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A GRANJA | 65 A dinâmica da CALAGEM no Sistema de Plantio Direto PLANTIO DIRETO Eng. Agr. Luiz Henrique Marcandalli, mestrando em Ciências no Centro de Energia Nuclear na Agricultura CENA/USP O início do século XXI está sen- do marcado pela preocupação mundial com os impactos ambi- entais, além da busca de alternativas vi- áveis para minimizá-los, sem, no entan- to, acarretar alterações significativas nos níveis de vida da sociedade. Na agricul- tura, os esforços se concentraram em almejar a recuperação do equilíbrio na- tural do solo, que passa, necessariamen- te, pelo uso de sistemas de produção sustentáveis, do ponto de vista ambien- tal e econômico. Neste contexto que se consolidou o Sistema Plantio Direto (SPD), que se- gundo a Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha (Febrapdp) teve acrés- cimos anuais sucessivos em área plan- tada. Atingiu mais de 35 milhões de hec- tares na última safra, sendo que 61% dessa área é cultivada com soja, segui- da por milho primeira safra (16,1%), milho segunda safra (14,3%) e trigo (7%). Este sistema é caracterizado pela mobilização de solo somente na linha de semeadura, sendo o cultivo feito sobre palha, influenciando assim, a conserva- ção da água e do solo, a fertilidade, o aproveitamento de insumos, o controle de plantas invasoras, os custos de pro- dução e a estabilidade de produção, as- O cultivo feito sobre a palhada da safra anterior favorece a conservação da água e do solo, melhora a fertilidade e o aproveitamento de insumos, e ainda facilita o controle das invasoras Fotos: Divulgação sim como as condições de vida do pro- dutor rural e também da sociedade ur- bana. Nas áreas de cultivo convencional (com revolvimento do solo), a técnica utilizada para correção da acidificação é a calagem, que consiste na aplicação e

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A GRANJA | 65

A dinâmica daCALAGEM no Sistema de

Plantio Direto

PLANTIO DIRETO

Eng. Agr. Luiz Henrique Marcandalli, mestrando em Ciências no Centro de Energia Nuclear na Agricultura CENA/USP

O início do século XXI está sen-do marcado pela preocupaçãomundial com os impactos ambi-

entais, além da busca de alternativas vi-áveis para minimizá-los, sem, no entan-to, acarretar alterações significativas nosníveis de vida da sociedade. Na agricul-tura, os esforços se concentraram emalmejar a recuperação do equilíbrio na-tural do solo, que passa, necessariamen-te, pelo uso de sistemas de produçãosustentáveis, do ponto de vista ambien-tal e econômico.

Neste contexto que se consolidou oSistema Plantio Direto (SPD), que se-gundo a Federação Brasileira de PlantioDireto na Palha (Febrapdp) teve acrés-cimos anuais sucessivos em área plan-tada. Atingiu mais de 35 milhões de hec-tares na última safra, sendo que 61%dessa área é cultivada com soja, segui-da por milho primeira safra (16,1%),milho segunda safra (14,3%) e trigo(7%). Este sistema é caracterizado pelamobilização de solo somente na linha desemeadura, sendo o cultivo feito sobrepalha, influenciando assim, a conserva-ção da água e do solo, a fertilidade, oaproveitamento de insumos, o controlede plantas invasoras, os custos de pro-dução e a estabilidade de produção, as-

O cultivo feito sobre apalhada da safra anterior

favorece a conservação daágua e do solo, melhora a

fertilidade e oaproveitamento de insumos,

e ainda facilita o controledas invasoras

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sim como as condições de vida do pro-dutor rural e também da sociedade ur-bana.

Nas áreas de cultivo convencional(com revolvimento do solo), a técnicautilizada para correção da acidificação éa calagem, que consiste na aplicação e

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PLANTIO DIRETO

incorporação (0-0,2 m) do calcário paraadsorção do íon H+ e aumento do pH.No cultivo pelo Sistema Plantio Direto,a fase de incorporação fica comprome-tida, pois não há revolvimento de solonesse sistema, e assim o calcário deveser aplicado todo em cobertura. Emcondições de SPD, as alterações no pHsão observadas principalmente na ca-mada superficial, que apresenta umatendência de maior acidificação, contri-buindo para isso os resíduos de aduba-ção e a decomposição de matéria orgâ-nica, sobretudo de fertilizantes nitroge-nados.

No SPD, geralmente a prática dacalagem apresenta uma dinâmica dife-rente dos preparos convencionais, sen-do realizada superficialmente, esperan-do-se uma ação, do calcário, muito maislenta e restrita às camadas superficiaisdo solo. Resultados de pesquisas reali-zadas em solos brasileiros indicam pe-queno ou nenhum deslocamento do cal-cário no perfil do solo além do local deaplicação. Sendo assim, o pH e os teo-res de Ca e Mg trocáveis somente seri-am elevados na superfície do solo.

Para a aplicação de calcário nas áre-as com SPD, atualmente recomenda-se,antes de se iniciar o sistema, aplicar ocalcário a lanço na superfície do solo.Posteriormente, incorporá-lo com ara-do de discos, repetindo-se a aplicaçãoem superfície somente após três anosde cultivo. Salienta-se que o calcário

apresenta um efeito residual em tornode cinco anos nessa modalidade de cul-tivo. Rheinheimer, estudando as altera-ções químicas do solo em função dacalagem superficial a partir de pastagemnatural, concluiu que, antes de se inici-ar o SPD, há possibilidade de não seadotar o preparo convencional para cor-reção da acidez superficial e subsuper-ficial.

Procurando exemplificar os efeitosda calagem no SPD, Caires desenvol-veu um experimento em Latossolo Ver-melho-Escuro de Ponta Grossa/PR,para as culturas de milho e soja, anali-sando doses de calcário para elevar asaturação por bases a 50%, 70% e 90%.Constatou que a calagem realizada nasuperfície exerceu efeito sobre o pH,Al, Ca e Mg na camada superficial (0-0,1 m) e também nas camadas maisprofundas (0,2-0,4 m), ressaltando queem SPD existem canais formados porraízes mortas que são mantidos intac-tos devido à ausência de preparo dosolo. Isso propicia condições para amovimentação física do calcário emprofundidade, demonstrando assim exis-tir maneiras de se evitar a interrupçãodo SPD. Mantém-se, assim, as carac-terísticas físicas, químicas e biológicasdo solo, uma vez que são vitais para aobtenção de êxito neste sistema de cul-tivo, fato também constatado por Ama-ral, que observou a contribuição do cal-cário aplicado em superfície no subso-lo por meio da água infiltrada no solo.

Diante das evidências quanto à açãobenéfica da calagem superficial atuan-do nas primeiras camadas abaixo daO plantio direto já atingiu

mais de 35 milhões dehectares na última safra,

sendo que 61% dessa área éde soja, além de milho

primeira safra (16,1%) emilho safrinha (14,3%)

superfície do solo, Sá observa que ocalcário colocado em superfície corri-ge a acidez, aumentando significativa-mente o pH e elevando os teores de Cae Mg trocáveis até a profundidade decinco centímetros e, em menor grau,nas camadas mais profundas. Esse com-portamento do calcário, aplicado emsuperfície, pode ser explicado, segun-do Rheinheimer, em função da mobili-zação do solo na linha de semeadura,possibilitando a incorporação do calcá-rio nesta região, com os repetidos ci-clos de cultivo, podendo auxiliar namovimentação descendente de suas par-tículas, mas não além da profundidadede semeadura.

Em trabalhos realizados no cerradobrasileiro, observa-se que a dinâmica docalcário no solo diferencia-se da obser-vada em regiões subtropicais. Nas ta-belas podemos visualizar o efeito dosmodos de aplicação de calcário no iní-cio do SPD, sobre os atributos do solo,após o nono ano de cultivo com soja emilho em área de cerrado.

Esse estudo foi realizado em Selví-ria/MS no período de 2000 a 2010, emuma região com vegetação típica decerrado cujas coordenadas geográficassão 51°22’W e 20°22’S, com aproxi-madamente 335 metros de altitude, apre-sentando 1.370 milímetros de precipi-tação média anual, 23,5ºC de tempera-tura média anual e umidade relativa doar média de 64,8%. O solo característi-co da área experimental foi classificadocomo Latossolo Vermelho distrófico tí-pico argiloso (LVd).

Nesse estudo podemos observar queo uso da calagem em superfície no iní-cio do SPD apresentou os melhores re-sultados, quanto a melhoria das condi-ções químicas do solo. Nas Tabelas 1 e2, os teores de MO e valores de pH,respectivamente, encontrados nas ca-madas até 0,40 m foram superiores coma aplicação em superfície, mostrandoum efeito residual maior com essa for-ma de aplicação.

Tabela 1: Efeito sobre a MO dosolo - g/dm3

cm Incorporado Superficial Sem calcário0/5 22 22 205/10 16 18 1410/20 12 14 1320/40 11 13 12

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Tabela 2: Efeito sobre pH do solo - pHcm Incorporado Superficial Sem calcário

0/5 5.1 5.8 5.25/10 4.2 5.0 4.310/20 4.0 4.2 4.020/40 4.1 4.2 4.1

Na determinação do Al+3 (Tabela 3),observamos que na camada até 0,05metro não há presença desse elemento,isso devido os teores de pH nessa ca-mada estarem na faixa de 5 a 6. Porém,nas demais camadas analisadas, a pre-sença desse é observada, sendo os mai-ores teores onde não houve aplicaçãode calcário ou nas camadas de 0,10 a0,40 m.

O uso da calagem em superfície tam-bém apresentou aumento no teor decálcio do solo (Tabela 4) e na saturaçãopor bases (Tabela 5), principalmente nacamada até 0,1 m, o que confirma oefeito residual do calcário nesse modode aplicação, concordando com Rhei-nheimer no uso da calagem superficialno início do SPD.

Tabela 3: Efeito sobre o Alumíniotrocável - mmolcdm3

cm Incorporado Superficial Sem calcário

0/5 0 0 05/10 2.3 1.0 3.910/20 4.1 3.8 4.920/40 4.2 4.3 4.2

Tabela 4: Efeito sobre o cálcio do solo -mmolcdm3

cm Incorporado Superficial Sem calcário

0/5 28 32 255/10 12 17 1210/20 13 9 720/40 5 8 8

Tabela 5: Efeito sobre saturação do solo -Sat. bases (%)

cm Incorporado Superficial Sem calcário

0/5 40 56 385/10 20 50 2210/20 18 21 1120/40 11 19 18

Efeitos — Assim podemos obser-var que o uso da calagem em superfícieno SPD apresenta efeitos, a longo pra-zo, melhores que a incorporação desseinsumo no início do sistema, devido àsua maior concentração e persistêncianessa camada inicial do solo. Com asnovas pesquisas acerca da calagem em

SPD, atualmente podemos definir algu-mas estratégias de manejo, específicaspara cada região, que auxiliem na utili-zação do calcário em SPD sem a ne-cessidade de revolvimento do solo e in-terrupção do sistema.

Para tanto, devemos inicialmenteconsiderar as reais condições de ondeiremos instalar o SPD, realizando umlevantamento agronômico da área (his-tórico de produção, manejos anteriores,fertilidade, controle fitossanitário, etc.),e, depois, tomarmos as decisões corre-tas. Alguns trabalhos também indicamque em áreas de Cerrado se faz neces-sário a correção do solo nas camadassuperficiais (calagem) e subsuperficiais(gessagem) no início do SPD. Depoisdisso, realizar regularmente calagens emsuperfície com doses reduzidas, bus-cando corrigir as alterações que ocor-rem na camada até 5 centímetros (quesão mais acentuadas no SPD). Porém,sempre realizando as análises do solo até20 centímetros de profundidade, paramonitoramento da fertilidade do solo.

Trabalho apresentado no 33º CongressoBrasileiro de Ciência do Solo com

participação apoiada pela Fundação AgrisusProjeto PA824/11

"Podemos observar que o uso da calagem em superfície no SPDapresenta efeitos, a longo prazo, melhores que a incorporação desse

insumo no início do sistema, situação devido à sua maior concentração epersistência nessa camada inicial do solo", analisa Marcandalli