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Perspectivas e Problemas do Emprego no Brasil 1 José Pastore Universidade de São Paulo A geração de empregos depende de vários fatores. Três deles são essenciais: crescimento econômico, boa educação e legislação realista. O Brasil está mal em todos eles. O crescimento econômico foi anêmico durante as últimas duas décadas. A educação continua sendo de baixa qualidade. E a legislação trabalhista não mais se ajusta a um mercado de trabalho heterogêneo e de uma economia complexa, que se abre e se torna mais competitiva. Ao mesmo tempo, o Brasil tem potencial para se transformar em uma verdadeira usina de empregos. Nesse país, está tudo por ser feito. No momento em que forem superados os constrangimentos macroeconômicos e as imperfeições institucionais, , haverá uma enorme demanda de pessoal dos mais variados níveis de qualificação. Tome-se, por exemplo, o caso da infra-estrutura. Em qualquer área, a carência é imensa. Focalizemos os transportes. Apesar de seu tamanho continental, o Brasil tem apenas cerca de 150 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Isso não é nada quando comparado com a Austrália que tem 250 mil quilômetros, a Itália que possui 300 mil quilômetros, o minúsculo Japão que tem quase 800 mil quilômetros e os Estados Unidos que dispõem de mais de 5 milhões de quilômetros de estradas pavimentadas. Haverá uma enorme demanda de mão-de-obra para construir e manter as estradas que o país precisa, sem falar na inter- conexão do transporte rodoviário com outros meios de transporte, em especial, o ferroviário e o hidroviário. Estão aí ricas fontes de empregos. Ainda no setor de infra-estrutura, o Brasil tem um déficit de aproximadamente 12 milhões de casas de boa qualidade. O problema habitacional é gravíssimo e, para solucioná-lo, ou até mesmo aliviá-lo, serão necessários investimentos que abrirão muitos postos de trabalho, 1 Trabalho apresentado no Seminário Brasil-Canadá: Desafios para a Criação de Empregos, patrocinado pelo CEBRI, Brasília, 10 de março de 2005. 1

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Perspectivas e Problemas do Emprego no Brasil1

José PastoreUniversidade de São Paulo

A geração de empregos depende de vários fatores. Três deles são essenciais: crescimento

econômico, boa educação e legislação realista. O Brasil está mal em todos eles. O

crescimento econômico foi anêmico durante as últimas duas décadas. A educação continua

sendo de baixa qualidade. E a legislação trabalhista não mais se ajusta a um mercado de

trabalho heterogêneo e de uma economia complexa, que se abre e se torna mais

competitiva.

Ao mesmo tempo, o Brasil tem potencial para se transformar em uma verdadeira usina de

empregos. Nesse país, está tudo por ser feito. No momento em que forem superados os

constrangimentos macroeconômicos e as imperfeições institucionais, , haverá uma enorme

demanda de pessoal dos mais variados níveis de qualificação.

Tome-se, por exemplo, o caso da infra-estrutura. Em qualquer área, a carência é imensa.

Focalizemos os transportes. Apesar de seu tamanho continental, o Brasil tem apenas cerca

de 150 mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Isso não é nada quando comparado com

a Austrália que tem 250 mil quilômetros, a Itália que possui 300 mil quilômetros, o

minúsculo Japão que tem quase 800 mil quilômetros e os Estados Unidos que dispõem de

mais de 5 milhões de quilômetros de estradas pavimentadas. Haverá uma enorme demanda

de mão-de-obra para construir e manter as estradas que o país precisa, sem falar na inter-

conexão do transporte rodoviário com outros meios de transporte, em especial, o ferroviário

e o hidroviário. Estão aí ricas fontes de empregos.

Ainda no setor de infra-estrutura, o Brasil tem um déficit de aproximadamente 12 milhões

de casas de boa qualidade. O problema habitacional é gravíssimo e, para solucioná-lo, ou

até mesmo aliviá-lo, serão necessários investimentos que abrirão muitos postos de trabalho,

1 Trabalho apresentado no Seminário Brasil-Canadá: Desafios para a Criação de Empregos, patrocinadopelo CEBRI, Brasília, 10 de março de 2005.

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não só na construção civil, mas em toda a cadeia produtiva ligada a esse setor. No Brasil,

esse é um dos principais setores de mão-de-obra intensiva.

Em matéria de energia, o país precisa construir uma Usina de Tucuruí por ano para poder

manter um crescimento sustentado. A construção de hidroelétricas tem um enorme

potencial para gerar empregos diretos e indiretos, sem contar os que advirão pelo efeito

renda depois das usinas terminadas.

Fora do setor de infra-estrutura, o Brasil possui várias outras potencialidades de geração de

postos de trabalho. Uma delas está no agronegócio. O país ainda emprega uma grande

quantidade de pessoas nas atividades agropecuárias - cerca de 25% da força de trabalho.

Tem havido redução devido à entrada das novas tecnologias. Mas essa redução se revela

mais lenta do que a que ocorreu nos países avançados. O Brasil avançou muito em termos

de novas áreas de plantio e se transformou em um importante exportador de alimentos in

natura e processados. Com os problemas de alimentação dos gigantes asiáticos (China e

Índia) e mesmo dos países da Europa e até mesmo da América do Norte, o Brasil tem tudo

para ampliar o fornecimento de alimentos para o exterior e, com isso, manter muitas

pessoas empregadas, de modo direto e indireto, nas inúmeras atividades que circundam o

agronegócio. Afinal, poucos países dispõe de terra, sol e água como o Brasil.

Há outras oportunidades. Tome-se o caso do turismo. O Brasil emprega apenas 2% de sua

força de trabalho nessa atividade, enquanto que os países do Caribe empregam 20% e a

França 25%. O Brasil tem belezas naturais e outras atrações tanto para o turismo de lazer

quanto para o turismo de negócios, e poderá receber de 20 a 25 milhões de turistas

estrangeiros por ano, em lugar dos atuais 4,5 milhões. Quando isso acontecer, haverá

empregos para muitos brasileiros.

Outros setores de serviços, têm igualmente enormes potencialidades como, por exemplo,

educação e saúde. No primeiro caso, o país mal conseguiu matricular todas as crianças na

escola. Resolvido o problema da quantidade, abriu-se a batalha da qualidade que exige uma

grande quantidade de professores bem treinados, escolas com equipamentos modernos,

material didático adequado e assim por diante - o que vai requerer enormes investimentos e

muitos profissionais em todos os níveis de educação.

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A tarefa de educar bem exigirá muitos profissionais por muito tempo. O Brasil possui uma

mão-de-obra que tem em média, 4,5 anos de escola - e má escola - enquanto seus

competidores (Coréia do Sul, China, Leste Europeu e outros) possuem uma força de

trabalho com mais de 10 anos de escola - e boa escola. Para reduzir esse hiato, milhões de

pessoas terão de trabalhar intensamente em todas as atividades que circundam o bom

ensino.

No caso da saúde, as carências são imensas. Obras de saneamento são essenciais para a

prevenção de doença e, segundo as estimativas de especialistas, exigem investimentos de

cerca de R$ 10 bilhões por ano (ao longo de 20 anos) o que, por sua vez demanda muito

trabalho (Godoy, 2005). A atual rede de centros e saúde está longe de dar conta de fazer de

suas missões no campo da prevenção e os hospitais do SUS (e conveniados com o SUS)

estão aquém da demanda por leitos, cirurgias e outros tratamentos. Tudo isso requer muito

trabalho. Tratam-se, igualmente, de atividades intensivas em mão-de-obra.

O quadro potencial do Brasil, portanto, é animador. Tudo o que já foi completado na base

das sociedades avançadas, aqui, está por ser feito - na infra-estrutura, no agronegócio, no

turismo, na educação, na saúde e em vários outros setores.

Mas, para tanto, teremos de crescer de forma contínua, melhorar a educação e modernizar a

legislação.

Este capítulo se concentra na análise da legislação trabalhista, procurando demonstrar que

as instituições do trabalho do Brasil tornaram-se disfuncionais e constituem um grande

impedimento à geração e à formalização dos empregos.

A Natureza da Regulação Trabalhista no Brasil

Emprego não é “commodity”. O trabalho não pode ficar inteiramente sujeito às leis do

mercado. Necessita de regulação. Mas de que tipo?

A regulação pode ser feita através de negociação e de contratos coletivos ou individuais

(entre a empresa e o empregado). As cláusulas dos contratos são os reguladores das

relações trabalhistas. Trata-se da regulação negociada.

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No outro extremo, a regulação pode ser feita por lei. Os dispositivos legais são os

reguladores das relações trabalhistas. É a regulação legislada.

Normalmente, a regulação é feita por uma combinação dos dois critérios – contratos e

legislação. O "mixing" entre negociação e legislação varia de país para país. Nos Estados

Unidos, por exemplo, a maior parte da regulação é garantida por contrato coletivo ou

contrato individual. No Brasil, a maior parte é garantida por lei. Na verdade, a Constituição

Federal e a CLT admitem a negociação de apenas dois direitos: o salário e a participação

nos lucros e resultados. A própria jornada de trabalho só pode ser negociada mediante uma

série de restrições legais.

Qual é a relação entre o tipo de regulação e o mercado de trabalho? Mais especificamente,

em que medida a natureza da regulação estimula ou inibe o emprego e a formalização das

relações de trabalho?

Em 2003, o National Bureau of Economic Research analisou as questões do emprego,

desemprego e informalidade à luz da natureza da regulação em 85 países (Djankov et. al.,

2003). Dentre as principais conclusões daquele estudo destacam-se as seguintes:

1. A regulação do trabalho pela via da lei (regulação legislada) é muito menor nos países

ricos do que nos países pobres. Os países ricos praticam mais a regulação pela via da

negociação e dos contratos coletivo e individual de trabalho (regulação negociada) que,

aliás, é legal, pois os contratos valem tanto quando as leis.

2. Quanto mais altos são os níveis de regulação legislada, mais altas são as taxas de

informalidade e desemprego, especialmente entre os mais jovens.

3. Dentre os 85 países estudados, o Brasil tem o mais alto índice de regulação legislada,

apresentando também as mais altas taxas de informalidade e desemprego, mesmo nos

tempos de forte crescimento econômico.

Os dados para se chegar a um índice de rigidez trabalhista, foram baseado no exame das

leis do trabalho, dos sistemas de negociação coletiva e das leis da previdência social.

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No contexto das leis trabalhistas, os autores analisaram, dentre outros fatores, a facilidade

ou a dificuldade para contratar em tempo parcial e por prazo determinado; o tempo de

férias; os descansos remunerados; a jornada de trabalho; o valor e as restrições às horas

extras; o trabalho dias feriados, sábados e domingos; o número de feriados remunerados;

a duração e remuneração das licenças; o valor do salário mínimo; as regras de demissão,

indenizações e outras proteções e demais custos da dispensa; as leis de aprendizagem e

treinamento e o custo para as empresas.

O mesmo detalhamento foi feito para as leis previdenciárias e para o sistema de negociação

coletiva. Inúmeros indicadores compõem cada uma dessas leis.

Nesse índice, Hong Kong se colocou como o país menos rígido (0,76 pontos) e o Brasil

como o mais rígido (2,40 pontos).

A rigidez do conjunto das leis trabalhistas do Brasil é muito maior do que a de todos os

países desenvolvidos e maior também do que a de países do mesmo nível de

desenvolvimento como é o caso do Egito (1,78), Filipinas (1,61), Marrocos (1,28),

România (1,76), Equador (1,76), Jordânia (1,46), República Dominicana (1,65), Jamaica

(1,16), Peru (1,67) Colômbia (1,99), Rússia (2,21), Tailândia (1,78), Venezuela (2,32),

México (2,01), Chile (1,56), Uruguai (1,27), Argentina (1,55).

O índice médio de rigidez trabalhista foi de 1,76 para esse grupo de países. Nos países mais

ricos, o índice médio foi de 1,24. Além de Hong Kong (0,76), vários outros países

apresentam um índice menor do que 1, como é o caso da Austrália (0,92), Cingapura (0,85),

Áustria (0,80), Estados Unidos (0,92) e Dinamarca (0,95).

O estudo destaca que a rigidez na regulação legal inibe a agilidade dos negócios e a

competitividade das empresas e, consequentemente, o emprego e a formalização dos

contratos de trabalho, com graves prejuízos para os trabalhadores, para a Previdência Social

e para as finanças públicas de um modo geral. Com menos facilidade para contratar e

descontratar as empresas abrem menos vagas e formalizam poucas, aumentando a

informalidade. Isto gera enormes déficits na Previdência Social que é forçada a se financiar

no mercado privado, elevando a taxa de juros, reduzindo os investimentos e inibindo o

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emprego. É neste ponto que se vê claramente a relação entre a natureza das leis trabalhistas

e a geração de empregos de boa qualidade.

Em uma outra pesquisa sobre regulação trabalhista, realizada pelo Banco Mundial em 133

países (World Bank, 2004), o Brasil ocupou também uma das piores posições no cenário

mundial.

Este estudo – muito semelhante ao anterior – avaliou a legislação no campo do trabalho,

usando quatro indicadores-chave: (1) flexibilidade para contratar; (2) flexibilidade para

descontratar; (3) regulação das condições de emprego; e (4) rigidez das leis trabalhistas. O

Brasil ficou nos últimos lugares, aliás, mal acompanhado. Vejamos alguns exemplos.

1. Flexibilidade para Contratar – Este indicador mede a facilidade ou a dificuldade (em

termos de tempo e custos) para se contratar um trabalhador segundo a lei do país. O

indicador varia de 0 a 100. Quanto mais alto, mais burocrática e mais dispendiosa é a

contratação. A pontuação do Brasil nesse indicador foi de 78 – o que nos coloca entre os

dez países de pior situação do mundo, junto com o Chad, Grécia, Guiné Bissau, Tailândia e

Venezuela (Tabela 1).

Tabela 1 – Regulação da Contratação

Piores paísesDificuldade para contratar

México 81Panamá 81Taiwan 81El Salvador 81Brasil 78Chad 78Grécia 78Guiné Bissau 78Tailândia 78Venezuela 78

Fonte: World Bank (2004)

Os países desenvolvidos, de um modo geral, tem menos da metade das dificuldades de

contratação existentes no Brasil como é o caso da Austrália (33 pontos), Áustria (33),

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Bélgica (33), Canadá (33), Dinamarca (33), Nova Zelândia (33), Cingapura (33), Suíça

(33), Inglaterra (33) e Estados Unidos (33).

Mas há países em desenvolvimento que possuem igualmente barreiras de contratação bem

menores do que as do Brasil como é o caso de, por exemplo, da Albânia (33), Bangladesh

(33), Botswania (33), Cambodia (33), Colômbia (33), República Dominicana, Egito (33),

Gana (33), Honduras (33), Índia (33), Irã (33), Israel (33), Jamaica (33), Jordânia (33),

Casaquistão (33), Kenya (33), Coréia do Sul (33), Kwait (33), Láos (33), Malásia (33),

Mongólia (33), Nepal (33), Nicarágua (33), Polônia (33), Rússia (33), Arábia Saudita (33),

Síria (33), Uganda (33), Emirados Árabes (33), Iêmen (33), Zâmbia (33), Zimbábue (33),

China (17), República Checa (17), Namíbia (17), Nigéria (17), Nova Guiné (17) e outros. É

verdade que, em vários desses países, a facilidade de contratação se deve a leis muito

rudimentares mas, em outros, a leis que foram simplificadas.

2. Flexibilidade para Descontratar – Este indicador mede as facilidades ou dificuldades

burocráticas e econômicas criadas pelas leis nacionais para despedir um empregado. Tudo o

que está acima de 50 reflete uma situação de rigidez. O Brasil teve 68 pontos nessa escala

estando, outra vez, em companhia de países de baixo PIB como, por exemplo, o Perú, a

Ucrânia e Panamá (Talela 2).

Tabela 2 – Regulação da Descontratação

Piores paísesDificuldade para descontratar

Angola 74Bielorússia 71Rússia 71México 70Paraguai 71Peru 69Ucrânia 69Panamá 68Brasil 68

Fonte: World Bank (2004)

Os campeões em facilidade de descontratação são Hong Kong (1), Cingapura (1), Uruguai

(3), Estados Unidos (5) e Japão (9).

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3. Regulação das Condições de Emprego – Este indicador refere-se à facilidade ou

dificuldade para se manter um trabalhador empregado de acordo com a lei nacional (em

termos de burocracia e custos). Nele, o Brasil obteve, igualmente, uma das piores

pontuações, levando-se em conta o enorme conjunto de despesas que recaem sobre o salário

e os custos administrativos para se manter a folha de pagamento de acordo com a lei. Ver

os exemplos da Tabela 3.

Tabela 3 – Regulação das Condições de Emprego

Piores paísesComplexidade da regulação

Bolívia 95Ruanda 94Ucrânia 93Chad 93Hungria 92Azerbajão 90Lituânia 90Mongólia 90Nicarágua 90Paraguai 90Angola 89Bielorússia 89Croácia 89Nigéria 89Brasil 89

Fonte: World Bank (2004)

Entre os países desenvolvidos, a Bélgica é uma exceção com 90 pontos em matéria de

complexidade de legislação. Todos os demais têm índices menores. Dentre os exemplos de

países que alcançaram 50 pontos ou menos estão: Áustria (41), Dinamarca (25), Finlândia

(43), Alemanha (46), Hong Kong (22), Kwait (40), Malásia (26), Nova Zelândia (43),

Noruega (39), Cingapura (26), África do Sul (36), Suécia (39), Inglaterra (42) e Estados

Unidos (29).

4. Rigidez das Leis Trabalhistas – Este indicador refere-se aos graus de liberdade que as

empresas têm para realizar negociações em torno das leis trabalhistas. Todo resultado

acima de 40 pontos indica grande complexidade nesse campo. Mais uma vez, o Brasil

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aparece como um dos países de maior rigidez, com 78 pontos, acompanhado de países

bastante problemáticos (Tabela 4).

Tabela 4 – Rigidez das Leis Trabalhistas

Piores paísesGrau de rigidez das leis

Brasil 78Angola 78México 77Bielorrússia 77Venezuela 75Ucrânia 73

Fonte: World Bank (2004)

Em matéria de rigidez das leis trabalhistas, Portugal é uma exceção entre os países

desenvolvidos (79 pontos). Dentre os que apresentaram menor rigidez, cujo índice se situa

abaixo de 40 pontos, têm destaque os seguintes: Austrália (36), Áustria (30), Canadá (34),

Dinamarca (25), Hong Kong (27), Japão (37), Nova Zelândia (32), Cingapura (20), Suíça

(36), Inglaterra (28), Estados Unidos (22).

O estudo mostra que os países com muita regulação legislada e, sobretudo, regulação de má

qualidade, crescem mais devagar, criam muitas desigualdades, e instigam a corrupção. No

campo trabalhista, em particular, tais países têm dificuldade para gerar empregos e manter

as pessoas empregadas com um mínimo de proteção legal.

Em suma, dentre os 133 países pesquisados o Brasil está mal em todos os indicadores de

trabalho.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) realizou um estudo bastante completo

sobre o mercado de trabalho na América Latina (BID, 2003). O relatório cobre várias

dimensões do mercado de trabalho, indo do diagnostico técnico às políticas públicas,

passando por análises rigorosas dos efeitos das reformas estruturais e dos regulamentos

legislados no campo trabalhista. Neste último aspecto, o resumo é o seguinte.

1. Os dados históricos de vários países do mundo, América Latina e Brasil inclusive,

mostram que o nível de emprego está intimamente ligado ao desempenho do PIB e também

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às regras de proteção do trabalho. Para o mesmo nível de PIB, as pesquisas revelam que leis

mais protetoras e despesas de contratação mais altas resultam em menos empregos e

empregos de pior qualidade (informalidade).

2. Proteções legais demasiadamente ambiciosas levam as empresas a repassar parte dos

custos aos trabalhadores na forma de salários mais baixos, menor proteção e reduzidas

oportunidades de emprego. Em um regime de regulação legislada, as proteções amparam os

trabalhadores de renda mais alta e desprotegem os de renda mais baixa. Na mesma linha,

elas protegem os trabalhadores das grandes empresas - minoria - e desprotegem os

trabalhadores das pequenas empresas - maioria.

3. Benefícios legais arrojados forçam os trabalhadores do mercado informal a

permanecerem por muito tempo nesse mercado e a sofrer longos períodos de desemprego e

desproteção.

4. A rigidez excessiva das leis de proteção aumenta o custo de contratação da mão-de-obra,

reduz a oferta de vagas, estimula a informalidade e aumenta o desemprego.

5. Mudar o sistema de financiamento da Previdência Social da folha de pagamento para

impostos sobre a renda ou o consumo não reduz as despesas finais para a contratação de

trabalho.

6. Reformas trabalhistas parciais (e descontinuadas) como, por exemplo, a adoção de

contratos de trabalho temporários ou por prazo determinado, não resolvem os problemas e

não são substitutas para reformas abrangentes.

Como recomendação de política pública, o estudo deixa a seguinte sugestão. É preciso

fazer cumprir as leis que protegem os trabalhadores através de fiscalização, pedagogia e

punição. Mais importante, porém, é aprovar as leis só depois de uma análise aprofundada

de seus benefícios e custos. Uma aplicação rigorosa de uma lei de má qualidade redunda

em taxas de emprego mais baixas.

O departamento de estudos do trabalho do Fundo Monetário Internacional, chegou às

mesmas conclusões (FMI, 2003). Revendo 49 pesquisas realizadas em 20 países diferentes

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e ao longo de 30 anos (1960-98), os pesquisadores concluíram que reformas abrangentes e

bem desenhadas - para o mesmo nível de PIB – alavancam a geração de empregos e

reduzem o desemprego de forma substancial. Reformas parciais são ineficazes.

Os parágrafos acima relatam resultados de quatro estudos de grande amplitude que

chegaram às mesmas conclusões. A qualidade da regulação tem muito a ver com o volume

de emprego, desemprego e informalidade.

É claro que o crescimento econômico conta, e conta muito. Mas países de mesmo nível

apresentam resultados diferentes no campo do emprego, desemprego e informalidade

devido à natureza das instituições do trabalho. O Brasil está sempre entre os que

apresentam os piores resultados naqueles indicadores e os que têm a maior parte da

regulação realizada por leis, muitas delas, de má qualidade por se distanciarem da realidade

do mercado de trabalho.

O Abismo entre a Lei e a Realidade

A Constituição Federal e a CLT estabelecem um grande conjunto de direitos a serem

respeitados por todas as empresas para a contratação legal de seus empregados. Ocorre que

nenhum desses direitos é negociável entre empregados e empregadores. Mesmo que as

partes desejem, a lei não permite negociá-los. Tais direitos, obviamente, geram deveres

que, por sua vez, se traduzem em despesas de contratação que chegam a 103,46% do salário

conforme mostra a Tabela 5 exibida a seguir.

Isso se aplica a todas as empresas, independentemente de seu porte. Uma microempresa de

quatro empregados tem as mesmas despesas de contratação que uma mega-empresa que

monta automóveis ou fabrica aviões. A lei tem de ser seguida em todas as regiões do país e

setores da economia, sem possibilidade de negociação. Um pequeno produtor rural do

interior de um estado pobre do nordeste tem as mesmas despesas de contratação de um

grande industrial de um estado rico. Não é a toa que a informalidade incide mais nas

regiões pobres, na agricultura, construção civil e pequenos serviços.

Além das despesas indicadas, a regulação legislada gera uma série de procedimentos

administrativos e uma pesada burocracia para manter o pessoal empregado assim como

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para preencher dezenas de guias de recolhimento de contribuições e fazer cálculos

complexos.

Em termos de despesas de contratação e descontratação, a metodologia de cálculo se baseia

no total de dias efetivamente trabalhados. Quando se retiram 52 domingos, 26 dias de férias

(porque 4 caem nos domingos) e 12 feriados, os 365 dias de ano se transformam em 275

dias efetivamente trabalhados. A legislação, porém, tem uma série de dispositivos que

requerem a remuneração de vários tempos não trabalhados. Os resultados são apresentados

na Tabela 52.

Tabela 5. Despesas de Contratação no Brasil(Horistas)

Tipos de Despesas % sobre o SalárioGrupo A –Obrigações SociaisPrevidência Social 20,00FGTS 8,50Salário Educação 2,50Acidentes do Trabalho (média) 2,00SESI/SESC/SEST 1,50SENAI/SENAC/SENAT 1,00SEBRAE 0,60INCRA 0,20Subtotal A 36,30Grupo B –Tempo não Trabalhado IRepouso Semanal 18,91Férias 9,45Abono de Férias 3,64Feriados 4,36Aviso Prévio 1,32Auxílio Enfermidade 0,55

2 Para maiores detalhes sobre o cálculo das despesas de contratação, ver (Pastore, 1997).

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Subtotal B 38,23Grupo C –Tempo não Trabalhado II13º Salário 10,91Despesa de Rescisão Contratual 3,21Subtotal C 14,12Grupo D –Incidências CumulativasIncidência Cumulativa Grupo A/Grupo B 13,88Incidência do FGTS s/13º sal. 0,93Subtotal D 14,81TOTAL GERAL 103,46Fonte: Itens da Constituição Federal e CLT.

Uma empresa que contrata trabalhadores horistas por R$ 1.000,00 por mês tem um custo

geral de R$ 2.030,00. Tratam-se de despesas com as quais as empresas têm de arcar na sua

totalidade. Nenhuma pode ser ignorada ou negociada, tendo, assim, natureza tributária

(Pastore e Martins, 1997). São todas compulsórias. Não há o que discutir3.

Realisticamente, as micro, pequenas e médias empresas têm enormes dificuldades para

arcar com essas despesas e desincumbir-se da carga de burocracia por elas geradas. As

grandes, montam enormes departamentos de pessoal, jurídico e de recursos humanos o que

rebate nos custos de produção e nos preços dos bens e serviços.

Os dados da RAIS de 2001 mostraram haver no Brasil 5.574.779 empresas registradas.

Destas, 5.277.308 eram micro-empresas4. Ou seja, o Brasil é uma nação continental e, ao

mesmo tempo, um país das “formiguinhas produtivas”.

Cerca de 95% das empresas existentes no Brasil são microempresas. A grande maioria é

composta de empresas de faturamento baixo e incerto. Raramente são exportadoras. Mais

3

Além dos itens constantes da Tabela 1, as empresas tem várias outras despesas com eventos específicos e quetambém decorrem de imposição legal tais como, os adicionais de insalubridade, periculosidade, ausênciaspara alistamento militar, alistamento eleitoral, licenças para casamento, doação de sangue, luto em família eoutras. Mas, essas despesas não abrangem toda a força de trabalho e, por isso, foram excluídas da tabela. Háainda as despesas decorrentes da negociação entre as partes e integrantes dos acordos e convenções coletivas.Estas foram igualmente excluídas por não serem de natureza legal e sim, negocial. Da mesma forma, foramexcluídos os custos gerados pelo excessivo detalhismo das leis atuais e que geram as 3 milhões de açõesjudiciais que entopem a Justiça do Trabalho do Brasil. Isso também exige um provimento de recursos porparte das empresas.

4 As demais empresas se distribuem da seguinte maneira: 245.458 são empresas de pequeno porte (4,4%);29.579 são empresas médias (0,5%); 22.434 são grande empresas (0,4%).

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raramente ainda produzem para grupos de alta renda. Elas se concentram no pequeno

comércio, pequenos serviços e pequenas indústrias. Como tal, elas têm enormes

dificuldades para seguir a atual legislação trabalhista e estão impedidas de negociar

cláusulas diferentes com seus empregados.

Ao lado das características das empresas é preciso estudar as características dos seus

quadros de pessoal. Segundo os dados do Cadastro Geral de Empresas (IBGE, 2002), das

4.964.885 empresas registradas (que têm CNPJ), 4.124.994, ou seja, cerca de 83%

empregam de 0 a 4 trabalhadores. Ou seja, a esmagadora maioria de empresas emprega

poucos empregados por unidade5. São essas as que têm a maior dificuldade para arcar com

as despesas e a burocracia das atuais leis trabalhistas. No conjunto, tais empresas

empregam cerca de 50% da força de trabalho do Brasil.

Mas o quadro é ainda mais complexo. Dentro do universo das micro empresas registradas

(que possuem CNPJ), verifica-se que cerca de 2,8 milhões não têm nenhum empregado,

reduzindo as que empregam a cerca de 1,8 milhões de empresas.

Como é essa parte do universo das micro empresas? Novamente, os dados mostram que das

1.769.517 que possuem empregados, 1.235.742 têm de 1 a 4 empregados registrados

(Najberg et. al., 2000). Continua o mesmo padrão: cerca de 70% das empresas registradas

não empregam mais do que quatro pessoas. Os dados revelam que 391.241 empresas

empregam de 5 a 19 empregados. Estes dois grupos congregam cerca de 92% das empresas

registradas no Brasil!

É nessas pequenas unidades produtivas que mais incide a informalidade. No caso das micro

e pequenas empresas, a informalidade sobe para 74%. No comércio e serviços, a média

chega a 84%. Os dois casos são bem superiores à média nacional que já é absurdamente

alta: 60%.

5 As demais empresas se distribuem da seguinte maneira: 463.519 (9,4%) empregam de 5 a 9 trabalhadores;219.306 (4,4%) empregam de 10 a 19 trabalhadores; e o restante, 164.066 (30%) empregam mais de 20trabalhadores.

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Portanto, quem convive com a informalidade são as empresas de pequeno porte. Quem

mais sofre a desproteção são os brasileiros que nelas trabalham. É aí que a lei mais atrita

com a realidade.

Será que a lei que serve para um grande fabricante de aviões serve também para as

empresas de pequeno porte? Parece que não. Basta olhar para os resultados no mercado de

trabalho.

O Brasil de 2004 possuía 8,5 milhões de pessoas desempregadas e 79,3 milhões

trabalhando. Destas apenas 31,7 milhões (40%) estavam na formalidade. Os restantes 47,5

milhões trabalhavam na informalidade (60%)!

Muitos argumentam que o crescimento econômico resolve esse problema. Ledo engano. O

crescimento é necessário, mas não é suficiente. A informalidade tem crescido na recessão e

na retomada da economia. Em 2004, quando o PIB cresceu 5%, o mercado de trabalho

formal das regiões metropolitanas cresceu apenas 1,3% enquanto que o informal cresceu

6,0% (IBGE, 2004).

Ou seja, mesmo com um PIB crescente, a informalidade nas regiões metropolitanas

aumentou com uma velocidade quatro vezes maior do que a formalidade. Esta situação é

crônica. Estudos que utilizam séries históricas e analisam longos períodos (que incluem

pontos de recessão e de crescimento), mostram o mesmo problema: o emprego informal

tem se mantido mais elevado do que o formal em situações de recessão e de retomada da

economia. Basta atentar para estes dados. Em 1985 havia um emprego formal para cada 2,7

trabalhadores; em 2002, essa proporção subiu para 1 emprego formal para cada 3

trabalhadores. Em relação aos celetistas - sujeitos à regulação legislada - o quadro foi mais

grave. Em 1985 havia apenas um emprego protegido pela CLT para cada três trabalhadores;

em 2002, havia um emprego protegido para cada quatro trabalhadores (Constanzi, 2004).

A Informalidade: Sugestões de Mudança

Afinal, quem são os trabalhadores informais? Dos 47,5 milhões de trabalhadores informais,

19,2 milhões (40,3%) são empregados que deveriam ter sua carteira registrada, mas não

têm porque a grande maioria trabalha em empresas de pequeno porte que não dispõem de

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condições para fazê-lo. Cerca de 17,2 milhões são trabalhadores por conta própria cujo

vínculo com a formalidade depende de um regime previdenciário especial sobre o qual

muito se fala, mas que pouco se fez. Cerca de 4,3 milhões são empregados domésticos não

registrados que, devido às peculiaridades de muitos lares, não conseguem formalizar seu

contrato de trabalho. Aproximadamente 5,7 milhões são pessoas que trabalham sem

remuneração, a maioria na zona rural, ajudando parentes na lavoura familiar ou no

comércio e serviços. E mais de 1,1 milhão são empregadores informais. Em suma, para

47,5 milhões de brasileiros não há falta de trabalho, mas sim falta de proteção.

Pelos números apresentados, fica claro que cada segmento exige uma adequação da

legislação atual, tanto trabalhista como previdenciária. É impossível continuar com uma lei

“tamanho único” para realidades tão diferentes. Isso acentua as desigualdades.

Como foi feito em outros países, o Brasil precisaria considerar a necessidade de diferenciar

a sua legislação no campo do trabalho de modo a torná-la realista e ajustada aos principais

nichos do mercado de trabalho.

Neste ponto convém fazer um comentário sobre os resultados da modernização das leis

trabalhistas em outros países. Há aqui uma grande controvérsia. Com frequência, os autores

que são contra a modificação da regulação legislada argumentam que tentativas desse tipo

redundaram em fracasso em outros países. O caso mais citado é o da Espanha.

O que dizem os dados? A Espanha chegou a amargar uma taxa de desemprego de 24% em

1994 - um número espantoso e recorde no mundo desenvolvido. Para atacar o problema, As

medidas negociadas entre os atores sociais atacaram em três frentes: aceleraram o

crescimento, melhoraram a educação e modernizaram a legislação trabalhista -, criando

novas formas de contratação, ampliando a negociação e reduzindo a burocracia e as

despesas. As mudanças foram sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo. Reforma trabalhista

não é um ato estanque mas sim um processo que precisa ter continuidade no tempo para se

corrigir as próprias mudanças quando estas se mostram disfuncionais.

Quais foram os resultados das mudanças da Espanha? Houve uma queda persistente do

desemprego que, de 24% chegou a 10,5% em setembro de 2004 (Tabela 6) - a maior

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redução em toda a União Européia. Além disso, a Espanha cortou a informalidade de 12%

para 6% e os usuários do seguro-desemprego de 22% para 7%.

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Tabela 6 - Taxa de desemprego na Espanha(1994-2004)

Ano %1994 24,01995 23,01996 22,01997 20,01998 19,01999 15,02000 14,02001 13,02002 12,02003 11,02004 1º. Trimestre 11,42004 2º. Trimestre 10,92004 3º. Trimestre 10,5

Fonte: Ministério del Trabajo e Asuntos Sociales, 2003 e Banco de España, 2004.

No âmbito da legislação, o país criou dez tipos de contratos de trabalho (tempo parcial,

eventual, obra certa, interino, de formação de jovens, de estímulo às pessoas de meia idade,

etc.) que foram amplamente utilizados por serem mais simples e menos dispendiosos para

as empresas. São contratos que oferecem uma proteção parcial, garantindo, porém, as

proteções fundamentais (previdência, seguro-acidentes, saúde, etc).

Nos primeiros anos houve abusos e, para corrigi-los, novas reformas foram introduzidas. O

que aconteceu? Os contratos de menor proteção foram diminuindo e os de maior proteção

foram aumentando. Entre 1997 e 2004, os primeiros caíram de 40% para 20% e os

segundos subiram de 60% para 80%.

Esses fatos mostram que reformas trabalhistas têm de ser amplas, contínuas e corretivas.

Trata-se de um processo dinâmico e não de um ato estanque. Os que criticam a experiência

espanhola precisam render um mínimo de respeito aos dados.

A modernização das leis na Espanha foi possível porque a Constituição espanhola não

impunha limitações como a do Brasil. Condições de trabalho detalhadas e fixadas em

constituições enrijecem as relações do trabalho. Na Constituição Federal de 1988, o Brasil

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seguiu o caminho inverso. Os constituintes colocaram na Carta Magna inúmeros direitos

que estavam na lei ordinária, tornando-os mais rígidos.

Sugestão para o Mundo dos Empregados O Simples Trabalhista

A rigidez da Constituição impede muitas mudanças. Uma delas diz respeito à natureza das

proteções. O Brasil precisaria desenvolver proteções que fossem atreladas às pessoas e não

aos postos de trabalho. Sim porque os trabalhadores fazem um verdadeiro ziguezague ao

longo de suas carreiras, trabalhando algum tempo no mercado informal, outro no mercado

formal e, com freqüência, voltando várias vezes para o mercado informal, especialmente

quando o desemprego aperta. Trabalhando ora como empregado, ora como "por conta

própria", o trabalhador não pode perder as proteções mínimas pelo simples fato de transitar

entre um e outro segmento do mercado de trabalho.

Pela lei atual, a grande maioria de trabalhadores têm proteções só quando são contratados

como empregados formalmente. Quando deixam de ser empregados formais e adentram o

mundo do trabalho (e não do emprego) eles perdem as proteções, o que não é admissível

em uma sociedade que pretende tratar todos os cidadãos de maneira digna.

A criação de um “simples trabalhista” poderia ajudar a formalizar muitos empregados. As

empresas são sensíveis a simplificações. Como vimos, a criação do Simples Tributário em

1996 (Lei 9317/1996) fez com que, nos primeiros três anos, as empresas formalizassem

mais de três milhões de empregados que trabalhavam em situação irregular (Cechim e

Fernandes, 2000). O programa reduziu despesas, simplificou a burocracia e estimulou o

registro. Por isso, a extensão desse programa para a área trabalhista poderia ajudar a atenuar

o grave problema da informalidade que, como vimos, incide fundamentalmente nas micro e

pequenas empresas.

No que consiste o “simples trabalhista”? O simples trabalhista pode ser restrito (se for

baseado em mudança de leis ordinárias) ou amplo (se for baseado em reformas

constitucionais).

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Examinemos a primeira hipótese. Nesse caso, o simples trabalhista terá de estimular o

emprego formal nas micro, pequenas e médias empresas por meio de novas leis ordinárias

que venham a permitir uma redução e/ou flexibilização de pagamento das despesas com

Previdência Social, FGTS, salário-educação e outros componentes da Tabela 5.

No final de 2001, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma modificação no artigo

618 da CLT que preservava os direitos básicos da Tabela 5 e tornava maleável a forma de

cumprimento daqueles direitos (Projeto de Lei nº 5.483/2001). O projeto estava para ser

apreciado pelo Senado Federal quando, no início de 2003, o Presidente Lula pediu a sua

retirada para conseqüente arquivamento.

Naquele projeto abria-se o espaço de negociação para todas as empresas e não apenas para

as micro, pequenas e médias. O foco eram as negociações de algumas condições de

trabalho que se referem ao contrato individual de trabalho (art. 468 da CLT), tais como, (1)

a compensação de horários dentro dos limites constitucionais; (2) a redução da jornada de

trabalho; (3) a exclusão ou inclusão do tempo in itinere na jornada; (4) a jornada de tempo

parcial; (5) o número de horas extras compensáveis; (6) a condição de gerentes e exercentes

de cargos de confiança; (7) a duração dos intervalos; (8) os dias de concessão nos quais

recairá o repouso semanal; (9) o período que se caracteriza como noturno; (10) o percentual

do adicional noturno; (11) a forma de marcação de ponto; (12) o contrato por prazo

determinado assim como (13) a forma de tirar férias (em períodos negociados); (14) o

modo de pagar o 13º. salário e o abono de férias (em parcelas negociadas). Tudo deveria ser

negociado com a participação direta dos sindicatos dos trabalhadores.

O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados excluía da negociação uma série de

direitos muito fortes: (1) os dispositivos constitucionais; (2) as leis complementares; (3) os

direitos previdenciários; (4) as normas tributárias; (5) o FGTS; (6) o vale transporte; (7) o

programa de alimentação; (8) as normas de segurança e saúde no trabalho.

No campo constitucional, ficavam como inegociáveis os seguintes direitos: (1) indenização

por dispensa imotivada; (2) jornada semanal de 44 horas; (3) jornada diária de 6 horas para

sistemas de revezamento (a menos o previsto na própria Constituição); (4) adicional de

50% nas horas extras; (5) acréscimo de 1/3 da remuneração das férias; (6) licença-

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paternidade de 5 dias; (7) idade mínima de 16 anos para trabalho; (8) isonomia salarial

entre avulsos e empregados; (9) estabilidade da gestante; (10) estabilidade de dirigente

sindical e membro da CIPA; (11) participação nos lucros, ou resultados e gestão da

empresa; (12) direito de greve.

Estavam fora da negociação também: (1) as normas de direito público do trabalho (registro

em carteira, fiscalização do trabalho, homologação de rescisões; etc.); (2) o direito penal do

trabalho (retenção dolosa do salário, omissão de documentos da previdência social, etc.);

(3) as convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil; (4) a organização sindical;

(5) e as sentenças da Justiça do Trabalho.

Ou seja, a área do proibido continuava maior do que a do permitido. O projeto mantinha

todos os direitos mas dava espaço para negociar a sua forma de pagamento, transformando

proteções integrais em proteções temporariamente parciais. Durante sua tramitação, o

Partido dos Trabalhadores combateu o projeto e o Presidente Lula, assim que eleito,

retirou-o do Congresso Nacional.

Vale a pena, porém, meditar sobre essa matéria, mesmo porque, em novembro de 2004, o

próprio Presidente Lula enviou ao Congresso Nacional um projeto que encampou a idéia de

se garantir proteções parciais (Projeto de Lei Complementar PLP 210/2004), saindo-se,

assim, da situação de "tudo ou nada" da legislação atual. De fato, a CLT dá uma proteção

completa aos empregados registrados e nenhuma proteção aos não registrados. O mesmo

acontece com os trabalhadores por conta própria.

O Projeto de Lei Complementar 210/2004 cria isenções tributárias, previdenciárias e

trabalhistas com vistas a atrair para a formalidade e oferecer proteções parciais às pessoas

que trabalham por conta própria e seus empregados. Os princípios básicos desse projeto são

os seguintes:

Os trabalhadores por conta própria, ao entrarem no programa a ser criado com base naquele

projeto de lei complementar, transformar-se-ão em microempresários. Se tiverem

colaboradores, estes serão transformados em empregados registrados (formais).

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São elegíveis as pessoas que faturem até R$ 36.000,00 por ano. Para elas, haverá isenção

do IRPJ, PIS/PASEP, CSLL, COFINS, IPI. A escrituração será simplificada.

No âmbito previdenciário, a alíquota para o INSS será de apenas 1,5% sobre o faturamento.

O projeto permite que Estados e Municípios adotem valores fixos mensais de até R$ 45,00

para o ICMS e R$ 60,00 para o ISS, respectivamente.

Ao microempresário, aos trabalhadores por conta própria e aos contribuintes facultativos

(inclusive empregada doméstica) dá-se a opção de filiarem-se à Previdência Social,

mediante contribuição de apenas 11% sobre o salário mínimo. A aposentadoria, porém, será

apenas por idade e invalidez e não por tempo de contribuição (proteção parcial). O valor da

aposentadoria será baseado na média aritmética simples dos maiores salários-de-

contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo (proteção parcial). Não

haverá cobertura para o desemprego involuntário (proteção parcial).

No âmbito trabalhista, os incentivos se estendem aos empregados da microempresa. A

contribuição ao FGTS será reduzida de 8% para 0,5% sobre o salário desde que com a

expressa concordância do empregado (proteção parcial)). Além disso, a microempresa será

isenta das contribuições do salário educação, dos “Ss” e da contribuição sindical. A

contribuição previdenciária dos empregados será de 8% sobre o salário de contribuição

referente à primeira faixa de renda. A contribuição da empresa, repetindo, será de 1,5%

sobre o faturamento.

Além disso, o programa facilita o re-ingresso dos trabalhadores que abandonam o

recolhimento à Previdência Social. O valor dos juros das prestações atrasadas será limitado

a, no máximo, 50% do atual. O tempo pago será contado para fins de aposentadoria.

A exceção da aposentadoria por tempo de contribuição e seguro-desemprego, todos os

demais benefícios podem ser usados pelo trabalhador que se vincular à Previdência Social.

Serão exigidos pagamentos durante 12 meses anteriores antes de gozar o benefício

(proteção parcial).

Como se vê, o programa se dirige primordialmente aos produtores e prestadores de serviços

individuais (podendo ter uns poucos empregados), aos camelôs, vendedores ambulantes,

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enfim, os que vivem de “bicos” e que ganham até R$ 3.000 por mês em média. Tirando os

custos de produção, são pessoas cuja remuneração líquida fica entre R$ 700,00 e R$

1.000,00 por mês.

Trata-se de uma população imensa. O projeto mais do que se justifica. A idéia é simplificar

o registro das microempresas, reduzir ao mínimo as exigências de escrituração, diminuir ao

máximo os impostos e contribuições sociais e estimulá-las a formalizar seus empregados,

garantindo-lhes proteções parciais. Haverá um Comitê Gestor integrado por representantes

do Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Para se chegar a um "simples trabalhista", o projeto precisaria ser mais ambicioso e ampliar

sua cobertura para incluir empresas já existentes de porte micro, pequeno e médio,

introduzindo simplificações adicionais como, por exemplo, redução das exigências de

exames médicos periódicos, redução do valor das multas administrativas, possibilidade de

organização na forma de cooperativas de trabalho e tratamento preferencial nas compras

governamentais.

Mas a mudança proposta tem seus méritos. A idéia de primeiro formalizar a empresa para

depois formalizar os empregados é consistente.

No contexto de reformas trabalhistas, são dois os aspectos mais importantes do projeto. O

primeiro diz respeito à escolha que é dada ao trabalhador e à empresa de negociarem o

valor da alíquota do FGTS. O segundo se refere à criação de um regime previdenciário no

qual o benefício da aposentadoria se restringe ao que foi contribuído – uma aproximação ao

sistema de capitalização.

Esses dois conceitos constituíram a alma dos programas de mudança utilizados em outros

países. Se eles forem incorporados na moldura institucional brasileira, poderão ser

estendidos para outros programas, abrindo-se um espaço para se negociar vários itens hoje

inegociáveis.

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Sugestão para os Trabalhadores por Conta PrópriaO Cartão Único de Identificação

Um dos problemas do PLP 210/2004 para os trabalhadores por conta própria é a falta de

obrigatoriedade de adesão à Previdência Social. Para contornar esse problema, poder-se-ia

pensar na seguinte solução.

Desde a época de Hélio Beltrão, Ministro da Desburocratização nos idos dos anos 80, se

discute a criação de um cartão único de identificação que conteria os dados que hoje estão

espalhados em vários documentos (carteira de identidade, carteira profissional, inscrição na

Previdência Social, etc) 6.

Além de se promover uma colossal redução de pessoal e despesas para a máquina pública,

o Estado teria mais facilidade para verificar o cumprimento dos deveres dos cidadãos. Para

estes, haveria uma simplificação enorme na hora de obter os benefícios sociais (seguro-

desemprego, tratamento médico, aposentadoria e pensão, programas de treinamento e

outros), eliminando-se ainda a dor de cabeça que se tem para tirar segundas vias dos

diversos documentos.

No Brasil, a introdução do cartão único, mesmo que de forma modesta, poderia ser usado

como elemento auxiliar para combater a informalidade das empresas e do trabalho. É claro

que a medida não é milagrosa. Ela teria de se incorporar na inconclusa reforma da

Previdência Social. A aposentadoria para estes casos teria de se basear em um sistema que

se aproximasse ao da capitalização. O contribuinte do setor informal recolheria o que

desejasse – talvez com um pagamento mínimo de R$ 10,00 ou R$ 15,00 por mês. O valor

da aposentadoria seria proporcional à contribuição do trabalhador. Na medida em que ele

fosse melhorando de vida, poderia aumentar sua contribuição mensal, podendo chegar ás

condições de aposentadoria de quem está sob o regime da CLT atual.

Em que o cartão único ajudaria? Todos os brasileiros teriam de possuir esse cartão. Ele

funcionaria como uma espécie de “passaporte da cidadania”. Seria uma maneira de6

Devido ao receio de invasão da privacidade, esse cartão de identificação poderia começar com dados menospolêmicos como, por exemplo, carteira de identidade, registro da carteira profissional, inscrição no INSS,dados pessoais e endereço. Com o passar do tempo, o cartão poderia incluir outros dados.

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"convencer" os 47,5 milhões de trabalhadores que hoje estão na informalidade a se filiarem

a um sistema previdenciário. Sem o cartão, eles ficariam impedidos de realizar transações e

ter acesso aos benefícios públicos.

Já há várias sementes plantadas nesse campo. A Lei 9.454/97 instituiu o "número único" do

registro da identidade civil, mas não foi regulamentada em tempo hábil. Em 1994, o

Ministério da Previdência e Assistência Social criou o Cadastro Nacional de Informações

Sociais, integrando vários bancos de dados e, em 2002, emitiu um cartão magnético para os

contribuintes individuais com o fim de facilitar a sua contribuição ao INSS - com

excelentes resultados.

Ou seja, o Brasil já está no caminho do cartão único. Seria útil que a nova reforma da

Previdência Social viesse a dar esse passo arrojado, integrando-se com outros órgãos do

governo e emitindo um cartão de identificação para todos os brasileiros.

Com a implantação do cartão-único, muitas fórmulas criativas poderiam ser praticadas para

incluir milhões de pessoas que hoje estão fora do sistema previdenciário. Até mesmo as

beneficiárias dos programas de renda mínima, bolsa-família, vale-alimentação etc., no

recebimento do benefício, poderiam entrar com uma contra-partida (por exemplo, R$

15,00), o que lhes daria direito a usufruir os benefícios da Previdência Social depois de um

certo número de pagamentos consecutivos (por exemplo, 12 meses).

Isso significa que a redução da informalidade exige mudanças específicas. Para os

empregados e empregadores, convém promover mudanças que viabilizem um “simples

trabalhista”. Para os trabalhadores por conta própria, convém insistir em regime especial da

Previdência Social, baseado nos princípios acima enunciados e atrelado ao “cartão único”.

Mudanças Constitucionais

Mas até aqui, examinamos apenas a hipótese das reformas que poderiam ser feitas

mudando-se apenas as leis ordinárias. Resta examinar as que demandariam mudanças

constitucionais.

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Neste caso, a abertura para a modernização seria muito mais ampla. Ao mesmo tempo,

mudanças constitucionais são controvertidas do ponto de vista jurídico e acaloradas do

ponto de vista político. Mas precisam ser enfrentadas.

Para se alcançar uma verdadeira modernização no sistema de regulação, o Brasil teria de

considerar a idéia de modificar o artigo 7º da Constituição Federal para assegurar um

mínimo de direitos inegociáveis e abrir o campo para a negociação de vários outros direitos

que hoje fazem parte do bloco rígido dos direitos não transacionáveis.

A decisão sobre o que é negociável gera fortes contendas político-ideológicas. Para os que

estão debaixo da proteção das leis atuais, nada deveria ser objeto de negociação. Eles

temem perder a proteção que hoje possuem. Por isso, as negociações deveriam tomar a

proteção atual como mínimo e buscar benefícios daí para cima.

Ocorre que isso tornaria a regulação legislada ainda mais realista para a grande maioria dos

trabalhadores e das empresas do Brasil. Por isso, uma reforma trabalhista que envolve

mudanças constitucionais teria de se basear em uma campanha pedagógica eficiente e que

fosse capaz de demonstrar aos trabalhadores que a idéia não é retirar direitos de quem tem

mas sim a de garantir direitos para quem não tem. Ou seja, os protegidos continuariam

protegidos e os desprotegidos passariam a ter uma proteção parcial que, com o tempo,

poderia se transformar em uma proteção total e igual as que desfrutam os que estão debaixo

da proteção das leis atuais.

Essa estratégia de mudança requer muita liderança. Em todos os países em que as reformas

trabalhistas foram de profundidade, a liderança jogou um papel fundamental. A Nova

Zelândia, por exemplo, realizou uma verdadeira revolução em 1991 sob a liderança firme

de seu então Ministro do Trabalho, William Birch. A Espanha começou a mudar as leis

trabalhistas em meados dos anos de 1980, realizando reformas que ajudaram a reduzir o

desemprego e a informalidade com a participação efetiva do então Primeiro Ministro,

Felipe Gonzalez. As mudanças prosseguem até os dias atuais. A reforma trabalhista

introduzida por Margareth Thatcher baseou-se em oito leis que foram aprovadas, de forma

contínua e progressiva, entre 1979 e 1985, e, depois disso, foram mantidas e aprofundadas

por seu opositor que chegou ao poder - o Primeiro Ministro Tony Blair. No Brasil, tivemos

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o caso da reforma da Previdência Social realizada em 2003 que ajudou a reduzir o déficit

do setor público. Essa reforma foi liderada pessoalmente pelo Presidente Lula, tendo no seu

Ministro da Previdência Social (Ricardo Berzoini) um porta voz, preparado, bem informado

e em condições de apresentar argumentos convincentes a todos os tipos de públicos.

Mudanças trabalhistas demandam tempo e perseverança para fazerem efeito. Elas só

funcionam quando atacam as causas, são simples e pouco burocratizadas. Esse é o desafio

para o Brasil.

Em conclusão, a resolução dos problemas de desproteção social depende de reformas

trabalhista e previdenciária de grande amplitude. A trabalhista, através da abertura de um

maior espaço de negociação e da introdução de simplificações e reduções de despesas de

contratação, especialmente para as micro e pequenas empresas, cujo objetivo seria o de

contratar empregados com proteções legais mínimas. A previdenciária, voltada

principalmente para os trabalhadores por conta própria, visaria estender para eles os

benefícios previdenciários fundamentais. Combinadas, as duas poderiam ajudar, em muito,

a reduzir o problema da informalidade e o déficit público o que, por sua vez, estimularia os

investimentos públicos e privados e o emprego e o trabalho de boa qualidade.

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