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PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO* Carlos André Guerra Barreiros** A utilização de planos de caráter previdenciário como instrumento de planejamento sucessório tem causado enormes discussões, inclusive acadêmicas, acerca de sua extensão e eficácia sob o ponto de vista legal, motivadas, quase sempre, pela voracidade fiscal que impera no país e pelo pouco conhecimento técnico jurídico e tributário daqueles que vem se manifestando sobre o assunto, normalmente oriundos de áreas financeiras ou administrativas. Alguns, até, tem como origem e qualidade fundamentais, o timbre de voz e atividade em rádios FM, em cidades do interior. A intenção deste artigo não é trazer fundamentos jurídicos que permitam aferir a validade legal ou não da utilização do plano de caráter previdenciário como mecanismo de transferência de valores entre gerações sem a necessidade de se incluir este ativo no rol dos bens passíveis de serem inventariados como herança ou legado. O objetivo é trazer alguns elementos que possam levar à reflexão de quão importante é ter um plano de previdência privada, seja para o momento da planejada aposentadoria, seja para garantir aos seus dependentes, no caso de um evento inesperado, uma prestação rápida de assistência financeira, dando à família ou àqueles livremente designados, certa estabilidade para que possam pensar no restante, sem ter que enfrentar períodos de grandes dificuldades nos dias ou meses que logo sucederem ao da eventual morte prematura do titular do plano. E note-se que o valor não há de ser fruto de especulação financeira ou processo espoliativo declarado ou escuso, mas previdenciário, que vai além da pessoa que o contratou, abrangendo, necessariamente, a família e beneficiários indicados. De início é importante se levantar uma discussão lógica, prática e objetiva sobre a natureza do plano de caráter previdenciário dentro deste contexto. O plano de caráter previdenciário, independentemente do tipo e da forma (aberto ou fechado, individual ou coletivo, contribuição definida ou benefício definido, PGBL ou VGBL) seu objetivo é único: fazer uma poupança financeira durante o período pelo qual o indivíduo possui capacidade de auferir renda como contrapartida de seu trabalho, qualquer que seja, para poder usufruir no futuro, em especial a partir do momento em que esta capacidade laboral estiver bastante limitada ou inexistir (aposentadoria). Portanto, o plano de caráter previdenciário possui claramente dois períodos distintos: o primeiro, denominado de acumulação, que se assemelha bastante aos conhecidos fundos de investimentos, pois seu objetivo é receber os recursos e administrá-los para que possam se multiplicar e permitir sua utilização no período seguinte; a segunda fase, denominada desacumulação ou fase de benefícios, é aquela durante a qual o participante faz o uso dos recursos acumulados no decorrer da etapa que a antecedeu.

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PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO*

Carlos André Guerra Barreiros**

A utilização de planos de caráter previdenciário como instrumento de planejamento sucessório tem causado enormes discussões, inclusive acadêmicas, acerca de sua extensão e eficácia sob o ponto de vista legal, motivadas, quase sempre, pela voracidade

fiscal que impera no país e pelo pouco conhecimento técnico jurídico e tributário

daqueles que vem se manifestando sobre o assunto, normalmente oriundos de áreas

financeiras ou administrativas. Alguns, até, tem como origem e qualidade fundamentais,

o timbre de voz e atividade em rádios FM, em cidades do interior.

A intenção deste artigo não é trazer fundamentos jurídicos que permitam aferir a validade legal ou não da utilização do plano de caráter previdenciário como mecanismo de transferência de valores entre gerações sem a necessidade de se incluir este ativo no rol dos bens passíveis de serem inventariados como herança ou legado. O objetivo é trazer alguns elementos que possam levar à reflexão de quão importante é ter um plano de previdência privada, seja para o momento da planejada aposentadoria, seja para garantir aos seus dependentes, no caso de um evento inesperado, uma prestação rápida de assistência financeira, dando à família ou àqueles livremente designados, certa estabilidade para que possam pensar no restante, sem ter que enfrentar períodos de grandes dificuldades nos dias ou meses que logo sucederem ao da eventual morte prematura do titular do plano. E note-se que o valor

não há de ser fruto de especulação financeira ou processo espoliativo declarado ou

escuso, mas previdenciário, que vai além da pessoa que o contratou, abrangendo,

necessariamente, a família e beneficiários indicados.

De início é importante se levantar uma discussão lógica, prática e objetiva sobre a natureza do plano de caráter previdenciário dentro deste contexto.

O plano de caráter previdenciário, independentemente do tipo e da forma (aberto ou fechado, individual ou coletivo, contribuição definida ou benefício definido, PGBL ou VGBL) seu objetivo é único: fazer uma poupança financeira durante o período pelo qual o indivíduo possui capacidade de auferir renda como contrapartida de seu trabalho, qualquer que seja, para poder usufruir no futuro, em especial a partir do momento em que esta capacidade laboral estiver bastante limitada ou inexistir (aposentadoria). Portanto, o plano de caráter previdenciário possui claramente dois períodos distintos: o primeiro, denominado de acumulação, que se assemelha bastante aos conhecidos fundos de investimentos, pois seu objetivo é receber os recursos e administrá-los para que possam se multiplicar e permitir sua utilização no período seguinte; a segunda fase, denominada desacumulação ou fase de benefícios, é aquela durante a qual o participante faz o uso dos recursos acumulados no decorrer da etapa que a antecedeu.

Essa utilização, dependendo do plano contratado, pode se dar com o pagamento do montante de uma única vez (benefício em pagamento único) ou através de pagamentos periódicos, também conhecidos como renda. Esta renda pode ser por prazo determinado ou vitalício, assim como pode ser destinada somente ao participante ou reversível a alguém previamente determinado no momento da conversão do saldo em renda. Portanto, essa combinação das duas fases descritas permite definir que o plano de caráter previdenciário é um misto de investimento e seguro. Investimento por sua razão de acumulação; seguro em virtude de seu caráter indenizatório, garantidor de um benefício para o próprio participante durante o período de sua inatividade laborativa, seja ela no prazo originalmente contratado (sobrevivência) ou se ocorrer evento inesperado que o faça perder esta capacidade (invalidez ou morte). O período de acumulação, apesar de sua enorme semelhança com a atividade de investimentos exercida pelo sistema financeiro tradicional (em especial fundos de investimentos), possui características próprias que o distingue daquele. O próprio Governo dá a este tipo de poupança alguns tratamentos diferenciados, específicos para incentivar o indivíduo a poupar através deste modelo, o que ocorre com menor intensidade nos investimentos de longo prazo tradicionais oferecidos e administrados pelo sistema financeiro. Outro argumento sólido para se concluir sobre a natureza previdenciária dos planos de caráter previdenciário é a sua ordenação jurídica. A atual estrutura legal do sistema tem seu pilar básico na Constituição Federal, em seu artigo 202, sob o título VIII da Carta Magna, que versa sobre a Ordem Social. Caso o legislador intencionasse dar ao plano de caráter previdenciário o mesmo tratamento destinado aos demais investimentos, o teria redigido no capítulo anterior, reservado aos assuntos referentes à Ordem Econômica e Financeira. Vale a pena explorar um pouco mais esta tese! Diz o artigo 193 da Constituição Federal:

“a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Na seqüência o mesmo Diploma divide o título VIII em 9 capítulos, dentre os quais o Capítulo II, Da Seguridade Social, e dentro deste uma seção destinada à previdência social com dois artigos, 201 e 202, definindo neste último:

“O regime da previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral da previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.” (grifos nossos)

A análise deste dispositivo, efetuada separadamente com base nas expressões grafadas, permite ratificar o entendimento acima descrito quanto à natureza previdenciária do plano de benefício previdenciário, pois a conceituação constitucional define o sistema de previdência privada como agente que visa a complementar os benefícios oferecidos pela previdência social. Também exige que o sistema seja baseado na constituição de reservas, ou seja, reconhece e requer que haja uma poupança financeira para garantir a subsistência dos benefícios prometidos na contratação do plano. E finalmente remete a regulamentação do segmento à uma lei complementar. Conforme prevê expressamente a Constituição Federal, o regime de previdência privada atualmente é regido por uma lei própria, a Lei complementar nº 109, de 29/05/2001, o que lhe garante total desvinculação em relação ao sistema financeiro. Portanto, pode-se concluir com elevado grau de segurança que os recursos vertidos aos planos de caráter previdenciário, apesar de aplicados em ativos regulados pelo setor financeiro e do ramo imobiliário, não estão sujeitos ao mesmo tratamento destinado aos demais ativos de natureza patrimonial, entre os quais a passagem formal pelo processo de inventário quando do falecimento do titular do plano de benefícios previdenciários. Da mesma forma, não haveria sentido criar outros ativos,

“carimbados”, exatamente iguais aos demais, de natureza financeira. O que se discute esbarra em conceitos de economia e racionalidade.

Em virtude da exigência legal de constituição de reservas para garantia do cumprimento das obrigações previdenciárias, os recursos vertidos ao plano (denominados ativos garantidores de reservas, provisões e fundos) são aplicados em ativos expressamente relacionados pelo Conselho Monetário Nacional que, dependendo das instruções expedidas pelos respectivos órgãos de fiscalização, podem ser administrados de várias maneiras. No caso dos planos PGBL e VGBL, geridos por EAPC, os recursos correspondentes a cada plano de benefícios previdenciários devem ser alocados em fundos de investimentos especialmente constituídos, não havendo possibilidade de se investir diretamente em títulos ou valores mobiliários. Este tratamento exigido pela SUSEP tem alguns objetivos, entre os quais dar mais transparência no acompanhamento da evolução econômica do plano, assim como maior eficácia na fiscalização das aplicações efetuadas pela EAPC de forma a garantir as obrigações dos planos por ela administrados. Anteriormente, por ocasião da edição da Medida CVM nº 406, em 1977, havia um

propósito claro na aplicação dos recursos oriundos dos fundos previdenciários, quais

fossem os de alongar o perfil da dívida pública interna do país, de curtíssimo para de

longo prazo, estimular o mercado de debêntures, praticamente inexistente naquela época,

bem como e finalmente, consolidar o mercado de renda variável. Assim, o legislador

específico para as aplicações financeiras, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários,

exigia a aplicação de mínimos em papéis de pouca ou nenhuma rentabilidade, como os

Certificados de Privatização, além de outros, como um mínimo em papeis de emissão do

Governo.

A Lei Complementar nº 109 proibiu expressamente a fixação de aplicações mínimas em

quaisquer ativos, e apenas estabeleceu restrições contra percentuais máximos, como

aqueles praticados em relação aos ativos imobilizados, às ações e a outros que expunham

a entidade de previdência complementar a riscos extraordinários. Desta forma não há que se dizer que as cotas dos fundos destinados à alocação de recursos de natureza previdenciária compõem o patrimônio comum do indivíduo. Sua natureza exige um tratamento distinto, na forma da lei e das normas expedidas pelos órgãos de supervisão. Completando o raciocínio descrito, pode-se afirmar que a renda auferida pelos planos de previdência privada administrados por entidades de previdência complementar abertas ou fechadas, tem natureza alimentar, tanto que o próprio Código de Processo Civil inclui no rol de direitos inalienáveis a renda paga por entidades de previdência ou qualquer outra fonte de recursos necessários para o sustento próprio ou da família. O mesmo se aplica às indenizações recebidas em razão da contratação de apólice de seguro de vida. Como não pode existir a segunda fase do plano de caráter previdenciário (benefícios) sem que se complete o ciclo previsto na primeira (acumulação), pode-se aferir que, mesmo de forma indireta, os recursos acumulados nos planos de caráter previdenciário também têm natureza alimentar, caso contrário o objetivo final do plano nunca será atingido. Esta conceituação introdutória é necessária para que se estabeleça uma diferença contundente entre a poupança previdenciária e aquela objeto da relação patrimonial, esta sim sujeita à tramitação normal de um processo legal de inventário. Uma vez conceituada a natureza da poupança previdenciária e entendido seu objetivo principal (aposentadoria complementar à da previdência oficial), há que se descrever a finalidade acessória do plano de previdência privada: assegurar aos dependentes ou pessoas designadas pelo participante algum conforto material nos momentos subseqüentes ao da morte do titular original do plano. Dada a breve descrição das duas fases do plano (acumulação e desacumulação) e que no momento do benefício pode-se efetuar uma comparação com o instituto do seguro, também o período de acumulação, no momento em que o participante vem a falecer ou até mesmo invalidar, o plano passa a funcionar como um seguro de vida, pagando uma indenização, ainda que proporcionalizada pelo período de acumulação, ao próprio participante no caso de sua invalidez ou ao(s) seu(s) beneficiário(s) quando o evento for a morte, lembrando que no caso da previdência social o indivíduo filiado àquele regime é denominado segurado, o que reforça a similaridade com o sistema de seguros privados. Na previdência privada, que é complementar à social, a nomenclatura adotada pela Lei Complementar nº 109/2001 foi de participante para o titular do plano e beneficiário para os nomeados a receber benefícios no caso de sua morte.

A intenção da instituição da figura do beneficiário na previdência privada é a mesma que levou o legislador a regrar na Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) figura idêntica para os seguros de pessoas. O referido texto legal dispõe em seu artigo 760:

“A apólice ou bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite de garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e do beneficiário”. (grifo nosso)

Complementando o disposto no artigo nº 760, prevêem ainda os artigos nºs 791 e 792, ambos específicos do seguro de pessoas, que é lícita a nomeação de beneficiários, bem como sua substituição a qualquer momento. Caso o segurado não tenha exercido a faculdade de indicação de beneficiários, a própria lei dispõe sobre o destino da importância objeto da indenização devida. Este dispositivo é também objeto de previsão legal no Decreto-Lei nº 5.384/1943. Outro dispositivo do Código civil que ratifica a descaracterização do caráter patrimonial do seguro (e por similaridade a previdência privada) é o texto do artigo nº 794:

“No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito”. (grifo nosso)

Uma vez reconhecida a semelhança entre a finalidade previdenciária, em especial para o caso de morte do participante, e aquela prevista para o seguro de vida, pode-se concluir mais uma vez que a designação de beneficiário nos planos de caráter previdenciário possui uma finalidade comum, que é a de garantir ao beneficiário o direito à percepção de uma importância (indenização no caso do seguro e benefício no caso de previdência privada), independentemente da tramitação do processo de inventário dos bens deixados pelo participante, de forma a permitir (1) acesso rápido aos recursos e (2) garantir que não haja indisponibilidade deste valor e comprometer a subsistência do(s) beneficiário(s). Este tratamento isonômico entre seguros e previdência privada está previsto na Lei Complementar nº 109/2001, em seu artigo nº 73, cujo texto é a seguir reproduzido:

“As entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras”.

A expressa remissão pela Lei Complementar nº 109/2001 à legislação de seguros (na prática ao Capítulo XV, do Código Civil) se deve ao fato da própria Lei Complementar não ter feito referências aos benefícios resultantes dos riscos de morte e invalidez do participante, restringindo-se ao tratamento para acumulação com vistas à garantia do benefício principal do plano, que é a cobertura do risco de sobrevivência do indivíduo.

Como os outros dois riscos (morte e invalidez) são típicos do seguro de pessoas, o legislador optou por apenas remeter seu tratamento a uma estrutura legal e normativa já existente e consolidada, visto que o seguro é um instituto previsto e regulado por nosso ordenamento jurídico de forma mais estruturada desde a entrada em vigor do Código Civil de 1916. Como já mencionado anteriormente, a sociedade de uma forma geral deve entender que o seguro de pessoas e a previdência privada são na realidade uma única estrutura, com objetivos complementares e convergentes, não se podendo desassociá-los, e que a tendência do mercado segurador brasileiro, à semelhança do que já ocorre nos mercados mais maduros, será de lançar produtos que acoplem coberturas que cubram riscos cada vez mais direcionados às necessidades individuais de seus clientes. Como o mercado brasileiro de seguros de vida, apesar de relativamente antigo, ainda carece de aprimoramento quanto à diversificação de produtos, visto que comparado ao mercado internacional oferece tipos bastante restritos de coberturas e vigências, há um potencial enorme de crescimento, tendência esta reforçada quando se vislumbra a análise de oferta conjunta de benefícios que contemplem também previdência privada, desde que os “rábulas” de plantão nas seguradoras ou os advogados recém

formados deixem de criar problemas de interpretação e conheçam, ao menos, um pouco

de português. Em tese, considerando-se as melhores práticas internacionais, o seguro de vida e acidentes pessoais é o tipo de proteção adequada para as pessoas que iniciam a vida laborativa e enquanto o plano de previdência privada vai sendo constituído, pois se acontece um evento inesperado como a morte prematura ou a invalidez do indivíduo no início de sua vida profissional ele ainda não acumulou o suficiente em seu plano de acumulação previdenciária para fazer frente às necessidades financeiras que surgirão com a abrupta interrupção de sua receita originada por seu trabalho. Nesse caso, é o seguro que lhe garantirá essa cobertura. Já no final de sua vida, o cidadão não precisaria fazer seguro de vida, pois seu plano de previdência privada, se constituído tempestivamente, já terá recursos suficientes para garantir a ele próprio ou aos beneficiários uma proteção financeira, mesmo que temporal. Este princípio que encurta a distância entre o seguro de vida e a previdência privada é que exige um tratamento diferenciado aos recursos acumulados no plano de caráter previdenciário no momento da morte de seu titular, permitindo a liberação imediata da importância devida para não causar danos ainda maiores para aqueles que dependem desta proteção. Neste aspecto, há que se observar alguns fundamentos básicos para que injustiças não ocorram em razão de exageros cometidos por pessoas desavisadas ou mesmo mal intencionadas. É o caso, por exemplo, da utilização dos planos de caráter previdenciário como instrumento de burla ao direito de legítima ou desvio de finalidade.

Não pode um indivíduo se desfazer da totalidade de seus bens e vertê-los a um plano de caráter previdenciário com a finalidade de nomear como beneficiárias outras pessoas que não seus herdeiros necessários, sob pena de se ter este ato anulado judicialmente, pois o judiciário pode entender que houve clara intenção de se fraudar o direito à legítima, beneficiando um (ou uns) em prejuízo do direito de outro(s). Na

realidade, o judiciário só irá entender como mencionado, se não entender de nada relacionado ao seguro. O que se pretende como direito nada mais é do que expectativa de

direito e não há como obrigar um segurado ou participante de um plano de caráter

previdenciário a indicar um beneficiário que, eventualmente e em momento futuro,

poderia fazer jus a algum valor. De qualquer forma, ninguém, em sã consciência, irá

depositar ou aportar a um plano de caráter previdenciário todo o seu patrimônio, já que

precisaria sobreviver com algum recurso alocado em qualquer outro ativo. A hipótese

levantada é, em essência, cerebrina, reunindo pressupostos de difícil, senão impossível,

consecução.

Da mesma forma, a pessoa casa que vier a designar seu (ou sua) beneficiário (a) outra com quem mantenha relação extraconjugal, este ato também poderá ser questionado judicialmente pelo cônjuge “traído”. É um risco que não se deve assumir. Entretanto,

o Código Civil de 1988 consagrou o princípio da “dependência econômica”, que acaba

contrariando tudo o que foi afirmado nesse parágrafo. E são conhecidos os julgados nos

quais a pensão ao cônjuge é dividida entre a esposa e aquela “teúda e manteúda” pelo segurado. Finalmente, é bastante defensável a tese de que o saldo existente nos planos de caráter previdenciário, assim como a importância depositada no FGTS (que tinha esse caráter

inicial e que foi transmutado para a aquisição de modestas casas próprias, após 30 ou 40

anos de pagamentos mensais suados e corrigidos além das possibilidades do frágil

comprador....) e os capitais segurados nos seguros de vida, tem caráter indenizatório e natureza alimentar, afastando a conceituação de que trata de investimentos, não lhe sendo aplicável a passagem por processo formal de inventário. Sem querer fazer deste

assunto sério uma brincadeira, chamar à colação os valores pagos a planos de caráter

previdenciário, parece ter a mesma natureza de um herdeiro reclamar, na sua quota

parte inventariada, os champanhes tomados pelo “de cujus” e não partilhados pelo

herdeiro desprezado...

CONCLUSÃO

O texto apresentado, apesar de bastante resumido, abordou a conceituação dos planos de caráter previdenciário, identificando as diferenças básicas dos planos administrados por entidades abertas e fechadas de previdência complementar, dentre as quais a definição dada pelos respectivos órgãos de fiscalização para “vesting”, ficando claro que no âmbito das EABC o contrato previdenciário firmado entre a empresa instituidora do plano e a respectiva entidade administradora é que definirá as regras a que os participantes deverão seguir para que tenham direito ao acesso aos recursos aportados no plano pela empresa a qual estão vinculados.

Da mesma forma, o conceito de “vesting” adotado pelas EAPC permite que se contemple nas regras tratamento idêntico ao previsto nos planos geridos pelas EFPC. Outra conclusão importante do trabalho se refere à importância e ás vantagens do instituto de “vesting” para as empresas instituidoras dos planos e para a formação de poupança de seus colaboradores que, dependendo do desenho do plano e do tempo em que ficarem vinculados à empresa mantenedora do plano, poderão levar, total ou parcialmente, os recursos lá alocados pelo empregador. Ainda no Capítulo do !vesting”, pôde-se concluir também que a criação de uma estrutura legal, normativa e operacional segura de concessões de empréstimos e financiamentos para participantes de planos de benefícios operados por EAPC, na qual os próprios recursos dos planos sejam lastro da operação e, conseqüentemente, garantia do valor tomado, poderá trazer ao instituto do “vesting” uma importância ainda maior da que já possui para o atual modelo previdenciário brasileiro. Mais adiante, quando abordada a sucessão patrimonial, o texto apresentou esta ferramenta como importante instrumento de proteção social e familiar, descaracterizando os planos de caráter previdenciário como mera forma de diversificação patrimonial e comparando estes planos com os de seguro de vida. A conclusão é que o seguro de vida e os planos de previdência privada compõem, em sua essência, uma única estrutura de proteção e planejamento pessoal, cujo objetivo é proteger o cidadão comum no presente e planejar o seu futuro, garantindo em qualquer fase de sua vida que, no caso de seu falecimento ou invalidez, os beneficiários livremente indicados por ele possam contar com o resultado desta proteção de forma imediata, sem que tenham que aguardar o rito formal de um processo judicial de inventário, muitas vezes com tramitação demorada e burocrática, constituindo-se, de fato, em mecanismo de proteção social.

PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO* - parte do artigo “Previdência privada: vantagens de se aderir a este sistema”, in Revista de Previdência nº 4 – Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Direito n. 4 198p. Abril/06. Carlos André Guerras Barreiros** - Administrador de Empresas e pós-graduado em mercado de capitais pelo IBMEC-RJ. Presidente da Comissão de Assuntos Jurídicos da ANAPP – Associação Nacional da Previdência Privada, Diretor do SINDEPP/SP – Sindicato das Entidades Abertas de Previdência Privada no Estado de São Paulo e professor convidado da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Exerce atualmente o cargo de Superintendente de Controles Internos e projetos de Previdência da área de Vida, Previdência e Capitalização do Banco Itaú S.A. Textos em itálico: acréscimos feitos por Affonso Fausto, advogado e consultor de Seguros de Pessoas, Secretário do SINDEPP/SP – Sindicato das Entidades Abertas de Previdência Privada no Estado de São Paulo, Conselheiro da Sociedade Brasileira de Ciências do Seguro – SBCS, Conselheiro da ANSP – Academia Nacional de Seguros e Previdência, membro da APTS – Associação Paulista de Técnicos de Seguros, membro do CVG/SP – Clube Vida Grupo de São Paulo, professor do curso de especialização e de pós graduação de Seguros de Pessoas da Fundação Getúlio Vargas. Atualmente, consultor de benefícios da Icatu-Hartford Seguros e Previdência.