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1 A MULHER QUE DIGITA DE CARLA KINZO

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A MULHER QUE DIGITADE CARLA KINZO

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A MULHER QUE DIGITA

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A MULHER QUE DIGITADE CARLA KINZO

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MARCOS GOMESAPRESENTAÇÃO

apoio

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Eu não contei algo do meu passado para que vocês o conheçam, mas sim para que vocês saibam que nunca o conhecerão.

Elie Wiesel

As coisas que nós criamos, a forma como pensamos, a perspectiva pela qual olhamos para o passado, ou o modo como agimos e falamos dizem também das ideologias que se expressam aqui e agora, neste tempo histórico. Assim como a arquitetura de uma cidade deixa vestígios de uma época, de seu modo de organização do trabalho, do sagrado e da violência, uma história, seja ela ficcional ou não, guarda nas escolhas das palavras uma visão de mundo, também ela impregnada de ideologias.

A linguagem, portanto, não é transparente, mesmo quando este é o seu principal objetivo – e essas formas, talvez, que almejam tornar natural o que não é, sejam potencialmente as mais perigosas. O problema é que, em alguns casos, a aparente transparência de uma obra esconde uma brutalidade inominável. É por este motivo que algumas histórias, para serem contadas, precisam subverter a linguagem e superar a impossibilidade de abarcar com ela o que dela escapa, tangenciando a palavra, desdobrando-a até que ela grite. Este texto de Carla Kinzo que você tem em mãos é um exemplo disso. A peça apresenta o encontro entre duas mulheres, a que digita e a que dita. Da tarefa que as une, de finalizar um texto dentro do prazo, outra história se forma: de uma mulher que escrevia cartas. Eixo central da peça, essa personagem ausente será construída aos poucos, em um esforço conjunto de extrair da palavra bruta o horror de sua narrativa. Trata-se, portanto, de um ato de criação, mas também de uma escolha entre a ação e a omissão.

A mulher que digita é um drama e com isso quero dizer que nela podemos encontrar personagens, ações e conflitos organizados em um enredo que se desenvolve de maneira causal, com começo, meio e fim, a partir do diálogo entre duas mulheres

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– que, apesar de não terem nomes próprios (são designadas pelas funções que ocupam), comportam-se segundo certa noção de realidade, a qual o leitor (espectador) reconhecerá como verossímil. Acontece, porém, que, por trás dessas convenções dramáticas, Kinzo irá promover algumas torções na forma, sobretudo ao inserir, por meio da narração, o processo de construção de uma personagem em cena. Mas também ao deslocar vetores de força essenciais para fora do palco, que, além de ampliarem a tensão interna, distorcem aos poucos a própria noção de realidade – esse desajuste, no entanto, quanto mais afasta o real, mais se aproxima de sua essência.

O texto parece, a princípio, querer remeter à tradição de obras distópicas, como a de George Orwell, por exemplo, mas eu diria que, pelo seu embate com a linguagem, a peça de Kinzo guarda também uma possível filiação com os textos para teatro de Samuel Beckett, não somente pela lida com a palavra, mas também pela forma como ambos se prestam a dizer do trauma. Se para o dramaturgo o drama torna-se inviável após o horror de Hiroshima, para Kinzo a linguagem se torna agente de um silencioso mecanismo de supressão do outro – de sua história.

No entanto, se a palavra da maioria da população deste país é eliminada – assim como os corpos de mães e filhos negros nas periferias das grandes cidades – e banida dos espaços públicos, dos discursos oficiais, um grito mudo persiste audível, como um ruído vindo de longe, de muito antes, mas que ainda hoje se faz ouvir nos quartos de empregada, estendendo-se por todos os corredores de acesso, pelas entradas e saídas reservadas e pelos elevadores de serviço. O que fazer quando esse trauma incessante irrompe os limites da palavra e se torna horror?

A escolha de Kinzo em nomear a peça de A mulher que digita se dá porque é nesta personagem que esse impasse se realiza. E é preciso entender que a questão de gênero se impõe aqui, e por razões que são absolutamente caras à peça e à autora, porque é por meio dela que se configura uma ponte com

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o outro, e é por meio dela que podemos recolocar no centro do debate as questões de classe que legitimam a violência de uma minoria branca, masculina e misógina, sobre uma maioria negra, pobre e periférica. São as questões transversais, como também o é a questão étnica, que talvez, ainda hoje, de alguma forma consigam tornar evidentes as ideologias que oprimem extratos gigantescos da população. Se há alguma possibilidade de transpor essa barreira e iluminar as atrocidades de um modo de vida perversamente transparente, que atribui valores diferentes à vida, essa possibilidade só existe no encontro com o outro, com aquele que não pode, ou não consegue mais, se omitir.

Que essas vozes ecoem, portanto. Para a nossa sorte, não há como detê-las.

Marcos Gomes é formado em Ciências Sociais na PUC-SP e mestre em Artes Cênicas pela UNESP. Publicou o livro Luz Fria (Patuá: 2014). É autor, entre outras peças encenadas, de Motel Rashômon, Recursos Humanos e Origem Destino - adaptada para o formato HQ: Cidade das águas (Pólen: 2015).

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A MULHER QUE DIGITAA MULHER QUE DIGITAde CARLA KINZOde CARLA KINZO

Este texto, selecionado na III Mostra de Dramaturgia do CCSP, estreou em 4 de agosto de 2017, sob direção de Isabel Teixeira.Este texto, selecionado na III Mostra de Dramaturgia do CCSP, estreou em 4 de agosto de 2017, sob direção de Isabel Teixeira.

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“Às vezes, a perfeição acontece, e essa foi uma dessas vezes [...]; o horror perfeito descrito por uma voz capaz de abrangê-lo sem esforço [...]”

Frances Rowe, que ouviu Billie Holiday cantar Strange Fruit, em San Francisco no final dos anos 1950.

“Às vezes, a perfeição acontece, e essa foi uma dessas vezes [...]; o horror perfeito descrito por uma voz capaz de abrangê-lo sem esforço [...]”

Frances Rowe, que ouviu Billie Holiday cantar Strange Fruit, em San Francisco no final dos anos 1950.

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Personagens

Mulher que dita, aproximadamente 45 anos.

Mulher que digita, aproximadamente 30 anos.

Cenário

Um pequeno apartamento, de propriedade da Mulher que dita. Pode haver uma mesa, duas cadeiras. Sobre a mesa pode haver um computador, uma cafeteira, xícaras, um cinzeiro, papéis. A porta e a janela do apartamento podem estar no fundo do palco.

Anoitece.

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(Breu)

(Barulho de teclas de um computador trabalhando)

MULHER QUE DITA: O pescoço foi pressionado com tanta força que, sobre a pele, próximo à carótida, impressões digitais dos polegares e dos dedos indicadores ficaram impressas. Sua expressão ficou congelada. Os olhos saltaram para fora das órbitas; o rosto inchado, azul. Um balão de hélio. Marcas de molares inferiores e superiores da parte esquerda da arcada foram encontrados no tórax. Marcas de superfície perfurante no ânus, orelhas e axilas. Causa da morte nos autos: asfixia.

(Um foco se acende lentamente sobre a Mulher que dita)

MULHER QUE DITA: Morava num sobrado na Vila Zélia. Tinha três filhos, mas só o menino morava com ela. Ele tinha 15 anos quando foi alvejado. Ela gostava de ouvir música, num rádio velho, passando roupa. Recebia visitas da mãe – uma senhora idosa com problemas de audição. E das filhas mais velhas, casadas.

(Foco se acende lentamente sobre a Mulher que digita – a digitar)

MULHER QUE DITA: Era uma mulher discreta, de uma época em que ainda se acreditava no trabalho. Então, trabalhava. Trabalhava muito. Saía por volta das 5h30 da manhã para estar às 8h30 na primeira casa do dia. Fazia duas casas por dia.

(Mulher que digita termina de digitar)

(Tempo)

(Mulher que digita olha para a Mulher que dita, que pensa)

MULHER QUE DIGITA: E...?

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MULHER QUE DITA: No dia em que tudo aconteceu, ela fez só uma casa. Precisava enviar aquela carta.

MULHER QUE DIGITA: Havia uma carta?

MULHER QUE DITA: Uma carta para uma mulher.

MULHER QUE DIGITA: Hum. Então... a carta tem importância?

MULHER QUE DITA: Tem. (Tempo). Muita.

MULHER QUE DITA: No dia em que tudo aconteceu, ela fez só uma casa. Precisava enviar aquela carta.

MULHER QUE DIGITA: Havia uma carta?

MULHER QUE DITA: Uma carta para uma mulher.

MULHER QUE DIGITA: Hum. Então... a carta tem importância?

MULHER QUE DITA: Tem. (Tempo). Muita.

MULHER QUE DIGITA: Certo.

MULHER QUE DITA: Seria a décima carta enviada desde que perdera o filho. Em vez de fazer a segunda casa, ela a enviaria. Aquela carta. Caminharia na direção do Correio perto da casa que acabara de varrer, de limpar, de espanar. Eram apenas três quarteirões e uma esquina.

MULHER QUE DIGITA (digitando): Es-qui-na.

MULHER QUE DITA: Mas antes de virar, hesitaria. Era como se tivesse sentido, a poucos passos daquela esquina, que algo a espreitava. Era como se pressentisse.

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(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Era como se pressentisse...?

MULHER QUE DITA: Algo ruim.

MULHER QUE DIGITA: Escrevo isso?

MULHER QUE DITA: Sim.

MULHER QUE DIGITA (digitando): “Algo ruim”. Ok. MULHER QUE DITA: Ela teve medo. Um medo irracional. Era como se ouvisse uma voz dentro da cabeça, “volta”. “Corra!” “Corra com toda a sua força, não olhe para trás, agora.”

MULHER QUE DIGITA (digitando): Ok.

MULHER QUE DITA: Ela sentiu que alguma coisa não estava certa. Talvez as pessoas saibam, numa fração de segundo, que uma coisa muito ruim vai acontecer. Não é assim? Hein? Você não acha? Mas é tão rápido, ou é tão inexplicável, que a razão não dá atenção. Mas o corpo – puro instinto – reage, à revelia. Ela dá um passo pra trás, quase querendo fugir; o corpo titubeia. Você já sentiu isso? Mas a cabeça, má que é, diz: “segue. Não é nada, você está louca”. Sem dar atenção à reação do corpo diante do perigo, ela segue.

MULHER QUE DIGITA: É... Desculpa, acho que perdi o fio da meada. Pera um pouco... O narrador fala assim com um interlocutor?

MULHER QUE DITA: Talvez ela tenha pensado que os remédios estivessem embaralhando sua percepção das coisas. Ou ainda: talvez ela tenha mesmo reconhecido alguém, alguns passos antes. Umas duas, três ruas atrás. Foi quando se deu conta de que aquela pessoa pudesse estar depois da esquina, esperando que ela aparecesse, com sua carta.

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MULHER QUE DIGITA (confusa): Espera. Espera só um pouquinho, acho que preciso voltar...

MULHER QUE DITA: Você está me ouvindo?

MULHER QUE DIGITA: Estou, mas acho que me perdi. Desculpa.

MULHER QUE DITA: Esquece um pouco isso de digitar agora. Presta primeiro atenção na história. MULHER QUE DIGITA: É, espera um pouquinho...Tá.

MULHER QUE DITA: O que foi que eu disse?

MULHER QUE DIGITA: Você disse que ela... Que talvez ela tivesse reconhecido essa pessoa. É isso?

MULHER QUE DITA: É. Mas tudo isso ela pensou num átimo de segundo, quando seu corpo já dobrava a esquina.

MULHER QUE DIGITA: Seu corpo?

MULHER QUE DITA: É.

MULHER QUE DIGITA: Você quer que eu digite assim?

MULHER QUE DITA: Isso.

MULHER QUE DIGITA: Tá. (Mulher que digita, a digitar). Por que a palavra corpo?

HOMEM QUE DITA: Sugere que esse seria o último movimento de alguém prestes a cumprir seu destino trágico, irreversível.

MULHER QUE DIGITA: Certo.

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MULHER QUE DITA: Avançamos bem.

MULHER QUE DIGITA (verificando as folhas produzidas): Quase... Quase dez páginas. Olha só!

MULHER QUE DITA: Podemos dar uma pausa.

MULHER QUE DIGITA: Tem certeza? Ainda temos um pouco mais de tempo.

MULHER QUE DITA: Vamos parar.

MULHER QUE DIGITA: Você pode tentar avançar mais, pra hora em que ela encontra essa pessoa na esquina. Revelar esse homem. É um homem, não é?

MULHER QUE DITA: Eu preciso de um café.

(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Tá. Um café. Eu posso tentar reorganizar tudo enquanto isso. Essa parte final ficou um pouco confusa...

(Mulher que dita servindo uma xícara de café para a Mulher que digita)

MULHER QUE DITA: Não, toma um café antes.

MULHER QUE DIGITA: Não, não, tá tudo bem, eu tô bem pra continuar.

MULHER QUE DITA: Não. Toma um café. Me faz companhia. Vamos conversar.

(Tempo)

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MULHER QUE DIGITA: Tá certo. Um café.

(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Acho que estou mesmo um pouco cansada. (Dando-se conta das horas). Olha. O tempo passou rápido.

MULHER QUE DITA: É.

(Silêncio desconfortável entre elas. Mulher que dita bebe o seu café distante)

MULHER QUE DIGITA: Posso fazer uma pergunta?

(Mulher que dita a olha, aparentemente calma, sem falar nada)

MULHER QUE DIGITA: Por que... ela?

MULHER QUE DITA: Por que ela...?

MULHER QUE DIGITA: É. Desculpa, quero dizer... Por que escolher essa mulher como personagem agora?

MULHER QUE DITA: Você não acha que ela seria uma boa personagem?

MULHER QUE DIGITA: Não, não é isso; eu acho que...

MULHER QUE DITA (interrompendo-a): Porque acabou de acontecer. Porque... Por tudo o que aconteceu. Que está acontecendo.

MULHER QUE DIGITA: Hum. Não deve ser isso que gerou o bloqueio na escrita?

MULHER QUE DITA: Não há bloqueio. Eu preciso de

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alguém com quem dividir essa parte do processo, ainda mais com essa pressa de entregar os originais. Ou tem, não sei. Mas acho que agora estamos conseguindo seguir. Você não acha?

(Mulher que dita acende um cigarro)

MULHER QUE DIGITA: Mas você não vai seguir exatamente o caso dela, vai?

MULHER QUE DITA: A ideia é se aproximar do que teria acontecido.

MULHER QUE DIGITA: Mas não se sabe o que de fato aconteceu.

MULHER QUE DITA: Não mesmo...?

MULHER QUE DIGITA: Mas se sabe então?

MULHER QUE DITA: Tem gente que sabe.

MULHER QUE DIGITA: Você?

(Mulher que dita não responde)

MULHER QUE DIGITA: Isso é uma boa ideia?

MULHER QUE DITA: Talvez não.

MULHER QUE DIGITA: A revista sabe que a história enveredou para o caso da... dela...?

MULHER QUE DITA: Eles sabem que essa é uma história de ficção.

MULHER QUE DIGITA: E é?

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MULHER QUE DITA: É. Também. Não é?

MULHER QUE DIGITA: Acho que sim. Tem que ser. (Tempo) O que você sabe?

MULHER QUE DITA: Alguma coisa. Vou usar o que der para escrever.

MULHER QUE DIGITA: Modificando as coisas, claro.

MULHER QUE DITA: Eu não vou mentir.

MULHER QUE DIGITA: Não é isso, não é mentir. O que eu quero dizer é: você não tem medo do que...?

MULHER QUE DITA (interrompendo-a): Tenho.

(Tempo)

MULHER QUE DITA: Claro que tenho.

MULHER QUE DIGITA: Então. Não seria melhor...?

MULHER QUE DITA (novamente a interrompendo): E você tem medo?

(Mulher que dita se serve de outra xícara de café)

(Algo desconfortável no ar)

(O tempo de um café se passa)

MULHER QUE DIGITA: Melhor seguir. Vamos? Continuar?

MULHER QUE DITA: Claro.

MULHER QUE DIGITA (abrindo o arquivo, lendo): Certo.

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Paramos em “seu corpo já dobrava a esquina”.

MULHER QUE DITA: Naquele dia, a manhã começou mais cedo. (Mulher que digita começa a digitar). Ela abriu os olhos interrompendo um sonho estranho, em que seus dentes se despregavam da gengiva. Era cedo demais, quatro horas. Algo havia lhe roubado meia hora. Meia hora de sono de seu último dia. Ela caminhou em direção ao banheiro, virou a torneira sem o cuidado de esperar que a água esquentasse antes de entrar. Depois tomou um café preto puro, sem comer. Não tinha mais fome, não comia de manhã, comia pouco no almoço, raramente jantava. Mas antes de voltar para casa, no fim do dia, ah sim. Antes passaria no Correio para enviar mais uma carta. Uma carta endereçada para alguém, em algum lugar. Uma confissão, um pedido. Um depoimento. (Tempo). As imagens mostram um envelope A4, pardo.

MULHER QUE DIGITA (a digitar): “Envelope A4, pardo”. Ok.

MULHER QUE DITA: As imagens mostram a mulher caminhando em direção à esquina, no que seria o trajeto de volta para sua casa. Mas sabemos que antes ela iria ao Correio, só depois para o ponto, onde tomaria o ônibus Socorro 856R-10. Ela anda rápido, passos firmes. Mas, então, hesita. Olha para o chão. Dá dois passos no sentido contrário e volta. A câmera mostra seu corpo dobrando a esquina. 16h35min.

(Mulher que digita segue registrando tudo)

(Tempo)

(Elas se olham)

MULHER QUE DITA: Havia alguém na esquina. Um homem. Um homem que fuma. O homem espera que ela dobre a esquina apoiado sobre a porta aberta do carro com o motor ligado. Assim que ela dobrar a esquina, ele irá em sua direção. Oi. Ela hesita.

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Não, assim que ela dobrar a esquina ele não irá dizer nada. Ela então o reconhece. Hesita primeiro. Mas caminha em sua direção. Não, ela não o reconhece. Ela pressente. Assim que ela dobrar a esquina ele também pressente. Sim, é ela. Caminha em sua direção e...

(Tempo. Mulher que dita para de falar, não consegue seguir)

MULHER QUE DIGITA: E...?

(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Caminha em sua direção...

MULHER QUE DITA: Estou pensando.

MULHER QUE DIGITA: Ok.

(Tempo)

MULHER QUE DITA: Ela hesita...

MULHER QUE DIGITA: Ok.

MULHER QUE DITA: ...ela desvia da sua trilha original...

MULHER QUE DIGITA: “...desvia de sua trilha o-ri-gi-nal”.

MULHER QUE DITA: ...mas retorna...

MULHER QUE DIGITA: “...mas retorna...”. Ok.

MULHER QUE DITA: ...enquanto ele caminha em sua direção...

MULHER QUE DIGITA: ...enquanto ele caminha em sua direção. (...) E...?

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MULHER QUE DITA: Os séculos passam diante dela, os museus como testemunhas dos naufrágios, farrapos de guerras, ruas sem saída.

(Mulher que digita, a digitar cada palavra dita)

MULHER QUE DITA: Não, não. Nada disso. Pode apagar.

MULHER QUE DIGITA: Não, vamos seguir. Está bom isso.

MULHER QUE DITA: Pode apagar.

MULHER QUE DIGITA: Depois a gente apaga o que sobrar. Continua, vai: “ruas sem saída...”

MULHER QUE DITA (assertiva): Apaga desde “os séculos”.

(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Ok.

(Mulher que digita, apagando devagar cada letra)

MULHER QUE DIGITA: Assim não se termina.

MULHER QUE DITA: Estou pensando.

MULHER QUE DIGITA: Precisamos avançar na narrativa.

MULHER QUE DITA: Séculos...

MULHER QUE DIGITA: Hoje.

MULHER QUE DITA: Não é possível dizer de um século assim. De farrapos de guerra, não agora, não assim. O que eu sei disso? Não sei nada, nada. E se eu não sei, eu que estou escrevendo isso, como é que eu vou explicar isso pra você, que

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digita, que lê, que não tem ideia?

MULHER QUE DIGITA: É apenas uma imagem.

MULHER QUE DITA (acendendo um cigarro): Não dá pra usar o mesmo velho jeito para falar de uma coisa dessas.

MULHER QUE DIGITA: Não é ruim.

MULHER QUE DITA: Ou dá? O que você acha?MULHER QUE DIGITA: Não me parece velho. Está indo bem. Não adianta nada você ficar cortando coisas agora, vai na história: vamos da parte em que...

MULHER QUE DITA: É, você está certa. Mas vamos dar outra pausa.

MULHER QUE DIGITA: Não, não. Vamos continuar. Não acho que seja uma boa ideia parar agora que tá indo.

MULHER QUE DITA: Eu realmente preciso de mais um café.

MULHER QUE DIGITA (impaciente): Você já tomou dois.

MULHER QUE DITA: Vou tomar o terceiro.

MULHER QUE DIGITA: Só me diz, o que acontece depois?

MULHER QUE DITA: Eu não sei, não sei como te dizer isso.

MULHER QUE DIGITA: Olha só, é legal esse movimento de recomeço, de retorno; quando ela está dobrando a esquina, no instante da revelação dessa pessoa do outro lado, você corta para ela acordando. Daí você refaz todo o percurso, tudo de novo, mas acrescentando um detalhe importante, que ainda não havia aparecido, que pode revelar mais dessa mulher – como essa carta aí...

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MULHER QUE DITA: Sim. Sim, é isso. Mas agora eu não sei como seguir.

MULHER QUE DIGITA: Sabe sim. Olha só: você pode seguir nessa toada, suspendendo o ponto em que essa mulher duvida, na esquina. E conta a história dela de trás pra frente; ela em sua casa, sei lá, com as filhas, com a mãe, então os motivos que poderiam ter levado a tudo isso vão se desenhando...

MULHER QUE DITA: Você tem razão, deve ser mesmo um bloqueio.

MULHER QUE DIGITA: Olha. Vamos ver.

MULHER QUE DITA: Eu parei várias vezes nesse mesmo ponto.

MULHER QUE DIGITA: Você dizia que ela, naquele dia, havia...

MULHER QUE DITA: Acho que não sou mesmo eu quem deve seguir.

MULHER QUE DIGITA (sem prestar atenção na Mulher que dita, lendo o arquivo): Espera, vamos achar um trecho bom para retomar... “...desvia de sua trilha original, mas retorna, enquanto ele caminha”.

MULHER QUE DITA: É.

MULHER QUE DIGITA: E?

MULHER QUE DITA: E para aí.

MULHER QUE DIGITA: Mas que coisa, vamos aproveitar esse fluxo.

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MULHER QUE DITA: Eu não estou encerrando por hoje. Só preciso pensar em como dizer isso. Pra você.

MULHER QUE DIGITA: Eu sei, mas você me pediu para que eu te pressionasse; olha, a gente conseguiu avançar bastante hoje, mas ainda tem muito pra ser feito. Você aponta aqui vários caminhos interessantes. (Tempo) (Ouvindo a Mulher que dita, o que ela acabou de dizer). Pra mim?

MULHER QUE DITA: Não há vários caminhos.

MULHER QUE DIGITA: A gente não tem muito tempo, você sabe disso.

MULHER QUE DITA: Eu sei. Não temos muito tempo mesmo, eu sei. O que você está entendendo dessa história?

MULHER QUE DIGITA: Como assim?

MULHER QUE DITA: Me diz o que você está entendendo dessa história.

MULHER QUE DIGITA: Mas que importância tem isso?

MULHER QUE DITA: É importante pro trabalho. Me diz!

MULHER QUE DIGITA (sem paciência): Tá. É um thriller, um thriller agora baseado na história da Dalva!

(Para, de repente, e se dá conta).

MULHER QUE DIGITA: Me desculpe.

MULHER QUE DITA: O que mais?

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MULHER QUE DIGITA: Eu não devia ter falado o nome dela tão alto.

MULHER QUE DITA: Não tem importância!

MULHER QUE DIGITA: Será que deu pra ouvir?

MULHER QUE DITA: Vai, continua, o que mais?

MULHER QUE DIGITA: Ai, tá! (Falando com prudência) É uma espécie de versão ficcional para o que pode ter acontecido com essa mulher.

(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Olha, realmente não sei se é uma boa contar a história dela desse jeito.

MULHER QUE DITA: Que jeito?

MULHER QUE DIGITA: Não sei, desse jeito, sem muita. Sem...

MULHER QUE DITA: Quem você acha que é esse homem da esquina?

MULHER QUE DIGITA: Essa narrativa não precisa ser tão declaradamente sobre ela, tão transparente. Talvez se você optar por alguma coisa mais alegórica...

MULHER QUE DITA: Foi o mesmo homem que executou o filho dela.

(Tempo).

MULHER QUE DIGITA: Você não vai colocar isso no texto, vai?

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MULHER QUE DITA: Tenho tido dificuldades para dormir.

MULHER QUE DIGITA: Vai colocar?

MULHER QUE DITA: Você tem conseguido?

MULHER QUE DIGITA: O quê?

MULHER QUE DITA: Dormir.

MULHER QUE DIGITA: Tenho. Sei lá.

MULHER QUE DITA: Você não ouve os ruídos à noite?

MULHER QUE DIGITA: Mas quem não ouve? É claro que sim.

MULHER QUE DITA: É. Todo mundo ouve, é impossível não ouvir, mas muita gente finge que não ouve. Não é assim?

MULHER QUE DIGITA: Eu sei lá.

MULHER QUE DITA: É assim.

MULHER QUE DIGITA (numa explosão): Mas o que isso tem a ver com esse trabalho, meu Deus?!

MULHER QUE DITA: Tudo! Tem tudo a ver com esse trabalho!

MULHER QUE DIGITA: Como?

MULHER QUE DITA: O que você acha que são esses ruídos?

MULHER QUE DIGITA: Você não tem conseguido descansar, é isso.

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MULHER QUE DITA: Esses gritos?

MULHER QUE DIGITA: E esses prazos, essa urgência de terminar, é isso que te... Olha... O que você precisa... Você precisa descansar, é isso.

MULHER QUE DITA: Essas vozes?

MULHER QUE DIGITA: Olha, você tem razão. Você precisa de uma pausa. Vamos fazer assim: eu vou embora e amanhã...

MULHER QUE DITA (firme): Me diz o que você acha que é isso!

MULHER QUE DIGITA: Mas eu não sei, eu não me interesso em saber essas coisas!

MULHER QUE DITA: Mesmo? De verdade?

MULHER QUE DIGITA: Não é isso...

MULHER QUE DITA: Você não se interessa em saber ESSAS coisas?

MULHER QUE DIGITA: Não foi o que eu quis dizer, eu também não consigo...

MULHER QUE DITA: O quê? Não consegue o quê?

MULHER QUE DIGITA (numa explosão): Dormir! (Tempo) Olha, eu prefiro... Prefiro... Não pensar muito nisso.

MULHER QUE DITA: Certo. É claro. Você é a mulher que digita: uma mulher comum, como todas somos. Você acorda cedo, toma o seu café, sai para trabalhar na hora certa, faz o seu trabalho como uma mulher correta, depois vem fazer esse trabalho aqui comigo, é sempre um dinheirinho a mais no seu

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mês curto, você não gosta de dever, se preocupa em fazer a coisa certa, e, como uma mulher correta, você me pressiona pra produzir as 15 páginas por dia até o final da semana, ou vamos estourar o prazo, isso não pode, claro, você aceita meus dois cafés de pausa, não vão te atrapalhar no andamento do trabalho, claro, mas o terceiro pode te atrasar, imagina estar na rua na hora do toque de recolher, isso não, nunca! Você sempre está em casa muito antes, vai dormir na sua cama de lençóis exemplarmente esticados muito antes do horário em que todas aquelas mulheres deveriam estar na cama, sem pensar na razão de tudo isso, não é? Você prefere não pensar nisso.

MULHER QUE DIGITA: Você enlouqueceu?

MULHER QUE DITA (mais alto, sem paciência): Você acredita mesmo que de uma hora para outra “os gatos” se reproduziriam como gafanhotos, se tornariam uma praga perigosa? Eu me sinto até ridícula de falar isso.

MULHER QUE DIGITA: Fala mais baixo!

MULHER QUE DITA: Hein? Me diz!

MULHER QUE DIGITA: Eu não sei. Você tem razão, não faz sentido, não sei. Ou faz, sei lá. Não entendo de gatos.

MULHER QUE DITA: Não precisa entender de gatos.

MULHER QUE DIGITA: Mas eles realmente estão espalhados por aí!

MULHER QUE DITA: Ah, estão? E você os vê, de dia, por aí, aos montes, assustadores, essas pragas perigosas? Os gatos? Porque de noite não dá pra saber se são mesmo eles, ou dá? Nós não podemos sair!

MULHER QUE DIGITA: Eu os OUÇO à noite.

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MULHER QUE DITA: Eu não acredito que você possa acreditar numa coisa dessas!

MULHER QUE DIGITA: Tá ficando tarde.

MULHER QUE DITA: Apenas ouça os ruídos à noite!

MULHER QUE DIGITA: O que isso tem a ver com esse trabalho?!

MULHER QUE DITA: Ela foi arrastada. No dia seguinte, cartas estavam espalhadas pela calçada. Ela havia ido ao correio com um único envelope, mas no chão foram encontrados vários envelopes. Nos autos: ela escrevia cartas para si. Cartas de amor de uma mulher solitária para si mesma. Inofensiva.

MULHER QUE DIGITA (tenta falar com paciência): De novo: o que é que isso tem a ver?

MULHER QUE DITA: A carta que ela levava sumiu. A única que sumiu não continha uma carta de amor. Ela não escrevia cartas de amor, mania de achar que mulheres só escrevem cartas de amor. Ou melhor, era sim uma carta de amor. Quer ouvir?

MULHER QUE DIGITA: Eu acho que você realmente tá precisando de uma pausa. Vamos começar mais cedo amanhã. Além disso, eu também já estou ficando preocupada com a hora.

(Mulher que dita retira uma carta de dentro de um livro)

MULHER QUE DITA (interrompe a Mulher que digita, lendo uma carta): “Desde que meu filho foi morto, dentro de casa, dormindo, não posso mais viver um dia depois do outro como se os dias depois dos outros fossem os mesmos. Alguém tem que saber. A verdade. E a verdade é que estou marcada. Minhas filhas podem estar marcadas, minha mãe. Eles voltaram aqui, ninguém no bairro pode dizer o que aconteceu. Eu tenho tomado remédios

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para viver. Para viver os dias. Para suportar. Eu vi o rosto deles. Eu podia me matar, me deixar matar, mas me mantenho viva pra tentar contar o que aconteceu. Meu filho era um menino, tinha só 15 anos; eles entraram em casa, o executaram, dormindo, depois colocaram uma arma na mão dele”.

(Mulher que digita ouvindo)

MULHER QUE DIGITA: O que é isso?

MULHER QUE DITA: “Depois viram que não era ele quem eles estavam procurando, mas como ele era pobre e preto, como eu, preta e pobre, tudo bem. Dá no mesmo. Muito tempo eu não consigo me manter viva pra contar isso”.

MULHER QUE DIGITA: Isso é seu, foi você que criou?

MULHER QUE DITA: “Mulheres, saiam de casa, nossos filhos estão sendo mortos.”

MULHER QUE DIGITA: Meu Deus.

MULHER QUE DITA: Isso pode ser considerada uma carta de amor?

MULHER QUE DIGITA: Meu Deus.

MULHER QUE DITA: Talvez sim, não?

MULHER QUE DIGITA: Isso é dela? Foi você escreveu isso pro...?

MULHER QUE DITA: Como esquecer isso?

MULHER QUE DIGITA: Responde! É dela?

MULHER QUE DITA: Como escrever isso?

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MULHER QUE DIGITA: Acho que. Acho que já temos bastante coisa pra hoje. Tá ficando tarde.

MULHER QUE DITA: Dá? Pra continuar escrevendo um thriller? Uma história de suspense? Ou uma história de amor? MULHER QUE DIGITA: Daqui a pouco dá o toque de recolher.

MULHER QUE DITA: Aquela seria a décima carta que ela iria enviar, com o mesmo conteúdo. Ela conseguiu enviar nove cartas antes, antes que pegassem a décima. Me diz, como é que poderiam haver tantas cartas caídas no chão? Se só se pode enviar uma carta por dia?! Eles acham que somos imbecis.

MULHER QUE DIGITA: Essa carta foi enviada para você?

MULHER QUE DITA: Não, não foi para mim.

MULHER QUE DIGITA: Olha, eu realmente me vou agora. Senão não chego ao metrô a tempo.

MULHER QUE DITA: Eu não sei como continuar. Não se pode escrever de qualquer jeito sobre isso.

(Da rua, vem barulho agudo, como se fosse um coro de vozes femininas em lamento)

MULHER QUE DITA: Tá ouvindo?

(Elas ficam um tempo em silêncio)

MULHER QUE DIGITA: Tá na hora de ir, desculpe, tá realmente tarde, tá na hora de ir.

MULHER QUE DITA: Tem começado cada vez mais cedo.

(Barulhos mais altos da rua, como gritos de mulheres)

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(Elas param e ouvem, assombradas)

MULHER QUE DIGITA: Ah, eu não suporto isso...

MULHER QUE DITA: Os remédios para dormir não têm mais funcionado.

MULHER QUE DIGITA: Eu sei. É horrível.

MULHER QUE DITA: Mil gatos foram exterminados essa semana.

MULHER QUE DIGITA: Mas se é o único jeito de acabar com isso...

MULHER QUE DITA: Ah! Você realmente...? Não percebe a estupidez de tudo isso?

MULHER QUE DIGITA (irritada): Às vezes é preciso que coisas estúpidas aconteçam para que outras coisas estúpidas parem de acontecer!

MULHER QUE DITA: É? E pra quê? Pra você se sentir menos mal?

MULHER QUE DIGITA: É! Pra eu me sentir menos mal!

MULHER QUE DITA: Mas não melhora!

MULHER QUE DIGITA: Eu sei! Você acha que eu não sei? Às vezes eu tenho vontade de abrir a janela à noite e gritar, gritar! Eu quero dormir! Me deixem dormir! Todos temos o direito de dormir, de chegar em casa depois de um dia triste, deitar a cabeça no travesseiro e se esquecer, não é assim? A gente deveria ter o direito de desaparecer, de sumir, de dormir, de silêncio.

MULHER QUE DITA: É disso que eu estou falando.

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MULHER QUE DIGITA: É disso que eu estou falando.

MULHER QUE DITA: Eu também quero deitar a cabeça no travesseiro e não escutar mais nada.

MULHER QUE DIGITA: Eu sei.

MULHER QUE DITA: Mas você dormiria, se tivesse silêncio?

(Tempo)

(Elas se olham)

MULHER QUE DIGITA: Eu não sei.

(Tempo).

MULHER QUE DITA: Quando foi que isso começou? Você se lembra?

MULHER QUE DIGITA (absorta): Acho que não conseguiria...

MULHER QUE DITA: O toque de recolher, o extermínio dos gatos, os gritos à noite?

MULHER QUE DIGITA: ...não conseguiria dormir. (Tempo) O que você disse?

MULHER QUE DITA: Aquelas que perdem seus filhos sem motivo, que não podem chamar por ajuda, teriam que ter pelo menos o direito de chorar quando voltam do trabalho.

MULHER QUE DIGITA: Você não deveria estar escrevendo isso. Não percebe? Não vão deixar publicar.

MULHER QUE DITA: Eu sei.

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MULHER QUE DIGITA: Fica no thriller, qual o problema? As pessoas precisam disso pra viver! É importante também, por que não? Ou arruma um outro jeito de dizer isso que você está querendo dizer, sem dar nome a todas as coisas! Às vezes nomear tudo pode ser um problema.

MULHER QUE DITA: E o menino?

MULHER QUE DIGITA: O menino não é personagem da história!

(Tempo).

MULHER QUE DIGITA: O que eu estou querendo dizer é que não adianta se queimar, se pôr em risco pra falar disso. Se a carta da Dalva chegou até você, é porque você tem como ajudar essas mulheres, mas de outro jeito, não assim. É trabalho jogado no lixo, vão recusar os originais. Não vê?

(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Além disso, a sinopse original era outra. Eles não vão aceitar essa modificação agora.

MULHER QUE DITA: Só se for mesmo cifrada. (Tempo) Você faria isso?

MULHER QUE DIGITA: Talvez. Não sei. Talvez. No seu lugar, sim.

MULHER QUE DITA: É isso então.

MULHER QUE DIGITA: Que bom que você concorda.

MULHER QUE DITA: Já dura meses.

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MULHER QUE DIGITA: É temporário... Essa situação toda é temporária.

MULHER QUE DITA: Parece um século.

MULHER QUE DIGITA: Essa situação toda é emergencial.

MULHER QUE DITA: Vai acontecer com ela o que aconteceu com todas as outras. Ela vai cair no esquecimento. Sabe o que isso significa? O que está acontecendo não vai passar, não é emergencial. E isso está na nossa porta, nós temos tudo a ver com isso.

MULHER QUE DIGITA: Olha, eu sei que todas temos nossa parte nisso, mas eu também acho que isso vai passar, vai passar, vai passar!

MULHER QUE DITA: Não vai passar, as coisas não passam desse jeito!

MULHER QUE DIGITA: Passam sim! Tem que passar! Você não vê? É essa pressão, essa falta de sono, de silêncio, sei lá... É isso que está te perturbando, que está nos deixando assim. Vamos encerrar por hoje, que tal? Amanhã, mais descansadas, rendemos mais; de dia tudo é mais fácil...

MULHER QUE DITA: Não, vamos terminar isso hoje.

MULHER QUE DIGITA: Não dá tempo.

MULHER QUE DITA: Você vai se arriscar a sair depois do toque? Olha a hora, são quase dez horas.

MULHER QUE DIGITA (pegando suas coisas desajeitadamente): Ai, meu Deus, olha aí. Eu vou correr, vai dar tempo. Eu não vou passar a noite aqui trabalhando nisso, tenho coisa pra fazer amanhã cedo.

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MULHER QUE DITA: Não seja estúpida! Pensa: quem é esse homem que estava na esquina? Acha que é ex-marido, que foi bandido? Você vai ter mesmo coragem de sair sem saber?

(Mulher que digita, com as coisas nas mãos, parada)

MULHER QUE DIGITA: Eu estou indo. Até amanhã.

MULHER QUE DITA: “O pescoço foi pressionado com força, sobre a pele, próximo à carótida, impressões digitais dos polegares e dos dedos indicadores impressas, a expressão ficou congelada, olhos saltaram para fora das órbitas; rosto: inchado, azul, um balão de hélio; marcas de molares inferiores e superiores da parte esquerda da arcada encontrados no tórax, marcas de superfície perfurante no ânus, orelhas, axilas”.

(Mulher que digita paralisada, ouvindo-a)

MULHER QUE DIGITA: Mas eu não fiz nada, não preciso ter medo de nada!

MULHER QUE DITA: Nem ela havia feito coisa alguma!

MULHER QUE DIGITA: Ela estava enviando cartas!

MULHER QUE DITA: E você sabe o conteúdo de uma delas!

(Tempo)

(Mulher que digita se senta com suas coisas nas mãos)

MULHER QUE DIGITA: Eu sei. (...) Ela morava num sobrado na Vila Zélia, tinha três filhos, o menino morava com ela; ele tinha 15 anos... Ela... gostava de ouvir música... num rádio velho. Passando roupa.

(Tempo)

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MULHER QUE DIGITA: Mas presta atenção: é um tiro no pé escrever as coisas dessa maneira.

MULHER QUE DITA: É por isso que eu te chamei aqui.

MULHER QUE DIGITA: Pra quê? Pra te dizer isso?

MULHER QUE DITA: Pra ficar com a carta da Dalva.

MULHER QUE DIGITA: Ah, não! Isso eu não posso.

MULHER QUE DITA: Pra terminar essa história pra mim.

MULHER QUE DIGITA: Quê?

MULHER QUE DITA: Eu não sei mais escrever isso.

MULHER QUE DIGITA: É claro que sabe. Só não precisa colocar as coisas no texto dessa maneira.

MULHER QUE DITA: A revista não vai publicar do meu jeito.

MULHER QUE DIGITA: Fale de outro jeito. (Tempo). Espera aí. Você já falou com eles, não falou? Eles sabem que a história é da...

MULHER QUE DITA: Eles não vão publicar do jeito que eu quero e eu não sei escrever como eles gostariam.

MULHER QUE DIGITA: Tem outro jeito de escrever isso e você sabe como!

MULHER QUE DITA: Quero que você termine essa história.

MULHER QUE DIGITA: Mas eu não tenho condições!

MULHER QUE DITA: Você sabe terminar.

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MULHER QUE DIGITA: Eu sou apenas a mulher que digita, não sei escrever histórias; o que eu faço é ouvir, copiar, repetir, ouvir, copiar, repetir, ouvir...

MULHER QUE DITA: Eu confio em você pra escrever...

MULHER QUE DIGITA: ...copiar, repetir, ouvir, copiar, repetir...

MULHER QUE DITA: ...essa história até o fim.

MULHER QUE DIGITA: Ouvir.

MULHER QUE DITA: Eu vou me juntar a elas.

MULHER QUE DIGITA: Não seja louca!

MULHER QUE DITA: Eu não aguento mais ficar em casa ouvindo isso. Ouça!

MULHER QUE DIGITA: Como não aguenta? Aguenta sim, aguenta. Todas aguentamos!

MULHER QUE DITA: E sem poder fazer nada.

MULHER QUE DIGITA: Você está cansada; presta atenção...

MULHER QUE DITA: Não, presta atenção você. Fique com a carta, faça o que quiser com ela, destrua, se precisar, mas use-a do seu jeito prático, sobrevivente, cifrado, correto. Você é a mulher que digita, é uma mulher comum, como todas somos. Você acorda cedo, toma o seu café, sai para trabalhar na hora certa, faz o seu trabalho como uma mulher correta, depois vem fazer esse trabalho comigo, é sempre um dinheirinho a mais no seu mês curto, você não gosta de dever, se preocupa em fazer a coisa certa; você sempre está em casa muito antes do toque de recolher, vai dormir na sua cama de lençóis exemplarmente esticados

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muito antes do horário em que todas aquelas mulheres deveriam estar na cama. E você também não dorme.

(Gritos ainda mais altos vindos da rua)

MULHER QUE DIGITA: Meu Deus.

MULHER QUE DITA: Use tudo isso a favor da história.

MULHER QUE DIGITA: Já deu dez horas?

MULHER QUE DITA: Fique com a casa também.

MULHER QUE DIGITA: São dez horas?!

MULHER QUE DITA (alto): Presta atenção!

(Mulher que digita se cala)

(Elas se olham)

MULHER QUE DITA: São dez horas agora. Termine isso.

MULHER QUE DIGITA: Você não percebe?

MULHER QUE DITA: É importante que se publique isso.

MULHER QUE DIGITA: ...eu não tenho condições...

MULHER QUE DITA: É o que você me disse:

MULHER QUE DIGITA: ...de assumir o seu lugar dessa maneira...

MULHER QUE DITA: “Se a carta da Dalva chegou até você”

MULHER QUE DIGITA: ...porque eu só ouço, copio, repito...

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MULHER QUE DITA: “é porque você tem como ajudar essas mulheres”

MULHER QUE DIGITA: ...ouço, copio, repito...

MULHER QUE DITA: “mas de outro jeito, não assim.”

MULHER QUE DIGITA: ...como uma mulher que apenas digita.

MULHER QUE DITA: Eu não sei mais o que dizer.

MULHER QUE DIGITA: Eu não sei mais o que dizer.

MULHER QUE DITA: Eu estou indo.

(Mulher que dita faz menção de sair, dirige-se à porta. Mulher que digita vai atrás dela e a impede, com o corpo, como pode)

MULHER QUE DIGITA: Não! Não saia. É suicídio!

MULHER QUE DITA: Me solta!

(Elas lutam, enquanto falam desordenadamente e ao mesmo tempo. Essa briga se estende até que o discurso das duas se contamine e elas falem as mesmas palavras ao final, cansadas, emocionadas, exauridas)

MULHER QUE DITA (lutando com a Mulher que digita): Não adianta ficar, não adianta, eu não vou ficar aqui mais, eu já me decidi, me solta, eu não sei continuar isso, você vai saber seguir de outra maneira; eu não fico mais nessa casa, presa, sem poder sair, sem conseguir dormir, sendo obrigada a tomar remédios para dormir, sem conseguir escrever – e você, você está apenas com medo de fazer o que é preciso ser feito, mas as coisas que precisam ser feitas têm a força que nos leva a terminá-las!

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MULHER QUE DIGITA (lutando com a Mulher que dita): Não adianta sair, não adianta, eu não vou ficar no seu lugar, essa decisão não é sua, não vou te soltar, você sabe continuar isso, você vai saber seguir de outra maneira; eu não fico na sua casa, ela não é minha, não é isso que vai me fazer dormir, não vai aliviar o uso dos remédios para dormir, imagina, escrever! – e você, você está apenas com medo de fazer o que é preciso ser feito, mas as coisas que precisam ser feitas têm a força que nos leva a terminá-las!

(Elas desistem, cansadas)

(Elas se largam)

MULHER QUE DIGITA: O que você disse?

MULHER QUE DITA: O que você falou?

(Ofegantes, tristes, resignadas)

MULHER QUE DIGITA: Eu não acredito no que está acontecendo.

MULHER QUE DITA: Eu sei. Nem eu.

(Elas se olham)

(Tempo)

(Finalmente: silêncio)

MULHER QUE DIGITA: Escuta. Parou.

MULHER QUE DITA: Mas é por pouco tempo.

MULHER QUE DIGITA: É. Eu sei.

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MULHER QUE DITA: Ouve.

(Elas ouvem o silêncio)

MULHER QUE DIGITA: É tão... raro. A essa hora.

MULHER QUE DITA: Sim.

MULHER QUE DIGITA: Nem me lembro mais quando não era assim. MULHER QUE DITA: E vai durar pouco. Esse silêncio, a essa hora.

(Mulher que digita olha para a Mulher que dita. Toma coragem)

MULHER QUE DIGITA: Você tem certeza?

MULHER QUE DITA: Você vai ficar?

MULHER QUE DIGITA: Eu não acredito no que está acontecendo.

MULHER QUE DITA: Eu sei.

MULHER QUE DIGITA: Eu não posso acreditar que isso esteja acontecendo.

MULHER QUE DITA: Nem eu.

MULHER QUE DIGITA: E agora?

MULHER QUE DITA: Você me diz.

(Elas se olham)

MULHER QUE DIGITA: Eu.

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(Tempo)

MULHER QUE DIGITA: Tá certo. Eu fico.

MULHER QUE DITA: Eu vou.

(Mulher que dita passa as mãos no rosto, toma coragem)

(Abre a porta da casa, não se volta para trás)

(E sai)

(Quando a porta se abrir: lamento de vozes femininas retornam e podem se fundir, gradativamente, à música Strange Fruit, na voz de Billie Holiday)

(A música sobe, enquanto a luz cai)

FIM

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Prefeitura de São Paulo João DoriaSecretaria de Cultura André Sturm

Centro Cultural São Paulo | Direção Geral Cadão Volpato Coordenação de Curadoria Cadão Volpato Supervisão de Ação Cultural Adriane Bertini e equipe Supervisão de Acervo Eduardo Navarro Niero Filho e equipe Supervisão de Bibliotecas Juliana Lazarim e equipe Supervisão de Informação Juliene Codognotto e equipe Supervisão de Produção Luciana Mantovani e equipe Coordenação Administrativa Everton Alves de Souza e equipe Coordenação de Projetos Kelly Santiago e Walter Tadeu Hardt de Siqueira

A Mulher que Digita | Estreou no Centro Cultural São Paulo em 04/08/2017 e realizou temporada até 27/08/2017 | Dramaturgia Carla Kinzo Direção Isabel Teixeira Co-Direção Lucas Brandão Elenco Andrea Tedesco e Sabrina Greve Iluminação Aline Santini Trilha sonora Aline Meyer Cenografi a Todos nós e Michel Castro Figurino Todos nós e Marcelo Leão Imagens Roberto Setton e Paulo F. Camacho Design gráfi co Ateliê Fora de Esquadro Assistência de Produção Verônica Jesus Produção Anayan Moretto

Neste espetáculo cada profi ssional, além de ser responsável pela sua área, é também pela concepção geral da obra.

CCSP | Curadoria de Teatro Kil Abreu e Lucas Cavalcante de Almeida (estagiário) Edição Danilo Satou Revisão Paulo Vinicio de Brito Projeto Gráfi co Solange de Azevedo Impressão Laboratório gráfi co do CCSP

realização apoio

Texto vencedor do Edital da III Mostra de dramaturgia em pequenos formatos cênicos do Centro Cultural São Paulo

Prefi xo Editorial: 99954Número ISBN: 978-85-99954-10-2Título: A mulher que digitaTipo de Suporte: Papel

distribuição gratuita no CCSPtiragem 2000 exemplaresSão Paulo, 2017

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R. Vergueiro, 1000 / CEP 01504-000Paraíso / São Paulo SP / Metrô Vergueiro11 3397 [email protected]