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1 Plantas transgênicas e o impacto ambiental: o caso da soja resistente a glifosato Juliano Ricardo Farias a, Ervandil Corrêa Costa b* a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Centro de Ciências Rurais, Campus Universitário, Bairro Camobi, Prédio 42, sala 3225, CEP 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. [email protected] , [email protected] ; * Autor para correspondência: +55 (55) 3220 8015 – ramal 29. [email protected] Palavras-chave: transgenia; escape gênico; plantas daninhas. Título abreviado: Soja resistente a glifosato ABSTRACT Since agriculture was the ten thousand years man has to improve the plants. In the beginning was used only to select individuals who had the feature required. Over time, especially after the discovery of the Mendel´s laws, it started targeting the crosses of plants and more recently with the discovery of DNA and the development of techniques of genetic engineering, the transgenic. Many crops have been modified by genetic engineering techniques, among them there is a soybean resistant to glyphosate herbicide, but much is discussed about the environmental impacts about this crop, especially on the gene exhaust and the massive use of glyphosate, which may lead to the development of resistant populations of weeds. As gene exhaust the possibility is very small especially in Brazil. But the development of weeds resistant to this herbicide, in Brazil today, is recorded four species resistant. RESUMO Desde que a agricultura surgiu a dez mil anos o homem passou a melhorar as plantas. No inicio se utilizava somente da escolha dos indivíduos que apresentavam a característica requerida. Com o passar do tempo, especialmente após a descoberta das leis de Mendel,

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Plantas transgênicas e o impacto ambiental: o caso da soja resistente a glifosato

Juliano Ricardo Farias a, Ervandil Corrêa Costa b*

a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Centro de Ciências Rurais, Campus

Universitário, Bairro Camobi, Prédio 42, sala 3225, CEP 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil.

[email protected], [email protected];

* Autor para correspondência: +55 (55) 3220 8015 – ramal 29. [email protected]

Palavras-chave: transgenia; escape gênico; plantas daninhas.

Título abreviado: Soja resistente a glifosato

ABSTRACT

Since agriculture was the ten thousand years man has to improve the plants. In the

beginning was used only to select individuals who had the feature required. Over time,

especially after the discovery of the Mendel´s laws, it started targeting the crosses of plants

and more recently with the discovery of DNA and the development of techniques of genetic

engineering, the transgenic. Many crops have been modified by genetic engineering

techniques, among them there is a soybean resistant to glyphosate herbicide, but much is

discussed about the environmental impacts about this crop, especially on the gene exhaust and

the massive use of glyphosate, which may lead to the development of resistant populations of

weeds. As gene exhaust the possibility is very small especially in Brazil. But the development

of weeds resistant to this herbicide, in Brazil today, is recorded four species resistant.

RESUMO

Desde que a agricultura surgiu a dez mil anos o homem passou a melhorar as plantas.

No inicio se utilizava somente da escolha dos indivíduos que apresentavam a característica

requerida. Com o passar do tempo, especialmente após a descoberta das leis de Mendel,

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iniciou-se os cruzamentos dirigidos de plantas e mais recentemente com a descoberta do DNA

e o desenvolvimento de técnicas de engenharia genética, a transgenia. Muitas culturas, já

foram modificadas por técnicas de engenharia genética, dentre estas se destaca a soja

resistente ao herbicida glifosato. Muito se discute quanto aos impactos ambientais dessa

cultura, especialmente quanto ao escape gênico e ao uso massivo de glifosato, que poderia

levar ao desenvolvimento de populações resistentes de plantas daninhas. Quanto ao escape

gênico a possibilidade é pequena, especialmente no Brasil. Porém quanto ao desenvolvimento

de plantas daninhas resistentes a esse herbicida, no Brasil, já são registrados quatro espécies

resistentes.

INTRODUÇÃO

A transição da fase de coleta e caça para a agricultura ocorreu há cerca de dez mil

anos. Naquela época iniciou-se a domesticação da maioria das espécies cultivadas, dando

início às atividades agrícolas (Borém & Milach, 1999) em uma região situada entre os rios

Nilo, Tigre e Eufrates, conhecida por Crescente Fértil (Almeida, 2009).

Com o passar dos tempos o homem passou de caçador-pescador-extrativista para

criador de animais e agricultor, mais tarde chegando a Revolução Agrícola (Borém & Milach,

1999), que é onde ocorreu um grande desenvolvimento de máquinas, uso da química (adubos

e agrotóxicos), bem como o desenvolvimento de cultivares mais produtivas, através de

programas de melhoramento genético de plantas (Burnquist, 1997). Isso possibilitou que dos

250 ha de terra para alimentar um homem por ano na pré-história, chegou-se a 1 ha por pessoa

por ano, atualmente (Borém & Milach, 1999).

O melhoramento de plantas não nasceu com a revolução agrícola e sim junto com a

agricultura. Na verdade é difícil precisar se foi à agricultura que incentivou a prática do

melhoramento de plantas pelos primeiros agricultores ou vice-versa. Provavelmente, ambos

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evoluíram paralelamente na direção de aumentos da qualidade e da produtividade das culturas

domesticadas pelo homem (Borém & Milach, 1999).

Após a redescoberta das leis de Mendel, e com o avanço de outros ramos científicos, o

melhoramento de plantas passou a um novo patamar, com a possibilidade de criação de novos

tipos de plantas, pela modificação dirigida dos caracteres hereditários (Borém & Milach,

1999). Porém o grande passo para a nova era do melhoramento de plantas, a da biotecnologia,

se deu com a descoberta do DNA. Somente depois da descoberta a estrutura do DNA foi

possível desvendar o código genético e um novo capítulo da genética teve início (Arias,

2004), a da era da biologia molecular (Borém & Milach, 1999) considerada como a terceira

revolução ou “biorevolução”, segundo Burnquist (1997).

Esse trabalho teve como objetivo discutir os principais impactos da soja transgênica

resistente ao glifosato no meio ambiente Brasileiro. O trabalho teve como ponto de partida as

plantas transgênicas, de modo geral, e após a origem e a evolução da soja como forma de

fundamentação para o foco principal que é o escape gênico e a resistência de plantas daninhas

ao glifosato. Como instrumento fundamental na elaboração deste trabalho foi usado o método

analítico.

DESENVOLVIMENTO

1. Transgênicos

1.1 Conceitos

Os transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGM) são plantas que

receberam genes desejáveis de outra espécie, o que não seria possível com o melhoramento

genético clássico. São plantas criadas em laboratório com técnicas de engenharia genética que

permitem "cortar e colar" genes de um organismo para outro, mudando a forma do organismo

e manipulando sua estrutura natural a fim de obter características específicas (Murassawa,

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2009). Para Nodari & Guerra (2001) pode se definir as plantas transgênicas como aquelas que

têm em seu genoma (conjunto de genes), uma ou mais seqüência de DNA manipulado em

laboratórios por técnicas de DNA recombinante ou engenharia genética.

O gene pode ser conceituado como a seqüência de ácidos desoxirribonucléicos (DNA)

que codifica as características herdáveis dos seres vivos (Borém, 2004), ou seja, é o segmento

do código genético capaz expressar (produzir) uma característica como a cor dos grãos de

feijão a estatura de plantas e a produtividade, sendo que algumas dessas características podem

ser expressas pela ação de mais de um gene. Como exemplo do tamanho do código genético o

das bactérias tem aproximadamente 5.000 genes, as plantas de 50.000 a 60.000 genes e os

seres humanos 100.000 genes (Gander & Macellino, 1997).

1.2 Culturas transgênicas

A revolução biotecnológica esta apenas no inicio e segundo Peres (2001) essa passará

por quatro ondas, onde a primeira que confere resistência a insetos e tolerância a herbicidas

esta apenas iniciando. A segunda onda, já esta bem adiantada e produzira plantas com maior

qualidade nutricional. A terceira e quarta onda será de produção de plantas como

características farmacêuticas e químicos específicos.

Em 2008, a área semeada com OGMs no mundo atingiu 125 milhões de hectares. Os

Estados Unidos lideram o ranking com 62,5 milhões de hectares, seguido da Argentina com

21 milhões hectares e o Brasil, com 15,8 milhões de hectares (Ogmespan, 2009). A área do

Brasil, portanto correspondeu em 2008 há 12,6% da área mundial de OGMs.

Mais de 95% de todas as plantas transgênicas cultivadas para fins comerciais

pertencem a quatro espécies: soja, milho, algodão e a colza. Em 2005, a soja representou

cerca de 62% da área com OGM, onde do total dessa cultura cerca de 60% da área mundial

era transgênica (Ogmespan, 2009). No Brasil dos 15,8 milhões de hectares com OGMs 14

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milhões de hectares são de soja, 1,4 milhões de milho e o restante de algodão (Bragança

Jornal Diário, 2009).

2. A cultura da soja

2.1 Origem e importância no Brasil

A espécie Glycine max popularmente chamada de soja tem como centro de origem a

região leste da China, onde sofreu domesticação por volta do século XI a.C. (Borém, 1999;

Embrapa, 2009). A origem do gênero Glycine é confuso e controverso. O nome Glycine foi

originalmente introduzido por Linnaeus. Glycine é derivado do Grego glykys (doce) e,

provavelmente, refere-se ao sabor adocicado dos tubérculos originalmente descritos como G.

apio (hoje Apios americana). A soja foi descrita por Linnaeus como Phaseolus max e

Dolichos soja, baseando-se em espécimes que ele mesmo observou e na descrição de outros

autores (Borém, 1999).

A soja cultivada em muitos países é muito diferente dos ancestrais que lhe deram

origem, espécies de plantas rasteiras. Sua evolução começou com o aparecimento de plantas

oriundas de cruzamentos naturais, entre duas espécies de soja selvagem, que foram

domesticadas e melhoradas por cientistas da antiga China (Embrapa, 2009). De acordo com

Borém (1999) a soja cultivada (Glycine max) nunca foi encontrada no meio ambiente como

uma planta silvestre. Do ponto de vista taxonômico, tanto as espécies anuais do subgênero

Soja quanto às perenes do subgênero Glycine são candidatas à troca de genes com a soja

cultivada e podem potencialmente ampliar a base genética disponível da espécie Glycine max.

. No Brasil, segundo Borém (1999) não existe nenhuma espécie nativa ou silvestre que

possa intercruzar com Glycine max. As únicas espécies silvestres que podem cruzar com a

soja cultivada são do gênero Glycine, porém elas não ocorrem naturalmente no Brasil.

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No Brasil a soja iniciou pela Bahia. Os primeiros testes de adaptação de cultivares

semelhantes aos conduzidos por Dutra na Bahia foram realizados no Instituto Agronômico de

Campinas, Estado de São Paulo (SP), no ano de 1981. Assim como nos EUA, a soja no Brasil

nessa época era estudada mais como cultura forrageira, sendo eventualmente também

produzindo grãos para consumo de animais da propriedade do que como planta produtora de

grãos para a indústria de farelos e óleos vegetais (Embrapa, 2009).

Em 1900 e 1901, o Instituto Agronômico de Campinas, SP, promoveu a primeira

distribuição de semente de soja para produtores paulistas e, nessa mesma data, têm-se registro

do primeiro cultivo comercial de soja no Rio Grande do Sul, onde a cultura encontrou

condições para se desenvolver e expandir, dadas as semelhanças climáticas da origem dessas

cultivares que chegaram ao Estado, vindas do Sul dos Estados Unidos (Embrapa, 2009).

A cultura da soja expandiu-se rapidamente no Brasil nas últimas décadas. Nos anos

70, a cultura ocupava uma área de aproximadamente 1,3 milhões de hectares no país (Silva,

1984). O crescimento foi tão expressivo que na safra 2007/08 foram cultivadas mais de 21

milhões de hectares, sendo considerada a cultura de maior relevância nas exportações de

grãos do país (Ibge, 2008). No balanço mundial do mercado da soja, o Brasil tem se destacado

como o segundo maior produtor desta leguminosa nos últimos oito anos (Agrianual, 2005).

2.2 Soja resistente a glifosato

A soja transgênica cultivada no Brasil é a resistente ao herbicida glifosato,

desenvolvida pela empresa Monsanto. Essa variedade recebeu um gene de outro organismo

(bactéria) que lhe confere resistência a esse herbicida, cujo produto comercial é o Round-Up

Ready®, também da Monsanto. Por ser resistente a esse elemento, toda a cultura pode ser

pulverizada com glifosato, sendo que somente as plantas daninhas serão eliminadas (Silva,

2004).

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O ingrediente ativo glifosato foi desenvolvido pela Monsanto, mas seu período de

patente válido por 10 anos já expirou e há no mercado pelo menos oito produtos comerciais

com esse ingrediente ativo, ou seja, com o mesmo efeito do Round-Up Ready® (Silva, 2004).

A molécula de glifosato age na planta através do bloqueio da enzima 5-enolpiruvato-

shiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS), que faz parte da via de biossíntese de aminoácidos

aromáticos essenciais para o desenvolvimento da planta. Quando essa enzima é bloqueada, a

via metabólica é interrompida e, pela falta de aminoácidos, a planta morre (Pioneer, 2006).

O gene Roundup Ready, também conhecido como cp4-epsps, é o gene que confere às

plantas a tolerância à aplicação de glifosato. Esse foi desenvolvido e registrado pela

Monsanto, nos Estados Unidos, durante os anos 90 e mais recentemente, no Brasil. Esse gene

foi isolado da bactéria Agrobacterium spp., encontrada em um tanque de efluentes em uma

fábrica de produção do glifosato. A introdução do gene cp4-epsps nas plantas de soja se deu

pelo processo de biobalística, onde segmentos de DNA dessa bactéria foram introduzidos nas

células vegetais. No caso da cp4-epsps, o glifosato não consegue bloqueá-la e, assim, a via

metabólica de produção de aminoácidos aromáticos essenciais não é interrompida e as plantas

se desenvolvem normalmente (Pioneer, 2006).

2.3 Manejo de soja transgênica e convencional

A soja é uma cultura que se caracteriza pelo alto consumo de herbicidas. O controle

químico é o meio mais usual para controle de plantas daninhas, dada as características de

praticidade, eficiência e rapidez na execução de acordo com Gazziero (2005).

O manejo de plantas daninhas com herbicidas em soja pode ser realizado de diferentes

formas. Segundo Pedroso (2009), no Estado do Rio Grande do Sul, a seqüência de

procedimentos realizados em soja transgênica e convencional eram:

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Na dessecação que é uma fase anterior a semeadura da soja, com a finalidade de

eliminar as plantas invasoras, ou mesmo partes verdes das plantas de cobertura do solo. Em

soja transgênica era comum não dessecar, principalmente se a cultura de inverno tivesse boa

palhada (boa cobertura do solo) e, portanto, baixa quantidade de plantas daninhas. Porém,

quando a cobertura era de resteva de pastagem de inverno, campo nativo ou pousio, desseca-

se também, com 2 a 3 l.ha-1 de produto comercial a base de glifosato, óleo mineral e às vezes

2,4-D. Em soja convencional era comum a dessecação, visto que já se vislumbra a maior

dificuldade de controle das ervas daninhas precocemente emergidas na lavoura da soja

(usava-se 2 a 3 l.ha-1 de produto comercial a base de glifosato, além do óleo mineral e 2,4 D).

Na pré-emergência que é a fase que ocorre antes da emergência das plantas daninhas.

Esse processo é feito, normalmente, poucos dias após a semeadura da soja. Em soja

transgênica não se aplicava herbicidas pré-emergentes. Até o 27° dia após a emergência, a

soja não sofre com a competição de plantas daninhas (desde que semeadas em lavouras

limpas). O produtor esperava todas as plantas daninhas emergirem, para depois eliminá-las

com glifosato. Em soja convencional o uso é muito comum, quase em 100% dos casos. O tipo

de produto depende do histórico da área, sendo comum o uso de misturas de dois produtos.

Em pós-emergência que é realizado após a emergência das plantas daninhas, podendo

ser inicial (plantas daninhas na fase de plântulas, o que é mais comum) ou mais tardia

(quando as plantas daninhas estão maiores, normalmente 100% emergidas, sendo mais

comum para o controle de gramíneas invasoras). Em soja transgênica a aplicação é

obrigatória. A aplicação às vezes é feita no início (pós-inicial), quando surge o 2° trifólio da

soja, no caso de áreas com mais plantas daninhas, ou mais tarde (pós-tardia), aos 25-30º dias

após a emergência, em lavouras mais limpas, ou onde a 1a aplicação não foi suficiente. Em

soja convencional também é comum a aplicação de pós-emergente, podendo ser inicial ou

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tardia (quando há reinfestação, especialmente de gramíneas ou plantas daninhas de difícil

controle).

Dentro do manejo usado por esses agricultores pode se notar a dificuldade que era o

manejo das plantas daninhas em soja convencional, tanto do ponto de vista do momento da

aplicação, bem como, da escolhas dos produtos a serem aplicados. Aplicações tardias ou

doses erradas ocasionavam sobras de plantas daninhas que acabavam afetando a

produtividade da cultura, bem como dificultavam a colheita. Doses altas de produtos

poderiam causar efeito fitotóxico à cultura causando o atraso no desenvolvimento das plantas

de soja.

A introdução da soja transgênica facilitou o manejo de plantas daninhas, tanto pelo

fato de não se ter tanta preocupação com momento da aplicação (estágio das plantas

daninhas), bem como pelo uso de um único produto e também pelo menor número de entradas

com máquinas na área, reduzindo o custo com mão-de-obra e máquinas.

3. Problemas ambientais do cultivo de soja transgênica resistente a glifosato

3.1. Escape gênico

Na introdução de plantas transgênicas uma das maiores preocupações do ponto de

vista ambiental é o escape gênico ou fluxo gênico. De acordo com Borém (1999) o fluxo

gênico pode ser definido como a troca de alelos entre indivíduos, isto é a transferência de

alelos de uma variedade/espécie para outra. A dispersão de genes de espécies cultivadas para

silvestres e plantas daninhas é potencialmente um problema ecológico de grande importância.

O pólen de milho, por exemplo, pode percorrer distâncias superiores a 100 m pela

ação do vento. No caso da soja, o grão de pólen possui maior densidade e a única maneira de

dispersa-lo na natureza é de forma entomófila. Mesmo desta forma, a dispersão do pólen de

soja é extremamente limitada segundo Borém (1999). Portanto, no caso do escape gênico para

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cada espécie de planta deve se ter preocupação diferenciada, pois esse problema pode se

agravar em função da forma de fecundação, do tamanho e do tipo de dispersão do pólen.

A soja é essencialmente uma espécie autógama (autopolinizadoras) sendo que os

insetos, principalmente as abelhas, podem transportar o pólen e realizar a polinização de

flores de diferentes plantas, mas a taxa de fecundação cruzada é baixa. Os valores obtidos em

relação à fecundação cruzada em soja, em geral, são menores que 1%, e estes eventos

ocorrem principalmente entre plantas adjacentes com período de floração coincidentes

(Borém, 1999). A característica de autofecundação, onde a própria planta acaba se

fecundando, é o principal fator que reduz as preocupações com escape gênico nessa cultura.

Segundo Abud et al. (2003) em experimento para observar a freqüência de polinização

cruzada em soja concluíram que não houve efeito significativo do vento na freqüência de

polinização e que a freqüência de polinização de 2,1% obtida, pode ser considera alta em

comparação ao relatados por outros autores, porém estes autores justificam esse valor em

função do baixo uso de inseticidas durante o período de florescimento, sendo que nas

condições brasileiras é utilizado mais. Este fato pode ter contribuído no aumento das

populações de polinizadores e conseqüentemente na freqüência de polinização cruzada.

Quanto à preocupação que ocorre de ter variedades transgênicas de soja tolerantes a

herbicidas, no Brasil, poderiam resultar em plantas daninhas tolerantes aos herbicidas (as

superplantas daninhas), no entendimento de Borém (1999) é muito improvável do ponto de

vista científico. Pois de acordo com esse mesmo autor a dispersão gênica entre diferentes

espécies é extremamente complexa e requer a quebra de várias barreiras de isolamento

reprodutivo, algumas das mais freqüentes são: espécies com habitats distintos; espécies com

maturidade sexual em épocas distintas; incompatibilidade genética; fraqueza do híbrido;

esterilidade híbrida e dreno metabólico.

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Até a presente data não foi registrado qualquer caso de escape gênico de uma

variedade transgênica para espécies silvestres em lavouras comerciais. Porém no caso

específico da soja transgênica tolerante a herbicidas, o risco de escape de um gene para

espécies silvestres no Brasil é pequeno, em função da baixa taxa de cruzamento natural dessa

espécie e da inexistência de parentes silvestres sexualmente compatíveis com a soja no Brasil

(Borém, 1999). Portanto, dentro das maiores preocupações ambientais com a soja transgênica,

no Brasil, o escape gênico, até o momento não apresenta motivos para tanta preocupação, pois

do ponto de vista cientifico a probabilidade disso ocorrer é pequena, o mesmo não pode ser

afirmado para o centro de origem dessa cultura, a China.

3.2 Resistência de plantas daninhas a glifosato

A partir de 2005, quando a soja transgênica foi oficialmente liberada para semeadura

no País, esperava-se que ocorreriam profundas mudanças no controle de plantas daninhas

dessa cultura, tendo em vista que vários produtos ou combinações desses utilizados

atualmente seriam substituídos por um único produto, o glifosato, segundo Gazziero (2005).

Para Gazziero (2005) inicialmente seriam observados apenas os benefícios da nova

tecnologia, mas após três a cinco anos certamente começariam a surgir os problemas como a

seleção das espécies consideradas tolerantes e até mesmo à resistência, sendo que isso já tinha

sido relatado em países como os Estados Unidos, Chile, China, Austrália, Malásia e África do

Sul. No Brasil, isso já ocorria com dificuldade de controle de muitas plantas daninhas tidas

como tolerantes a esse herbicida.

Uma planta é sensível a um herbicida quando o seu crescimento e desenvolvimento

são alterados pela ação do produto. Já a tolerância é a capacidade inata de alguns indivíduos

sobreviverem e se reproduzir após o tratamento herbicida, mesmo sofrendo injúrias. Por outro

lado, a resistência é a capacidade adquirida de uma planta sobreviver a determinados

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tratamentos herbicidas que, sob condições normais, controlariam os integrantes da população.

Essas características estão relacionadas com a variabilidade genética natural e preexistente das

espécies (Borém, 1999). Portanto, em uma população de plantas daninhas (espécie) podemos

ter indivíduos sensíveis, tolerantes e resistentes, no caso dos resistentes é os que formaram a

totalidade da população no caso do uso continuo do mesmo ingrediente ativo.

Vargas et al (2007) em estudo com Buva (Conyza bonariensis) apresentaram que o

biótipo sensível dessa espécie é controlado pelo glifosato e pelos demais herbicidas avaliados

e que o biótipo resistente apresenta-se, altamente suscetível aos herbicidas com mecanismo de

ação distinto do glifosato, igualmente ao biótipo sensível. Entretanto, o biótipo resistente

mostra baixa resposta ao herbicida glifosato, mesmo se este for empregado em doses

elevadas, evidenciando que esse apresenta resistência a esse produto.

No Brasil, já foi confirmado quatro espécies de plantas daninhas resistentes a glifosato

que são o azevém (Lolium multiflorum) confirmado em 2003, as buvas (Conyza bonariensis e

Conyza canadensis) em 2005 e o capim-amargoso (Digitaria insularis) em 2008 (Weed

Science, 2009). Essa preocupação quando da introdução de soja transgênica no Brasil, se

confirmou como sendo um problema. No inicio, a soja transgênica foi comercializada para ser

utilizada em áreas onde as plantas daninhas eram realmente um grande problema e com a

redução desse, após alguns anos, se voltaria com a soja convencional. Porém isso não ocorreu

em função da facilidade de manejo de plantas daninhas com essa soja. Os agricultores

seguiram usando cultivares transgênicas e conseqüentemente o uso massivo do glifosato,

possibilitou a seleção de populações de plantas daninhas resistentes.

Para Borém (1999) a resistência de plantas daninhas a herbicidas, já registradas em

diferentes países, provenientes da seleção de tipos preexistentes na população nativa (não de

escape gênico), tem sido contornada com a adoção de técnicas adequadas de manejo que

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incluem rotação de princípio ativo do herbicida, rotação de culturas, mistura de herbicidas

com diferentes mecanismos de ação, controle cultural e cultivo mecânico, dentre outros.

CONCLUSÕES

A agricultura passou por vários estágios de desenvolvimento agrícola que impactaram

de forma negativa o meio ambiente. Hoje se esta no limiar de mais um processo evolutivo da

agricultura, a chamada era biotecnológica. Ainda não se tem o conhecimento de quais serão

seus impactos sobre o meio ambiente, se positivos ou não. No caso da soja transgênica os

impactos ainda não foram totalmente avaliados, porém alguns, já estão mais evidentes como o

escape gênico, onde a possibilidade de ocorrer é pequeno, especialmente no Brasil. Porém,

quanto ao desenvolvimento de plantas daninhas resistentes ao glifosato, inúmeras ocorrências

já foram registradas, provavelmente em função do uso massivo de glifosato e não do escape

gênico.

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