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A Pinacoteca do Estado de São Paulo é um dos mais importantes museus de
arte do Brasil.[3] Ocupa um edifício no Jardim da Luz, no centro de São Paulo, projetado
por Ramos de Azevedo e Domiziano Rossi para ser a sede do Liceu de Artes e Ofícios. É
o mais antigo museu de arte de São Paulo, fundado em 1905 e regulamentado como
museu público estadual desde 1911.
Após a reforma conduzida por Paulo Mendes da Rocha na década de 1990,
tornou-se uma das mais dinâmicas instituições culturais do país, integrando-se ao circuito
internacional de exposições, promovendo eventos culturais diversos e mantendo uma
ativa produção bibliográfica.[3] A pinacoteca também administra o espaço denominado
Estação Pinacoteca, instalado no antigo edifício do DOPS, no Bom Retiro, onde mantém
exposições de longa e curta duração e o centro de documentação da instituição.
A Pinacoteca do Estado abriga um dos maiores e mais representativos acervos
de arte brasileira, com quase oito mil peças abrangendo majoritariamente a história da
pintura brasileira dos séculos XIX e XX. Destacam-se também a Coleção Brasiliana,
integrada por trabalhos de artistas estrangeiros atuantes no Brasil ou inspirados pela
iconografia do país, e a Coleção Nemirovsky, com um expressivo conjunto de obras-
primas do modernismo brasileiro. Também conserva um núcleo de pinturas e esculturas
oitocentistas europeias, além do gabinete de obras sobre papel.
As origens da Pinacoteca do Estado remetem à criação do Liceu de Artes e
Ofícios de São Paulo. Este, por sua vez, é fruto de um contexto de profundas modificações
sociais, políticas e econômicas que operavam em São Paulo na segunda metade do século
XIX. A então província, que se mantivera de pouca expressão até a década 1870,
metamorfoseava-se, alavancada pela expansão cafeeira e pela consolidação da rede
ferroviária. Recebia um grande fluxo de imigrantes (intensificado após a abolição da
escravatura), que conferiam transformações significativas, abarcando desde a cultura
material e hábitos alimentares até as novas formas de sociabilização. Os núcleos urbanos
adensavam-se e modernizavam-se. Na cidade de São Paulo, os capitais acumulados pelos
cafeicultores eram reinvestidos na incipiente indústria, realimentando o ciclo de
prosperidade. Novos edifícios eram construídos e a técnica da taipa cedia espaço à
alvenaria de tijolos. Bairros nobres eram construídos para abrigar os solares e palacetes
dos barões do café, sempre seguindo os padrões arquitetônicos europeus, marcados pelo
ecletismo. Ainda mais numerosos eram os bairros operários que surgiam, expandindo de
forma acelerada o núcleo urbano.[4] [5]
As transformações urbanas decorrentes deste progresso material demandavam
cada vez mais profissionais habilitados a trabalhar com os métodos construtivos surgidos
após a Revolução Industrial. Os imigrantes europeus supriam em parte essa necessidade,
mas tornava-se imprescindível qualificar a mão-de-obra nativa para atender à obsessão
de renovar a capital paulista. Visando minorar esta premência, em 1873, o conselheiro
Carlos Leôncio da Silva Carvalho instituiu, com o auxílio de 131 sócios beneméritos, a
Sociedade Propagadora da Instrução Popular, uma organização privada sem fins
lucrativos. A princípio, a sociedade ministrava gratuitamente cursos noturnos de
primeiras letras em sua sede na então chamada Rua São José (atual Libero Badaró) —
caligrafia, aritmética, sistema métrico e gramática, além de prover cuidados médicos e
remédios aos alunos, adultos em sua grande maioria. Na primeira década de atividades,
foram habilitados mais de 800 alunos. Em 1882, uma reforma ampliou o rol de disciplinas,
que passou a incluir também línguas estrangeiras. Neste mesmo ano foi criado, sob tutela
da sociedade, o Liceu de Artes e Ofícios, destinado a "ministrar gratuitamente ao povo
os conhecimentos necessários às artes e ofícios, ao comércio, à lavoura e às indústrias",
seguindo uma orientação semelhante à do contemporâneo movimento Arts & crafts da
Inglaterra.
A sociedade criada por Leôncio Carvalho era em parte subsidiada por
particulares, mas dependia sobretudo de verbas concedidas por entidades governamentais.
Com a Proclamação da República em 1889, o apoio governamental minguou, envolvendo
a instituição em uma grave crise financeira que quase a obrigou a encerrar as atividades.
Em 1895, numa tentativa de salvar o Liceu, a sociedade indica o influente arquiteto
Francisco de Paula Ramos de Azevedo para assumir sua direção. Ao passo que Leôncio
Carvalho tinha fortes ligações com o Império, Ramos de Azevedo era um republicano
convicto, participou dos movimentos de renovação do quadro político após a queda da
monarquia e possuía relações estreitas com relevantes nomes do novo regime, incluindo
Francisco Glicério, ministro do governo do marechal Deodoro da Fonseca. Outra
conveniência da indicação era o fato de que Ramos de Azevedo já era então um dos
principais encarregados das obras de renovação urbana na cidade de São Paulo, autor de
inúmeros projetos de edifícios públicos e privados, tinha amizades influentes na
sociedade e nos meios empresariais e era um importante agente cultural e respeitado
formador de opiniões. O arquiteto comungava, como os titulares do novo regime, dos
ideais positivistas e contava com o apoio dos seus colegas da maçonaria. Ramos de
Azevedo era também membro do Landmanscraft, uma sociedade secreta presidida por
Paula Sousa, instalada na Escola Politécnica, que por sua vez tinha vínculos com a
Burschenschaft, a chamada "Bucha" da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, à
qual foram filiados diversos nomes de relevo, na política, no governo e no judiciário, que
institucionalizaram entre si uma rede de apadrinhamentos e trocas de favores.[8] [9] Dessa
forma, o novo diretor não teve dificuldades em cooptar o apoio do Presidente do Estado,
Bernardino de Campos, e de seus secretários, Alfredo Pujol e Cesário Mota Júnior, ao seu
ambicioso plano de reformulação do Liceu, visando transformá-lo em uma espécie de
órgão complementar da Escola Politécnica, de cuja fundação participara. Tendo
assegurado os recursos necessários para manter a instituição operante, Ramos de Azevedo
tratou de reformular o currículo dos cursos ofertados, eliminando as matérias alheias ao
ensino técnico-profissionalizante. Ao mesmo tempo, tratou de incluir disciplinas
relacionadas às artes visuais, em consonância com seu projeto de criar as bases para uma
"futura Escola de Belas Artes de São Paulo". O Liceu assumiria, portanto, a tarefa de
preencher também essa lacuna e, extrapolando seu objetivo original de habilitar artesãos,
passou a atuar no âmbito do ensino artístico, formando nomes como Hugo Adami, Mário
Zanini e Odetto Guersoni. Por fim, como julgava que a instituição não era dotada de um
espaço condigno, conseguiu do Governo do Estado, em 1897, a doação de um amplo
terreno, desmembrado do Jardim da Luz, para construir a nova sede do Liceu. Também
obteve do poder público a importante verba de cem contos de réis, votada pelo Congresso
Legislativo do Estado de São Paulo e destinada à construção do edifício.[8] [10]
O projeto do edifício ficou a cargo do escritório do próprio Ramos de Azevedo,
que o concebeu em colaboração com Domiziano Rossi. Foi idealizado em estilo
neorrenascentista, tipologia adequada aos edifícios oficiais, conforme a caracterologia
dos acadêmicos atrelados à tradição arquitetônica da Beaux-Arts parisiense, e imaginado
com monumentalidade. O edifício seria dotado de um grande pórtico de entrada provido
de larga escadaria e uma imensa cúpula (que jamais foi construída) sobre o grande salão
central, alta o suficiente para que pudesse ser vista pelos transeuntes próximos do prédio,
na calçada da Avenida Tiradentes. Na construção, utilizou-se grande quantia de material
importado, boa parte obtida por meio de doações dos fornecedores — indício adicional
do prestígio e influência de Ramos de Azevedo. O edifício, ainda inacabado, foi
inaugurado em 1900, passando a receber os alunos de "instrução primária e artística".
Logo se percebeu, entretanto, que o prédio havia sido superdimensionado para a pequena
quantidade de alunos destes cursos. O governo então tratou de transferir para o edifício
também o Ginásio do Estado, a primeira escola de ensino secundário de São Paulo (que
dividiria o espaço com o Liceu até 1924). Por outro lado, as oficinas para os cursos de
habilitação técnica, que deveriam ser o tema principal do projeto, uma vez que
congregavam mais de 800 alunos, foram alojadas em um porão subdimensionado, de pé-
direito baixo, e logo estavam saturadas.[8] [9] [10]
O problema da exiguidade do espaço logo se tornou insustentável. Para
solucionar a questão, Ramos de Azevedo solicitou ao Presidente do Estado, Jorge Tibiriçá,
a doação de um terreno localizado entre as ruas Cantareira, João Teodoro e Jorge Miranda,
para a construção de galpões propriamente industriais, aptos a atender a demanda. Em
1919, obteve do Presidente Rodrigues Alves nova doação de terreno, ampliando a área
das oficinas para um total de 13.500 m2 Assim, o edifício que fora projetado para abrigar
o Liceu progressivamente perdeu a sua função original. A instituição continuaria a manter
algumas atividades no prédio do Jardim da Luz até a década de 1930, como, por exemplo,
exposições de trabalhos de alunos, mas desde o começo da década de 1910 passou a
concentrar a maior parte de suas atividades nos galpões da Rua da Cantareira.[8] [11]
A fundação e os primeiros anos
Além da necessidade de profissionais habilitados a trabalhar com as novas
técnicas industriais, o progresso material havia criado em São Paulo, conforme
mencionado, uma nova classe abastada, que demandava também a dinamização e
modernização da vida cultural. Para a elite paulista que se formava na virada do século
XIX para o século XX, a cultura erudita, além de um indício de civilização, era também
a afirmação do crescimento econômico e um fator relevante para a construção de uma
identidade nacional em sentido amplo. O aristocratismo paulista ora justificava essa
necessidade de modernização cultural tomando a arte como uma espécie de atributo social,
exclusivo de seus pares, ora por meio de um discurso paternalista, pregando a necessidade
de elevar o nível educacional das camadas populares. No que tange às artes visuais, os
investimentos concentravam-se sobretudo na escultura e na estatuária, com a abertura de
concursos públicos para construção de monumentos comemorativos, além das
encomendas de monumentos funerários para decorar os aristocráticos cemitérios da
Consolação e do Araçá. A pintura, de certa forma, ficava relegada a um segundo plano,
embora ocorressem periodicamente exposições de artistas brasileiros e estrangeiros nas
extintas livrarias Laemmert e Garraux. A vida cultural era permeada ainda pela existência
de diversos jornais e revistas (como O Estado de S. Paulo, o Correio Paulistano, O
Commercio de São Paulo, Diário Popular, Platéa, Fanfulla, etc.), teatros como o Frontão
Boa Vista e o Sant'Ana, clubes como o Recreativo Seis de Janeiro. Mas se esta nova elite
tinha por objetivo aproximar a cultura brasileira dos padrões da burguesia européia,
faltava-lhe ainda um museu artístico.[5] [12] [12] [13]
Coube ao poder público, durante a gestão de Bernardino de Campos no governo
paulista, encampar a iniciativa. A Pinacoteca do Estado foi oficialmente criada em 1905,
com o apoio do vereador Maurício de Sampaio Vianna, do engenheiro Adolpho Augusto
Pinto e do mecenas e senador estadual José de Freitas Valle. A implementação efetiva do
projeto, no entanto, ficou a cargo do secretário do Interior e da Justiça, José Cardoso de
Almeida, que tratou de solicitar à direção do Liceu de Artes e Ofícios a cessão de um
salão em seu já ocioso edifício para "estabelecer uma galeria de pintura com quadros
existentes no Museu do Estado e com os que forem adquiridos". O Museu do Estado (atual
Museu Paulista, ou "do Ipiranga"), fora criado em 1891, a princípio instalado no Largo
do Palácio, logo transferido para um prédio na Rua da Consolação e finalmente sediado
no edifício-monumento do Ipiranga, erguido para homenagear a Independência do Brasil.
Era então um museu generalista, reunindo coleções de história, história natural e obras de
arte, frutos da doação de Francisco de Paula Mayrink (abrangendo o acervo particular do
coronel Joaquim Sertório e a coleção Pessanha). Sua concepção inicial como "museu
enciclopédico" logo seria contestada e, gradualmente, o Museu Paulista tornaria-se um
museu especializado em história, ao mesmo tempo que matriz na formação de novos
museus. Este primeiro desmembramento decretado por Cardoso de Almeida consistia em
um conjunto de 26 pinturas de valor propriamente artístico, entre retratos, paisagens e
naturezas-mortas, de autores como Almeida Júnior, Antônio Parreiras, Oscar Pereira da
Silva, Benedito Calixto, Eliseu Visconti e Pedro Weingärtner, entre outros, que
destoavam do perfil histórico pretendido pelo museu, então imbuído de um projeto de
consolidação de uma iconografia que refletisse o ideário republicano.[12] [14] [15] [16]
Na condição de diretor do Liceu, Ramos de Azevedo também tornou-se
responsável pela gestão da pinacoteca, embora a hierarquia administrativa do novo museu
só viesse a ser estabelecida na década de 1930. Para receber as obras, o arquiteto projetou
adaptações no terceiro andar do edifício, em consonância com os padrões museográficos
então vigentes. Instalou uma grande claraboia retangular, com claridade regulada por
véus transparentes, evitando que os quadros recebessem iluminação direta das janelas, e
mandou revestir as paredes com pintura lisa em tons purpúreos, despidos de ornatos, de
forma a destacar as obras.[17] [18]
A inauguração do novo museu ocorreu em 24 de dezembro de 1905. Estiveram
presentes na solenidade de abertura o presidente da República, Rodrigues Alves, o
presidente do Estado, Jorge Tibiriçá, o diplomata Domício da Gama, o Ministro do
Interior e Justiça da União José Joaquim Seabra, além de secretários, senadores,
deputados, magistrados, membros da elite financeira de São Paulo e os cônsules de
Portugal, Espanha, França e Áustria. O discurso de inauguração ficou a cargo de Cardoso
de Almeida, que ressaltou a importância da iniciativa para a preservação da memória
artística nacional e salientou que a coleção, "embora pequena, tem o alto valor de um
estímulo à educação de nossos sentimentos estéticos".[14] [17]
A inauguração foi fartamente coberta pela imprensa da cidade, que informava
sobre planos para expandir o museu, realizar exposições temporárias e instituir um salão
de arte anual com prêmios aquisitivos, que estimularia o desenvolvimento artístico
paulista e permitiria ampliar o acervo. Esse entusiasmo inicial, entretanto, logo cedeu
lugar à frustração. A coleção crescia com base em doações e transferências, mas não havia
qualquer trabalho de análise, contextualização ou extroversão das obras. O salão de arte
permaneceu como mera intenção e as mostras realizadas no edifício eram organizadas
diretamente pelo Liceu, sem envolvimento da pinacoteca. A recém-inaugurada instituição
estava mais próxima de ser uma galeria, um espaço expositivo, do que de um museu. Seu
funcionamento era irregular e a visitação era escassa. Assim, já em 1911, a mesma
imprensa registrava, sobre o museu, que “ninguém via nem sabia para que fora criado”[14] [17]
De 1911 à Revolução de 1930
No começo da década de 1910, as críticas à gestão da pinacoteca intensificaram-
se. Um editorial de primeira página do Commercio de São Paulo, publicado em 2 de
novembro de 1911, acusava o poder público de "um lamentável e propalado descuro",
argumentado sobre o contrassenso da utilização de dinheiro público para adquirir obras
que não estavam à disposição dos interessados e apontando para a falta de verbas de
custeio e funcionários qualificados, sem os quais "a Pinacoteca nunca chegaria a
corresponder aos intuitos que determinaram a sua criação". Em resposta às críticas,
Freitas Valle, então deputado pelo Partido Republicano Paulista, redigiu o projeto da lei
nº 1.271, aprovada com o respaldo de Sampaio Vianna, de Ramos de Azevedo e de
Adolpho Pinto, dando a pinacoteca o status de órgão autônomo e a definindo como museu
estatal, subordinado à Secretaria do Interior e da Justiça. A lei estabelecia ainda que a
instituição deveria continuar a funcionar como núcleo de aprendizado, nos moldes que
haviam sido estabelecidos pelo Liceu.[19] [20]
O museu foi por fim franqueado permanentemente à visitação pública em
dezembro de 1911, quando se inaugurou também a Primeira Exposição Brasileira de
Belas-Artes. Durante a mostra, o governo do Estado fez sua primeira aquisição direta para
o acervo da pinacoteca, comprando Leilão de peixes, do espanhol Cubells y Ruiz. A
Segunda Exposição Brasileira de Belas-Artes ocorreu no ano seguinte com a presença de
54 pintores e nove escultores, mas foi criticada pela ausência de obras-primas e não mais
retomada. Também em 1912, a pinacoteca publicou seu primeiro catálogo. O acervo
contava então com 59 peças. Entre as novidades da coleção, estavam telas de autores
brasileiros já consagrados, como Aurélio de Figueiredo e João Batista da Costa, do casal
Georgina e Lucílio de Albuquerque, além de talentos emergentes como Torquato Bassi.
É desta época a aquisição de Maternidade, de Eliseu Visconti, obra que havia se
destacado na Primeira Exposição Brasileira de Belas-Artes. Por outro lado, o catálogo
também registrava aquisições de obras de qualidade discutível e de pintores
desconhecidos, evidenciando a ausência de um partido museal sólido.[20] [21]
Em 1913, a pinacoteca sediou uma abrangente mostra itinerante de arte francesa.
Promovida pelo Comitê França-América, a mostra vinha de Buenos Aires, onde teria
ficado a maior parte das peças relevantes. O governo optou por adquirir a seção de arte
retrospectiva, com gravuras, reproduções, fotografias e moldes. A mostra fora planejada
como a primeira de uma série dedicada à arte das nacionalidades latinas européias, que
deveria ser seguida por exposições das escolas italiana, espanhola e portuguesa. Com a
eclosão da Primeira Guerra Mundial e as dificuldades inerentes ao contexto, o projeto não
pôde ser levado adiante.[21] . Também foram organizadas, nesses primeiros anos, algumas
mostras individuais (como as de Aurélio de Figueiredo e de Pedro Alexandrino, em 1912)
e, notadamente, exposições dedicadadas à escultura. Muitos escultores de renome, tais
como Amedeo Zani, Ettore Ximenes e Julio Starace, atuaram como professores do Liceu,
obtendo assim permissão para expor sua produção nos salões do edifício, onde
estabeleceram-se de forma alternada a partir de 1912.[21]
Ainda nos primeiros anos, a mudança das oficinas do Liceu para os galpões na
Rua da Cantareira liberou espaço no edifício para a exposição do acervo, que durante as
três primeiras décadas, cresceria com base nos critérios consagrados de "arte burguesa"
(ou pompier), ecoando o gosto predominantemente acadêmico dos salões de artes e das
doações feitas pelas abastadas famílias paulistanas. Um importante instrumento para
ampliação do acervo nesses anos iniciais foi o Pensionato Artístico do Estado de São
Paulo. Criado em 1912, o Pensionato concedia bolsas de estudo para que estudantes de
artes estabelecidos no estado de São Paulo se aperfeiçoassem em renomados centros
europeus de formação artística, ficando os bolsistas obrigados a enviar à pinacoteca, ao
término de sua viagem, duas cópias de obras consagradas e um trabalho original. Esse
sistema de envios explica a ênfase da coleção da pinacoteca no academicismo paulista do
começo do século XX, tendo permitido à instituição angariar obras de Mário e Dário
Barbosa, Francisco Leopoldo e Silva, Paulo Vergueiro Lopes de Leão e Túlio Mugnaini,
entre outros. O incipiente modernismo brasileiro seria por longo período ignorado pela
instituição.[16] [22]
As exposições individuais pioneiras de Lasar Segall (1913) e de Anita Malfatti
(1917), realizados em salões comerciais da cidade, já haviam apresentado aos paulistanos
as novas propostas artísticas e estéticas das vanguardas européias, mas não contaram com
a compreensão do público, sendo também ignoradas ou ridicularizadas pela crítica local.
Somente a partir da realização da Semana de Arte Moderna, em 1922, é que se inicia um
processo de assimilação das novas correntes estéticas, permitindo também o agrupamento
de intelectuais e artistas engajados na atualização do cenário artístico nacional e na
formulação de novas propostas culturais. Desta forma, embora permanecesse centrada na
formação de um acervo acadêmico, a pinacoteca acabou fazendo concessões esporádicas
às vanguardas brasileiras. Em 1928, a pinacoteca adquiriu a tela Bananal de Lasar Segall,
que se tornou primeira pintura moderna a ingressar no acervo de um museu brasileiro, em
um episódio descrito pela imprensa de então como "uma vitória para a arte moderna".
No ano seguinte, o museu comprou a paisagem São Paulo de Tarsila do Amaral.
Paralelamente, e de forma incidental, o Pensionato Artístico, idealizado como órgão de
promoção de padrões artísticos da "arte burguesa", também permitiu o ingresso no acervo
de algumas das primeiras peças não comprometidas com o ideário acadêmico, tais como
A carregadora de perfume, de Victor Brecheret, e do óleo Tropical, de Anita Malfatti.
Aos poucos, quebrava-se o perfil conservador da coleção.[16] [22] [23] [24]
Os anos vinte testemunharam iniciativas visando o estabelecimento de uma
política museal mais sólida. O museu consolidava-se gradualmente como uma instituição
cultural relevante para a cidade. Recebera, no ano de 1920, por exemplo, quase 8.500
visitantes — cifra muito aquém daquelas registradas pelo Museu Paulista, mas
significativa para um museu de arte, operando em condições muito mais limitadas e sem
as benesses da fama consolidada de "ponto turístico", da que já gozava o edifício-
monumento do Ipiranga. Em 1924, o Ginásio do Estado foi transferido para outra
localidade, liberando espaço no edifício do Liceu para acomodar a coleção ascendente.
No ano seguinte, foi aprovada a Lei 2.128, que reorganizava o organograma do poder
executivo estadual, subordinando a pinacoteca diretamente à Secretaria de Governo. Não
obstante, o período também foi marcado por retrocessos institucionais e dificuldades de
ordem externa. Em meados dos anos vinte, o descontentamento de alguns segmentos
militares com a política do café com leite fez eclodir em São Paulo a Segunda Revolta
Tenentista, o mais destrutivo conflito já ocorrido na cidade até os dias de hoje. Situada
em um dos bairros mais afetados pelos embates entre legalistas e revoltosos, a pinacoteca
foi forçada a fechar as portas e seu edifício foi atingido por granadas e balas de fuzis.[22] [24] [25]
Superado o clima de guerra civil, a pinacoteca retomou suas atividades e tratou
de reparar o danos causados ao edifício. Não obstante, no plano político, agravava-se a
crise da República Velha, culminando após a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque,
no rompimento do pacto entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Em 1930,
lideranças políticas dos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, unidos na
Aliança Liberal, impediram Júlio Prestes de assumir a presidência, conduzindo Getúlio
Vargas ao poder. Temendo ações subversivas, o governo provisório de Vargas logo tratou
de afastar políticos e alto funcionários ligados ao antigo governo paulista. A pinacoteca,
que já encontrava-se profundamente debilitada desde a morte de Ramos de Azevedo,
ocorrida em 1928, quase foi extinta. Suspendeu suas atividades, permanecendo fechada
durante toda a Revolução de 1930, e teve de ceder seu edifício para alojar os soldados da
Primeira Legião, vinda do Paraná.[22]
Mudança de endereço e reunião do acervo (1930-1947)
Ainda em 1930, o edifício voltou a ser danificado, desta vez por um incêndio
que destruiu, em grande parte, os registros históricos do Liceu de Artes e Ofícios. Após
o reparo do prédio, o governo paulista requisitou a cessão de toda a ala direita do edifício
para abrigar o Grupo Escolar Prudente de Moraes, passando a ocupar dezesseis salas e
duas galerias. Com a diminuição da área expositiva, a direção da pinacoteca realocou
parte do acervo, transferindo diversas obras para outros edifícios governamentais,
aprofundando o processo de dispersão da coleção que já se iniciara durante o uso do
edifício como abrigo militar. Em 1931, a pinacoteca passou a ser subordinada à Secretaria
da Educação e da Saúde Pública. Nessa mesma ocasião foi criado o Conselho de
Orientação Artística (COA), para desenvolver um política de aquisições e um plano de
defesa do patrimônio artístico.[12] [26] [27]
A instabilidade do ambiente político, entretanto, não permitiria avanços.
Alienadas do poder político pela Revolução de 1930, as oligarquias paulistas passaram a
exercer forte oposição ao governo Vargas, exigindo a convocação de uma Assembléia
Constituinte. Após o assassinato de quatro estudantes por membros da Legião
Revolucionária, no centro de São Paulo, o movimento ganhou adesão popular, evoluindo
para o combate armado conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932. O
edifício foi novamente requisitado para o uso dos combatentes, abrigando desta vez o
Batalhão Militar Santos Dumont. A dispersão do acervo iniciada dois anos antes
completou-se e as peças permaneceram sob custódia de diversos órgãos públicos. Os
setores administrativos da pinacoteca foram transferidos para um edifício na Rua Onze
de Agosto, onde funcionava a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. O Liceu de Artes
e Ofícios, por sua vez, transferiu para suas instalações na Rua Cantareira os poucos
setores que ainda funcionavam no edifício da Luz, e não mais retornaria à sua sede
original.[27]
Ainda em 1932, por decreto do governo estadual, a responsabilidade pela guarda
e gestão do acervo da pinacoteca foi transferida para a Escola de Belas Artes de São Paulo,
uma instituição privada de ensino artístico que fora fundada em 1925 por João Pedro
Gomes Cardim, com apoio de intelectuais como Mário de Andrade e Menotti Del Picchia,
sob a denominação original de Academia de Belas Artes de São Paulo. O decreto visava
emular o modelo de apoio governamental às artes plásticas vigente no Rio de Janeiro,
então capital federal, onde a Pinacoteca Pública (atual Museu Nacional de Belas Artes)
subordinava-se à Escola Nacional de Belas Artes. Essa tentativa de padronização também
explica a criação do Salão Paulista de Belas Artes, por decreto estadual de 1933,
estabelecido segundo os moldes do tradicional Salão Nacional de Belas Artes. Havia
também outra conveniência na unificação, uma vez que em 1932 a Escola de Belas Artes
havia sido transferida de sua sede original, na Vila Buarque, para o edifício da Imprensa
Oficial, onde passou a funcionar a direção da pinacoteca. Mas, diferentemente do que
ocorria no caso das instituições federais, o modelo de organização pretendido pelo
governo paulista visava unificar duas instituições que não compartilhavam um parentesco
histórico e que sequer possuíam a mesma natureza jurídica, sendo a pinacoteca um órgão
público e a Escola de Belas Artes uma instituição privada. A incompatibilidade de
objetivos e princípios dificultaria a iniciativa e, sete anos após a promulgação do decreto,
o vínculo entre as duas organizações seria rompido (ainda que a convivência de ambas
no mesmo espaço fosse se prolongar por mais de cinquenta anos). O Salão Paulista de
Belas Artes, por outro lado, seria consolidado como uma mostra artística de relevo nas
décadas seguintes, constituindo-se ainda, em seus primeiros anos, em uma importante
vertente para o incremento do acervo da pinacoteca, através dos prêmios de aquisição.
Nos anos seguintes a pinacoteca trataria de reunir na sede da Rua Onze da
Agosto as peças que haviam se dispersado, voltando a abrir as portas em 1936. Uma
comissão chefiada por José Wasth Rodrigues e Lopes de Leão detectou o
desaparecimento de um medalhão neoclássico de Jacques-Louis David e de 93 gravuras
francesas. Outras peças seriam extraviadas devido à prática de emprestar obras ao Palácio
dos Campos Elísios e outros órgãos governamentais. Nesse meio tempo, o governo do
estado adquiriu, por sugestão de Mário de Andrade, a tela Mestiço, de Cândido Portinari
— a primeira obra do pintor a integrar a coleção de um museu.[28]
Em 1937, a pinacoteca inaugurou a Sala Henrique Bernardelli, expondo parte
do grande espólio legado pelos irmãos Henrique e Rodolfo Bernardelli. O acervo então
somava 900 peças. Nesse mesmo ano, Lopes de Leão foi empossado no cargo de diretor
da Escola de Belas-Artes e da pinacoteca. Em 1939, o novo diretor instituiu os cargos de
restaurador e diretor-técnico. Em 1941, recusou a oferta feita pela prefeitura para instalar
a pinacoteca no Palácio das Indústrias, por temer os efeitos da poluição emitida pelo
gasômetro vizinho.[28]
Em 1947, em decorrência de diversos fatores, o museu retornaria ao antigo
edifício na Avenida Tiradentes. A prefeitura havia desapropriado o edifício da Rua Onze
de Agosto, com a intenção de demoli-lo para erguer a Praça Clóvis Bevilacqua, levando
o governo do estado a adquirir o edifício do Liceu de Artes e Ofícios para lá abrigar
novamente a pinacoteca, a Escola de Belas-Artes e o Conselho de Orientação Artística.[29]
No processo de mudança, o acervo sofreria novas perdas, nomeadamente da maquete em
gesso do Monumento às Bandeiras, doada por Victor Brecheret, que se esfacelou após
uma queda. No que tange à ampliação do acervo, destacou-se a aquisição do espólio do
pintor Pedro Alexandrino e a transferência de um segundo lote de obras procedentes do
Museu Paulista. Durante todo esse período, a pinacoteca manteve-se relativamente
distante dos movimentos de renovação artística do século XX, bem como dos demais
museus de arte criados na década de 1940 (como o MASP e o MAM), seguindo sua
vocação inicial de formar de um acervo com obras acadêmicas.[30]
A Pinacoteca Circulante (1947-1966)
Em 1947, Túlio Mugnaini substituiu Lopes de Leão na direção da pinacoteca, ao
mesmo tempo em que o Conselho de Orientação Artística foi extinto. Entre as suas
realizações, destacaria-se a criação das “Conferências Passeios”, em que nomes
consagrados no meio artístico, como Anita Malfatti, Quirino Campofiorito e Georgina de
Albuquerque, conduziam os visitantes ao contato com o acervo. Em 1950, em
comemoração ao centenário de nascimento de Almeida Júnior, a pinacoteca organizou
com uma grande retrospectiva da obra pintor. Dois anos depois, a pinacoteca recebeu uma
importante doação de 130 peças deixadas em testamento por José Manuel de Azevedo
Marques. Apesar das atividades e dos esforços de Mugnaini para incrementar a visitação,
o público ainda era escasso quando comparado aos outros museus de arte da cidade.[31]
A visitação inexpressiva seria em parte compensada pela iniciativa denominada
Pinacoteca Circulante. O projeto, levado a cabo até 1971, consistia em percorrer o
interior paulista com uma seleção de obras consagradas, exibidas em clubes, salões
paroquiais e escolas, visando democratizar o acesso e reforçar o caráter estadual da
instituição. Iniciando por São José do Rio Preto, a pinacoteca Circulante realizaria mais
de 100 exposições em aproximadamente setenta cidades do interior do estado, atingindo
um público total de 300 mil pessoas. Após quase duas décadas de mostras itinerantes, as
exposições foram encerradas após uma grande reforma no edifício do Jardim da Luz.
Walter Wey, o diretor da pinacoteca à época, justificaria o fim da iniciativa por meio do
desgaste causado pelo transporte contínuo das obras mais frágeis.[32]
Em 1955, a pinacoteca comemorou seu cinquentenário "como um museu
esquecido", no dizer da imprensa da época.[32] Mugnaini lançou uma campanha de
divulgação do museu, informando os horários de visitação e a existência de uma
biblioteca especializada. O acervo crescia mais influenciado pelas doações do que pelas
aquisições. A família Silveira Cintra doou 133 obras de tradição acadêmica e Dario
Villares Barbosa, ex-bolsista do Pensionato Artístico, legou à pinacoteca 248 quadros de
sua autoria. À época, Mugnaini relutou em aceitar o espólio, por considerar o artista pouco
representativo para que se agregasse um lote tão grande de seus trabalhos à coleção.[33]
Somente em 1956 a pinacoteca abriria espaço para a arte moderna, inaugurando
uma sala com obras de tendências não acadêmicas e sediando a exposição Modernistas
1910/1950, com obras de Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Cândido
Portinari e Mário Navarro da Costa, entre outros. Paralelamente, Mugnaini buscou
formular estratégias para aumentar a visitação, mas não obteve êxito. As pequenas
intervenções feitas, como a adição de seis salas e mais um corredor, eram incapazes de
resolver os dois problemas crônicos do museu: a falta de espaço para expor a coleção e a
falta de visitantes para apreciá-la. Por outro lado, a gestão Mugnaini logrou recuperar
algumas obras espalhadas pelas repartições públicas desde a década de 1930.[34]
Com o golpe militar, Mugnaini foi convocado em maio de 1964 para depor em
uma comissão responsável por apurar a posição ideológica dos funcionários. Mugnaini
não depôs e foi aposentado compulsoriamente, sendo substituído pelo jornalista João de
Scantimburgo. Scantimburgo permaneceu no cargo até 1966, quando foi substituído por
Sílvio Costa e Silva.[34]
Fase de transformações (1967-1991)
Em 1967, Delmiro Gonçalves assumiu a direção. Durante sua gestão, esforçou-
se para incorporar obras de artistas atuantes em São Paulo desde a década de 1930, como
Flávio de Carvalho e Ernesto de Fiori. Delmiro foi o primeiro diretor da pinacoteca a
entender a instituição como um núcleo voltado à arte de seu tempo. Assim, ampliou
também o núcleo de obras de artistas contemporâneos, adquirindo peças de Tomie Ohtake,
Manabu Mabe e um conjunto de 387 gravuras de Marcelo Grassmann. O espaço
permaneceria escasso, dividido entre o Serviço de Fiscalização Artística, a Escola de
Belas-Artes, a Escola de Arte Dramática e o Conservatório Estadual de Canto
Orfeônico.[35]
Em 1971, Delmiro Gonçalves foi exonerado e substituído pelo pintor Clóvis
Graciano. Nesse mesmo período, o Conselho Estadual de Cultura elaborou uma série de
onze medidas que visavam reestruturar os setores técnicos e administrativos, minimizar
os danos causados pelo longo período em que o edifício passou sem manutenção e
restauração de parte do acervo. Também foi instituída oficialmente a biblioteca, que
passava a gerir a documentação museológica e o acervo bibliográfico do museu, e criado
o novo Conselho de Orientação Artística.[36] Durante a reforma do edifício, a pinacoteca
passou a organizar eventos em outros espaços, destacando-se a mostra internacional de
Arteônica, sediada no Museu de Arte Brasileira da FAAP, além da mostra Grassmann –
25 anos de gravura, exposta na FAAP, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e
no Palácio das Artes, em Belo Horizonte.[37]
Em 1972, o diplomata e crítico de arte Walter Wey assumiu a direção do museu,
com a sede ainda sob reforma. A pinacoteca seria reaberta em 13 de setembro de 1973,
com a presença do governador Laudo Natel e do presidente Emílio Garrastazu Médici.
Dotada de uma entrada exclusiva, de um teatro de arena e de uma sala de exposições
temporárias, a pinacoteca passou a oferecer melhores condições para a prática de
atividades educacionais e para a oferta de uma programação cultural regular, com
concertos musicais, peças de teatro, cursos e palestras.[38]
Em 1975, Aracy Amaral, historiadora e crítica de arte, sucedeu Walter Wey na
direção da Pinacoteca. Reafirmando o compromisso com a produção de vanguarda, Aracy
promoveu uma série de exposições de arte contemporânea e instituiu as visitas
monitoradas. Consolidou também as propostas didáticas e educativas, criando o curso de
desenho vivo, ministrado por Paulo Portella Filho, e o curso de xerografia, sob os
cuidados de Hudinilson Júnior, e deu continuidade à oferta de uma programação cultural
fixa.[39] Tratou também de preencher importantes lacunas no acervo, adquirindo obras das
décadas de 1930 e 1940. Em 1976, em uma iniciativa até então inédita, um grupo de obras
do acervo foi exposto no exterior, durante a mostra Brasil, Artistas do Século XX,
realizada na Galeria Artcurial de Paris. Em 1978, a pinacoteca organizou a mostra
itinerante A Arte e seus Processos: o Papel como Suporte, exposta em mais de trinta
municípios paulistas ao longo de quatro anos.[40]
Fábio Magalhães assumiu a direção da pinacoteca em 1979, permanecendo no
cargo até 1982. Sua gestão buscou adequar as propostas museológicas a cada faixa etária
e estimular o público infanto-juvenil. Magalhães também se preocupou em ampliar o
enfoque a outros suportes, sobretudo a fotografia, inaugurando o Gabinete Fotográfico
em 1980. No ano seguinte, a pinacoteca concebeu o projeto Super 8 como Instrumento
do Artista Plástico, em meio às polêmicas discussões sobre comunicação em massa que
marcaram as comemorações dos 30 anos de televisão no Brasil.[41] Em 5 de maio de 1982,
em resposta ao requerimento feito na gestão de Aracy Amaral, o edifício da pinacoteca
foi tombado pelo CONDEPHAAT.[42]
Após o tombamento, Maria Cecília França Lourenço, diretora do museu desde
julho de 1983, reforçou a campanha em prol da ocupação total do edifício, contando com
o respaldo da comunidade artística da cidade e da Associação Paulista de Museólogos.
Sua gestão buscou ainda consolidar a pinacoteca como um espaço cultural dinâmico,
criando um ateliê infanto-juvenil em meio ao Jardim da Luz e o projeto Visite um Museu
e Assista a um Espetáculo.[43] Em 1985, durante as comemorações dos oitenta anos da
pinacoteca, Maria Cecília coordenou um ciclo de palestras e mesas-redondas. No ano
seguinte, criou o curso de introdução às técnicas de gravura. Ainda em 1986, a pinacoteca
recebeu uma importante doação de obras de artistas modernistas brasileiros, legadas
postumamente pelo intelectual Alfredo Mesquita. Em 1987, a pinacoteca passaria por
uma nova reforma, que seria concluída no ano seguinte, já sob a gestão de Lourdes Cedran.
Com a reforma, a pinacoteca passou a contar com um laboratório e ateliê de papel
artesanal.[44]
Em 1989, a Faculdade de Belas-Artes transferiu-se para sua sede própria na Vila
Mariana, liberando todo o espaço do edifício para a pinacoteca.[44] O edifício, no entanto,
seria interditado nesse mesmo ano pelo Departamento de Controle de Uso de Imóveis
(Contru), que alegou falta de segurança. Em 1990, Maria Alice Milliet assumiu a direção
da pinacoteca, que reabriu suas portas com a mostra Memória Paulista, uma retrospectiva
do pintor Benedito Calixto e primeira de uma série de quatro exposições dedicadas à
iconografia paulistana, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).[45]
Reestruturação espacial, grandes exposições
A gestão do artista plástico Emanoel Araújo, diretor da pinacoteca entre 1992 e
2001, estabeleceria um ponto de inflexão na história da instituição, conferindo-lhe
visibilidade e prestígio internacional. Araújo criou a Associação dos Amigos da
Pinacoteca, entidade civil responsável por auxiliar a captação de recursos e a organização
de atividades culturais no museu. No segundo semestre de 1992, a pinacoteca sediou o
programa Música nos Museus e conquistou o prêmio da APCA para o conjunto de
exposições denominado Vozes da Diáspora, voltado à valorização da cultura afro-
brasileira. Em 1993, a Pinacoteca comemorou o centenário de nascimento de Mário de
Andrade e os 150 anos do fotógrafo Marc Ferrez.[46]
Entre 1994 e 1998, a Pinacoteca do Estado passou por uma grande reforma,
orçada em aproximadamente dez milhões de reais, para adaptar-se aos padrões
museológicos internacionais. O projeto da reforma foi concebido por Paulo Mendes da
Rocha, com o qual o arquiteto ganhou o Prêmio Internacional Mies van der Rohe para a
América Latina, em junho de 2000. Mendes da Rocha optou por cobrir os vazios internos
do edifício com clarabóias de aço e vidro laminado e interligou os pátios laterais com
passarelas metálicas. O edifício ganhou uma nova reserva técnica e sistemas adequados
de climatização, controle e segurança.[46] Entre 1995, ano do centenário do museu, e
meados de 1997, com parte do edifício ainda em reformas, a pinacoteca sediou uma série
de mostras vindas da Espanha, França, Itália, Holanda, Dinamarca e Portugal, integrando-
se definitivamente ao calendário de exposições internacionais e incrementando de
maneira expressiva a visitação, que chegou a 183 mil pessoas ao término desse período.
Em junho de 1997, para acelerar a conclusão da reforma, o museu foi fechado à visitação.
A pinacoteca passou a funcionar temporariamente no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega,
no Parque do Ibirapuera, onde foram sediadas as mostras de Camille Claudel e de 100
anos da Guerra de Canudos.[47]
A pinacoteca foi reaberta ao público em fevereiro de 1998, com uma série de
exposições temporárias e com um conjunto de peças doadas pelo Banco Safra, incluindo
obras de Auguste Rodin, Antoine Bourdelle, Victor Brecheret, Ricardo Cipicchia e
Rodolfo Bernardelli.[47] No ano 2000, foi inaugurado o ateliê de restauro, com patrocínio
da Fundação Vitae. Em 2001, a exposição Auguste Rodin: A Porta do Inferno levou à
pinacoteca mais de 200 mil visitantes. Outras mostras de relevo realizadas no mesmo
período garantiriam uma expressiva visitação, destacando-se De Picasso a Barceló, com
obras do Museo Nacional Reina Sofia, da Espanha.[48]
Em 2002, a gestão da pinacoteca é transferida para a Associação de Amigos e o
museólogo Marcelo Araújo assume sua direção.[48] Nesse mesmo ano, um acordo de
cooperação firmado com a Fundação Estudar possibilitou à pinacoteca abrigar em regime
de comodato 447 peças do importante acervo de brasiliana[nota 1] daquela instituição. Em
2003, a pinacoteca voltou a receber o prêmio da APCA, pela mostra Albert Eckhout Volta
ao Brasil.[49]
Em 2004, o antigo prédio do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social),
projetado por Ramos de Azevedo para servir como armazém da Cia. Sorocabana, foi
reformado e passou a funcionar como um anexo da Pinacoteca do Estado. Denominado
Estação Pinacoteca, o espaço abriga um Centro de Memória, destinado à pesquisa e
preservação do acervo documental sobre a história da instituição, além de exposições e
atividades didáticas. O edifício também abriga a coleção José e Paulina Nemirovsky,
cedida ao museu em regime de comodato em 2004 pela Fundação Nemirovsky, composta
por obras significativas do modernismo brasileiro. Em setembro de 2007, a Coleção
Brasiliana da Fundação Estudar integrou-se definitivamente ao acervo da Pinacoteca.[49]
O edifício-sede
Após a criação do Liceu de Artes e Ofícios em 1873, os mantenedores da
instituição negociam com o governo provincial a doação de um terreno para a escola, ao
lado do Jardim Público da Luz – o que ocorre em 1896 -, além da concessão de recursos
para a edificação da sede, cujas obras se iniciam em 1897.[50]
O prédio, projetado por Ramos de Azevedo e Domiciano Rossi, seu principal
colaborador, tem estilo monumental em forte consonância com os princípios do ecletismo
italiano, formado por três pavimentos, com dois pátios internos de modo a garantir
ventilação e iluminação. No centro, primeiro piso, localiza-se o saguão central, com
altíssimo pé-direito e janelas voltadas para o interior, que prevê uma cúpula, nunca
concluída. Na construção foram empregados materiais importados como pinho-de-riga e
cerâmica francesa. No projeto, os engenheiros idealizaram a integração entre o edifício e
o Jardim da Luz, pelo recurso às varandas laterais e às janelas que dão para o parque. O
prédio foi parcialmente inaugurado em 1900, quando começaram a funcionar alguns
cursos de instrução primária e artística. O edifício, no entanto, nunca foi concluído, como
atestam os tijolos expostos na fachada e nos pátios internos e na ausência da já referida
cúpula, que constava do projeto original.[50]
O tombamento do prédio foi oficializado em 1982, visando à preservação de um
dos componentes do conjunto arquitetônico do bairro da Luz, característico da passagem
do século XIX para o XX em São Paulo, onde se inserem ainda a Estação da Luz, A
Estação Júlio Prestes, o Museu de Arte Sacra de São Paulo, entre outros.[50]
Entre 1993 e 1998, o edifício-sede sofreu uma ampla reforma conduzida pelo
arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em conjunto com os arquitetos Weliton Ricoy Torres
e Eduardo Argenton Colonelli, da qual resultou um museu adaptado às necessidades de
exposições internacionais, tornando a Pinacoteca do Estado um destino certo para grande
parte das mostras que chegam a São Paulo. O projeto de reforma foi laureado com o
Prêmio Mies van der Rohe para a América Latina aos três arquitetos.[50]
Em 2003, a pinacoteca do Estado passou a administrar também prédio onde
funcionou, por mais de meio século, o DOPS (Departamento de Ordem e Política Social),
no centro de São Paulo. Inaugurado em 1914, e projetado por Ramos de Azevedo para
servir de armazém da Companhia Sorocabana, o prédio foi totalmente restaurado de
acordo com projeto do arquiteto Haron Cohen. Hoje, denominado Estação Pinacoteca, o
espaço de oito mil metros quadrados apresenta condições técnicas ideais para as
atividades museológicas que comporta.[51]
Acervo
A pinacoteca do Estado mantém um expressivo e variado acervo de arte
brasileira, principalmente dos séculos XIX e XX. Entre as mais de sete mil obras mantidas
pela instituição[52] , estão pinturas, esculturas, desenhos, gravuras, fotografias, tapeçarias,
objetos de arte decorativa e um seleto conjunto de imaginária do período colonial, capazes
de fornecer um amplo panorama da arte nacional.[53]
No segmento referente ao século XIX, certamente o núcleo mais consistente e
importante da instituição, é possível entrar em contato com a maior coleção de obras de
Almeida Júnior. Entre paisagens, retratos e cenas de interior, sobressaem as célebres obras
Caipira Picando Fumo, Saudade e Leitura. As naturezas-mortas de Pedro Alexandrino
ocupam uma sala inteira, onde se destacam Cozinha na Roça, Peru Depenado e Aspargos.
Há ainda paisagens de Antônio Parreiras e Benedito Calixto, como a Baía de São Vicente;
pinturas históricas e cenas de gênero de Oscar Pereira da Silva (Hora de Música e Infância
de Giotto), retratos de Bertha Worms e Henrique Bernardelli, a tela Maternidade, de
Eliseu Visconti, obras de Castagneto, João Batista da Costa e Pedro Weingärtner, entre
muitos outros. A coleção tem especial importância ainda pelo destacado número obras de
pintores acadêmicos paulistas.[53]
A despeito de sua ênfase na arte acadêmica, o acervo conta com diversas obras
de artistas modernistas, como Victor Brecheret, Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Anita
Malfatti, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Clóvis Graciano, Francisco Rebolo e Túlio
Mugnaini. Ao longo do século XX, incorporou também obras abstracionistas de distintas
extrações - Waldemar Cordeiro, Samson Flexor, Arcângelo Ianelli -, além de trabalhos
contemporâneos, como os de Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Paulo Pasta.[53]
Complementam a coleção um significativo núcleo de pinturas oitocentistas
européias e de esculturas francesas, com destaque para o conjunto de nove bronzes de
Auguste Rodin (Torso da Sombra, Bacanal, Gênio do Repouso Eterno) e outras obras de
Aristide Maillol, Medardo Rosso, Antoine Bourdelle e Niki de Saint Phalle.[53]
Recentemente, o museu recebeu em regime de comodato uma importante
doação: a coleção José e Paulina Nemirovsky. Trata-se de uma das mais importantes
coleções de arte moderna brasileira, reunindo obras-primas de alguns dos mais destacados
artistas nacionais, como Tarsila do Amaral (cinco telas, entre elas Antropofagia), Anita
Malfatti, Victor Brecheret, Lasar Segall, Ismael Nery, Flávio de Carvalho e Vicente do
Rego Monteiro. A coleção pode ser vista em exposição permanente na Estação
Pinacoteca.[53]
O museu também é depositário da Coleção Brasiliana da Fundação Estudar. São
aproximadamente trezentas peças de brasiliana[desambiguação necessária] (estudos científicos,
artísticos e etnográficos feitos por artistas estrangeiros), produzidas a partir do século
XVII, que podem ser vistas em exposições rotativas na pinacoteca.[53]