusivo dos pastores, evangelistas e teólogos, mas está aberta a mulheres e homens de todas as profissões e carreiras. O impressionante avanço dos missionários morávios no século 18 é atribuído corretamente ao avivamento entre os refugiados protestantes que moravam na fazenda do Conde Nicolaus Ludwig von Zinzendorf e à vigília de oração sob sua direção, que continuou 24 horas ao dia, sete dias por semana, sem interrupção por mais de cem anos. Sua estratégia missionária contribuiu imensamente para esta façanha e merece nosso estudo. Uma das marcas mais notáveis das missões morávias, que tornou possível que tão alta porcentagem de seus membros servisse como missionários transculturais foi o fato de que todos os missionários tinham que se manter por si próprios. Os morávios surgiram da classe operária e lhes parecia natural que os missionários levassem consigo seu ofício ao viajarem para o exterior. Contribuições voluntárias, segundo a missiologia morávia, seriam simplesmente inadequadas para financiar a tarefa da evangelização mundial. A única alternativa, então, foi que os cristãos fossem missionários enquanto exerciam suas vocações. Em Labrador (Canadá), os missionários morávios se mantinham por meio do comércio, com dinheiro de sobra para suprir as necessidades básicas dos esquimós. Tinham barcos e postos de comércio e, através de seu exemplo, despertaram os esquimós para atividades produtivas. O efeito de seu ministério foi não somente levar o evangelho às pessoas, como também melhorar significativamente a economia. No Suriname, na costa noroeste de América Latina, os morávios estabeleceram uma variedade de empresas, como alfaiatarias, relojoarias e padarias, entre outras. Ao crescer sua influência econômica, também cresceu sua influência espiritual, e uma igreja morávia florescente surgiu nesse país. “A contribuição mais importante dos morávios”, escreve William Danker, "foi seu foco que cada cristão é um missionário e deve testificar através de sua vocação diária. Se o exemplo dos morávios tivesse sido estudado com mais cuidado por outros cristãos, é possível que o homem de negócios tivesse guardado seu lugar de honra dentro da crescente missão mundial do cristianismo, ao lado do pregador, mestre e médico”18.

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Em um mundo cada vez mais resistente ao missionário tradicional, nos vemos obrigados a buscar outros mecanismos para entrar em certos países. O missionário bivocacional representa um retorno ao modelo dos morávios; leva um ofício secular para justificar sua presença no país, mas tem uma segunda vocação evangelística, que pratica ao lado dela através de sua primeira vocação. Não quero, contudo, deixar a impressão que o missionário bivocacional se justifica unicamente quando não é possível entrar em determinado país como missionário tradicional. Há múltiplas vantagens no sistema morávio que devemos considerar. Em primeiro lugar, nossa situação econômica é similar à dos morávios. Depender de doações voluntárias para financiar o esforço missionário da Ibero América poderia estrangular nosso crescimento. O modelo morávio nos apresenta uma alternativa comprovada. O perigo existente no modelo de pastor e missionário profissional que temos recebido é que se dedique exclusivamente aos assuntos espirituais e se isole da realidade do povo que dia a dia tem que ganhar seu pão. A partir de sua posição teórica e muitas vezes privilegiada, o missionário não consegue comunicar as necessidades mais básicas das pessoas. Os morávios laicos, preparados como evangelistas, não como teólogos, tinham que trabalhar homem a homem com as pessoas que queria ganhar, testificando de sua fé por palavra e por exemplo de sua vida. Se identificavam com eles, não como superiores e sim como iguais19. No desejo de encarnar nossa mensagem, os morávios também nos oferecem um modelo. Finalmente, o modelo morávio tem uma riqueza para o discipulado. Preparar líderes e ensiná-los como trabalhar não é algo que se consegue com discursos ou sermões. O exemplo, a demonstração, o trabalho prático na sociedade é muito mais efetivo para ensinar como viver a vida cristã. A praga dos cristãos domingueiros que não sabem levar sua fé para a rua poderia ter seu remédio com o modelo de missionários laicos, que ganham sua vida no trabalho secular.

Conclusão Os modelos e lições que extraí da história das missões obviamente refletem minha própria perspectiva e se dirigem às necessidades e perigos que eu vejo no movimento missionário ibero-americano. Minhas interpretações da história e do movimento missionário não são infalíveis e precisam da contribuição e correção de outros que compartilham o compromisso de responder ao desafio de nosso Senhor para que a Ibero América seja luz para as nações. Desejo que estas palavras sirvam como o começo de um processo

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de estudo e investigação da história das missões para o aperfeiçoamento do movimento missionário ibero-americano.

Notas

1. Lawrence E. Keyes, The last Age of Missions, A Study of Third Worid Mission Societies (A Época Final de Missões, Um Estudo das Sociedades Missionárias do Terceiro Mundo), William Carey Library, Pasadena, 1983.

2. Pablo Alberto Deiros, Testigos Anónimos, Misión, abril-junio, 1983, p. 26. 3. Rubén E. Paredes, El Protestantismo en Ecuador y Perú (tese de doutorado, não

publicada), Universidade da California, Los Angeles, 1980, p. 82. 4. John Leonard com José Martins, Além do Brasil, Introdução a Missões, CIEBEL,

Patrocínio, 1985, p. 99, citado de História da Igreja Presbiteriana do Brasil, vol. 2, p. 141.

5. Estuardo Mclntosh B., Introducción a la Misiología Latino Americana, PUSEL, Lima, 1986, p. 33.

6. Citado por Kenneth Gangel em sua palestra não escrita, "Assumptions and Realities in Facing the Vision" (Suposições e Realidades ao Confrontar a Visão), Conferência da Associação de Missões Evangélicas para o Exterior (EFMA) e da Associação de Missões Interdenominacionais para o Exterior (IFNIA), Orlando, 22 de setembro de 1987.

7. Ruth A Tucker, From Jerusalem to Irian Jaya, A Biographical History of Christian Missions (De Jerusalem a Irian Jaya, Uma História Biográfica das Missões Cristãs), Zondervan, Grand Rapids, 1983, p. 49. 8. Ibid., p. 74-79.

8. Stephen Neill, A History of Christian Missions (Uma História das Missões Cristãs), Penguin, Harmondsworth, 1964, p. 136-137.

9. Alfredo Pareja Diezcanseco, "Ecuador. De la Prehistoria a la Conquista Española", Historiografía Ecuatoriana, Banco Central del Ecuador, Tomo 25, p. 285-290.

10. O Pacto de Lausanne, “Evangelização e Cultura”, Artigo 10. 11. Neill, p. 12. Ibid., p. 174. 13. Ibid., p. 175-176. 14. O Pacto de Lausanne, “Evangelização e Cultura”, Artigo 10. 15. Os Nestorianos chegaram à China no ano de 635 e o franciscano Juan del Monte

Corvino em 1294, mas em ambos os casos a igreja desapareceu. 16. Tucker, p. 65. 17. Ibid., p. 69. 18. Ibid., p. 72.

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Rodolfo (Rudy) Girón O Espírito Santo na Missão do Povo de Deus

(Zacarias 4:6)

Tese Geral

Sem a atividade do Espírito Santo, as missões mundiais resultam em mero ativismo religioso.

O Espírito Santo na Missão do Povo de Deus no Antigo Testamento: O Ruah de Deus

1. Capacitando homens com carismas do Espírito Santo para desenvolver uma liderança efetiva 1.1 Moisés e sua missão libertadora (Ex 3:2; 10:13-19; 14:21; 13:21-22;

16:13; Nm 1 1:31-32); 1.2 Os Anciãos de Israel (11:16,17,25); 1.3 Os Juízes de Israel: homens cheios do Espírito de Deus:

1.3.1 Otoniel (Juízes 3:10) 1.3.2 Gideão (Juízes 6:34) 1.3.3 Sansão (Juízes 13:25; 14:6)

1.4 Os Reis de Israel (1 Samuel 11:6; 16:13); 2. Inspirando permanentemente homens para falar e agir em nome de Deus

2.1 Elias e Eliseu (2 Reis 2:9,15); 2.2 Ezequiel (Ezequiel 2:2; 8:3); 2.3 Miquéias (Miquéias 3:8); 2.4 Zacarias. Paráfrase contemporânea: “Não com computadores, nem

com dólares, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zacarias 4:6).

3. Descansando no “Servo de Senhor”, o Messias, para levar a cabo sua missão (Cristo Jesus na realização de sua missão) 3.1 Cheio dos carismas do Espírito (Isaías 11:2; 42:1) 3.2 O próprio Servo reconhecendo o Espírito do Senhor sobre ele, em sua

missão libertadora (Isaías 61:1).

O Espírito Santo na Missão do Povo de Deus no Antigo Testamento: o Pneuma Hagion de Deus

1. Manifestado no ministério de Jesus Cristo 1.1 Autenticando-o como Filho de Deus (Mateus 3:16; Marcos 1:11); 1.2 Descansando nEle na realização de seu ministério libertador (Lucas

4:18.19);

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1.3 Presente no ministério público de Jesus Cristo: O dunamis de Deus (Mateus 4:1; Lucas 4.14; Mateus 12:17-21, Lucas 4:36) 1.3.1 Guiando-o (Mateus 4:1; Lucas 4:14) 1.3.2 Em sua pregação (Mateus 12:17-21) 1.3.3 Curando e expulsando demônios (Lucas 6:18, 19; Mateus

11:4,5) 1.3.4 Em seu sacrifício e morte (Hebreus 9:14, Mateus 6:41, Lucas

22:41, 42) 1.3.5 Em sua ressurreição (Romanos 8:1).

2. O Espírito Santo na obra salvífica do homem: uma promessa de Cristo

2.1 O Convencedor: de Pecado, Justiça e Juízo (João 16:8); 2.2 O Ensinador (João 14:26); 2.3 A Testemunha (João 15:26); 2.4 O Orientador (João 16:13; Gálatas 5:18); 2.5 O Glorificador (João 16:14); 2.6 O Renovador (João 3:5, 6, 8); 2.7 O Santificador (1 Tessalonicenses 2:13; 1 Pedro 1:2); 2.8 O que Sela o Cristão e lhe dá segurança de sua salvação (1 Coríntios

1:22; Efésios 1:13; 2 Timóteo 2:19, Efésios 4:30). A morada do Espírito no crente, que o autentica como propriedade divina e garante sua redenção final;

2.9 O Batizador, que enche o crente (Mateus 3:16; Atos 2:4; 9:17; 10:44, 19:6; 1:5);

2.10 O Doador do Fruto do Espírito (Gálatas 5:22, 23); 2.11 O Doador dos Dons (carismas) do Espírito (1 Coríntios 12:1, 4,5,6,11).

3. O Espírito Santo, agente ativo no cumprimento da grande comissão da

Igreja. 3.1 A Grande Comissão em Mateus 28:18-20.

3.1.1 Toda potestade. Autoridade, Glória, Poder do Espírito (Mateus 28:18)

3.1.2 Eu estou convosco. A presença de Cristo morando no crente através do Espírito Santo e capacitando-o para o serviço (Mateus 28:20);

3.2 A Grande Comissão em Marcos 16:15-18. 3.2.1 Estes sinais seguirão. Signos (Gr. Semeia), manifestações

visíveis do Espírito Santo, autenticando a pregação do Evangelho de Jesus Cristo (Marcos 16:17,18; Romanos 15:18,19; 1 Coríntios 2:4,5);

3.3 A Grande Comissão em Lucas 24:47-49. 3.3.1 “Derramarei o meu Espírito (em Joel 2:28) sobre toda

carne”. 3.4 A Grande Comissão em João 20:21 e 22.

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3.4.1 “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (João 20:21). 3.4.2 “Recebei o Espírito Santo” (João 20:22);

3.5 A Grande Comissão no Livro de Atos. 3.5.1 A Descida do Espírito como preparação para a Grande

Comissão (Atos 1:4, 5) 3.5.2 A Grande Comissão, antecedida pela transmissão do poder

(Dunamis) do Espírito. “De Jerusalém até os confins da terra” (Atos 1:8).

4. O Espírito Santo manifestado na Igreja Primitiva ao levar a cabo a Grande Comissão 4.1 O derramamento do Espírito Santo sobre a Igreja nascente:

Capacitação para o serviço (Atos 2:14). 4.1.1 A GLOSOLALIA: uma manifestação do caráter missionário do

Espírito Santo (Atos 2:8,11). Restauração da unidade perdida em Babel (Gênesis 11).

4.1.2 Este mesmo dom do Espírito (plenitude do Espírito) foi prometido para todo aquele a quem “O Senhor, nosso Deus, chamar” (Atos 2:39);

4.2 O Espírito realizando milagres através dos Apóstolos (Atos 3:3-9; 5:15; 8:5-8; 19:11-12);

4.3 O Espírito Santo dando crescimento numérico. 4.3.1 Atos 2:41 (3.000 convertidos) 4.3.2 Atos 4:4 (5.000 convertidos) 4.3.3 Atos 2:47; 5:14;

4.4 O Espírito separando e enviando discípulos para o serviço (Atos 13:2-3);

4.5 O Espírito orientando os enviados para a melhor realização da Grande Comissão (Atos 9:29; 16:6-10).

Conclusões

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Theodore Williams Finanças e Missões

Dinheiro é importante em missões? Os cristãos pobres e as igrejas dos países pobres podem envolver-se em missões mundiais? A resposta é um “sim” enfático para ambas as perguntas. A Bíblia fala sobre o dinheiro. Jesus falou sobre o uso sábio do dinheiro em suas parábolas. Paulo escreveu e pediu aos cristãos para participarem financeiramente de suas obras missionárias. O dinheiro faz parte das missões, mas não é o centro. Nós não planejamos nosso trabalho missionário ao redor da disponibilidade ou não disponibilidade de dinheiro.

Princípios Bíblicos Alguns dos princípios bíblicos envolvidos no uso de dinheiro em missões: 1.1 O interesse missionário e o envolvimento não estão baseados na

abundância. Missões fluíram dos “não há” aos “há” nos primeiros tempos da Igreja. Atos 11:19 diz: “Então, os que foram dispersos por causa da tribulação que sobreveio a Estevão se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus” e aos gregos quando a igreja de Antioquia começou. Estes eram missionários “informais” da igreja de Jerusalém. Mais tarde vemos que a igreja de Jerusalém enviou Barnabé a Antioquia. Quando houve uma seca na Judeia e em Jerusalém, a igreja em Antioquia enviou ajuda aos cristãos de lá;

1.2 Dar dinheiro para missões não deve ser um ato emotivo de quando os

doadores ficam comovidos emocionalmente pelo impacto de uma história que escutam ou de uma apresentação audiovisual que veem. Deve ser o resultado de um compromisso consistente com missões. Deve vir de um sentido de mordomia e como uma expressão de envolvimento missionário. Os cristãos de Antioquia foram ensinados por Paulo e Barnabé pelo período de um ano e chegaram a ser conhecidos como discípulos. Como uma marca de seu discipulado, cada um deu “conforme o que tinham” quando eles ouviram sobre a seca que estavam enfrentando os cristãos na Judeia;

1.3 O requisito básico para o envolvimento missionário é uma consagração total da pessoa e de tudo o que ela tem para o Senhor. É desta consagração que os detalhes de seu envolvimento em missões se resolvem. Dar é parte desse envolvimento. Escrevendo sobre os cristãos na Macedônia, como Paulo diz: “Porque eles, testemunhando eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntários […] e não somente fizeram com nós esperávamos, mas também deram-se a si mesmos, primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus” (2 Coríntios 8:3,5). O compromisso com

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o Senhor e com as pessoas deve preceder qualquer envolvimento significativo em missões, incluindo dar dinheiro.

1.4 Dar para as missões não é algo promovido por táticas comerciais de alta

pressão. A ênfase da atenção completa das pessoas em uma conferência missionária sobre os compromissos da promessa de fé, excitando seu fervor, não parece correta. Por outro lado, tem que haver uma pregação e ensino consistentes da Palavra de Deus, dirigindo as pessoas à consagração total para o propósito de Deus e para aceitar sua responsabilidade missionária. Originado disto deve vir o doar missionário;

1.5 Dar para missões não deve estar condicionado à abundância ou à pobreza

de uma congregação ou indivíduo. Notamos em 2 Coríntios 8:3 que os cristãos macedônios “deram além de suas forças”. Na igreja de Antioquia cada discípulo deu “conforme o que tinham” (Atos 11:29). Dar não estava condicionado à sua abundância ou pobreza

Padrões Bíblicos

2.1 Os missionários “informais”, que foram responsáveis pelo estabelecimento da igreja de Antioquia, devem ter tido seus próprios meios de sustento enquanto viajavam e proclamavam o evangelho (Atos 11:19);

2.2 A igreja de Antioquia enviou Paulo e Barnabé (Atos 13:3,4) e deve tê-los

sustentado. Depois de sua primeira e segunda viagens, Paulo retornou à igreja e passou alguns dias com eles. Ele lhes relatou acerca do que Deus havia feito através dele e de seu companheiro de equipe (Atos 14:27, 28; 18:22, 23);

2.3 Paulo desenvolveu uma equipe missionária para viajar com ele (Atos 20:4).

Estes homens proviam de várias igrejas. Estas igrejas podem ter ajudado no sustento deles e de Paulo. Paulo recebeu ajuda da igreja de Filipos. Ele menciona sua participação no evangelho (Filipenses 1:5; 4:15-18). Outras igrejas na Macedônia também o ajudaram (2 Coríntios 8:1-3). Ele encorajava a igreja em Corinto a fazer o mesmo (2 Coríntios 8:6,7). Ele queria visitar a igreja em Roma e ministrar espiritualmente para que ela pudesse ajudá-lo em seu trabalho missionário na Espanha (Romanos 1:11-13; 15:24). O princípio bíblico é que devemos ministrar às igrejas espiritualmente, antes de esperar que elas nos apoiem em nosso trabalho missionário. As organizações missionárias não deveriam ver as igrejas meramente como vacas leiteiras, mas deveriam buscar ministrar a elas. Paulo enfatizou este princípio em Romanos 15:27. O que ministra espiritualmente compartilhará as bênçãos materiais daqueles que recebem seu ministério.

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2.4 Paulo ganhou sua manutenção em alguns locais e algumas ocasiões por meio de sua produção de tendas (Atos 18:2, 20:24, 2 Tessalonicenses 3:7-9). Ele fez isso por suas necessidades financeiras e para ser um exemplo dos crentes. Recordemos que em Éfeso muitos mestres religiosos trocavam suas crenças e conferências por dinheiro. Ao trabalhar com suas próprias mãos para poder sustentar-se, Paulo estabeleceu um testemunho diferente.

Padrões Contemporâneos

3.1 Uma organização missionária interdenominacional oferece um missionário a uma igreja local para que o adote e sustente. O missionário pode não ser membro dessa igreja. Mas ele estará em contato com essa igreja, enviando informes e pedidos de oração com regularidade. Quando ele regressa por um período curto, passará um tempo com essa igreja. É isto que faz a Missão Evangélica da Índia;

3.2 Correntes de oração consistentes com cristãos de várias igrejas, que adotam missionários para apoiar em oração e financeiramente. Este método é utilizado por Friends Missionary Prayer Band (Corrente de Oração dos Amigos de Missionários) e pela Missão Evangélica da Índia;

3.3 No sul da Índia, várias famílias se unem e adotam uma família missionária

para sustentá-la. Quando as famílias se juntam, também convidam o missionário para que apresente um relato sobre seu trabalho e para que tenha um tempo de comunhão com eles. Este método se encaixa perfeitamente com o costume das celebrações familiares;

3.4 Dar para missões também pode ser em espécie. No noroeste da Índia uma

dona de casa separa um punhado de arroz para missões cada vez que ela cozinha arroz para sua família. Em alguns povoados ao sul da Índia, uma família separa uma galinha para missões. Todos os ovos que a galinha põe são vendidos e o dinheiro é dado para missões. Da mesma maneira, uma árvore de manga ou uma de cocos pode ser separada para missões;

3.5 Na Papua Nova Guiné, a tribo Dani enviou missionários para outras tribos

e outras ilhas. Uma ou duas vezes por ano, os cristãos de várias igrejas se reuniam para um “dia de oferta”, trazidas em sua maioria em espécie. Estas eram vendidas e o dinheiro era usado para a obra missionária. Não havia muito efetivo em circulação entre o povo Dani e, por isso, eles cultivavam vegetais e frutas para vender e ter dinheiro para missões. Eles cultivavam amendoim e, por meio desse produto, financiaram a maior parte de seu alcance missionário;

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3.6 Como homens de negócios, uns poucos entraram em países fechados e estão testificando para o Senhor, sustentando-se a si próprios. O islamismo se estendeu pelo sudeste da Ásia nos primeiros tempos por comerciantes árabes e mercadores indianos.

Em todos os modelos mencionados, vemos uma saudável liberdade e flexibilidade. Não há uma estrutura rígida particular ou um padrão para sustentar missões. O padrão tradicional de enviar um missionário com sustento completo garantido não é o único padrão divinamente ordenado. Devemos estar abertos ao Espírito Santo, guiando-nos a novas formas. O Senhor que nos deu a Grande Comissão também nos dará os recursos para obedecer.

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Guillermo David Taylor B. O Desafio Transcultural

Um Casal, Duas Possíveis Alternativas Futuras

Todos se confraternizavam no glorioso culto de consagração missionária de um belo e talentoso casal, que se lançava a um ministério transcultural para longe de seu lar. Ambos os jovens tinham 24 anos de idade e dois de casados, com um filho de nove meses. Recém graduados no seminário e com uma boa preparação bíblica. Ali no seminário haviam escutado e aceitado o desafio missionário. Naquela noite a igreja os enviava com a firme promessa de apoio em oração e oferta entre um povo indígena resistente ao Evangelho, um grupo “não alcançado”. Seu desafio: converter, aprender um idioma novo, evangelizar, estabelecer e deixar uma igreja viva. Em outras palavras, alcançar este povo amado por Cristo, mas marginalizado pelos homens. Primeira Alternativa Histórica: ao final do primeiro ano, o casal estava frustrado, com o filho mais enfermo que sadio, o esposo desanimado e a esposa desejando regressar para casa. As pessoas do povo não os haviam aceitado. Seu idioma era impossível de se aprender e muitos costumes francamente desagradavam a eles. O sustento financeiro havia minguado alarmantemente, poucas cartas chegavam. Eles sabiam que estavam afastando-se das pessoas, preferindo permanecer fechados em casa. Ainda que fosse quase impossível porque as pessoas sempre ficavam olhando para eles pela janela. Seu tempo devocional havia baixado a zero. Deus parecia estar de férias e eles, a ponto de renunciar. Segunda Alternativa Histórica: o mesmo casal, ao final do mesmo ano, com as mesmas circunstâncias ao seu redor. Não havia sido fácil, mas haviam sido advertidos disso uma vez após a outra. Nada como ter que vivê-lo! Pela graça de Deus, a agência missionária os havia preparado, sugerindo que eles estudassem matérias no seminário referentes à cultura e ao ministério transcultural. Sua imersão de seis meses entre um povo indígena havia sido de valor incalculável. Haviam receado as mudanças antes de ir, mas entendiam em teoria algo do “choque cultural” que os esperaria. Haviam dialogado com pessoas experimentadas sobre a contextualização e o ministério transcultural. Sim, tiveram épocas de desânimo, com Deus aparentemente de férias, mas comprometidos para uma longa viagem. Não iam renunciar! Pela graça de Deus triunfariam e o evangelho seria apresentado com poder entre esse povo. “Ajuda-nos, Senhor; em ti confiamos! Ah, seria lindo se nossos amigos na capital nos escrevessem mais cartas!” Este caso é inteiramente fictício, mas reflete a realidade histórica dos milhares de missionários transculturais, que o tem vivido com suas variações particulares,

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em vários lugares do mundo. Mas o desafio para nós, hoje, neste congresso ibero-americano é enfrentar a realidade do desafio que a cultura, a contextualização e o ministério transcultural oferecem a nossas missões emergentes da Ibero América.

O Pacto de Lausanne

Recordemos um parágrafo especial do Pacto de Lausanne sobre cultura, documento que, em 1974, colocou eloquentemente sobre o tapete da agenda missionária um tema de importância crítica: a cultura.

O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões, muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.

Não é tarefa nossa fazer um comentário nem o aplicar a nosso contexto ibero-americano. Isto pertence a outros mais competentes, mas vamos retornar e destacar elementos do Pacto.

Umas Definições Importantes

Tomemos vários vocábulos que requerem definições básicas, mas às vezes adequadas: cultura, contextualização, comunicação transcultural, choque cultural, enculturação, aculturação, identificação cultural e etnocentrismo. A primeira, cultura, tem centenas de definições oferecidas por especialistas no tema. E sendo o caso, cabe sugerir que nem a que se oferece será aceita por todos como autoridade. Em primeiro lugar, descartemos o conceito de cultura como o “homem culto”, ou seja, aquela pessoa que refinou suas faculdades intelectuais e sociais. Nosso termo toma sua definição mais das ciências sociais e, em particular, da antropologia. O documento de Lausanne, “Relatório da Consulta de Willowbank, O Evangelho e a Cultura”, oferece uma ampla e funcional definição:

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... a cultura é um sistema integrado de crenças (sobre Deus, a realidade ou o sentido final), de valores (sobre o que é verdadeiro, bom, belo e justo), de costumes (como nos comportamos, relacionamos, comercializamos, comemos, realizamos tarefas agrícolas etc.), e de instituições que expressam tais crenças, valores e costumes (governo, tribunais, templos ou igrejas, hospitais, fábricas, negócios, sindicatos, clubes etc.), que se unem à sociedade e proporcionam a ela um sentido de identidade, de dignidade, de segurança e de continuidade. (p. 5)

Cultura, em outras palavras, se refere a um sistema integrado de padrões de comportamento, ideias e produtos que são característicos de uma sociedade e que se transmite de uma geração a outra. Todo ser humano cresce em uma cultura e é filho de uma cultura. Nosso mundo em transformação acelera a mudança cultural com o resultado de que poucas pessoas são o produto de uma só cultura. E o missionário transcultural recebe o desafio e a enorme responsabilidade de cruzar fronteiras culturais com a meta de comunicar o Evangelho em sua plenitude. O desafio é fazê-lo sem importar uma bagagem cultural estrangeira a seu novo lar, dentro do qual vive em Nome de Cristo. A contextualização está ligada intimamente às realidades culturais e este termo também tem várias definições. Bruce Nicholls, veterano missionário neozelandês na Índia, afirma que a contextualização é “a tradução do imutável Evangelho do Reino a formas verbais significativas aos povos dentro de sua própria cultura e dentro de suas situações existenciais particulares”. Analisemos isto. O “imutável evangelho" fala de uma mensagem com autoridade, supra cultural, encontrada nas Escrituras inspiradas. “Tradução” e “formas verbais” aponta para um processo comunicativo no qual nosso evangelho se expressa em linguagem que as pessoas entendem, de tal modo que toca a maneira como pensam, assim como seus valores e suas aspirações. A frase “significativas aos povos dentro de sua própria cultura” ressalta que temos que examinar os moldes dentro dos quais carregamos o evangelho para evitar a importação cultural estrangeira e alienante. Finalmente “dentro de suas situações existenciais particulares” fala da singular experiência histórica de cada povo, o contexto sócio-cultural. A contextualização é de enorme importância para o obreiro transcultural. Afeta toda sua cosmovisão e mentalidade. Requer examinar seus “pré-entendimentos”, aquelas formas de pensar e de ver a realidade que nos afetam sem que estejamos conscientes delas. Afeta a maneira como vemos as Escrituras, como as ensinamos e interpretamos, como as traduzimos para outro idioma. Um exemplo vem do ministério de traduzir a Bíblia a outro idioma. Buscaremos sempre uma tradução literal de palavra por palavra do texto bíblico, ou pesquisaremos uma tradução de equivalentes dinâmicos, de conceito? Se um povo não tem nome para cordeiro simplesmente porque não existem cordeiros entre eles, que fazemos? Eles, sim, têm porcos. Então, que tal esta tradução de João 1:29: “Eis o porco de Deus, que tira o pecado do mundo”? Na verdade, os

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problemas não são fáceis de serem solucionados e provavelmente introduziremos um vocábulo novo, ensinando o significado deste novo animal, o “cordeiro”. A contextualização nos obriga a avaliar o quanto os costumes dos tempos bíblicos são imperativos para todo cristão em todo lugar do globo terrestre. A contextualização nos obriga a avaliar a metodologia de comunicação das Escrituras e a mensagem. Muitas vezes temos aceitado sem crítica um método de comunicação simplesmente porque funciona a prova pragmática no seu lugar de origem. Isto se observa muitas vezes na evangelização, com fórmulas precisas, aprovadas no mercado e seguras de produzirem um resultado esperado. O mesmo tendemos a fazer com a metodologia de pregação e ensino, particularmente se fomos ensinados por alguém que, por sua vez, foi formado em outro contexto cultural. Quantos textos de homilética e pedagogia temos que são simplesmente traduções? A contextualização nos desafia a examinar nosso conceito de missão da igreja. Sem menosprezar, o mínimo que seja, do legado evangelístico entregue por gerações de missionários e evangelistas, nos urge retornar às Escrituras para descobrir o conceito bíblico da igreja e sua missão. Não sugiro que nos atiremos a uma eclesiologia política, mas reconheçamos que temos espiritualizado demais a missão da igreja e o porquê do cristianismo na terra, dentro de um contexto sócio-político. Não podemos dar-nos a esse luxo ao viver e servir em contextos culturais de opressão e pobreza. A comunicação transcultural se refere ao processo de transmitir uma mensagem de um contexto cultural a outro, ou por alguém de uma cultura a outra cultura. Claramente sustenta uma relação íntima com a contextualização. Mas a mensagem não é só verbal. Abarca nossa vida e testemunho, inclui a demonstração em poder do Espírito Santo da nova vida, transformada em Cristo. O missionário tem que dominar e entender várias culturas em seu processo de comunicação: a sua própria (com suas virtudes e defeitos), a adotiva (com suas virtudes e defeitos), as culturas bíblicas (judaica, romana, grega e outras menores), e a cultura que virá pela transformação produzida por Cristo dentro desse povo. Também terá o desafio de aprender como as pessoas pensam, aprendem, valorizam, sonham e agem nessa cultura diferente. Há outros termos que temos que definir. Um é o choque cultural, a experiência que ocorre quando a mudança cultural do indivíduo ou grupo é mais rápida que a capacidade de adaptação. Outro é a enculturação, o processo pelo qual as pessoas aprendem o modo de vida de sua sociedade. Outra ainda é a aculturação, a cultura de um indivíduo ou grupo por meio do contato com outra cultura, e a aquisição ou intercâmbio de características culturais. A identificação cultural fala do processo de ajuste que resulta em uma aceitação positiva da

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nova cultura. O ideal é que se sinta à vontade (não ingênuo) na nova cultura, com o objetivo de chegar a ser uma pessoa bicultural, capaz de mover-se em ambas as culturas, ainda que não exclusivamente membro de uma nem da outra. Finalmente tocamos em um termo espinhoso, o etnocentrismo, uma atitude que diz, com efeito: "Minha cultura (nação, raça, povo, idioma) é a melhor e a maneira como nós fazemos as coisas é a melhor." Em outras palavras, julgamos as outras culturas com base em nossos pressupostos e valores. Este era o problema do profeta Jonas, e continua presente em nosso meio, inclusive entre cristãos.

As Escrituras e a Cultura Afirmamos com segurança que a cultura é presente de Deus, tal como declara a Bíblia e afirma o Pacto de Lausanne. Gênesis nos oferece o mandato cultural entregue nas mãos do homem, criador da cultura humana. A heterogeneidade cultural do globo reflete em parte a preciosa complexidade do Criador. A tragédia do homem criador de cultura, mas pecador rebelde, se observa quando este homem distorce tal presente de Deus e, estimulado por sua natureza caída e auxiliado por Satanás, tergiversa a cultura tornando-a algo negativo, destrutivo e até demoníaco em algumas manifestações. Ao chegar à Encarnação de Cristo, recebemos o modelo por excelência da contextualização e da comunicação transcultural. Este sobrenatural missionário nasceu dentro de uma realidade concreta sócio-político-cultural-linguística, cidadão de um povo oprimido, varão hebreu. Cristo usufruiu dos elementos bons de sua cultura e claramente os abençoou; transformou outros elementos, mas rejeitou as dimensões negativas e demoníacas. Foi assassinado, resultado de um complô religioso-político, encabeçado por líderes de seu próprio povo, auxiliado pela potência imperialista de outra cultura, especialistas em mortes cruéis. Quando contemplamos o ministério de Cristo e de seus apóstolos sob uma lente cultural, nos damos conta da tremenda transição cultural iniciada por Cristo e continuada por seus discípulos. De uma pequenina província marginalizada surgiria uma mensagem que tocaria o mundo todo. Nascendo de uma matriz hebreia, o cristianismo se tornaria a primeira religião global, sobrenatural e supra cultural, mas livre para adotar características culturais de cada povo. As duas comissões finais de Mateus 28 e Atos 1 demonstram essências culturais e não somente geográficas. O livro de Atos dá a conhecer vezes seguidas os conflitos culturais confrontados pelas igrejas. Um partido desejava manter uns dentro do marco judeu, e assim

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surge um grupo aferrado ao judaísmo, os judaizantes, contra os quais Paulo se oporia tenazmente. Cabe uma pergunta fascinante: quando foi que os cristãos do primeiro século se deram conta que a Igreja seria transcultural e transgeográfica? Atos 15 deve ser interpretado com lente cultural, assim como teológica, para reconhecer o lugar que a cultura ocupa nas interpretações teológicas, mas, ao mesmo tempo, o julgamento que a teologia faz da cultura oposta a Cristo. Há vários anos em uma aula do Seminário Teológico Centro-americano, na Guatemala, desenvolvemos um modelo interessante tripartite para avaliar o papel que a cultura desempenhou na vida de Cristo e de seus apóstolos. Em primeiro lugar, quais elementos culturais foram tolerados, aprovados ou aceitos sem muita crítica por Cristo? Em segundo lugar, quais elementos culturais sofreram uma adaptação ou foram adotados pelos apóstolos? E finalmente, quais elementos foram rejeitados por eles? Traçando o texto bíblico dessa maneira, podemos utilizar esse mesmo modelo para nosso ministério transcultural contemporâneo. Sempre haverá uma luta por manter um equilíbrio entre os elementos eternos das Escrituras e os fatores variantes de nossa cultura. Mas isso é parte de nosso desafio.

Paulo nos oferece um modelo humano de sensibilidade cultural em seu ministério. De linhagem judia de alta casta, (mas cosmopolita por nascimento, inclinação pessoal e preparação), se lança este homem internacional com passaporte romano, equivalente ao passaporte diplomático de hoje, para estabelecer igrejas em diferentes geografias, culturas e níveis socioeconômicos. Mas Paulo demonstra uma ambivalência ou tensão com a diversidade cultural que viveu. Nunca perdeu de vista o fato de que era judeu, preservou sua integridade pessoal e, de certo modo este imã cultural o levou ao cárcere definitivo. Paulo quis cumprir com um requisito especial de purificação. A esta distância de tempo e cultura, às vezes é difícil para nós entendermos a mentalidade e a atuação de Paulo neste caso de Atos 21. Em certo sentido teremos que viver com o enigma do Apóstolo Paulo, filho de sua cultura. Paulo também nos oferece um magnífico exemplo da contextualização, porque todas suas epístolas são cartas teológicas escritas sobre esse processo. Ele aplicou a doutrina de Cristo a casos especiais e reais, e quando Cristo não se pronunciara sobre um tema, Paulo se oferece com o mesmo nível de autoridade, tal como vemos em 1 Coríntios 7:12.

Igreja, Missões e Temas de Cultura Não é nosso propósito relatar a experiência histórica da Igreja de Cristo em seu ministério transcultural, através de seu irresistível avanço geográfico. Mas a realidade é que a luta e a tensão de nossas inquietudes culturais foram vividas

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inumeráveis vezes. De certo modo, se tem tido que aplicar o modelo tripartite antes mencionado, às vezes com e outras vezes sem muita sensibilidade cultural. A Ibero América expressa sua gratidão aos autênticos servos de Cristo que trouxeram a mensagem gloriosa da salvação a estas terras. Muitos deles deixaram futuros de promessa em sua própria cultura para viajar para longe da família, aprender um idioma novo, entender uma nova cultura e tratar de identificar-se com ela a fim de comunicar eficazmente a mensagem e assim estabelecer igrejas vibrantes. Contudo, uma análise crítica e compassiva da história missionária oferece os tristes casos de má adaptação cultural, a carência absoluta de uma contextualização e uma pobre comunicação transcultural. Inevitavelmente, os missionários anglo-saxões se identificam neste quadro negativo porque têm saído em quantidades enormes nos últimos séculos. A Pax Inglesa protegeu o avanço do missionário inglês no século passado e hoje em dia a Pax Americana facilita o movimento do missionário norte-americano. Pelo lado do déficit de sensibilidade cultural no missionário, temos casos do paternalismo colonial missionário (que hoje se demonstra em um neocolonialismo evangélico internacional); os exemplos de uma importação de estruturas culturais alheias a nosso contexto: métodos de evangelização, regras de vestuário, arquitetura de igrejas, estilo de vida “The American Way of Life”, uma clara preferência pelo capitalismo e pela democracia como “política divina”, modelos educativos para tudo e sistema estranho de classificação, hierarquias de liderança baseadas no exterior, as regras “Roberts” da discussão pública, os métodos de solução de problemas e um etos estrangeiro, que tem tendido a menosprezar o etos local. Ainda hoje, o quadro não parece de todo atrativo, quando observamos o paternalismo sutil contemporâneo de missões baseadas e dirigidas a partir do estrangeiro. Por outro lado, contudo, somos francos em reconhecer que, embora seja certo que houve e ainda há maus exemplos, graças a Deus por aqueles homens e mulheres que se dedicaram e hoje continuam a fazer entender, com um grande coração e afinco, a história e a cultura ibero-americanas. Entenderam e entendem que ser diferente não equivale a ser inferior. E alguns missionários se destacaram por sua sensibilidade e apreço cultural. Penso no missionário escocês presbiteriano para o Peru, Juan McKay, que viveu de coração em terra adotiva. O missionário deixou um legado de homens e mulheres transformados, assim como obras insólitas, entre elas “O Outro Cristo Espanhol”. São milhares de exemplos de irmãos e irmãs estrangeiros que amaram sua nova terra e se identificaram plenamente sem perder sua identidade pessoal.

O Desafio para a Ibero América no Aspecto Transcultural

Gostaria de destacar alguns desafios concretos que temos que aceitar, como servos e servos de Cristo comprometidos com o ministério transcultural.

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Em primeiro lugar, temos que aprender o significado particular destes vocábulos e temas que foram definidos e expostos. Provavelmente, das pessoas aqui presentes, pode-se contar as que se dedicaram ao estudo e à avaliação de sua própria cultura a partir de uma lente bíblico-cultural. Ao nos darmos conta do papel que a cultura desempenha em nossa vida, sabemos que não é uma aprendizagem estática, estancada. Em vez disso, é um processo dinâmico, ou seja, em mutação e capaz de abranger toda nossa sensibilidade e intelecto. Em segundo lugar, é necessário trazer um toque de realismo a nosso romantismo missionário. Apoio categoricamente a efervescência missionária que surge por toda a Ibero América. E me emociona ver tantos jovens comprometendo-se com missões, dispostos a seguir seu Senhor por toda parte. Mas não nos enganemos, pensando que o ministério transcultural é fácil. Não é. Ao contrário, é tremendamente difícil e desgastante. E assim como missionários estrangeiros em nossas terras tiveram problemas, cometeram erros, viram que é impossível estar confortáveis em outra cultura, de igual maneira alguns de nossos futuros missionários viverão a mesma história não tão satisfatória. Teremos nossa própria história de missionários fracassados emocional, espiritual, moral e vocacionalmente. O trabalho transcultural também não é uma coisa mística, metafisicamente fora deste mundo. É uma realidade que se apresenta com um desafio sagrado. Graças a Deus, não é uma tarefa impossível. “Tudo posso naquele que me fortalece”, disse o apóstolo Paulo, que viveu isso na própria carne. O mesmo apóstolo escreveu em 1 Coríntios 9:19-23: “Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele”. Em terceiro lugar, reconheçamos o impacto que a cultura tem e seu papel importante em nosso ministério transcultural. Somos filhos de nossa cultura e não devemos negar. Urge que elaboremos uma avaliação crítica e compassiva de nossa própria cultura e formação cultural, com seus elementos positivos e negativos. De que maneira nossa cultura reflete elementos biblicamente positivos? De que maneira nossa cultura reflete elementos negativos e até demoníacos?

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Não devemos esquecer que, muitas vezes, o indivíduo imerso em sua própria cultura não possui objetividade para avaliar sua cultura. Esta objetividade aparece quando tem a oportunidade de sair de sua matriz cultural por um tempo prolongado. É então que consegue apreciar e avaliar com maior objetividade o que é sua própria cultura. Devemos perguntar-nos: se Cristo visitasse nossa cultura, como Ele a avaliaria? O que aprovaria e abençoaria? O que rejeitaria e condenaria? Em quarto lugar, urge apreciarmos as dinâmicas, às vezes problemáticas, que são parte do ministério transcultural. O ajuste cultural se experimenta quando se vive em outra cultura. Alguns têm mais habilidade neste ajuste, particularmente aqueles que se regozijam com a mudança de sua vida. É a personalidade perfeccionista que mais sofre quando tem que mudar sua cultura. Tenho visto casais nos quais o esposo demonstra maior flexibilidade à mudança e a esposa muito menos. Em outros casos, é o inverso e o marido sofre quando se dá conta que sua esposa progrediu mais que ele. Ambos os casos apresentam um desafio de orientação e aconselhamento pessoal, porque os problemas de diferenças pessoais podem causar grandes conflitos matrimoniais. O choque cultural ocorre quando a mudança cultural é rápida demais para a pessoa, que não pode “processar” as mudanças de forma adequada. Isto produz tensão, que se manifesta de várias formas. Às vezes quase modifica a personalidade da pessoa, ou traz como consequência o afastar-se pouco a pouco da vida pública. Em outros casos provoca grandes dúvidas em relação à vontade de Deus. Se não se administrar adequadamente este choque cultural, o missionário poderia retirar-se por completo da obra do Senhor. O processo de identificação plena com outra cultura é fácil apenas na teoria. O antropólogo missionário Paul Hiebert oferece um modelo que clareia este processo. Foi solicitado ao autor o modelo corrigido. Hiebert demonstra graficamente que a primeira fase, ainda no missionário, é a de um turista: tudo é bonito, interessante, a comida um pouco estranha, mas não tão ruim. Há televisão e rádios, vende-se pizza em cidades grandes, e outras. E a atitude é: “Ah, eu quero sim ficar aqui. Graças a Deus que Ele me trouxe”. Mas cedo ou tarde a enorme maioria entra na segunda fase, onde se experimenta a rejeição psicológica da nova cultura. “Quero voltar para casa, onde entendo o que acontece comigo e onde conheço o mapa cultural de meu povo e posso falar minha língua”. O missionário comprometido reconhece que Deus o enviou, que a igreja e os irmãos o apoiam, que esta fase é normal de alguma maneira e que tem que superá-la. Tem que dar tempo ao tempo e dedicar-se ao estudo do idioma e da cultura, e seguir confiando no Senhor. Pouco a pouco passará à terceira fase, a de uma adaptação que leva à identificação plena, até ser uma pessoa bicultural. O missionário bicultural terá sua tensão constante; não pertence completamente a uma cultura nem à outra.

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Já não se encontra totalmente à vontade em sua cultura matriz, nem será totalmente membro pleno de sua cultura adotiva. Isto produz seus próprios riscos, mas nós, que a temos experimentado, damos graças a Deus pela experiência de ser um indivíduo bicultural. A dinâmica da aprendizagem eficaz de outro idioma é tema para outra ocasião. Mas cabe enfatizar que quase nunca é fácil conseguir, ainda que uns tenham mais facilidade que outros. É fácil também criticar o missionário estrangeiro quando procura falar nosso idioma (o dos anjos). Mas outra coisa é quando tentamos aprender outra língua. E assim como alguns presentes têm rido do missionário com seu rústico castelhano, português, catalão ou quechua, lhes asseguro que alguns daqui serão objeto do riso de outros. Será tempo para aprender mais humildade... e dedicar-se de novo ao estudo. Em quinto lugar, umas palavras em relação a atitudes destrutivas na obra transcultural: etnocentrismo e preconceito sócio-racial. Pouquíssimas pessoas estão isentas destes dois problemas e as experimentam consciente ou inconscientemente. Às vezes brotam sem pensar. Estas atitudes caminham juntas e tenho escutado sobre elas até mesmo de cristãos ibero-americanos de alto compromisso com Cristo. O objeto do comentário negativo em nosso ambiente costuma ser o povo indígena, a raça negra e, na Espanha, o cigano. O preconceito se demonstra em expressões como: “O índio chegou”; “Este sim é índio”; “Ah, é que os índios são assim”. O preconceito contra os de raça negra é real também em nossos povos e pelo menos uma constituição latino-americana proíbe que um de tal raça seja residente no país. Em outros países, a discriminação racial se nota ao examinar as caras dos generais ou altos empresários e líderes políticos. “São bons na dança e nos esportes, mas não funcionam quando se requer inteligência”. Irmãos, terá Cristo que purificar nossas atitudes? Finalmente, surge o desafio para nossas missões e instituições teológicas de aceitar o desafio de capacitar os novos missionários eficazmente em seu ministério transcultural. As instituições atuais terão que modificar seu pensum de estudos e talvez serão fundadas escolas especializadas em preparação missionária na Ibero América. Possivelmente teremos “consórcios” de preparação missionária nos quais diferentes instituições cooperam e, ao mesmo tempo, preservam sua identidade doutrinária e denominacional. Deus quer que não desperdicemos esforços e que possamos cooperar ao máximo neste plano.

Conclusão O grande Defensor dos Índios, Frei Bartolomé de las Casas, ofereceu no século XVI, um bom exemplo humano do desafio transcultural. Tendo abandonado sua atribuição e dedicando-se à luta pela dignidade humana do indígena,

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experimentou vitórias e derrotas. Em uma ocasião impulsionou e participou junto com outras pessoas, de um plano de humilde contextualização na evangelização do indígena. Quis vestir-se de maneira mais aceitável entre esses povos, a fim de alcançá-los para Cristo. Seu experimento foi frustrado, mas permanece o exemplo para nós, cristãos comprometidos com o desafio transcultural. O velho Apóstolo João, em Apocalipse 7:9-10 oferece uma gloriosa visão de um dia futuro com matizes internacionais e multiculturais: “Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro pertence a salvação.” Será um dia glorioso quando, na presença de Cristo, ao lado destas múltiplas culturas, se encontrem missionários transculturais ibero-americanos, louvando a Deus porque usou de graça com eles para enviá-los a outros povos, culturas e línguas para proclamar o evangelho. E como produto desse ministério, já se encontram desfrutando das Bodas do Cordeiro com o Senhor Jesus Cristo, o Missionário Transcultural por excelência.