plÁstico e sustentabilidade: as liÇÕes na cartilha da … · humanidade (baldissera e kaufmann,...

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1 PLÁSTICO E SUSTENTABILIDADE: AS LIÇÕES NA CARTILHA DA BRASKEM Laziê Laerte da Silva PPGEDU-ULBRA CANOAS Ideias iniciais Assistimos, nas últimas décadas, a um forte apelo midiático voltado para a questão da sustentabilidade apresentada como um dos grandes desafios da atualidade por envolver questões como preservação do meio ambiente, comprometimento e sobrevivência da humanidade (BALDISSERA e KAUFMANN, 2013, p. 61). Salienta-se, ainda, como que os discursos acerca da noção de sustentabilidade vêm experimentando deslocamentos em termos de significados e se tornando, com isso, presentes nos mais diferentes contextos (o científico, o político, o ambientalista, o administrativo, o organizacional, dentre outros). Essa polissemia destacada nos discursos sobre sustentabilidade revela-se tensionada numa arena em que diferentes forças científicas, ecológicas, consumistas, políticas, empresariais, entre outras, se materializam a fim de constituir o sentido de sustentabilidade mais ecologicamente correto”, mais viável cientificamente, mais mercadológico e, por fim, o que atenda melhor aos interesses das grandes indústrias. Diante dessa arena, a indústria do plástico apresenta-se como importante jogadora que busca um lugar diferenciado, dentro de suas especificidades, procurando atuar como força privilegiada, e assim, atender aos seguintes aspectos: produção, mercado e consumo a qualquer preço, constituindo o imaginário popular das sociedades contemporâneas, conforme destacado por Bauman (2008). Diante de tais aspectos mencionados, o presente artigo tem como objetivo analisar como os discursos sobre a sustentabilidade são construídos e se manifestam na cartilha da empresa Braskem 1 intitulada O plástico no planeta: o uso consciente torna o mundo mais sustentável. Constata-se, nesse material, de acordo com os textos e as imagens impressas, que 1 Esta empresa é controlada pela Odebrecht. Com participação expressiva da Petrobras, é uma empresa química e petroquímica brasileira que se destaca, segundo informações de seu site, por ser a líder mundial na produção de bioplásticos e a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas (sexta maior fabricante mundial de resinas plásticas). Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Braskem, acesso em 24 de maio de 2017.

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Page 1: PLÁSTICO E SUSTENTABILIDADE: AS LIÇÕES NA CARTILHA DA … · humanidade (BALDISSERA e KAUFMANN, 2013, p. 61). Salienta-se, ainda, como que os ... Fonte: acesso em 24 de maio de

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PLÁSTICO E SUSTENTABILIDADE: AS LIÇÕES NA CARTILHA DA BRASKEM

Laziê Laerte da Silva

PPGEDU-ULBRA CANOAS

Ideias iniciais

Assistimos, nas últimas décadas, a um forte apelo midiático voltado para a

questão da sustentabilidade – apresentada como um dos grandes desafios da atualidade por

envolver questões como preservação do meio ambiente, comprometimento e sobrevivência da

humanidade (BALDISSERA e KAUFMANN, 2013, p. 61). Salienta-se, ainda, como que os

discursos acerca da noção de sustentabilidade vêm experimentando deslocamentos em termos

de significados e se tornando, com isso, presentes nos mais diferentes contextos (o científico, o

político, o ambientalista, o administrativo, o organizacional, dentre outros). Essa polissemia

destacada nos discursos sobre sustentabilidade revela-se tensionada numa arena em que

diferentes forças científicas, ecológicas, consumistas, políticas, empresariais, entre outras, se

materializam a fim de constituir o sentido de sustentabilidade mais “ecologicamente correto”,

mais viável cientificamente, mais mercadológico e, por fim, o que atenda melhor aos interesses

das grandes indústrias.

Diante dessa arena, a indústria do plástico apresenta-se como importante jogadora que

busca um lugar diferenciado, dentro de suas especificidades, procurando atuar como força

privilegiada, e assim, atender aos seguintes aspectos: produção, mercado e consumo a qualquer

preço, constituindo o imaginário popular das sociedades contemporâneas, conforme destacado

por Bauman (2008).

Diante de tais aspectos mencionados, o presente artigo tem como objetivo analisar

como os discursos sobre a sustentabilidade são construídos e se manifestam na cartilha da

empresa Braskem1 intitulada “O plástico no planeta: o uso consciente torna o mundo mais

sustentável”. Constata-se, nesse material, de acordo com os textos e as imagens impressas, que

1Esta empresa é controlada pela Odebrecht. Com participação expressiva da Petrobras, é uma empresa

química e petroquímica brasileira que se destaca, segundo informações de seu site, “por ser a líder mundial na

produção de bioplásticos e a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas (sexta maior fabricante

mundial de resinas plásticas)”. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Braskem, acesso em 24 de maio de 2017.

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os plásticos são vistos pela opinião pública como sendo os “grandes vilões da

contemporaneidade”, mas que eles também poderiam trazer benefícios para a sociedade,

garantindo qualidade de vida para as pessoas e para o meio ambiente. Foi em torno da ideia da

“absolvição do plástico” que a Braskem criou e fez circular, nos mais variados meios de

comunicação, esse material.

A análise apresentada neste trabalho foi feita com base na cartilha publicitária “O

Plástico no Planeta: o uso consciente torna o mundo mais sustentável”, com 56 páginas,

produzida e patrocinada pela Braskem. Tal cartilha teve uma tiragem de 5000 exemplares e foi

distribuída durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a

Rio+202, realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Além disso, a

cartilha encontra-se ainda disponível para acesso em blogs e sites na internet, sendo distribuída

também a todos que queiram realizar uma visita à Estação Ambiental da Braskem (EAB),

reserva que a empresa mantém ao lado de sua planta industrial, localizada na cidade de

Triunfo/RS. A cartilha foi construída com base no livro “Impactos ambientais causados pelos

plásticos – Uma discussão abrangente sobre os mitos e os dados científicos”, de autoria de um

grupo de 15 professores, alunos e especialistas da Coppe/UFRJ, lançado como parte da

programação desse evento no Rio de Janeiro. Vale destacar que, no livro, são abordadas

questões como o impacto do uso de produtos de plástico na emissão de gases de efeito estufa

(GEE) e na saúde das pessoas. Constam, também informações sobre o esgotamento de matérias-

primas não renováveis e sobre as causas da não utilização desse material na sociedade.

O presente estudo foi realizado no campo dos Estudos Culturais, com base nos

conceitos de discurso e representação. Para atingir os objetivos do artigo, ele está dividido em

duas partes. Na primeira, apresento o referencial teórico e, na segunda, a cartilha com as lições

que ela visa praticar, seguida de suas análises. Estas foram feitas em torno de dois eixos: a) o

plástico é um aliado do meio ambiente? b) o plástico traz qualidade de vida para as pessoas?

2 A Rio+20 foi assim conhecida porque marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e contribuiu para definir a agenda do desenvolvimento

sustentável para as próximas décadas. Segundo o site da Rio+20, “o objetivo da Conferência foi a renovação do

compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na

implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto e do tratamento de temas novos e

emergentes”. Fonte: http://www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais_20.html, acesso em 21 de maio de 2017.

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Alguns apontamentos sobre os discursos em torno da sustentabilidade socioambiental

[...] Assim como outras representações culturais, a noção de

sustentabilidade é continuamente reinventada a partir de valores e

postulados de cada tempo e de distintos contextos sociais (KIRCHOF;

WORTMANN e BONIN, 2011, p.117).

Os autores acima citados valeram-se do conceito de “invenção”, utilizado por Durval

Muniz de Albuquerque Jr. (2007) em seus ensaios acerca de teoria da história, para marcar que,

em certos momentos e em algumas situações, ocorrem rupturas ou cesuras (ou, ainda, a inclusão

e uma nova prática) de modo que uma determinada concepção ambiental passa a ser posta em

operação e a ser valorizada por grupos de sujeitos. Dessa forma, segundo o historiador, os

acontecimentos e a produção histórica parecem ser uma mescla de matéria, memória de ação e

representação; produtos de uma prática que articula a natureza, a sociedade e o discurso. Com

isso, surgem os agentes dessa invenção, os interesses, os conflitos e as contradições

pertencentes ao processo de emergência dos eventos. Podemos considerar, então, que as

práticas tidas como corretas e ecologicamente sustentáveis na contemporaneidade podem ser

vistas como invenções de certa época e que se alinham a fim de direcionar nossas ações.

Também, é possível indicar que grande parte do que se constitui como preocupações

ambientais na atualidade são definições formatadas num ambientalismo híbrido, o qual é

coberto por vários elementos e múltiplos campos de saber, tal como referiu Néstor Garcia

Canclini (2007, p.19). O autor complementa dizendo que o termo hibridação nos remete a

“processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existem de forma

separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos ou práticas”.

Diante disso, pode-se destacar que, nos recortes da cartilha da Braskem ora em exame,

a temática ambiental é representada a partir de misturas entrecortadas de outro tipo de

preocupação ambiental, o qual nos parece ser um ambientalismo hibridado. Assumindo que tal

hibridação se faz presente não só neste artefato cultural, mas também numa gama de produções

culturais da atualidade, verifica-se a existência de uma série de empresas que fazem uso de

determinadas práticas e produções culturais voltadas ao marketing e suas múltiplas derivações,

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tais como o marketing ecológico, ecomarketing ou marketing verde, produzindo a chamada

“Educação Ambiental Corporativa” (PAIM; RIPOLL, 2010).

Nas palavras de Paim e Ripoll (2010), a educação ambiental praticada pelas empresas,

por vezes, é extremamente perversa, pois vem na esteira de um incentivo ao consumo de

produtos. Tais produtos supostamente viriam a proporcionar uma melhor qualidade de vida e a

contribuir na redução do impacto ambiental. Aliás, numa tentativa de produzir sujeitos

ambientalmente responsáveis, os referidos autores relatam que a educação ambiental realizada

por muitas empresas no Brasil, tem sido configurada de uma forma fragmentada e desarticulada.

Em muitas ocasiões, a educação ambiental nas empresas é reduzida a treinamentos ambientais

diversos (lixeiras e descartes especiais) e a iniciativas de ecoturismo (cursos, trilhas ecológicas),

ou, ainda, a eventos como desfiles, patrocínios de shows, dentre outros. Contudo, parece-nos

que essas ações são meramente estratégias de um marketing indireto utilizadas pelas empresas,

semelhante a um tipo de ação analisada neste texto.

Assim, gostaríamos de provocar reflexões acerca dessas questões “sustentáveis”,

assumindo que nós fazemos parte da natureza, somos produzidos por ela e nela produzimos

modificações. Reitera-se, ainda, que a maneira pela qual aprendemos o que é natureza, meio

ambiente, educação ambiental e até a própria noção de sustentabilidade está atrelada a discursos

que circulam na cultura (e que são produzidos por ela), tal como Wortmann (2010, p. 17) se

referiu.

As análises que seguem dão visibilidade ao plástico e à chamada “química sustentável”

como sendo resultado de uma atuação responsável - ao menos, que a empresa julga assim fazer

- na gestão dos impactos ambientais, sociais e econômicos, gerada pelas atividades da Braskem

apresentadas em sua cartilha. Entendemos que este artefato cultural funciona também como

uma estratégia publicitária, pois circulou (e ainda circula) através dos meios de comunicação,

em congressos, em parques de preservação, dentre outros, conforme mencionado

anteriormente. Dado esse breve panorama teórico, passemos às análises.

Apresentando a cartilha e algumas de suas lições

Na cartilha da Braskem em análise, além de serem destacadas informações acerca do

conceito de sustentabilidade, há um chamado para que a sociedade se conscientize da

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importância do meio ambiente, através da mudança de hábitos, modos de consumo, bem como

há um apelo à continuidade da vida sem causar riscos ao meio ambiente, ou seja, há o incentivo

ao modo de vida “ecologicamente correto”.

Dessa forma persuasiva, fica o convite para que participemos dessa grande “cruzada

ambiental” e, para alcançar esse objetivo, frequentemente são explorados, em suas páginas,

discursos publicitários em forma de jargões jornalísticos que convocam os sujeitos a fazerem

reflexões, das quais destaca-se algumas: “O futuro depende de nós”; “O uso consciente torna

o mundo mais sustentável; “O plástico permitiu ao homem ampliar suas possibilidades”; “A

responsabilidade é de todos”; “O desafio está em nós”; “Pratique o consumo consciente”.

Ademais, é necessário registrar que essa cartilha é confeccionada de material plástico e não de

papel, conforme é comumente utilizado.

Destaca-se, portanto, que a crença da empresa em questão é revelada através de alguns

enunciados utilizados, tais como: “a química e o plástico tornam a vida melhor”, de forma que

parece haver, nesse formato de discurso (técnico-científico), uma convocação para os sujeitos

acreditarem que o plástico talvez não seja tão maléfico e agressivo como muitas vezes é

reportado pela mídia. Pelo contrário, pode tornar-se um aliado nessa campanha ambiental,

desde que usado corretamente.

Além disso, a cartilha informa que os plásticos possuem uma alta durabilidade,

podendo demorar cerca de 200 anos para se degradar no meio ambiente. Assim, tal

característica é destacada pela empresa como sendo uma das grandes virtudes desse material,

permitindo que ele seja usado novamente, podendo ser reciclado e reutilizado inúmeras vezes.

Nesse processo, a empresa explora a ideia de que isso economizaria energia e matéria-prima,

contribuindo ao que chamaremos de redução da “pegada ecológica”, entendida como a

necessidade que o ser humano tem de explorar o meio ambiente.

Cabe acionar, neste momento, que a Braskem faz circular enunciados a fim de aliar o

plástico, a noção de qualidade de vida e de sustentabilidade, visando aglutinar a temática

ambiental com o lado econômico, travestido de “um manto do consumo” em um mundo líquido

e moderno, conforme descrito por Bauman (2008). Nessa mistura de enunciados, às vezes um

tanto confusa, observa-se o marketing indireto sobressair-se nas páginas desse artefato de

maneira estratégica; se liquefazendo e seduzindo com extrema habilidade e fluidez a fim de

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convencer os mais variados públicos que o plástico não é um “vilão”, mas um forte aliado em

prol da causa ambiental e da qualidade de vida das pessoas. Tais aspectos podem ser

demonstrados a partir da análise da figura a seguir (Figura 1):

“O mundo de hoje não existiria na forma

que conhecemos sem os materiais plásticos. A fim

de contribuir para uma reflexão sobre o plástico e

a sustentabilidade, embasada em conhecimentos

técnicos e científicos, a Braskem preparou, em

parceria com o Planeta Sustentável e com base no

livro Impactos ambientais causados pelos

plásticos, o guia - O Plástico no Planeta: o uso

consciente torna o mundo mais sustentável”. O

presente excerto foi retirado da página 2 da cartilha

Braskem, na qual consta a apresentação desse

artefato feita pelo diretor de Desenvolvimento

Sustentável da Braskem, em que ele “convida” o

leitor para uma reflexão sobre as inovações que

melhoram a qualidade de vida das pessoas.

Vislumbra-se, na Figura 1 e nos textos que a acompanham, que o plástico é uma das

palavras centrais dessa peça, com destaque ao tamanho da fonte utilizada na escrita do título,

evidenciado através da logomarca da Companhia como sendo o produto que a Braskem

comercializa. Em sentido paradoxal, a empresa busca inverter a lógica do discurso negativo que

cerca esse produto, através das mensagens que o conectam a uma ideia de inovação, de

conscientização e de desenvolvimento sustentável. Todavia, pelo discurso do senso comum (e,

também, pelo discurso ambientalista), sabe-se que o plástico é um produto nocivo e causador

de diversos males na vida contemporânea.

Num primeiro momento, observa-se que a palavra “planeta”, além de ser postulada na

escrita, tem como complemento a figura do globo terrestre ganhando força de representação

com um abraço e um beijo da “doce e inocente menina”. Tal demonstração de carinho parece-

Figura 1- O plástico no planeta

Fonte: Capa da cartilha da Braskem, 2012.

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nos um chamado pelo qual o leitor é interpelado a se sensibilizar por meio de uma linguagem

polissêmica, na medida em que tal imagem pode ter outros significados como: vida nova;

renovação; inocência; inovação, todos conectados à noção de sustentabilidade. Cabe registrar

que, dentre os termos que acompanham essa polissemia, parece haver a ideia de “paraíso”

associada ao planeta Terra. Aliás, frequentemente, vimos o globo terrestre sendo explorado em

discursos publicitários da atualidade, nos quais são debatidos o termo da sustentabilidade,

algumas vezes representado como sendo algo grandioso e poderoso; outras vezes, como sendo

o globo vulnerável às ações humanas e, pode-se dizer, dependente delas. Além disso, nota-se

que o beijo da menina é sinalizado como um gesto de amor, geralmente atribuído às figuras

maternas e, nesse caso, a julgar pela construção da imagem em primeiro plano e ao fundo, pode

ser interpretada como sendo a “mãe natureza” recebendo tal gesto.

Geferson Barths (2013)3 explica que, na cor e na forma textual de peças publicitárias

verificam-se algumas possibilidades de representação em referência icônica. Nesta peça, no que

diz respeito às cores, evidencia-se a predominância das cores verde e azul, podendo ser a cor

verde representada com o sentido de natureza e de esperança.

Já o azul, primeiramente nos remete a ideia de água, vida, céu e que funciona como

cor complementar do verde, convergindo assim com o objetivo de preservação dos

recursos naturais. Além disso, a cor azul produz o sentido de confiança e credibilidade,

atributos fundamentais para o discurso da empresa no que se refere à essência do

negócio, ou seja, indústria petroquímica (p. 80).

No tocante à forma, é importante destacar, na análise tipográfica dos textos, a exclusão

da serifa na fonte utilizada. Em vez disso, são utilizados formatos com traçados mais uniformes

e enxutos, privilegiando uma leitura leve, condensada e legível aos textos (BARTHS, 2013, p.

81).

Diante de tais apontamentos, percebe-se que, além de ser destacado o lado positivo do

plástico, há também uma convocação para que os sujeitos, através da mudança de hábitos,

pratiquem o seu uso consciente em prol de um desenvolvimento mais sustentável. O negócio

do plástico torna-se tão bem evidenciado pela Braskem através do marketing indireto da capa

da cartilha associado ao complemento textual, que são construídos dois discursos: o primeiro

3 Informações disponíveis na Dissertação de: BARTHS, Geferson. FABICO/UFRGS-2013. Fonte:

http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/76240, acesso em 20 de maio de 2017.

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no qual se fala em Desenvolvimento Sustentável associado à preservação do meio ambiente,

conforme observado por meio das frases: “o uso consciente torna o mundo mais sustentável” e

“como o plástico é um aliado contra o aquecimento global”; o segundo discurso, este

econômico, que alia o negócio do plástico com o Desenvolvimento Sustentável, consoante às

mensagens: “o desafio do pós-consumo” e “a revolução verde: matérias-primas renováveis”.

Dessa forma, percebemos um apelo aos discursos desenvolvimentistas (mesclados de discursos

ambientalistas com os discursos do uso consciente de recursos naturais).

É possível notar na peça analisada (Fig. 1), ainda, o atravessamento de diversos

discursos ambientais, sociais, econômicos, entre outros. Os termos utilizados nos textos como:

leveza e durabilidade, menos lixo e matérias-primas renováveis são palavras positivas e

colocadas nessa peça parecendo buscar enaltecer esse produto. Conforme indicou Maingueneau

(2006), tais textos visam relacionar a imagem-conceito da empresa, a fim de fortalecer a sua

“marca”, como sendo uma empresa de tradição, experiente e sólida.

Stuart Hall (2016) explica que “todas as práticas sociais têm um aspecto discursivo”

(p. 80) – assim, é possível dizer que a empresa estabelece e faz circular enunciados que

colaboram com as causas socioambientais, mas que também produzem entendimentos

contrários e nocivos a elas. Destacam-se, a partir daqui alguns aspectos dessa rede discursiva.

O primeiro aspecto dessa trama pode ser percebido nas figuras a seguir, as quais

produzem uma espécie de “apanhado histórico” em forma de linha do tempo datada desde que

o plástico surgiu no mundo moderno até a contemporaneidade e apresentam uma suposta

“evolução progressiva” proporcionada pela adoção desse material.

A Figura 2 faz referência a argumentos que favorecem dois direcionamentos: ora,

numa escala progressiva demonstrada pela gama de produtos, cujo suposto objetivo é beneficiar

a vida das pessoas; ora pelo que a Braskem argumenta desenvolver contribuindo com a

sustentabilidade através desses produtos.

Figura 2 - A evolução do Plástico

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Evidencia-se aqui a evolução do plástico a

partir de 1839 com o processo de vulcanização da

borracha, passando em 1862 pela descoberta da

“parkesina” que, embora mais flexível e

impermeável à água, não prosperou pelo seu alto

custo no processo produtivo. Em 1870, segundo a

empresa, veio o aperfeiçoamento do celuloide, com

o propósito inicial de substituir materiais como o

marfim (retirados dos elefantes) e ser utilizado em

bolas de bilhar, esporte popular da época. Neste

último, observamos um “discurso ecológico”

estabelecido com o argumento segundo o qual a

produção do plástico viria a “salvar” a vida dos

elefantes, ameaçados pela prática da obtenção do

marfim.

Ressaltamos que ainda hoje pode-se verificar que tais animais4 são constantemente

caçados para a retirada do marfim visando seu comércio, que atende a muitos produtos feitos,

sendo os principais as esculturas.

4 As populações de elefantes vêm tendo o seu número drasticamente diminuído por causa do marfim; um caçador

consegue ganhar em média cerca de 3000 dólares para cada par de presas capturado, valor muito maior do que o

salário anual de um trabalhador africano comum, fato este que atrai várias pessoas em desespero.

Fonte: http://www.saberatualizado.com.br/2016/04/marfim-e-o-massacre-dos-elefantes.html, acesso em 20/02/17

Fonte: Cartilha da Braskem, p. 8.

Figura 3 - A evolução do Plástico (cont.)

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Em seguida, na Figura 3, temos a

continuação desse discurso de inovação científico-

tecnológica articulado ao da sustentabilidade com a

recorrência de alguns argumentos vinculados à

“criação do celofane (1905)”, utilizado para

utensílios domésticos até os dias atuais. Após veio “a

revolução dos plásticos modernos (1909)”, que

seriam os primeiros plásticos sintetizados através de

processo químico. De acordo com a cartilha da

Braskem sob análise, esse fato ocasionou entre as

décadas de 1930 e 1950 a técnica da “polimerização”,

a qual possibilitou avanços significativos na cadeia

de plásticos, pois marcou esse produto como um dos

mais utilizados em diversas estruturas da

contemporaneidade. Em 2010, a Braskem iniciou a

produção do plástico verde.5

As “maravilhas modernas” ricamente ilustradas pela cartilha e oriundas do plástico,

tais como o telefone, o disco de vinil e o celofane, são produtos bem conhecidos em nosso

cotidiano. Dessa maneira, percebemos um discurso potente envolvendo esse material, em tom

de destaque à importância em nossas vidas.

Nas duas peças em destaque, é possível observar, num primeiro momento, o discurso

ecologicamente sustentável ressaltado na forma verbal. Em ambas, o plástico é mostrado como

sendo o substituto ecológico de uma cadeia produtiva, antes feita de materiais de origem animal,

desde cascos de tartarugas a marfim de elefantes (usados na fabricação de brinquedos, joias,

botões, pentes, cabos, etc.); portanto, o plástico veio, segundo o que essa peça divulga, salvar

tais espécies, talvez até da extinção. Lembramos que, a respeito das tartarugas, o plástico está

entre uma das principais causas de suas mortes e, além disso, sabemos que os plásticos são, em

5 Plástico verde: produzido do etanol da cana-de-açúcar, atualmente é o carro-chefe da Braskem em matéria de

produto renovável, e responsável por elevar a marca “I’m green” a padrões de venda de produtos e mercados

internacionais. (BARTHS, 2013. p. 84).

Fonte: Cartilha da Braskem, 2012, p. 9.

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boa parte, um dos grandes responsáveis pela poluição das águas de rios e mares, logo,

representam uma ameaça à biodiversidade aquática e consequentemente à vida humana.

Num segundo momento, é necessário apontar que, através desse enredo de discursos

argumentados por essa empresa, temos uma demonstração cabal da competência da Braskem,

tomando como exemplo desde a preservação de espécies até a alta tecnologia empregada na

fabricação de um produto 100% renovável oriundo de uma planta (a cana-de-açúcar). Contudo,

no caso do plástico verde, cabe registrar que existem efeitos adversos no plantio em larga escala

de cana-de-açúcar, pois se trata de uma monocultura6, mas tanto o plástico verde quanto a forma

de plantio adotada para a obtenção de tal plástico são tratados muito positivamente pela empresa

e, com isso, ajudam a construir a “aptidão socioambiental” da Braskem junto aos públicos mais

variados.

Assim, os textos que se desenvolvem ao longo das páginas deste artefato não apenas

divulgam informações acerca de sustentabilidade, propondo uma determinada maneira de

entender esse conceito de forma a vincular a cadeia produtiva do plástico como sendo “a

solução” em inúmeros contextos, como também – e principalmente – ajudam a construir os

nossos entendimentos acerca da sustentabilidade socioambiental.

Podemos perceber tal visão

na Figura 4, quando é informado que

“por suas características, o plástico

permitiu ao homem ampliar suas

possibilidades”. A imagem chama a

atenção fazendo uma alusão a como

a humanidade desenvolveu-se com a

chegada do plástico. Parece-nos, ao

fazer a leitura de tal texto, que esse

produto permitiu ao homem que,

6 Em termos econômicos, quando um país é monocultor não é algo positivo, pois ele fica dependente apenas deste

produto. Quando o preço no mercado internacional cai, a demanda diminui ou ocorrem alterações climáticas que

prejudicam a produção, a economia do país fica vulnerável (disponível em: http://www.suapesquisa.com. Acesso

em 20/01/2017). Além disso, é importante notar que, em termos ecológicos, as monoculturas causam impactos

ambientais importantes ao solo e ao ecossistema como um todo.

Figura 4 – Inúmeras possibilidades

Fonte: Cartilha da Braskem, 2012, p. 12 e 13.

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enfim, “alcançasse os céus”, como mostra a imagem. Nessa direção, é possível dizer que a

empresa colabora para o conquista e ampliação de limites. Através desse leque de

possibilidades, inúmeras conquistas foram alcançadas graças ao surgimento desse material, o

qual é destacado pelas suas características como: leveza, durabilidade, resistência, baixo-custo

e, principalmente, pela sua capacidade de fundir-se, tornar-se maleável, ser transformado e

reaproveitado, em suma, ser reciclável.

Tais aspectos são enaltecidos pela empresa como sendo esse produto um forte aliado

dos seres humanos, responsável por diversos avanços e possibilidades e, sobretudo, responsável

por trazer uma melhor qualidade de vida às pessoas. Ainda, o plástico é destacado como

“parceiro do meio-ambiente” por sua característica de ser reaproveitável.

Considerações finais

É possível dizer que, na cartilha analisada neste texto, a Braskem reafirma o

compromisso com o desenvolvimento social e com a sustentabilidade perante a sociedade, junto

às ações na qual ela atua, compreendidas, aqui, desde a educação até uma amplitude de

empresas transformadoras de plástico, responsáveis por empregar e contribuir para o sustento

de várias pessoas e, assim, para o desenvolvimento do país. É necessário registrar ainda que

esse argumento pode ser verificado de maneira recorrente neste artefato, com destaque a várias

ações educativas a fim de demonstrar o uso consciente dos recursos naturais e estimular o

consumo de produtos ecologicamente renováveis. Aliado a isso, são apontadas algumas visões

economicamente empreendedoras que fazem repensar novos modelos de negócios e reutilizar

tais produtos dessa cadeia, já sem utilidade, e com isso visam diminuir o desperdício de energia

empregado na sua fabricação. Tais exemplos podem ser encontrados nas demais páginas da

cartilha nos inúmeros projetos que essa empresa possui, desde cooperativas de recicladores até

a gestão de resíduos sólidos.

Examinei alguns recortes dessa cartilha fazendo a ressalva de não julgar como certo

ou errado esses conteúdos, mas sim trazer à luz algumas discussões que são reverberadas em

nosso cotidiano e que produzem o nosso modo de ser e de viver. Sabemos ainda que é muito

difícil parar o processo desencadeado pela produção de plástico ou, ainda, substituir esse

material por outro na atualidade, o que denota a importância desse produto em nossas vidas.

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Contudo, é necessário fazer algumas discussões que envolvem a sustentabilidade ambiental e a

social, tal como elas são construídas por uma determinada empresa.

Por fim, é preciso registrar que inúmeras outras questões acerca da noção de

sustentabilidade poderiam ser colocadas em exame nesse artigo como, por exemplo, o

reflorestamento de parques, a arborização de vias públicas, a adoção de praças, dentre outras.

Neste trabalho, o objetivo foi focalizar algumas das questões focalizadas na cartilha da Braskem

e, desse modo, demonstrar os múltiplos e cambiáveis discursos que divergem dessa temática

colocada em circulação. Podemos dizer, então, que os enunciados publicados nessa cartilha

correspondem a uma ampla gama de discursos hibridados (entre marketing e as questões

sociais, ambientais/ecológicas, econômicas, etc.). Por fim, cabe ressaltar que entendemos que

a Braskem busca consolidar a sua marca reforçando a importância que o plástico pode ter para

o mundo numa ação mercadologicamente sustentável.

Referências

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de teoria da história. Bauru, São Paulo: Edusc, 2007.

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marketing para a produção de sujeitos consumidores ambientalmente responsáveis. Textura,

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WORTMANN, Maria Lúcia C. A educação ambiental em perspectivas culturalistas.

In:CALLONI, Humberto & CORRÊA DA SILVA, Paulo Ricardo Granada (Orgs).

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