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A GRANJA | 75 Plantio Direto e calagem na reforma da CANA CRUA PLANTIO DIRETO Denizart Bolonhezi, Eng. o Agr. o , Dr., pesquisador científico VI – APTA/IAC – Programa de Pesquisa SPDireto A área em cultivo de cana-de-açú- car na região Centro-Sul do Bra- sil, estimada em 7 milhões de hec- tares, cresceu 54,6% entre 2006 e 2010. Esta expansão, contudo, não tem sido su- ficiente para suprir a demanda interna de etanol, estimada em 15 bilhões de litros, desequilíbrio que resultou na importação de 1,2 bilhão de litros de etanol em 2011. Para equilibrar o mercado interno de 56 bilhões de litros de etanol em 2015, serão necessárias mais 113 usinas e investimen- to ao redor de R$ 27 bilhões (Torquato & Ramos, 2011). Em virtude de adversida- des climáticas, falta de planejamento e in- vestimento no campo, a produção e a pro- dutividade de cana-de-açúcar foram redu- zidas na última safra em 14,8% e 15%, respectivamente. A reforma dos canaviais antigos é uma das estratégias para aumen- tar a produtividade de colmos. Neste sen- tido, recentemente foram anunciados estí- mulos governamentais para reforma, por meio do aumento de linhas de crédito com juros baixos. Associadas a este contexto, as exigên- cias ambientais e as dificuldades trabalhis- tas contribuíram para antecipar o término das queimadas. Protocolo estabelecido en- tre as usinas do setor sucroenergético e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo determina que a partir de 2014 todos os canaviais em áreas com possibili- dade de mecanização (declividade menor que 12%) serão colhidos sem queima pré- via. Na última safra paulista, a área com cana colhida sem queima, sistema conhe- cido como cana crua, já representou apro- ximadamente 2,5 milhões de hectares (60% do total). As vantagens agronômicas deste Fotos: Divulgação Já existe lastro técnico- científico para adoção do plantio direto na reforma de canaviais colhidos sem queima, tanto para as culturas de sucessão (como soja) quanto para cana

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A GRANJA | 75

Plantio Direto e calagemna reforma da

CANA CRUA

PLANTIO DIRETO

Denizart Bolonhezi, Eng.o Agr.o, Dr., pesquisador científico VI – APTA/IAC – Programa de Pesquisa SPDireto

A área em cultivo de cana-de-açú-car na região Centro-Sul do Bra-sil, estimada em 7 milhões de hec-

tares, cresceu 54,6% entre 2006 e 2010.Esta expansão, contudo, não tem sido su-ficiente para suprir a demanda interna deetanol, estimada em 15 bilhões de litros,desequilíbrio que resultou na importaçãode 1,2 bilhão de litros de etanol em 2011.Para equilibrar o mercado interno de 56bilhões de litros de etanol em 2015, serãonecessárias mais 113 usinas e investimen-to ao redor de R$ 27 bilhões (Torquato &Ramos, 2011). Em virtude de adversida-des climáticas, falta de planejamento e in-vestimento no campo, a produção e a pro-dutividade de cana-de-açúcar foram redu-zidas na última safra em 14,8% e 15%,respectivamente. A reforma dos canaviaisantigos é uma das estratégias para aumen-tar a produtividade de colmos. Neste sen-tido, recentemente foram anunciados estí-mulos governamentais para reforma, pormeio do aumento de linhas de crédito comjuros baixos.

Associadas a este contexto, as exigên-cias ambientais e as dificuldades trabalhis-tas contribuíram para antecipar o términodas queimadas. Protocolo estabelecido en-tre as usinas do setor sucroenergético e aSecretaria do Meio Ambiente do Estado de

São Paulo determina que a partir de 2014todos os canaviais em áreas com possibili-dade de mecanização (declividade menorque 12%) serão colhidos sem queima pré-via. Na última safra paulista, a área comcana colhida sem queima, sistema conhe-cido como cana crua, já representou apro-ximadamente 2,5 milhões de hectares (60%do total). As vantagens agronômicas deste

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ção

Já existe lastro técnico-científico para adoção doplantio direto na reforma

de canaviais colhidossem queima, tanto paraas culturas de sucessão

(como soja) quanto paracana

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PLANTIO DIRETO

sistema são perdidas no momento da re-novação, realizada a cada cinco cortes,quando se utiliza manejo convencional depreparo do solo, o qual é justificado princi-palmente para atenuar problemas de com-pactação decorrentes da intensa mecani-zação, da necessidade de incorporar cor-retivos e reduzir infestação de pragas. Emcondição de cana crua, o custo com pre-paro do solo aumenta em 30%, e os pro-blemas de erosão e emissão de gases doefeito estufa decorrentes do revolvimentoaumentam em dez e seis vezes, respecti-vamente. Convém salientar que os terra-ços em áreas de colheita mecanizada nãosão compatíveis com os recomendadospara as culturas de sucessão.

Nestas condições, é desejável a adoçãodos princípios da agricultura conservacio-nista, que tem como alicerces o mínimorevolvimento do solo, a manutenção deresíduos na superfície e o uso de rotaçãode culturas (Derpsch et al., 2011). O siste-ma plantio direto apresenta estes princípi-os e compreende cerca de 25 milhões dehectares com produção de grãos no Brasil,porém é muito pouco utilizado na culturada cana-de-açúcar. Contudo, no início dadécada de 1980, a cana-de-açúcar foi umadas primeiras culturas a testar o herbicidaglifosato, com finalidade de reduzir opera-ções de preparo do solo, sistema conheci-do como cultivo mínimo. Naquela época,pesquisas apontavam que o plantio diretopoderia ser empregado em pelo menos 40%dos canaviais paulistas, todavia o custo do

herbicida inviabilizava sua adoção. Desdeentão, equivocadamente, predomina o con-ceito de preparo profundo e intensivo paraa obtenção de bons resultados agronômi-cos para esta cultura.

Considerando a carência de informa-ções sobre os benefícios e desafios do plan-tio direto no sistema de produção da canacrua, em 1998 foi implantada pesquisa delonga duração na Estação Experimental doInstituto Agronômico/Apta, atual Centro deCana-de-Açúcar da Secretaria de Agricul-tura, localizada em Ribeirão Preto/SP, sob

condição de solo classi-ficado como LatossoloVermelho eutroférricomuito argiloso. Comapoio da Fundação Agri-sus, a pesquisa encon-tra-se com 13 anos inin-terruptos de adoção doplantio direto. Neste pro-jeto são avaliados dois

Plantio de soja sobre a palhade cana, pesquisa

desenvolvida com apoio daFundação Agrisus que é

realizada por 13 anosininterruptos de adoção do

plantio direto

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to, para os atributos químicos da fertilida-de; V%, pH, CTC, Ca2+, Mg2+ e fósforonas camadas 0-5 e 5-10 cm, embora abai-xo de 20 cm a magnitude dos aumentostenha sido menor que no sistema conven-cional. Porém, o calcário residual (não re-agido no período) no plantio direto aumen-tou 14 vezes em relação ao ano de 1999,na camada de 0-5 cm.

Mesmo com tráfego de colhedoras,não foram verificadas alterações significa-tivas nas características físicas do solo. Amaior umidade no solo (de 5% a 18%maior) no plantio direto pode ter atenuadoo aumento na compactação. O crescimentodo sistema radicular é um bom indicadordas boas condições físicas do solo no sis-tema plantio direto, pois no final da prima-vera a biomassa seca de raízes foi 1,7 to-nelada/hectare maior no manejo conserva-cionista. Como cerca de 60% das raízesde cana estão concentradas nos primeiros30 cm, a maior biomassa é preservada noplantio direto ao longo dos cortes, razãopela qual foi constatado aumento de 5,3 t/ha no estoque de carbono neste manejoconservacionista. Convém salientar que, nacolheita da cana-de-açúcar, o palhiço é dis-tribuído uniformemente entre os tratamen-tos de preparo. Depreende-se disto queocorre efetivo sequestro de carbono quan-do se associa colheita de cana crua complantio direto. Com relação às característi-cas agronômicas, no plantio direto as fa-lhas no estande inicial foram 9% menores,o perfilhamento a partir dos 135 DAP e abiomassa da parte aérea foram maiores. Aprodutividade de colmo apresentou respostaquadrática nos dois sistemas de manejo paraa média dois primeiros cortes da variedadeIAC-955000. Quanto às características tec-nológicas, foram verificadas diferenças es-tatísticas entre os sistemas somente na canaplanta, com ATR máximo de 166 no siste-ma plantio direto na dose 2 t/ha de calcá-rio.

Desafios — Estes resultados contri-buem sobremaneira para tomada de deci-são quando se planeja a reforma dos cana-viais. Embora existam vários aspectos fa-voráveis para adoção do plantio direto nareforma de cana crua, também existemdesafios, tais como a compactação dascamadas superficiais, o pisoteio de soqueirapelas colhedoras mecânicas, a presença dealtas infestações de pragas de solo (Mig-dolus sp.e Sphenoforus sp.) de difícil con-trole e mesmo a correção de alumínio emsubsuperfície. Todavia, as validações co-

merciais têm sinalizado que estes proble-mas podem ser contornados e não se jus-tifica prática de preparo convencional ge-neralizada, que implica em mais prejuízosque benefícios. Portanto, na perspectivaconservacionista, os reais desafios são aretirada do palhiço do campo, com finali-dade de aumentar matéria-prima para co-geração de energia e para produzir etanolde segunda geração e o crescimento dosplantios de cana de inverno (utiliza-se des-truidor mecânico de soqueira e não permi-te cultivo de leguminosa na reforma).

Por fim, vale salientar que já existelastro técnico-científico para adoção doplantio direto na reforma de canaviais co-lhidos sem queima, tanto para as culturasde sucessão (soja, amendoim, adubosverdes) quanto para cana-de-açúcar, per-mitindo assim fechar o ciclo da sustenta-bilidade, conferindo redução de 40% noscustos de implantação do canavial, maiorprodutividade e ganhos ambientais. Con-siderando a região Centro-Sul, existe po-tencial de aplicação destes princípios emcerca de 1 milhão de hectares de canavi-ais. Plantio direto de cana somente serásolução se houver rotação!

sistemas de manejo do solo (plantio diretoe convencional) e quatro doses de calcário(0, 2, 4 e 6 toneladas/hectare de calcáriodolomítico), tendo a soja como cultura desucessão. Desde o início da pesquisa, ocanavial já foi reformado três vezes comreaplicação do calcário, tendo sempre a sojacomo cultura de sucessão. A cultivar decana-de-açúcar no presente ciclo (IAC-95-5000) foi plantada em março de 2010 eencontra-se no segundo corte. Todas asoperações são mecanizadas, inclusive acolheita, fato que confere validação práticados resultados apresentados a seguir.

Com relação à fertilidade do solo, pode-se concluir, até o momento, que a aplica-ção superficial de calcário no plantio dire-to, após 12 anos, proporcionou alteraçõesnos principais atributos químicos do solo,somente na camada de 0 a 10 centíme-tros. Houve aumento linear em função dasdoses de calcário em todas as profundida-des (0 até 60 cm) no sistema plantio dire-

É desejável a adoção dosprincípios da agricultura

conservacionista, que temcomo alicerces o mínimorevolvimento do solo, a

manutenção de resíduosna superfície e o uso de

rotação de culturas