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Pesquisa-intervenção na infância e juventude

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Pesquisa-intervenção na infância e juventude

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Lucia Rabello de CastroVera Lopes Besset(organizadoras)

Pesquisa-intervençãona infância e juventude

Rio de Janeiro, 2008

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COLEÇÃO INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO CONTEMPORÂNEO

1. Crianças e jovens na construção da cultura | Lucia Rabello de Castro (org.)2. Adolescência: refl exões psicanalíticas | Marta Rezende Cardoso (org.)3. Desenvolvimento da linguagem: escrita e textualidade | Jane Correa, Alina Spinillo e

Selma Leitão4. Mostrando a real | Lucia Rabello de Castro, Jane Correa e colaboradores5. Juventude contemporânea: perspectivas nacionais e internacionais | Lucia Rabello de Castro

e Jane Correa (orgs.)6. Pesquisa – intervenção na infância e juventude | Lucia Rabello de Castro e

Vera Lopes Besset (orgs)

Coordenadora | Lucia Rabello de Castro (UFRJ)

Conselho Editorial | Adelma Gonçalves Pimentel (UFPA) | Alina Galvão Spinillo (UFPE) | Ana Cecília de Sousa Bittencourt Bastos (UFBA) | Ângela de Alencar Araripe Pinheiro (UFC) | Débora Dalbosco Dell´Aglio (UFRGS) | Helerina Aparecida Novo (UFES) | Maria Clotilde Rossetti Ferreira (USP-Ribeirão Preto) | Solange Jobim e Souza (PUC-Rio) | Teresa Cristina O. Cordeiro Carreteiro (UFF) | Vera Regina Röhnelt Ramires (UNISINOS-RS)

PESQUISA – INTERVENÇÃO NA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Consultores Ad-Hoc deste volume | Cleci Maraschin (UFRGS) | Francisco Teixeira Portugal (UFRJ) | Glacy Gorski (UFCG) | Ilka Franco Ferrari (PUC-MG) | Leny Sato (USP) | Márcia Mota (UFJF) | Maria Cristina Smith Menandro (UFES) | Paulo Rogério Meira Menandro (UFES)

Supervisão editorial | Amana Rocha Mattos (UFRJ) | Renata Alves de Paula Monteiro (UFRJ)

Apoio editorial | Andréa Ferreira (NIPIAC – UFRJ)

Revisão | Maria da Conceição Golçalves do Couto Netto

Capa e projeto gráfi co | Bruna Benvegnu

CIP – Brasil Catalogação na FonteSindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ

P564 Pesquisa-intervenção na infância e juventude / Lucia Rabello de Castro, Vera Lopes Besset (organizadoras). – Rio de Janeiro: Trarepa/FAPERJ, 2008.

– (Infância e adolescêcia no contemporâneo; 6)

664p. il. Inclui bibliografi a ISBN 978-85-85936-68-6

1. Psicologia social. 2. Juventude – Aspectos sociais. 3. Infância - Aspectos sociais. I. Castro, Lucia Rabello de, 1951-. II. Besset, Vera Lopes, 1947-. III. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. IV. Série.

CDD: 30208-3408 CDU: 316.6

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Pesquisa-intervenção na infância e juventude: construindo caminhos, 09 Lucia Rabello de Castro e Vera Lopes Besset

Cotidiano e transformação social

A pesquisa-intervenção e o diálogo com os agentes sociais, 15

Francisco Teixeira PortugalConhecer, transformar (-se) e aprender: pesquisando com crianças e jovens, 21

Lucia Rabello de Castro

Pesquisa e intervenção junto a adolescentes: experiências que ensinam, 43 Jorge Castellá Sarriera e Sheila Gonçalves Câmara

Juventude e vida cotidiana:perspectiva da Psicologia Social Comunitária Latino-Americana, 62

Maria de Fátima Quintal de Freitas

Psicanálise e adolescência

A ignorância fecunda inerente à pesquisa-intervenção, 87Ilka Franco Ferrari

Pesquisa-intervenção com adolescentes: contribuições da psicanálise, 94Vera Lopes Besset, Luciana Gageiro Coutinho e Ruth Helena Pinto Cohen

O mal-estar na educação e a Conversação como metodologia de pesquisa: intervenção em Psicanálise e Educação, 113

Ana Lydia Santiago

O caso Z: uma identidade ameaçada, 132Marta Rezende Cardoso, Helena Carneiro Aguiar e Barbara Paraiso Garcia da Rosa

A pesquisa-intervenção em um ambulatório de adolescente:de que mal-estar se trata?, 147

Susane Vasconcelos Zanotti

Sumário

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Juventudes e sociedade

Pesquisar e intervir: encontrando o caminho do meio, 171Leny Sato

A pesquisa-intervenção e a emergência dos atores sociais:considerações a partir da experiência de jovens rurais, 179

Marco Aurélio Máximo Prado, Maurício Möller de Oliveira e Otacílio de Oliveira Junior

A pesquisa-intervenção com adolescentes:ofi cina como contexto narrativo sobre igualdade e diferença, 205

Jaileila Araújo Menezes, Lílian Rocha Arcoverde e Suzana Santos Libardi

Construindo caminhos de protagonismo socioambiental com adolescentes, 224Maria Inês Gasparetto Higuchi

Juventude: técnica e território, 244Maria Aparecida Tardin Cassab e Clarice Cassab

Desenvolvimento cognitivo

A pesquisa-intervenção no âmbito dapsicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, 269

Márcia da Motta

A pesquisa-intervenção na investigação do aprendizado da escrita, 274Jane Correa

Pesquisa-intervenção em psicologia do desenvolvimento cognitivo:princípios metodológicos, contribuição teórica e aplicada, 294

Alina Galvão Spinillo e Síntria Labres Lautert

Favorecendo a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral:teoria e evidências empíricas, 322

Julie E. Dockrell, Morag Stuart e Diane King

Contextos sociais e diversidade cultural

Contextos e diversidade:considerações sobre alguns pontos de interesse metodológico, 347

Paulo Rogério Meira Menandro e Maria Cristina Smith Menandro

Uma metodologia para pesquisas com adolescentes em situação de rua: investigando o passado, presente e futuro, 356

Débora Dalbosco Dell’Aglio e Lene Lima Santos

A investigação sociológica com crianças: caminhos, fronteiras e travessias, 387Catarina Almeida Tomás

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Pesquisa-intervenção: suas especifi cidades easpectos da interação entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa, 409

Maria Ignez Costa Moreira

Revisão do horizonte belo:o ponto de vista de crianças e adolescentes de Belo Horizonte, 433

Eline Maria Fernandes Rennó

Instituições e coletivos

Pesquisa-intervenção em debate, 459Cleci Maraschin

O método da cartografi a e os quatro níveis da pesquisa-intervenção, 465Virginia Kastrup

Mikhail Bakhtin e a ética das imagens nos estudos da infância:uma proposta de pesquisa-intervenção, 490

Solange Jobim e Souza e Raquel Gonçalves Salgado

Contribuições de Mikhail Bakhtin paraa pesquisa-intervenção nas TVs comunitárias, 514

Luciana Lobo Miranda

Pesquisa-intervenção e novas análises no encontro daPsicologia com as instituições de formação, 532

Marisa Lopes da Rocha e Anna Paula Uziel

Abordagens clínicas

Pesquisa-intervenção e seus efeitos transformadores, 559Glacy Gonzales Gorski

O risco e a possibilidade: ser adolescente em contextos brasileiros, 567 Ana Cecília de Sousa Bastos, Mirela Figueiredo Iriart, Miriã Alves Ramos de Alcântara, Feizi Milani e José Eduardo Ferreira Santos

Pesquisa-intervenção na clínica psicológica da infância e da adolescência, 587Vera Regina Röhnelt Ramires e Sílvia Pereira da Cruz Benetti

A palestra é sobre o quê?Falando para/com jovens sobre relacionamentos amorosos, 614

Jacqueline Cavalcanti Chaves

Sobre os autores, 641

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Pesquisa-intervenção na infância e juventude:construindo caminhos

Lucia Rabello de Castro e Vera Lopes Besset

A iniciativa deste livro tem uma trajetória que remonta a 2006, quando o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio sobre a Infância e a Adolescência Contemporâneas – NIPIAC/UFRJ organizou sua Jornada anual abordando esta temática. Diversos trabalhos, com orientações teóricas diferentes, foram apresentados em três mesas-redondas que exploraram o modo de compreender este método de pesquisa, assim como suas aplicações no campo da infância e juventude. Pudemos constatar que, no âmbito de diferentes perspectivas teóricas, a pesquisa-intervenção comparecia como o método de investigação escolhido pelo pesquisador, ainda que cada abordagem teórica modelasse um enquadramento distinto desse método. Ainda, verifi camos que a pesquisa-intervenção, como método, articulava o modo de construir o próprio problema e a questão de pesquisa a serem investigados, de modo que o entrelaçamento entre o que estava sendo investigado e o modo de investigar se colocasse como aspecto marcante, sinalizando momentos analiticamente distintos, porém inseparáveis, do ato da pesquisa. Assim, a diversidade de caminhos que se abria por meio da utilização de tal método aparecia como uma riqueza de possibilidades, mesmo que, naquele momento, se confi gurasse como um horizonte ainda disperso.

O resgate da refl exão nesta área nos pareceu da maior importância, tal como descortinado pela própria Jornada, como também pela experiência de investigação acumulada pelo NIPIAC, que, há anos, vem trabalhando com este método nos diferentes projetos de pesquisa dentro e fora da universidade: o Projeto Jovem Total, realizado em parceria com o Governo do Estado do Rio de Janeiro em 2003, vários projetos de pesquisa que utilizam os Grupos de Refl exão, metodologia de pesquisa-intervenção desenvolvida pelo próprio NIPIAC; projetos de pesquisa que fazem uso de outras metodologias de intervenção, tais como as Ofi cinas de Leitura e Escrita, Ofi cinas da Cidade em Imagens, Ofi cinas da Amizade, Ofi cinas da Cidade. O contato com pesquisadores de outras universidades, no Brasil e no exterior, também nos indicava o quão prevalente

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tem sido a escolha por esse método de pesquisa cujo campo se delineia em uma multiplicidade de abordagens, conceitos e linguagens que, nem sempre, concorrem para uma visão consistente da especifi cidade desse método em relação aos demais.

A Jornada de 2006 instigou-nos a organizar uma publicação em que colegas de diferentes áreas temáticas, trabalhando a partir de diferentes abordagens teóricas, pudessem refl etir sobre seu próprio trabalho de pesquisa-intervenção, não apenas apresentando o modo como desenvolvem suas pesquisas como também discutindo as difi culdades e impasses que enfrentam a partir da escolha dessa abordagem teórico-metodológica. O empreendimento era de grande monta, pois queríamos que o resultado pudesse oferecer ao leitor um panorama amplo e diverso, refl etindo o que se faz realmente na área; ao mesmo tempo, desejávamos que esse campo se estruturasse por meio de um olhar crítico, de modo que a complexidade, a riqueza e a especifi cidade, bem como as lacunas, inconsistências e limitações, pudessem ser apontadas e discutidas. Ao longo dos dois anos de preparação desta Coletânea, convocamos pesquisadores, e trabalhamos para reunir o que existe de qualidade na área. Neste sentido, os 32 artigos - aglutinando 53 autores - que fazem parte dessa Coletânea representam um esforço signifi cativo para debater os caminhos atuais do método de pesquisa-intervenção no âmbito da Psicologia, principalmente, e dar visibilidade às potencialidades de tal método como um instrumento relevante e valioso na investigação.

A Coletânea está organizada em sete seções temáticas, a saber: Cotidiano e Transformação Social; Psicanálise e Adolescência; Juventudes e Sociedade; Desenvolvimento Cognitivo; Contextos Sociais e Diversidade Cultural; Instituições e Coletivos; Abordagens Clínicas, cada uma delas abarcando artigos que mostram enquadramentos diferentes do método de pesquisa-intervenção no âmbito de sua utilização para distintos problemas de pesquisa, assim como de sua aplicação em contextos diversos. Cada seção temática – tomada como um conjunto – é introduzida por um artigo que discute questões, perspectivas e problemas abordados nos diferentes textos que compõem a seção. s Esses artigos foram escritos pelos consultores da Coletânea, que não apenas puderam avaliar cegamente os artigos de sua seção, como também nos brindaram com uma discussão mais ampla dos pontos que consideraram pertinentes comentar a partir dos textos da seção. Os consultores nos trazem uma perspectiva ‘externa’, crítica, dos encaminhamentos propostos nos relatos de pesquisa-intervenção, assim como discutem pontos gerais suscitados pelo método pesquisa-intervenção.

O campo sobre o qual se constroem as contribuições desta Coletânea é o da infância e juventude que consiste no ‘fi o comum’ desta iniciativa de refl exão

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teórico-metodológica. Não nos parece apenas uma coincidência esta aliança que traz para perto o campo da infância e da juventude e a discussão sobre pesquisa-intervenção. Como assinalamos no início, a pesquisa-intervenção descortina um modo de fazer pesquisa fecundo na sua articulação entre o que se investiga e como se investiga. Em relação ao campo da infância e da juventude, isso quer dizer que a construção de pesquisas com crianças e jovens, e não sobre elas, determina de modo irretratável o modo de investigação. Pesquisar crianças e jovens, ou com crianças e jovens, implica diretamente uma refl exão sobre a posição do investigador, sua relação assimétrica – em todos os sentidos – em relação aos pesquisados, e sobre os efeitos de tal assimetria no fazer da pesquisa.

Os estudos de pesquisa-intervenção têm crescido no campo da infância e da juventude. Isso é revelador na medida em que partem exatamente da pesquisa com grupos politicamente minoritários os desafi os de se re-pensar os modelos canônicos de pesquisa baseados em uma distância entre pesquisador e pesquisado e em um controle do processo de pesquisa a partir da centralidade dada à posição do pesquisador. Problematizam-se as diferenças (entre pesquisador e pesquisados) que antes não importavam, ou então, eram negativizadas. De outro modo, diferenças de linguagem, compreensão, e modos de estar e agir no mundo entre adultos e crianças levariam ao descentramento do pesquisador da posição de intérprete privilegiado de construção do mundo. É o que F. Portugal nos sinaliza, neste volume, quando afi rma que “a pesquisa-intervenção não se constitui como uma tecnologia derivada de um conhecimento purifi cado a ser aplicado sobre um objeto que se quer aprimorar ou que sofreu algum desvio de sua forma padrão, mas como um opção política diante das formas de dominação em que há participação de práticas acadêmicas.” (p.18, deste volume) Como muitos autores deste volume vão mostrar, há uma implicação, ou ainda, um compromisso político e/ou ético, quando se adota esta ou aquela metodologia na pesquisa com crianças e jovens, quando ingressamos em uma área em que tais escolhas não são isentas, neutras, e nem podem ser ingênuas.

Sem dúvida, o método de pesquisa-intervenção ainda constrói seus caminhos nos fazeres dos pesquisadores da área da infância e juventude. Como mostram Menandro & Menandro (neste volume, p.347), tal método não poderia, a rigor, ser chamado de alternativo, apenas porque se compromete em inovar a discussão metodológica, trazendo questionamentos da ordem das relações entre o que se pesquisa e o como se pesquisa. Para esses autores, a pesquisa-intervenção circunscreve um campo que complementa outros modos de pesquisar que estiveram à frente, por longo tempo, nos estudos sobre indivíduos, grupos

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e instituições, mas que têm sido gradualmente substituídos por outros mais afi nados com uma construção sócio-cultural do que é investigado.

É no campo da infância e da juventude que a importância dos contextos da pesquisa tem uma importância fundamental Se o artifi cialismo da situação de pesquisa, em geral, pesa negativamente sobre os resultados da pesquisa, ainda com mais razão nas pesquisas com crianças e jovens. A pesquisa-intervenção mostra-se sensível a esse questionamento. Pesquisar é também buscar o que se quer pesquisar no contexto onde isso acontece, e ao se procurar, então, estar nestes contextos, as perguntas e propostas do pesquisador já constituem uma intervenção (Sato, p.171, neste volume), uma vez que estão sujeitas a negociações, mal-entendidos, esquecimentos, ou até, recusas. Signifi ca, outrossim, que na pesquisa com crianças e jovens os ‘desvios’ provocados pelas emoções, sentimentos e afetos de ambas as partes, muitas vezes dispersando as intenções retilíneas do pesquisador, convocam pesquisadores e pesquisados a refl etir sobre os acontecimentos deslanchados pela própria pesquisa, avaliando-a e redirecionando-a.

Com a publicação da Coletânea sobre Pesquisa-Intervenção na Infância e Juventude, o NIPIAC pretende contribuir para a divulgação de um método de pesquisa que se afi rma, cada vez mais, como um instrumento privilegiado para a investigação nesse campo. Com isso, almeja fomentar o debate sobre essa metodologia entre os pesquisadores brasileiros, esperando, ao mesmo tempo, contribuir para o avanço e o aperfeiçoamento deste método de pesquisa, por meio dessa publicação, pioneira no Brasil. Acredita que, com a diversidade e a qualidade dos textos que ora publica, reunindo autores relevantes no cenário nacional e internacional, coloca à disposição do público uma obra que promove o debate e - por que não? - polêmica, mas, sobretudo, a discussão fecunda dos problemas e difi culdades relacionados à investigação do campo da infância e juventude.

Nós, organizadoras desta Coletânea, pensamos que, no cenário atual, de uma sociedade voltada para o descarte rápido dos bens que prometem a felicidade sem dor, a contribuição do método de pesquisa-intervenção pode se resumir como um modo específi co de abordar crianças e jovens para, com eles, e para eles, construir o conhecimento. Dentro dessa perspectiva, trabalhar em torno dos textos que ora apresentamos nos fez aprender com cada autor, cada consultor. Esperamos que o leitor possa se benefi ciar, à sua maneira, do fruto desse trabalho e, quem sabe, contribuir brevemente para o aprimoramento deste método de pesquisa.

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Cotidiano e transformação social

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A pesquisa-intervenção e o diálogo com os agentes sociais

Francisco Teixeira Portugal

A refl exão sobre metodologias em Psicologia tem sido uma atividade constante em sua história e tem-se apresentado relacionada com as próprias formas de conceber esse saber. As tentativas de sistematização desse campo controverso alinhavam uma concepção de seu objeto de pesquisa a uma forma de investigação por meio de um, ou mais de um, método determinado. Foi assim que muitos dos manuais de Psicologia que pretendiam fornecer um panorama da área organizavam o tema (Schultz, 1988; Boring, 1979; Marx & Hillix, 1988; Figueiredo, 1991). Essa postura básica fez com que os cursos sobre história da Psicologia privilegiassem no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, uma leitura mais afi nada com a perspectiva histórica sistemática, individualista e, em certos casos, experimentalista.

Aprendíamos, grosso modo, que a Psicologia propriamente dita, a Psicologia que havia ultrapassado seu período inicial e tateante na Europa do século XIX, havia sido constituída na primeira metade de século XX pelas abordagens que se fi liavam a um projeto científi co fortemente marcado pelo método experimental. Grandes eram as esperanças então depositadas na ciência. Em seguida, em meados daquele século, emergiram críticas impondo o retorno da consciência e dos estudos cognitivos que acabaram por se fi rmar como abordagem relevante na Psicologia, sem alterar, na mesma profundidade com que seu objeto havia sido modifi cado, conforme anunciado por seus arautos, os métodos da investigação. Também foram difundidas as concepções que se apresentavam em franca oposição a essa escolha, como as psicologias humanista e existencial, ou as que tentavam se fi rmar se apresentando estrategicamente como uma não-psicologia, como foi o caso de muitas psicanálises.

Esse quadro sumário, próprio dos manuais de história da Psicologia de origem norte-americana ainda em uso nas universidades brasileiras, tem, em sua maioria, deixado de fora as questões sociais e políticas envolvidas com a produção e o exercício desse saber. Se quiséssemos nos informar sobre algum aspecto social próprio à Psicologia, acabávamos às voltas com abordagens majoritariamente individualistas ou subjetivistas embora existisse um campo

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denominado Psicologia Social. As primeiras – as individualistas – mais diretamente relacionadas com métodos experimentais ou quase experimentais, as segundas – as subjetivistas – produzindo uma maior variedade metodológica.

Diversas críticas de cunho político e social ao saber psicológico votavam um futuro pouco promissor a esta disciplina. Denunciavam seu passado essencialmente normalizador e deixavam pouca margem para a construção de um horizonte mais iluminado (Canguilhem, 1973; Bernard, 1974; Foucault, 1990). Aos interessados em Psicologia, parecia haver poucas possibilidades de ação social que não visasse ao controle. Uma versão simplifi cada do campo – que parecia se esgotar nesses projetos normalizadores – foi utilizada por agentes do campo psi para legitimação de sua ação na medida em que se afi rmava negando a Psicologia.

No que diz respeito ao difundido campo da Psicologia Social que se tem convencionado chamar de Psicologia Social psicológica formada nas universidades norte-americanas a partir da década de 1920, hegemônica até os fi nal da década de 1960, os métodos experimentais, chamemos métodos científicos, foram amplamente alardeados; tendo sido em grande parte relacionados ao individualismo e universalismo ali presentes (Kruger, 1986; Goldstein, 1983, Rodrigues, Assmar e Jablonski, 2001; Lindzey, 1968; McDavid & Harari, 1980). Embora tenha havido refl exões mais matizadas quanto ao individualismo na Psicologia Social (Asch, 1966), essa foi a escolha mais difundida.

Os métodos científi cos apresentavam-se, nessas comunidades acadêmicas, como via magna para produção de um saber seguro e universal e com a “vantagem” de isentar esse conhecimento de questões de ordem política e social. A segmentação entre pesquisa pura e tecnologia vinha respaldar essa concepção (Skinner, 1991).

Foi pressionada por questões de teor epistemológico (Gergen, 1973; Harré e Secord, 1972; Álvaro e Garrido, 2007) e também de ordem social e política, que, principalmente no âmbito da Psicologia Social (Freitas, 1996; Lane e Codo, 1984), tomaram corpo críticas tanto ao individualismo presente em grandes segmentos do saber psicológico quanto à hipertrofi a do método.

A partir dos anos 1970, emergiu uma variedade de abordagens em Psicologia Social, enriquecendo o campo e as possibilidades de ação social. Na América Latina, uma dessas orientações ganhou corpo e se denominou Psicologia Social da Libertação. Centrada na noção de libertação (Ortega, 2000), suas ações, inicialmente voltadas para populações economicamente empobrecidas, atingiram frontalmente a questão metodológica.

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Tornava-se claro o caráter purifi cador dos métodos então difundidos pela Psicologia Social psicológica. Como trabalhar com a libertação concebida 1. como a emancipação de grupos sociais oprimidos e carentes de possibilidades de realizar suas necessidades básicas, ativamente alijados dos meios de obtenção desses bens e de sua autodeterminação e 2. busca da liberação, no que diz respeito aos grupos opressores, de sua “própria alienação e dependência de idéias socialmente negativas” (Montero, 2000: 10) impondo de antemão aos grupos pesquisados uma hierarquia e um controle?

Algumas das premissas vigentes na Psicologia, em especial na Psicologia Social, foram questionadas. Diante do universalismo e do individualismo, valorizou-se a diversidade dos dispositivos de produção subjetiva e a desnaturalização dos fenômenos psíquicos. Em face do experimentalismo então reinante e sua pretensa neutralidade, optou-se por pesquisas que explicitavam seus objetivos políticos, positivando a autonomia, a promoção de mudanças pessoais e sociais, o papel interventivo da pesquisa.

Novos campos de trabalho se tornaram relevantes e legítimos para os psicólogos pesquisadores, as questões de gênero, os grupos pobres e desempregados, o consumo, os direitos humanos. Esses e muitos outros temas que vemos atualmente difundidos nos sites, livros, periódicos, encontros de Psicologia.

Essas novas práticas, não necessariamente engajadas com interesses partidários mas certamente reconhecendo sua dinâmica política, produziram deslocamentos metodológicos que serão discutidos nos textos a seguir.

Outra fonte de reflexões quanto ao papel dos métodos provém do descentramento do sujeito produtor de conhecimento. Se o lugar do pesquisador foi considerado absoluto nas abordagens universalistas, o sujeito do conhecimento era suposto único e exterior ao objeto a ser pesquisado; por conseguinte, a direção de sua produção e os efeitos de sua pesquisa não entravam na história. Foi a valorização do lugar da juventude, da criança, das minorias e de outras formas muito freqüentemente retratadas nas pesquisas como um objeto essencializado que trouxe signifi cativas contribuições para a construção de uma metodologia valorizadora da participação. Assim, da pesquisa de um objeto do qual se pode retirar sua características permanentes – a infância, a juventude, as minorias – realizou-se um signifi cativa mudança no sentido de estabelecer um diálogo com esses novos grupos que são inicialmente reconhecidos por atributos socialmente estabelecidos que se quer investigar. As alteridades e as minorias foram, gradativamente, se constituindo como campo de interesse legítimo.

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Dentre as estratégias acadêmicas de legitimação de sua produção investigativa, a criação de uma assimetria entre o pesquisador e o pesquisado tem funcionado como um dispositivo efi ciente para amoldamento dos alvos da inquirição. Uma contrapartida a esse dispositivo ocorre ao se produzir uma simetria na pesquisa. Confi gurar um campo de investigação em que o pesquisado tem voz e se apresenta como um agente social e individual transforma essencialmente a prática da pesquisa. A objetividade científi ca – e seu corolário imediato, a neutralidade – caminha de braços dados com a assimetria pesquisador-pesquisado. Ela tem consistido não apenas em imobilizar e isolar o outro, mas, por essa ação, dominá-lo. Não se trata de opor objetividade científi ca a ideologia ou política, mas de enxergar que a isenção científi ca e seus métodos purifi cadores trabalham na reprodução de modelos de sujeição. Signifi ca dizer que não há neutralidade de relação para aqueles que trabalham com o discurso do outro (Guattari, 1986). A pesquisa-intervenção não se constitui como uma tecnologia derivada de um conhecimento purifi cado a ser aplicado sobre um objeto que se quer aprimorar ou que sofreu algum desvio de sua forma padrão mas como uma opção política diante das formas de dominação em que há participação de práticas acadêmicas.

A valorização do lugar como resposta ao efeito normalizador da pesquisa de pedestal, aquela que está um degrau acima de seu objeto, correu dois riscos: a idealização e a banalização conceitual. Idealização ao atribuir uma certa pureza ao objeto pesquisado que freqüentemente levava ao isolamento. Toda forma de interação corria o risco de contaminar o objeto. Banalização conceitual por se satisfazer muito rapidamente pelo projeto liberador das novas práticas da Psicologia, a investigação se tornando quase um efeito menor.

Essa situação expõe um certo desamparo quanto às formas de realizar uma pesquisa simétrica. A implantação desses novos modos de investigação não vinha acompanhada de um manual metodológico explicativo por razões internas às próprias escolhas ou premissas a ela pertinentes. O perspectivismo das experiências e a co-construção do saber exigem uma estrutura metodológica relativamente aberta, se comparada ao rigor e rigidez dos métodos experimentais de outrora. Mas, longe de ser um efeito negativo, essa abertura demanda uma constante inauguração das formas de investigação, constituindo-se, ela mesma, como uma exigência refl exiva.

Todo esse esforço de construção de uma Psicologia científi ca no início do século passado, tendo envolvido a criação de um objeto próprio e a utilização de métodos consagrados em outras ciências mais renomadas, teve também o efeito de isolar o saber psicológico das Ciências Sociais. Essas refl exões quanto

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ao método paradoxalmente revalorizam a pesquisa psicológica, conferindo-lhe uma renovada força, ao mesmo tempo que tendem a dissolver, efeito sem dúvida benéfi co, as fronteiras entre a Psicologia e as demais ciências sociais e humanas (Bauer & Gaskell, 2005).

Se já houve um tempo em que as pesquisas eram divididas entre puras e aplicadas, cabendo a estas últimas todo o risco do mau uso da ciência, as transformações comentadas acima não só tornam dispensável essa oposição mas inserem na própria carne da investigação os efeitos políticos e as ações sociais dela derivados. Assim, a investigação acadêmica encontra as ruas e os locais públicos e se imiscui nas demandas sociais e na atualidade.

Referências

Álvaro, J. L., & Garrido, A. (2007). Psicologia Social. Perspectivas Psicológicas e Sociológicas. São Paulo: MacGraw-Hill.

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Conhecer, transformar(-se) e aprender: pesquisando com crianças e jovens

Lucia Rabello de Castro

Refletir sobre o conhecimento científico no campo da infância e da juventude impõe, a meu ver, uma dupla tarefa: em primeiro lugar, a de trazer à luz a especifi cidade do lugar de crianças e jovens na sociedade e na cultura; em segundo lugar, a de analisar as implicações dessa especifi cidade sobre o dispositivo de pesquisa.

Pesquisar crianças e jovens introduz uma dimensão singular na produção de conhecimento, que é a da desigualdade estrutural entre pesquisador e pesquisado. Crianças e jovens não são apenas diferentes do adulto pesquisador. Eles ocupam posições de sujeitos, na sociedade e na cultura, estruturalmente desiguais em relação aos adultos: são menores juridicamente, considerados dependentes do ponto de vista emocional, imaturos do ponto de vista educacional e social, e incapazes do ponto de vista político. A desigualdade estrutural vai, certamente, afetar o processo de pesquisa, e, sobretudo, articular diferentes posturas do pesquisador. Por exemplo, ela pode se naturalizar ao se assumir como inevitável e inquestionável a posição de desigualdade da criança e do jovem no mundo e, também, conseqüentemente, no dispositivo de pesquisa. Ou pode ser problematizada, tendo-se em vista uma outra concepção de infância e juventude que determina, conseqüentemente, outros modos de encaminhamento do dispositivo de pesquisa.

A pesquisa com crianças e jovens está determinada pela concepção que fazemos desses sujeitos, que não somente defi ne nossa relação com eles como também funda o saber científi co que produzimos. Adotar determinada concepção de infância e de juventude convoca o pesquisador a assumir as conseqüências de tal concepção do ponto de vista da condução do dispositivo de pesquisa, ou seja, articular conseqüentemente teoria (quem é a criança?) com metodologia (como pesquisar crianças e jovens?).

Neste trabalho, discuto as implicações da estrutura de desigualdades sobre o dispositivo de pesquisa, não no sentido de sua (impossível) superação, mas como elemento que problematiza permanentemente a atividade do pesquisador, de

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modo a torná-la sempre aberta e incompleta, em que o conhecimento da realidade ocorre simultaneamente à transformação de todos os que estão aí envolvidos.

Alguns pesquisadores (Christensen & James, 2000) vão indicar a ‘refl exividade’ como aspecto essencial da produção de conhecimento no campo da infância/juventude, de modo que a pesquisa com esses sujeitos tem que se submeter a um contínuo escrutínio de seus objetivos, métodos e resultados. Acredito que essa refl exividade deva levar em conta também questões de ordem ética e política, e uma das perguntas mais importantes, nesse sentido, é se os resultados das pesquisas são tão relevantes, úteis e inteligíveis para as crianças e jovens como o são para os adultos que as realizaram. Se não o são, parece fundamental questionar o próprio dispositivo de pesquisa: as pesquisas ‘sobre’ crianças e jovens assumem, na sua concepção, responsabilidade para com o seu bem-estar? Ou, as pesquisas ‘sobre’ crianças e jovens admitem, na sua concepção, que os interesses da categoria social ‘infância’/ ‘juventude’ possam estar contemplados?

Questionamentos semelhantes foram propostos, já há algum tempo, por pesquisadoras dentro da tradição feminista, que apontaram os equívocos de se tomar o sujeito humano universalizado a partir do modelo do adulto homem, racional, branco e ocidental (Harding, 1986; Phillips, 1987; Harding & Hintikka, 1983). Inaugurou-se uma refl exão sobre como as diferenças de gênero deveriam informar, orientar e sensibilizar modos de pesquisar e, até mesmo, construir os objetos de pesquisa. Exemplos bastante conhecidos no campo da Psicologia do Desenvolvimento foram as pesquisas sobre desenvolvimento moral realizadas por C. Gilligan (1982), ou as sobre desenvolvimento cognitivo realizadas por V. Walkerdine (1988).

O debate trazido pela tradição feminista teve um impacto importante sobre o dispositivo de pesquisa. Questionou-se a invisibilidade dada à subjetividade feminina ao se considerar a referência central do sujeito humano o ‘homem’; ou, até mesmo, ao se recortar os sujeitos tendo por base dualidades de gênero descontextualizadas culturalmente. Neste sentido, a discussão feminista criticou as universalidades da linguagem e do universo simbólico (Dias, 1992), reconstruindo os processos de subjetividade, de identidade, de racionalidade do contemporâneo, historicizando conceitos, como os de público, privado, família, socialidade, poder e cotidiano (Cocks, 1989). Como coloca Dias, a relação entre o particular e o universal foi questionada, na medida em que se abriram outras possibilidades de investigação: do que está marginal ao sistema ‘ofi cial’, do que está aquém das convenções estipuladas e do instituído de um momento histórico determinado. Saffi oti (1992) afi rma, ainda, que as próprias condições

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do pensamento ocidental centradas na oposição e na dominação da relação eu-outro passam a ser questionadas pelo pensamento feminista. De modo análogo, metodologias que pudessem ser mais sensíveis ao movimento de renovação intelectual do feminismo (Bruschini, 1992) foram discutidas e propostas. Assim, não somente conceitos importantes foram revistos e reconstruídos pela crítica feminista ao fazer científi co convencional, como novos objetos de preocupação e interesse de pesquisa foram introduzidos.

No mesmo viés introduzido pelos estudos feministas, os estudos sobre a criança e o jovem podem trazer novos elementos para a renovação do campo da pesquisa. Como este debate apenas desponta no horizonte das discussões das ciências humanas e sociais, gostaria aqui de destacar e recortar algumas vertentes que me parecem importantes, sem ter a pretensão de esgotar os inúmeros desdobramentos e possibilidades que esse debate pode encaminhar.

Desestabilizando o processo de pesquisa: as desigualdades estruturais na pesquisa com crianças e jovens

A preocupação com o ‘lugar do pesquisador’ no processo de pesquisa não é recente. Ela tem alimentado os mais diversos debates, inclusive os que articulam a produção do conhecimento a um ponto (=lugar) de origem situado temporal e espacialmente de tal modo marcado por essa especifi cidade que as construções científi cas não podem almejar estar desvinculadas da argamassa de valores, interesses, motivações que constituem suas condições culturais e políticas de produção. Nesse sentido, passam-se a questionar os aspectos canônicos da pesquisa científi ca, como a objetividade e a neutralidade, que se supõem fundamentais na produção de um conhecimento que se quer imparcial e universal. A perspectiva epistemológica construcionista (Woolgar, 1998; Parker, 1992; Sampson, 1989) entende o processo de pesquisa como situado histórica e socialmente, marcado pelos valores e orientações simbólicas e culturais. Sobretudo, a compreensão do ato de pesquisar não se fundamenta sobre a visão de que o conhecimento é resultado da manipulação de procedimentos técnicos considerados corretos e válidos que poderão, então, ‘descobrir’ e ‘desvelar’ uma realidade que nos é desconhecida (Henwood, 1998). Nessa acepção, o conhecimento científi co se qualifi ca como a busca de uma equivalência do conceito com a realidade, e da adequação da representação com seu objeto.

Sem ousar uma incursão aprofundada no âmbito das correntes fi losófi cas que apontaram a fragilidade da concepção de sujeito do conhecimento e da

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razão como instância capaz de exteriorizar-se e dominar a natureza (a partir de F. Nietzsche, com M. Heidegger e os pós-estruturalistas), pôde-se questionar o lugar do sujeito como ‘senhor’ frente a uma realidade que a ele se submetia e que dela se distanciava. A ‘morte’ do sujeito não seria tão somente a problematização do ponto (e porto) seguro a partir do qual nosso conhecimento do mundo pôde ser erigido, via a consciência e a razão, mas a perda do referencial sobre quem somos – nós, sujeitos humanos: qual seria a especifi cidade da realidade humana (em relação à natureza animada e inanimada), e quais seriam seus universais, tendo em vista a possibilidade de que possivelmente tenham que ser re-signifi cados, já que a racionalidade é posta em questão.

As linearidades que predominavam no cenário moderno - uma delas sendo o percurso retilíneo da vida humana, deslanchado pelo nascimento e terminando na morte, carimbado pelo que a Modernidade entendeu como um crescente domínio de si e do mundo – se tornam enfraquecidas. Esse percurso foi concebido como ‘o desenvolvimento do indivíduo’ (Castro, 1998) e colocava as crianças no lugar de ‘sujeitos marcados’ (Laclau, 1990), ou seja, daqueles que não detinham as marcas desejáveis de uma humanidade, uma vez comparados aos adultos, esses, sim, porta-vozes de uma humanidade emblemática.

Essa desigualdade caracterizou a relação entre adultos e crianças ao longo dos últimos séculos e, sem dúvida, marcou a forma de pesquisar. A desigualdade se naturalizou na medida em que o lugar da criança foi fi xado de modo absoluto a partir da postulação de diferenças essenciais entre criança e adulto, que deveriam, então, ser desveladas e descobertas pelo processo de pesquisa. O objetivo mesmo de pesquisar crianças e jovens consistiu na descrição e na explicação dos processos relativos a uma natureza distinta e supostamente inferior, a da criança, que poderia, no entanto, através das práticas de socialização, se aperfeiçoar e se desenvolver.

A preocupação do pesquisador visava a descrever e explicar as mudanças que deveriam acontecer com crianças, de modo que essas superassem o ‘infantil’, enquadrando, portanto, as respostas da criança/jovem em um referencial normativo que apontasse inexoravelmente para o que eles deveriam, ulteriormente, alcançar. Se esse aspecto constituía o arcabouço que determinava a postura do pesquisador e do que ele buscava junto a crianças e jovens, por outro lado, os meandros do processo de pesquisa se constituíram no esforço de contornar as ‘características infantis’, tidas como um obstáculo ao processo. Biaggio (1975), reconhecida psicóloga do Desenvolvimento, cita Mussen que invoca como impedimentos e difi culdades da pesquisa com crianças a

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comunicação, ou seja, sua incapacidade de articular suas experiências como um adulto o faz. A autora afi rma também que as crianças não são sujeitos livres, e portanto, não são capazes de decidir sobre sua participação em pesquisas: “já as crianças não têm nem a liberdade nem o conhecimento para decidir livremente e em geral não são consultadas.” (p.37) Se crianças não são livres nem têm o conhecimento para decidir, signifi ca, também, que não precisam compreender de que se trata o processo de pesquisa a que estão submetidas e que esse pode se legitimar para além de seu consentimento e compreensão. Sobretudo, admite-se que crianças não precisam exercer controle algum sobre o processo de pesquisa, seja pela contestação dos resultados dos estudos que os adultos pesquisadores fazem sobre elas (Hendrick, 2000), seja pela contribuição que podem trazer à construção de temas/problemas a serem pesquisados, seja, enfi m, por qualquer infl exão que o processo de pesquisa venha a ter a partir da ação de crianças e jovens.

Assume-se como um atributo fi xo e universal da criança sua incapacidade de se comunicar, além de sua falta de conhecimento e liberdade para decidir sobre a participação em pesquisas científi cas. O que é importante ressaltar é que, ao mesmo tempo em que se cristaliza a visão da diferença da criança em relação ao adulto como alvo da pesquisa sobre a infância, se a coloca como aspecto ou elemento que pode interferir negativamente sobre o processo de pesquisa. A ‘incapacidade de comunicação’ da criança é objeto de pesquisa no que propõe de diferença a um modo de funcionamento desejável e, simultaneamente, o que atrapalha um processo de pesquisa que se quer liso e ‘limpo’.

Assim como a incapacidade de comunicação, outros aspectos se tornaram simultaneamente variáveis dependentes e variáveis espúrias no processo de pesquisa com crianças, tais como o egocentrismo, a ‘incapacidade’ de discriminar fantasia e realidade, a labilidade afetiva e assim por diante. Controlar tais variáveis espúrias signifi cou afastar do processo de pesquisa aquilo que no comportamento e expressão infantis criava ruído e estranheza, e que, ao mesmo tempo, era considerado como tendo que ser superado através de mudanças que deveriam ocorrer.

Essa perspectiva de pesquisa legitima lugares inequivocamente diferenciados entre o adulto pesquisador e a criança, objeto de pesquisa, estabelecendo uma valência negativa para o lugar da criança. Tal dispositivo de pesquisa com crianças está a serviço tanto da produção de um saber sobre crianças como da afi rmação de seu lugar como ‘ainda não capaz’.

A crítica a essa visão demandou, em primeiro lugar, que se reexaminasse o lugar da criança na pesquisa, assim como na sociedade. Signifi cou, como coloca

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Alanen (2001), “retirar a ênfase colocada nas dessemelhanças das crianças em relação aos adultos”... para que as crianças fossem vistas como “movimentando-se e atuando no mesmo mundo em que as outras pessoas o fazem, e não somente dentro desses limitados mundos da brincadeira, do cuidado e da aprendizagem que têm sido especialmente indicados para elas.” (p.76) Além disso, demandou positivizar a própria diferença da criança em relação ao adulto, não no sentido de sua superação, mas no sentido de presença da ação da criança no mundo (Castro, 2001). Conceber a criança como agente e ator social equivale a poder reconhecer a perspectiva singular que ela traz para todos os contextos em que atua (Jenks, 2000; Davis, 1998). Como afi rma Solberg (1996), a investigação com crianças deveria se preocupar mais com o ‘fazer’ do que com o ‘ser’.

Alguns autores invocam um novo paradigma para os estudos da infância, chamado de “paradigma da competência” (James e Prout, 1990), expressão que, a nosso ver, ainda está capturada por uma conotação “adultista” de ser e estar no mundo. Ora, a competência sempre foi um atributo do adulto, em contraposição à criança; então, a pergunta que cabe aí é: para que crianças sejam vistas de forma positivizada será que têm que ser consideradas sob a perspectiva da competência, equivalendo-as ao adulto? Pensar as crianças como competentes é aproximá-las – imaginariamente - de um modo de funcionamento que sempre qualifi cou os adultos. De qualquer forma, as pesquisas que tomam a criança como um sujeito competente, ou um agente, enfocam não apenas como elas são construídas pelos processos de socialização, mas como elas os constroem e os re-constroem, como compreendem e interpretam suas experiências a partir do lugar em que se encontram. Neste sentido, as crianças seriam detentoras de um saber prático daquilo que é ser criança, e são elas que estão legitimamente, e melhor posicionadas, a falar sobre suas experiências (Gregory et al., 2001). Assim, as questões de pesquisa deveriam se estender para além daquelas da aprendizagem, do desenvolvimento e da maturação para incorporarem, preferencialmente, outras que dizem respeito ao que é relevante para as próprias crianças. Além disso, as diferenças porventura existentes entre crianças e adultos passam a ser compreendidas como geradas socialmente, ou seja, como fenômenos sociais e não como atributos fi xos e absolutos que demarcam identidades estáveis e monádicas. Assim, a falta de liberdade e a falta de conhecimento, ou ainda a incapacidade de comunicação, consideradas acima como características intrínsecas da infância, teriam que ser examinadas como questões sociais: ou seja, quem tem o poder e a legitimidade para defi nir o que é conhecimento e como esse é produzido no âmbito diferencial de poder entre os diversos

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agentes, adultos e crianças; que tipo de comunicação é valorizada entre os diversos agentes e como isso infl ui na construção da realidade social; como os diversos agentes vêem sua voz e sua ação restringidas, e quais os efeitos dessas restrições no que fazem e como fazem. A análise desses aspectos aponta para uma nova compreensão da posição da criança no dispositivo de pesquisa.

A produção de saber no campo da infância e da juventude não visa a ‘limpar’ o infantil considerado como uma difi culdade no processo de pesquisa, mas em abordá-lo como parte integrante e resultante de processos intersubjetivos, determinados pelas posições dos sujeitos na estrutura das relações sociais e das gerações ao longo da história. Desta forma, abre-se uma brecha para conceber a produção de saber sobre as crianças como resultante da sua própria ação e conhecimento (a criança como agente e como detentora de um saber), e não apenas da ação e do conhecimento do pesquisador sobre ela, com ela, ou para ela, no processo de pesquisa.

Nesse sentido, pode-se perguntar como deve se modifi car o dispositivo de pesquisa a partir do entendimento de que no processo de pesquisa se encontram dois agentes, adulto e criança, ambos sujeitos que ‘sabem’ e são diferencialmente competentes para lidar com seus mundos. Em primeiro lugar, a produção de saber visaria a resgatar a gama de experiências sobre como as crianças vivem e atuam a partir de seu ponto de vista particular. Signifi ca reconhecer que as crianças podem construir tais experiências no âmbito de estruturas de signifi cação, uma delas sendo o próprio dispositivo de pesquisa, que põe em curso práticas de signifi cação e mobiliza saberes diferenciados. O pesquisador seria o agente que, ao desencadear o processo de pesquisa junto a crianças, atua como um parceiro na produção de signifi cados no processo em que adulto e criança se propõem a construir sentidos para a experiência de um, de outro, ou de ambos (Castro & Souza, 1977/8). Assim, pesquisador e criança contribuem para a construção da própria experiência da criança, tornando-se esse o alvo do processo de pesquisar. O pesquisador não se coloca fora, como um ator que não ‘contamina’ o processo de pesquisa, mas um ator de quem depende a continuação do processo que é marcado por sua presença e por sua ação.

Diferentemente de um processo de pesquisa ‘identitário’ em que há uma distância (quase ontológica) entre o pesquisador e a criança e uma inequivocidade de lugares sociais, na situação proposta aqui, pesquisador e criança, ainda que permaneçam diferenciados, constituem-se reciprocamente enquanto sujeitos no bojo das práticas de signifi cação e no que essas práticas produzem. Em segundo lugar, esse processo não é ‘liso’, ou seja, não é possível

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uma antecipação clara e total dos fatores que podem ser relevantes e que podem acometer o processo de pesquisa. O controle do processo não está roteirizado e ordenado por meio de mecanismos dos quais o pesquisador pode lançar mão, como, por exemplo, o grupo de controle, ou o uso de vários observadores para um mesmo fenômeno. Talvez não se possa falar de controle dentro desta perspectiva de pesquisa porque o objetivo não seria ‘limpar’ o processo de pesquisa para que possamos enxergar o ‘dado em si’, ou a ‘realidade em si’ da criança, já que essa realidade, como foi discutido antes, estaria sempre sendo produzida dentro das práticas de signifi cação propiciadas pelos processos sociais, dentre os quais se encontra o dispositivo de pesquisa. Junto com O’Kane (2002) penso que esta abordagem de pesquisa com crianças responde à exigência de se dar voz às crianças e transformar as relações de poder entre pesquisador adulto e a criança.

O processo de pesquisar adquire as marcas das condições que o produzem. Uma das mais importantes conseqüências de se problematizar a desigualdade estrutural resulta em outro posicionamento ético-político e epistemológico do pesquisador. Não somente os temas de pesquisa deveriam se conformar mais ao que as crianças podem enxergar como relevantes às suas próprias vidas como também os métodos deveriam condizer com a premissa de que crianças constroem suas experiências no âmbito das práticas de signifi cação, numa situação partilhada com outros, sejam adultos ou outras crianças. Neste sentido, a estrutura de desigualdades que se explicita e se reconhece, ao se pesquisar com crianças e jovens, estabelece, no entanto, outras direções para o processo de pesquisa que não ‘naturalizam’ as relações diferenciadas entre adulto e criança/jovem, mas a consideram um aspecto a ser constantemente problematizado promovendo infl exões e rupturas. Uma delas consiste, por exemplo, na exigência de estar com as crianças nos seus ambientes naturais, acompanhando-as no que costumam ou gostam de fazer. Essa maior abertura aos espaços públicos e privados onde, de fato, as crianças vivem e transitam, favorece a emergência de outras questões de pesquisa na agenda dos pesquisadores.

É a partir dessas considerações iniciais que nos propusemos a compreender como a pesquisa-intervenção pode ser considerada como um paradigma de pesquisa que, através de uma variedade de métodos (Thomas & O’Kane, 1998; Morrow & Richards, 1996), aproxima de forma singular pesquisador e pesquisado, numa atividade em que ambos conhecem, aprendem e (se) transformam.

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Pesquisa-intervenção: um método, ou uma nova maneira de entender a atividade de pesquisar com crianças?

A pesquisa-intervenção tem sido abordada e entendida de múltiplas maneiras na literatura pertinente (Tripp, 2005; Paulon, 2005; Szymanski & Cury, 2004; Rocha e Aguiar, 2003; Brandão, 2000). A literatura revela a proximidade conceitual e, freqüentemente, a confusão conceitual entre pesquisa-intervenção, pesquisa-ação, pesquisa participante, termos que muitas vezes são utilizados de forma equivalente. Nosso intuito aqui não é percorrer essa diversidade que refl ete tradições epistemológicas e disciplinares diferentes, mas de recortar o campo da pesquisa-intervenção junto a crianças e jovens enquanto dispositivo que possibilita renovações no processo de pesquisar.

Decorrente da visão de que não há uma extemporaneidade do pesquisador em relação ao ato de pesquisar, reconhece-se que todo dispositivo de pesquisa transforma o que se deseja pesquisar, ou seja, nenhuma pesquisa deixa de ser também uma intervenção. Incorporar a intervenção do pesquisador no que é pesquisado, esse se constitui o grande desafi o do paradigma da pesquisa-intervenção. A idéia de que o conhecimento da realidade está relacionada ao fato de poder transformá-la não é recente; o próprio Kurt Lewin (1946), nos seus trabalhos de pós-guerra, preconizava que a atuação sobre a realidade seria uma estratégia para conhecê-la.

Alinhando-se com a visão de transformação da realidade, há o comprometimento do pesquisador na ação de transformação social, podendo esse se colocar de várias maneiras (Monceau, 2005): como acolhimento de sua própria contribuição na dinâmica social que estuda, como comprometimento com objetivos e demandas do grupo, ou com objetivos que o pesquisador leva para o campo de análise. Alguns autores indicam, pelo termo ‘implicação’, o profundo e até mesmo inconsciente comprometimento do pesquisador com aquilo que pesquisa, a ponto de “admitir que eu sou objetivado por aquilo que pretendo objetivar” (Lourau, citado em Altoé, 2004:148).

Na pesquisa com crianças, a implicação introduz a questão de como se pode enfrentar a desigualdade inerente à posição societária da criança. A produção de saber sobre a criança refl ete a contradição entre buscar alterar a posição de subordinação da criança, ao mesmo tempo em que essa não pode ser erradicada. Expliquemos: o pesquisador implicado considera o ato de pesquisar como não divorciado de uma posição ética e política sobre a infância que problematiza seu estatuto de incapacidade. Ao mesmo tempo, tal estrutura de desigualdade não pode ser anulada por decreto, nem por desejo do pesquisador, mas o insere,

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e também as crianças, em lugares sociais determinados por relações sociais de poder que atravessam o dispositivo de pesquisa, seja ele qual for. O saber sobre a criança está capturado nessa teia de determinações antagônicas, marcado pela negatividade da situação que se quer superar, sem que, no entanto, se possa deixar de afi rmá-la.

A pergunta seria, então, como a pesquisa com crianças, implicada no paradigma de transformação da realidade desses sujeitos, renova seu dispositivo para poder incluir a participação desses sujeitos, inserindo-os como parceiros no campo de pesquisa.

Uma condição fundamental seria buscar construir o dispositivo de pesquisa nos contextos onde as crianças vivem e transitam, ou seja, na espacialidade onde problemas e questões de pesquisa relevantes às suas vidas efetivamente surgem. Signifi ca poder romper com a linha imaginária entre pesquisa ‘pura’, que serve à reprodução institucional do establishment da pesquisa e dos seus grupos de interesse majoritários, e a pesquisa participante que atende às demandas dos grupos (minoritários) com que se envolve. A pesquisa com crianças passa a ser concebida como um dispositivo que se implica nas questões locais, emergentes nas espacialidades em que os sujeitos-crianças vivem e habitam, e não com questões tão somente emergentes a partir das espacialidades próprias do pesquisador – sua universidade, sua rede de relações científi cas, seu círculo de interesses acadêmicos e assim por diante.

A perspectiva clínica pode ajudar no propósito de inserir o pesquisador junto a seu campo de problemas tais como vividos por seus participantes. Sévigny (2001) descreve a abordagem clínica como aquela que permite colocar o pesquisador face aos problemas e questões de indivíduos, grupos ou comunidades que necessitam de soluções. Signifi ca que é preciso que o pesquisador ‘se debruce’ sobre os problemas e as questões (como se estivesse junto ‘ao leito’ ou bem próximo daqueles para cujas questões está convocado) para que possa compreender o que afl ige, o que vai mal e, conseqüentemente, o que pode melhorar. Como ‘o que pode ir mal’ se refere sempre a situações específi cas, ao que ocorre nos cruzamentos da história individual e geral, a perspectiva se volta especifi camente para a singularidade, entendida como o que é único e específi co a respeito daqueles participantes envolvidos em determinadas situações históricas.

É também em um sentido clínico que o pesquisador vai interagir com as crianças no dispositivo de pesquisa, na forma de indagar e propor ações envolvendo pesquisador e crianças. Qualquer ação do pesquisador vai se completando na interlocução continuada com as crianças, que sustentam, junto