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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA – PROPGP PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO – PROEX CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – CCS RAUL ARMANDO MONTEIRO JÚNIOR PERMACULTURA E TRABALHO GLOBAL: MANTENDO UMA ORGANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL Fortaleza - Ceará 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECEPRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA – PROPGP

PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO – PROEXCENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – CCS

RAUL ARMANDO MONTEIRO JÚNIOR

PERMACULTURA E TRABALHO GLOBAL:MANTENDO UMA ORGANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL

Fortaleza - Ceará2014

2

RAUL ARMANDO MONTEIRO JÚNIOR

PERMACULTURA E TRABALHO GLOBAL:MANTENDO UMA ORGANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL

Monografia apresentada ao Curso deEspecialização em Educação ePermacultura para a Sustentabilidade nasUnidades de Conservação daUniversidade Estadual Do Ceará – UECE,para a obtenção do título de Especialistaem Educação e Permacultura

Orientadora: Prof.ª Ms. Cleusa MariaDenz dos Santos

Fortaleza - Ceará2014

3

4

5

A Arnold Mindell, ou Arny, como gosta de

ser chamado, que em 2006, do outro lado

deste planeta disse, alto e bom som, que

“eu conseguiria.” À minha companheira,

Luiza Helena Gomes Frota, que desde

então, com seu amor, não me deixa

esquecer disso.

6

AGRADECIMENTOS

À Secretaria do Meio Ambiente e

Controle Urbano de Fortaleza – SEMAM,

na pessoa de Rafael Tomyama; À

Universidade Estadual do Ceará - UECE,

nas pessoas de Lúcia Helena Fonsêca

Granjeiro e Oriel Herrera Bonilla;

Às partes excluídas de mim,

principalmente o meu lado escritor; Aos

excluídos de meu bairro, de minha cidade

e do planeta (quando conseguem

aparecer no noticiário) por me

perturbarem, me incomodarem, me

instigarem... enfim, por me lembrarem, de

que preciso fazer algo.

7

RESUMO

Este trabalho pretende mostrar a importância e a plausibilidade da utilização daPermacultura por Organizações em geral, e contribuir, teórica e praticamente, neste sentido,já que se constatou uma carência de publicações e referências, principalmente em LínguaPortuguesa. Partimos da visão de organização que a Permacultura nos oferece através deHolmgren. Apresentamos, na sequencia, duas visões de organização: aquela vista por elamesma, através de Amabile & Kramer e uma nova, através do paradigma da PsicologiaOrientada pelo Processo, ou Trabalho Processivo, com Mindell. Propomos então, umasíntese dialética entre as posições dos negócios e a dos ativistas ecológicos diante daorganização de negócios, demonstrada com um diálogo mediado pelo Trabalho Global, queé a aplicação ao Social - comunidades, empresas e grupos, do Trabalho Processivo.Mostramos, enfim, através de trabalhos já realizados, que este diálogo propicia que apermacultura possa ser utilizada por organizações de qualquer tipo, respeitando suasessências e necessidades, no mundo atual.

Palavras-chaves: Permacultura; Organização; Ecologia Humana; TrabalhoProcessivo; Trabalho Global

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ABSTRACT

This paper intends to show the importance and plausibility of using Permaculture byorganizations in general, and contribute, theoretically and practically, in this direction, since itwas found a lack of publications and references, mostly in Portuguese.We take as starting point the vision of the organization that Permaculture offers us byHolmgren. We present, in sequence, two visions of organization: one seen by itself, throughAmabile & Kramer and a new one, through the paradigm of Process Oriented Psychology orProcesswork, by Mindell. Then, we propose a dialectical synthesis between the positions ofbusiness and the environmental activists about the business organization, demonstrated witha dialogue mediated by the Worldwork, which is the application to the Social field -communities, businesses and groups of Processwork. We show, at last, through our worksalready undertaken, that this dialogue fosters that permaculture can be used by all kind oforganizations, respecting their essences and needs in today's world.

Keywords: Permaculture; Organization; Human Ecology; Processwork; Worldwork.

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 10

2 A PERMACULTURA: ENFATIZANDO AS ORGANIZAÇÕES... 12

2.1 Os Princípios Éticos da Permacultura............................................ 12

2.2 Os Princípios de Design da Permacultura...................................... 14

3 A VISÃO ORGANIZACIONAL DOMINANTE.............................. 29

3.1 O Trabalho Processivo para Organizações..................................... 33

4 PERMACULTURA E TRABALHO GLOBAL NA PRÁTICA ORGANIZACIONAL.......................................................................... 38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................... 52

ANEXOS................................................................................................... 53

10

1 INTRODUÇÃO

Relutei, de início, em tentar participar do curso de especialização em

Permacultura. Meu trabalho com comunidades e organizações, bem como minha

prática correlata com a clínica psicológica e a saúde pública, somadas ao

desconhecimento do que era mesmo Permacultura, não pareciam combinar com um

estudo acadêmico sobre “alguma coisa” aparentemente situada entre a agricultura

ecológica e o meio ambiente sustentável.

Qual não foi minha surpresa ao ver nos primeiros estudos sobre

Permacultura, muito do que já vinha praticando com o Trabalho Global, aplicação do

Trabalho Processivo ao social, no aspecto organizacional, com assentamentos da

Reforma Agrária, organizações sociais e de serviço. Além dos aspectos filosóficos e

psicológicos na prática individual comigo mesmo, em dupla e com clientes.

A primeira ideia de monografia, devido ao foco do curso em Unidades de

Conservação, foi uma pesquisa-participante sobre a aplicação da Permacultura,

seguindo o Princípio Ético de Cuidar das Pessoas, utilizando como ferramenta

metodológica o Trabalho Processivo, ou Psicologia Orientada pelo Processo, numa

Escola Pública de Sabiaguaba.

Com a inviabilização desta pesquisa, por razões fora de meu controle, e

ao perceber, tanto a importância das organizações para a Permacultura, quanto a

inexistência de material escrito sobre elas, resolvi integrar minha prática

organizacional aos conhecimentos adquiridos no curso de especialização em

Permacultura, criando uma aplicação da Permacultura para as Organizações em

geral.

Para isso, no capítulo 2, parto dos conceitos fundamentais da

Permacultura, reelaborados por um de seus criadores, David Holmgren, e extraio

deles tudo o que se refere a organizações humanas. Ressalto e reflito, a cada

princípio colocado, sobre as implicações que percebo e aponto propostas

alternativas de prática, que detalho mais adiante.

11

No capítulo 3, depois de uma breve introdução ao significado de

Organização para o mundo atual, apresento o Trabalho Processivo, ou Psicologia

Orientada pelo Processo, e sua aplicação ao Social – o Trabalho Global, como uma

proposta metodológica de aplicação dos princípios da Permacultura às organizações

de qualquer tipo e tamanho, governamentais ou não governamentais, lucrativas ou

não lucrativas.

Esta proposta, quando aplicadas a organizações governamentais,

cidades, indústrias e sistemas administrativos e financeiros convencionais,

enquadra-se dentro das estratégias consideradas de cima para baixo (“Top-down”

em inglês) dentro do processo denominado Transição para Cidades Sustentáveis.

Quando aplicadas a indivíduos e comunidades, que se transformam para suportar e

manter o design permacultural, implantando novos modelos de produção e

consumo, do tipo comunitário, autossuficiente, sustentável e descentralizado, esta

proposta enquadra-se nas estratégias de baixo para cima, ou “Bottom-up” em inglês.

No capítulo 4, facilitamos um diálogo (ou a consciência) entre dois papéis:

o “guardião” dos recursos naturais, representado pela Permacultura, que por sua vez

pretende representar a própria Terra, e o “explorador” destes recursos, representado

pela Visão Organizacional Dominante. Papéis cuja polaridades hoje causam guerras

e ameaçam a sobrevivência do homem na terra

Nosso propósito é ajudar as organizações e, por tabela, ou

simultaneamente, as cidades onde vivemos, a fechar um círculo virtuoso de pessoas

conscientes de seu potencial, organizações conscientes de suas limitações, vivendo

simbioticamente em um mundo que possa ser respeitado como um campo que afeta

e é afetado por nós.

12

2 A PERMACULTURA: ENFATIZANDO AS ORGANIZAÇÕES

Uma definição bem dinâmica e, como vocês verão mais adiante,

“processiva” de Holmgren sobre Permacultura:

“A Permacultura sendo uma resposta efetiva às limitações no uso deenergia e dos recursos naturais vai passar do seu estado atual de‘resposta alternativa para a crise ambiental’ para a corrente social eeconômica dominante da era pós-industrial.” (HOLMGREN 2013,p.29).

Em que pese a ênfase da Permacultura na agricultura, e Holmgren deixa

claro que esta opção foi por uma questão de prioridade, já que sua base holística,

expressa em seu princípio ético - cuidar das pessoas, não nega a necessidade de

“cuidar da paisagem interior” dos seus aplicadores, como bem expressou o

professor Stuart Hill no prefácio da edição australiana do livro daquele: muitos

“designers ficavam limitados, não por seu conhecimento de sistemas externos, mas

pelos seus infortúnios e a necessidade de 'curar e replanejar' seus sistemas

interiores.” (IBIDEM, p.15)

Além disso, me sinto muito encorajado pelo professor Hill que,

prefaciando o livro de Holmgren, recomenda aplicar a Permacultura na área

organizacional. Esta área na qual tenho aprendido e trabalhado por mais de uma

década, conforme suas palavras:

Do mesmo modo, encorajo você a tentar aplicar estes Princípios dePermacultura a qualquer área que possa ser beneficiada por essateoria e prática de design holístico. Áreas que me vêmimediatamente à mente incluem assentamentos humanos eempreendimentos comerciais, sistemas políticos e econômicos e ocampo da saúde, além de ambientes de criação e educação infantil.(IBIDEM, p.15 grifo nosso)

2.1 Os Princípios Éticos da Permacultura

Para Mollison (apud IBIDEM, p.41), os princípios éticos foram refinados a

partir “de pesquisa sobre ética comunitária adotada por antigos grupos religiosos por

13

grupos cooperativos” e comuns a todos os povos tribais indígenas, baseando-se “na

evidência de que estas culturas existiram em equilíbrio relativo com seus ambientes

e sobreviveram por mais tempo que qualquer dos nossos experimentos mais

recentes em civilização.” (IBIDEM, p.52)

A inserção firme da Permacultura na “cultura da ciência” como uma

“ciência aplicada [...] voltada para a melhoria do bem-estar material das pessoas a

longo prazo”, Holmgren (IBIDEM, p.53) enxerga também algumas dimensões

espirituais ao perceber o estado de desarmonia e descontentamento causado pelo

“próprio sucesso da ciência e do materialismo”

Quanto mais entendemos o mundo através das lentes dopensamento sistêmico e da ecologia, mais percebemos a sabedorianas perspectivas e traduções espirituais. O mesmo processoaconteceu no campo da psicologia, especialmente com a psicologiajunguiana. (IBIDEM, p.53)

Holmgren (IBIDEM, p.53), de forma dialética, reconhece as polaridades:

racionalismo científico e espiritualidade e, se não tenta superá-las no momento, vê

com esperança essa possibilidade, que muitos já aceitam e defendem, chegando a

elaborar um gráfico, a Figura 2 na p. 28, mostrando as possibilidades desta

polarização.

Os princípios éticos, que Holmgren reconhece terem sido pouco explicitados

nos primeiros livros sobre Permacultura, são:

O cuidado com a Terra

O cuidado com as pessoas

O limite do consumo e da reprodução com a redistribuição dos

excedentes

Como uma cultura que visa à permanência em um mundo cuja energia

está em declínio, a Permacultura oferece princípios práticos e ao mesmo tempo

filosóficos para projetarmos, ou em inglês - design, este novo mundo.

14

2.2 Os Princípios de Design da Permacultura

Os doze princípios do design são:

1) Observe e interaja

“Um bom design depende de uma relação harmoniosa entre a natureza e

as pessoas, na qual a observação cuidadosa e a interação ponderada fornecem a

inspiração, o repertório e os padrões.” (IBIDEM, p.67)

Habilidades cada vez mais apuradas de observação – abrir os sentidos e

os canais de informação, e de interação reflexiva – com o ambiente, com as pessoas

e consigo mesmo através da reflexão, constituem fontes mais prováveis de soluções

criativas do que as admiráveis conquistas dos exércitos da ciência e da tecnologia

em novos campos de conhecimento especializado. (IBIDEM, p.67)

Além disso, Victor Papanek também define o design como “o esforço

consciente e intuitivo para impor uma ordem significativa.” (PAPANEK, 1984 apud

IBIDEM p.69) E isto enfatiza o aspecto intuitivo e integrativo da Permacultura que vai

além do pensamento racional, analítico e reducionista.

Nesta perspectiva, o “design segundo a natureza” não é simplesmente

uma metáfora, mas o resultado de forças de auto-organização que podem ser

observadas em todo lugar no universo vivo e mais amplo. A imposição de uma

ordem significativa é um contra fluxo em relação às forças entrópicas predominantes

da desordem encontradas na natureza e no universo como um todo. Fazer design é

tão natural quanto respirar, e, como respirar, a maioria de nós pode aprender como

fazer melhor. (HOLMGREN, 2013, p.69)

2) Capte e armazene energia

“Em linguagem financeira, temos vivido com base no consumo do capital

global de uma maneira temerária que levaria qualquer negócio à falência.” (IBIDEM,

p.85) Este princípio lida com a captação e o armazenamento de energia em um

15

longo prazo, ou seja, economia e investimento para construir capital natural e

humano.

Para ir além das metáforas do capitalismo e do planejamento financeiro,

precisamos de uma compreensão básica das leis da energia, a base para tudo o que

é possível nas questões naturais e humanas. Uma compreensão fundamental para o

desenvolvimento do conceito de Permacultura.

Por todo o universo, a energia está sempre se espalhando de centros de

concentração para regiões vagas, onde tende a permanecer dispersa ou diluída.

Entropia é um termo da Física para designar esta tendência da energia em se

degradar de alta para baixa, reduzindo com isso sua capacidade de efetuar

mudança e assim diminuir sua capacidade de realizar “trabalho” no sentido em que

físicos e engenheiros usam a palavra. Essa tendência entrópica à desordem e

subsequente morte, afeta os sistemas vivos e não vivos. (IBIDEM, p.87)

A produção de capital de longa duração para o benefício das futuras

gerações tem sido um foco para o comportamento ético durante eras. Este princípio

fornece um arcabouço para considerar o que pode ter valor em um mundo incerto.

(IBIDEM, p.118)

3) Obtenha um Rendimento

“Não faz sentido plantar uma floresta para nossos netos se não temos o

suficiente para comer hoje.” (IBIDEM, p.123) De modo mais amplo, a flexibilidade e

a criatividade para encontrar novas maneiras de obter um rendimento serão críticos

na transição da era de crescimento, como a industrial, para a de declínio atual.

Quer atribuamos isso à natureza, às forças do mercado ou à ganância

humana, os sistemas que mais eficientemente obtêm um rendimento e o utilizam de

modo efetivo para suprir suas necessidades de sobrevivência, tendem a prevalecer

em relação a outras alternativas.

Combatendo o sistema industrial predador e desperdiçador de recursos

16

naturais, a Permacultura também combate o polo oposto do anarquismo e da

filosofia hippie de paz e amor, numa demonstração de fluidez e equilíbrio.

Em sistemas humanos, entendemos que o conforto e a proteçãoexcessiva dos desafios e da competição podem levar a umcomportamento presunçoso, preguiçoso e eventualmentedisfuncional. Podemos ver isso na educação de crianças, naevolução das organizações e na história das civilizações. (IBIDEM, p.124)

Este princípio nos força a sermos mais conscientes das fontes reais de

nosso próprio sustento e bem-estar. (IBIDEM, p. 132)

4) Aplique a Auto regulação e aceite Feedback

Este princípio trata dos aspectos de auto regulação no design

permacultural que limitam ou procuram evitar um crescimento ou um comportamento

inapropriado. A partir de uma maior compreensão do modo como feedbacks

positivos e negativos funcionam na natureza, podemos planejar sistemas mais auto

reguladores, reduzindo, assim, o esforço envolvido em um manejo corretivo, repetido

e adverso. (IBIDEM, p. 145)

Feedback é um conceito da área de sistemas cujo uso se tornou comum

com a engenharia eletrônica. Significa o retorno de parte da saída – output de um

circuito de um sistema, para sua entrada – input de maneira a regular a eficiência –

performance daquele. (IBIDEM, p. 170)

A Hipótese Gaia, que concebe a Terra como um mecanismo de auto

regulação, semelhante a um organismo vivo, faz do planeta todo uma imagem ideal

para representar este princípio. (IBIDEM, p. 146)

Mais radicalmente, a Hipótese Gaia apresentou-nos uma renovação

científica da ideia da Terra como uma mãe nutridora que mantém as condições

favoráveis à diversidade e à renovação da vida, mas é impiedosamente adversa a

espécies individuais, e até mesmo a ecossistemas inteiros, na manutenção desse

equilíbrio. (IBIDEM, p. 147)

17

O problema historicamente recorrente com as elites, e aqui nós podemos

incluir as organizações econômicas, é que elas começam a acreditar que todo o

ecossistema social existe simplesmente para seu próprio benefício. Isso corrompe o

processo de reconhecimento de um poder superior (um deus ou a natureza) e

também não consegue prover um controle de feedback funcional que mantenha o

sistema saudável e adaptado. Esse colapso de auto regulação e altruísmo tripartite1

nos níveis mais elevados tende a despencar hierarquia social abaixo até que uma

deterioração em todos os níveis leve a algum tipo de rompimento e reforma.

(IBIDEM, P. 154)

Se não fosse um permacultor falando, poderíamos pensar num marxista

ou num religioso. Esta integração de polos aparentemente opostos é altamente

recomendada pelo Trabalho Processivo para organizações com a mesma finalidade

de equilíbrio e sustentabilidade no seu meio ou campo.

O problema dos níveis hierárquicos superiores da sociedade moderna é

que todas as pessoas naquele nível funcionam como uma comunidade auto

reforçadora. Essas redes são como aldeias globais de cidadãos paroquianos

incapazes de dar um passo fora das normas sociais de sua comunidade; e, ainda

assim, eles estão estratosfericamente distantes dos efeitos das suas ações sobre as

pessoas em níveis hierárquicos bem mais baixos da humanidade. (IBIDEM, P. 154)

Em vez de expulsar a maioria da “mina de ouro” dos centros de afluência

(países e cidades ricos), precisamos de uma transformação de valores e

recompensas para reinvestir na criação de meios e modos de vida mais simples e

em parceria com a natureza. Em outras palavras precisamos de uma profunda

revolução cultural que reconheça a nossa dependência cada vez maior da natureza.

(IBIDEM, P. 156).

Para tanto, o Trabalho Processivo ao reconhecer e dar voz à natureza

como um papel e sua influência como um campo e ao facilitar o diálogo com ela,

1 Conceito de Howard Odum, onde qualquer organismo ou população utiliza: 1/3 de sua energia captada para a automanutenção metabólica; 1/3 é retroalimentada para baixo para os fornecedoresdo sistema e; 1/3 é doado para cima para os controladores do sistema(HOLMGREN, 2013, p.148)

18

atende plenamente e vai além desta necessidade posta por Holmgren.

Holmgren, neste princípio quarto, expande o mote ambientalista “pense

globalmente, aja localmente” para “pensamento de cima para baixo e ação de baixo

para cima”2 afirmando que no mundo pós-moderno do pico de energia global esta é

a atitude mais eficaz e influente. Acredito, diz ele que “isto se aplica quer estejamos

gerenciando uma corporação ou uma plantação quer participemos como uma

comunidade biorregional em um mundo globalizado ou como um indivíduo dentro de

uma comunidade local.” (IBIDEM, P. 159)

A Permacultura dá tanta ênfase à mudança pessoal que chega a parecer,

neste aspecto, uma abordagem psicológica:

O mote “transforme o mundo transformando a si mesmo” éconsiderado uma abordagem espiritual ou focada na interiorizaçãoem prol de um mundo melhor. No entanto, há evidênciasconvincentes de que essa ideia é um princípio para um conceitoexternamente focado, como a permacultura, com suas raízes naobjetividade científica. (IBIDEM, P. 159)

A primeira razão dada por Holmgren para esta ênfase é o fato de que

“apesar de todo o discurso sobre a ética institucional e comercial, são apenas os

seres humanos que podem diretamente considerar e ser afetados por interesses

morais.” (IBIDEM, P. 160) A segunda razão, para ele, “é a natureza relativamente

fraca e decadente de muitas das nossas instituições culturais, inclusive a Igreja, a

democracia parlamentarista e até mesmo o sistema jurídico” ( IBIDEM P. 161)

Este fracasso das instituições se deve à decadência cultural e ao desafio

da mudança da fundamental que é muito forte e rápida para “essas estruturas

sociais normalmente duráveis, porém conservadoras, se adaptarem.” (IBIDEM, P.

161). O Trabalho Processivo propicia a estas instituições mecanismos consolidados

de inclusão de todas as vozes, principalmente aquelas excluídas, para que elas

ressurjam das cinzas com flexibilidade e nova energia.

2 De cima para baixo: com foco na noção sistêmica holista, nas elites, nas corporações, no governo e em ações gerenciais de comando e influência; de baixo para cima: com foco no indivíduo, nas partes, nos detalhes e nas ações individuais, atitudes cooperativas e baseadas no consenso.

19

A terceira razão, de novo em sintonia com a metodologia processiva é

que a responsabilização pessoal é o caminho mais rápido para reconstruir

mecanismos necessários de feedback negativo (e positivo).” (IBIDEM, P. 161) Isto

devido à globalização que acumula benefícios nos centros de afluência e joga os

impactos sociais e ambientais adversos nas partes menos desenvolvidas de um país

e nos países pobres, criando uma distância tão grande entre causa e efeito que

impede a ocorrência de mecanismos naturais de auto regulação e feedback

negativo.

O princípio da não localidade da Física Quântica, utilizada pelo Trabalho

Processivo coloca frente a frente, através de indivíduos, causa e efeito, não

importando quão distante, fisicamente, estejam uma do outra.

A quarta razão da responsabilidade pessoal é a necessidade de

desenvolver e aplicar em si mesmo o pensamento sistêmico integral. (IBIDEM, P.

162) Esta é também uma recomendação da Psicologia Junguiana - a individuação e,

um requerimento básico do Trabalho Processivo – influenciar o outro pelo exemplo e

não só por palavras.

Holmgren vai mais longe nas explicações “psicológicas” da Permacultura

ao chamar o homem moderno de “dependente” do consumo, da televisão e outras

mídias, dos carros e de outras forças da insustentabilidade. (IBIDEM, P. 163) E

recomenda, como úteis, o mesmo tratamento da dependência química: reconhecer a

dependência; reconhecer os ganhos que ela oferece, ou que buscamos; evitar

culpar os outros; desconectar-se de relações reforçadoras e; conectar-se com ex-

dependentes que conseguiram se libertar. (IBIDEM, P. 164)

5) Use e Valorize Recursos e Serviços Renováveis

Recursos renováveis são aqueles que são renovados e repostos por

processos naturais ao longo de períodos razoáveis, sem a necessidade de maiores

insumos não renováveis. Na linguagem das organizações de negócios, recursos

renováveis devem ser vistos como nossas fontes de renda, ao passo que recursos

20

não renováveis podem ser pensados como bens de capital.3 (IBIDEM, P. 173)

Bens de capital, ou bens de produção, são os equipamentos e

instalações, são bens ou serviços necessários para a produção de outros bens ou

serviços.

A ideia por trás deste princípio é “deixe a natureza seguir seu próprio

curso,” neste caso, a natureza externa, ou meio ambiente (IBIDEM, P. 174) que é

também o princípio básico do Trabalho Processivo – seguir a natureza, só que, no

entanto, tanto a externa quanto a interna.

6) Evite o Desperdício

Este princípio reúne os valores tradicionais da frugalidade e do cuidado

para com os bens materiais, uma preocupação predominante com a poluição e uma

perspectiva mais radical que vê os descartes como recursos e oportunidades.

(IBIDEM, P. 197)

A Permacultura aqui, realmente radicaliza ao definir qualquer poluente

como “um produto de qualquer componente do sistema que não está sendo usado

de forma produtiva por qualquer outro componente do sistema”. (MOLLISON, 1988

apud IBIDEM, P. 197) E esta radicalização simplesmente a aproxima mais do

Trabalho Processivo que emprega o mesmo princípio a nível psicológico

considerando nossas emoções rejeitadas culturalmente como a inveja, o ciúme e o

ódio como “poluentes” do campo humano onde habitamos e da mesma forma

recomendando o aproveitamento, a ”reciclagem”4 destes “descartes” de nosso

“sistema” emocional.

A importância dos recursos humanos desperdiçados nos países pobres

excluídos (IBIDEM, P. 211) e sua relação com os pensamentos e sentimentos

3 Bens de capital ou bens de produção são os equipamentos e instalações, são bens ou serviços necessários para a produção de outros bens ou serviços. Conforme <http://www.significados.com.br/bens-de-capital/> visitada em 16.01.2013

4 Reciclar significa ”dividir em elementos ou materiais mais básicos antes de ser reprocessado para o mesmo uso ou para usos diferentes. (HOLMGREN, 2013, p.199) Para um psicólogo isto poderia aer chamado de análise ou processamento!

21

rejeitados na psicologia individual.

7) Projete dos Padrões aos Detalhes

“Sistemas complexos que funcionam tendem a evoluir a partir de sistemas

simples que funcionam; assim, encontrar o padrão apropriado a este design (ou

projeto) é mais importante que compreender todos os detalhes.” (IBIDEM, P. 217)

“Não tomar o todo pelas partes” ou a floresta pelas árvores, ou, no nosso caso, o

grupo pelos seus indivíduos ressalta o efeito holístico do campo que torna cada

grupo algo bem maior que a simples junção de seus membros, com uma energia

própria que o torna caracteristicamente diferente dos demais grupos semelhantes.

Este princípio também nos leva a ser menos ego-centrados e mais

ligados em algo além de nós, como é feito nas psicologias que se dizem

transpessoais como a Psicologia Orientada pelo Processo. No entanto, é confortante

reconhecer a coerência da Permacultura na busca de um equilíbrio dialético. No

final, depois de advertir sobre nossa dificuldade cultural e até também natural de

prestar atenção aos padrões, prognostica: “No futuro de baixa energia, a velha

máxima 'Deus mora nos detalhes' pode voltar a ser verdadeira.” (IBIDEM, P. 249)

8) Integre em vez de segregar

A Permacultura pode ser vista como parte de longa tradição deconceitos que enfatizam relações mutualistas e simbióticas emdetrimento a relações competitivas e predatórias. A disponibilidadede energia em declínio transformará a percepção geral destesconceitos de um idealismo romântico para uma necessidade prática.(IBIDEM, p.154)

Aqui a Permacultura supera o darwinismo social seguindo Peter Kropotkin

que “forneceu extensas evidências, tanto da natureza quanto da história humana, de

que relações cooperativas e simbióticas eram no mínimo tão importantes quanto a

competição e a predação.” (IBIDEM, P. 283, Nota 2)

Em cada aspecto da natureza, desde mecanismos internos deorganismos até ecossistemas inteiros, as relações entre as coisassão tão importantes quanto as próprias coisas. […] Nossocondicionamento cultural centrado no foco à complexidade dos

22

detalhes tende a ignorar a complexidade das relações.” (IBIDEM, P.253)

Aqui chegamos ao cerne do Trabalho Processivo que rompe com a

“segregação dos elementos”, vai além do “método científico reducionista” para

estudar os elementos interagindo entre si, como um sistema integrado e com uma

visão e metodologia mais adequada para trabalhar com o “conjunto de relações

enigmáticas e fechadas a sete chaves que caracterizam as comunidades ecológicas

e sociais.” (IBIDEM, P. 253)

Vemos ainda neste princípio outras imbricações com o Trabalho

Processivo. Holmgren (IBIDEM, p. 254) ao falar sobre os elementos de um sistema

diz:

cada elemento desempenha muitas funções;

cada função importante é sustentada por muitos elementos

Mindell (2008, p. 41) ao falar sobre os papeis dos indivíduos que

compõem um grupo (campo) diz:

cada indivíduo desempenha muitos papeis;

cada papel é ocupado por muitos indivíduos

Ter consciência disso é diminuir a ênfase quase absoluta no indivíduo e

aumentar a ênfase na coletividade. “É a tendência de mudança das pessoas e dos

espíritos dos tempos (papeis) que criam comunidade.” (IBIDEM, p. 42)

9) Use Soluções Pequenas e Lentas

Os sistemas deveriam ser projetados para desempenhar funções namenos escala possível sob os aspectos de praticidade e eficácia deenergia para uma determinada função. A escala e a capacidadehumana deveriam ser o parâmetro de uma sociedade humana,democrática e sustentável. (HOLMGREN, 2013, P. 285)

De novo, o foco parece ser a atividade agrícola ou de horticultura, embora

possamos pensar, em termos de organizações em Schumaker com seu livro de

23

Economia Small is Beautiful5, uma vez que Holmgren advoga uma “restrição ética ao

tamanho” (IBIDEM, P. 291) por ter encontrado “exemplos ilimitados de éticas e tabus

que restringem o crescimento e o desenvolvimento sociedades tradicionais.”

Vida útil corporativa: muitas pessoas se surpreendem ao saber que a

maioria das corporações tem uma vida útil mais curta que a das pessoas. Os

negócios mundiais são agora dominados por enormes instituições governamentais e

corporativa, que operam em escalas que afetam o clima global, mas comandados

por uma inteligência e um horizonte de planejamento bem mais curto do que são

capazes os indivíduos. Esse desencontro de escala e vida útil está próximo do

coração da insustentabilidade da cultura industrial que rege maioria das

organizações. (IBIDEM, P. 299)

10) Use e Valorize a Diversidade

Reconhecer a diversidade como uma forma de abundância a ser

protegida, ao mesmo tempo em que aceitamos que forças maiores que nós

estabelecerão os limites a essa abundância. (IBIDEM, P. 337)

Para uma compreensão mais profunda e holística do uso dadiversidade, precisamos percebê-la em equilíbrio dinâmico e emtensão complementar, em todos os sistemas, em todos os níveis.Com isso, talvez estejamos em uma melhor posição para lidar comela, e fazer projetos em nome da diversidade em todos os níveis, emvez de venerar classes particulares de diversidade, enquantoignoramos ou impiedosamente destruímos outras. (IBIDEM, p.315)

Difícil expressar melhor nossa dificuldade em aceitar e seguir este

princípio. As recomendações do Trabalho Processivo são: comece por você mesmo;

Reconheça e utilize a diversidade dentro de você mesmo; Tente parar de

marginalizar aspectos seus não valorizados, quer pela sua comunidade, por sua

família ou você mesmo.

Holmgren (IBIDEM, p.318) acredita ser razoável dizer que a diversidade

5 Traduzido no Brasil como O Negócio é ser Pequeno - Um livro de economia que leva em conta as pessoas. Holmgren, (IBIDEM, p.296) o cita como “um dos mais eloquentes e famosos críticos do gigantismo na economia e no desenvolvimento.”

24

de indivíduos, populações, espécies, idades e estruturas nos sistemas naturais são

fatores que contribuem para a estabilidade. No Trabalho Processivo ampliamos esta

lista para incluir os sonhos, as emoções, as crenças e até pensamentos

marginalizados para alcançar, além da estabilidade física, a realização individual e a

sensação de integração que as comunidades tradicionais propiciavam e as

comunidades intencionais oferecem diante das “forças atomizadoras individualistas

predominantes no mundo moderno.” (IBIDEM, P. 334)

11) Use os Limites/Limiares e Valorize o Marginal

A tradutora de Holmgren (IBIDEM) escolheu traduzir edge por “limite”

neste 11º princípio. No Trabalho Processivo edge é um conceito básico e, em mais

uma “coincidência” significativa, quer expressar exatamente a mesma ideia: uma

borda, uma zona de transição ou de fronteira, uma zona de mudança, e, no livro que

traduzi sobre o tema, escolhi traduzir edge por “limiar”, uma palavra que, em

português, dá muito mais uma ideia de zona do que a palavra “limite”. Coloco aqui

neste item as duas palavras justapostas para que o leitor ou leitora, ao ler, cheque

por si qual palavra sente expressar mais amplamente o significado intencional de

Holmgren e Mollison.

Dando um exemplo importante de limite (ou limiar), para ilustrar,

Holmgren diz:

Dentro de cada ecossistema terrestre, o solo vivo – que pode terapenas alguns centímetros de profundidade – é um limite/limiar ouuma interface entre a terra mineral sem vida e a atmosfera. Para atotalidade da vida terrestre, inclusive a humanidade, este é olimite/limiar mais importante de todos. (IBIDEM, p.341)

E continua explicando por que

Qualquer que seja o objeto de nossa atenção, precisamos noslembrar de que é no limite/limiar de qualquer coisa, sistema ou meioque os eventos mais interessantes têm lugar; um design que percebeo limite/limiar como uma oportunidade e não como um problema temmaiores chances de sucesso e adaptação. (IBIDEM, p.341)

Com relação ao pensamento sistêmico onde as organizações são melhor

25

compreendidas, ele observa que os limiares6

são partes dinâmicas e produtivas de todos os sistemas naturais nosquais os intercâmbios de materiais e de energia tem lugar. Eles sãoos lugares nos quais tanto relações cooperativas quanto competitivasentre elementos de sistemas e sistemas inteiros acontecem.(IBIDEM, p.345)

Para o Trabalho Processivo, como se verá mais adiante, limiares são

exatamente fronteiras entre algo objetivamente aceito e alguma coisa ainda

subjetiva e de difícil consenso, mas, definitivamente, é o lugar bonde as mudanças

acontecem, ou, podem acontecer. Existe algo mais interessante do que isso, para

um mundo que tem como opção mudar ou morrer?

Nem sempre o mais comum, óbvio e popular é necessariamente o mais

significativo ou influente. (IBIDEM, P. 341)

12) Use e Responda à Mudança com Criatividade

A ciência tem nos mostrado que o aparentemente sólido epermanente é, no nível atômico e celular, uma massa fervilhante deenergia e transformação, similar às descrições em várias tradiçõesespirituais. (IBIDEM, p.363)

Em qualquer empreendimento, as decisões dependem frequentemente de

outros para implementar processos de mudança. Quando agimos em cooperação

com outros agentes, nossa força efetiva para transformar sistemas é amplificada.

Até mesmo quando tentamos modificar nosso próprio comportamento,

frequentemente fracassamos, porque todo o nosso ser não dá suporte a nossas

decisões racionais. (IBIDEM, P. 364)

Há uma imensidão de literatura e de processos de consultoria a respeito

de gestão de mudanças em organizações, em parte porque esforços de tomadores

de decisões a fim de implementar modificações sempre envolvem dificuldades,

conflitos e resultados imprevistos. John Ralston-Saul7 e outros afirmaram que a

6 A partir daqui tomo a liberdade de colocar a palavra “limiar” no lugar da palavra “limite” pelas razões já colocadas mais acima.

7 Em seu livro The Unconscious Civilisation, Simon & Schuster: Nova Iorque,1995

26

ideologia da racionalidade econômica, a tão chamada eficiência, fracassou em sua

tentativa de revigorar corporações ou instituições públicas. (IBIDEM, P. 364)

É muito gratificante, como brasileiro, ler Holmgren (IBIDEM, P. 365) citar

que, talvez seu exemplo mais dramático e positivo de mudança de cima para baixo

nos negócios seja o caso da Semco,8 uma empresa brasileira de manufatura. Ela foi

reerguida por seu proprietário, Ricardo Semler, que instituiu a transparência

administrativa, nivelou a estrutura hierárquica, ofereceu postos de trabalho em

escala humana em vez de escala industrial, criou mecanismos de propriedade e

tomada de decisão compartilhadas entre os funcionários e promoveu outras

mudanças radicais em uma abordagem integrada a fim de reestruturar a empresa

em prol de todos os participantes. (IBIDEM, P. 365)

Concordo, por experiência prática, pessoal e organizacional, com

Holmgren (2013, p. 365) quando ele diz que temos problemas ao instituir mudanças

criativas tanto em sistemas complexos e de larga escala quanto na gestão de

pequenas empresas, em grupos comunitários, em famílias e (para mim, “sem”)

talvez, acima de tudo, em nós mesmos como indivíduos autodirigidos. (IBIDEM, P.

365)

Holmgren (IBIDEM, p. 365) verificava que conforme as pessoas começam

a pensar de maneira mais sistemática sobre o design de suas casas e de seus

plantios, as questões relativas ao modo como vivem começam a fazer parte do

cenário. Como resultado dessa abordagem mais holística, a transformação pessoal

geralmente se mostra como sendo um processo mais fácil, mais rápido e mais

adequado para a melhoria, do que as mudanças ambientais externas que

constituíam o foco inicial. Assim a máxima “para transformar o mundo precisamos

transformar a nós mesmos” é geralmente verdadeira.

Diante de mudanças extremas e imprevisíveis, o comportamento humano

é dirigido a reações cada vez mais oportunistas. (IBIDEM, P. 367)

8 Livro traduzido para o inglês de Ricardo Semler Maverick, Warner Books: Nova Iorque, 1995 ou, nooriginal, Virando a Própria Mesa Rocco: Rio de Janeiro, 1ª ed. 1988

27

Há também as mudanças previsíveis e inexoráveis devido aos efeitos da

entropia, ou a tendência à desordem. Estas levam ao envelhecimento e à

decadência gradual de todos os sistemas vivos, mas afetam particularmente o

ambiente construído. (IBIDEM, P. 367)

A evolução pós-darwiniana, ou evolução por saltos ocasionais9, que se

contrapõe, ou pelo menos quebra sua hegemonia de única explicação, da evolução

por competição onde o “melhor preparado”, o “mais qualificado” sempre vence, ou

melhor, sobrevive, enquanto a “espécie mais fraca” é extinta. (IBIDEM, P. 389)

Não parece compatível e reforçadora da competitividade da era

industrial? Holmgren (IBIDEM, p. 407, nota 33) recomenda a leitura de Imperialismo

ecológico: a expansão Europeia de 900 a 1900, Cia das Letras 2010, para

entendermos as bases ecológicas da expansão europeia no mundo.

O interessante é que o tipo pós-darwiniano de evolução é compatível com

o salto quântico, onde as partículas subatômicas chamadas elétrons, acumulam

energia até poder dar um salto para um outro nível. Mais irônico e talvez,

surpreendente, é esta ideia de evolução ser “desconfortável para a maioria dos

biólogos, pois usa o mesmo argumento usado pelos criacionistas10. (IBIDEM, P. 389)

Em virtude da ubiquidade da auto-organização e da evolução dos

sistemas, até mesmo o sistema biológico mais cuidadosamente planejado e

controlado se modificará e evoluirá. Se pudermos desenvolver processos mais

abertos, flexíveis e interativos de planejamento, design e manejo, talvez possamos

perceber os benefícios da natureza selvagem e da complexidade humana. (IBIDEM,

P. 397)

Perceber nossas ações e nós mesmos como uma parte da natureza é

uma transformação cultural iniciada, mas não completada. Para dar esse passo final,

devemos primeiro suspender o julgamento de nossas ações como boas ou ruins. Só

9 Conforme artigo de Kevin Kelly “Post Darwinian Evolution” na revista Whole Earth Review nº 76, Fall 1992 (apud IBIDEM, p.407, nota 27)

10 Adeptos da teoria (ou talvez fosse mais adequado o termo crença) da evolução humana baseada no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia, segundo a qual o mundo foi “criado”.

28

então seremos capazes de ver os exemplos à nossa volta como a natureza em

funcionamento.

Holmgren encerra este princípio e seu livro com uma marcante

recomendação de seguir a natureza:

É o engajamento estável, cíclico e humilde com a natureza que servede sustento para a fagulha de insight e integração (integridade), quepor sua vez, informa e transforma a prática. A primeira é harmônica eperdurável; a segunda é episódica e poderosa. O alegre equilíbrioassimétrico entre as duas expressa a nossa humanidade. (IBIDEM,p. 405)

29

3 A VISÃO ORGANIZACIONAL DOMINANTE

Organização11, em sentido geral, é o modo com que se organiza um

sistema, segundo a conhecida sigla POCCC - Planejar, Organizar, Controlar,

Coordenar e Comandar criada pelo seu principal teórico, Jules Henri Fayol12 que,

pela primeira vez, definiu uma teoria das organizações através dos olhos de um

gerente e não de um dono ou de um engenheiro como foram Ford13 e Taylor14.

Vivemos uma época onde percebemos uma exacerbação das

organizações ditas produtivas, ou lucrativas, ditando estas, inclusive, padrões para

as organizações não lucrativas, ou ONGs, que são levadas também a perseguir

resultados através do seu “capital” social. De acordo com Boff,

Os últimos séculos, entretanto, especialmente a partir do processoindustrialista do século XVIII, se caracterizaram pela ditadura domodo-se-ser-trabalho como intervenção, produção e dominação. Otrabalho não é mais relacionado com a natureza (modelação), mascom o capital […] As pessoas vivem escravizadas pelas estruturas dotrabalho produtivo, racionalizado, objetivado e despersonalizado,submetidas à lógica da máquina. (BOFF, 1999, p.97)

Sentimento compartilhado pela Permacultura, onde Holmgren (2013,

p.62) vê as instituições tradicionais da Igreja e do Estado perdendo sua autoridade

enquanto corporações e outras instituições econômicas com um extraordinário

ganho de poder e com limitações éticas muito pequenas ou inexistentes.

Seguindo a visão permacultural, é sempre recomendável ouvir o “outro

lado”, na busca de um equilíbrio dinâmico. O que estas organizações, especialmente

as lucrativas, na voz de seus teóricos, diriam sobre si mesmas nos dias atuais? Com

isto, evitaríamos ler os “clássicos” da administração e da gestão organizacional, que

são ensinados nas Universidades e MBAs pelo mundo afora e poderíamos facilitar o

diálogo destas organizações, através da metodologia do Trabalho Processivo, com a

Permacultura.

11Conforme <http://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o> visitada em 31.jan.201312Conforme <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fayol> visitada em 31.jan.201313Conforme <http://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Ford> visitada em 31.jan.201314Conforme <http://pt.wikipedia.org/wiki/Frederick_Taylor> visitada em 31.jan.2013

30

Não seria interessante?

Pois pretendemos fazer este “diálogo” ocorrer por meio de dedução.

Pegamos um livro recente15 sobre motivação de empregados, baseado numa

pesquisa com sete organizações sediadas nos Estados Unidos (de “pequenas” a

“grandes” organizações16) e publicado em Harvard17 considerada a melhor

universidade do mundo e cuja pós-graduação em negócios – MBA é também a mais

conceituada entre os gurus organizacionais.

Nossa lógica é a seguinte: Este livro não questiona o atual modelo

vigente, dito “industrial” por Holmgren. De fato, a filosofia por trás deste livro,

resume-se a: recursos18, renováveis ou não, não são uma preocupação e; seu

objetivo duplo é: sucesso, ou seja, lucro, aliado à satisfação do empregado.

(AMABILE E KRAMER, 2011, p.1) Então, ele a expressão pura daquele tipo de

organização com as quais precisamos dialogar e apresentar, convincentemente, a

Permacultura. A partir daqui denominaremos de visão organizacional dominante o

papel que este livro representa.

Vamos ouvir então o que esta visão organizacional dominante tem a

nos dizer, como fizemos com a Permacultura?

Sua meta é (IBIDEM, p.5) ensinar a qualquer Organização19 a como

alcançar o “Nirvana do sucesso nos negócios e a plena satisfação de seus

empregados. E querem saber qual o segredo de sua descoberta – a partir de uma

15The Progress Principle de Teresa AMABILE e Steven KRAMER, Boston:Harvard Bussiness School,2011

16Pequenas: faturamento anual abaixo de 500 milhões de dólares, menos de 1.000 empregados; Médias: entre 2 e 4 bilhões de dólares, entre 2.000 e 6.000 empregados e; Grandes: entre 15 e 25 bilhões anuais, entre 13.000 e 45.000 empregados.

17E, frise-se, alma-mater (“mãe que alimenta e nutre”) sessenta e dois bilionários, na sua maioria dosEstados Unidos, com 150 ganhadores do Prêmio Nobel - <http://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Harvard> página visitada em 22 de janeiro de 2014.

18O Índice Remissivo do livro tem dez entradas de Recursos: p.116 se a requisição foi bem feita, aprovados rapidamente; p.121 “ainda por receber; p.124 “cada solicitação de recursos envolvia uma batalha”; e mais sete entradas, todas despreocupadas de limitações energéticas ou ecológicas

19Embora se deduza claramente que seu público são corporações de negócios, não se pode inferir em parte alguma do livro que suas recomendações não se apliquem a organizações não-governamentais, ou não-lucrativas.

31

vasta pesquisa de mais de dez anos, com 238 pessoas, em 26 equipes de projeto,

em 7 Organizações e em 3 áreas de negócio?

Nossa pesquisa mostra como. E o segredo não é alimentação grátisou academia no local de trabalho. O segredo é criar as condiçõespara uma ótima vida interior profissional 20– as condições quepromovem emoções positivas, forte motivação interna e umapercepção favorável dos colegas e do trabalho em si. Ótima vidaprofissional interior diz respeito ao trabalho, não sobre seusapetrechos. (IBIDEM, p.1)

Em que pese a inconsciência sobre as fontes e a ética da utilização de

recursos, sinto que, a partir do lado de lá, digamos, da antítese que ele representa,

parte uma ponte, um ponto comum, o atrator21 de uma síntese. Seu segredo também

rpode ser expresso em “empoderar pessoas talentosas” (fortalecendo de cima para

baixo) para “serem bem sucedidas num trabalho significativo” (fortalecendo de baixo

para cima porque, embora “significativo” seja “bom” para a pessoa, “bem sucedida”

significa terem atingido os objetivos da organização que é, em nosso caso, o lucro).

De novo, uma recomendação permacultural.

Mais interessante ainda (ou talvez), é que os autores nunca tiveram a

intenção de estudar a vida interior profissional. Este tema surgiu após 35 anos (!) de

pesquisa sobre criatividade nas universidades de Stanford, Brandeis e Harvard.

À medida que mergulhávamos mais fundo, nos demos conta de quesó poderíamos desvendar o mistério do que realmente afeta acriatividade no local de trabalho compreendendo as históriashumanas por trás da vida interior profissional: o que acontece com ospensamentos, sentimentos e impulsos das pessoas enquanto tentamresolver problemas complexos dentro das empresas. Este livro e oprograma de pesquisa por trás dele resultaram de uma confluênciadestas questões com nossas vidas pessoais. (IBIDEM, p.4, grifonosso)

Só por apontar para a vida interior, mesmo que “referente ao trabalho na

organização”, já julgo muito motivador, para o emprego da Permacultura nas

Organizações, este livro, com a sua história.

20Em inglês: inner work life, que o autores definiram pela primeira vez num livro com o mesmo título em 2007, pela mesma editora, Harvard Bussiness Review.

21Termo da Teoria do Caos, também denominada de “forma arquetípica” de mutação por Holmgren (2013, p.390).

32

Os autores apontam duas grandes descobertas:

1. A vida interior profissional importa para as pessoas – e, portanto

para as empresas.

A vida interior profissional importa para as empresas porque, não importa

quão brilhante seja sua estratégia, a execução desta estratégia depende de um

excelente desempenho pelas pessoas dentro da organização. (IBIDEM, p.6)

A vida interior profissional importa profundamente para osempregados. Uma prova disso é a extraordinária participaçãovoluntária deles em nossa pesquisa22, que completaram o formuláriodiário dia após dia, por nenhuma recompensa além do insight queeles poderiam ganhar dentro deles mesmos, no seu trabalho e notrabalho de sua equipe. (IBIDEM, p.6, grifo nosso)

2. Três tipos de Eventos suportam a vida interior profissional.

Progresso, no trabalho significativo, catalização, um ajuda essencial ao

projeto, e nutrição, estimulação interpessoal (IBIDEM , p.5)

Das salas de reuniões e escritórios dos mais altos executivos até oscubículos e laboratórios de pesquisa do níveis mais baixo, osEventos terminam por desempenhar, todo dia, a formatação da vidainterior profissional, orientando o desempenho e definindo os rumosda organização. (IBIDEM, p.6, grifo nosso)

Assim, estão postos a fala e o método proposto para levar uma

Organização (na visão atual, capitalista) para o “sucesso” – que podemos bem inferir

o que significa, e as pessoas que lá trabalham para: que tenham “alegria,

engajamento profundo no trabalho e um ímpeto para a criatividade.” (IBIDEM, p.2)

Vamos agora, introduzir o Trabalho Processivo, e sua aplicação para o

trabalho social, como comunidades e Organizações – o Trabalho Global, do modo

como fizemos com a Permacultura, tentando manter o foco na Organização.

22 238 pessoas preencheram 12.000 pesquisas diárias ou 50 formulários em média cada um.

33

3.1 O Trabalho Processivo para Organizações

Deixando claro que o Trabalho Processivo, ou Psicologia Orientada pelo

Processo “é uma teoria, um método e uma orientação para trabalhar com indivíduos,

relacionamentos, organizações e comunidades, desenvolvida pelos doutores Arnold

e Amy Mindell e seus colegas”23 vamos, neste trabalho, abordá-lo apenas na área

organizacional.

Com a experiência adquirida com “conflitos aparentemente insolúveis na

Cidade do Cabo, a fúria homicida em Joanesburgo. O anti-semitismo em Israel, os

médicos feiticeiros do Quênia e os problemas de rua e o êxtase religioso de Portland

e Mumbai” Mindell (2008, p.14) se dispôs a criar um método “que fosse mais

excitante do que a guerra e mais criativo do que a paz.”

Com o desafio de desenvolver “habilidades organizacionais e de

resolução de conflitos, de modo que considerem princípios democráticos e sejam

aplicadas amplamente” ele desenvolveu o que chamou de Trabalho Global –

Worldwork. O mais importante: esses “métodos do Trabalho Global não precisam

assumir que as facilitadoras responsáveis e líderes, estejam sempre equilibradas.”

(IBIDEM, p.15, grifo nosso) Já que não queria limitar sua utilização “a situações de

paz interior ou de equilíbrio externo” mas, aplicá-lo “a situações reais, onde existem

caos e ataque, transformação e conflito.”(IBIDEM, p.17, grifo nosso)

Organizações, nesta visão, não são simplesmente entes materiais, mas

corpos oníricos, entidades físicas movidas, tanto por sonhos quanto por estruturas

organizacionais, tanto por emoções quanto por espíritos e dinheiro.

A organização, junto com seus sonhos e tendências ocultas, constituium campo que se manifesta nas estruturas físicas, nos sentimentoshumanos, numa atmosfera particular e em empregos específicos eregras. Se o campo for congruente, então o que o grupo acredita e oque ele faz são idênticos. (IBIDEM, p. 27, grifo nosso)

O pressuposto básico do Trabalho Processivo com organizações, ou

23 Conforme <http://www.iapop.com/pt-br/historico/> visitada em 24.01.2014, grifo nosso.

34

Trabalho Global, é que:

[…] o mundo em que vivemos é, em parte, organizado pelos campostranspessoais dentro de nós e à nossa volta; esses campos sãofísicos e psicológicos; o campo é organizado por várias forças, comoa gravidade, o eletromagnetismo, as forças nucleares fortes e fracas,e os sonhos, uma força até aqui não reconhecida [...] a maioria dosmitos diz que o campo tem uma mente própria e que estádespertando. (MINDELL, 1992, p.143, grifo nosso)

Temos aqui a grande mudança paradigmática desta metodologia, a

consideração dos sonhos individuais como uma questão individual. Reparem que é

exatamente a conclusão da visão organizacional dominante - considerar a vida

interior, portanto subjetiva, do seu pessoal. O Trabalho Processivo chama de

Democracia Profunda esta visão que insiste em fazer “das experiências interiores

um tema organizacional.” (MINDELL, 2002, p.viii)

Uma diferença marcante, porém é que o Trabalho Processivo atua de

“baixo para cima” fortalecendo os indivíduos e recomendando às Organizações levá-

los em consideração, mudando suas estratégias se preciso for24. Enquanto que a

visão organizacional dominante atua de “cima para baixo”, colocando nos gestores e

gerentes a responsabilidade e promover e “criar as condições de uma ótima vida

interior, limitada naturalmente ao campo profissional. (AMABILE E KRAMER, 2011,

p.1)

Ampliando a mudança paradigmática, incluindo conceitos da Física, o

Trabalho Processivo define Campo como

[…] um fenômeno natural que inclui todo mundo, são onipresentes eexercem forças sobre as coisas em seu meio. […] Acreditamos queorganizamos nossas vidas e nossos grupos mas, de fato, os camposcriam e nos organizam tanto quanto nós a eles. (MINDELL, 2008,p.28)

As implicações físicas, e quânticas, deste conceito é que os limites bem

definidos pressupostos na visão organizacional dominante não existem! Embora

possamos, juntos com a Permacultura, chegar às mesmas conclusões!

24 A ponto de afirmar que os sonhos dos indivíduos são tão importante para as organizações quanto suas metas

35

Nem mesmo um físico pode dizer exatamente onde uma pessoacomeça ou termina no espaço […] Somos tanto feitos de campos eondas, quanto somos de massa e partículas! […] É por isto que […]para nos conectarmos com a natureza, devemos seguir nossossentimentos interiores em vez da aparência externa das coisas.(IBIDEM, p.28)

Aqui o Trabalho Processivo começa a responder aos anseios da

Permacultura e dá uma resposta complementar “de baixo para cima” à proposta “de

cima para baixo” da visão organizacional dominante.

Para Mindell (1992, p.79) as dificuldades das organizações de se

transformarem resultam, tanto da tenacidade com que as pessoas se apegam à

situação atual conquistada, quanto da maneira com a qual a maioria das pessoas

tratam as questões minoritárias e lidam com os perturbadores do grupo. Isto,

segundo ele, se deve a visão sistêmica do que sejam mudanças. “A dinâmica básica

da evolução, segundo a nova visão sistêmica, começa com o sistema em

homeostase, que é o estado de equilíbrio dinâmico caracterizado por flutuações

múltiplas e interdependentes.” (CAPRA, 1975 apud IBIDEM, p.80)

Ou seja, na visão sistêmica, a mudança é considerada uma exceção e o

equilíbrio a regra ou o estado a ser conquistado e mantido. Uma visão

diametralmente oposta ao Taoismo da China Ancestral que afirma no livro clássico I

Ching - tudo muda todo tempo e só “a mutação é imutável.” (WILHELM, 1985, p. XII)

Para Mindell, (1992, p.80) que considera o Taoismo uma de suas bases teóricas, a

futura teoria dos sistemas terá que começar com a mudança e, o equilíbrio estático

irá agora ser considerado como um estado momentâneo e particular.

Alerta ainda para um grave problema: nossa falta de consciência sobre

este campo ter um potencial de sabedoria onírica. O trabalho de grupo atualmente

empregado indica que essa sabedoria só pode funcionar, pelo menos abertamente,

quando o campo em que vivemos seja conscientizado por todos. “É preciso, e temos

presenciado isto, que todas as partes da organização sejam representadas e

apreciadas, que os limiares grupais sejam reconhecidos e investigados, para que o

campo manifeste sua sabedoria.” (IBIDEM, p.143)

36

Mindell (IBIDEM, p.143) corroborando a visão dos fundadores da

Permacultura, afirma que nossa percepção consciente global da Terra como um

campo tem sido mínima, que a maioria de nós pensa que os problemas mundiais

não têm coisa alguma a ver conosco e que tendemos a acreditar em pessoas e

forças fora de nós para resolver as crises agudas que nos assolam.

Ele define papel como uma das partes necessárias do campo cuja

interação cria sua atmosfera e sinal como uma percepção momentânea e elementar

num dado canal, que, por sua vez é uma modalidade de percepção25.

Após 10 anos, ele afirma que: sem observar os sinais, sem tornar-se

consciente dos papéis que desempenhamos num dado momento e sem nos

tornarmos fluidos nas comunicações, na troca de papéis e no que ele chama de “o

sonhar comunitário” nós estaremos fadados a fofocarmos sobre pessoas

problemáticas ao invés de prestar atenção e aprender a lidar com problemas

organizacionais. (MINDELL, 2002, p.xi)

Para o Trabalho Processivo,

o problema mais profundo reside na maneira como nós utilizamos, ounão, a percepção consciente dos papéis ou papéis-fantasmas (isto é,terceiras partes de que se fala embora não estejam representadasdiretamente) na comunidade (IBIDEM, p.xi)

Como também na organização. E esta ignorância ou inconsciência de

nossos próprios sinais ofensivos e os dos outros papeis, mesmo fantasmas,

representa nossa co-participação na criação de um mundo aterrorizante e na

destruição de nossas próprias organizações. (IBIDEM , p.xi)

Que leva a um sentimento de desesperança.

O sentimento de desesperança é um problema generalizado ao redor do

mundo que parece fazer as pessoas desistirem de tentar resolver seus problemas

na sua própria família e deixar que as organizações se virem sozinhas, bem como

25 Neste livro, Mindell cita apenas 6 canais: o auditivo, o visual, de movimento, o proprioceptivo, o de relacionamento e o de mundo.

37

suas cidades, a nação e o planeta.

Existem muitas razões para estas declarações de desesperança. Para

começar, a pessoa que faz a declaração está desconectada de seu próprio senso do

Sonhar26 que cria, recria, destrói e reorganiza tudo. O Sonhar está para a realidade

cotidiana assim como um mundo quântico está para a realidade newtoniana, ou

Física da matéria. Enquanto a terapia tenta tratar esta problemática numa base

individual, no Trabalho Global estes problemas pertencem às comunidades e

culturas como um todo.

A desesperança se deve a culturas inteiras que marginalizam a fantasia e

a criatividade, a arte e a música/dança, resumindo, o lado misterioso da vida

cotidiana. Em outras palavras, uma razão para a desesperança é a atitude cultural

que marginaliza o Sonhar. Talvez o racismo mais primevo seja olhar com desdém

para o Sonhar, para as pessoas e culturas que se interessam pelas coisas oníricas.

(IBIDEM, p.118)

No entanto, e aqui entra a grande contribuição do Trabalho Processivo,

confirmando o otimismo implícito da Permacultura, Mindell nos diz que a consciência

global, ou percepção consciente do campo, está crescendo e que “existe uma

percepção cada vez maior de que a mais poderosa liderança num grupo é a que tem

a capacidade de seguir processos que estão tentando acontecer.” (MINDELL, 1992,

p.143, grifo nosso) Em outras palavras, o Trabalho Processivo é econômico:

podemos relaxar, de vez em quando e simplesmente fluir, sem esforço, com o

campo; é também alegre: devolve a excitação e o interesse esmorecido pela vida

comunitária. Existem muitos momentos, diz ele, “em que o processamento grupal

seja mais excitante e produtivo do que [...] as escaramuças bélicas” tão corriqueiras

nas organizações. (IBIDEM, p.144)

26 A essência da natureza ou, na concepção dos aborígenes australianos, uma energia criativa que dá origem a tudo.

38

4 PERMACULTURA E TRABALHO GLOBAL NA PRÁTICA ORGANIZACIONAL

A Permacultura no seu terceiro princípio ético dirige-se às organizações

ao levá-las a exercer a auto limitação e, assim, paradoxalmente, reduzir a

probabilidade de que alguma força ou poder externo venha forçá-las a mudar. “Por

exemplo, algumas empresas descobriram que, ao desenvolver padrões de poluição

zero, evitariam a obrigatoriedade legal de monitoramentos ambientais complexos e

caros.” (HOLMGREN, 2013, p.61)

A Flor da Permacultura (Figura 1) integra os princípios éticos com os

princípios do design e mostra os domínios-chave que requerem transformação para

se criar uma cultura sustentável. Historicamente centrada no manejo da terra e da

Figura 1: A Flor da Permacultura

39

natureza, “esses princípios são agora aplicados em outros domínios que lidam com

recursos físicos energéticos assim como com as organizações humanas.” (IBIDEM,

P. 34)

Os seguintes itens da Flor da Permacultura são aplicáveis a organizações:

ECONOMIA E FINANÇAS

FERRAMENTAS E TECNOLOGIAS

CULTURA E EDUCAÇÃO

SAÚDE E BEM-ESTAR ESPIRITUAL

E estes sub-itens, que Holmgren acrescenta ao seu gráfico de Flor,

(IBIDEM, p.34) também.

Cooperativas

Ambiente construído

Tecnologias apropriadas

Resolução de conflitos

Yôga e outras práticas de corpo/mente/espírito

Reuso, reciclagem

Leitura da paisagem / Espírito do Lugar

Investimento ético

Para Holmgren a organização em uma cultura sustentável trabalha com

Rede Distribuída, em contraste com organização típica da cultura industrial que é

Centralizada. No entanto, Holmgren advoga não uma oposição mas um equilíbrio

dinâmico entre estas características:

O equilíbrio dinâmico entre estes pares polarizados de característicasé um tema que pode ser encontrado ao longo da minha explanaçãodos princípios da permacultura. (...)

No Princípio 9: Use soluções pequenas e lentas, uso aimagem do equilíbrio estrutural de uma viga para explorar oequilíbrio assimétrico e dinâmico entre sistemas rápidos elentos em culturas industriais e sustentáveis (...)

No Princípio 12: Use e responda à mudança comcriatividade, o modelo pulsante de dinâmica de ecossistemasfornece outra ilustração gráfica desses equilíbrios. (IBIDEM,p.46)

Estas características de equilíbrio dinâmico, ou fluidez, da permacultura é

40

uma quebra do paradigma cartesiano que sustenta os sistemas industriais e explica

a priori porque o Trabalho Processivo pode ser uma linguagem que permita e facilite

o “diálogo” entre ela e a visão organizacional dominante.

Outra proposta paradigmática da Permacultura aplicável às Organizações

é a integração do espírito materialista voltado para resultados com o espírito

transcendental que reconhece parâmetros, ou campos, que não são controláveis,

muito mais além do poder do “mercado”, por exemplo.

Holmgren, a seguir, fala de uma maneira inspirada e criativa de sua

formação ateísta e, humildemente, atesta como sua experiência permacultural tem

influenciado sua convicção

[…] tenho orgulho de minha formação ateísta, […] uma moldura éticapara um mundo racional; mas também aceito que, por meio doprojeto da permacultura, minha vida vai pouco a pouco sendo levadapara algum tipo de perspectiva e consciência espiritual que ainda nãoestá clara. (IBIDEM, p.54)

Indo além, Holmgren utiliza o pensamento sistêmico para desenhar um

gráfico, Figura 2 a seguir (IBIDEM, figura 5, p.55), onde aponta com esperança para

um “crescimento orgânico da espiritualidade sobre bases ecológicas” em

contraponto aos “embates cada vez mais estridentes entre os fundamentalismos

religiosos e científicos.” (IBIDEM, p.54) Neste gráfico27 ele inclui a “Psicologia

Junguiana” e a “Física Quântica” juntas com a “Ciência de design da Permacultura”

como partes de uma “Ciência Holística Emergente” em oposição dialética ao

“Materialismo da Sobrevivência.” (IBIDEM, p.55)

Como Mindell, um físico quântico, considera sua criação, o Trabalho

Processivo, ou Psicologia Orientada pelo Processo, como uma “filha” da Psicologia

Junguiana28 o próprio Holmgren já antecipara esta integração que aqui estamos

27 Holmgren comenta este gráfico da seguinte maneira: “Apesar de minha rotulação e disposição desses elementos serem um tanto arbitrária e não necessariamente compreendidas, considero essa representação gráfica útil para a localização da permacultura na tempestade conceitual dos nossos tempos.” (IBIDEM, p.54)28Conforme o livro de Julie DIAMOND e Lee Spark JONES, A Path Made by Walking, Portland: Lao

Tse Press, 2004, p. 3

41

propondo. Importante, no entanto é ressaltar que o Trabalho Processivo, superando

a Psicologia Junguiana, pode ficar, por justiça, logo abaixo de “Ciência espiritual de

Steiner” como uma proposta concreta (muito mais que uma tentativa) de união entre

a ESPIRITUALIDADE INCLUSIVA E ECOLÓGICA e a CIÊNCIA HOLÍSTICA

EMERGENTE do gráfico de Holmgren abaixo.

Posto isto tudo, utilizando a técnica do Trabalho Processivo de resolverFigura 2: União emergente entre materialismo e espiritualidade

42

conflitos, mesmo quando uma das partes envolvidas não reconhece estar em

conflito (quanto mais querer resolvê-lo!), simularei um diálogo entre uma

Organização (a visão organizacional dominante) e a Permacultura (Holmgren),

mediado pelo Trabalho Global (Arnold Mindell). Como criador deste “diálogo” não

posso me furtar de participar do mesmo.

As colocações da visão organizacional dominante / Organização, serão

parágrafos iniciados com O: as colocações da Permacultura, com P: do Trabalho

Processivo, com T: e as minhas, como parágrafos normais.

O: Nossa pesquisa mostra como “outras organizações podem

possivelmente aspirar ao duplo Nirvana” que a “Google alcançou em

2008”, “sucesso nos negócios e deleite dos empregados.” (AMABILE

E KRAMER), 2011, p.1, grifo nosso)

P: (Embora percebendo, de imediato, a impossibilidade física de

muitas outras organizações atingirem o patamar e o porte de uma

Google, o permacultor segue a “estratégia” recomendada pelo

Trabalho Processivo de falar a linguagem primária do cliente

[sucesso e deleite], para que ele mesmo, no tempo adequado,

descubra o que ainda não consegue ver no momento [limitações e

frustrações], passa a palavra a Mindell)

T: A metodologia recomendada para organizações que querem se

conhecer: pontos “fortes”, “fracos”, sua visão de mundo –

oportunidades e riscos, etc., é o Fórum Aberto: por definição,

reuniões democráticas, estruturadas, presenciais ou à distância, nas

quais todo mundo se sinta representado (MINDELL, 2002, p.3). Mas,

acima de tudo os Fóruns Abertos são facilitados de uma maneira

profundamente democrática, ou seja, de uma forma que os

sentimentos mais profundos e os sonhos mais delirantes possam

também ser expressos. (IBIDEM, p.vii)

43

O Fórum Aberto está para uma organização assim como o crescimento

interior está para um indivíduo, como se pode ver das colocações de Mindell:

T: Assim como o seu crescimento pessoal depende de quão abertovocê está para suas várias partes, sentimentos e figuras oníricas, oprocesso de auto-descoberta de uma organização depende de umaabertura para a diversidade de seus membros individuais e para adiversidade de seus mundos interiores e exteriores. (IBIDEM, p.3)

Mindell prossegue em sua explanação inicial:

T: A percepção consciente desta diversidade é multi-nivelada: É um

modo de notar culturas, idades, gêneros, raças, orientações sexuais,

religiões, cenários econômicos, trabalhos, habilidades, visões de

mundo e sonhos. “O Trabalho Processivo com organizações se

baseia na percepção consciente de, e no trazer à tona, a riqueza de

nossa diversidade e complexidade totais.” (IBIDEM, p.3)

A falta de lideranças conscientes é a razão de organizações que

enfrentam problemas se voltarem contra estes problemas e brigarem

contra seus conflitos, assumindo assim que a mera existência de

conflitos, por si só, é “ruim.” (IBIDEM, p.4, grifo nosso)

O: Bom, o segredo para o progresso das Organizações, revelado em

nossa pesquisa, é criar as condições para uma ótima vida interior

profissional

P: Que bom! Vejo que você descobriu a importância complementar

do design de “baixo para cima” (bottom-up).

E, para reforçar as raízes tradicionais da vida em grupo com a ciência

moderna, passa novamente a palavra a Mindell.

P: No entanto, se constata que até pessoas imobilizadas em

conflitos desejam, mais do que tudo viver numa comunidade global.

É realmente surpreendente uma leitura de que todos “estamos

44

esperando que o sentimento que experimentamos dentro da nossa

família nuclear se estenda a todas as pessoas de todas as raças e

nacionalidades.” (IBIDEM, p.144)

Para a teoria dos sistemas, o mundo é uma hierarquia interligada de

matéria e energia. Nenhuma parte desse sistema pode ser

entendida isoladamente; cada parte está ligada a todas as outras.

(IBIDEM, p.64)

Outra contribuição do Trabalho Processivo para a cultura de permanência

nas organizações é o treinamento de líderes para compreender as pessoas e ajudar

a mudança em seus grupos. (IBIDEM, p.4)

O: Que interessante sua observação! Verificamos que “[...] de todas

as sete empresas de nossa pesquisa diária, apenas uma […] tinha

altos executivos que consistentemente davam suporte às pessoas e

seus progressos. (AMABILE E KRAMER, 2011, p.158)

P: Temos a seguinte proposta, baseada na física quântica, na

psicologia moderna, na teoria da comunicação e na dos sistemas:

E dá a palavra a Mindell.

P: Ao invés de pensar nos termos do paradigma que condena o queestá acontecendo numa situação […] e implementar programas,métodos e procedimentos que implicitamente olham com desdémpara as pessoas envolvidas, o trabalho organizacional orientado peloprocesso descobre o poder de transformação que precisamos, naprópria tensão e no comportamento das pessoas. (MINDELL, 2002,p.4)

O: E isto funciona!?

P: Claro! Transformar reuniões chatas, tensas ou improdutivas de

uma organização em encontros excitantes e surpreendentes é

simplesmente a meta de um facilitador do Trabalho Global e isto sem

esforço, porém com a coragem de seguir experiências até então

45

apenas refletidas nos sonhos, às vezes alucinados, de seus

membros individuais. (IBIDEM, p.144)

O: Bom! Podemos ver que sua proposta suporta o que descobrimos,

podendo oferecer dois dos três eventos vitais para o progresso de

uma organização, além, naturalmente, da alegria, do engajamento e

da criatividade de nossos empregados. Mas, e quanto ao “sucesso

do negócio”? (AMABILE E KRAMER, 2010, p.1)

P: Sendo bem direto com você: “Em linguagem financeira, temos

vivido com base no consumo do capital global de uma maneira

temerária que levaria qualquer negócio à falência.” (HOLMGREN,

2013, p.85)

No entanto, reconhecendo outras possibilidades, dá voz novamente ao

facilitador do Trabalho Global:

T: Sua organização tem responsabilidade com a essência que a

gerou (embora nem sempre isto seja óbvio) e, com as pessoas que

a gerem, seus acionistas ou associados, (isto, além de óbvio, é

excelente!) O que propomos é que vocês se permitam dar voz e

considerar também o mundo exterior: comunidades próximas e

distantes que vocês influenciam e, o próprio planeta de onde vocês

extraem recursos. (MINDELL, 2008

Mindell prossegue, como que reforçando o processo primário (mais

próximo da consciência) das organizações, seu foco em seus resultados e a visão

geralmente unilateral.

T: E não pretendemos nem julgar você, nem defender ninguém,

muito menos o planeta, que sabe naturalmente como fazer isto.

Sabemos, porém, que se apenas vemos o processo em termos

polarizados como se os lados envolvidos, fossem “bons” ou

irremediavelmente “maus”, estaremos todos contribuímos com a

46

tensão e com a guerra entre os dois lados. (IBIDEM)

T: Porém, “mesmo um sistema harmonioso e balanceado precisa ter

uma flutuação dinâmica entre equilíbrio e caos se quiser crescer. O

problema é que os campos, inclusive a Terra, tem uma “tendência

auto-reguladora, e se ela será destrutiva ou construtiva dependerá

de nossa habilidade de intervir no [...] campo.” (IBIDEM, p.47)

E este equilíbrio, eu acrescento, precisa incluir, ainda mais, o (campo do)

meio ambiente, como já há bastante tempo, alguns cientistas nos advertem.

T: Certo! Até porque

(...) a teoria dos sistemas leva em conta que o meio ambiente é, emsi mesmo, um sistema vivo capaz de adaptar-se e de evoluir. Dessaforma, o foco muda da evolução de um organismo para a co-evolução de um organismo mais seu meio ambiente. (CAPRA, 1975apud MINDELL, 1992, p.87)

Considerar a Organização um organismo vivo é mais do que interessante,

não acha? Pergunto à “organização.”

O: Pode ser, mas como, na prática, podemos fazer isto?

Todos nos voltamos para continuar a ouvir Mindell.

T: No mundo atual

“boas” ideias não funcionam sem uma percepção consciente dacomunicação. Um dos lados, apenas, não pode verdadeiramenteganhar numa batalha. Da mesma forma um único método sozinhonão pode lidar com as questões humanas por muito tempo. De fato,nossas organizações não são mais localizadas (apenas) num lugar; ociberespaço mudou tudo isso! Não existem mais simples localidadesno mundo do segundo milênio. (MINDELL, 2002, p.5)

Se as organizações querem se conhecer profundamente, elas poderiam

utilizar Fóruns Abertos para compreender suas várias partes. “Fóruns Abertos são

encontros estruturados, democráticos, presenciais ou no ciberespaço, nos quais

todos se sintam representados.” (IBIDEM, p.3) Não é isso, Mindell?

47

T: Sim,

mesmo em situações sérias, Fóruns Abertos orientados peloprocesso podem mostrar os espíritos por detrás do ambiente de umaforma lúdica para revelar a organização como um ser global, oníricono meio do processo de auto-descoberta. Ao considerar o processodo grupo como um mestre, todos se tornam, no tempo certo,aprendiz e líder. (IBIDEM, p.5)

Um dos objetivos mais importante do Fórum Aberto, acredito, é: interagir

com a auto-regulação dos sistemas. Se Holmgren (2013, p.69) constata que a auto-

organização ocorre sempre que os fluxos de energia são suficientes para gerar

depósitos, Mindell (2008, p.104) acrescenta que a energia, fluxo da nossa

intervenção com a percepção consciente, influencia o campo, e evita que sua auto-

regulação seja destrutiva.

T: Exato!

A auto regulação só se torna sábia quando todas as partes de umsistema são encorajadas a se expressarem completamente por simesmas. Somente quando acionistas e baderneiros, governos eterroristas, explosividade e sensibilidade estiverem plenamentepresentes e apoiados, poderá um sistema resolver proveitosamenteseus próprios problemas. (MINDELL, 2008, p.48)

O: Muito interessante. E o que me diz das pessoas? Como facilitar o

sentimento de satisfação, interior e exterior, das pessoas?

Como a pergunta é claramente dirigida para o ambiente organizacional,

Holmgren, muito à vontade, e eu, cedemos a palavra a Mindell.

T: O sentimento de desesperança é um problema generalizado aoredor do mundo e que parece levar as pessoas a desistir de tentarresolver os problemas de sua própria família, deixar suasorganizações por conta delas mesmas, bem como suas cidades,nações e o próprio planeta. (MINDELL, 2002, p.118)

Uma forma imediata de lidar com a desesperança num espaço ouambiente de Fórum Aberto é perguntar as pessoas pelos sonhos quetem tido, sobre canções que surgem de repente em suas mentes,sobre suas habilidades de dançar e criar uma peça de teatro sobretemas do fórum depois que ele acaba. (IBIDEM, p.118)

Holmgren então prossegue.

48

P: Desta forma, a partir do olhar da Permacultura, veja que estamos

utilizando vários princípios do design: o 10 – Use e valoriza a

diversidade, no caso os diversos papéis dos sistemas envolvidos; o

9 – Use soluções pequenas e lentas; o 8 – Integre em vez de

segregar, ao dar voz aos ativistas e outros papeis, aparentemente,

opositores da Organização; o 6 – Evite o desperdício, ao aproveitar

ideias e pessoas que muitas vezes são rejeitadas só porque vem de

fora; o 5 – Use e utilize recursos e serviços renováveis, ao respeitar

a natureza seguir seu próprio curso; o 4 – Aplique auto-regulação e

aceite feedback, este principalmente, por pensar de cima para baixo

e permitir a ação de baixo para cima; e o 1 – Observe e interaja, ao

abrir sentidos e os canais de informação, e de interação reflexiva –

com o ambiente, com as pessoas e consigo mesmo através da

reflexão.

Puxa! (Virando-se para Mindell) Estou realmente impressionado com

o Trabalho Processivo! Não só por sua congruência com a

Permacultura, mas principalmente, devido às possibilidades de

diálogo que ele propõe e está mostrando agora!

O: Eu também estou! Mas, nos diga (virando-se para Mindell): com a

utilização do Trabalho Processivo em Organizações, como se dá

esta, digamos, transformação de uma Organização Tradicional em

uma Organização, como vocês dizem, Sustentável?

T: Ninguém gosta de estar numa empresa com problemas, numa

escola tiranizada por alguém ou numa organização que maltrata as

pessoas, não é?. No entanto, transformar estas situações não

requer pessoas extraordinárias:

A maior parte das experiências de grandes grupos que testemunheitem ocorrido com pessoas normais. Cada uma delas pôde encontrarestados extraordinários de realidade e criar centros numinosos,transformando o grupo numa comunidade. (MINDELL, 1992, p.145)

49

Os Fóruns Abertos aplicados em empresas, se diferenciam um

pouco de sua aplicação em comunidades, bairros e grupos

informais. Os Fóruns Abertos facilitam estas transformações tanto

processando problemas emergentes, quanto agindo

preventivamente, como “vacinas”, da seguinte maneira:

Vacinas são maneiras de evitarmos uma doença como a gripe, porexemplo. A vacina funciona dando a você um pouco da doença quevocê quer evitar. Através da pequena dose de gripe que você éinoculado na vacina, seu corpo aprende a se proteger por ele mesmocontra uma gripe maior. O mesmo raciocínio ou método é válido paraproblemas organizacionais, violência e até a guerra. Metodologias doTrabalho Processivo para grupos e organizações, como o FórumAberto tendem a prevenir a violência dando às pessoas umapequena quantidade do problema potencial na forma de umadiscussão energética. Através daquela pequena dosagem doproblema, o corpo organizacional aprende a se defender, por elemesmo, contra um problema maior. (MINDELL, 2002, p.147)

E encerro este 'diálogo' com uma reflexão de Mindell que traduzi e faço

também minha

Nossos atuais sistemas internacionais, legais e políticos, estãodominados por processos que estão além da determinação do que é“a verdade”, de quem está certo e de quem está errado. […](portanto) não há uma equidade final num rude conflito adverso. Umsenso de justiça surge apenas em conexão com a comunidade, coma paz interior da mente, com relacionamentos progressivos esustentáveis e Trabalho Global que processe a tensão entre osgrupos. (MINDELL, 2008, p.201)

Precisamos, de fato, redescobrir e criar diariamente rituais, no cerne de

nossos problemas locais e até mesmo mundiais. Transformar, no caso das

organizações, reuniões repetitivas e hierárquicas em ritos de encontro e motivação

como recomendam de um lado, Amabile e Kramer (fig. 4-3, p. 85) e de outro, como a

prática demonstra ser as reuniões que utilizam a metodologia dos Fóruns Abertos.

Uma metodologia profundamente democrática que respeita todos os

papeis do campo organizacional e ainda inclui, com o mesmo respeito, os papeis do

meio ambiente e da sociedade que circundam e permeiam a organização.

50

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A principal contribuição deste trabalho é mostrar como a Permacultura

pode ser uma opção de ferramenta metodológica, com a utilização do Trabalho

Global, para aplicação imediata em organizações, mesmo as que sigam o modelo de

crescimento industrial.

A proposta está baseada em dois anos de estudo e contato aprofundado

da Permacultura, em 14 anos de prática e estudo do Trabalho Processivo e em sete

anos de prática do Trabalho Global com organizações empresariais, sociais e rurais,

formais e informais. Os anexos de “A” a “G” mostram fotos representativas desta

experiência.

Ela parte do princípio dialético de que, sendo a Permacultura, como o

movimento ambientalista, uma antítese (incompatível, como toda e qualquer boa

antítese) à Visão de Organização Dominante (a tese), precisa falar uma linguagem

comum e aceita por esta (ou seja, uma síntese). Nossa proposta parte da atitude da

Democracia Profunda, aquela que apoia um lado, e depois todos os outros.

Depois de apresentar a Permacultura, ressaltando tudo que se refira às

organizações, e apresentar o conceito de organização, apresentei o Trabalho

Processivo e sua aplicação ao social – o Trabalho Global, também enfatizando seu

aspecto organizacional.

Apresentei então, o que denominei Visão Organizacional Dominante, a

organização do tipo lucrativa falando de si mesma a partir da mais conceituada

faculdade de negócios do mundo atual. Seus “sonhos” e suas “receitas de sucesso.”

E finalmente, o diálogo! Facilitei um intenso e profundo debate entre estas

polaridades ou papeis que, na vida real precisa acontecer sob pena de tornarmos

irreversível a insustentabilidade de grandes organizações e do meio ambiente e a

destruição continuada de vidas inocentes.

Sinto-me agradecido pelo curso de Especialização em Permacultura ter

51

me proporcionado uma reaproximação de vários conhecimentos anteriores, todos

valiosos e significativos. Ao mesmo tempo, permitindo e facilitando a consolidação

de minha teoria e prática do Trabalho Processivo com o Trabalho Global, ao

possibilitar a revalidação de todos aqueles conhecimentos.

Cada um de nós e cada Organização é responsável pelo campo global de

nosso planeta. Isto implica que deveríamos considerar questões globais, existenciais

e profundas. Qual o nosso papel na Terra agora? O que o destino, o momento, e

seus sinais estão pedindo ao nosso grupo, à nossa Organização, para fazer?

A Permacultura, a consciência individual e a consciência organizacional já

representam Trabalho Global. O que fazemos neste momento impacta o mundo.

Nossos sentimentos e emoções são os sentimentos de uma parte do mundo

tentando se harmonizar com outras partes. O modo como lidamos conosco mesmos

organiza o desenvolvimento do mundo.

Nossa proposta é que as Organizações, com a utilização regular de

Fóruns Abertos, mais do que cumprir seus objetivos, concretizem sua essência que,

além de ter originado sua existência, é fonte inesgotável de vida, de realização e de

contentamento.

52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMABILE, Teresa; KRAMER, Steven. The Progress Principle: using small wins to ignite joy, engagement, and criativity at work; Boston: Harvard Business Review Press, 2011.

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis:Vozes, 1999.

DIAMOND, Julie; JONES, Lee Spark. A Path Made by Walking: Process work in practice; Portland:, Lao Tse Press, 2004

HOLMGREN, David. Permacultura: princípios e caminhos além da sustentabilidade;tradução Luzia Araújo - Porto Alegre: Via Sapiens, 2013.

MINDELL, Arnold. Process Mind: a user's guide to connecting with the mind of God.Wheaton, IL: First Quest, 2010.

______. A Liderança como Arte Marcial: técnicas e estratégias para resolução de conflitos; tradução Raul Armando Monteiro Júnior – Fortaleza: Janus, 2008.

______. The Deep Democracy of Open Forums: practical steps to conflict prevention and resolution for the family, workplace, and world. Charlottesville: Hampton Roads, 2002

______. O Ano I: rumo ao processo global; tradução Maria Sílvia Mourão – São Paulo: Summus, 1992.

53

ANEXOS

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ANEXO A

Foto 1: Planejamento Ábaco1999

55

ANEXO B

Foto 2: Trabalho Global Ábaco 2013

56

ANEXO C

Foto 3: Intensivo com Arnold Mindell 2007

57

ANEXO D

Foto 4: Vídeo Conferência Arnold e Amy Mindell 2011 Debate

Foto 5: Vídeo Conferência Arnold e Amy Mindell 2011 Grupos

58

ANEXO E

Foto 6: Seminário na FA7 Stanford Siver 2009

59

ANEXO F

Foto 7: Cuidando do Cuidador MSMC Bom Jardim 2013

60

ANEXO G

Foto 8: "Afinando" equipe política 2014