perguntei se todas iam a alvorada, dona maria respondeu que: – nóis é os primeiro, a festa é...
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Perguntei se todas iam a alvorada, Dona Maria respondeu
que: “ – Nóis é os primeiro, a festa é nossa, uai.” Daí
Dona Ana e Dona Regina, falam por si. Disseram elas que
passam toda noite acordadas com os preparativos da
festa e que só vão dormir quando a alvorada já está
saindo. Eliana diz querer dormir um pouquinho neste
momento para não ficar com a cara muito feia, mas que
não deixa de participar pelo menos um pouco.
Dona Ana disse passar toda a noite nos preparativos da
Festa, porque segundo ela, sempre falta algo de última
hora: uma roupa por costurar, colchetes por pregar, roupa
pra passar, capacetes pra limpar, detalhes da missa, etc.
No último ano ela disse não ter ido à alvorada por ter ficar
tomando conta “dos menino que ficaram dormindo” (os
netos).
Eliana neste momento diz que os preparativos valem a pena,
daí comenta da novena e diz que devíamos ir assistir ao menos
uma para ver como é que é. Ela diz que o único evento que
realmente enche a Igreja durante dias de semana é a novena de
Nossa Senhora do Rosário, que nenhum evento de São José, São
Sebastião ou qualquer outra coisa enche tanto a Igreja. Ela diz
satisfeita que, num conselho da Igreja do qual ela faz parte,
salientaram que o único mês que a Igreja realmente fica cheia é
o de outubro, onde ocorre a Festa do Rosário. Disse ainda
existirem pessoas de comunidades rurais um pouco distantes
que só aparecem na Igreja neste período.
Ao retomar o mapa, as “guardiãs” narraram que depois da
alvorada há o almoço e em seguida começa a se apanhar os
reis festeiros em suas casas. As mulheres começam então a
desenhar as ruas do distrito de uma forma muito distinta do que
os homens fizeram.
Embora diferente da racionalidade dos “guardiões”,
entretanto, o mapa era muito coerente para as mulheres, os
traços no mapa eram totalmente legíveis para todas, elas
chegavam a comentar que Dona Maria estava conseguindo
fazer as voltinhas do mapa “igualzinho” era na realidade.
Esta última, enquanto deslizava o pincel por sobre o papel ia
narrando os espaços que representava: “ – Aqui é a casa da
Rainha. Aqui atravessou! Oh, rua de Tia Alaídia, casa de
Cumade Nem, aquele morro, aquele lugar de Juquita. Agora
aqui, a casa de Tia Alaídia.” Ela aponta então o lugar em que
termina a alvorada, que é após a Rua Alaídia, na casa de Seu
Zeca. Durante este movimentar do pincel as mulheres iam
completando os dizeres da Rainha Congo.
Ela dizia: “ – Aquele morro”, as mulheres respondiam: “ – Que
vai para minha casa.” Algum nome que ela esquecia elas
também acrescentavam.
Mapa elaborado pelas mulheres. Dona Maria e Eliana fizeram o traçado
das ruas, mas se recusaram a fazer qualquer desenho. Dona Ana e
Dona Regina não se dispuseram a pegar no pincel.
Eliana comenta que ainda faltaram algumas ruas, as mulheres
respondem que faltavam ainda ruas por demais, mas que não
caberia e não seria necessário colocar todas as ruas. Dona
Regina comenta que os homens conseguiram colocar todas as
ruas do distrito, as outras mulheres começam então fazer
algumas especulações junto à ela sobre a forma do outro
mapa. Eliana diz não ter problemas se faltasse alguma coisa
no mapa delas, pois eu poderia copiar do mapa dos homens
se necessário.
As mulheres nesta hora começaram a recapitular as ruas que
desenharam. Eliana disse que faltaram ruas demais, mas que
seria realmente impossível desenhar todas estas, mas com ar
de surpresa colocou que foi engraçado os homens terem
conseguido.
Durante o mapeamento eu fazia questionamentos sobre a
localização de algumas casas em relação à outras, mas não
conseguia acompanhar o pensamento delas, porque realmente
algumas das colocações que elas faziam não possuíam
correspondência espaciais (se é que isso existe). A praça da
Igreja por exemplo ficava muito longe da Igreja.
Ao final do mapa Eliana me pediu confirmações se o mapa
delas havia ficado correto ou parecido com o dos homens;
Dona Regina lembra mais uma vez que possuía mais ruas.
Dona Maria diz que não poderia fazer nada quanto ao nome
das ruas, porque ela não sabe mesmo. Ela diz que conhece ali
por nome somente o Beco, a Rua do Labrobô e a Rua de Tio
João Batista. Dona Ana diz que só não se esquece da rua que
ela nasceu, o Beco.
Dona Maria lembra que na verdade o que agora eles
chamam de rua não eram ruas, eram matas; daí as
mulheres também contam a história do candeeiro, que no
passado a festa era iluminada com bambus com chamas
em suas pontas sustentadas por querosene. As casas eram
todas de sapé ou barriadas, só a Igreja e algumas casas
não eram neste padrão.
Eliana conta que antigamente, quando chegava a época de
chuva, todo fim de semana as pessoas se juntavam para
reformar as casas barreadas que estavam por cair. Seu
tom é de nostalgia, exclamando frases de saudosismo: “ –
Como era gostoso!”
Dona Maria sempre morou em Viçosa, ela disse que Seu
Dola e Seu Zeca ajudaram-na construir sua casa no
Rebenta Rabicho, que nesta época era um grande pasto
com um número reduzido de casas.
Eliana falou um pouco sobre as condições de vida de sua
família no passado. Segundo ela, eles “viviam como bichos”,
muita dificuldade com comida, com casa, com época de
chuva. Disse que hoje não pode reclamar de nada porque
está vivendo muito melhor.
Dona Ana contou que ela e Dona Regina “pegaram a mexer”
com o Congado depois que a sogra delas, Cumá Cecília,
faleceu. Depois deste falecimento a responsabilidade de
guardar as coisas do Congado passaram a ser delas: coroa,
capa, bandeira... Eliana é quem mexe com o trono e os
reinados. (Eliana, Deus e Nossa Senhora). Em setembro ela
se reunirá com o reinado para tratar do aluguel das roupas.
Eliana ao falar das meninas do reinado diz que a
responsabilidade sobre elas é toda dela, se qualquer coisa
der errado ou se alguém não cumprir com os
compromissos de aluguel, a responsabilidade para não
deixar o Congado passar vergonha é sua.
Ela disse inclusive ter que dispensar uma quantidade de
meninas que querem entrar no reinado por que são em
número elevado.
As mulheres disseram, também, receber um número muito
grande de pessoas de outras cidades, Belo Horizonte, Rio
de Janeiro... São todos parentes, mais de trezentos que
têm de ser alojados e alimentados.
Dona Regina diz que além de cuidar da roupa de São Dola
sempre acaba por arrumar roupas de pessoas que chegam
de última hora, ela diz já deixar um saco de camisas limpas
para aqueles que chegam necessitando de preparativos
para a Festa. Dona Maria, meio que se sentindo incomodada
por as mulheres estarem dizendo seus papéis na
organização da festa diz que:
“ Eu só dou foguete, mais nada, e boca pra comer e cama
pra dormir.” As mulheres dizem então que com isso ela já
ajuda demais.
As “guardiãs” perguntam à Dalva se ela já acompanhou
alguma Festa ali, esta diz que mudou para Viçosa este ano e
conta um pouco sobre a guarda feminina de Belo Horizonte.
Dona Maria disse que é o que as pessoas chamam de
“Congada”.
Elas contam que ali as mulheres só participam enquanto
porta bandeira, componentes do reinado “e a Rainha”,
completa Dona Maria. Eliana diz ter conhecimento que em
Santana do Divino, na cidade de Rio Doce onde está sendo
reavivado o Congado, a banda é mista; assim como em
Airões e Urucânia. Dona Maria disse saber que no Serro são
somente homens que participam da banda.
Eliana fez observações de que não importa se é homem ou
mulher que estão dançando, chamar-se-á de congado ou
congada. Ela conta o mito fundador ocorrido no espaço
africano de maneira idêntica à que Seu Dola e Seu Zeca
narram.
Tentei ao final marcar uma data para realizar a caminhada, expliquei
que a idéia era percorrer o caminho da alvorada. Dona Maria foi a que
mais ofereceu resistência; disse que tudo já estava no mapa e que ela
não sabia o nome de todas as ruas, e no mais, no dia da Festa ela
poderia me mostrar as ruas.
Ao final do mapeamento o
ensaio ainda não havia
terminado.