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Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco nº 84 - Fevereiro 2013 - Distribuição gratuita - www.suplementopernambuco.com.br BIOGRAFIA LANÇA LUZES SOMBRIAS SOBRE FREYRE, NOS 80 ANOS DE CASA-GRANDE & SENZALA NOVA EDIÇÃO DE DOM QUIXOTE RESGATA NOSSOS FANTASMAS HALLINA BELTRÃO MOINHOS SÃO NECESSÁRIOS

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Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco

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  • Suplemento Cultural do Dirio Oficial do Estado de Pernambuco n 84 - Fevereiro 2013 - Distribuio gratuita - www.suplementopernambuco.com.br

    BIOGRAFIA LANA LUZES SOMBRIAS SOBRE FREYRE, NOS 80 ANOS DE CASA-GRANDE & SENZALA

    NOVA EDIO DE DOM QUIXOTE RESGATA NOSSOS FANTASMAS

    HALLINA BELTR

    O

    MOINHOS SO NECESSRIOS

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  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 20132

    CARTA DO EDITOR

    COLABORADORES

    E MAIS

    TIAGO CALAZANSGALERIAFotgrafo, integrante do coletivo O Santo Ateli e atualmente trabalha no Estdio Base.E-mail: [email protected]: http://www.fl ickr.com/tiagoc/Instagram: @calazanstiago

    Ernani Ss, escritor, jornalista e tradutor da nova edio de Dom Quixote, pelo selo Penguin, da Companhia das Letras

    Fbio Andrade, escritor e crtico literrio. Paulo Carvalho, jornalista e mestre em Comunicao Social. Alfredo Cordiviola, professor ttular do Departamento de Letras da UFPE. Bernardo Brayner, responsvel pelo blog http://livrosquevoceprecisaler.wordpress.com.

    Carol Almeida, jornalista, crtica de cinema e mestra em Comunicao Social pela UFPE

    Alice SantAnna, lana o livro Rabo de baleia pela Cosac Naify em maro

    Com um belssimo projeto grfico, o selo Penguin da Companhia das Letras acaba de lanar uma nova edio de Dom Quixote, com traduo do escritor e jornalista Ernani Ss. Para essa empreitada, Ss procurou encon-trar em portugus um ritmo, uma atmosfera, uma melodia em que Cervantes se sentisse em casa. Ao pensar em traduzir Dom Quixote, eu tinha, entre inumerveis preocupaes pequenas, trs grandes: manter a fluncia, o ar antigo e o humor. Mas, note-se, sem que a maior parte dos leitores fosse obrigada a consultar o dicionrio de duas em duas linhas. Foi por essas e outras que gastei dois anos no trabalho, observou o tradutor, num dos textos do nosso especial sobre o livro maior da literatura em lngua espanhola.

    Sempre possvel encontrar novas for-mas de desvendar o cavaleiro que teve sua imaginao sequestrada pela leitura. Rai-mundo Carrero, por exemplo, defende que, todo o livro seria um longo e estranho sonho de Sancho Pana.

    No ano em que so lembrados os 80 anos de Casa-Grande & Senzala, Maria Lucia Pallares--Burke (autora da premiada biografia Gilberto Freyre: Um vitoriano nos trpicos) publica uma nova

    obra em que problematiza a personalidade contraditria freyriana: sua relao com o alemo Rdiger Bilden, que teria antecipado (sem devidos crditos) algumas das principais ideias do pernambucano. O que fiz no O triun-fo do fracasso foi desenvolver o que j anunciara na biografia de Freyre, dando proeminncia a Bilden e acompanhando-o numa trajetria que se revelou atribulada, dramtica e re-pleta de obstculos, especialmente devido histeria antigermnica que tomou conta de seu pas de adoo durante e entre as duas grandes guerras; mas que, no obstante tudo isso, foi marcada por iniciativas louvveis que foram muito alm da contribuio que ele deu a Freyre e outros intelectuais de quem foi um importante interlocutor, comentou Maria Lcia, numa entrevista para o jornalista Paulo Carvalho.

    Continuamos com a srie dos crticos pernambucanos focando na personalidade de Mauro Mota, famoso por sua crtica im-pressionista. E, para no ficarmos de fora do clima carnavalesco, confiram a crnica de Carol Almeida sobre Carnaval & ausncia.

    Bom Carnaval e at maro.

    GOVERNO DO ESTADODE PERNAMBUCOGovernador Eduardo Campos

    Secretrio da Casa CivilFrancisco Tadeu Barbosa de Alencar

    COMPANHIA EDITORADE PERNAMBUCO CEPEDiretor de Produo e EdioRicardo MeloDiretor Administrativo e FinanceiroBrulio Meneses

    CONSELHO EDITORIALEverardo Nores (presidente)Antnio PortelaLourival HolandaNelly Medeiros de CarvalhoPedro Amrico de Farias

    SUPERINTENDENTE DE EDIOAdriana Dria Matos

    SUPERINTENDENTE DE CRIAOLuiz Arrais

    EDIORaimundo Carrero e Schneider Carpeggiani

    REDAODebra Nascimento, Gilson Oliveira e Mariana Oliveira (reviso), Mariza Pontes e Marco Polo (colunistas)

    ARTEJanio Santos e Karina Freitas (diagramao e ilustrao)Sebastio Corra (tratamento de imagem)

    PRODUO GRFICAEliseu Souza, Joselma Firmino, Jlio Gonalves e Sstenes Fernandes

    MARKETING E PUBLICIDADEAlexandre Monteiro, Armando Lemos e Rosana Galvo

    COMERCIAL E CIRCULAOGilberto Silva

    PERNAMBUCO uma publicao da Companhia Editora de Pernambuco CEPERua Coelho Leite, 530 Santo Amaro RecifeCEP: 50100-140Contatos com a Redao3183.2787 | [email protected]

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  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 20133

    Bernardo Brayner

    Eu escrevi e publiquei me custa escrever sobre isso- um livro. Uma coisinha malformada, uma coisinha insignificante, sangrando ainda. Esse livro se tornou uma vergonha. Eu precisava atribuir essa vergonha a outra pessoa. Eu morava em Macei e estava lendo uma revista sobre Fernando Pessoa. Pensei que poderia atribuir esses textos a outros escritores, muitos outros escritores, que eu estava livre e que podia escrever o que desejasse. A culpa seria deles. Nessa mesma semana eu havia escrito um texto:

    Penso escrever um conto em que um homem cria outro homem atravs dos corpos de escritores mortos. Penso escrever um conto sobre um homem que en-terrado em um balo. Penso escrever um conto sobre um homem que usa a pele como uniforme militar. Penso escrever um conto sobre um homem de trinta anos. careca. Tem as mos pequenas como as de um menino. Assim, tem, em si, o velho, a criana e o adulto. Penso escrever um conto sobre um homem que cria um alfabeto a partir das notas musicais; d, r, mi, f, sol, l, si; e fica louco. Penso escrever um conto s para usar a frase silncio de postes queimados. Penso escrever um conto onde surgem corpos de dentro de outros corpos: o peito do p, o p do ouvido, as costas das mos, a barriga grvida da perna e a boca faminta do estmago. Penso escrever um conto sobre um sol-dado julgado e condenado por desero. A maneira: suicdio. Penso escrever um conto de fico cientfica que demore exatos oito minutos para ser lido. O mesmo tempo que a luz do Sol leva para chegar at a Terra. Penso escrever um conto sobre um homem que retira todas as suas falas de peras famosas. Penso escrever um conto sobre um homem que escreve um conto sobre manuais de desajuda. E no penso em mais nada.

    Isso foi o comeo do blog Livros que voc precisa ler. O primeiro leitor foi o crtico literrio baiano Antnio Marcos Pereira. A quem agradeo. Os personagens me custa escrever sobre isso porque em certa medida eles so eu e eu um outro , quase que invariavelmente, so pessoas preocupadas com a morte e com a exis-tncia de Deus. So escritores que querem abarcar o mundo com suas histrias e no conseguem. O mundo sempre maior. A Literatura muitas vezes esse bicho empalhado, essa ona estranha.

    O sentimento de falhana.

    Meu pai morreu. Voltei ao Recife. Os trechos dos livros citados no blog eram, no

    comeo, retirados de contos antigos, histrias na-timortas. O distanciamento, a atribuio, me per-mitiam usar a ironia sobre o que eu prprio havia escrito. Um pouco de humor, talvez. Era como rir do jeito do prprio filho.

    Me perdi nesse texto. Perdi esse texto. 03/12/2012 O que eu queria com esse texto de ontem? O texto sobre uma fuga. Uma fuga da minha responsabilidade, a responsabilidade do ato de escrever. A literatura uma fuga. A literatura um achar-se. as duas coisas. 04/01/2013

    A incapacidade da literatura de abarcar a vida. A incapacidade da vida de abarcar o eterno. Dois gmeos incapazes. Walter P. Peixoto. 04/01/2013

    O blog foi tomando forma e construindo seu uni-verso prprio. Ele apresenta obras fictcias e as apre-senta de acordo com a forma caracterstica dos manuais do tipo 501 lugares que voc precisa conhecer antes de morrer, 501 livros que voc precisar ler antes de bater as botas: um breve comentrio, alguns trechos selecionados da obra fictcia e a sua capa. O Livros que voc precisa ler, como bem disse o crtico literrio Julian Cardoni, busca discutir a relao entre Literatura clssica e consumo literrio de massa e utilizar essa angulao como ponto de partida para explorar as potencialidades ficcionais de gneros associados ao campo literrio como o press release, o blurb, a minibio-grafia anexada orelha dos livros. Ou seja, o aparato que serve como estrutura de mediao entre leitores e obras. Walter P. Peixoto. Texto enviado por e-mail em 05/01/2013.

    Penso que a histria do Livros que voc precisa ler possa ser lida como uma histria sobre o desejo, sobre a urgncia e, sobretudo, sobre a frustrao.

    Abro o blog e leio o primeiro post, escrito em 10/08/2008: E daqui, de dentro dessas entranhas, narro as minhas experincias futuras e passadas. Rio de mim. Rio de quem eu era. O blog quer ser um livro. O blog um livro com entranhas espalhadas pelo passado e pelo futuro. 06/01/2013

    Rio de quem eu sou. 07/01/2013.Me custa escrever sobre tudo isso. 08/01/2013.Penso em escrever um e-mail para o editor do

    suplemento Pernambuco. Penso em pedir desculpas por falhar em escrever a coluna Bastidores do ms de fevereiro. 09/01/2013

    Escrever para fugir; escrever para encontrar O responsvel pelo blog livrosquevoceprecisaler, e por escritores misteriosos como Walter P. Peixoto, fala do processo anrquico de criar fico sobre fico

    BASTIDORES

    CARTUNSTAIN TAMASHIROHTTP://WWW.FLICKR.COM/TAIMASHIRO

    KARINA FREITAS

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    ESPECIAL

    der para uma leitura verdadeiramente impressio-nista, muitas vezes de cunho biogrfico, ou para usar um jargo da teoria literria extrnseca, ou seja: aquela leitura que transformava o texto num ponto de partida para construir uma reflexo sobre a vida do escritor enquanto homem ilustre, sobre a cultura, sobre a economia, a poltica, a religio etc, desconsiderando o que as correntes modernas de teoria e crtica literria chamaram de elementos internos (intrnsecos). Motivado por apresentar essa modalidade de

    leitura do texto literrio, resolvi apresent-la atra-vs do pouco extenso exerccio crtico de um de nossos mais importantes poetas Mauro Mota. E da se tira mais uma concluso: essa crtica de cunho impressionista, biogrfico ou extraliterrio; foi exercida principalmente pelos crticos acidentais que foram alguns de nossos escritores dos anos 1920 aos anos 1960. E mesmo antes disso, foi essa

    Esta srie mal se iniciou e uma questo chamou minha ateno para o que de fato est em jogo nesses perfis crticos que apresentarei: mais at do que uma srie sobre crticos pernambucanos esquecidos, esta , na verdade, uma srie de artigos sobre a crtica em Pernambuco. O que me parece agora que os crticos sero a lente para observar o que foi o exerccio da crtica literria em nosso estado, pelo microscpio de um recorte individualizado. Dessa forma, elegendo um crtico por artigo, fica

    mais fcil reconhecer aquilo que chamaremos de tendncias crticas. O quadro que pode da se depreender muito mais catico, diverso, plural; mas, e por isso mesmo, mais expressivo daquilo que de fato ocorreu. O prprio texto escrito para o jornal com o objetivo de comentar uma obra lite-rria tanto podia se pautar por uma reflexo mais rigorosa, como a de Joel Pontes, lvaro Lins, Otto Maria Carpeaux e Oswaldino Marques; como pen-

    Mauro Mota: a crtica como uma biografia Na srie sobre os grandes criticos do Estado, o peculiar olhar mauromotiano Fbio Andrade

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    de ler a literatura nos leva a concluir que o termo impressionismo generalista. Toda a crtica do sculo 19 foi marcada pelo impressionismo, mas tambm pelo biografismo, pelo historicismo; e tudo isso representaria, para as modernas teorias e crtica literrias, formas ultrapassadas de ler a obra literria. Ao debruar-se sobre os escritores, ao invs de

    uma leitura em profundidade do que escrevem como exigiria qualquer crtico literrio de hoje , Mota volta-se para a vida deles. Ao escrever sobre o poeta Austro Costa, Mauro Mota comea seu perfil retratando a morte do escritor, dando a ela a cor dramtica que ela teve para todos os amigos do morto mas tambm para o Recife, que ele tanto amava e povoava com seu nome, os seus versos e a sua presena diria, a ponto de deixar vrios lugares vazios. Os textos do poeta Austro Costa, em geral aparecem fragmentados, ilustrando os traos marcantes de sua personalidade. A do homem fiel s suas origens, por exemplo, aferrado cidade natal, orgulho esse que sua poesia no deixaria de exprimir. Assim afirma Mauro Mota: Bem pou-cos dos nossos moraram tanto nesta cidade quanto Austro Costa e resistiram como ele seduo de outros meios, como comentrio a um trecho do poema: Saber que existe o Rio: o ledo esturio / dos sonhos de Adelmar e de Olegrio, / que partiram daqui h tantos anos. // Saber de tudo isso e no partir, convenho, / acreditar que sou, sem ftuo empenho, / o mais feliz dos poetas provincianos. Esse memorialismo literrio tende a pintar o poeta

    sem contradies, dono de uma unidade que a morte vem coroar o mais feliz dos poetas provincianos que teria como principal legado, diz Mauro Mota, no a obra, mas a lembrana de sua figura humana, em que se apresentava uma autntica condio de poeta, revelada pela sua conduta extraliterria. O biografismo, como j dissemos, foi um dos traos marcantes da crtica literria feita no sculo 19 e um de seus principais cultores foi o crtico francs Charles Augustin Sainte-Beuve, que acreditava firmemente na conexo entre vida e obra, de modo que a obra seria sempre um reflexo da vida de seu autor. Essa tendncia crtica, como nos mostra Mauro Mota, persistir at os anos 1960, mas no desaparecer de todo em nossos dias. No texto intitulado Cadeira vinte, lido na Academia

    Pernambucana de Letras, em 1957, Mauro Mota apresenta algumas diretrizes do que seria a ten-dncia biografista de suas crnicas literrias: O bigrafo deve sempre ressuscitar e jamais participar de velrios. Particularmente, ressuscitar as faces ignoradas ou obscuras dos biografados e estud-los em funo do espao e do tempo, num complexo de anlises literria, psicolgica e histrico-social. Tal circunstncia afasta a biografia autntica das contingncias monogrficas e do conceito ele-mentar de histria descritiva ou narrativa. Vinte foi a cadeira que ele ocupou na APL e que tem como patrono Demstenes de Olinda, poeta de influncia parnaso-simbolista, e como antecedente do prprio Mauro Mota o escritor Celso Vieira. O texto tambm uma pequena biografia literria desses seus dois companheiros de cadeira. Conti-nua ainda definindo a biografia literria como um equilbrio entre as fichas cronolgicas e a ao do devaneio e do fabulado. Estudar os escritores em funo do espao e do tempo, soa como uma definio profundamente Sainte-Beuviana, que se realizou plenamente, por exemplo, nos textos que escreveu sobre Manuel Bandeira, sobre Gilberto Freyre, Ascenso Ferreira e tantos outros. O biografismo aparece ento como um trampolim para ir do indivduo sociedade, numa espcie de compreenso do todo pela parte, ou pela sua mais importante clula que seria o artista e sua capacidade de articular as vrias dimenses sociais da vida de seu tempo em sua obra.No seu artigo A Gnese de Casa Grande & Sen-

    zala, Mauro Mota cria uma narrativa biogrfica em que o universo intelectual do grande escritor que foi Gilberto Freyre est profundamente enraizado na sua infncia de filho de engenho. No artigo at so citadas as fontes que teriam sido o ponto de partida da principal obra de Freyre: os arquivos de famlias, a Biblioteca Pblica de Pernambuco, a Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, a Biblioteca Nacional e o Museu Etnolgico de Lisboa, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e museus

    alemes. Nada mais dito sobre que obras foram a lidas e pesquisadas ou que traos estilsticos, que escritores ou socilogos, etngrafos e antroplogos, fizeram a cabea de Freyre. todo o universo da cana, que envolveu a vida do pequeno Gilberto Freyre que explica a gnese da obra. Ao escrever sobre o romance Visitao do amor de

    Lucilo Varejo, Mauro Mota inicia seu artigo co-mentando a imprevisibilidade da glria literria. dentro desse contexto que ele se pe a falar do escritor como um homem que dispondo de ami-gos, e amigos em revistas e jornais do pas no os utiliza para divulgar a si mesmo. V Mauro Mota nessa atitude uma prova de seu compromisso de escritor, ou seja: Ctico diante de si mesmo, bom sintoma de escritor, porque o mantm sempre na luta para superar-se; ctico diante dos contempo-rneos e, portanto, de julgamentos ocasionais, que afirmam ou negam, em alguns casos, sob impulsos extraliterrios, parece-me Lucilo Varejo, e esse um dos aspectos a desdobrar-se em sua biografia, um autor confiante apenas no tempo (...). Mota utiliza a expresso ascetismo vocabular para definir a escrita literria de Varejo e praticamente nada a se demora. Mais uma vez a obra o pano de fundo para as qualidades do escritor que vo desde o ceticismo em relao a si mesmo, uma espcie de autocrtica, que deposita, porm, a confiana do reconhecimento no tempo; at a capacidade de no submeter as personagens sua forma pessoal de ver o mundo. Ainda compe esse modo de leitura a ideia do

    texto literrio ser uma espcie de ponto de fuga para desenhar o que chamamos de paisagem cultural. Para Mauro Mota, qualquer assunto, principal-mente os que pertencem terra o cajueiro ou a festa de So Joo podem ser ilustrados com algum poema ou fragmento literrio. Tecidos pela individualidade do poeta, enraizada por sua vez

    a tendncia que predominou e que vamos encon-trar nos exerccios crticos de Mauro Mota: a do cronista literrio. Quando o objeto do comentrio no consistia necessariamente no livro, mas num trao do universo literrio que o livro refletisse. A vida do autor, algum causo sobre esse mesmo autor, o que o livro despertava na sua sensibilida-de de leitor ou mesmo de que maneira o livro se integrava a uma paisagem cultural mais ampla, em geral relacionada ao Recife ou a Pernambuco. Na sua escrita de comentador, ou cronista liter-

    rio, mesclam-se o biografismo, o memorialismo, o impressionismo crtico e o carter extrnseco de uma abordagem que v a literatura como um ali-cerce seno o, um dos principais da cultura do seu tempo, diramos at (aproveitando o fato de Mauro Mota ter sido gegrafo) a literatura como componente de uma paisagem cultural. Esses vrios elementos que compem uma maneira extrnseca

    Guias de uma leitura crtica: falar da vida do autor, lembrar algum causo, despertar a sensibilidade do leitor sobre a obrana cultura, ou seja, pelo tempo e pelo espao que so sua sustentao, o poema um objeto poroso a todo tipo de comentrio que o situe na histria dos homens que cercam seu autor, suas pequenas histrias, sua cidade. Do mesmo modo, saberes s tm a ganhar com a literatura, com a aquisio de um estilo literrio, como ele tenta demonstrar em seu texto A Geografia na Literatura: O gegrafo interfere nos elementos colhidos, faz confrontos, tira concluses, enriquece o patrimnio cientfico. Mas s poder consegui-lo com as suas leituras e observaes anteriores, e a sua expresso formal. E continua: Nenhum gegrafo profissional jamais atingiu a exuberncia e a lucidez de Jack London na descrio das regies vizinhas do Polo Norte. Poeta fundamental da literatura brasileira dos

    anos 1940, considerado por muitos como um dos melhores poetas da gerao de 45, membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras; Mauro Mota, no exerccio de seu jornalismo, praticou uma crtica que poderamos classificar de biogrfica, impressionista e memo-rialista. Sua produo potica est bem acima dos seus exerccios de leitura. Aqui me servi dele para demonstrar ao meu leitor curioso como seria uma crtica de tal orientao, sem o rigor multifacetado dos crticos profissionais do rodap e sem o com-promisso quase cientfico da crtica acadmica de orientao formalista.

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  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 20136

    Estamos na vida, mas dela pouco conhecemos

    ENTREVISTAZulmira Ribeiro Tavares

    Entrevista a Yasmin Taketani

    A Literatura como possibilidade de apreen-der a realidade no basta para tratar da obra de Zulmira Ribeiro Tavares. Questionar e no s a realidade, mas tambm o leitor e, quem sabe, a prpria escritora inten-o mais condizente com a autora de Cortejo em abril, Joias de famlia e Vesvio, entre tantos outros. Ou, talvez, nada disso. difcil pre-cisar o que move e o que prope esta autora nascida em So Paulo, em 1930, e que j se aventurou por tantos gneros literrios. No entanto, a sensao de questionamen-to, provocao e desafio que acompanha o leitor de Regio (Companhia das Letras), o mais novo livro de Zulmira e que apresenta contos, fices breves, um ensaio que traa uma ligao entre Gogol e Monteiro Lobato e poemas produzidos desde os anos 1970, quando de sua estreia na Literatura. Entre trabalhos j publicados e inditos,

    textos de poucas linhas certeiras ou vrias pginas mais hermticas, encontramos a cr-tica s convenes sociais, a fragilidade das verdades e a existncia humana ironizada. Nesta entrevista, concedida via e-mail, a escritora refuta marcas que vm acompa-nhando sua Literatura como a de retratista da sociedade paulista e investigadora das contradies da sociedade brasileira e trata da concepo de Regio, regida por um olhar crtico, de parecerista privilegiada e revisora atenta.

    curioso como nos reconhecemos to bem nas contradies da sociedade brasileira retratada nos textos de Regio, que cobre principalmente sua produo da dcada de 1970 aos anos 1990. Desde ento, mudamos to pouco assim?Eu pessoalmente me reconheo apenas em alguns textos de fico de vrias pocas e autores, sem concluir o quanto mudamos. O nosso reconhecimento naturalmente participa de uma humanidade comum, mesmo se atravs de modificaes substanciais na vida em sociedade.

    Em novo trabalho, a autora paulistana faz uma espcie de balano dos vrios gneros literrios que sua carreira percorreu e confessa a importncia daquilo que a atinge

    Tendo revisto sua produo do perodo para organizar o livro, possvel apontar o que mudou no seu olhar de narradora em relao escritora de hoje? Esteve tentada a fazer muitas modificaes durante o processo?No, de forma alguma. Se assim o fizesse os textos seriam outros. Apenas meu olhar se tornou mais crtico e o distanciamento levou-me a alguns cortes e pequenas substituies. Como se eu fosse ao mesmo tempo uma parecerista privilegiada e uma revisora atenta.

    A senhora afirma que Vesvio no foi um livro pensado, mas que se construiu ao longo dos anos. Assim tambm se deu a organizao de Regio? Como seu processo de escrita, tendo em vista que

    ela abrange romance, novela, crtica, ensaio e textos mais breves de fico?Vesuvio como livro no foi pensado, contudo cada texto que h nele foi escrito e modificado quantas vezes julguei necessrio. At hoje, por exemplo, h um texto meu indito ao qual falta alguma coisa que ainda no resolvi. Outro exemplo, o texto recente, Leituras, que enviei para o jornal Cndido, era bem recente, deveria ainda ficar em compasso de espera. Depois de publicado, porm, descobri uma soluo melhor para duas linhas e lamentei t-lo enviado to cedo. Sempre pensei em publicar os poemas, o que ocorreu com muitos, contudo no em livro; porm, a partir de certo momento, e de uma conjuntura favorvel na qual a

    RENATO PARADA/DIVULGAO

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  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 20137

    Por vezes, o que conheo bem, impe-se, por outras formas, o que me estranho que me atinge de verdade

    Escrevemos com o que somos, ainda que no exista uma relao simples de causa e efeito dentro desse processo

    editora Companhia das Letras abria um bom espao para a produo potica, relendo-os descobri correspondncias que antes haviam me passado despercebidas.

    Patriarcas de uma velha elite decadente, intelectuais esquisitos, advogados classe-mdia e moas de famlia em fuga dos bons costumes so exemplos da diversidade de personagens que encontramos em sua obra, que no entanto poderia ter um narrador comum, o sem-teto ocasional que nos guia por um passeio pelos Jardins, oferecendo um novo olhar regio nobre de So Paulo. Em uma entrevista de 2004 Folha de S. Paulo, a senhora afirmou que gostaria de ser uma proletria de dedo em riste. esse olhar que molda sua fico?No acho que o sem-teto ocasional nos guie para alm dos limites do prprio conto. J a diversidade de personagens que voc diz encontrar no que escrevo, indica apenas, a meu ver, a diversidade da existncia e minha ateno a ela. Quanto minha afirmao de que gostaria de ser uma proletria de dedo em riste, nem me lembro de t-la feito, nem de que contexto foi retirada. Assim isoladamente, como me chega, julgo-a uma rematada asneira.

    difcil encontrar autores brasileiros interessados em escrever sobre a elite nacional. O que lhe motivou a transform-la ainda que a tratando de forma crtica ou por meio de uma espessa

    camada de ironia em personagem de sua Literatura?No me julgo particularmente interessada em escrever sobre a elite brasileira. O que foi assim apontado por crticos a partir principalmente dos romances O nome do bispo e Caf pequeno, deve--se, assim penso, a um conjunto de fatores que ento me interessa-ram e mostraram-se relacionados a certos estratos sociais os quais conheo bem. Desenvolverei melhor o que pretendo dizer na pergunta a seguir.

    Ao mesmo tempo em que encontramos a presena da elite, o extremo oposto tambm protagoniza vrias de suas fices, bem como fatos histricos a exemplo da morte de Tancredo Neves em Cortejo em abril dividem espao com situaes comezinhas em Regio. Onde encontra sua matria ficcional?Voc mesma deu a resposta. Minha matria ficcional, como a chama, liga-se a fatores de vrias natureza e que na ocasio da feitura desta ou daquela fico vieram, por motivos diversos, a me motivar. Por vezes, o que conheo bem, impe-se, por outras, o que me estranho que me atinge. A realizao de uma fico forma-se de vrias percepes. Em um encontro que tive h tempos na casa de Rui Barbosa e que resultou em um livro com pronunciamentos de vrios autores, procuro exemplificar o processo da criao de uma fico, por meio da novela (ou romance, como queira) Joias de famlia.

    divertida a perplexidade de certos personagens de Regio frente a coisas to cotidianas quando no pura e simplesmente em relao vida , enquanto que certos fatos fantsticos, quase absurdos, so encarados com naturalidade. No seu caso, o absurdo ou o banal da vida que lhe deixa perplexa? A realidade maior do que a fico?No endosso propriamente as ob-servaes feitas na primeira parte da pergunta, o que prejudica um pouco a questo que me proposta. A vida oferece aspectos os mais variados, e minha possvel perple-xidade em relao a ela a mesma, suponho, que a de qualquer outra pessoa. Estamos na vida, mas dela pouco conhecemos. Por outro lado, a realidade no se ope fico, vindo esta a ser, muito ao con-trrio, uma forma de se procurar apreend-la. Talvez o engano se d porque muitos usam fico como sinnimo de fictcio, termo que alm de significar embuste, o ilusrio, etc., tambm destaca na prpria fico alguns desses seus aspectos, conforme o estilo da obra.

    A ironia, o fantstico e a abolio do enredo so caractersticas dos textos de Regio. Elas sempre estiveram presentes em sua escrita ou foram sendo incorporadas a ela? Qual a fora da ironia?O livro Regio composto por trs obras, alm de dois trabalhos autnomos. Termina porm com um trabalho de no fico, um pequeno estudo (e apenas a eu me detenho no conceito do fantstico, ainda que reconhea que em certos textos o leitor possa atribuir a alguns dos seus aspectos categoria). A

    leitura de todo o material como se ele participasse de uma regio homognea que pode ter suscitado tais questes, o que inclui tambm a ideia de abolio do enredo. Quanto ironia, se meu livro a possui, timo. Mas no me cabe aqui, assim penso, julgar sua possvel existncia e, em caso afirmativo, seu peso na composio da escrita.

    Tais caractersticas podem causar estranhamento, tornar a apreenso de sentido menos bvia e at mesmo desestabilizar o leitor. Acredita que elas lhe confiram mais reconhecimento da crtica do que popularidade entre leitores? O que espera de seus leitores?Sinceramente no acho que as caractersticas mencionadas possam desestabilizar qualquer leitor (crtico ou no) habituado a livros que vo alm da forma naturalista de como deve ser narrada uma histria. De meus eventuais leitores, que desconheo quais so, o que poderia esperar? Que continuem meus leitores.

    Levando em conta que a Literatura brasileira passa por um perodo de internacionalizao, acredita estar nossa sociedade bem representada por meio dela? Com que Brasil um estrangeiro se depara ao ler nossos contemporneos?No fao a mnima ideia. Mas suponho que um olhar estran-geiro, ao tomar conhecimento da variedade de obras nacionais j traduzidas em diversas lnguas, ir se deparar com inmeros brasis.

    O escritor norte-americano Philip Roth, que recentemente anunciou sua aposentadoria, diz que escrever uma frustrao e mantm uma nota sobre seu computador em que se l: A briga com a escrita acabou. Concorda com Roth? possvel a um escritor se aposentar?Em sentido jurdico no sei como anda no Brasil a questo pelo Ins-tituto Nacional de Seguro Social (INSS) sobre a aposentadoria do escritor, se possui uma legislao em separado, ou corre a par de atividades afins, o que mais provvel. H anos a UBE (Unio Brasileira de Escritores) trouxe baila a questo, porm perdi completamente o contado com a associao, da qual nunca fui muito prxima, assim no sei no que deu. J no sentido informal que voc d pergunta, por que no? Vrios escritores deixam de escrever sem anunciar o fim de sua atividade. O que Philip Roth faz e com certo aparato.

    Vilma Aras, em uma entrevista ao jornal Rascunho, afirmou que a forma escolhida pelo escritor tem a ver com seu temperamento. A senhora concorda? Apesar de transitar por diversos gneros, as fices breves que a senhora no chega a definir como contos so parte fundamental de sua obra.Concordo com Vilma, se que a entendi bem nesse pequeno des-taque, ampliando porm a noo de temperamento; pois escre-vemos com o que somos, ainda que no exista uma relao sim-ples de causa e efeito no processo.

    6_7_Entrevista FEV.indd 7 22/01/2013 16:41:30

  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 20138

    O narrador no precisa, necessariamente, ser dra-mtico ou lrico, eloquente nos adjetivos ou leviano nos advrbios. Basta acreditar no sentimento da frase, da cena ou do cenrio. Isso mesmo, basta contar e descobrir o ritmo correto. Precisa evitar as frases vaidosas. Aquelas frases que impressionam muitas pessoas, parecem belas, mas sempre inter-rompem o fluxo narrativo e o leitor percebe logo a mo pesada do autor. A leitura de O olho, de Nabokov (Alfaguara, 2011, Rio de Janeiro), mostra isso com muita clareza. livro escrito com extrema sinceridade, na primeira pessoa e que ressalta, mais uma vez, a diferena entre narrador e relator, a diferena entre dizer e narrar, como insistentemente destacamos aqui, conside-rando, entre outros livros, Dublinesca, de Vila-Matas. No significa que um superior ao outro. Mas me parece, sempre me pareceu, que o segundo leva vantagens sobre o primeiro. O primeiro narra-dor mostra, sugere, inventa, enquanto o segundo diz, refora, apresenta. Est a a grande diferena, embora a realizao do texto seja bastante sutil. O narrador-personagem desta novela apresenta-se de forma bem simples, digamos, indireta, sem neces-sariatemente dizer ou mostrar, narra. Pela ao, pelo movimento, substituindo o adejtivo pelo pronome. Coloca-se em oposio a Matilda segundo a per-sonagem e faz o leitor entrar logo na temtica do texto. Assim: Conheci aquela mulher, aquela Matilda, durante o primeiro outono da minha existncia como imigr em Berlim, no comeo da dcada dos vinte de duas contagens do tempo, a deste sculo e a de minha torpe vida. Sem dizer que Matilda fora um caso especial na sua vida e evitando a eloquncia do adjetivo que significaria dizer , o narrador carrega toda a fora, grandeza e vigor no pronome repetido aquela que define a importncia da personagem de forma ambgua aquela elogio ou desprezo? , de forma a seduzir o leitor pela sutileza. Cria-se, portanto, uma curiosidade em torno de Matilda que remete o leitor a tudo o que vir na his-tria. Observem nada foi dito, mas a curiosidade grande. Quem aquela Matilda, uma mulher ele-gante, bela, atrativa? Ou aquela Matilda desprezvel, vigarista, desonesta, infiel. Com certeza, os fatos que vo explicar, sobretudo quando se percebe que o personagem-narrador Smurov no passa de um jovem na casa dos vinte anos, o que dito ainda com grande habilidade. ...durante o primeiro outono da minha existncia como emigre em Berlim, no comeo da dcada dos vinte de duas contagens de tempo, a deste sculo e da minha torpe vida. A Nabokov opta por um adjetivo que em nada engrandece o livro, porque os acontecimentos futuros vo explicar a narrativa, mesmo que a vida de Smurov seja mais acidentada do que torpe. Talvez o adjetivo seja proposital, para levar o leitor a outros caminhos. O autor no s inteligente, mas sobretudo criativo, em

    Raimundo CARRERO

    A sutil arte da narrativa sem grito nem uivoNabokov substitui adjetivo pelo pronome e faz o texto flutuar com os personagens

    DIVULGAO

    geral, procura essas sugestes, que, na maioria das vezes, encanta e seduz o leitor, aquele que l os de-talhes, observa a construo da frase, as manobras do narrador, e no apenas passa os olhos, numa palavra, engole a frase sem sabore-la. preciso compreender, que ler como ouvir msica, atentar para os acordes, para as solues dos arranjos, na movimentao dos instrumentos. No basta ouvir a melodia, necessrio observar como o compositor ou o intrprete inventa e soluciona os detalhes. Mesmo assim, no estranho quando Nabokov decide entremear o narrador com o relator, at porque preciso, muitas vezes, tomar o leitor pela mo.Torna-se necessrio dizer e no somente narrar. Quando a personagem feminina entra de vez na histria, o narrador mais direto e pre-

    MERCADOEDITORIAL

    Marco Polo

    Desde 1999 que o livro O arco e a lira, do poeta e ensasta mexicano, Prmio Nobel de Literatura em 1990, Octavio Paz (foto), tido como um dos melhores livros (se no o melhor) sobre a compreenso do que o fenmeno da poesia, estava fora de catlogo. Rarssimo, chegou a custar R$ 225,00 na Estante Virtual, site que congrega milhares de sebos de todo o pas. Agora, a Cosac Naify

    LANAMENTO

    Cosac Naify cobre lacuna fundamental para a literatura com nova edio de O arco e a lira, de Octavio Paz FOT

    O: DIVULG

    AO

    relana o livro com um projeto grfico ousado, caracterstica da editora, pelo preo de R$ 69,00. H quem possa consider-lo ainda salgado, mas vale a pena. Paz autor de alguns dos mais importantes ensaios sobre cultura e, principalmente, Literatura. E neste O arco e a lira ele se excede. Quem quiser entender porque a poesia fundamental para a linguagem e a humanidade, tem que ler esse livro.

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  • I Os originais de livros submetidos Cepe, exceto aqueles que a Diretoria considera projetos da prpria Editora, so analisados pelo Conselho Editorial, que delibera a partir dos seguintes critrios:

    1. Contribuio relevante cultura.

    2. Sintonia com a linha editorial da Cepe, que privilegia:

    a) A edio de obras inditas, escritas ou traduzidas em portugus, com relevncia cultural nos vrios campos do conhecimento, suscetveis de serem apreciadas pelo leitor e que preencham os seguintes requisitos: originalidade, correo, coerncia e criatividade;

    b) A reedio de obras de qualquer gnero da criao artstica ou rea do conhecimento cientfico,

    consideradas fundamentais para o patrimnio cultural;

    3. O Conselho no acolhe teses ou dissertaes sem as modificaes necessrias edio e que contemplem a ampliao do universo de leitores, visando a democratizao do conhecimento.

    II Atendidos tais critrios, o Conselho emitir parecer sobre o projeto analisado, que ser comunicado ao proponente, cabendo diretoria da Cepe decidir sobre a publicao.

    III Os textos devem ser entregues em duas vias, em papel A4, conforme a nova ortografia, em fonte Times New Roman, tamanho 12, com espao de uma linha e meia, sem rasuras e contendo, quando for o caso, ndices e bibliografias apresentados conforme as normas tcnicas em vigor. As pginas devero ser numeradas.

    IV Sero rejeitados originais que atentem contra a Declarao dos Direitos Humanos e fomentem a violncia e as diversas formas de preconceito.

    V Os originais devem ser encaminhados Presidncia da Cepe, para o endereo indicado a seguir, sob registro de correio ou protocolo, acompanhados de correspondncia do autor, na qual informar seu currculo resumido e endereo para contato.

    VI Os originais apresentados para anlise no sero devolvidos.

    Companhia Editora de PernambucoPresidncia (originais para anlise)Rua Coelho Leite, 530 Santo AmaroCEP 50100-140Recife - Pernambuco

    CRITRIOS PARA RECEBIMENTO E APRECIAO DE ORIGINAIS PELO CONSELHO EDITORIAL

    A Cepe - Companhia Editora de Pernambuco informa:

    ciso optando, ainda assim, por duas imagens sedutoras e sutilssimas. Matilda no foi minha primeira amante. Antes dela, eu havia sido amado por uma costureira de So Petersburgo. Ela tambm era rolia e tambn ficava me aconselhando a ler um certo romancinho (Murochka A histria da vida de uma mulher). Essas duas damas amplas emitiam, durante a tempestade sexual, um pio agudo, infantil, e s vezes me parecia um esforo perdido, o que havia enfrentado ao esca-par da Rssia bolchevista, a fronteira da Finlndia (mesmo sendo por trem expresso e com uma prosaica permisso), s para passar de um abrao para outro quase idntico. Alm disso, Matilda comeou a me entediar. Na primeira imagem sutil, o narrador nos remete a um romance, que dever ser popular na Rssia, e que leva compreenso do personagem, ou

    dos personagens, na segunda, compara o abrao com a fuga da Rssia, ou seja, podia abra-las, ou a abra-las, mas o sacrifcio era imenso de to gordas eram. Era to difcil abra-las quanto fugir da Rssia nos primeiros tempos dos comunistas. Todo o romance de Nabokov procura substituir o dramtico pelo risvel. Nada se afirma concreta-mente, tudo se realiza. Basta ler a surra que o marido de Matilda d em Smurov, narrada em tom de farsa, enquanto a narrativa seria dramtica. Tudo porque a narrativa chega em primeira pessoa, sem eloquncia, sem drama, mas, pelo contrrio, com distanciamento. Na verdade, a melhor lio de O olho que Nabokov no apenas autor de histrias sensa-cionalistas, mas um autor sofisticado e profun-damente erudito.

    H poetas que acham que a poesia coisa sria demais para se brincar. Joo Cabral, por exemplo. Outros, como Manuel Bandeira e Drummond, discordavam. Tanto que deixaram diversos poemas de circunstncia e alguns brincadeira pura e simples mesmo. Dirceu Rabelo no tem problemas com isso e publica, pela Edies Bagao, dez sonetos em que d recados para amigos e comenta fatos do cotidiano.

    H quem sustente que vivemos uma poca essencialmente visual, na qual, pelo uso contnuo da internet, as pessoas comearam a perder a capacidade de manter a ateno durante um texto mais longo. A tese bastante discutvel, mas o fato que tm proliferado os livros de minicontos ou microtextos. Geralmente anedticos e quase sempre andinos, so contos

    BRINQUEDOS

    Sonetista lana plaquete com poemas de circunstncia

    JUVENIL

    Escritora e designer gacha publica livro com pequenos contos dirigidos ao pblico adolescente

    que divertem mas que depois a gente esquece. 60 contos diminutos, da gacha Marilia Pirillo, publicado pela Editora Gaivota, no foge muito deste formato. Designer e autora de livros infantis, Marilia d um tratamento grfico bem legal ao livro que, tendo personagens predominantemente adolescentes, indicado para o pblico jovem que quer comear a tomar contato com a Literatura.

    8_9_CarreroFEV.indd 9 22/01/2013 16:42:10

  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 20131010

    Alfredo Cordiviola

    O que faz o clssico de Cervantes permanecer fascinando geraes

    Acaba de ser lanada no Brasil uma nova traduo do mais clebre romance escrito em lngua espanhola, com traduo do escritor Ernani Ss, pela Companhia das Letras no seu selo Penquin. Dom Quixote passa a contar com mais uma edio, que provavelmente haver de multiplicar a circulao e as interpretaes de uma obra que j parece ter sido lida em todas as partes e de todas as formas. Se um clssico, categoria arbitrria e nem sempre consensual, j foi definido como uma obra que lida com prvio fervor e com misteriosa lealdade por diversas geraes, dificilmente poder ser questionado o pertencimento do romance de Cervantes a essa consagrada esfera formada por textos que, por algum ou por vrios motivos, so con-siderados cannicos, exemplares ou universais. Se no caso do Quixote h sem dvida, como em clssicos de outras lnguas, um trabalho consciente e secular que tende a transformar um livro em manifestao suprema de uma nao e de um idioma, tambm verdade que o romance de Cervantes foi ganhando seu estatuto de clssico por causa de um compartilhado e devoto fascnio que soube provocar ao longo do tempo. Diversos e incontveis leitores atravessaram

    suas pginas com fidelidade e com encantamen-to, e encontraram nas extravagantes peripcias do fidalgo manchego toda classe de inspirao. E o mais interessante que essa fidelidade e esse encantamento no surgiram por causa de alguma posio privilegiada do autor dentro dos crcu-

    CAPA

    HALLINA BELTRO

    los literrios da poca nem por algum trabalho de resgate operado pela crtica, que poderiam ter outorgado um impulso maior difuso da obra. Dom Quixote parece ter provocado esses efeitos a partir do momento mesmo da sua publicao, e essa efusiva resposta foi evidente tanto na Espanha quanto nas colnias americanas. Como se sabe, a circulao de livros nas colnias era bastante res-trita, especialmente quando se tratava de obras que no fossem edificantes, filosficas ou teolgicas. Romances e textos de inveno eram vistos como eventualmente nocivos para a conformao do consenso nas sociedades coloniais, pois podiam oferecer maus exemplos e interferir nas polticas de evangelizao. J no Livro primeiro das provises e ordenanas referentes ao bom governo das ndias, de 1596, ficava instituda uma interdio que poderia ter sido dirigida ao romance que Cervantes iria pu-blicar quase uma dcada depois. O Livro indica que:

    de llevarse a esas partes libros de romance de materias profa-nas y fbulas, as como los libros de Amads y otros desta calidad, de mentirosas historias, se siguen muchos inconvenientes; porque los indios que supiesen leer, dndose a ellos, dexarn los libros de sancta y buena doctrina y, leyendo los de mentirosas historias, deprendern en ellos malas costumbres y vicios. Mesmo pertencendo categoria das mentirosas

    histrias que promoviam vcios e maus hbitos (ou qui justamente por isso), a obra de Cervantes foi lida com fruio nos crculos letrados colo-

    Um compartilhado e devoto fascnio

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  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 201311

    niais; no mesmo 1605, o ano da primeira edio, havia na Amrica mais de 1.500 exemplares do romance. Essa repercusso imediata, longe de ser um fenmeno limitado s preferncias dos lei-tores barrocos, j assinalava uma constante, que tenderia a ser confirmada e ampliada durante os sculos seguintes.No mundo atlntico, como em outras partes do

    planeta, o Quixote manteve sua inconteste vigncia e foi, em diversas circunstncias, sempre capaz de interpelar os tempos presentes de cada momen-to histrico particular. As memorveis figuras dos errantes personagens, a extravagante sucesso de aventuras, as satricas postulaes sobre livros e projetos impossveis, a crtica social foram alguns dos aspectos que fizeram que Dom Quixote acabasse sendo muito mais do que um romance. Alonso Quijano (o leitor desvairado que incapaz de diferenciar entre as palavras e as coisas, o leitor para quem o Real a Literatura) evoca com suas andanas os modos em que opera a imaginao, os mecanismos que per-mitem que a fantasia transite pelo mundo e amplie sem pausa suas fronteiras. Esse elogio da fico e esse questionamento per-

    manente acerca do estatuto do real influenciaram em grande medida as prticas da arte de narrar e favoreceram a consolidao do gnero romanesco. No surpreende ento que a crtica tenha se ocu-pado to profusamente da obra at os dias atuais.

    As transformaes da mmese nas maneiras de representar a vida quotidiana, as relaes entre os elementos ficcionais e biogrficos que se espelham e se reescrevem no romance, as formas da pardia e os elos intertextuais que vinculam a obra com as tramas da tradio literria, as consideraes tericas propiciadas pela estrutura do texto, as variantes estilsticas e os jogos de vozes narrativas, as representaes dos conflitos e classes sociais da Espanha da poca foram alguns dos tpicos abordados, a partir dos mais diversos enfoques crticos, por autores da importncia de Miguel de Unamuno, Ortega y Gasset, Menndez Pidal, Erich Auerbach, Leo Spitzer ou Francisco Rico, entre tantos outros. Por outro lado, se observarmos a evoluo do

    romance moderno, evidente que os rastros do Quixote esto por toda parte na Literatura ocidental. De Sterne e Voltaire a Flaubert e Faulkner, as tc-nicas e os recursos cervantinos vo reaparecendo constantemente, diversificando as estratgias nar-rativas e as possibilidades de contar uma histria. Como no podia ser de outra forma, as luzes e sombras do Quixote jamais deixaram de se projetar sobre a fico espanhola, e marcaram tambm uma notvel e permanente presena nas letras latino-americanas. Atravs da influncia direta, da citao ou da

    reinveno, essas marcas retornam por exemplo

    na alegrica Quijotania de Juan Bautista Alberdi e nas Memrias pstumas de Brs Cubas de Machado de Assis. Nas interpelaes ao leitor e nas notas de rodap de Macedonio Fernndez. Nos reinos encantados e nas personagens farsescas de Ariano Suassuna. Nas funambulescas aventuras do professor Lan-dormy, de Arturo Cancela. Nesse mundo real (que apenas simulacro e mera permanncia ilusria) criado por Bioy Casares na ilha de A inveno de Morel. Nas maquinarias barrocas de Lezama Lima e nas experimentaes de Carlos Fuentes. E em Borges, evidentemente. Borges soube muito bem apreciar as magias

    parciais do romance, e sonhou, como sabemos, com um escritor simbolista francs que pretendia escrever o Quixote, o mesmo de Cervantes, no para criar uma cpia, mas para produzir algo in-finitamente mais complexo e mais ambguo. Esse escritor se chamava Pierre Menard, e era antes de tudo um leitor. Um leitor que l de outro modo, e cujas operaes de leitura acabam desembocan-do necessariamente na escrita. Pierre Menard o leitor de todos os leitores do Quixote; o precursor de um Roberto Bolao, que leu Borges do mesmo modo em que Borges leu Cervantes. Bolao o Pierre Menard que leu Cervantes para escrever tudo outra vez. Ou para escrever um novo, gigantesco Quixote, que agora conhecemos com outro ttulo: Os detetives selvagens.

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    CAPA

    Dom Quixote, ao menos o meu Dom Quixote, uma longa narrativa sobre um caa-fantasma incan-svel: homem acredita que o mundo imagem & semelhana das suas fantasias e teima que, se existe alguma coisa pulsando l fora, ela no muito diferente daquilo que se passa em sua cabea. O amor perfeito, o moinho travestido de monstro, os livros de sempre que pedem para ser relidos, a sociedade que teima em ser binria, so algumas das assombraes que fazem o personagem sair estrada afora com uma f amoladssima e sempre em posio de combate. possvel ir alm: Quixote , ao mesmo tempo, a assombrao e o assombrado, a cura para a doena j sanada. Quantas vezes no vivemos dessa mesma forma quixotesca, achando que olhar para dentro olhar para os lados? Esse s um dos graus, a camada mais visvel, da intensa humanidade que forra o clssico de Cervantes.Apesar do meu afeto de leitor pelo Quixote ca-

    ador e fantasma de si mesmo, encontrei outras possibilidades de leitura quando passei a estudar, de forma sistemtica, a literatura hispano-americana produzida a partir dos anos 1990 poca em que boa parte da Amrica Latina j estava liberta dos fantasmas ditatoriais (corrijo em tempo: liberta dos ditadores; fantasmas so mais insistentes que o pior dos regimes opressores) e os trmites do boom davam sinais de estarem caducando. A liberdade uma arma quente e, apesar das mudanas polticas e artsticas, as grandes obras passaram a retratar um mal-estar, um incmodo difuso e uma falta de clareza em relao identidade do inimigo. claro que a arte sempre feita da certeza de que h um monstro l fora. Mas essa certeza deixou de ser o elemento central. E, se mesmo estando l fora, no encontrarmos o monstro? Ou pior: se apenas ns enxergamos o monstro, como avisar para quem est ao nosso redor de que h um perigo iminente? Questes que voltaram a nos aproximar do Qui-xote, revigorado agora por um retorno curioso da figura do detetive.Ao propormos uma aproximao do persona-

    gem de Cervantes com a figura do detetive, bom lembrarmos aqui a definio clssica da figura de-tetivesca, como primeiro pensada por Edgar Allan Poe. O romance policial fruto da modernidade, de quando as grandes cidades fizeram o homem perder sua individualidade. Assim, procurar mar-cas permanece um exerccio to importante (ou melhor: volta a ser um exerccio fundamental): necessrio encontrar-se, encontrar o outro, des-cobrir quem esse outro ou mesmo questionar os porqus desse outro. Da nasce o romance policial que est caa dessas marcas, apontou Walter Benjamin num clssico ensaio sobre o autor de Os crimes da Rua Morgue. O detetive o smbolo maior da grande cidade sem individualidade, mas cheia de marcas que talvez no levem a lugar algum. E mais: o detetive um estranho na sociedade tanto quanto seus inimigos; um homem que reconhece o mundo a partir de suas prprias regras, sem famlia e com vnculos obtusos.Um dos livros recentes que mais me remeteram

    indefinio como sintoma literrio, em que o dete-tive, esse proscrito, se envolve com um crime cujo desfecho nem o mais importante, foi Alvo noturno, grande romance policialesco de Ricardo Piglia. O argentino nos injeta num universo de sombras j num primeiro pargrafo de proposies sinuosas: Tony Durn era um aventureiro e um jogador profissional e viu a oportunidade de estourar a banca quando topou com as irms Belladona. Foi um mnage trois que escandalizou o povoado e ocupou a ateno geral durante meses. Ele sempre aparecia com uma delas no restaurante do Hotel Plaza mas ningum conseguia saber qual era a que estava com ele porque as gmeas eram to iguais que at a letra delas era igual.Talvez o autor contemporneo que melhor soube

    resgatar a problemtica quixotesca foi o chileno Roberto Bolao (1950-2003), cuja obra foi marcada pela dispora de detetives (no caso de Bolao, as aspas so necessrias) em busca de escritores desaparecidos, que deixaram obras, muitas ve-zes, apcrifas ou invisveis. E mais: seus livros, como 2666, Detetives selvagens e Estrela distante, tiram o foco acusador de assassinos ou de ditadores. O escritor sempre o culpado. E o detetive, perceba a ironia, a grande vtima o Quixote da vez,

    o homem cuja imaginao foi sequestrada pela leitura (Seria essa a maldio que sempre se volta contra aqueles que atribuem um sentido maior, um sentido sagrado fico?).Com sua imaginao sequestrada, Quixote acre-

    ditou que o mundo era o contedo de um livro. Mas o nobre cavaleiro mal suspeitava que a Literatura tambm um ramo peculiarssimo do saber, que pode muito bem estar contra o saber comum. A Literatura pode comear onde as noes de saber e oficialterminam, pode ir em direo oposta, pode desvirtuar certezas.Sem a conscincia de tamanhoperigo, tanta

    leitura acabou no fazendo mesmo muito bem ao nobre rural de Cervantes. Guiado pelos livros, perdeu o sentido de realidade e decidiu tornar-se um cavaleiro andante. Dom Quixote a descrio da vida da potncia declinante que era a Espanha, sem mais chance de fazer frente ao avano econmico da Inglaterra. Enquanto o novo poder mundial estaria em breve nas mos da burguesia comercial inglesa, a nobreza feudal espanhola encarava a decadncia frente aos novos ideais desse mundo.Milan Kundera escreveu que Dom Quixote a

    descrio daquele momento em que Deus deixa lentamente o lugar de onde tinha dirigido o univer-so e sua ordem de valores, que separava o bem do mal e dava sentido a cada coisa: Dom Quixote saiu de casa e no teve mais condies de reconhecer o

    Quixote quem avisa:h algo l foraAutores retomam em suas obras o incmodo do personagem de Cervantes Schneider Carpeggiani

    Na literatura contempornea, o escritor sempre o culpado e o detetive, perceba a ironia, a vtima. o quixote da vezmundo. E o mundo, na ausncia do Juiz Supremo, surgiu subitamente numa temvel ambiguidade; a nica verdade divina se decomps em centenas de verdades relativas que os homens dividiram entre si. Assim, nasceram os tempos modernos e, com ele, o romance, sua imagem e modelo.Com o golpe chileno de 1973, Bolao parece

    querer dizer que um novo mundo tambm se ini-ciou. Assim como o Quixote, Bolao saiu do Chile e no conseguiu mais reconhecer o mundo sem o seu trauma de formao, sem o seu recalque que reapareceu sob uma nova mscara, com me-nor ou maior intensidade, a cada novo livro. Sua descrio da tomada de La Moneda, no romance Noturno do Chile, resume a tragdia histrica em pouqussimas linhas e a reconta com elipses e um tom brusco, que arriscamos a comparar com as pri-meiras cenas do Gnesis bblico, por sua conteno em narrar o comeo de uma nova era: () veio o golpe de Estado, o levante, o pronunciamento militar, bombardearam La Moneda, e, quando terminou o bombardeio, o presidente se suicidou e tudo acabou.O Quixote de Cervantes acredita que viaja

    para restabelecer a unidade do homem, mas na realidade viaja para encontrar a si prprio em uma regio onde tudo se transformou em demolio, comeando pelo romance em que ele prprio o protagonista, o paradigma do romance por excelncia, que se ergue a partir de um total espelhamento com o passado que precisa negar. J Bolao viaja para esquecer, mas no consegue parar de lembrar. Por isso ele escreve, por isso o Quixote l sem parar, ou como alertou Roland Barthes: Escrever para lembrar? No para lembrar, mas para combater o dilaceramento do esquecimento na medida em que ele se anuncia, absoluto. Em breve o nem sombra de, em nenhum lugar, em ningum.

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    CAPA

    Numa aldeia da Mancha, de cujo nome no quero me lembrar, no faz muito tempo vivia um fidalgo desses de lana no cabide, adarga antiga, pangar magro e galgo corredor. Um cozido com mais carne de vaca que de carneiro, salpico na maioria das noites, ovos fritos com torresmo aos sbados, lentilhas s sextas, algum pombinho de quebra aos domingos, consumiam trs partes de sal renda. O resto dela gastava com um saio de l cardada, cales de veludo para as festas e chinelos do mesmo tecido, e nos dias de semana se honrava com a melhor das burelinas. Tinha em casa uma criada que passava dos quarenta, uma sobrinha que no chegava aos vinte e um rapaz pau para toda obra, que tanto encilha-va o pangar como empunhava o podo. Nosso fidalgo beirava os cinquenta anos. Era de compleio rixa, seco de carnes, rosto enxuto, grande madrugador e amigo da caa Trecho da nova traduo de Dom Quixote.

    Ao pensar em traduzir Dom Quixote, eu tinha, entre inumerveis preocupaes pequenas, trs grandes: manter a fluncia, o ar antigo e o humor. Mas, note-se, sem que a maior parte dos leitores fosse obrigada a consultar o dicionrio de duas em duas linhas. Foi por essas e outras que gastei dois anos no trabalho.

    Primeira preocupao: se em portugus o texto de Cervantes no tivesse a mesma ener-gia e brilho, minha traduo seria um fracasso completo. Ler Cervantes em busca apenas do sentido como ler sobre Cervantes, no? Da eu ter me empenhado para encontrar em portugus um ritmo, uma atmosfera, uma melodia em que Cervantes se sentisse em casa.

    Segunda: os quatrocentos anos entre ns. Hoje Cervantes no fcil nem para os espa-nhis, basta ver nas ltimas edies de Dom Qui-xote a quantidade de notas de rodap explicando

    o que ele queria dizer. As palavras envelhecem, perdem e ganham significados, trocam de sexo, se tornam solenes ou ridculas, ou caem no limbo, isto , vivem apenas nos dicionrios e na cabea dos especialistas. Eu decididamente no queria fazer uma traduo para especialistas. Afinal, eles podem ler o original.

    Ento, como manter o ar antigo sem ser ilegvel? Se o escudo do cavaleiro um tipo especfico, adarga, pacincia. Mas pra que usar acaapar se esconder palavra mais antiga e est em melhor forma? Esse raciocnio esteve na base de minhas escolhas. Por via das dvi-das, estabeleci o ano de 1900 como limite. No usei nenhuma palavra que tenha entrado para o portugus escrito depois dessa data.

    Mas h palavras e expresses que, mesmo sendo comprovadamente antigas, soam moder-nas. o caso de esperto, que evitei, apesar da tentao. Ou a expresso forar a barra, que tem o mesmssimo sentido de tirar la barra. Mas o leitor na certa iria sentir que eu estava forando a barra. Quer dizer, que Deus nos livre, muitas vezes tudo depende de nosso ouvido.

    Outro ponto so palavras do tipo de requebro e discreto, por exemplo. Quantos leitores hoje se dariam conta de que os requebros de um cava-leiro no so rebolados, mas galanteios? Nos dois volumes achei apenas uma frase em que a palavra discreto empregada no sentido de reservado. No mais, sempre no sentido de inteligente, sagaz. Traduzir literalmente nesses casos seria trazer para o portugus uma obscuridade que no h no origi-nal. Ou no havia no tempo de Cervantes, porque as edies modernas esto crivadas de notas de rodap para esclarecer coisas assim.

    Terceira preocupao: se o cmico o gnero mais difcil, como garante Alberto Moravia,

    Como fazer Cervantes se sentir em casaTradutor da nova edio de Quixote revela suas preocu-paes com a empreitadaErnani Ss

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    como fica a traduo dele? No penso que um tradutor tenha de ser um humorista para encarar Cervantes, mas alguma intimidade com o gnero certamente ajuda. Cotejando o original com a traduo dos viscondes de Castilho e Azevedo, descobri que dezenas de piadas foram estraga-das, em geral porque se perderam a conciso e a agilidade, ou porque os nobres nem notaram que era uma piada. No captulo XII, do primeiro volume, um pastor diz estil e Quixote corrige: estril. O pastor responde: Estril ou estil, sai tudo pelo mesmo lugar. Os nobres: Estril ou estil, tudo vem a dar na mesma. No me parece que haja dvida sobre o endereo.

    Todo o humor da cena dos moinhos de vento, por exemplo, est na ao. Traduzi-la no , ento, mais complicado que traduzir uma cena trgica. Basta no estropiar a desenvoltu-ra do texto. Mas o Quixote tem muitos jogos de palavras. Mesmo o espanhol e o portugus sendo lnguas muito parecidas, grande parte dessas brincadeiras se perde se voc no tem a ousadia e a astcia de recriar.

    No captulo XXVI, do segundo volume, de-pois que dom Quixote destroa a espadadas o te-atro de bonecos, mestre Pedro fala das feituras que me desfez. Mesmo entendendo a piada sem ter de consultar o dicionrio, temos outro pro-blema: a palavra feitura perdeu seu ambiente, se tornou um tanto ridcula. Da parti pro drible: Se o senhor dom Quixote me pagasse uma parte do que seu feito desfez.

    H ainda a enxurrada de ditados de Sancho. H ditados espanhis de compreenso imediata no Brasil, alguns at so os mesmos com um que outro jogo de corpo, mas h muitos que no fazem sentido nenhum, ou perdem as rimas e a graa. Gastei horas e horas de pesquisa atrs de ditados

    equivalentes. Equivalentes, note-se, no s no sentido, mas no humor e na agilidade. Umas duas ou trs vezes, no desespero, tive de adaptar, como no caso de no importa com quem nasces, mas com quem paces, que se tornou no importa a casta, mas com quem se pasta.

    E as expresses? Na cena famosa do es-crutnio da biblioteca, o padre manda a cria-da queimar os livros grandes. A se descreve, literalmente: No se disse a tonta nem a surda, mas a quem tinha mais gana de queim-los que de tecer um pano, por grande e fino que fosse. Echar una tela tecer um pano e ao mesmo tempo fazer amor. Eu prefiro nem adjetivar a traduo dos viscondes de Castilho e Azevedo: No o disse a nenhuma tonta nem surda, que mais vontade tinha ela prpria de os ver quei-mados que de botar ao tear uma teia, por grande e fina que fosse. Tela tambm pode ser teia, mas cad o sentido aqui? E a graa, cad? Penso ter ficado mais perto deles: No falou a boba nem a surda, mas a quem tinha mais gana de queim-los do que pintar e bordar, fosse l o qu ou com quem.

    Por esses exemplos, fica claro que uma traduo no uma luta que a gente ganha por nocaute, mas por pontos. Da a necessidade de tentar no desperdiar nenhum pontinho.

    Sonha Cervantes, sonha Pancho, sonha o leitorRaimundo Carrero

    Mas, afinal, quem sonha mais, Cervantes, o leitor ou Sancho Pana? Tudo porque h su-gestes de que Dom Quixote seria, na verdade, um sonho de Sancho Pana, preocupado com o clima extremamente violento da poca. Era um tempo de graves injustias sociais, ataques a mulheres desprotegidas, mandonismo e at, contraditoriamente, de romantismo e sonhos cheios de iluso, doura e de conquistas, s vezes reveladas em folhetins sonhosos. Nada agrava Cervantes, que chegou a experimentar os horrores da escravido.

    Sabe-se, por exemplo, que Dom Quixote tem dois narradores como observa Mrio Vargas Llosa no prefcio edio espanhola da comemorao dos 400 anos do livro: o primeiro, no documento que encontrado pelo prprio Cervantes; e o segundo o pr-prio texto do romance.

    Em ambos, Sancho Pana aparece como um sonhador trapalho que no entende a misso do amo e, portanto, sonha e cria o seu prprio Quixote o tempo todo. Princi-palmente no excesso de dilogos que marca o livro e, nesses dilogos, encontra-se a viso do mundo de Cervantes. Neste ponto, ele foi extremamente criterioso, tudo que um autor precisa dizer, diz atravs dos per-sonagens e no atravs do narrador. Uma grande lio atual ou melhor, atualssima: o narrador nunca substitui o autor e, no mximo, representa-o, no lhe cabendo dar opinio no texto. Quando o narrador oferece opinio corre o risco de transformar o livro em autoajuda.

    A angstia de Sancho com o seu tempo no elimina a possibilidade de ser remu-nerado por Dom Quixote. Logo que decide acompanh-lo na sagrada misso de salvar a Espanha, Sancho quer saber o que vai ganhar com a empreitada. Sabe, ento, que lhe est reservada a governana de uma ilha. Ou seja, permanecer isolado e solitrio. Mais do que um prmio, um castigo. Ainda assim, aceita e viver a grande aventura de acompanhar o amo.

    As formulaes vo se realizando, mesmo quando se percebe que o sonho muito superior ao sonhador. Cervantes se agiganta como intrprete salvador da Espanha e sal-vador da misria humana, mesmo quando luta com moinhos de vento.

    Cervantes se esmera na arte de criar personagens sem desvincul-los da mis-so terrestre. E ambos, Quixote e Sancho, sonham-se a si mesmos, como o leitor so-nha com os dois, e sonham com o mundo. O mundo e seus naturais deslizes.

    Toda essa reflexo resultado, porm, das inmeras interpretaes do grande li-vro espanhol, considerando os intricados caminhos que levaram Miguel de Cervantes a escolh-los. O que, no final das contas, percebe-se que nem ele escolheu os cami-nhos nem os leitores, o que resulta numa obra aberta, que oferece as mais diversas e divertidas interpretaes.

    Afinal, continuamos e continuaremos sempre sonhadores. Com a esperana de que Sancho prossiga na criao e na recriao deste magnfico Dom Quixote de La man-cha. E, se no fosse assim, de que valeria a pena l-lo? Alm do que devemos nos comportar como o ingnuo Sancho, corren-do o risco de morarmos numa ilha deserta, ainda que na qualidade de governadores.

    Dom Quixote (2 volumes)Editora Companhia das LetrasPreo R$ 79,00Pginas 1328

    O LIVRO

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    O alemo Rdiger Bilden citado 15 vezes em Gil-berto Freyre Uma biografia cultural (2007), livro de En-rique Rodrguez Larreta e Gullermo Giucci. O livro prope reconstruir a rede densa dos crculos sociais e ideolgicos que marcaram a formao de Freyre, mas, em nenhum desses 15 momentos, Bilden, um alemo autoexilado nos Estados Unidos, surge com a importncia que ganha no recm-lanado O triunfo do fracasso Rdiger Bilden, o amigo esquecido de Gilberto Freyre, da tambm bigrafa do pernambucano Maria Lcia Garcia Pallares-Burke. Bilden, segundo a professora da Universidade de So Paulo, seria um dos principais formadores intelectuais de Freyre, figura de quem ideias originais sobre a influncia da escravido na so-ciedade brasileira, o pernambucano teria se apropriado e esvaziado sob um estilo encantador. A genialidade da escrita e a rapidez de publicao de Freyre teriam colaborado para arrefecer o mpeto de Bilden, que morreu sem publicar sua investigao sobre o Brasil. Alm de tudo, de acordo com Pallares-Burke, Freyre teria desejado o esquecimento de Bilden, alterando ou apagando trechos elogiosos ao alemo de textos de seus verdes anos. O livro sobre Rdiger Bilden faz parte do mesmo

    projeto do qual emergiu Gilberto Freyre, um vitoriano dos trpicos (2005), no qual a autora busca recuperar a com-plexa e intricada rede de relaes pessoais e de ideias que est por trs do surgimento de novas e importantes tendncias culturais. No novo ttulo, contudo, Freyre ocupa um lugar mais marginal. De acordo com a pes-quisadora, ao estudar a trajetria de Freyre, tentando refazer o percurso rico e atribulado que o levou a se tornar o re-inventor do Brasil, ficara evidente que o antroplogo Roquette Pinto e seu colega da Columbia University, Bilden, haviam tido um papel de grande importncia no processo de liberao dos preconceitos contra a populao negra e mestia que o jovem Freyre compartilhava com a elite do pas. Foram eles os interlocutores mais prximos que

    teriam dado uma contribuio fundamental para que Freyre, retomando os ensinamentos do antroplogo

    MEMRIA

    Franz Boas e dos espritos mais lcidos da poca, percebesse a falta de fundamentao cientfica da tese da degenerao dos mestios, abandonasse a simpatia que tinha pelos idelogos racistas e lderes polticos norte-americanos que lutavam por uma democracia branca e desenvolvesse brilhantemente suas ideias sobre o valor da miscigenao cultural e racial como marca equilibradora distintiva da cultura brasileira, afirma Pallares-Burke em entrevista ao Pernambuco. O que fiz no O triunfo do fracasso, continua a bigrafa,

    foi desenvolver o que j anunciara na biografia de Freyre, dando proeminncia a Bilden e acompanhando-o numa trajetria que se revelou atribulada, dramtica e repleta de obstculos, especialmente devido histeria antigermnica que tomou conta de seu pas de adoo durante e entre as duas grandes guerras; mas que, no obstante tudo isso, foi marcada por iniciativas louvveis que foram muito alm da contribuio que ele que deu a Freyre e outros intelectuais de quem foi um importante interlocutor.A autora explica que quando pesquisava para a

    biografia de Freyre, publicada em 2005, tomou co-nhecimento de documentos que revelavam Rdiger Bilden como um jovem extremamente culto, brilhante e determinado que de repente parecia ter misterio-samente desaparecido. O momento crucial que teria descortinado as potencialidades de um trabalho so-bre o Bilden aconteceu em 2003 ou 2004, segundo Pallares-Burke, quando deparou-se na Biblioteca Oliveira Lima (situada no poro da Catholic University of America em Washington) com o projeto detalhado que Bilden enviara para a Carnegie Foundation, com cpia para Oliveira Lima. Seu rico e surpreendente contedo intrigou-me e

    estimulou-me a pesquisar sua vida, levada pela ideia de que um indivduo que tanto queria fazer diferena no mundo no poderia ter simplesmente se desinte-grado sem deixar rastros. O episdio na biblioteca de Washington foi o incio de outras descobertas. Como eu previra, encontrei evidncias do muito que Bilden realizou, apesar de no ter publicado o livro pioneiro

    A necessidade de se legitimar um fracassoMaria L. Pallares-Burke retrata um pensador ofuscado por G. Freyre Paulo Carvalho

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    sobre o papel da escravido, da miscibilidade e da monucultura latifundiria na cultura brasileira, que preparava desde o incio dos anos 1920 livro que pessoas da envergadura de Manoel de Oliveira Lima, aps lerem partes do manuscrito, acreditavam que seria o estudo definitivo da escravido, a partir do qual no s toda a histria brasileira teria de ser rees-crita, como os muitos problemas vitais da vida social do Brasil moderno seriam devidamente tratados, afirma Pallares-Burke. Nas pginas dedicadas a Bilden no seu livro sobre

    Freyre, a bigrafa j apontara para o que retoma em O triunfo do fracasso: que, a crer nos documentos pesqui-sados e nos indcios que ficaram dessa obra pioneira que nunca veio luz, muitas das ideias centrais de Bilden, tal como ele as apresentava desde o incio de seu detalhado projeto por exemplo, o contraste entre o sistema portugus de colonizao e o anglo-saxo; a importncia das tradies sociais, polticas e culturais portuguesas na herana colonial e no desenvolvi-mento do Brasil; a profunda influncia da escravido domstica na vida privada brasileira; enfim, a defesa finamente articulada e historicamente fundamentada da miscigenao e do hibridismo cultural brasileiros estavam ausentes das preocupaes do jovem Freyre, mas iriam reaparecer como abordagens inovadoras, centrais e magistralmente desenvolvidas na sua obra de 1933 e dali em diante. No se pode saber com certeza como teria sido

    esse livro pioneiro de Bilden, mas, a levar em conta o projeto original e textos posteriores, de se supor que teria um vis econmico e cientfico bastante acen-tuado, sendo, ao que tudo indica, muito mais rigorosa em termos acadmicos do que a obra de Freyre. Por outro lado, diferentemente desta, seu livro no teria as amplas qualidades interdisciplinares, ensasticas e literrias da obra de Freyre, que, aprofundando e ampliando com insights poticos o conhecimento sociolgico, garantiram a este um lugar privilegiado na biografia do Brasil, explica ainda Pallares-Burke. Para a autora, no caso de Bilden, o contraste entre

    a grande inteligncia, talento, devoo a causas no-bres (como a luta contra a segregao racial norte-a-mericana) e generosidade para com amigos, de um lado, e seu fracasso acadmico e material, de outro, dramatiza ainda mais sua vida. muito revelador do reconhecimento do importante papel que Bilden teve na formao de seus amigos, o forte apelo que o historiador Francis Simkins fez a Freyre, em 1949, insistindo para que ajudasse o velho amigo em co-mum, com quem a vida tivera pouca complacncia. Deus bem sabe que Rdiger ajudou a educar voc e a mim e ns lhe devemos alguma coisa, registra Pallares-Burke. Segundo Pallares-Burke, definir o fracasso no to

    simples como parece, assim com h vrias dimenses do que se chama fracasso e sucesso na vida humana. Como tem sido argumentado por estudiosos deste tema at h pouco negligenciado, necessrio legiti-mar o fracasso mesmo nas vidas de indivduos aparen-temente bem sucedidos, j que tanto o fracasso quanto o sucesso no definem in totum uma identidade, mas

    fazem parte integrante, em algum modo e em algum grau, de toda a vida humana. Enfatizando a natureza fugaz tanto do sucesso quanto do fracasso, que podem ser efmeros nas vidas de todos ns, estudiosos do tema tm tambm enfatizado a necessidade de distin-guir entre fracassados e vencedores contemporneos e pstumos, j que antigos vencedores, como Stalin, podem se tornar fracassados e, inversamente, anti-gos fracassados podem ser reabilitados, tais como os exemplos de Thomas Mnzer na Alemanha Oriental e Tiradentes no Brasil bem ilustram.A autora afirma ainda que quis tambm chamar

    a ateno para o fato de que a viso triunfalista ou heroica da histria, que relega os insucessos e os perdedores lata de lixo da histria , para usar a frase memorvel de Trotsky, enganosa, pois per-dedores coletivos e individuais, grandes e pequenos, so parte da histria, logo seus papis no podendo ser reduzidos impotncia e inconsequncia, j que contriburam para dar forma ao futuro que se tornou nosso presente.Pallares-Burke afirma ainda que de modo algum

    teve o objetivo de sugerir que Bilden foi um heri e Freyre um vilo. No s no acredito em total viles ou heris na histria, mas como historiadora minha funo no entrar nos arquivos com julgamentos j prontos, mas recapturar a trama do passado a partir de evidncias, por mais que estas possam, muitas vezes, nos desconcertar e chocar; e, diante delas, tentar entender o que ocorreu no passado a partir de seus prprios termos e no lhe impondo, anacronicamente, um padro de pensamento e prticas alheias ao seu contexto. E devo confessar que para as biografias de Freyre e Bilden que escrevi, fui muito motivada pela lcida viso que o prprio Freyre algumas vezes ex-ps lindamente: que uma biografia verdadeira, que ele qualificava de inglesa, nada tinha a temer de documentos que pudessem revelar aspectos desabo-nadores do biografado. Pelo contrrio. Em contraste com o que ele chamou de biografia

    triunfal, ou seja, aquela que s fala sobre o sucesso,

    No livro, autora aponta que Gilberto Freyre teria adulterado documentos para que Bilden no fosse reconhecido

    HALLINA BELTRO

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    a glria e as virtudes do seu objeto de estudo pois o que quer retratar um monumento de mrmore e no um homem, esclarece a autora, a biografia inglesa, no entender de Freyre, no esconde os in-sucessos, os despeitos, os ressentimentos, os amores contrariados, os complexos e as fraquezas que do ao biografado a marca de sua verdadeira humanidade. Como ele disse, pelo que convm no acreditar nunca na existncia de homens em que a vida no tenha deixado cicatrizes, deformaes, marcas re-pugnantes ou apenas lamentveis..... Sobre o relacionamento entre Bilden e Freyre, se-

    gundo registra a pesquisa de Pallares-Burke, os do-cumentos revelam que com o passar do tempo, e medida em que ganhava autoridade e fama, Freyre foi se dando mais e mais ao trabalho de adulterar os elogios que originalmente fizera a Bilden e minimizar a impor-tncia intelectual de seu amigo alemo. Obviamente eu preferia que esses documentos inexistissem e que a amizade entre os dois tivesse sido sempre marcada por solidariedade, fidelidade e aliana. De acordo com a bigrafa, a prpria histria do

    movimento dos direitos civis nos EUA ganha nova dimenso quando se amplia o quadro e fica evidente que a batalha de Martin Luther King apoiou-se em todos aqueles que prepararam o movimento antes que ele tomasse impulso e se organizasse nos anos 1950. Registrar os que antes dessa poca fizeram um trabalho de base, sobre qual o movimento cresceu, sig-nificaria, para Pallares-Burke, resgatar pessoas como Rdiger Bilden, que procuraram incluir os negros no sonho americano, at ento limitados aos brancos. Em importante seo do ttulo, a autora registra que desde o final dos anos 1920, Bilden era prximo da intelligentsia negra da chamada Renascena de Harlem e dedicava-se a atividades voltadas para a elevao da autoestima e melhoria das condies dos afro-americanos. Pallares-Burke foi convidada pela Festa Literria

    Internacional de Paratay, em 2010, para ser cura-dora da homenagem de Freyre. Confesso que me

    surpreendi quando me inteirei dos comentrios ne-gativos que estavam sendo feitos em certos crculos sobre a escolha de Fernando Henrique Cardoso para a abertura da Flip; comentrios que relembravam sua antiga oposio ao pensamento de Freyre. Era pre-visvel tal reao, mas se no a previmos foi porque estvamos relembrando outros aspectos do relacio-namento de FHC com Freyre. O que pesou na escolha da Flip foi o fato de FHC ser um admirador crtico da obra de Freyre; algum que tem dialogado com suas ideias desde o incio de sua carreira acadmica, s vezes discordando frontalmente como sobre a questo da to falada democracia racial mas sempre o considerando um interlocutor valioso. E mais ainda, tendo sido um dos crticos mais argutos de Freyre, foi ele tambm que, quando presidente do Brasil, instituiu, por decreto federal, o ano 2000 como o Ano nacional Gilberto de Mello Freyre, algo provavelmente indito na carreira de intelectuais de qualquer parte do mundo. Assim, ironicamente, um dos socilogos mais crticos de Freyre (ao lado de Florestan Fernandez) teria sido um dos grandes responsveis por lhe conferir uma honra nacional, que, sem dvida, representou o pice de sua fortuna, numa carreira que tem oscilado, ao longo de dcadas, entre canonizao e excomunho. Em concluso, Pallares-Burke enfatiza que a

    discusso do relacionamento entre Bilden e Freyre ocupa somente uma pequena parte do livro (28 pginas para ser precisa). Para a autora, a histria tumultuada e rica de um alemo culto, talentoso e determinado tentando se estabelecer nos EUA durante o sculo 20 e lutando para fazer uma di-ferena no mundo o tpico principal do livro. Seria lamentvel, para no dizer irnico, que um livro dedicado a tirar Bilden da obscuridade e entender o contexto em que viveu, atraia mais ateno para Freyre e continue a deixar seu amigo alemo na sombra. Poderia apostar que Freyre, o crtico das biografias triunfais, ficaria descon-certado se isso acontecesse.

    As modificaes que Freyre introduziu, nos anos 1970, no texto sobre Bilden publicado ori-ginalmente em 1926, evidenciam claramente seu empenho de minimizar a figura do alemo, cuja lembrana o perseguia e por quem, des-necessariamente, sentia-se ameaado. Talvez imaginasse que o livro no publicado de Bilden continha, ironicamente, uma ameaa do que poderia ser, que precisava, de antemo, ser es-vaziada. Colm Tibn, o renomado autor ingls, foi enftico ao apontar para possibilidade de um livro no escrito ser uma arma ainda mais poderosa do que o que j foi publicado, por se erguer como um fantasma (...) (a) encher o ar com a sua ameaa ou sua promessa. Assim, o fato que, ao invs de republicar o seu texto na verso original e simplesmente dizer em nota que a obra de Bilden, que tanto prometia, no fora jamais concluda e a tecer seus comentrios sobre as causas desse fracasso , Freyre fez toda uma ginstica para ma-quiar as suas prprias palavras e reescrever suas impresses passadas. Tanto a verso preparada para republicao em 1973 (e s publicada postumamente, em 2001), quanto a republicada em 1979 testemunham duas preocupaes de Freyre: de um lado, diminuir a novidade que a interpretao de Bilden teria para os estudos histricos e transform-lo mais num filsofo que num historiador e, de outro, apontar as coincidncias que ha-via entre as ideias dele e as de Bilden, alm do fato de ambos serem discpulos de Franz Boas. Freyre chega a anunciar em 1979 at mesmo a publicao malograda da obra de Bilden, acrescentando ao artigo de 1926 a seguinte frase ctica: O que preciso que ele (Bilden) v alm dos projetos., trecho de O triunfo do fracasso.

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    INDITOS

    Alic

    e Sa

    ntA

    nna

    UM ENORME RABO DE BALEIAcruzaria a sala neste momentosem barulho algum o bichoafundaria nas tbuas corridase sumiria sem que percebssemosno sof a falta de assuntoo que eu queria mas no te contoera abraar a baleia mergulhar com elasinto um tdio pavoroso desses diasde gua parada acumulando mosquitoapesar da agitao dos diasda exausto dos diaso corpo que chega exausto em casacom a mo esticada em buscade um copo dguaa urgncia de seguir para uma teraou quarta boia, e a vontade de abraar um enormerabo de baleia seguir com ela

    A GUA TRANSBORDAVA DA PIApara lavar bem lavadas as cerejasfora de poca (caras demais)com os fones ouvia a respirao altana cozinha de uma estranhanota que os anis mais parecemengrenagens que anisas engrenagens nos dedos uma mquinafecha os olhos por alguns minutossente a gua molhando o ao a frutaenferrujar as cerejas (to caras)a boca um risco que quase sorria distrao do metal gelado na cascano sabe se o que ouve ecoou sua prpria voz distantea dona da casa pergunta se est cantandopor que est cantando to cedo?achava que estivesse mudaa respirao alta

    A NOITE UM BLOCOde madeira pintado de pretofecha os olhos e tenta se aproximarperceber seu tamanho, profundidadese tem cheiro se maciosem porta para entrar ou sairo modo como a luz batesuave, meia-luz, a mnimanecessria para se ver o blocose no fosse por ela o blocomal existiria, seria tudo um mesmo escurosem contorno entre montanhaseus ps e meio-fio, o blococabe no seu quarto em cima da camaainda sobra algum espao nas lateraisuma nesga de lenol, mas noo suficiente para caberela tambm

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    SAIU DE L PARA SEMPREsem saber de que serviam os sapatospendurados nos cabos de eletricidadepelos cadaros, agora as pernasficam sempre enroladas de um modo que a[engenhariano seria capaz de reproduzirtoma gua gelada na mesma canecaque o ch pelando e se perguntase no era uma brincadeira de crianajogar os sapatos para o alto dos fiosou se seriam traficantes anunciando o pontomas como, numa cidade to arrastada? as pernasfeito cadaros, a pele eriada pelo ar-condicionadoquando se esfora para lembrar como eras consegue pensar nas tardes longas e clarasnem as nuvens tinham pressamesmo em territrio vulcnicoas placas pacatas

    A SOMBRA DO AVIO ATRAVESSANDOa copa das rvores no carrega ningumque se despea ou tome chgua fervida em bule de gatana sombra do avio no h quem acordecom os ps pendurados pra fora do colchono h ningum que uma vez tenha se assustadocom o sangue do narizcolorindo de vermelho a camaem plena madrugada a sombra do aviono faz sentir saudade nem penanem vontade de ir com ele e cruzara copa ou o quartopode apenas olhar pra baixoquem v a sombra do aviona copa entre as asas

    A ARANHA SE ESCONDIAatrs da parede como quepara dar o botea projeo da sombra as pernascontorcidas quase troncosde uma rvore nascendo do cho e do tetolgubre lgubre mais que lgubreo susto me recomendavaa correr tomar um tximas ao mesmo tempo me foravaa caminhar lentamente em torno da aranhae olhar bem de pertodo que feita (ao macio): material do medome aproximar das pontasdas pernas que no so pslanas apontadas para o choque a qualquer momento se desgarrame enlaam a presa, tm vida prpriaos tentculos de aranhaeu sozinha com elano espantaria ningumse ela sumisse comigo

    HALLINA BELTRO

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  • PERNAMBUCO, FEVEREIRO 201322

    Leonardo DiCaprio na capa da revista Capricho), deve haver algo para se pensar a respeito. O autor est certssimo. Convenhamos: j no muito difcil entender o tamanho fascnio que o Sgt. Peppers exala, mas no muito melhor compreender o porqu de Celine ter se tornado um tamanho obscuro objeto de repdio?O trabalho de Wilson, mais do que falar sobre O Lets talk about love (sim, o disco que tem aquele Big Ben de gritos que My heart will go on), na verdade um pequeno tratado sobre o gosto, esse elemento que une e separa pessoas e geraes. O que faz Celine Dion ser mais aceitvel que, voltemos a eles, os Beatles? Para alm de supostas qualidades musicais, o que conta mesmo o que cada artista representa. No universo de consumo jovem, vale muito mais uma imagem de rebeldia do que a de uma mulher comportada, preocupada

    RESENHAS

    RespeitemCeline Dion e o gosto dos outros

    com o bem-estar da sua famlia. Cultura pop fantasia e transgresso, e Celine Dion representa justamente o oposto disso. Mas h quem goste, e muitos gostam, mas quem so essas pessoas que se atrevem a amar tanto My heart will go on, ou melhor: como respeitar essa instituio to frgil e sagrada chamada o gosto dos outros?

    No surpresa alguma que os grandes discos da histria do pop formam narrativas to intrincadas (e perturbadoras) quanto qualquer bom romance (os crticos literrios que me perdoem por essa...). Vejam s alguns exemplos: O Blue, de Joni Mitchell, com aquela ladainha amargurada sobre o amor em tempos de Vietn e hippies (j) domesticados; O Sgt. Peppers, dos Beatles, ensinando como o mundo poderia viver com menos tdio; o Velvet Underground & Nico e toda aquela saga sobre pessoas saindo de esgotos emocionais/reais e sobrevivendo base de p & gim. Diante disso, faz todo sentido a srie gringa 331/3 (www.33third.blogspot.com), que se especializa em fazer livros sobre discos, obras que podem contar com largas anlises ou mesmo costurar o enredo das canes com a vida dos autores.

    DIVULGAO

    Livro disseca a questo do gosto a partir de um dos discos mais famosos da estrela canadense

    CULTURA POP

    Schneider Carpe