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Planejamento territorial do turismo
Dr. Marcos Aurélio Tarlombani da Silveira
Introdução
Nas duas últimas décadas, o turismo tem recebido mais atenção por parte dos governos na
elaboração das chamadas políticas de desenvolvimento, notadamente, das políticas públicas que servem de
orientação às ações de planejamento e ordenamento do território. De fato, não obstante o valor econômico
do turismo ser reconhecido desde há muitas décadas é, principalmente a partir dos anos 1980, que este
setor passou a ser melhor considerado na determinação das políticas de planejamento e de
desenvolvimento econômico em diversos países e regiões. Deste período em diante o turismo, que quase
sempre era visto como uma atividade menor converteu-se numa opção estratégica para governos
nacionais, regionais e locais, sobretudo em muitos países em desenvolvimento, como é caso do Brasil, que
buscam promover o desenvolvimento econômico nas escalas regional e local.
Atualmente, a consideração do turismo no processo de ordenamento do território, enquanto
uma atividade produtiva emergente, assim como um instrumento que pode contribuir para alanvacar o
desenvolvimento econômico em bases mais sustentáveis nos planos social e ambiental, constitui uma
realidade em vários países. Essa importância se amplia na esfera das políticas públicas que objetivam
estabelecer estratégias de desenvolvimento, tanto no nível local, regional e nacional, como supranacional,
considerando os processos de integração econômica entre países hoje em curso em algumas regiões do
globo, através da formação dos chamados blocos econômicos.
Portanto, neste cenário favorável, em que governos de todos os âmbitos territoriais, procuram
adotar uma postura mais ativa no uso do turismo enquanto uma alavanca para impulsionar o
desenvolvimento socioespacial, um dos principais desafios que têm sido colocados diz respeito à
formulação das políticas para desenvolver o setor. Embora o turismo seja considerado por muitos uma
atividade de iniciativa privada, e o processo de globalização esteja afetando a ação do Estado na sociedade
contemporânea, os governos continuam a exercer um papel fundamental no seu desenvolvimento, seja
através da elaboração de diretrizes para o setor, seja por meio do planejamento turístico.
Nas palavras de Rodrigues, “o papel do Estado é decisivo no turismo, expresso pela política
nacional de turismo e pelos planos e programas regionais, em todos os níveis da administração pública”
(1997a: 29). A política de turismo pode ser entendida, segundo Beni:
como o conjunto de fatores condicionantes e de diretrizes básicas que expressam os caminhos
para atingir os objetivos globais para o turismo do país ou região; determinam as prioridades
da ação executiva, supletiva ou assistencial do Estado; e facilitam o planejamento das
empresas do setor quanto aos empreendimentos e atividades mais suscetíveis de receberem
apoio estatal. Ela deve nortear-se por três grandes condicionamentos – o cultural, o social e o
econômico –, por mais simples ou ambiciosos que sejam os programas, projetos e atividades a
Este texto é parte integrante da Tese de Doutorado do autor defendida em Dez/2002 na FFLCH da Universidade de
São Paulo/USP.
desenvolver, e independente da extensão do espaço geográfico em que venham ocorrer, assim
como das motivações principais e setores econômicos aos quais possam interessar (2001a:
178).
Pode-se apontar diversas funções exercidas pelo governo no que concerne ao desenvolvimento
do turismo, que podem variar de um país para outro ou, de local para local. Em geral, cinco áreas têm sido
freqüentemente identificadas como sendo de envolvimento do setor governamental, a saber: coordenação,
planejamento físico-territorial, legislação e regulamentação, o fomento através de incentivos financeiros
ou fiscais, e os investimentos em infra-estruturas que servem de suporte para a implantação de
superestruturas e de empreendimentos turísticos.
A infra-estrutura e a superestrutura, por exemplo, são dois dos principais componentes de um
destino turístico. E, normalmente, compete ao setor público o fornecimento da infra-estrutura, enquanto a
superestrutura, também denominada de infra-estrutura turística, fica a cargo da iniciativa privada. Sobre
esse assunto Cooper et al. explica:
A infra-estrutura representa todas as formas de construção acima ou abaixo do solo,
necessárias para uma área habitada, tem uma ampla relação com o mundo exterior e serve de
base para a atividade turística. A infra-estrutura básica é essencial para as destinações
turísticas e aparece principalmente na forma de transportes (estradas, ferrovias, aeroportos,
estacionamentos, etc), serviços de utilidade pública (energia elétrica, saneamento básico,
comunicações), e outros serviços (saúde, segurança), sendo normalmente compartilhada por
residentes e visitantes. A infra-estrutura básica não costuma gerar renda e acaba sendo
implantada pelo setor público na maioria dos empreendimentos turísticos, através de
investimentos governamentais. Enquanto a superestrutura turística é normalmente uma
função do setor privado já que é o elemento gerador de lucro em um destino turístico. Nela
estão incluídos os meios de hospedagem, as atrações construídas para fins de uso turístico, o
comércio varejista e outros serviços (2001: 142).
Em muitos países, contudo, o setor público vem sendo ativo no fornecimento de incentivos
financeiros (concessões de empréstimos, isenções de impostos, e outros mecanismos financeiros),
bancando muitas vezes o investimento em turismo para o setor privado. Sendo esta uma função bastante
criticada por parte dos estudiosos do assunto, particularmente nos países em desenvolvimento, como é o
caso do Brasil (RODRIGUES, 1996, 1997a).
Além dessas funções do governo, deve-se acrescentar duas outras, que são o apoio ao turismo
social e a defesa dos interesses coletivos da sociedade e do patrimônio natural e cultural, ambas praticadas
somente em alguns países, particularmente naquelas nações com melhor nível de desenvolvimento
socioeconômico e político. De todas essas funções, destaca-se aqui o papel governamental no
planejamento da atividade turística. Afinal de contas, política e planejamento são termos intimamente
relacionados. O planejamento público para o turismo pode referir-se a diversas áreas, com ênfase no
fomento, na provisão de infra-estruturas básicas, no controle do uso do solo e exploração de recursos
ambientais, na divulgação e no marketing. É nessas áreas que instituições de diferentes departamentos
governamentais e em diversas escalas (nacional, regional e local), têm atuado em países e regiões
considerados como destinos turísticos consolidados.
Tal atuação tem se efetivado a partir da elaboração de programas e projetos de incremento ao
turismo nos âmbitos nacional, regional e local, nos quais o governo define as diretrizes que vão servir de
orientação para o desenvolvimento turístico, assim como as formas e o grau de intervenção no processo de
planejamento e de desenvolvimento do setor (HALL, 2001, BENI, 1997, 2000, 2001).
A exigência do planejamento turístico governamental e da intervenção do Estado no processo
de desenvolvimento do turismo decorre da necessidade de se oferecer respostas aos problemas inerentes a
esse desenvolvimento e, principalmente, de se prevenir dos efeitos indesejados que o crescimento da
atividade pode provocar, em especial nos âmbitos regional e local. Como já foi salientado, o turismo não é
só portador de vantagens e benefícios, mas também de riscos, podendo provocar uma série de danos às
regiões receptoras quando o seu crescimento ocorre de modo desordenado, implicando em efeitos
negativos para o meio ambiente, para as sociedades e, até mesmo, para a economia desses espaços.
Gunn, por exemplo, ressalta o papel do planejamento turístico e aponta seus pressupostos, ao
afirmar que:
1. O planejamento pode evitar impactos negativos e, para que seja eficiente, todos os “participantes”
devem estar envolvidos – não apenas os planejadores profissionais.
2. O turismo deve estar associado à conservação e à recreação, e não ao uso conflitante do solo com
efeitos ou objetivos incompatíveis.
3. O planejamento, hoje em dia, deve ser pluralista, envolvendo as dimensões sociais, econômicas e
ambientais.
4. O planejamento é político e, assim, existe uma necessidade vital de se considerar objetivos sociais,
harmonizando-os com outras aspirações (muitas vezes conflitantes).
5. O planejamento turístico deve ser estratégico e integrador.
6. O planejamento turístico deve estar inserido no contexto do planejamento regional – como muitos
problemas surgem nos limites de pequenos espaços, é essencial que se disponha de uma esfera de
planejamento mais ampla (apud HALL, 2001: 30).
Contudo, o planejamento do turismo deve ser visto como um importante instrumento para
nortear o seu desenvolvimento, mas não é uma panacéia. É um erro ver o planejamento como aquele que
vem solucionar todos os problemas decorrentes de modelos de desenvolvimento turístico geradores de
impactos negativos em termos sociais, econômicos e ambientais. Neste sentido, cabe recordar aqui o
modelo de desenvolvimento turístico que se implantou, entre os anos 1950 e 1980, em países e regiões no
mundo todo, caracterizado sobretudo pelo turismo “fordista” ou do tipo industrial – comumente designado
como turismo de massas –, e que tem sido bastante criticado pelos seus impactos negativos nas sociedades
e nos ambientes das regiões de destino.
Em suma, o planejamento turístico pode ser considerado uma ferramenta básica para se buscar
o desenvolvimento de destinos turísticos dentro de bases mais sustentáveis. Aliás, diversos estudiosos têm
destacado a importância e o papel do planejamento do turismo (PEARCE, 1991; INSKEEP, 1991;
RUSCHMANN, 1997; VERA et al, 1997; RODRIGUES, 1997b, 2002: BENI, 1997, 2001a; HALL,
2001).
Por outro lado, é interessante observar que entre os pressupostos básicos do planejamento está
o aspecto territorial, relacionado ao uso do solo e dos recursos ambientais, dos quais o turismo depende em
grande parte para existir. Assim, planejamento turístico e ordenamento territorial apresentam-se muito
inter-relacionados. É claro que o planejamento do turismo não se esgota no ordenamento do território,
sendo necessário garantir uma intervenção mais ampla sobre os subsistemas econômico e social, que são
complexos por natureza, envolvem variáveis endógenas e exógenas e requerem mecanismos eficazes de
controle sobre processos dinâmicos que podem ter implicações múltiplas.
Na realidade, a função do planejamento é nortear o crescimento turístico de modo a
compatibilizar os fatores econômicos com os fatores de ordem social e ambiental, determinando metas e
objetivos precisos e disponibilizando os meios próprios para os atingir. No entanto, essa função do
planejamento turístico ainda é muito pouco praticada. O que impera, na maioria dos países e localidades, é
o planejamento fortemente centrado nos retornos econômicos de curto prazo que podem advir do
desenvolvimento do turismo. Ou seja, tem-se privilegiado os fins econômicos de curto prazo, não se
evidenciando uma articulação adequada aos subsistemas social e ambiental, de forma global e integrada,
condição necessária para o turismo se desenvolver dentro da perspectiva da sustentabilidade. Como afirma
Hall:
O turismo como indústria é mal compreendido, assim como vários dos impactos que exerce.
De difícil definição dadas as características especiais de serviços e infra-estruturas, o turismo
é, conseqüentemente, cercado por problemas de análise, monitoração, coordenação,
elaboração de políticas e de planejamento. (...) Tanto o setor privado como os governos em
todos os níveis têm-se mostrado mais preocupados com a divulgação e os retornos econômicos
de curto prazo do que com o planejamento estratégico e a sustentabilidade do setor (2001: 41).
Portanto, o planejamento deve ser considerado um instrumento estratégico para se buscar o
desenvolvimento turístico em bases sustentáveis no longo prazo. Ao ser executado, segundo uma política
de turismo também concebida nesta mesma perspectiva, o planejamento turístico deve promover a
modernização das infra-estruturas sociais de base, com efeitos evidentes em termos de saneamento básico,
tratamento de resíduos sólidos e do lixo, abastecimento de água, distribuição de energia elétrica e
expansão das comunicações e transportes, criando, assim, não apenas as condições exigidas para o
desenvolvimento do turismo, mas melhorando também a qualidade de vida das populações residentes.
Associado a tudo isso, está o papel prioritário do planejamento, que é o de promover o desenvolvimento
turístico compatível com a conservação do meio ambiente e do patrimônio natural e cultural.
Em suma, a política e o planejamento turístico devem fornecer os meios e instrumentos
necessários para se buscar a sustentabilidade do turismo. Neste sentido, cabe aqui fazer referência ao
conceito de planejamento turístico integrado. A discussão em torno do que constitui o planejamento
integrado do turismo, também denominado planejamento estratégico e integrado, já apresenta um
considerável tratamento teórico-metodológico da parte de alguns estudiosos (INSKEEP, 1991; GUNN,
1994; VERA et al, 1997; CAZES, 1997; RODRIGUES, 1997a, 2002; BENI, 1997, 2001a; HALL, 2001),
e de organismos como a OMT (1995, 1998b, 1999e). De acordo com Vera et al:
O planejamento estratégico integrado do turismo deve ter como principais metas: a integração
dos agentes econômicos e sociais no processo de desenvolvimento turístico; a manutenção e a
promoção dos recursos naturais e culturais do espaço potencialmente turístico; o aumento do
bem-estar da população local através da geração de empregos e rendas a partir da atividade
turística; a busca da máxima satisfação dos turistas que visitam o local de destino; e,
promover a conservação das características peculiares e diferenciais dos territórios turísticos.
E, para se atingir estas metas, o planejamento estratégico integrado do turismo deve se
fundamentar na firme convicção da necessidade de inserir no processo de planejamento e
gestão, a articulação com os demais setores econômicos, a participação das populações
residentes, e a busca do consenso entre todos os agentes econômicos e atores sociais
envolvidos (1997: 391).
Em outras palavras, o planejamento integrado do turismo orienta-se pelos preceitos da
sustentabilidade territorial e, deve ter como finalidade a melhoria da qualidade de vida das populações dos
espaços de destino, como pré-requisito fundamental a eficiência econômica e, como condicionante central
a conservação do meio ambiente. Ele deve ser estruturado a partir de uma abordagem holística,
interdisciplinar e multisetorial, enquadrado no tempo e no espaço, e aplicado de forma flexível,
permanente, integrada, participativa e de acordo com uma estratégia exeqüível.
O planejamento estratégico e integrado do turismo pressupõe a participação de todos os agentes
públicos e atores sociais envolvidos (governos, organizações públicas e privadas, planejadores,
empresários, ambientalistas, turistas e populações residentes), englobado as diversas estratégias de
desenvolvimento, as infra-estruturas de base, os equipamentos e instalações turísticas, os recursos e
atrativos naturais e culturais, o meio ambiente e a sociedade, enquanto componentes de um “sistema
territorial” complexo e dinâmico, com suas interações funcionais, suas sinergias e suas instabilidades
(CAZES, 1997).
Diferentemente do planejamento turístico tradicionalmente praticado, o planejamento
estratégico e integrado envolve a tomada de medidas políticas concertadas, que venham acompanhadas de
ações eficazes no que diz respeito ao desenvolvimento do turismo dentro de uma perspectiva sustentável.
Isto porque é um tipo de planejamento que tem como meta o desenvolvimento a longo prazo, buscando o
equilíbrio entre a orientação centrada no mercado que enfoca os turistas, com uma orientação que enfoque
as necessidades da população local e a exigência da conservação dos recursos naturais e culturais de uma
região de destino. Nas palavras de Rodrigues:
O planejamento integrado do turismo consiste em enquadrar os projetos no contexto do
planejamento global, definindo-o não somente em suas relações com os critérios de
rentabilidade de mercado, mas também levando-se em consideração os aspectos naturais,
sociais e culturais. O planejamento integrado não deve restringir-se a um só setor, de maneira
isolada, mas integrar-se à estratégia global de desenvolvimento econômico do país ou região
(1997a: 101).
É claro que a adoção do planejamento estratégico integrado não garante por si só a solução para
tudo, mas pode ajudar a evitar futuros problemas que o turismo possa vir causar em um território, ou
mesmo corrigir falhas dos métodos convencionais de planejamento turístico. Até porque, como já foi dito,
o planejamento em si mesmo não deve ser visto como uma panacéia, nem mesmo o planejamento
integrado. No entanto, como diz Hall
“embora o planejamento integrado do turismo não seja uma panacéia para todos os males,
ele pode minimizar impactos potencialmente negativos, maximizar retornos econômicos nas
regiões de destino e dessa forma, estimular uma resposta mais positiva por parte da
comunidade hospedeira em relação ao turismo no longo prazo” (2001: 29).
O que importa é que o planejamento turístico integrado lida com as dimensões territorial e
sócio-econômica-ambiental, inter-relacionadas em subespaços e/ou subáreas, possui um escopo mais
abrangente do que o planejamento parcial ou setorial, uma vez que, ao mesmo tempo em que permite
fazer o levantamento das potencialidades turísticas regionais ou locais, permite que se faça a identificação
das demandas sociais e das exigências com relação à conservação ambiental, assim como a avaliação da
viabilidade econômica de um determinado projeto turístico.
Em suma, o planejamento integrado tem como princípio e objetivo a descentralização, a
sustentabilidade, as parcerias, a mobilização de todos os atores sociais envolvidos no processo de
desenvolvimento do turismo, de maneira a minimizar os efeitos prejudiciais ao meio ambiente e
maximizar seus benefícios para a economia e para a sociedade das regiões de destino.
Um outro aspecto importante no planejamento integrado do turismo se refere aos instrumentos
e/ou técnicas que podem ser utilizadas na sua execução. Teóricos do planejamento (INSKEEP, 1991;
VERA et al, 1997; BENI, 2001a; HALL, 2001) têm insistido na necessidade de utilização de ferramentas
metodológicas mais apropriadas no desenho e implantação de assentamentos e/ou de empreendimentos
turísticos, tanto para os destinos já consolidados, quanto para os destinos emergentes.
Assim, junto com as técnicas de planejamento já praticadas1, outros instrumentos e
metodologias têm sido recomendadas para serem incorporadas no processo de gestão integrada e de
ordenamento territorial do turismo, tais como: Método de diagnóstico DAFO (Debilidades, Ameaças,
Fortalezas e Oportunidades); Método MACTOR (Matriz de Alianças e Conflitos: Táticas, Objetivos e
Recomendações); Método Delfos e Matriz de Impactos Cruzados; Avaliação ou Estudo de Impactos
Ambientais (EIA); Método de Construção de Cenários; Estudo da Capacidade de Carga (Carrying
Capacity); Análise do Ciclo de Vida do Destino Turístico; Auditoria e Avaliação da Qualidade Ambiental;
Zoneamento Ecológico-Econômico; Zoneamento Ambiental; e Gestão Ambiental de Recursos Turísticos.
Dentre essas metodologias, algumas têm obtido grande aceitação e já vêm sendo muito
utilizadas no planejamento turístico de diversas regiões e lugares, como é o caso do Estudo de Impacto
1 As metodologias de planejamento turístico já bastante conhecidas e disseminadas entre planejadores e gestores são,
principalmente: inventário dos recursos turísticos; zoneamento turístico; implantação de pólos turísticos; integração
entre atrações e infraestrutura turística; instalação de circuitos e roteiros baseados nas atrações e equipamentos turísticos
disponíveis; adequação da acessibilidade; distribuição espacial da demanda; complementação e ampliação da oferta; e a
análise custo-benefício. São estes procedimentos que vêm sendo considerados insuficientes para executar o
planejamento do turismo dentro de uma perspectiva integrada, estratégica e sustentável.
Ambiental (EIA), análise do Ciclo de Vida do Destino Turístico, estudo da Capacidade de Carga, e a
Auditoria da Qualidade Ambiental (VERA et al., 1997; RODRIGUES, 1998).
O EIA, por exemplo, é considerado um valioso instrumento no planejamento e gestão
integrada de destinos turísticos. Constitui um conjunto de operações designadas para identificar, predizer,
analisar e comunicar informações relevantes sobre impactos relacionados ao estado do meio ambiente, à
economia e ao modo de vida das populações das regiões receptoras. Impactos esses gerados por projetos,
programas e políticas de desenvolvimento do turismo. Assim entendido, o EIA não se identifica apenas
como componente do procedimento de avaliação ambiental em si. Sua relevância advém, sobretudo, do
fato de abranger um conjunto mais amplo, ou seja, os aspectos econômicos e as demandas sociais.
Segundo Vera et al. (1997), o Estudo de Impacto Ambiental é considerado eficiente na medida
que pode desempenhar quatro papéis complementares, a saber: como instrumento de análise dos impactos
ambientais do turismo, como instrumento de concepção de projetos e de planejamento turístico, como
instrumento de negociação social e como instrumento de gestão ambiental da atividade turística. Daí que a
realização do EIA vem sendo recomendável e, cada vez mais obrigatória, em diversos tipos de projetos
turísticos (como edificação de complexos hoteleiros, implantação de parques temáticos, uso de unidades
de conservação, abertura ou ampliação de estradas, construção de marinas, e outros), devendo ser
realizado sempre sob o encargo dos responsáveis por tais projetos.
Outro procedimento muito em voga no planejamento e ordenamento territorial do turismo é o
estudo da Capacidade de Carga (Carrying Capacity). Considerado um dos principais instrumentos para o
planejamento do desenvolvimento sustentável do turismo (RUSCHMANN, 1997; RODRIGUES, 1997a),
a capacidade de carga se refere ao nível de uso que um espaço de destino pode suportar, sem causar efeitos
negativos nos recursos naturais, na comunidade, na economia e na cultura, e sem que haja redução da
satisfação dos visitantes2.
A outra metodologia indicada no planejamento do turismo com vistas ao desenvolvimento
sustentável da atividade é a chamada análise do Ciclo de Vida do destino turístico, desenvolvida
inicialmente por Butler, em 1980, e que tem sido muito utilizada em estudos sobre o desenvolvimento
turístico, realizados por geógrafos, economistas, planejadores do turismo, e outros (VERA et al, 1997;
RODRIGUES, 1997a).
Ressalte-se, que a metodologia da Capacidade de Carga e do Ciclo de Vida do turismo, não são
mais do que modelos de análise e, como tais, devem ser consideradas as suas limitações quando da
2 A idéia de capacidade de carga está baseada na possibilidade de se avaliar os impactos econômicos, ambientais e
socioculturais do turismo em um dado espaço de destino. A OMT adota como definição de capacidade de carga “o
número máximo de pessoas que podem visitar simultaneamente um mesmo destino turístico, sem causar danos ao meio
físico, biológico, econômico e sociocultural, e sem reduzir de maneira inaceitável a qualidade da experiência dos
turistas” (1999e). Todavia, a literatura sobre o tema mostra que existe muita polêmica em torno da definição de
capacidade de carga, assim como da aplicação do conceito. Alguns estudiosos criticam o fato de que para determinar o
nível de capacidade de carga tem prevalecido o uso de indicadores quantitativos em detrimento dos qualitativos,
privilegiando-se dados como volume (no de turistas por período), densidade (no de turistas por área), tempo de
permanência no local, e outros.
aplicação na realidade. A esse respeito é válida a ressalva de Rodrigues sobre o modelo do Ciclo de Vida
do turismo, ao dizer:
Como todo modelo, a proposta (...do ciclo de vida do turismo) deve ser vista com ressalvas,
pois podem, evidentemente, ocorrer exceções. Uma crítica que parece pertinente é que o autor
refere-se ao ciclo de vida do turismo e não do espaço do turismo. Porém, ao exemplificar suas
observações incidem sobre um dado território. Em linhas gerais, é realmente isso que ocorre
na maioria dos núcleos turísticos de origem espontânea, ou seja, sem um planejamento e
ordenação territorial que procure conduzir o processo de desenvolvimento do turismo de
forma satisfatória (1998: 91).
Por último, outro método que começa a ser bastante usado na tentativa de desenvolver o
turismo dentro de parâmetros de sustentabilidade, é a realização da avaliação ambiental. Essa avaliação é
feita sobre os impactos (positivos e negativos) ocasionados pela atividade turística nos espaços de destino,
e procura demonstrar que a sustentabilidade depende fortemente da qualidade ambiental destes espaços.
Neste sentido, organizações como a OMT, com a ajuda de estudiosos e pesquisadores, vêm
desenvolvendo metodologias e instrumentos que visam determinar o que vem sendo chamados de
“indicadores ambientais para a sustentabilidade do turismo” (OMT, 1999a).
Tais indicadores se referem, tanto ao ambiente natural, como construído, assim como, levam
em conta a dimensão sócio-cultural e os custos e benefícios econômicos do turismo. Em 1993, a OMT
produziu uma primeira série de “indicadores ambientais” para os gestores turísticos aplicarem no
desenvolvimento da atividade visando buscar a sustentabilidade. Esses indicadores passaram a compor
uma lista básica que pode ser aplicável em qualquer tipo de destino turístico. Sendo que há, ainda, uma
lista de indicadores suplementares que podem ser utilizados em destinos específicos, como zonas
costeiras, áreas de montanha, unidades de conservação, ambientes urbanos, sítios arqueológicos, refúgios
ecológicos, e outros. A lista básica é composta dos seguintes indicadores ambientais:
Grau de proteção do lugar;
Impactos sociais durante os períodos de pico do fluxo turístico;
Densidade espacial dos assentamentos ou dos complexos turísticos;
Medidas adotadas para controlar os efeitos ambientais do turismo (nível de
poluição, quantidade e descarte do lixo, etc)
Gestão dos recursos naturais (nível do consumo de água, de energia, etc);
Existência e situação do planejamento físico-territorial no lugar de destino;
Situação da biodiversidade (estado dos ecossistemas naturais, espécies
em risco de extinção, etc);
Nível de satisfação dos turistas;
Nível de satisfação da população local;
Contribuição do turismo para a economia local (OMT, 1999b: 136).
Esses indicadores devem fornecer informações suficientes para se proceder à avaliação dos
impactos turísticos causados em um determinado espaço de destino, apontando se os efeitos positivos
estão ocorrendo como desejado e se os efeitos negativos estão sendo evitados. Se os efeitos positivos não
estão satisfazendo as expectativas, os indicadores deverão demonstrar isto. Se os efeitos negativos são
eventuais, os indicadores deverão identificá-los antes que eles se tornem críticos.
Os indicadores de impactos turísticos podem ser utilizados por gestores públicos e/ou privados,
para agir aonde julgarem necessário, buscando preservar os efeitos positivos e prevenir ou minimizar os
negativos. De acordo com a OMT (1999c), devido ao seu alcance em termos de previsão, esse sistema de
indicadores pode ser usado como um instrumento pelas autoridades públicas para prevenir as
conseqüências adversas que possam vir a ocorrer com a expansão do turismo em uma certa região ou
localidade, em particular, naqueles espaços englobados nos projetos de desenvolvimento turístico.
Em suma, é uma metodologia de muito valor para os planejadores da atividade turística, a
despeito dos problemas que podem surgir no momento de definição dos indicadores, pois podem existir
diferentes percepções do que é realmente uma boa série de indicadores. Como, por exemplo, em alguns
casos os indicadores ecológicos podem prevalecer em prejuízo dos indicadores econômicos e sociais ou
vice-versa, deturpando assim o processo que visa alcançar a tão almejada sustentabilidade.
Outro problema que pode surgir se refere à avaliação dos indicadores, a qual poderá ser feita
dentro de um viés excessivamente quantitativo, em detrimento dos aspectos qualitativos. Deste modo, a
definição de indicadores adequados constitui um dos grandes desafios para os responsáveis pelo
planejamento e gestão do turismo. Em última análise, a estimativa dos impactos com base em
“indicadores ambientais” parece ser um instrumento válido, todavia, ainda não constitui uma metodologia
que venha “criar a sustentabilidade do turismo”, parafraseando Hall (2001).
Até mesmo porque, como já salientado, no que concerne ao desenvolvimento sustentável do
turismo, por enquanto, constitui apenas uma tendência, um modelo em construção, devendo ser encarado
mais como um conjunto de medidas de ajustamento, através das quais visa-se dar melhor funcionamento à
atividade turística e, quiçá no futuro, venham se tornar efetivas.
De qualquer forma, a incorporação de indicadores ambientais no planejamento do
desenvolvimento turístico, embora não seja suficiente para se promover a sustentabilidade, pode ser
considerado um passo importante na direção da mesma. Neste ponto, cabe novamente chamar a atenção
para o papel das políticas públicas.
Por ocasião da realização da Globe’90, diversas organizações públicas e privadas e instituições
não-governamentais ligadas ao setor de turismo, defenderam a adoção de alguns princípios que deveriam
nortear, a partir de então, as políticas para o turismo (OMT, 1999a). Um desses princípios é que política
turística deve ter como objetivo maior promover o desenvolvimento sustentável do turismo em todas as
escalas do território, isto é, tanto em escala nacional, quanto regional e local.
Outro princípio diz respeito ao processo de planejamento, desenvolvimento e gestão da
atividade turística, o qual deve ser executado de forma inter-setorial, integrada e participativa, envolvendo
os diversos níveis de gestão, tanto no setor público, quanto na iniciativa privada, bem como planejadores e
representantes das populações locais, para que se possa obter o maior êxito possível na busca da
sustentabilidade do turismo.
Outro ponto importante é que as organizações, empresas, grupos e indivíduos, devem seguir
princípios éticos e adotar comportamentos que promovam o respeito à cultura e ao meio ambiente das
regiões receptoras, ao modo de vida nos planos econômico e social, e à comunidade com suas tradições
culturais e padrões políticos. Também se recomenda que, antes de dar início a qualquer projeto de
desenvolvimento turístico, sejam efetuadas análises de viabilidade econômica, social e ambiental, dando-
se prioridade à proteção do patrimônio natural e cultural e devida atenção ao uso sócio-econômico que o
território já possui antes do uso turístico, como por exemplo, o uso agrícola. Assim como, recomenda-se
fazer uma avaliação dos impactos que os empreendimentos turísticos podem provocar no meio físico, nos
espaços construídos e no modo de vida das populações locais.
Recomenda-se, ainda, que os programas e planos governamentais de incremento ao turismo
estejam inseridos dentro de uma estratégia global de desenvolvimento do país ou região. E, que sejam
conduzidos de forma a promover juntamente com a eqüidade social, a eqüidade territorial, isto é, esses
programas devem ser implementados de modo a fazer com que os benefícios vindos do turismo se
estendam a todos os lugares, principalmente, aos espaços economicamente deprimidos.
Outra recomendação importante é a promoção da conscientização das populações que residem
nas regiões receptoras, sobre os benefícios e efeitos negativos que a atividade turística pode trazer,
utilizando-se de instrumentos, como por exemplo, a educação ambiental. É sugerido também que as
populações locais sejam incentivadas a assumirem funções de liderança no processo de planejamento do
desenvolvimento do turismo. Para tanto, na implementação de planos e/ou de empreendimentos turísticos,
as populações locais devem ser chamadas a participar ativamente durante todas as fases de planejamento.
Por fim, no processo de implementação do plano de desenvolvimento do turismo, as
populações locais devem poder contar com a assistência dos governos, associações privadas,
universidades, e organizações não-governamentais, por meio da oferta de programas de treinamento e de
educação para aquelas pessoas interessadas em trabalhar com a atividade turística. Assim, sugere-se pôr
em prática um amplo programa de qualificação educacional e profissional relacionado à atividade
turística, voltado especificamente às populações locais, de modo que as mesmas possam vir a usufruir das
oportunidades que o turismo venha oferecer em termos de empregos e renda. Em suma, tais orientações
estão em acordo com a concepção atualmente defendida no que diz respeito à formulação e
implementação de políticas públicas e na execução do planejamento do desenvolvimento turístico
buscando-se a sustentabilidade.
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