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PerSe Editora R. Turiassú, 390 - Conj. 86 Perdizes - São Paulo - SP CEP: 05005-000 TEL: 11 3675-8075 CNPJ: 11.053.820/0001-68

NATAL MONICO

O TERCEIRO SONHO

Segunda Edição

São Paulo

2015

Copyright by Natal Monico

Todos os direitos reservados ao Autor. Proibida a reprodução

total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especial-

mente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos,

reprográficos, fonográficos, videográficos, atualmente exis-

tentes ou que venham a ser inventados. A violação dos direi-

tos autorais é passível de punição como crime (art. 184 e

parágrafos, do Código Penal, Lei n° 6.895, de 17/12/80) com

pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreen-

são, e indenizações diversas (artigos 122 a 124 e 126 da Lei

11° 5.988, de 14/12/73, Lei dos Direitos Autorais).

INDICE

1 – CAÇADORES DE JUDEUS

2 – AS TRÊS BESTAS HUMANAS

3 – FECHADO POR LUTO

4 – JURAMENTO DE VINGANÇA

5 – REBELIÃO NO PRESÍDIO

6 – BATEDORES DE CARTEIRAS

7 – VIGÉSIMO PRIMEIRO ANIVERSÁRIO

8 – A CONQUISTA DE LILIAN

9 – A PARCEIRA IDEAL

10 – AS FESTAS DE EMBALO

11 – AMOR NÃO TEM PREÇO

12 – O PRIMEIRO SONHO

13 – MULHERES ESCOLHIDAS A DEDO

14 – UMA SURPRESA PARA ALBERT

15 – O SEGUNDO SONHO

16 – SONHO E FANTASIA

17 – A HISTÓRIA DE LILIAN

18 – O CASAMENTO DE PAULO

19 – PAULO E ALBERT

20 – PASSAGEM DE ANO

21 – O REVEILLON

22 – A MANSÃO DE SILMARA

23 – ENTRE DUAS MULHERES

24 – UMA DAMA ENTRE CANALHAS

25 – DE VOLTA AO APARTAMENTO

26 – UM PLANO DE VINGANÇA

27 – UMA NOITE DE HORROR

28 – UM ACIDENTE TRÁGICO

29 – O COPO SOBRE O BALCÃO

30 – O ENTERRO

31 – DOIS TIROS CERTEIROS

32 – O TERCEIRO SONHO

33 – A CONFISSÃO

34 – O REENCONTRO

EPÍLOGO

Natal Monico 7

O TERCEIRO SONHO

Capitulo 1

Caçadores de Judeus

Os sinos de todas as Igrejas anunciavam

alegremente que o ano de l980 se findara e que ao

mesmo tempo nascia o ano novo, foguetes multi-

coloridos faziam desenhos maravilhosos no céu. Ao

barulho ensurdecedor das buzinas dos milhares de

automóveis misturadas aos estrondos dos fogos de

artifícios juntava-se a não menos barulhenta, mas

contagiante bateria de uma Escola de Samba. Tudo

era festa e a alegria do povo era ainda maior, pois

um brasileiro ganhara a tradicional corrida de São

Silvestre disputada todos os anos na capital de São

Paulo com a participação de vários atletas interna-

cionais convidados especiais do maior jornal de

esportes do Estado de São Paulo “A GAZETA

ESPORTIVA”. Dia 31 de Dezembro é consagrado

a São Silvestre, por isso, a corrida de pedestria-

nismo que marca a passagem do ano foi denomi-

nada como: “CORRIDA DE SÃO SILVESTRE” e

o brasileiro JOSE JOÃO DA SILVA até então um

ilustre desconhecido tinha sido o melhor de todos,

conquistara para o Brasil uma grande vitória, uma

vitória, aliás, esperada ansiosamente há mais de

trinta anos, por isso, a conquista do brasileiro não

era festejada somente em São Paulo, mas em todo o

Brasil.

Natal Monico 8

O trânsito de automóveis que havia sido

desviado das ruas onde deveriam passar os atletas

agora estava liberado. Os primeiros carros tinham

de forçar passagem, pois as ruas estavam cheias de

gente que pulava e dançava a frente dos veículos e,

foi assim que aquela Mercedes azul conseguiu se

desvencilhar de toda aquela balbúrdia onde sem

querer se metera, pois seu condutor ao tentar alcan-

çar um clube de granfinos lá dos lados do Jardim

Paulista onde pretendia passar a noite do reveillon

acabara por se enroscar naquele emaranhado de veí-

culos e de gente, o que o deixou tremendamente

irritado, por isso, quando se viu livre daquela con-

fusão procurou imprimir maior velocidade ao auto

visando chegar o quanto antes ao seu destino.

Gostava de festejar o momento exato da

passagem de ano, gostava dos abraços, dos apertos

de mão, de elevar sua taça de champanhe e gostava

também de cantar a música “Adeus Ano velho”,

Feliz Ano Novo”, naquele coral de vozes felizes e

despreocupadas, porque para eles não interessava

muito se o ano que acabara de findar fora ruim ou

se o ano que se iniciava naquele momento seria

bom, porque aquele clube só recebia pessoas de

famílias abastadas, pessoas cujo nível social impe-

dia qualquer pensamento negativo. Infelizmente pa-

ra Albert, este era o seu nome, Albert Samter,

chegara atrasado em virtude da confusão em que se

metera e isto o deixou chateado, pois perdera a

oportunidade de no meio de tantos abraços e aper-

tos de mão praticar o seu hobby que, era o de afanar

Natal Monico 9

carteiras e jóias enquanto abraçava efusivamente

aquela gente endinheirada que mal conhecia.

Albert era um homem rico, porém, seu

dinheiro era controlado por um único parente vivo,

seu tio, um velho dos seus sessenta e cinco anos,

judeu alemão que chegara ao Brasil por volta de

1945. Conseguiu fugir da perseguição implacável

feita aos judeus tanto na Alemanha como em outros

países onde Hitler conseguia entrar com suas tro-

pas. Josef Samter era seu nome, homem de muitos

negócios conseguira enriquecer principalmente no

ramo de jóias. Quando em 1938 a situação ficou

insuportável resolveu fugir o que conseguiu com

ajuda de muito dinheiro e documentos falsos, indo

parar na Hungria onde já se estabelecera seu irmão

Ernest Samter e sua esposa Erna. Josef era solteiro,

mas tinha sido noivo e estava com o casamento

marcado, porém, um mês antes das bodas os sol-

dados de Hitler levaram sua noiva judia juntamente

com toda a família e Josef nunca mais a viu ou teve

qualquer notícia do seu paradeiro. Ernest e Erna

não tinham filhos, não que não os quisessem, é que

a situação de refugiados, melhor seria dizer, de

clandestinos visto que os seus passaportes eram fal-

sos não permitia que tivessem filhos enquanto a

mesma perdurasse.

Sete anos se passaram e a situação cada vez

pior, pois agora não só os soldados de Hitler, mas

os próprios vizinhos quando descobriam um judeu

nas vizinhanças procuravam logo expulsá-los e, até

mesmo denunciá-los aos caçadores de judeus, pois

Natal Monico 10

assim procedendo à paz em seus lares estaria mais

garantida. Foram sete anos horríveis; as suas malas

não se desfaziam ficavam prontas para a fuga e,

assim percorreram vários países tais como, Polônia,

Hungria, Romênia, Tcheco-Eslováquia e outros

mais sempre na tentativa de preservar a vida. Josef

conseguia vez por outra mandar algum dinheiro e

jóias para a Suíça onde amigos lá refugiados trans-

formavam jóias em dinheiro e depositavam tudo em

sua conta bancária.

Em outubro de 1944 os Samter se encon-

travam na Romênia; Josef havia saído ao entardecer

a fim de conseguir algum alimento quando ao do-

brar uma esquina topou com uma patrulha; ficou

apavorado e saiu correndo, um dos soldados levou

seu fuzil ao ombro, fez mira e atirou, Josef caiu de

bruços. O sangue vertia forte por um buraco aberto

nas costas na altura dos rins bem próximo a coluna

dorsal. Certos de que estava morto os soldados riam

da posição em que o corpo ficara e, com estas pa-

lavras “deixe que a Cruz Vermelha passa daqui a

pouco para recolher o lixo”, foram embora. Re-

colher o lixo para eles queria dizer “Recolher os

judeus mortos”. De fato a Cruz Vermelha não

tardou e quando recolheram Josef perceberam que

ele ainda vivia. Seu estado era desesperador, pois

perdera muito sangue, imediatamente socorrido foi

levado ao hospital onde recebeu tratamento não

podendo ser operado de imediato, pois seu estado

era melindroso, mas recebeu sangue e posterior-

Natal Monico 11

mente já fora de perigo foi operado recebendo os

demais tratamentos que o caso requeria.

Em dois meses Josef estava praticamente

recuperado. Por sorte a bala não atingiu a coluna, o

que o teria deixado paralítico ou quem sabe o teria

levado a morte. Mas se por um lado não ficara pa-

ralítico por outro ficara com os intestinos parali-

sados, ficando a sua evacuação na dependência de

uma bolsa de colostomia. Sua alimentação agora

tinha que ser muito leve; frutas e legumes, verduras

cosidas, pouca coisa para não ter que sofrer muito

com a evacuação feita de maneira tão horrível. O

começo foi bastante duro, porém, nesta vida a gente

se acostuma a tudo e ele acabou se acostumando.

Para sorte de Josef seu irmão Ernest saíra a

sua procura naquele dia fatídico e acabou locali-

zando-o no Hospital da Cruz Vermelha. Para que

não levantassem suspeitas sobre seu irmão e como

ainda precisava de maior recuperação Josef conse-

guiu autorização para permanecer mais algum tem-

po no hospital e, como melhorava dia a dia passou a

ajudar nas tarefas mais leves até que em maio de

l945 terminou a guerra. Ele juntou-se aos únicos

parentes que possuía e os três foram para a Suíça

retirando o dinheiro lá depositado e em agosto do

mesmo ano chegaram ao Brasil fixando residência

na capital do Estado de São Paulo.

Ajudados e aconselhados por judeus ante-

riormente aqui chegados e estabelecidos em vários

ramos de negócios não tardou para que eles se es-

tabelecessem, Josef com jóias e Ernest com tecidos.

Natal Monico 12

A situação financeira dos dois melhorava dia a dia e

em janeiro de 1947 podia-se dizer que havia mais

dois judeus ricos em São Paulo.

Ernest e Erna resolveram então tornar em

realidade o sonho de muitos anos; sonho tantas

vezes adiado, sonho que a guerra e a perseguição a

sua raça fizeram adiar por mais de dez anos a sua

concretização: ter um filho.

Ernest havia se dedicado inteiramente ao

trabalho desde que chegara ao Brasil, ele queria

estabilizar primeiro a vida. Agora a situação estava

boa, por isso, achou que era hora de terem um filho.

Comunicou a sua intenção a esposa que o estreitou

nos braços e beijando-o ternamente lhe disse: –

Obrigado Ernest, isso é tudo o que mais desejo.

Natal Monico 13

O Terceiro Sonho

Capítulo 2

As Três Bestas Humanas

Nos meados do mês de abril de 1947 Erna

voltou do consultório do Doutor Moysés Glemps

com um riso feliz estampado nas faces, nem foi

preciso dizer, pois assim que a viu Ernest adi-

vinhou, Erna estava grávida. Num ímpeto de alegria

a abraçou e a beijou tantas e tantas vezes na boca,

nos olhos, nas faces e nos cabelos, quando se afas-

taram um pouco e olharam-se face a face abun-

dantes lágrimas brotavam de seus olhos, lágrimas

que escorriam quentes pelos seus rostos, lágrimas

aquecidas pelo amor que os unia. Num gesto de

ternura Ernest colocou sua mão sobre o ventre da

esposa e disse:

– Até a pouco eu só pude lhe dar sofri-

mento, dor e desespero foram anos horríveis que

devemos esquecer, mas de agora em diante você vai

viver como uma rainha nada lhe faltará, você sabe

muito bem o quanto a amo, meu amor agora é

infinitamente maior uma vez que agora além da

mulher que eu adoro você é também o cofre onde

guarda nosso maior tesouro, nosso filho.

Ernest com muito cuidado e carinho levou a

esposa ao colo para o quarto – Erna – disse ele –

por favor, tire toda a sua roupa.

Natal Monico 14

– Não, Ernest, isso não é hora eu acabei de

chegar da rua com o calor que está fazendo eu

transpirei tanto que estou toda molhada de suor.

– Nem pensei em sexo, Erna, eu só quero

vê-la, quero olhar você a luz do dia, quero guardar

este momento pelo resto da minha vida.

Erna corou, não de vergonha, mas de satis-

fação porque entendeu o pedido do marido e,

lentamente foi se despindo. Não era como strip-

tease, não havia música nem luzes a cores, a cena

era muda, mas Ernest julgava ouvir um coro de mil

vozes angelicais. Através dos seus olhos cheios de

lágrimas imaginava ver mil raios de luzes multi-

coloridas recaírem sobre o corpo nu que agora mais

parecia de uma deusa. Ernest enxugou os olhos e

desfez a miragem, chegou mais perto da mulher e

depositou-lhe um beijo sobre o ventre e com a voz

embargada pela emoção ele disse:

– Obrigado, Erna, muito obrigado, depois

de tanto sofrimento somente você minha querida

poderia me dar uma alegria tão grande.

Erna não teve problemas durante a gestação,

era uma mulher de trinta anos, moça ainda, de esta-

tura mediana e bem dotada de físico era bastante

forte para suportar esta e quem sabe outras tantas

gestações. Passavam os meses e Ernest como quase

todo judeu era bom negociante, sua fortuna crescia

a olhos vistos, eles moravam agora em uma bela

casa nos altos de Santana recentemente construída

sob sua própria orientação, de finíssimo acaba-

Natal Monico 15

mento e um lindo jardim a antecedia e possuía

também garagem para dois automóveis.

Erna entrara agora no nono mês de gesta-

ção, a criança deveria nascer pouco antes do Natal.

Ernest e Erna já tinham escolhido o nome que

deveriam dar ao pequeno herdeiro, se fosse homem

receberia o nome “Albert”, em homenagem ao pai

de Ernest, se fosse mulher receberia o nome “Sara”,

em homenagem a mãe de Erna.

Relembrando agora aqueles dias em que

tudo eram rosas para o casal Samter não conse-

guimos esquecer e muito menos nos conformar com

as peças que o destino nos prega, era absolutamente

impossível imaginar uma desgraça àquela família

tão bem quista por seus vizinhos. Erna era uma boa

mulher e muito comunicativa recebia sempre muito

bem qualquer vizinho que a procurasse, muitos com

pedidos de emprego para os seus filhos. Erna con-

versava com o marido e este sempre arranjava um

emprego para os rapazes e moças, às vezes em sua

própria loja, outras vezes em lojas de amigos. Por

que então tinha que acontecer aquilo? Foi uma

coisa horrível. Ernest e Erna haviam acompanhado

o Doutor Moysés até o portão, este que viera a

chamado da família e que a após examinar a par-

turiente a tranquilizou.

– É apenas um mal estar passageiro próprio

das gestantes, a senhora está apenas nervosa e

ansiosa com o parto previsto para a manhã ou

depois de amanhã.