pinÓquio, decollodi - campus universitário de...

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AMANDA SOARES DE LIMA A INTERTEXTUALIDADE QUE PERMEIA NAS OBRAS: PINÓQUIO, DE COLLODI E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, DE STEVEN SPIELBERG SINOP-MT 2008/1

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AMANDA SOARES DE LIMA

A INTERTEXTUALIDADE QUE PERMEIA NAS OBRAS:

PINÓQUIO, DE COLLODI

E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL,

DE STEVEN SPIELBERG

SINOP-MT

2008/1

AMANDA SOARES DE LIMA

AINTERTEXTUALIDADE QUE PERMEIA NAS OBRAS: PINÓQUIO, DE

COLLODI E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, DE STEVEN SPIELBERGTrabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca

Avaliadora do departamento de Letras - UNEMAT-

Canipus de Sinop como requisito para obtenção do título de

Licenciado cm Letras.

Banca Examinadora:

ProP Dr8 Tânia Pitombo Oliveira

Professora de MonografiaUNEMAT- Campus de Sinop

Ms/.Neusa Inês Philippsen

Professora Orientadora

JNEMAT - Campus de, Sinop

t

Prof. Antônio Tadeu Gomes de Azevedo

rofessor Avaliador

UNEMAT - Campus de_Sinop

Maristeía"Abadia GuimarãesProfes^sqra Avaliadora

UNEMAT-^Campus de Sinop

\Áv\lui.ua/LÁaaaaam>AáaXO^LK.EíQ^Q\xmúuá/DeU-ã JusüSa

Chefe do Departamento de tetrasUNEMAT - Campus de Sinop

SINOP

30 de Junho de 2008

Dedico este trabalho aos meus pais,

por tantos carinhos recebidos;

As minhas irmãs,

pela compreensão e pelo apoio;

A minha amiga Aline,

que nunca mediu esforços para me ajudar.

Amanda

AGRADECIMENTOS

Agradeço a primeiramente a Deus, minha querida família, os meus colegas de sala e todos

que de forma direta ou indireta contribuíram para realização deste trabalho.

Ao corpo de Professores do Departamento de Letras, pelos incentivos no decorrer do

curso, que compartilharam conosco seus conhecimentos.

Em especial a minha Professora orientadora Neusa Inês Philippsen, pela sua dedicação em

contribuir com este projeto.

AMANDA

A maior aventura de um ser humano é viajar,

E a maior viagem que alguém pode empreender

É para dentro de si mesmo.

E o modo mais emocionante de realizá-la é ler um livro,

Pois um livro revela que a vida é o maior de todos os livros,

Mas é um pouco útil para quem não souber ler nas entrelinhas

E descobrir o que as palavras não disseram...

Augusto Cury

RESUMO

LIMA, Amanda Soares. A INTERTEXTUALIDADE QUE PERMEIA NAS OBRAS:PINÓQUIO, DE COLLODI E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, DE STEVEN SPIELBERGTrabalho de Conclusão de Curso. Graduação em Letras - Instituto de linguagem. Universidade deMato Grosso/ Campus de Sinop. 2008.

Este trabalho vem mostrar o quanto a Lingüística, mais especificamente a Lingüística

Textual, é uma ciência que, apesar de nova, tem a capacidade de analisar pontos importantes para

os estudos da linguagem, como a intertextualidade, que se apresenta como importante noção para

a contextuaiização entre textos compostos em épocas muito distintas. Pretendemos analisar, nesta

pesquisa a intertextualidade que há entre o conto de fadas, que conta a estória de Pinóquio, com o

filme de ficção Inteligência Artificial. São dois relatos, contados de formas diferentes, mas nos

quais lingüisticamente situamos uma semelhança textual coerente e que se entrelaça no fio

narrativo. Assim, este trabalho visa, fundamentalmente, mostrar o longo alcance cultural e as

diferentes vertentes históricas que a Lingüística Textual pode resgatar.

Palavras Chaves: Lingüística Textual, Intertextualidade, Texto e Narrativas de ficção.

ABSTRACT

LIMA, Amanda Soares, THE INTERTEXTUALIDADE BETWEEN IN WORKS:

PINÓQUIO, OF COLLODI AND ARTIFICIAL INTELLIGENCE, OF STEVE

SPIELBERG 2008. Work Completion of Graduate Course in Literature Institute of language.

Univcrsity of Mato Grosso / Campus of Sinop. Sinop,2008

This work comes to show how much the Linguistics, more spccifically the Literal

Linguistics, is a science, that, allhough new, il has the capacity to analyze important points for the

studies of the language, as the intertextualidade, that if presents as important notion for the

contextualization between texts composites at very distinct times. We intend to analyze, in this

research, the intertextualidade that has enters the story of fairies that counts to the history of

Pinóquio with the fíction film Artificial Intelhgence. They are two stories, counted of different

forms, but in which linguistically we point out a coherent literal similarity and that it is interlaced

in the narrative wire. Thus, this work aims at, basically, to show to the long cultural reach and the

different historical sources that the Literal Linguistics can rescue.

Keywords: Textual Linguistics, Intertextualidade, Text and Narratives of fíction.

SUMARIO

RESUMO 06

AB STRACT 07

INTRODUÇÃO 09

1 SOBRE A LINGÜÍSTICA TEXTUAL

E O TEXTO 11

2 O CONTO DEFADAS E A FICÇÃO NO FILME 21

3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS E CONTEXTUAIS DO FILME

A. I. E DO CONTO PINÓQUIO 25

4INTERTEXTUALIZANDO 30

CONSIDERAÇÕES FINAIS 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 36

INTRODUÇÃO

Inicialmente, ressaltamos que este trabalho fundamenta-se teórico-metodologicamente a

partir das noções conceituais fornecidas pela Lingüística Textual, que é a vertente da Lingüística

que se ocupa do texto como objeto de estudo e, conseqüentemente, do fator de coerência que nos

permite apreender, no fio narrativo, o diálogo com textos anteriores, o qual é denominado

Intertextualidade. Para tanto, lançaremos mão de duas obras conhecidas, porém dicotômicas no

gênero e na época de construção, o conto de fadas Pinóquio, de Collodi e o Filme Inteligência

Artificial, de Steven Spielberg.

A Estória de Pinóquio é um conto de fadas escrito por Cario Collodi por volta de 1826,

foi e continua sendo um dos grandes ícones da psicanálise infantil, e o filme de ficção do autor

Steven Spielberg, Inteligência Artificial, o qual ganhou vários prêmios em 2001.

A escolha dessas obras deve-se ao fato de servirem ao propósito operatório deste trabalho

de conclusão, ou seja, as relações intertextuais manifestam-se explicitamente nas marcas textuais

evidenciadas nos gêneros analisados.

No entanto, é importante evidenciar que a intertextualidade está ligada ao "conhecimento

de mundo", que deve ser compartilhado, ou seja, comum ao produtor e ao receptor de textos, pois

pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, porque implica a identificação, o

reconhecimento de remissões a obras ou a textos, trechos mais ou menos conhecidos, além de

exigir do interlocutor a capacidade de interpretar a função daquela citação ou alusão em questão.

Entre as mais variadas concepções de textos que dão base para a Lingüística Textual,

escolhemos dialogar em especial com Koch que, já na introdução do seu livro Introdução à

Lingüística Textual (2004, p.XI à XVI), destaca que a Lingüística Textual, assim como outras

teorias modernas dos estudos da linguagem, passou por vários momentos de transição e de re

formulação de seus construtos teóricos. Inicialmente, surge a partir de uma concepção de base

gramatical, ou seja, aparecem os primeiros estudos transfrásticos, que são seguidos por outros

que procuram situar a Lingüística Textual no entrecruzamento de outras teorias de base

semiótica, semântica, pragmática, discursiva, bem como pela concepção cognitiva e, por último,

o texto construído pela concepção de base sociocognitiva-interacional.

No capítulo um, apresentaremos um esboço da teoria escolhida para a fundamentação

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teórico-metodológica deste estudo, assim como conceitos que importam para o desenho estrutural

da pesquisa, tais como a caracterização de texto para a Lingüística Textual, os fatores de

coerência e, em especial, a intertextualidade, que é a noção opcratoria escolhida para o

desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso.

No segundo capítulo, iremos abranger um pouco mais sobre cada uma das estórias e seus

gêneros textuais, faremos uma explanação sobre as características e onde surgiu a fábula e a

ficção no filme Inteligência Artificial.

No capítulo três, serão apresentadas as considerações iniciais e contextuais do filme A.I e

do Conto Pinóquio, no qual proporcionamos ao leitor fragmentos da obra de Pinóquio e os

Pontos Centrais do filme A.I.

E, finalmente, no quarto capítulo, teceremos considerações analíticas sobre os

significados nas entrelinhas de ambos os textos, mostrando a possibilidade de um texto estar

refletido em outro texto, ocasionada pelo o recurso da intertextualidade.

II

1 - SOBRE A LINGÜÍSTICA TEXTUAL E O TEXTO

Nesta primeira parte do nosso estudo, apresentaremos uma breve trajetória da Lingüística

Textual, seu objeto de estudo, o texto e os principais fatores necessários para a textualidade, em

especial a intertextualidade.

1.1 - Quando e o porquê surgiu a Lingüística Textual - LT

Em diálogo com Koch (2004, p.03-11) vimos a confirmar que a Lingüística Textual

constitui um novo ramo da Lingüística que começou a se desenvolver na década de 60, na

Europa, e, de modo especial, na Alemanha. Seu objetivo de trabalho consiste em tomar como

unidade básica, ou seja, como objeto particular de investigação, não mais a palavra ou a frase,

mas sim o texto, por serem os textos a forma específica de manifestação da linguagem. De acordo

com essa teórica (2004, p.3):

Na sua fase inicial, que vai, aproximadamente, desde a segunda metade da década de 60até meados da década de 70, a Lingüística Textual teve por preocupação básica,primeiramente, o estudo dos mecanismos interfrásticos que são parte do sistemagramatical da língua, cujo uso garantiria a duas ou mais seqüências do estatuto do texto.

A autora relata como precursores da Lingüística Textual; Halliday e Hasan (1976), que

definem o texto como "realização verbal entendida como uma organização de sentido, que tem

valor de uma mensagem completa e válida num contexto dado"; (Ibib, p.4)

Weinrich (1964,1971,1976) é um autor que não apresenta propriamente um modelo de gramática

textual. Ele postula a necessidade daquilo que se poderia chamar "macrossintaxe do discurso",

com base em diversos aspectos discursivos, tais como a sintaxe dos tempos verbais, a do artigo, a

questão da subordinação e da coordenação, entre outros.; Isenberg (1968), que tem por objetivo

primordial construir, ainda que parcialmente, um mecanismo apto a engendrar textos, isto é, uma

gramática de texto que deve ser um modelo da competência lingüística do falante e não dos

processos postos cm ação na construção de um enunciado em situações concretas de discurso. Ele

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define a gramática textual como um mecanismo finito capaz de gerar um conjunto

potencialmente infinito de textos, com suas propriedades formais e semânticas; Dressler

(1970,1972) pondera que, nas gramáticas de frase, ficam excluídas vastas partes da morfologia,

da fonologia e da lexicologia. Já a lingüística textual comporta diversas manifestações e permite

apreender a textualidade presente nas marcas lingüísticas

Um dos nomes mais importantes para a constituição da Lingüística Textual certamente é

Van Dijk, que, inicialmente, procura fundamentar sua teoria de texto na teoria gerativa, tomando

como ponto de partida o significado, mas propondo, como unidade básica de estudo, o texto e não

o enunciado. Para o pesquisador em questão, o texto é signo lingüístico primário, a unidade

fundamental da língua, pois o homem fala ou escreve não por meio de frases, mas de textos. O

mesmo autor (1972) procura ainda demonstrar que a análise de um texto é redutível a uma análise

frasal, pois o falante de uma língua conhece as regras subjacentes às relações interfrásticas

(anafóricas, pronomes, tempos verbais, definitivização, tópico, comentário, foco, ênfase,

pressuposição, implicação etc), sem as quais não poderia produzir enunciados coerentes já que o

falante pode produzir/interpretar um número infinito de discursos diferentes, sua competência é

necessariamente textual.

Outro nome de destaque é o de Petõfi (1973), que se dedica à elaboração de uma teoria do

texto. O objetivo de suas pesquisas tem sido o de construir uma teoria semiótica dos textos, capaz

de explicar simultaneamente os aspectos extra-textuais (externos ao texto), compreendendo estes

não apenas às condições externas de produção e recepção de textos, e o componente semântico-

extensional - a interpretação, no sentido lógico do termo.

Petõfi considera o texto a unidade de base da gramática, à qual cabe estudar e descrever

todos os aspectos das relações que podem existir entre enunciados de um texto, o que exige,

necessariamente, que se ultrapassem os limites do enunciado.

Entre as causas que levaram os lingüistas a desenvolverem gramáticas textuais, podemos

citar: as lacunas das gramáticas de frase no tratamento de fenômenos, tais como a correferência, a

pronominalização, a seleção dos artigos (definido e indefinido), a ordem das palavras no

enunciado, a relação tópico-comentário, a entoação, as relações entre sentenças não ligadas por

conjunções, a concordância dos tempos verbais e vários outros que só podem ser devidamente

explicados em termos de texto ou, então, com referência a um contexto situacional.

A Lingüística Textual comporta diversas manifestações interdisciplinares: cabe à

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semântica do texto explicitar o que se deve entender por significação de um texto e como ela se

constitui. É tarefa da pragmática do texto dizer qual é a função de um texto no contexto

(extralingüístico); já a sintaxe do texto tem por encargo verificar como vem expressa

sintaticamente a significação de um texto e como pode expressar o que estáà suavolta.

Estreitamente correlacionada à sintaxe do texto está a fonctica do texto, que, de modo

análogo à fonética da frase, ocupa-se das características e dos sinais fonéticos da configuração

sintática textual.

Apresentaremos, a seguir, os três momentos fundamentais na passagem da teoria da frase

à teoria de texto, frisando que não se trata de uma distinção de ordem cronológica, e sim

tipológica, por não haver, entre eles, uma sucessão temporal, constituindo-se cada um deles em

um tipo diferente de desenvolvimento teórico.

Como primeiro momento, temos o da análise transfrástica, em que se procede à análise

das regularidades que transcendem os limites do enunciado. A pesquisa circunscreve-se a

enunciados ou seqüências de enunciados, partindo-se, pois, destes em direção ao texto, definido,

porexemplo, porIsenberg (1971) como "seqüência coerente de enunciados". O principal objetivo

desse momento teórico é o de estudar os tipos de relação que se podem estabelecer entre os

diversos enunciados que compõem umaseqüência significativa. Koch (2004, p.6) afirma que:

(...) todo falante de uma língua tem a capacidade de distinguir um texto coerente de umaglomerado de enunciados,(...) qualquer falante é capaz de parafrasear, de resumir umtexto, de perceber se está completo ou incompleto, de atribuir-lhe um título, ou deproduzir um texto a partir de um títulodado.

Entre essas relações, ocupam o primeiro plano as relações referenciais, em particular a

correferência, que é considerada como um dos principais fatores de coesão textual.

O segundo momento é o da construção das gramáticas textuais. Entre os modelos dessas

gramáticas, como já destacamos anteriormente, temos a de Petõfi (1973), que é uma gramática

textual com uma base fixada de modo não-linear, isto é, a base textual consta de uma

representação semântica indeterminada com respeito às manifestações lineares das seqüências de

enunciados.

É a parte transformacional que determina as manifestações lineares do texto, pois Petõfi

(1973) postula ser este modelo de gramática apto a tornar possível: a) a análise de textos, isto é, a

atribuição a uma manifestação linear de todas as bases textuais possíveis; b) a síntese de textos,

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ou seja, a geração de todas as bases possíveis textuais; c) acomparação de textos. Neste modelo,o léxico, com suas representações semânticas intencionais, assume função relevante.

O terceiro momento, finalmente, é o da construção das teorias de texto. Nesse momento

se adquire-se particular importância ao tratamento dos textos no seu contexto pragmático: o

âmbito de investigação se estende do texto ao contexto, entendido, em geral, como conjunto de

condições externas ao texto, da produção, da recepção e da interpretação do texto.

Levar em conta esses três critérios de análise - o sintático, o semântico e o pragmático -,

é indispensável na hora de examinarmos qualquer fato da língua. Por exemplo: muitas vezes um

enunciado sintaticamente igual pode ter uma semântica e uma pragmática completamente

diferentes se for pronunciado por um brasileiro e se for pronunciadopor um português.

Embora a língua aparentemente seja a mesma na forma e na organização das palavras, o

uso dessas palavras pode ter significadose efeitos diferentes aqui no Brasil e lá em Portugal.

Por isso, podem surgir mal-entendidos na comunicação: um dos falantes pode usar as

palavras com uma determinada intenção em mente e o outro entendê-las com outro significado e

com outra intenção. Por ex.: Um rapaz brasileiro entrou numa loja em Lisboa e perguntou ao

vendedor: "Tem filme para máquina fotográfica?" O vendedor, muito gentil, respondeu: 'Ter,

temos, mas não há". O rapaz ficou confuso, e não é para menos. Ele não sabia que os portugueses

não usam o verbo TER com sentido impessoal de HAVER, como nós brasileiros fazemos (e

como eles, portugueses, faziam na Idade Média). Assim, o vendedor entendeu a pergunta como:

"Vocês têm filme para máquina fotográfica?" Por isso respondeu: 'Ter, temos, normalmente, mas

agora, neste momento, não há filme na loja para vender".

Por isso, também, é preciso tomar muito cuidado com o uso do rótulo tradicional de erro.

Um suposto erro sintático pode muitas vezes ser provocado por uma intenção do falante de deixar

mais claro o significado que tem em mente. Esses aspectos pragmáticos são muito importantes no

momento de estudarmos, entre outras coisas, as transformações que a língua sofre ao longo do

tempo.

Após contextualizarmos, brevemente, a trajetória conceituai da Lingüística Textual,

apresentaremos o objeto de estudo desta disciplina, o texto, a partir do qual é nos possível refletir

sobre os fatores de textualidade.

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1.2 - O texto como unidade de sentido

Em uma abordagem geral, identificamos o texto como: conjuntos de unidades discursivas

estruturadas, não apenas de acordo com padrões sintático-gramaticais, mas também inter-

relacionadas segundo princípios lógico-semânticos. O significado de uma parte não é autônomo,

mas depende das outras partes com que se relaciona; o significado global do texto não é o

resultado de uma mera soma de suas partes, mas de uma certa combinação geradora de sentidos.

Conforme Koch apud Prestes (2001, p.19)

"O texto é a unidade básica de manifestação da linguagem, é muito mais que a simplessoma das frases (e palavras) que o compõem: a diferença entre frase texto não émeramente de ordem quantitativa, é sim de ordem qualitativa. Em sentido estrito, texto équalquer passagem - falada ou escrita - que forma um todo significativo, nãoimportando sua extensão"

Os textos caracterizam-se, assim, pela coerência conceituai, pela coesão seqüencial de

seus constituintes no plano do significado, pela adequação às circunstâncias e condições de uso

da língua. O conceito que normalmente temos de texto é empírico. Diante de uma série de

enunciados não inter-relacionados dentro desses princípios lógico-semânticos, numa dada

situação de uso da língua, sabemos que não estamos diante de um texto

Para que identifiquemos como texto uma série de enunciados encadeados, é preciso que a

seqüência de enunciados forme um todo significativo, constitua uma unidade de sentido nas

circunstâncias de uso em que ocorrem.

Um texto pode ser, portanto, escrito ou falado, apresentar extensão ou duração variáveis,

concretizar-se em qualquer registro ou modalidade de uso da língua; pode ser uma passagem

escrita, em verso, ou em prosa, um provérbio, uma legenda de fotografia, uma simples

exclamação, a totalidade de um livro, um artigo de periódico, uma crônica, um verbete de

dicionário, uma reportagem, um anúncio.

Pode também ser uma seqüência de atos de fala, um diálogo, uma conversa telefônica,

uma conferência, uma aula, um simples grito, longas discussões acerca de um tema, comentários,

informes ou notícias veiculadas oralmente.

Embora as definições de texto sejam muitas, podemos formular uma que nos dê uma

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visão mais abrangente, ou seja, um texto é um todo organizado de sentido e produzido por um

sujeito em um dado espaço e em um dado tempo.

É importante salientarmos que nosso trabalho irá utilizar dois tipos de texto, um conto de

fadas e um filme, os quais foram produzidos em épocas distintas e, a partir de gêneros textuais

diferentes, mas, a sustentação teórico-metodológica da Lingüística Textual fornece-nos os

recursos necessários para o resgate da intertextualidade presente em ambos.

1.3 - O texto e o elemento coerência

A coerência é um dos elementos ou recursos responsáveis pela textualidade de um texto,

ou seja, ela é uma das responsáveis pelo estabelecimento de sentidos para os elementos

lingüísticos presentes em um texto. Como exemplo, transcreveremos duas frases que são

desprovidas de coerência, objetivando explicitar melhor sobre este importante recurso textual, a)

Ana tinhafeito o almoço quando cheguei, mas ainda estavafazendo o almoço.; b) A tartaruga

está grávida. Estas frases podem ser apontadas como incoerentes, pois, entre o contexto e o

conhecimento de mundo e entre uma passagem e outra da estrutura textual ela nos é apresentada

desconexa de sentido, ou seja, a escolha do vocábulo grávida é inadequado para um réptil

aquático, assim como não é aceitável a locução verbal tinhafeito, que remete a um fato acabado,

concluído, em contraposição à locução estava fazendo, que remete a um ato inconcluso, em

desenvolvimento.

Então, podemos dizer que a coerência não depende apenas dos elementos lingüísticos que

estão dispostos no texto, mas também do conhecimento de mundo e dos fatores de

contextuaiização em que o texto está inserido; ou seja, a coerência é construída a partir do texto

em situação interativa, cognitiva, situacional e sociocultural. De acordo com Koch (2003, p.52)

"A coerência diz respeito ao modo como os elementos à superfície textual vêm a construir na

mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos".

Para o interlocutor, os elementos que dão superfície ao texto são os referenciais co-

textuais formadores de sentidos. E a coerência é exatamente o modo de como esses elementos

vêm formar sentido em suas mentes. Por isso, ela é resultado de uma construção de sentido que

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cada interlocutor faz ao ler o texto. Ela pode se estabelecer em diversos níveis, como: no nível

semântico, no temático, no estilístico. Todos esses níveis levam o texto a possuir uma coerência

global. Para Koch e Travaglia apudPrestes (2001, p.l):

"A coerência se refere, a possibilidade de estabelecer um sentido para o texto, ou seja, éOque faz comque o textofaçasentido paraos usuários, devendo, portanto, ser entendidacomo um princípio de inlcrpretabilidade, ligada a inteligibilidade do texto numa situaçãode comunicaçãoe à capacidadeque o receptor tem paracalcular o sentido deste texto".

Entre os principais fatores de coerência temos a intertextualidade noção operatório central

de nossa pesquisa, a qual contextualizaremos no item a seguir.

1.4 - A coerência e seu fator - intertextualidade

Na literatura relativa à Lingüística Textual é freqüente apontar como um dos fatores de

textualidade, a referência - explícita ou implícita - a outros textos, tomados estes num sentido

bem amplo (orais, escritos, visuais, artes plásticas, cinema, música, propaganda etc). A esse

"diálogo" entre textos é que se dá o nome de intertextualidade.

Tais textos podem ter sido escritos um anterior ao outro, ou ao mesmo tempo, mas

precisam fazer parte da memória intelectual ou discursiva dos interlocutores. A intertextualidade

pode aparecer em provérbios, ditos populares, frases bíblicas ou obras, trechos de obras

constantemente citados, literalmente ou modificados, cujo reconhecimento é facilmente

perceptível. Por exemplo, uma revista quando quer angariar credibilidade pode apresentar um

anúncio assim: "Dize-me o que lês e dir-te-ei quem és", que está voltado fundamentalmente para

um público de uma determinada classe sociocultural, o produtor do mencionado anúncio espera

que os leitores reconheçam o dito popular "Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és",

Ditado, é a expressão que através dos anos se mantém imutável, aplicando exemplos morais,

filosóficos e religiosos.

Há, no entanto, certos tipos de citações literais ou construídas, e de alusões muito sutis

que só são compartilhadas por um pequeno número de pessoas. E o caso das referências

utilizadas em textos científicos ou jornalísticos, seções de economia e de informática por

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exemplo. Também em obras literárias como, prosa ou poesia, que às vezes remetem auma formaou a um conteúdo bastante específicos, percebido apenas por um leitor-interlocutor muito bem

informado e ou altamente letrado.

Percebam o que afirma Koch (2004, p. 147): "Na intertextualidade (...) a descoberta do

intertexto torna-se crucial para a construção do sentido". Para se obter uma intertextualidade

completa e lógica é necessário, porém, alguns cuidados no momento de escrever, pois se ao

redigir o escritor "abusar" das possibilidades de intertextualidade, a tal ponto que, sem a

identificação das referências, o texto pode torna-se ininteligível e pode chegar a ser considerado

por algumas pessoas como um "amontoado aleatório de enunciados", sem coerência e, portanto,

desprovido de sentido.

Alguns teóricos costumam identificar tipos de intertextualidade entre os quais destacamos

Koch (2004, p. 146-153), que destaca a que se liga ao conteúdo (por exemplo, matérias

jornalísticas, que se reportam a notícias veiculadas anteriormente na imprensa falada e ou escrita;

textos literários ou não-literários que se referem a temas ou assuntos contidos em outros textos

etc). A intertextualidade pode ser explícita(citações entre aspas, com ou sem indicação da fonte)

ou implícita (paráfrases, paródias etc);

A autora retrata também a intertextualidade que se associa ao caráter formal, que pode ou

não estar ligado à tipologia textual como, por exemplo, textos que "imitam"a linguagem bíblica,

jurídica, linguagem de relatório etc, ou que procuram imitar o estilo de um autor;

Há ainda os tipos textuais (ou "fatores tipológicos"), ligados a modelos cognitivos

globais, às estruturas e superestruturas ou a aspectos formais de caráter lingüístico próprios de

cada tipo de discurso ou a cada tipo de texto, por exemplo,: tipologias ligadas a estilos de época.

Porsuperestrutura entendem-se, entre outras: estruturas argumentativas, tese anterior, premissas,

argumentos, contra-argumento, síntese, conclusão, nova tese; estruturas narrativas, situação,

complicação, ação ou avaliação, resolução moral ou estado final etc.

Na estrutura textual, contudo, muitas vezes a coerência e o(s) sentido(s) do texto vêm

justamente de uma aparente incoerência que se desfaz, quando se completam as lacunas com

informações externas, vindas do universo cultural comum ao produtor e ao interlocutor dos

textos. A linguagem do dia-a-dia está cheia de lacunas e de intertextualidades. Tanto textos

literários quanto não-literários recorrem com freqüência a esse expediente.

O que é realmente importante é que não se encare a intertextualidade apenas como a

19

"identificação" da fonte e, sim, que se procure estudá-la como um enriquecimento da leitura e daprodução de textos e, sobretudo, que se tente mostrar a função da sua presença na construção e

no(s) sentido(s) dos textos.

1.5 - A função da intertextualidade

Considerada por alguns autores, tais como Koch & Travaglia (1989), como uma das

condições para a existência de um texto, a intertextualidade se destaca por relacionar um texto

concreto com a memória textual coletiva, a memória de um grupo ou de um indivíduo específico.

Trata-se da possibilidadede os textos serem criados a partir de outros textos.

As obras de caráter científico remetem explicitamente a autores reconhecidos, garantindo,

assim, a veracidade das afirmações. Nossas conversas são entrelaçadas de alusões a inúmeras

considerações armazenadas em nossas mentes. O jornal está repleto de referências já

supostamente conhecidas pelo leitor. A leitura de um romance, de um conto, novela, enfim, de

qualquer obra literária, aponta-nos paraoutrasobras, muitas vezes apenas de forma implícita.

A compreensão de textos, considerados da forma mais ampla, muito dependerá da

experiência de vida, das vivências, das leituras que o interlocutor possui. Determinadas obras só

se revelam através do conhecimento de outras. Ao visitar um museu, por exemplo, o

conhecimento prévio muito auxilia para a compreensão contextual de certas obras. A noção de

intertextualidade, da presença contínua de outros textos em determinado texto, leva-nos a refletir

a respeito da dicotomia individualidade e coletividade.

O leitor deve perceber as condições de produção do texto que está lendo, ou seja,

compreender o momento histórico em que foi produzido e ler as entrelinhas colocadas pelo autor,

constituindo-se desta forma um co-autor do texto. Assim, ele estará recorrendo à

intertextualidade para se tornar um leitor crítico capaz de buscar sempre entender o contexto, o

tempo, o espaço, o sujeito, as mudanças e as permanências, as transformações e os novos

significados lingüísticos construídos a partirdo textocom o qual estáentrando em contato.

Mencionamos, na introdução deste trabalho, os textos, a estória de Pinóquio e o filme

Inteligência Artificial, com os quais trabalharemos procurando explicitar a intertextualidade que

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há entre ambos. Então, no próximo capítulo, conheceremos um pouco mais sobre cada uma das

estórias e seus gêneros textuais.

2- O CONTO DE FADAS E A FICÇÃO NO FILME

2.1 - A fábula1

Os contos de fadas são de origem celta e são uma variação do conto popular ou como

são mais conhecidos naquela região, fábulas. Normalmente são narrativas curtas, transmitidas

oralmente, nas quais o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar

contra o mal. Como característica principal há o envolvimento de algum tipo de magia,

metamorfose ou encantamento, e apesar do nome, animais falantes são muito mais comuns

neles do que as fadas propriamente ditas. Alguns exemplos: "Rapunzel", "A Bela e a Fera",

"Branca de Neve e os Sete Anões".

A palavra portuguesa "fada" vem do latim fatum, que significa: destino, fatalidade,

fado etc. No Brasil e em Portugal, os contos de fadas, na forma como são hoje conhecidos,

surgiram em fins do século XDC sob o nome de contos da carochinha. Esta denominação foi

substituída por "contos de fadas" no século XX.

Fadas são entidades fantásticas, características do folclore europeu ocidental.

Apresentam-se como mulheres de grande beleza, imortais e dotadas de poderes sobrenaturais,

capazes de interferir na vida dos mortaisem situações que delimitam limite. As fadas também

podem ser diabólicas, e, sendo assim, são chamadas de "bruxas", usualmente retratadas como

megeras, desprovidas de beleza.

Os contos de fadas possuem algumas características que os identificam facilmente, por

exemplo: eles podem ter ou não a presença de fadas, mas sempre há magia e encantamentos;

seu núcleo problemático é existencial, ou seja, o herói ou a heroína busca a realização pessoal;

os obstáculos ou provas constituem-se num verdadeiro ritual de iniciação para o herói ou

heroína; e, quase sempre, são de origem celta.

No geral, a "fada" aparece na estória para resolver um problema, conflito ou uma injustiça e o

modo pelo qual estes são resolvidos é oferecendo às crianças um palco onde elas podem

representar seus conflitos interiores. As crianças, quando ouvem um conto de fada, projetam

inconscientemente partes delas mesmas em vários personagens da estória, usando-os como se

As informações centrais subitem foram retiradas do link. Fonte//pt.wikipe'dia.org/wiki/Contos_de_fadas/

22

fosse um depósito psicológico para elementos contraditórios do eu.

As versões infantis de contos de fadas hoje consideradas clássicas, devidamente

corrigidas, reformuladas e suavizadas no decorrer do tempo, teriam nascido quase por acaso na

França do século XVII, na corte de Luís XIV, pelas mãos de Charles Perrault. Em referência aos

países de língua inglesa, a transformação dos contos de fadas em literatura infantil ou sua

popularização, só teria mesmo ocorrido no século XIX, em função da atividade de vendedores

ambulantes, mais conhecidos como "mascates", que viajavam de um povoado para o outro

vendendo artigos domésticos, partituras e pequenos volumes baratos, por poucos centavos, que

continham histórias simplificadas do folclore e contos de fadas expurgados das passagens mais

fortes, o que lhes facilitava o acesso a um público mais amplo e menos sofisticado.

Considerado o pai da literatura infantil, o poeta e novelista dinamarquês Hans Christian

Andersen escreveu cerca de duzentos contos infantis, em parte retirados da cultura popular, em

parte de sua própria lavra, entre 1835 e 1872. Seus principais contos infantis são: A Roupa Nova

do Imperador, O Patinho Feio, Os Sapatinhos Vermelhos, A Pequena Sereia, A Pequena

Vendedora de Fósforos, A Princesa e a Ervilha.

Na segunda metade do século XIX os contos de fadas começam novo ciclo de decadência.

Em lugar do sobrenatural surge o "fantástico absurdo". O principal representante desta nova

escola é Lewis Carroll, a partir do livro "Alice no País das Maravilhas", de 1865.

Outro que obteve êxito em fundir o maravilhoso com o racionalismo foi o italiano Cario

Collodi, que, em 1883, publicou "Pinóquio", um dos maiores sucessos da literatura infantil

mundial. É ali que surge não somente o boneco, cujo sonho era se transformar em gente, mas a

Fada Azul, uma benfeitora mágica capaz de transformar sonhos em realidade. Fragmentos dessa

estória, encontram-se no capítulo três deste trabalho.

2.2- A.I-ficção2

O filme Inteligência Artificial (2001), doravante A.I., de Steven Spielberg aparece

provavelmente numa só perspectiva: como signo de um tempo marcado por um discurso

1As Informações destesubitem foram retiradas do link: http://www.cineplayers.com./critica.php?id76/

23

tecnocientífico, que sustenta a ilusão do homem contemporâneo em ser maior que Deus ealcançar o impossível, intervindo na criação da vida, ainda que o "ser criado" seja colocado naposição de puro objeto.

Na verdade, podemos pensar que esse filme tem um efeito sintomático de uma cultura

determinada por um discurso social dominante produtor de uma modalidade na qual o outro passa

a ser tomado como objeto próprio ao imaginário.

Pensamos ser oportuno esclarecer que, para John McCarthy (apud Folha de S. Paulo,

02/09/2001) criador do termo inteligência artificial, o conceito de inteligência artificial deve ser

compreendido como a ciência e a engenharia aplicadas à elaboração de máquinas inteligentes, em

especial, programas de computadores inteligentes; e, entre seus objetivos, está levá-las a atingir o

mesmo nível da inteligência humana. Na verdade, no horizonte ficcional dessa ciência, a meta

máxima é a transformação desses seres mecânicos em entes conscientes e com sentimentos.

Nesse sentido, Rodney Brooks (apud Folha de S. Paulo, 2001) diretor do Laboratório de

Inteligência Artificial do MIT - Instituto de Tecnologias de Massachusttes, para a produção do

filme A.I., afirma, "Em 20 ou 30 anos teremos capacidade tecnológica para construir um robô

com a mesma quantidade de computação do cérebro humano. Só não sei se nós vamos conseguir

decifrar os algoritmos necessários nesse período de tempo".

Entretanto, ele esclarece: "A maior parte dos robôs que iremos construir não terá vontade

própria". Nessa afirmação, se, por um lado, está demarcada uma "íntima" relação entre os

humanos e os robôs, por outro, tais "seres" caracterizam-se como objetos perfeitos para ocuparem

o lugar de objeto de gozo do outro que o possui.

Se refletirmos a respeito da posição sintomática ocupada pela criança como objeto das

fantasias mais fundamentais de nossa época, podemos então pensar que tudo o que desejarmos e

que nos falta poderá ser fabricado pela ciência e oferecido no mercado, até mesmo uma criança.

Assim sendo, teremos a existência de uma criança como objeto-mercadoria com valor estipulado.

O filme encontra-se localizado em um tempo futuro indeterminado, em que o efeito estufa

derreteu a calota polar, matou bilhões de pessoas e afundou cidades costeiras como Nova Iorque

e Amsterdã. Quanto à sociedade, esta se divide em orgas - os orgânicos - e os mecas - os

mecânicos -, sendo que os primeiros encontram-se sob severa restrição paraprocriar.

Assim, não parece sem sentido que, no início do filme, tenhamos a exposição do projeto

do cientista Robby (William Hurt), cujo objetivo é a produção de mecas - robôs - programados

24

com a capacidade humana de sentir, e cuja argumentação ressalta a criação de Adão e Eva,"programados" para amar o seu criador.

Com efeito, meca-filho David (Haley Joel Osment), que é cópia fiel de uma criança

humana programada para servir ao outro "com amor", nada mais é do que uma metáfora dessacriança-objeto, presente em nosso tempo das mais diversas formas.

Vejamos, por exemplo, o caso da criança que, ao ser "beneficiada" pelo programa bolsa

escola ou similares, pode vir a adquirir para a família valor de mercadoria a ser negociada, ou

mesmo o da criança que, objeto do querer consciente de uma mulher, torna-se "produto" de uma

produção "independente", na qual o desejo sexual, ao ser excluído do assunto da procriação, leva-

a a uma mistura da filiação. Ainda podemos ir mais longe no nosso raciocínio, olhando para o

caso da pequena prostituta, cuja posição de objeto permite que desejos incestuosos sejam

satisfeitos sem nenhum interdito, pois, afinal de contas, a filha é do outro. Essas são situações em

que, alienadas ao desejo do outro, fazem com que crianças sejam impedidas de se constituir em

sujeito que tem seus próprios desejos.

Por isso, escolhemos a estória de Pinóquio e o filme Inteligência Artificial, pois o desejo

de ter sentimentos humanos está nos protagonistas, Pinóquio e David, e nos dois gêneros, temos a

presença da pela mesma personagem mágica, a Fada Azul. Apesar de serem estórias localizadas

em tempo e espaço diferentes, há uma relação intertextual. Quanto ao seu fundo "fantástico

absurdo" ou "maravilhoso".

Nossa análise seguirá com maior riqueza de detalhes no(s) próximo(s) capítulo(s) deste

trabalho, lembrando que o objetivo central é priorizar a intertextualidade entre o conto de fadas

de Pinóquio e o filme A.I.

3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS E CONTEXTUAIS DO FILME A. I E DOCONTO PINÓQUIO

Segue, neste capítulo, um relato sucinto das obras que serão utilizadas no decorrer deste

trabalho, no qual podemos visualizar pontos que marcam claramente a intertextualidade que

existe entre ambas.

3.1 - Pinóquio - Fragmentos da obra

Em sua humilde casa Gepeto dá início a construção do boneco. Gepeto decide logo pelo

nome: "Quero chamá-lo Pinóquio. Este nome vai trazer-lhe sorte. Conheci uma família inteira de

Pinóquios: - era Pinóquio pai, Pinóquia, a mãe, Pinóquios, os filhos (...) O mais rico deles pedia

esmola."

À medida que vai talhando o pedaço de pau vai reagindo, os olhos piscam, ainda mal

acabada a boca mostra-lhea língua, quando terminou as pernas e segurou-o pelas mãos Pinóquio

foge correndo para a rua, capturado o boneco arma um escândalo, e seu pai é preso. Pinóquio

volta para casa, sozinho, mas aparece um grilo que fala e lhe dá conselhos, mas o boneco é

pouco tolerante e não quer mais ouvir o pobredo Grilo, fica muito bravo e atira-lhe um martelo o

que esmaga a cabeça do animalzinho.

O boneco sai para seu primeiro dia de aula, cheio de planos e de sonhos, logo quer

aprender a ler, no outro dia quer aprender a escrever; no terceiro, os números... Mas, no caminho,

escuta uma música alegre e fica curioso ao ponto de se desviar do caminho da escola, e chega a

um local onde está anunciado o Grande Teatro de Bonecos. O danado do boneco vende sua

cartilha para comprar o ingresso.

No dia seguinte o diretor do teatrinho chama Pinóquio para saber quem era seu pai e qual

sua profissão: "Ele é um pobre" - responde-lhe. Come-fogo dá-lhe 5 moedas de ouro para que

leve a Gepeto. No caminho Pinóquio encontra uma Raposa e um Gato cego, tão cego que

consegue engolir um melro num bote. Levando o boneco na conversa, convencem-no que ele

devia plantar as moedas para que venham a render duas mil e quinhentas iguais - e o ingênuo

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fantoche esquece-se dos planos que fizera de dar uma nova jaqueta ao pai, e comprar uma

cartilha...

Pinóquio segue seu caminho, chega finalmente a uma casa, onde encontra uma menina.Ela informa que todos os moradores, inclusive ela, morreram. É uma linda menina de cabelosazuis e rosto branco como cera. Pinóquio, apesar de falar com uma morta, implora por ajuda. A

menina pede para ele contar-lhe suas aventuras, mas Pinóquio inventa muitas histórias e o seu

narizcrescea cada mentira , ele fica muito envergonhado e tenta fugir, mas o nariz não deixaque

passe pela porta.

Depois que Pinóquio chorou bastante, a menina bate palmas e mil pássaros bicam-lhe o

narigão até devolver-lhe a forma original, a linda garota diz que seu pai está vindo a seu encontro,

e ansioso o boneco parte para encontrá-lo no caminho. Mas em vez de Gepeto ele encontra a

Raposa e o Gato e estes de novo o convencem a ir plantar as moedas no Campo dos Milagres.

Juntos atravessam uma estranha cidade, chamada "Pega Trouxas", cheia de moradores muito

suspeitos. Chegam a um campo, e ali Pinóquio semeia suas moedas na esperança de ficar mais

rico, enquanto seus amigos seretiram dizendo que precisam irpara cuidarem da própria vida.

Pinóquio volta à cidade, esperando o tempo parasua maravilhosa colheita. Mas não nasce

a tal árvore e, ao cavar o local onde havia semeado as moedas, nada encontra.

Voltando a correr rumo à casa da menina de cabelos azuis, ela revela que é uma fada.

Pinóquio fala à fada de seu sonho de ser como gente. Então a fada promete-lhe conceder

esse sonho, se ele for um menino bondoso.. Pinóquio jurou à Fada que se comportaria e por um

ano inteiro cumpriu a palavra, até boas notas ele tirou. A Fada, vendo aquilo, prometeu-lhe, um

dia, que "Amanhã você não será mais um boneco de madeira e vai tornar-se um menino de bem

"O boneco vê uma luz ao fundo. Ao se aproximar enxerga um velhinho de cabelos brancos,

sentado a uma mesa, a comer peixinhos vivos, ele reconhece seu pai Gepeto e fica feliz com o

reencontro!

Quando dorme, sonha com a Fada que, dando-lhe um beijo, elogiou sua nova conduta e

acorda sentindo que não é mais um boneco, havia se transformado em menino de verdade. Olhou

em volta e viu que a cabana havia se transformado numa bela casa, seu pai, Gepeto, que era um

senhor doente e triste, estava alegre, saudável e forte e o esperava na sala. O bem que ele

praticara, o tinha transformado em menino de verdade.

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3.2 - InteligênciaArtificial- Pontos Centrais

Inteligência Artificial pode ser conceituado como um filme confessional, pois se volta à

criancinha mecanizada sendo a personagem principal, mas recheada com um ingrediente

especial: o amor. David é um robô criado para ser "o primeiro de uma nova espécie". Ele é frutode um amor mal resolvido, o de seu criador (interpretado por William Hurt), que perdera seu

filho ainda criança. David é o substituto. Ele será o primeiro robô capaz de amar

incondicionalmente seu dono. Durante uma palestra sobre a nova criação, uma estudante

pergunta: "O robô será programado para amar seu dono, mas seu dono poderá não amá-lo. Isso

não envolve um problema ético?" A pergunta, infelizmente, não é suficientemente bem

respondida, no entanto, deixa ao expectador um ponto importante de reflexão sobre o anseio

humano de criar máquinas inteligentes e dotadas de sentimentos.

O robozinho é testado em uma família, a qual já perdeu as esperanças que seu filho,

Martin, recupere-se de uma doença que o deixou paralisado.

A primeira parte do filme mostra a aclimatação da família com David. Por um instante,

parece que não se sabe muito bem o que vai acontecer, pois háquase uma inversão de papéis em

que parece ser David quem controla psicologicamente o casal, que não tem a mínima idéia de

como tratar o menino-robô. Mas um milagre acontece: o filho doente recobra a consciência e

volta para casa. A situação rapidamente se complica entre os dois 'irmãos' e, em uma festa,

David quase mata acidentalmente Martin. Então o robô torna-se pouco a pouco indesejável,

apenas um super-brinquedo. Deslocado de suas funções, começa a ter 'disfunções': disputa a

atenção e o amor dos pais com o filho real, recusa-se a aceitar-se e ser tratado como robô,

imagina-se menino, e chega ao ponto de, supostamente, representar um perigo paraa família.

A intolerância do pai de Martin chega ao máximo e convence a mãe, Mônica, da

impossibilidade da família continuar com o filho virtual. Ela aceita devolvê-lo, mas, no último

momento, falta-lhe coragem, pois sabe queele será destruído. Então, resolve deixá-lo na floresta

e recomendaque ele só fale com outros iguais a ele.

Na floresta, começa a segunda parte do filme. David estará entre os seus, entre os mecas

(mecânicos). Os robôs que vivem na floresta são os "indesejados" ou ultrapassados do mundo

28

robótico, são os deformados, destruídos, aqueles que já não servem mais para cumprir as missõespara as quais foram designados, David passa a viver com eles mas não se sente em casa. Omenino-robô, mesmo entre os seus, mantém seu desejo, aquele para o qual foi programado: amarsua mãe. E como ele imagina que sua mãe não gosta dele porque se trata apenas de um robô, a

missão de David será encontrar um meio de tornar-se humano. Ele encontrará o adorável Gigolô

(Joe, interpretado por Jude Law), um meca programado para satisfazer os desejos sexuais dasmulheres. Juntos, enfrentarão algumas peripécias: serão presos por um fanático grupo que odeia

mecas e o mundo virtual, mas serão soltos porque David será confundido com um menino

verdadeiro (porque " mecas não gritam implorando pela vida quando vão morrer"). Então, irãopara acidade à procura da Fada Azul, a mesma fada que no clássico Pinóquio o transformou emum menino de verdade e com quem David inequivocamente se identifica.

Ele busca sem descanso uma forma de obter o amor de sua mãe. Neste ponto do filme,

virtual e real se confundem, não há mais distinção entre uma programação de computador e o

sentimento de uma pessoa real. Este clímax da narrativa tem o intuito máximo de chamar a

atenção dos expectadores para as conseqüências danosas que o impulso humano de criar 'vidas'

robóticas pode ocasionar.

David tanto procura que encontra a imagem da Fada Azul, representada em uma estátua,

no fundo do mar, ele acredita que essa imagem pode realizar seu desejo, e pede com muita

devoção que ela o transforme em um menino de verdade. A "Fada Azul", estátua, não ouve, não

se move, mas ele continua a insistir paraque ela faça dele um garoto real. A intertextualidade,

acentuada pelo autor, no desejo do menino-robô tornar-se menino de verdade e no resgate da

mesma personagem, a Fada Azul, para realizar a passagem do virtual (fantástico) para o real

apresentam, contudo no filme, umdesfecho distinto.

O roteiro, nesse momento, dá um salto gigantesco no tempo, no conteúdo e na emoção.

Isto representa que o menino-robô não pode assumir forma humana em nosso tempo, em que os

robôs são máquinas comandadas por humanos. Passam-se, todavia, dois mil anos, e o mar

congelado está sendo explorado poruma forma de vida muito evoluída, que parece extraterrestre,

e consegue encontrar David.

Retiram o robô do gelo e falam para ele que no momento em que vivem (um novo tempo

e espaço), David éo ser mais próximo do humano que eles já viram, e por isso eles vão satisfazer

qualquer vontade do Meca. Esse, sem demora, pede para ser um menino de verdade para que sua

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mãe volte a amá-lo. Então a criatura evoluída, uma espécie de máquina muito luminosa epensante, diz aDavid que se passaram dois mil anos eque sua mãe, Mônica, já morreu há muitotempo, mas dizem que eles podem recriar qualquer humano apartir do fragmento de uma unha,gota de sangue ou cabelo.,

Então o urso Teddy, seu fiel companheiro, pega fios do cabelo de Mônica que haviaguardado e entrega para que ela seja recriada e assim David poderia passar com ela um diainteiro, só ele e ela, sem a intervenção de ninguém. Eo desejo do robô é satisfeito. Ele passa 24

horas ao lado de sua amada mãe, fazendo tudo o que ela quer, sendo um filho carinhoso e

atencioso que uma mão sempre quis. No fim deste dia David ouve de Mônica o que esperou,

desejou e buscou, por dois mil anos, ouvir, um "Eu te Amo David" acompanhado de um fraterno

abraço matcrnal.

Em seguida, Mônica dorme e vai para o mundo onde ossonhos começam.

4 - INTERTEXTUALIZANDO

Depois de, apresentaremos conceitualmente a possibilidade de um texto estar refletido em

outro e isso ser identificado pelo recurso da intertextualidade, de conhecermos brevemente sobre

a o gênero textual da fábula, e a estória de Pinóquio, bem como sobre o gênero ficção com o

filme Inteligência Artificial, teceremos nossas considerações analíticas sobre os significados nas

entrelinhas de ambos os textos.

4.1 - Entre a realidade e a ficção, será tudo magia?

O filme Inteligência Artificial apresenta claramente uma intertextualidade com a narrativa

de Pinóquio, estratégia utilizada pelo autor da narrativa fílmica com o intuito de torna-se fonte

inspiradora para que David, um robô criado para substituir um menino que está em coma, saia em

busca de seu sonho. Além disso, o próprio fato de os protagonistas, David e Pinóquio, desejarem

se tornar humanos paia que supostamente seus problemas sejam solucionados é marcante em

ambas as estórias. Porém, o desfecho não é igual para as duas. Pinóquio, um boneco de madeira

com forma humana, adquire mais que a aparência, o próprio corpo humano; David, um simulacro

perfeito da espécie humana, não é contemplado com tal magia, embora ambos tenham atingido

um crescimento interno de acordo com os padrões de suas épocas.

Destacamos que este trabalho se ocupa primordialmente em mostrar a intertextualidade

que existe em ambas as obras. Para isso, citaremos a seguir trechos das duas estórias em que

explicitamente identificamos o objetivo central de nossa pesquisa, ou seja, apreender em ambos

os enredos as relações intertextuais que as aproximam.

Em várias partesda estóriade Pinóquio, lemos que ele devorara os alimentos:

"Comidas, ou melhor, devoradas as três pêras, Pinóquio deu um longuíssimo bocejo e

disse choramingando: - Ainda estou comfome. "(p.3I)

Na estória do filme destacamos o momento em que David está sentado à mesa com os

pais e Martim, e, por querer ser como o irmão, devora toda a comida que está a sua frente e

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mastiga rápido, tentando repetir osmovimentos do outro menino.Os animais, como já apresentado anteriormente, sempre têm um papel muito importante

nos contos de fada; em Pinóquio existe o grilo falante que é parceiro incondicional do boneco. O

inseto companheiro tenta aconselhar Pinóquio, mas não no sentido de obrigá-lo a nada, oque elepretende é apenas mostrar-lhe asconseqüências das suas ações.

"-Não confie, meu rapaz, naqueles que prometem deixá-lo rico da noite para o dia.Geralmente, ou são loucos, ou trapaceiros! Ouça o meu conselho: volte para trás." / "-Mas eu

pelo contrário, quero ir emfrente. (...) Sempre amesma conversa. Boa noite, Grilo, "(p.49,50)No filme, o animalzinho companheiro de David é o ursinho Teddy, que também é um

brinquedo mecânico super-desenvolvido e que parece ter vontade própria. Teddy acompanhaDavid até o último momento de suas aventuras, sempre ensinando o que o robô não sabe. E no

desfecho do enredo teve atuação central, pois foi ele quem guardou oscabelos damãe, Mônica.

Em suas jornadas por vários lugares osperigos eram constantes para osdois personagens,

e em um desses cenários Pinóquio por pouco escapou de ser queimado pelo diretor do teatro de

fantoches. Nesse instante, ele apela para a proteção de seu "pai" Gepeto, embora este estivesse

longe:

" Meu pai, venha me salvar! Não quero morrer.não quero morrer"( p.39).

Seudesespero comove o diretorque o liberta.

E para David esse episódio acontece quando ele está caminhando pela floresta e acabasendo capturado e levado por exterminadores de robôs até a Feira das Carnes. Exposto na arena,

local destinado ao extermínio dos seres artificiais, ele implora por sua vida ao sentir a primeira

gota de ácido atingi-lo: "Não me matem! Eu não sou Pinóquio! Eu sou David!". Isto faz com queas pessoas fiquem comovidas e inicia-se um tumulto que possibilita a fuga de David e do amigoJoe. Acomoção acontece, fundamentalmente, porque, como já descrito, David, ao implorar pela

vida, é confundido como um menino de verdade.

Mas a pitada de magia de ambas as estórias está ligada à presença da Fada Azul. O

encontro de Pinóquio com a fada ocorre em um momento em que o boneco necessita de ajuda

para escapar dos ladrões, a raposa eogato. Afada passa a ser sua conselheira e protetora.Para ela, Pinóquio confessa seu descontentamento com a realidade: sua forma não humana

e sua condição de eterna infância, além do desejo de crescer. A fada lhe diz ser impossível

atender a esse desejo, por ele ser um boneco. Mas Pinóquio insiste, "Oh, estou farto de ser

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boneco! (...) Já é tempo de eu também me tornar um homem" (p.95).No filme o robozinho associa o fato da "mãe", Mônica tê-lo abandonado à sua condição

de um ser mecânico ao invés de orgânico e, para tentar mudar aquela condição, ele inicia sua

busca pela Fada Azul, inspirado na estória da personagem Pinóquio. Assim David eoamigo Joeao encontro do criador de mecas, que lhes fala a respeito da criação, de David e de seu teste,

afirmando ter constatado sua superação em relação a seu programa. Porém, isto não é suficientepara que lhe seja conferida ahumanidade. Ocientista acrescenta que acreditar em contos de fadasé "um defeito ou uma virtude humana de querer oque não épossível". David se vê como modelode uma construção em série e tenta fugir do prédio onde está. E, tomado de um desejo de fugirpara continuar sua busca pela fada azul, David se deixa cair nas águas. Ao atingir o fundo, umcardume de pequenos peixes o conduz até o local onde suas forças se renovam.

Lá, há um parque temático submerso, e, nesse momento, ocorre o clímax da

intertextualidade, pois David encontra-se na terra de Pinóquio, onde finamente visualiza aestátuada Fada Azul. Ele suplica para que ela realize seu desejo: "Fada Azul, porfavor, me transforme

em um menino de verdade".

4.2 - E na Magia o que há de real ou Fictício?

Ao longo dos anos as estórias utópicas e seus significados vêm sendo objeto de análise

em diversos sentidos relacionados com a educação. Ao entrar em contato com o conto de fadas

ou com uma ficção a criança se vê refletida no enredo dos personagens e as lutas da estórias

passam a ser suas, também as vitórias e as derrotas.

O conto de fada tem como primeiro atrativo a capacidade de encantar e entreter mas seu

real valor é o longo poder de ajudar as crianças a lidar com os seus conflitos internos durante o

seu crescimento. Em geral nos contos de fada aparecem o que podemos chamar de "Os sete

pecados capitais": inveja, gula, ira, luxúria, hipocrisia, avareza epreguiça, os quais são "comuns"na personalidade infantil. Embora possam aparecer mais de um pecado em cada conto de fadanormalmente somente um deles vai ocupar o lugar principal na trama.

Mas o conto de fadas tem um efeito benéfico salutar para a criança, para isso ele precisa

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ser lúdico, oferecer o recurso da evasão e reforçar o significado do compromisso. No lúdico a

criança vai sentir o prazer proporcionado pelo ritmo, pelo som, pela imagem e pelo jogo daspalavras; aevasão leva oleitor afugir daqui eagora para viver em um mundo onde oimaginárioeoreal se entrelaçam; e pelo compromisso será dado uma visão maior dos aspectos da vida e dohomem, levando as crianças paraum questionamento da realidade.

Todos os pontos discorridos acima são possíveis de serem identificados em ambos osenredos. Em Pinóquio, que àprimeira vista pode parecer uma estória desprovida de fundo moral,mas, ao lermos as entrelinhas, identificaremos que está repleta de: ludicidade, evasionisno e

muito compromisso.

Pensemos, então, no boneco de madeira como um todo. Ele só não era de carne e osso,

porém todas as suas atitudes, desde a construção do pedaço de madeira gritando de dor até aúltima palavra da narrativa, eram de um ser humano, por mais incorretas que sejam as ações dePinóquio, sempre foram pertinentes a um garoto de sua idade. No fim, o fato de ele se tornar decarne e osso nada mais é do que uma recompensa por ele ter deixado de ser mal educado e passar

a ser um garoto responsável, trabalhador, honesto e gentil, atributos esses que são geralmente

despertados nas crianças mediante uma recompensa oferecida pelos pais.

Já no filme Inteligência Artificial, o autor testa os limites éticos do ser humano e acaba

transformando o enredo na temática sobre o amor incondicional. Mas não é um amor consciente,

decidido, calmo, e sim um amor programado. O que marca bastante no filme, é o fato de o amor

não existir de forma qualitativa, ou seja, o amor é um sentimento que não importa pela sua

qualidade, mas pela quantidade, ou pela presença ou ausência. O amor de David jamais écolocado em questão, ele ama e pronto, não se discute. E por esse amor ele vive todas as

desventuras em busca da Fada Azul, na qual ele deposita todas as esperanças em ser humano de

verdade.

Na ficção fílmica não identificamos os problemas de personalidade inerentes aos contos

de fadas, em virtude disso podemos dizer que o fictício passa longe de se esbarrar na realidade,

pois nele os fatos são pensados, calculados e tidos como certos, sem margens para qualquerinterferência. No caso do filme em discussão, o protagonista é tão bem educado que os pais não

precisam sepreocupar com nada referente aocaráter dacriança.

As histórias analisadas, neste trabalho, são exemplos dos gêneros citados que, apesar de

serem diferentes em suas épocas, enredo e desfecho, possuem uma "intimidade" nos seus textos,

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ocasionada pelo recurso da intertextualidade e que refletem situações contextuais críticas de

distintos momentos da história humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, constatamos que a Lingüística Textual revolucionou e

evolucionou conhecimentos, os quais necessitam e exigem novas e eficientes formas de

representação permitindo ao homem organizar cognitivamente o mundo de tal modo que o

contato com os textos não apenas torna o conhecimento visível, mas, na realidade, sócio-

cognitivamente eles passam a existir.

A Lingüística Textual torna-se, assim, cada vez mais um domínio multi - e

transdisciplinar em que se busca compreender e explicar o objeto multifacetado que é o texto,

fruto de um processo extremamente complexo de interação, construção social de conhecimento e

de linguagem.

A noção operatória central que norteou esta pesquisa foi a intertextualidade, identificada

na estória de Pinóquio e no filme Inteligência Artificial. Durante o estudo dessas narrativas,

compreendemos que a intertextualidade, que se faz presente em ambas, também está presente em

inúmeras outras situações, tanto do nosso cotidiano, quanto de textos, histórias e relatos, sejam

eles escritos ou não.

Desse modo a noção de intertextualidade, ou seja, da presença contínua de outros textos

em determinado texto, levou-nos a refletir a respeito da dicotomia entre individualidade e

coletividade em termos de criação textual, todo texto é produto de criação coletiva porque a voz

do seu produtor se manifesta ao lado de outras vozes que já tratam do mesmo tema e com as

quais elas podem se pôr em acordo ou desacordo.

Ao analisarmos os textos já citados e apreendermos nas marcas textuais os sentidos de

magia, fantasia e ficção misturados ao plano de realidade possível, compreendemos que, durante

a formação educacional das crianças, esses gêneros podem ser produtivos e úteis para trabalhar

com os conflitos psico-sociais de uma forma produto-construtiva.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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