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Edição comemorativa dos 10 anos da revista Abel Carlevaro; Adriana Balboa; Alvise Migoto; Angela Muner; Antonio Carlos Guedes; Antonio Crivellaro; Carin Zwilling; Carlos Alberto Carvalho; Carlos Barbosa Lima; Cláudio Arone; Daniel Wolf; David Russel; Douglas James; Duo Assad; Duo Barieri-Schneiter; Edelton Gloeden; Eduardo Castañera; Eduardo Fernandez; EGTA; Ermano Chiavi; Everton Gloeden; Fábio Shiro Monteiro; Fábio Zanon; Fernando Araújo; Francisco Araújo; Frank Koonce; Geraldo Ribeiro; Géris Lopes; Giacomo Bartoloni; Henrique Pinto; Ilse Colares; Jaime Zenamon;Jiro Hamada;Jodacil Damasceno; John Holmquist; José Franco; Joseph Baldassarre; Julian Gray; Léo Soares; Luiz Cláudio Ferreira; Luiz Mantovani; Luiz Pepineli; Manoel São Marcos; Margarita Escarpa; Maria Livia São Marcos; Mário da Silva; Maurício Carrilho; Nicolas de Souza Barros; Orlando Fraga; Oscar Ghiglia; Paul Galbraith; Paulo Amorim; Paulo Bellinati; Paulo Pedrassoli; Paulo PortoAlegre; Pedro Cameron; Quarteto Brasileiro; Quaternaglia; Roberto Gomes; Sérgio Abreu; Stephen Robinson; Turíbio Santos Coletânea com todos os depoimentos já publicados na revista de 1993 a 2004

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Page 1: Perfil-Entrevistas

Edição comemorativa dos 10 anos da revista

Abel Carlevaro; Adriana Balboa; AlviseMigoto; Angela Muner; Antonio Carlos Guedes;

Antonio Crivellaro; Carin Zwilling; Carlos AlbertoCarvalho; Carlos Barbosa Lima; Cláudio Arone;Daniel Wolf; David Russel; Douglas James; DuoAssad; Duo Barieri-Schneiter; Edelton Gloeden;Eduardo Castañera; Eduardo Fernandez; EGTA;Ermano Chiavi; Everton Gloeden; Fábio Shiro

Monteiro; Fábio Zanon; Fernando Araújo; FranciscoAraújo; Frank Koonce; Geraldo Ribeiro; Géris Lopes;

Giacomo Bartoloni; Henrique Pinto; Ilse Colares;Jaime Zenamon;Jiro Hamada;Jodacil Damasceno;

John Holmquist; José Franco;Joseph Baldassarre; Julian Gray; Léo

Soares; Luiz Cláudio Ferreira; LuizMantovani; Luiz Pepineli;

Manoel São Marcos;Margarita Escarpa; MariaLivia São Marcos; Mário

da Silva; Maurício Carrilho;Nicolas de Souza Barros;

Orlando Fraga; OscarGhiglia; Paul Galbraith; PauloAmorim; Paulo Bellinati; Paulo

Pedrassoli; Paulo PortoAlegre; PedroCameron; Quarteto Brasileiro;Quaternaglia; Roberto Gomes;

Sérgio Abreu; Stephen Robinson; Turíbio Santos

Coletânea com todos os depoimentos já publicados na revista de 1993 a 2004

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ÍndiceA

ABEL CARLEVARO pág. 4Adriana Balboa pág. 6Alvise Migoto pág. 8

Internet edição 07 pág. 10Angela Muner pág. 13Antonio Carlos Guedes pág. 15Antonio Fioravante Crivellaro pág. 17

C

Carin Zwilling pág. 22Carlos Alberto de Carvalho pág. 25Carlos Barbosa Lima pág. 27Cláudio Arone pág. 39

D

Daniel Wolf pág. 41David Russel pág. 44Douglas James pág. 50Duo Assad pág. 51Duo Barbieri-Schneiter

Edição 12 pág. 53Edição 41 pág. 55

E

Edelton Gloeden pág. 59Eduardo Castañera pág. 60Eduardo Fernandez pág. 63EGTA pág. 66Ermano Chiavi pág. 70Everton Gloeden pág. 71

F

Fábio Shiro Monteiro pág. 73Fábio Zanon pág. 76Fernando Araújo pág. 92Francisco Araújo pág. 94Frank Koonce pág. 98

G

Geraldo Ribeiro pág. 103Géris Lopes pág. 107Giacomo Bartoloni pág. 109

H

Henrique Pinto pág. 111

I

Ilse Breitruck Colares pág. 116

J

Jaime Zenamon pág. 118Jiro Hamada pág. 127Jodacil Damasceno pág. 128John Holmquist pág. 130José Franco pág. 136Joseph Baldassarre pág. 140Julian Gray pág. 142

L

Léo Soares pág. 143Luiz Cláudio Ribas Ferreira pág. 145Luiz Mantovani pág. 147Luiz Pepineli pág. 151

M

Manoel São Marcos pág. 153Margarita Escarpa pág. 155Maria Livia São Marcos pág. 157Mario da Silva Jr. pág. 162Maurício Carrilho pág. 165

N

Nicolas de Souza Barros pág. 167

O

Orlando Fraga pág. 169Oscar Ghiglia pág. 171

P

Paul Galbraith pág. 174Paulo Amorim pág. 180Paulo Bellinati

Edição 16 pág. 183Edição no. 35 pág. 185

Paulo Pedrassoli Jr. pág. 188Paulo Porto Alegre pág. 190Pedro Cameron pág. 191

Q

Quarteto Brasileiro pág. 194Quaternaglia

Edição 18 pág. 200Edição 25 pág. 202Edição 30 pág. 204Edicao 47 pág. 206Internet Edição 02 pág. 210Internet Edição 07 pág. 214

R

Roberto Gomes pág. 219

Page 3: Perfil-Entrevistas

S

Sérgio Abreu pág. 221Stephen Robinson pág. 226

T

Turíbio Santos pág. 228

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Perfil - 4

Durante os três dias de sua presença no FestivalSESC, convivendo com violonistas de várias gera-ções, Carlevaro esteve sempre empolgado com seutrabalho, deixando transparecer o seu contentamen-to. Se tivéssemos que resumir sua estada aqui emuma palavra-chave, esta seria: incentivo. Desde amais simples peça até obras de dificuldade foramouvidas em masterclasses, seguidamente elogiadase aplaudidas por ele. Não cansou de elogiar a clas-se de violonistas brasileiros, que conhece muito,sem dúvida, e que ajudou a formar. O jovem violo-nista de 17 anos, Vladimir Melander, de São Paulo,por exemplo, ficou muito emocionado pela oportu-nidade de tocar o prelúdio “Evocación” para omestre uruguaio, e de ter recebido belas palavrasde incentivo: “Para mim, foi como se ele fosse umparente meu , o meu avô, a quem se quer bem e foiuma oportunidade única tocar a música dele e aolado dele”.Veja agora a entrevista concedida por AbelCarlevaro ao Violão Intercâmbio.

- O senhor tem idéia de em quantos lugares nomundo seus métodos já foram conhecidos?Bem eu comecei a editar os livros em Espanhol, de-pois em Inglês, e atualmente está editado em Chi-nês, Coreano, Japonês, Alemão e Francês. Na Ale-manha há um instituto que é uma fundação naSaxônia para fundamentar minha escola, fazer co-nhecer.

- Como está o mundo violonístico na atualidade?Está muito bem, há uma enorme quantidade de gente.Eu venho de tocar na China, em Taipé, que tem umteatro lindíssimo, com 2500 lugares, e estava lotado.Muitos jovens e com um entusiasmo enorme.

Abel Carlevaro* Entrevista publicada na ediçãono. 25 - Set/Out 1997 com o título“Carlevaro demostra jovialidade”por Teresinha Prada e GilsonAntunes

- O senhor fez a estréia mundial dos Prelúdios deVilla-Lobos. O que pode contar a respeito?De Villa-Lobos posso falar muito, pois ele foi meuprofessor, ensinou-me seus Prelúdios e seus Estu-dos. Me convidou para ir ao Rio de Janeiro, ondeestive trabalhando com ele, e tenho em meu poder,presenteado por ele, manuscritos originais. Maisadiante eu vou entregá-los ao Museu Villa-Lobos,que não os tem, mas por ora estão comigo.

- E quanto à história do Prelúdio 6?O Prelúdio 6 me parece que não tem a ver comestes cinco Prelúdios. Porque a primeira obra queele fez, comentava comigo o amigo Villa-Lobos,teria sido um Prelúdio que se chamava “Panqueca”porque um dia ele escapou de sua casa, com oviolão, e recordou sua mãe que lhe fazia panque-cas, fez então um prelúdio para violão que chamou“Panqueca”, que se perdeu.

- E sobre Segovia?Bem eu trabalhei com ele e quero dizer que foi umgrande talento, mas o melhor que ele me deixou foia disciplina. Foi muito disciplinado e eu aprendi aser disciplinado para trabalhar. Ainda que eu toda-via não seja disciplinado de todo (risos).

- E sobre os violonistas latino-americanos, euro-

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peus e norte-americanos? Pode apontar diferen-ças estéticas entre eles?Há diferenças sim entre Norte, Europa e Sul, salvoraras exceções. Na América do Sul, tem-se o violãocomo um conceito mais interno, de coração, de sen-timento, não é tão assim mecânico. E isso é muitoimportante porque o violonista tem que oferecer umaparte sentimental, queira ou não, é isso, a músicachega, é transmitida desta forma. Ainda que semser igual, considero que há muitos bons violonistasem Europa e América do Norte, muitos discípulosmeus.

- E sobre Camargo Guarnieri?Camargo Guarnieri conheci aqui em São Paulo. Erauma pessoa muito simpática, muito bom músico, seique faleceu há pouco. Quando estive aqui, ele es-creveu para mim um Ponteio, tenho o original emcasa, e eu gravei em um compact feito na China.Muito bonito este Ponteio.

- E sobre os Seminários de Violonistas de PortoAlegre o que pode falar?Eu comecei a dar Seminários em Porto Alegre, e de-pois em outros lugares. Também fiz aqui em SãoPaulo, convidado por alguns professores comoHenrique Pinto - que sei ter formado muitos violo-nistas. Em Porto Alegre estive vários anos na dire-ção do Seminário - 69 a 74 mais ou menos. Cincoanos que estive lá. E vou a Porto Alegre agora emagosto, convidado, mais uma vez, pelo Palestrina.

- Quais são suas idéias para o futuro?Estou trabalhando muito. Estou compondo uma obrapara quatro violões e violão solista, que vai ser to-cado com um quarteto, em Los Angeles, devoterminá-lo até o primeiro ou segundo mês do anoque vem. Estou compondo os “Microestudios”, queestou tocando os primeiros que fiz, que já foram in-cluídos no programa de obras obrigatórias no RoyalCollege de Londres. Estou escrevendo também paraorquestra, com violão, que seria o meu terceiro con-certo.

- E livros?Terminei agora “Mi Guitarra e Mi Mundo”, que con-siste em anedotas, coisas com Villa-Lobos, conse-lhos que dou aos violonistas. Gostaria de editá-loem Português também. Gostaria que alguma boa

editora se interessasse. Seria muito importante paramim.

- Para nós também.Estive muito tempo no Brasil, considero quase comominha pátria. Estou muito contente aqui. Não faloPortuguês, mas entendo muito bem.

- E sobre o futuro do violão?O futuro do violão é muito bom. Porque o violãonão permanece quieto. O violão sempre se transfor-ma. Há muitos instrumentos que são só uma coisa,mudam os tempos e não lhes é permitido amoldar-se aos novos tempos. O violão permite amoldar-se.É um instrumento muito dócil, tanto para o campo-nês - o caipirinha - que toca seu violão em toda aAmérica do Sul, como para um concerto clássico,como para outras coisas. É muito amoldável, é comoa água que se amolda em qualquer recipiente.

- Então o senhor não é contra a tendência fusion,a fusão de vários estilos?Não, não. A mim me interessa a boa música, de qual-quer estilo que seja, mas que seja boa música. OBrasil é inteligente e a música popular a fazem mui-to bem também.

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Adriana Balboa* Entrevista publicada na edição no. 44 - Nov/Dez 2000por Géris LopesA violonista uruguaia Adriana Balboa estáradicada há seis anos em Berlim. Suas atividadesdividem-se entre concertos solos e de música decâmera, além de ser professora. Adriana estudoucom alguns dos grandes nomes de violão na atua-lidade, como Álvaro Pierre, Manuel Barrueco, Jor-ge Zárate, Eduardo Fernández e Hubbert Käppel.Já foi premiada em vários concursos e agora estátrabalhando no lançamento de seu primeiro CDsolo, Sur, todo dedicado a obras de compositoresda Argentina, Brasil e Uruguai. Ela esteve no suldo Brasil em finais de agosto para apresentaçõesna programação do “Violões in Concert” de Caxiasdo Sul e em Porto Alegre. Nosso colaborador GérisLopes fez uma entrevista com essa talentosa intér-prete.

- Como foi seu início de estudos?Foi no Uruguai, comecei a estudar muito jovem, com aidade de 7 anos em um conservatório, no qual tive umaprofessora de violão que se chamava Maria Cáceres.Quando tinha 12 anos comecei a me interessar maispela música popular; quis aprender a cantar canções ea acompanhar-me ao violão. Então fui a outro profes-sor, mas naquele momento ele estava muito ocupadocom a gravação de seu disco e este meu primeiro in-tento de aprender a cantar não funcionou muito bem.Ao final de alguns anos deixei de tocar o violão porquecomeçava o ginásio, algumas coisas mais complicadase uma época difícil - a adolescência, sob todos os pon-tos de vista, e deixei de tocar o violão. Aos 15 anoscomecei a interessar-me de novo e fui ter aulas comum professor que era um ex-aluno de Atílio Rapat,Odair Oroná, e aí começou meu interesse muito fortepelo violão, até o ponto em que pensei na possibilidadede estudar violão na Escola Universitária de Música.Este professor me preparou para o exame de ingressonaquele momento e na Escola passei a estudar mais.Quando ingressei justamente começava a dar aulasEduardo Fernández e ele foi meu professor nos pri-meiros anos, logo Eduardo foi para a Colômbia por umtempo aí passei a ter aulas com Mario Paysee, outro

professor muito bom do Uruguai, além de aulas tam-bém com Ramiro Agriel, mas digamos que naquelemomento meu professor fundamental era EduardoFernández. Logo em seguida, tomei algumas aulas par-ticulares com Abel Carlevaro e tratei de assistir a to-dos os cursos possíveis. Aos Estados Unidos fui duasvezes, ao Camping Musical Bariloche, em que esta-vam Martinez Zárate e Graciela Pomponio como do-centes, outra vez estava Hopkinson Smith, e tive umalinda experiência em Brasil, no Seminário do LiceuPalestrina, que se fazia em Porto Alegre, no qual foi aprimeira vez que vi tantos violonistas - tive a oportuni-dade de ter contato com 150 violonistas no curso deviolão, e ademais com concertistas de primeira linhacomo Roberto Aussel, Duo Assad... Foi uma experiên-cia muito, muito boa, foi a primeira vez que escuteitantos concertos de violão tão bons em tão pouco tem-po.

- Por que decidiu estudar na Europa e escolheua Alemanha?Quando terminei meus estudos em Montevidéu penseina possibilidade de estudar fora do Uruguai. Obtivematerial de escolas nos Estados Unidos, em distintos

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países da Europa, e fiquei muito impressionada comtodo o movimento musical que existe na Alemanha, in-clusive já no Uruguai ouvia muito todos os discos deorquestras alemãs, e em determinado momento penseique seria uma excelente opção tratar de ir a Alema-nha. Apresentei pedidos a várias bolsas, para a Espanhatambém, porque tinha contato, tinha estado no Seminá-rio de Santiago de Compostela, com Jose Luis Rodrigo,e era uma outra possibilidade, mas creio que foi a me-lhor opção ter ido a Alemanha.

- Que compositores você interpreta nestes recen-tes concertos em Montevidéu, Porto Alegre eCaxias do Sul?Terminei de gravar um disco em fins de julho e o queestou tocando nesses concertos é justamente o materi-al desse disco, Sur, meu primeiro CD de violão solo,que é de música do Rio da Prata. Eu interpreto compo-sições de alguns autores uruguaios não tão conhecidoscomo Jaure Lamarque-Pons, outro mais conhecidos,talvez um dos importantes do Uruguai, como EduardoFabini, de Abel Carlevaro também, e algumas outrascomposições de Aníbal Troilo, arranjadas para violãopor Agustín Carlevaro, e logicamente não poderia fal-tar o grande violonista sul-americano Agustín Barrios,que, embora não sendo rio-platense, viveu muito anoem ambas as margens do Rio da Prata, tanto emBuenos Aires quanto Uruguai, era muito boêmio e creioque tinha um grande contato com o Uruguai. Dizemque a Catedral foi escrita inspirada na Catedral deMontevidéu e as duas obras que gravei de Barrios muitoprovavelmente foram compostas no Uruguai ou na Ar-gentina porque são dois tangos, a dança da moda da-quela época.

- Então essa foi a idéia original, gravar composi-tores sul-americanos da região do Rio da Prata?Sim. Foi a idéia motora, embora minha primeira idéiafosse gravar somente compositores uruguaios, masdepois resolvi ampliar os horizontes. Outra coisa queincluí no disco, e que gosto muito, são as Cinco Piezaspara Guitarra de Astor Piazzolla.

- Como surgiu este convite para vir tocar aquino sul do Brasil?Bem, em Caxias devo a você, Géris, este convite. EmPorto Alegre, foi por meio de um ex-companheiro deestudos, Daniel Wolff, que estudou também em Mon-tevidéu. E depois daqui vou a Montevidéu, no Festival

de Guitarra, que já participo pela segunda vez e é paramim uma felicidade e uma honra continuar participan-do deste festival.

- Poderia falar sobre esse “Quarteto Latino-ame-ricano de Guitarras”, do qual você participa, ecomo começaram?Para mim é muito bom, porque eu estou radicada háquase seis anos em Berlim e neste grupo somos todoslatino-americanos de distintas partes: um violonistaequatoriano; José Vítores, um guatemalteco: RenéToriello, um argentino: Pablo Garcia e eu que sou uru-guaia. Os ensaios logicamente são em espanhol, nosdivertimos muito, tocamos música latino-americana,realmente estou muito contente de fazer parte destegrupo e ademais oferecemos algo na Alemanha quenão é o mais freqüente, é uma coisa diferente e poresse lado é uma coisa muito positiva.

- Que concertos tem na Europa?Na Europa agora tenho em Berlim o meu concerto delançamento deste CD. Espero poder repetir este con-certo em outras cidades da Alemanha.

- Quer deixar alguma mensagem aos violonistas?Creio que uma coisa muito importante é dizer-lhes quedesfrutem dos concertos ao vivo, que oferecem umaquantidade de aspectos que não dá para se perceberem uma gravação, e que é muito bonito, e desejo queos violonistas ampliem seus horizontes, que possam vi-ajar; dentro da América do Sul mesmo, por exemplo,há uma boa quantidade de cursos de violão e isso é umenriquecimento sem igual.

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Alvise Migoto* Entrevista publicada na ediçãono. 33 - Jan/Fev 1998 com o título“Alvise Migoto e a Fare Arte”por Gilson AntunesToda a movimentação e agitação com a vinda deDavid Russell ao Brasil foi um fato admirável, comotodos já sabem. O que poucos sabem é que isso sófoi possível pelo fundamental empenho de um dosmais interessantes violonistas em atividade no Bra-sil, o canadense Alvise Migotto, juntamente com suaesposa , Ana Cláudia Agazzi (aliás, uma excelentepianista) através de uma empresa cultural conce-bida pelos dois, a FARE ARTE.Alvise já mora há mais ou menos 5 anos no Brasil,mas infelizmente suas atividades musicais por aquinunca foram das mais intensas, por um motivo oupor outro. Logo que chegou, quando ainda nãosabia falar português, deu um ótimo masterclassna Universidade Estadual Paulista (UNESP) paraos alunos do curso de violão, que já haviam se es-pantado com o grande currículo do violonista. Logoem seguida foi a vez de recitais no Teatro Munici-pal de São Paulo e no Seminário Internacional deViolão do Festival de Inverno de Campos do Jordão,para uma atenta platéia de estudantes. Depois dis-so, alguns outros recitais (inclusive no Encontro deViolonistas da UNESP), e, para deleite de muitos,o mérito de trazer Hubert Käppel ao Brasil pelaprimeira vez, já demonstrando muita seriedade eorganização. Mais recentemente participou comextrema competência do corpo de jurados do 2oConcurso de Violão Musicalis.Mas vamos ao currículo por extenso: Nascido emToronto, Canadá, Alvise teve como principal pro-fessor Eli Kassner. Fez o bacharelado em músicana Universidade de Toronto e, posteriormente, omestrado (Master of Music in Performance Degree)na respeitada Manhattan School of Music, em NovaYork. Estudou intensivamente na Europa com gran-des professores como Oscar Ghiglia na AccademiaMusicale Chigiana, em Siena, Itália, além de LeoBrouwer, Oscar Cáceres (IV Curs Internacional

d’interpretacio Musical, Girona) e Sharon Isbin.Teve aulas particulares com David Russell,Wladimir Mikulka, Hubert Käppel (InternationaleMeistercürse Trier, 1990) e Nicolas Goluses. Deurecitais no Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Itá-lia, Espanha, Holanda, Caribe e Brasil.Alvise ganhou vários prêmios, entre eles o “SpecialPresentation Recital Award” no Artists InternationalCompetition de Nova York em 1993 e o CanadaCousil Arts Award em 1991. Foi fundador doCanadian Guitar Ensemble e fez uma participaçãono CD de Mark Dubois (uma ária do Barbeiro deSevilla, de Mozart).A equipe do Violão Intercâmbio realizou (tardia-mente, admitimos) uma entrevista com o violonistaem dezembro de 1998. Aqui estão alguns trechos:

- Alvise, você trouxe o David Russell através da FareArte. O que é e como funciona essa empresa ?A Fare Arte é uma empresa de marketing cultural.Ela tem parceiros que visam fazer produção culturalatravés de leis de incentivo à cultura, trabalhandocom empresas para ações institucionais ou não, sen-do sempre ligada a eventos culturais. Um de nossosclientes é o Governo Canadense e temos em vistatambém o governo da Suíça.

- Quem vocês já trouxeram ?Em 1996 trouxemos o Oscar Peterson, já fizemosturnês com Orquestra Italiana tendo a KatiaRicciarelli como solista, já trouxemos Ballet e fize-mos eventos com o Shopping Center Eldorado, en-tre muitas outras coisas.

Álvise Migotto, David Russell e Ana Cláudia Agazzi

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- Quais serão os próximos projetos?Como projeto futuro eu gostaria de fazer uma sériede concertos de violão com violonistas brasileiros enomes internacionais. Acredito que é muito impor-tante para a formação de qualquer um, para não fi-carmos isolados do que está acontecendo no restodo mundo. Há muitos violonistas ótimos no Brasil,mas a escola daqui é muito diferente da Europa, porexemplo. Estamos fazendo alguns projetos com leisde incentivo para ter essa minha idéia acontecendoem 1999.

- Como foi o contato para trazer o David Russell?Eu já queria ter trazido há 2 ou 3 anos, mas aconte-ce que sua agenda é muito lotada, então não pudefazer isso antes. Minha idéia é traze-lo novamente,mas agora para ele tocar no Brasil inteiro e na Ar-gentina, tipo uns 4 ou 5 recitais. O problema é queo custo é muito alto, pensando não só no cachê, masno transporte, alimentação, hospedagem, etc. Sempatrocínio é inviável. Lá fora é diferente, dá parapagar com a bilheteria do recital e do masterclass,aqui não.

- E aulas, você leciona em alguma escola ?Não, porque não me sobra tempo, mas adoraria po-der dar mais aulas particulares.

- Para terminar, como andam suas atividades mu-sicais?Nos últimos 3 anos eu dei uma parada para traba-lhar na Empresa. Ultimamente estou trabalhandoem duo como o Giácomo Bartoloni. Estou montan-do também um estúdio de gravação, além de experi-mentar algumas idéias de composição. Pretendo gra-var um CD daqui a algum tempo, mas ainda sem umrepertório definido.

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Alvise Migoto* Entrevista publicada na versão on line do Violão Intercâmbio, ediçãono. 07 - Nov/2004 com o título “Encontro Internacional de ViolãoFare Arte/SESC Pompéia São Paulo”Por Ricardo Marui

Ricardo Marui) Fale um pouco sobre esse projeto,sua origem e quais as dificuldades encontradaspara a sua realização.(Alvise Migotto) Bem, este evento na verdadecomeçou como a segunda edição do festival “O Violão- Tendências e Tradições”, numa versão maior e masabrangente do evento de 2003. A ideia do festival “OViolão - Tendências e Tradições” surgiu há muitos anosatrás. Quando cheguei no Brasil em 1994, logo sentifalta de três coisas no meio violonistico:1) Os grandes artistas internacionais se apresentandocomo parte da agenda cultural da cidade2) Estes mesmos artistas ministrando masterclassespara alunos, professores e profissionais locais.3) Um grande evento que poderia servir comocatalisador para os violonistas locais. Durante a minhaformação em Toronto, eu - e a maioria dos violonistasda cidade - tinha acesso direto aos grandes interpretesdo violão, primeiro porque praticamente mensalmentealguém estava se apresentando na cidade. Segundoporque quando vinham, quase sempre ministravammasterclasses. Isto fez com que não houvesse umaescola local baseado numa técnica ou estilo mas simuma síntese do que estava acontecendo tanto naAmerica do Norte, do Sul e da Europa (e também deuma forma talvez menos expressiva do leste Europeue a Ásia). Além dos masterclasses, muitas vezes eratambém possível ter aulas particulares com estesartistas. Então quando eu ia para Europa e mais tardepara Nova York participar de cursos, era para estudarcom quem eu já tinha trabalhado em masterclasses outido aulas particulares em Toronto. Agora essa riquezade atividades em Toronto foi possível por causa dosesforços do meu professor Eli Kassner como diretorartistico do Toronto Guitar Society (Sociedade de Violãode Toronto) e da participação atíva dos violonistas eamadores da cidade nesta organização, que possibilitoutambém os grandes festivais e concursos que

aconteciam a cada 4 anos, com participação deviolonistas vindo do mundo inteiro. Dentro destecontexto histórico da minha formação pessoal, o festival“O Violão - Tendências e Tradições” tem como objetivo:- Propagar a música instrumental de qualidade- Divulgar composições contemporâneas- Promover discussão e troca de conhecimentos na área- Apresentar a riqueza da música brasileira ao públicoem geral- Valorizar novos talentos e estudantes em fase semi-profissional- Celebrar os benefícios da audição e prática da músicainstrumental na sociedadeO festival não é baseado nos festivais de Toronto esim, reflete o contexto brasileiro, onde as tradições doinstrumento são únicas:- a produção para o instrumento no Brasil é muito ampla- o instrumento/violão utilizado na música instrumental,erudita e popular é o mesmo no Brasil; diferentementede outros países- ha uma riqueza e diversidade de estilos e ritmos, eexcelência dos intérpretes brasileiros reconhecidos nopalco internacionalComo todos os projetos que desenvolvemos na FareArte, a ideia inicial é desenhada e elaborada como aversão dos nossos “sonhos”. A partir daí, trabalhamosna viabilização desta versão até chegar mais próximoao “sonho” dentro de determinados parâmetros. Issorequer uma flexibilidade de planejamento em termosde agenda, recursos financeiros e humanos para poderapresentar no final, um evento de qualidade, impacto eretorno para todos envolvidos, independente do seutamanho e formato final. Então para este ano não foipossível apresentar o festival mais sim um evento degrande porte de três dias de duração que incluiu recitaise masterclasses de três dos grandes nomesinternacionais da atualidade. As dificuldades gerais deapresentar um evento deste tipo são sempre as mesmas:

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financiamento, agenda de artistas, financiamento,transmitir o mesmo entusiasmo que você tem sobre oevento para terceiros - parceiros, clientes, apoiadores,imprensa, etc., e finalmente financiamento. (mais umavez)

- Quais foram as diferenças na organização desseevento em relação aos organizados anteriormente(a vinda de David Russel e o festival “Violão - Ten-dências e Tradições”) ?Logo no início das atividades da Fare Arte nospercebemos que um evento 2as vezes maior nãorepresenta um volume de trabalho e nem semprefinanciamento proporcional. As vezes, um projeto “2asvezes maior” é até mas fácil de viabilizar. Então o quemuda não é o trabalho operacional e de produção. Istoé basicamente sempre o mesmo. O que muda é oenvolvimento de parceiros, apoiadores e patrocinadorese como é feito o relacionamento entre estes e os demaisenvolvidos e as expectativas que cada um tem com oevento. É lógico que estar presente em todas os detalhesda produção fica mais difícil quando o evento é maior eisto requer um pouco de ginastica também porque afinalsou violonista e gosto de aproveitar ao máximo osrecitais, aulas etc., e as pessoas que estão presentenestes eventos.

- Qual foi o papel do SESC na realização desseprojeto?O papel do SESC foi fundamental para realização doevento uma vez que abraçou a ideia e o espirito dofestival . Como principal financiador do festival e como apoio de infra-estrutura de produção e programação,foi possível desenhar um projeto que atendeu aos nossasexpectativas e trabalho de curadoria e ao mesmo tempoatender as necessidades e critérios do SESC. Nestesentido, SESC pode ser considerado a “mãe” do projeto.Aliás, de uma certa forma acho que SESC São Paulopode ser considerado uma “mãe” de cultura brasileira,uma vez que é sem dúvida o maior fomentador, eprodutor de cultura do país.

- Que avaliação você faz do Encontro, tanto no quese refere aos recitais e presença do público quantoà procura pelos master-classes?Devo dizer que as apresentações foram das maismemoráveis que já assisti. Acredito que o públicopresente assistiu três recitais do mais alto nível musicalpossível, ponto final. Não tenho mais o que dizer. Fiquei

muito feliz. Em termos de público tivemos um resultadotambém excelente (em qualidade e quantidade).A respeito dos masterclasses confirmou-se mais umavez a situação local, ou seja: no Brasil ainda não háuma tradição (ou se perdeu???) de participação emmasterclasses. Não é uma questão de divulgação.Organizamos masterclasses para entidades como aFundação VITAE a dez anos, com artistas como SandorDevich (fundador do Quarteto Bartok), MenahemPressler, Leon Spierer (ex spalla da Filarmonica deBerlim), membros da Orquestra Filarmonica de Berlim,Budapest Festival Orchestra, etc. Sou convidado peloMozarteum para traduzir vários dos masterclasses queeles organizam. A divulgação e dirigida ás instituiçõesde ensino, professores, alunos, profissionais e até públicogeral. Mas nenhum dos nomes citados acima atraiumas do que 30-40 pessoas para o masterclass (talvez oMenahem Pressler atraíu 50-60 no Teatro CulturaArtística). Em Toronto, uma cidade de 4 milhões dehabitantes, qualquer um destes nomes lotariam um teatrode 400-500 lugares com pouquíssima divulgação. Asociedade de violonistas de Toronto nunca fez umadivulgação além de uma mala direta mensal para seusafiliados. Mesmo quem não era afiliado sabia eparticipava porque tinha interesse no assunto e semantinha informado pelo professores ou colegas. Eusou convicto que se eu perco um grande evento ou umevento que tenho interesse especial em São Paulo, éporque eu não estava ligado suficientemente ao assunto,e não necessariamente porque não foi bem divulgado.Nós vivemos numa cidade monstruosa, e o volume deeventos de altíssima qualidade não faltam. Dentro destecenário, fazemos o possível em termos de divulgação.Para violonistas, o Violão Intercâmbio presta um serviçoessencial neste aspecto. Mas talvez não seja suficiente.Talvez precisamos de uma “Sociedade de Violão deSão Paulo” ou algo parecido. A sociedade de Toronto,que apresentava e apresenta ainda a maioria doseventos desde recitais até grandes festivais não é umaprodutora de eventos. São os próprios violonistas eamadores, e todos voluntários, trabalhando para umobjetivo em comum. Talvez precisamos algo parecidoaqui. Seria sem dúvida uma entidade pelo menosunificadora, uma vez que para ser bem sucedida, umasociedade deste tipo requer que os indivíduos deixemde lado diferencias particulares para um objetivo maior,onde todos “lucram”.

- Quais os planos da Fare Arte para o futuro?

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Em termos de eventos violonisticos, estamostrabalhando para que o festival “O Violão - Tendênciase Tradições” se torne um evento anual, abrangendouma gama de gêneros mais ampla, podendo acomodarexcelentes interpretes de musica instrumental nãobrasileira (a brasileira já está incorporada desde oinicio), jazz, flamenco e/ou musica tradicional de outrospaíses, por exemplo.Como violonista e aproveitando a experiência que tenhona área de projetos culturais, temos aspirações (eu eparceiros) em contribuir para o fortalecimento da músicaerudita no Brasil, ampliando as oportunidades paramúsicos profissionais brasileiros, contribuindo naformação do músico jovem brasileiro e formando platéia. Neste sentido estamos formando um núcleo fora daFare Arte, já que não tem objetivo comercial, que possase tornar o conselho do Instituto Suba, o qual assumimosa presidência recentemente, reativando esta instituiçãoconcebida por Edson Natale, Taciana Barros e Lála deHeinzelin em 2000 para servir como uma ponte entre aarte e a sociedade. É um outro “sonho” que acho serpossível . Em breve detalhes sobre atividades do InstitutoSuba estarão disponíveis no nosso site:www.farearte.com.br e também no site do próprioinstituto, que está em fase de planejamento.

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Angela Muner* Entrevista publicada na edição no. 21 - Jan/Fev 1997por Juliana Oliveira

Natural de: São Paulo - SPIdade: 40 anosAtividades: Concertista, professora do Conserva-tório Estadual de Tatuí (SP)

- Qual sua formação?Comecei a estudar violão com 5 anos de idade soborientação de meus pais, profs. Ilso Muner e TerezaMuner. Eles me ensinaram a arte de tocar violão.Tive algumas aulas com Isaías Sávio e Geraldo Ri-beiro ainda na infância. Em 1978, fui estudar técni-ca e interpretação com Henrique Pinto e, com ele,aprendi muito sobre todos os aspectos do mundoviolonístico, principalmente no campo da didática.Ele deu grande impulso à minha carreira. Completeiminha formação musical com: Angelo Carmim,Ricardo Risek, Mario Ficarelli, Reinaldo GarridoRusso e Sérgio Vasconcelos Corrêa.

- Dentro do campo violonístico, quais foram suasgrandes influências?Quando comecei a estudar, eu ouvia muito AndrésSegovia, Julian Bream, John Williams e IrmãosAbreu. Por meio das gravações eu pesquisava os de-dilhados, transcrições, sonoridade e estilo, princi-palmente do Julian Bream e do Sérgio Abreu, artistapelo qual tenho grande admiração e respeito.

- Comente um pouco sobre o trabalho que vocêfez no Violão Câmara Trio.Com o Violão Câmara Trio adquiri mais experiênciaem música de câmara, pois já havia formado duocom outros instrumentos. Nesta época, eu reduziminhas atividades como solista para poder vivenciarintegralmente este trabalho, sendo compartilhado ini-cialmente com os violonistas Henrique Pinto eGiacomo Bartoloni, resultando na gravação do LPe, mais tarde, com Jardel Costa Filho, que ingressouno lugar do Giacomo e com o qual fizemos muitasapresentações por todo o Brasil.

- E quanto a seu duo com cravo?O duo de cravo e violão é com meu irmão Ilso MunerJr., que também é pianista. A formação cravo e vio-lão é rara, são instrumentos que se completam e temum repertório muito interessante. Formamos o duoem 1981 e fizemos várias apresentações em SãoPaulo e Rio de Janeiro, incluindo gravações para aTV Cultura (de São Paulo). Pretendo dar continui-dade a este trabalho, principalmente com o objetivode gravar um CD.

- Como foi a experiência de tocar o concerto iné-dito de Sérgio Vasconcellos Corrêa?Em novembro de 1995, estréia mundial, tive a gran-de honra de ser solista do “Concerto do Agreste”,para violão e orquestra, obra dedicada a mim. Foina Fundação Memorial da América Latina, com aOrquestra Sinfônica Estadual, sob regência do ma-estro Eleazar de Carvalho. Foi emocionante. No Riode Janeiro, a estréia foi no Teatro Municipal com aOrquestra Nacional da Universidade FederalFluminense, sob regência de André Cardoso.

- Fale sobre o lançamento de seu CD.Em 1984, fui convidada pelas Edições Paulinas-Comep a gravar um disco. Escolhi um repertório demúsica espanhola, sendo feito o lançamento em LPe K-7. Neste ano(1996), está sendo lançado em CD,chama-se “Angela Muner interpreta Música Espa-nhola” e contém obras de Albeniz, que é um doscompositores mais importantes da linguagem nacio-nalista espanhola, Joaquín Turina e F. MorenoTorroba, que dedicaram uma grande parte de suasobras ao violão e uma Canção anônima, harmoniza-da por Miguel Llobet.

- Como você vê o meio violonístico brasileiroatualmente?O nosso meio violonístico está crescendo a cada dia.Temos professores altamente especializados, jovens

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violonistas que se dedicam seriamente ao estudo daMúsica, luthiers construindo instrumentos maravi-lhosos, enfim, uma verdadeira fartura em todas asáreas deste meio. Estamos a caminho de umaconscientização maior de que temos de nos unir cadavez mais para que possamos construir um “paraísoviolonístico” no Brasil.

- Quais seus planos para 1997?Gostaria de me preparar para gravar novamente epenso também na possibilidade de tocar em outrospaíses.

Juliana de Oliveira, 22 anos, graduando em Violãona UNESP, professora de violão.

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Antonio CarlosGuedes* Entrevista publicada na ediçãono. 26 - Nov/Dez 1997por Teresinha Prada e GilsonAntunes

Idade: 60 anosNatural de Capivari - SPe-mail: [email protected]

Filho de seresteiro, o prof. Guedes iniciou aos 10anos os estudos de Música, e o violão entrou emsua vida aos 14. Não havendo professor emCapivari, esforçou-se sozinho em saber mais sobreo instrumento - descobriu discos de Segovia e ummétodo em espanhol de Mario Arenas, que ia deci-frando aos poucos. Continuou estudando sozinhoaté os 21 anos, quando numa viagem a São Paulopara comprar partituras, conheceu Sávio, com quemestudaria por 6 anos (1958-1964). Em 1960, ven-ceu entre 35 concorrentes o Concurso de Conser-vatórios do estado de São Paulo, patrocinado pelaGiannini. Daí começaram as apresentações, inclu-sive no Teatro Municipal de São Paulo (1964). Em1980, obteve bolsa para estudar com Carlevaro. Umaspecto que não pode ser deixado de lado é que,durante todo esse tempo, trabalhava em metalúrgica(por 32 anos). Sobre Guedes, a definição maispoética e merecedora de citação é a do compositorGilberto Mendes, em um artigo de dezembro de1980: “Assim foi temperado o aço, diz o título deum velho romance operário. Assim foi temperada atécnica e a concepção de interpretação de AntonioGuedes. É interessante verificar como a vivênciade um homem se projeta em sua realização (...) EmAntônio Guedes, o metalúrgico, admiro o homem eo artista, numa só pessoa”.

- Como você enfoca os estudos iniciais de um es-tudante?Primeiro, começar com um bom professor, pois as-sim ele já terá a mão “arrumada”, porque há muitos

casos de alunos que chegam mal formados e o queacontece é que aquele pique do começo eles já gas-taram com o outro professor e quando a gente fala“vamos recomeçar” - eles desistem. Então, come-çando bem ele vai ter mais chance de se firmar comoviolonista. O repertório inicial; eu considero dois pi-lares - Sor e Giuliani. Como estudar: o metrônomoeu uso bastante, por exemplo, com crianças; eu voumostrando as primeiras notas, já vou posicionandomão, faço ele cantar - porque é importante que elese ouça. As horas de estudo; sugiro que a criançaintercale períodos de estudo do violão com suas ati-vidades diárias, meia hora, por exemplo. Se ele esti-ver interessado ele fará. É mais interessante pegarno violão várias vezes no dia do que só uma horadireto. Quando tiver avançado, é normal que fiquemais tempo. A técnica diária pode ser com um méto-do, por exemplo, o do Carcassi op. 59, mas a pessoapode inventar a sua técnica diária, mesclando váriosexercícios. Para os mais avançados, se quer fazerarpégio - Estudo 1 do Villa-Lobos; se quer escalas -Estudo 7; quer melhor estudo de ligados que o 3 doVilla? Acordes - número 4. Enfim, há muitos méto-dos bons de acordo com a fase; “Ciranda”; CarcassiOpus 59; “Iniciação” e “Curso Progressivo” doHenrique; Opus 60 do Sor; Opus 48 do Giuliani.

- E sobre repertórios?Primeira coisa que a turma escolhe pra repertório éa Allemande e a Bourrée do Bach; se ainda não con-segue, toca-se “Espagnoleta” e “Greensleeves”.Nesse meio dá pra colocar os dois Andantes doTárrega. O Opus 60 do Sor, em seguida. Terminadaesta fase a pessoa procura repertório. Pode ser Sor

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opus 6; opus 29; opus 35.

- O que você costuma indicar durante uma peça?Primeiro tem que dissecar a peça, se é AB, se não é.Decorar por fraseados, seções, cantar...Você precisa saber a forma, os caminhos por ondevocê está indo.

- Que mais você acha bom o aluno fazer?Tocar um instrumento melódico também ou o cantopra descobrir o fraseado, saber respirar, fazer músi-ca de câmara. A hora em que você vai tocar juntocom alguém, muda a leitura, muda tudo, você é obri-gado a marcar alguma coisa, as sinalizações, fora oentrosamento, a troca de informações.

- Desde que você começou a estudar é que vocêpensou em todos esses esquemas?Não, fui formando com os anos. Quando eu come-cei - com o Sávio -, você tocando a nota certa jáestava bom. Não errando, já estava bom. Por exem-plo, aqui no Brasil, tocar “Sevilha” e “Catedral” erauma coisa de um deus! Hoje não, há mais informa-ção, mais técnica. O Henrique foi uma pessoa queme fez ver o violão de uma forma diferente. OEdelton (Gloeden) também, outra visão, outra pes-soa excelente pra Didática.

-Como foi com o Carlevaro?Passei um mês com ele, e é uma linha-dura. Tem quegostar, e como eu gosto... funcionou né?

- Qual sua relação com os alunos?Ah! Pra mim aluno meu é um filho (risos)! Porquenão é uma coisa isolada.

- Você acha que é porque você mora aqui emJundiaí?Pode ser.

- Você seria assim em São Paulo-capital?Eu sou a mesma coisa em qualquer lugar. Porquetem gente que gosta de falar difícil, de mudar o tomde voz. Eu não. Você sabe que tem professor queintimida. Eu não, eu falo assim: “Você vai tocar, vocêvai ser melhor que todo mundo, nem esquente!” Esempre foi assim com os meus alunos. Ser colegané?

- Então muitos ex-alunos te procuram?Sim, pra mostrar uma peça, ou duo com alguém. “Pradesencanar”, como diz o Fábio Zanon.

- É também porque uma opinião sua tira um gran-de peso.Porque músico é moral. Quando uma pessoa ganhaum concurso, no dia seguinte se tiver que dar umrecital ela dobra a performance.

- Você soube trabalhar bem com a sua “vida du-pla” não é mesmo?Eu tenho duas vidas. A primeira, tem 32 anos deserviço - ferramenteiro-modelador. Aí aposentei epensei: “Bem eu vou pro violão, vou cumprir horá-rio agora só no violão”.

- E não existia meia-jornada, não é?Não tinha. Eram 48 horas por semana. Eu levantavaàs 10 pras 4; tomava o café da manhã; estudava umpouquinho até 4 e meia, depois saía de casa pra pe-gar o ônibus que passava aqui na rua de cima às 20pras 5. Chegava 5h10 na firma, 5h27 eu estava tra-balhando. Chegando do serviço às 16h30 tomavabanho e ia estudar violão. O meu pai também já ti-nha essa vontade de aprender.

- Como você vê o violão hoje em dia, em termos demercado?O violão solo está em baixa.

- Devido a quê? Novas tecnologias? As pessoasestão ouvindo coisas...Não. Estão ouvindo muita besteira (risos). Entãomúsica, música mesmo, virou violonista tocando praviolonista. Quando deveria ser violonista tocando prapúblico. Está faltando divulgação séria, pra mostrarpro povo que existe esse som e tal. Agora se a mídianão quer mostrar, aí é outro departamento. Mas estáem baixa por causa disso - falta de divulgação.

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Antonio Fioravante Crivellaro* Entrevista publicada na edição no. 23 - Mai/Jun 1997 com o título“Crivellaro conta toda a história do Seminario de Porto Alegre”

Muito famoso como um pólo cultural que dissemi-nou o estudo de violão e iniciou grandes carreirasde violonistas da atualidade, o Seminário de PortoAlegre é constantemente apontado por seus ex-frequentadores como um dos mais importantes even-tos do violão no Brasil e na América Latina. Co-nheça agora o que foi este momento do violão bra-sileiro nas palavras de seu idealizador, AntonioFioravante Crivellaro.

- Quando e como iniciou:O Seminário teve início em julho de 1969. Foi seudiretor artístico o professor Isaías Sávio, que indi-cou e trouxe violonistas como Barbosa-Lima,Manggione e José Oliveira. Teve um início muitotímido. Fácil imaginar, a Jovem Guarda predomina-va no mundo do violão e nós com proposta de Villa-Lobos, J.S. Bach, A. Vivaldi e outros. Foram apenas18 inscritos, sendo que a maioria praticava o violãocifrado, que não é música...Barbosa-Lima encantou o público e despertou umgrande interesse do violão por Música. Ele foi a es-trela, tanto é que até hoje desfruta do prestígio dogrande público, talvez o maior tributado a ele emtodo o Brasil, e conta sempre, até hoje, com enormeprestígio, inclusive como o “melhor”. Foi amor à pri-meira vista entre público e artista.Foi muito difícil obter apoio ao Seminário, o primei-ro. Nos perguntavam se o encerramento seria na “vol-ta do mercado” e nós respondíamos com violência,não admitindo nenhuma graça ao evento. Tivemosdois grandes apoios: o do Governador do Estado,Valter Perachi de Barcellos e do CFC - ConselhoFederal de Cultura, através do Conselheiro IrmãoJosé Otão, Reitor da PUC/RS.O Seminário surgiu como idéia saneadora, pois no-távamos que o violão se identificava com o caráterdos jovens, mas não se resumia apenas a três posi-ções. Tínhamos medo que por uma má orientação, oviolão viesse a desaparecer. Já se notava a cada quar-

teirão, cartazes oferecendo aulas. Que aulas? Nas mãosde quem estava este instrumento? Ao criarmos o 1.oSeminário, criamos também a denominação nunca an-tes utilizada. Fomos inspirados por Deus, talvez porqueEle seja violonista...

- De quem era o patrocínio?Em 1970 obtivemos maior apoio. O Governo do Es-tado ajudava-nos através da Casa Civil, Secretariada Cultura, Secretaria de Turismo e Gabinete do Go-vernador. Não era o Governo através de um setor,mas em diferentes segmentos administrativos. OCFC/MEC voltou a apoiar e desta vez o Departa-mento de Assuntos Culturais e Diretoria Extra-es-colar. Era o MEC através de diversos segmentos. Jáem 1970 foi escolhido o professor Abel Carlevaropara diretor artístico, pois tivemos um encontro emPorto Alegre em 1969 e vi que o mesmo tinha umaEscola a oferecer. Nosso entusiasmo foi tanto que,ao lado do violão, o Seminário ofereceu Teoria Mu-sical, Canto Coral, Harmonia e Prática de Orques-tra. O primeiro Seminário Internacional de Violãodespertou a atenção das Américas, particularmentedo Brasil. Vieram seminaristas de todas as Améri-cas (Argentina, Uruguai, Guatemala, Estados Uni-dos, Bolívia, Peru e do Brasil - predominaram ospaulistas e os nordestinos). Criamos pólos. Estespólos selecionavam futuros seminaristas. Havia umprograma a nortear dividindo o Seminário em Maiore Menor e estes repertórios serviam como base paraos programas junto aos Conservatórios em que leci-onavam. Daí surgiu a padronização e, com ela, aconsolidação do evento. Para o seminarista vir, elese submeteria a uma prova dentro dos ditames dosprogramas. Eram concedidas bolsas integrais, umnúmero determinado e eram disputadas. Se ofere-cêssemos 20 bolsas para este lugar, o vestibular erafeito com o dobro e até o triplo de candidatos. Aqualidade subiu muito. Chegamos a ter 200 semina-ristas com todas as três refeições e transporte grátispara levá-los aos concertos, conferências etc. Tínha-

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mos assistência médica, dentária e hospitalar, tudo grá-tis. Aos domingos organizávamos torneios de futebol.Após estes torneios, um grande churrasco. Os semina-ristas eram os atletas e os professores serviam de árbi-tros ou de assadores e servidores de mesa. Ali predo-minava com exclusividade o assunto Violão. Troca deexperiências, cópias de partituras, era uma troca defigurinhas.

- O Seminário era anual, mas em alguns anos nãohouve. Por que e quais foram estes anos?Realizamos o Seminário de 1969 a 1985, quatorzeanos e sofreu uma interrupção por falta de apoio.Por quê? Caiu o regime militar e iniciou umaredemocratização. Aliás, a chamada democracia bra-sileira nunca foi identificada com as Artes. O queteria sido de Villa-Lobos se não fosse Getúlio Vargas?E Carlos Gomes, se não contasse como o apoio doReinado? Realizamos o 15º por uma questão de hon-ra. O evento merecia este destaque e sabíamos quenenhum outro do gênero chegaria a tanto. Foi em1986, com a poio do Banrisul, graças a lei culturalcriada pelo senador José Sarney. E estagnaram aípor questões políticas que não queremos remover.Após nove anos, em 1995, realizamos o 16.o Semi-nário, com patrocínio exclusivo da Prefeitura Muni-cipal de Porto Alegre, através do Fumproarte. Aliás,A Prefeitura é o único setor público a apoiar as Ar-tes com muita força. Ocorre que neste anos de 1995,sofremos uma enfermidade (uma trombose), nos afas-tando do evento. Uma equipe sem experiência, maso Seminário foi realizado com toda suagrandiosidade, graças à tesoureira Maria HelenaSoares, Angela Crivellaro Sanchotene e principal-mente ao professor Eduardo Isaac, um dos maiores,senão o maior violonista do mundo, que foi impecá-vel em todos os sentidos. Por questão de justiça, di-zemos: sem o Eduardo, o Seminário Internacionalde Violão não teria sido realizado. Neste seminário,foi diretor artístico o Maestro Marlos Nobre, quedispensa comentários. Apresentaram-se o QuartetoZárate, o Duo Assad, Eduardo Isaac, EustáquioGrillo, Djalma Marques e outros. Das conferências,destacamos a de Abel Carlevaro, que deu inclusiveuma masterclass com raro sucesso.

- Que nomes destaca quanto aos professores quevieram dar aulas?

É uma pergunta delicada para ser respondida. Um do-cente, quando convidado era muito observado: se tinhaa cara do Seminário, trabalhador, se não era turista,enfim, dentro de uma escala de zero a dez precisariachegar a nove, no mínimo, caso contrário, no próximojá não participaria. Destacamos Abel Carlevaro, JorgeMartínez Zárate (grande artista e organizador, foi o co-ordenador dos anos de 1974 até o 14.o Seminário; aíneste período o evento deslanchou, consolidou-se e foiconsiderado o maior e melhor festival do mundo - vi-nham alemães, muitos sul-americanos, japoneses, fran-ceses, espanhóis etc.. Jorge Martínez Zárate e sua es-posa, a extraordinária violonista Graciela PomponioZárate, se constituíram na lâmpada delgada dos Semi-nários), Miguel Angel Girolet, Álvaro Pierri, Léo Soa-res. Jodacil Damaceno, Barbosa-Lima, Isaías Sávio,Horácio Ceballos, Henrique Pinto, Hector Farias,Roberto Aussel, Henrique Nuñez, EduardoFernandes, Mario Araújo, Eustáquio Grillo, DjalmaMarques.

- E os destaques como concertistas?Obrigatoriamente nos omitiremos de muitos nomesporque a lista se tornaria muito extensa, mas os princi-pais foram: Edelton Gloeden, Marcus Llerena, Eduar-do Isaac, Álvaro Pierri. Eduardo Fernandes Odella,Paulo Porto Alegre, Miguel Angel Girolet, AbelCarlevaro, Eduardo Castañera, Jorge Labanca etc.Alguns são concertistas renomados, quando aindanão ocupam a titularidade de cadeira em Universi-dades, além de concertistas. Nossos seminaristas,várias vezes venceram concursos internacionais damais alta expressão (França, Espanha, Inglaterra, Itá-lia, Argentina, Venezuela, Brasil etc.). Aussel, porexemplo, obteve o primeiro ligar no Concurso deParis e foi vencedor do Concurso de Cátedra, naAlemanha. E o segundo coube a um ex-seminarista- Eduardo Fernandes, tanto em Paris como na Ale-manha.No último Seminário que realizamos, as revelaçõesficaram por conta do professor e violonista MarioUlloa, que foi comparado a Álvaro Pierri, e o semi-narista Francisco Guedes, aluno do Instituto de Mú-sica Palestrina, que foi aplaudido de pé pelo públicopresente na masterclass do mestre Abel Carlevaro.

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- E quanto ao número de participantes?Não são cálculos. Temos no computador as respos-tas.Frequentaram todos os Seminários:Homens 3.634Mulheres 814

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Total 4.448(Quatro mil, quatrocentos e quarenta e oito semina-ristas, muitos retornando a outros seminários.)

- Como está o evento atualmente?Ao terminar o 16.o Seminário em dezembro de 1995,recebemos fortes apelos para que reassumíssemos aliderança no movimento violonístico. Estes apelosvinham do Duo Assad, Eduardo Isaac, GracielaPomponio Zárate e Abel Carlevaro. Que o violãonecessitava de um outro grande movimento, comoos seminários. Falei da minha enfermidade, que játinha 63 anos e que quando tudo começou, tinha então26 anos... Mas confesso: tenho uma grande necessi-dade de reativar esta paixão. Realmente o Brasil e aAmérica precisam deste reânimo. O violão está muitoameaçado pelos falsos professores, catálogos falsos,métodos safados, essa história de estudar por cor-respondência etc, etc, etc... Mas o sistema político éoutro. Há desinteresse pela Cultura, não é como emoutros tempos. Há uma forte tendência através danossa Prefeitura Municipal. O próprio diretor do se-tor musical disse-nos, às vésperas de encerrarmos oevento em dezembro de 1995, que ele deverá serrepetido. Podemos tentar com a Fumproarte. É pos-sível, mas esbarro com outro desafio: minha trom-bose. O Seminário é muito caro, pois ele não é umbaile de furo, ou seja, pagou, tem direito a entrar. Hárigorosa seleção. Concedemos um número x de bol-sas para um local e este representante procede aseleção, surgindo daí a alta qualidade do evento.Estes terão todas as despesas pagas, desde o mo-mento em que cheguem a Porto Alegre - alimenta-ção, transporte, hospedagem, atendimento social eoutros consumos, tornando o seminário caríssimo.Há retorno, e um retorno muito grande, senão nãoteríamos organizado 16 edições. Quem sabe, ao le-rem o presente surja alguma idéia, alguma indica-ção, algum patrocínio. Impossível fazer tudo sozi-nho. Veja a lista de nomes que colaboraram para al-cançarmos os objetivos. Sem entusiasmo nada de

grande se faz em Artes. Quanto ao setor público,creio que todos sabem: a Cultura é matéria de sal-vação nacional.Confio na Prefeitura de Porto Alegre, no seu prefei-to Raul Pont e no seu Diretor Artístico. Nenhum outrofestival, seminário ou masterclass atingiu o prestí-gio do Seminário do Palestrina de Porto Alegre.

- Qual a influência do Seminário na chegada doviolão à Universidade?Vários influenciaram para que o violão chegasse aonível de Bacharelado. Jodacil Damaceno e DuoAssad foram molas-mestras. Foi o Seminário no seutodo, foram o s líderes. O violão já tinha sua escola(Carlevaro), repertório e métodos sérios já editados.O violão é o único instrumento capaz de executarobras da Renascença até a Contemporânea.Dilermando, Sávio, Turíbio Santos (grande nome),Villa-Lobos, Radamés Gnattali e o mestre Francis-co Mignone, que não havia escrito nada para violãofoi despertado em 1976, quando veio ministrar au-las de Harmonia no Seminário. Escreveu um Con-certo para violão e orquestra, até hoje não executa-do no Brasil. Organizamos tudo. Mostramos a pai-xão que o musicólogo Paulo Guedes tinha pelo vio-lão. As paixões de Villa-Lobos e até NiccolòPagannini, que era violonista consagrado e tinha oviolão como seu instrumento preferido.Fomos ameaçados. A professora Aurora DesidérioEbbholi, então diretora da Escola da UFRGS, disse-nos: “Jamais o violão será reconhecido, pois ele éum instrumento para capadócios, boêmios, vagabun-dos e desocupados” . E respondemos: “Se prepare,pois o violão vai entrar na sua escola”. Ela contes-tou: “Jamais este instrumento pornográfico entrarána Escola”. Foi uma luta, mas uma luta fácil de serconquistada - já estava consagrado pelo povo. Anossa influência foi total, desde a criação até o De-creto de Reconhecimento. Aqui no Sul, foi o Institu-to de Música Palestrina o pioneiro para a manuten-ção deste curso.Flávia Domingues, então nossa aluna, foi a primeiraa formar-se em um Curso Superior de Violão no Bra-sil. Isto é histórico. Hoje ela é a titular do violão naEscola de Artes da UFRGS. Que coincidência... quehistórico... que beleza.

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- Que balanço faz sobre o evento depois destes anos?Responder a esta pergunta, no mínimo, daria uma con-ferência de duas horas. Dissemos, no início, do por querealizamos o Seminário, mas a idéia do seu surgimentodaremos neste preâmbulo.Estava sentado em uma bar, na famosa Demétrio Ri-beiro em companhia dos violonistas Alderico AlvesQuirino e Osvino Jacob Gonçalves. Não falávamosem violão e eu cortei o assunto, com os braços le-vantados, disse: “Vou realizar um Seminário Inter-nacional de Violão”. Repetia a todo momento - “euvou, eu vou e com a ajuda de vocês dois”. Comoveio aquela inspiração, quase mística, eu não sei.Sei que naquele momento tinha diante dos meus olhosa grandiosidade do evento. Antevia tudo que acon-teceu. Talvez porque o instrumento, no fundo, eradesprezado. Era proibido comparar o violão com ins-trumentos como piano, violino, violoncelo etc.. Euqueria realizar um movimento para colocá-lo, se pos-sível, em grau superior de conceito e respeitabilida-de em relação a estes outros instrumentos. Não dor-mi naquela noite. Vi e senti o violão alegrando umareunião, um encontro de bar, alegrando grupos, masvi também como solista com famosas orquestras, exe-cutando e gravando obras sérias, como a que Eduar-do Abreu gravou, o “Cravo Bem-Temperado”, de J.S. Bach ( a melhor execução até hoje feita com estaobra, comparando com outros instrumentos). Previcelebrar concursos, previ grandes concertos, novosvalores, a juventude fazendo música com violão.Previ rainhas e presidentes assistindo e aplaudindoao violão e foi no que deu. Foi difícil, muito difícil,mas depois de quatro anos até que foi muito fácil.Não foi apenas o Palestrina, o instituto que dirijo,que me ajudou. Devemos citar nomes comoAdalberto Neno (DAU/MEC), Roberto Parreira -presidente da Funarte, Maestro Chleo Goulart, Nel-son Simões, Oscar Guimarães, Átilla Sá de Oliveira(ex-secretário municipal de Porto Alegre) e que foipresidente do 10.o Seminário, vereador FredericoBarbosa, Shyrlei Poffal - secretária por oito seminá-rios, Guilherme Sosias Vilella - ex-prefeito de Por-to Alegre, Romildo Bolzan, na época deputado doRio Grande do Sul e o prefeito de Porto Alegre em1995, Tarso Genro. Estes foram os principais, con-tribuíram muito no aspecto financeiro e intelectual.Devemos destacar os nomes do ministro Jarbas Pas-sarinho, de seus diretores - Renato Soeiro, Manoel

Diegues, Alma Figueredo, Ivancir Castro, Jaime Frejate outros. Mas um capítulo importante ocorreu em 1973,quando o Seminário por pouco não foi interrompido. Asverbas não vinham. O MEC (DAE/CFC, AtividadeExtra-escolar) não nos remetia recursos. O Seminário,na sua quinta edição, estava parado. De um momentopara outro recebo em meu gabinete as visitas de AbelCarlevaro e de sua então esposa. Perguntou-me se pro-cedia o que ele havia ouvido. Respondi-lhe afirmativa-mente. Carlevaro retirou-se sem dar uma palavra evoltou com uma frasqueira cheia de dólares, abrindo-ae dizendo-me: “O Seminário vai continuar, aqui estãoos recursos”. Que gesto, que confiança. Já estávamosdevendo ao Barbosa-Lima, que tinha dado seu concer-to e retornado a São Paulo. Princípios de agosto veiotoda a verba. Ao retirarmos do Banco do Brasil, com-pramos uma passagem e fomos a Montevidéu pagar aCarlevaro pessoalmente, com um fraterno abraço e daípara diante surgiu uma amizade muito forte entre nós emais do que isto, a nossa identificação forte e claradiante de um ideal.Quero deixar claro que não somos violonistas e nemmúsicos. Somos analfabetos em ambos os terrenos,mas conhecemos o violão como poucos. Fomosmembros de júris como o da ORTF (Paris), primeirobrasileiro a fazer parte; do concurso Rainha Sofia(Espanha); Real Academia de Londres; ConcursoVilla-Lobos (MEC/RJ); por cinco vezes na cidadede Alessandria (Itália). Era o Seminário o homena-geado. Era o nosso trabalho sendo consagrado emtodo o mundo. Fui condecorado pela Comenda Or-dem da República Benjamin Constant; obtive o des-taque do setor cultural pelo Governo de São Paulo,com a comenda Carlos Gomes; fui agraciado com aMedalha de Ouro, pela Basílica de Santo Antoniode Pádova (Itália), pelo governo da Província dePádova; pelo Congresso Statale da Região Vêneta(Itália) na capital Veneza e pelo governo municipalde Alessandria (Itália). Não recebi, isto sim, absolu-tamente do governo do meu Estado, ou do municí-pio de Porto Alegre. Aos que organizam estes tiposde promoções, não admitam nunca o comércio nema troca de figurinhas. Talvez por não ser violonistanem músico, nunca fiz nem recebi propostas do gê-nero “promova lá que eu te promovo aqui”. As es-colhas devem ser justas e ter, repito, a cara da pro-moção. Não se promovam às custas da promoção. Nãopromovam só um ou dois elementos. Não enalteçam

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este ou aquele concertista se há outro. O que deve serpromovido, enaltecido e jogado para bem alto é a pro-moção e, sobretudo, o instrumento.Estamos à disposição de qualquer organização ougrupo para sugerir e até me proponho a realizar nes-tes eventos uma ou mais conferência. Já repassei tudoà minha equipe, principalmente a minha filha AngelaBeatriz Crivellaro Sanchotene. Tem qualidades. Es-tou indócil no partido. É só a prefeitura levantar afita que parto “chispando”...E, por último, é lógico que temos um patrimônio degravações como ninguém possui. Faremos em breveo lançamento das fitas contendo concertos gravadosrealizados por Alírio Dias, Duo Assad, Duo Abreu,Abel Carlevaro, Barbosa-Lima, Roberto Aussel, Ál-varo Pierri, Eduardo Fernandes, tudo passado pelocomputador e com musicalidade fidelíssima. Será umacervo que o Seminário Internacional de Violão, oPalestrina, entregará ao público amante deste ins-trumento, que não é da terra e sim do céu.

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Carin Zwilling* Entrevista publicada na ediçãono. 34 - Mar/Abr 1999por Ricardo Marui

A alaudista Carin Zwilling é, sem dúvida, uma dasfiguras mais conhecidas dentro do cenário da mú-sica antiga no Brasil, e um dos melhores exemplosde que é possível conciliar atividades diversas -como solista, camerista, pesquisadora e didata -com a mesma competência e seriedade.No que se refere a sua formação comoinstrumentista, Carin iniciou seu aprendizado noviolão com Ronoel Simões, tendo posteriormenteestudado com Manoel São Marcos e Henrique Pin-to no Brasil, e Abel Carlevaro, Joseph Urshalmi eKonrad Ragossnig no exterior. Tendo tido contatocom o alaúde na Europa, passa a adotar este ins-trumento, recebendo a orientação de nomes comoNigel North, Anthony Bailes, Diana Poulton, RobertSpencer e Christopher Wilson. De volta ao Brasil,participa da criação de vários grupos de músicaantiga (Renascer, Ars Nova, Núcleo Tálea,Luminare), tendo ainda tocado na Inglaterra, naópera Albion & Albanius, durante o Dartington In-ternacional Summer School, e participado da mon-tagem da ópera Xerxes, de Händel, durante a tem-porada brasileira da English National Opera. Atu-almente, grava com o grupo Luminare um CD compeças do Renascimento na Peninsula Ibérica, queevocam os quatro elementos da natureza (terra,água, ar e fogo).Além de exercer a atividade de didata, como pro-fessora de Estética na Faculdade Santa Marcelina,Carin obteve o Mestrado em História da Arte naUNICAMP com a dissertação “The Schoole ofMusicke de Thomas Robinson”, e atualmente cur-sa o Doutorado na USP, desenvolvendo projeto detese na área de música e literatura no Teatro deShakespeare.

- Carin, fale um pouco sobre suas primeirasvivências na área de música e, mais especifica-mente, de violão.Eu comecei a estudar música aos quatro anos, e meuprimeiro instrumento foi o piano, embora nunca te-nha me identificado muito com o instrumento, quetinha uma sonoridade muito grande e eu sempre bus-quei algo mais intimista. Aos 11 anos, um tio mepresenteou com um violão, e como sempre gosteide música erudita, quis ter aulas com um professorde violão clássico; meu pai saiu procurando este pro-fessor, chegando ao Ronoel Simões, que dava aulasna Academia Paulista de Violão, e a partir daí passeia estudar a sério o instrumento.

- Ronoel Simões é um nome conhecidíssimo nomeio violonístico, mas a maioria das pessoas oconhece apenas como um grande colecionador epesquisador. Como eram as aulas com o Ronoel,como era o Ronoel professor?Ronoel foi um encanto de professor. Uma pessoamuito paciente, muito calma, e além de possuir umaquantidade enorme de partituras, o que ajudava nahora de escolher o repertório, ele também gravava agente tocando peças, como os duetos de Sor, e dei-xava a gente levar as fitas para ouvir em casa. Outro

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coisa boa era o contato com muita gente do meioviolonístico que frequentava a Academia, o que pro-porcionava uma troca muito grande.

- E como você complementou sua formação noviolão?Desde muito jovem eu me decidi a ser profissionalde violão, e entrei para para fazer meus estudos teó-ricos nos Seminários Livres de Música Pró-Arte, quetinham como professor de violão o Manoel SãoMarcos. Depois, procurei o bacharelado, e, na épo-ca (1976), ao prestar vestibular, não havia violão naFUVEST; durante uma oficina em Teresópolis o LéoSoares me aconselhou a estudar com o Henrique Pin-to, na FAAM. Concluindo o bacharelado, me enve-redei pelo caminho das matérias teórica, para meaprofundar no estudo dos estilos, das formas, pas-sando por vários professores, como OsvaldoClarusso, Osvaldo Lacerda e, finalmente, o prof.Koellreutter, tendo depois me tornado sua assisten-te já lecionando harmonia e contraponto.

- Após estes cursos no Brasil, como foram seusestudos no exterior?O primeiro curso que eu fiz foi no Uruguai, com oAbel Carlevaro. Eu consegui uma bolsa do Ministé-rio da Educação e Cultura para participar de umSeminário com ele, e foi um período fundamentalporque depois eu voltei para mais uma temporadano Uruguai, onde o Carlevaro adaptou a sua técnicapara a minha compleição física. Isso porque haviamalguns problemas, os violões da época eram muitograndes e eu sempre tive a mão muito pequena, oque tornava as coisa muito difíceis; ele tirou toda aforça e a pressão, e passou a me sugerir exercíciospara ajeitar a técnica para usar recursos do antebra-ço e do braço em vez de usar a força física que eununca tive.Mais tarde eu ganhei uma bolsa para um curso emCompostela, mas preferi ir para Israel estudar naAcademia Rubin de Música, e tive aulas com oJoseph Urshalmi, que é um professor iraniano quetem um trabalho especial de técnicas de relaxamen-to no instrumento, trabalhando também outras ques-tões, como a preparação para o palco, aautoconfiança e toda essa outra parte que é o domí-nio psicológico. Era bastante interessante porque eleusava muito técnicas orientais, era um mestre emyoga, do-in, tinha conhecimento dos pontos de ten-

são, e aplicava isso no estudo do instrumento.

- E como o alaúde surge em sua vida?Na volta de Israel para o Brasil, eu tive uma passa-gem por Viena, estudando com o Konrad Ragossnig,e o fato dele estar trabalhando com música antigadespertou meu interesse pelo curso. Um curso bas-tante difícil, ainda de violão, inclusive fui seleciona-da para dar um concerto em Viena, o que foi bastan-te importante para mim. Saindo de Viena, fui paraLondres fazer meu primeiro curso de alaúde, e aí foiamor a primeira vista, me decidi a parar de tocarviolão e tocar alaúde.

- Até então, qual o conhecimento que você tinhado alaúde?Nenhum. Tinha uma boa noção da estética do perío-do, tocava o repertório renascentista e barroco, masnão tinha nenhuma noção do instrumento. Então, fizo curso na Sociedade de Alaúde Inglesa, e decidilevar a coisa adiante. A partir deste momento, co-nheci vários professores, especificamente o AnthonyBailes, com quem vim a fazer posteriormente a es-pecialização na Holanda.

- Quais as principais dificuldades de adaptação quevocê teve na passagem do violão para o alaúde?Primeiro, o problema com a linguagem, da tablatura.Outro choque foi cortar as unhas, pois acho que devehaver um compromisso de que, a partir do momentoem que você toca um instrumento histórico, vocêdeve tocar com técnica histórica. Não é que estousendo purista, mas a questão é que a construção dosinstrumentos é diversa: os barramentos harmônicosdo alaúde são verticais, e os barramentos do violãosão horizontais, isso faz com que a função da mãono tampo seja completamente diferente para acio-nar as cordas e tirar os harmônicos do instrumento,tirar o melhor som. O complicado não só tocar comou sem unhas, mas a posição das mão para acionaras cordas é completamente diferente do violão, aca-bando por levar a uma incompatibilidade técnica damão direita.; a mão esquerda, não, é a mesma coisa,não tem alteração.

- Quanto ao movimento de música antiga, comovocê vê a questão da pesquisa e resgate da música“histórica”, com um estudo mais minucioso e de-talhado de aspectos como a interpretação ?

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Eu acho que isso vem de encontro aos meus interes-ses pessoais, porque eu sempre optei por uma abor-dagem historicista, sempre tive uma tendência peloestudo musicológico, estudo com as fontes, os tra-tados, e o alaúde serviu para conjugar este interessepelo histórico e musicológico com a prática do ins-trumento.A principal questão que me levou ao alaúde, a parteo fato de o alaúde ser um instrumento menos tensoque o violão e com uma técnica mais leve, foi o fatode poder compartilhar o mundo da música com ou-tras pessoas. Passei a tocar acompanhando canto-res, flautistas, violinistas, violistas e, mais recente-mente, comecei a fazer um trabalho com oarchialaúde, tocando em ópera, em orquestra, que étoda uma vivência que eu gostaria de ter tido com oviolão, mas que devido ao repertório próprio para oinstrumento ser mais restrito, não pude ter. Meu tra-balho em música de câmara com violão era peque-no, acompanhava um cantor aqui, um flautista ali,mas com o alaúde pude realmente entrar para o mun-do da orquestra, o que para mim é algo muitoprazeroso, gosto muito de sentir a massa sonora daorquestra; além do que você tem músicas para oacompanhamento e para o solo do instrumento coma orquestra, com o que pude ter novas vivênciasmusicais, e com isso aprendi muito.

- Após um período de declínio em que os instru-mentos dessa família desaparecem do cenário mu-sical, surgem neste século tentativas de retomadadestes instrumentos, inclusive com um repertóriocontemporâneo. Como você vê este movimento?Acho importantíssimo que, na medida em que o ins-trumento está vivo e a partir do momento em que elevolta a ser tocado, que ele tenha a música do pró-prio tempo. Acho importante que se escreva, evi-dentemente, levando-se em conta que ele tem recur-sos limitados, como a sonoridade, enfim, buscandouma linguagem própria para o instrumento. Já hácongressos e concursos de música contemporâneapara alaúde, com a publicação destas obras.

- Além de instrumentista, você tem desenvolvidotrabalhos como pesquisadora e didata. Você achaimportante que o músico tenha uma boa forma-ção e esteja capacitado a atuar nas mais diversasáreas?

Acho que a partir do momento em que o músicoamplia seus horizontes de conhecimento, isso irárefletir na própria música que ele faz, melhorandosua qualidade como músico. Admiro o Humanismo,e como estudante do Renascimento, época em que oambiente era um ambiente humanista, eu acho quevou um pouco atrás dessas figuras mais abrangentes,que tentavam abarcar um conhecimento maior, umcabedal maior de noções para nortear esta busca.Hoje eu penso, na montagem de um espetáculo, nãosó em interpretar, mas também trazer a própria no-ção da cena para o concerto. Principalmente quemfaz música antiga deve ter o compromisso de escla-recer o público, e conforme você resgata a poesiada época, é mais fácil para o público entrar nessemundo, nessa viagem. Sempre procurei costurar to-das essas coisas - como o arranjo, pesquisa, coletada música, montagem do espetáculo, etc - dar contade todo o processo, e não só tocar.

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Carlos Alberto de Carvalho* Entrevista publicada na edição no. 6 - Jul/Ago 1994por Gilson Antunes

Idade: 36 anos *Atividades atuais: professor da Universidade Es-tácio de Sá (RJ), concertista e camerista. *

- Como comecou seu interesse por violão?Na minha familia eu tenho meu pai, que era músico,tocava violino, minha irmã tocava piano, quer dizer, eucresci ouvindo minha irmã mais velha tocando na mi-nha frente, estudando. Então foi assim, eu me interes-sei pela Música. O violão veio porque eu também tinhapessoas que tocavam o instrumento em minha casadesde cedo. Aí eu ganhei um violãozinho com 8 anosde idade e sempre “batucava” e tal.

- Você começou a estudar com quantos anos?Com l4 anos minha mãe me levou na Ordem dos Mú-sicos para tirar a carteira de menor para eu tocar.Com l5 anos já tocava violão na noite. Assim, estouenvolvido com a música profissional desde muito cedo.E o estudo de violão mesmo devo ter começado com10 anos, por aí.

- E quem foi seu primeiro professor?Comecei a estudar com Moisés Ferreira de Lima, queera professor do Conservatório, “aquele” nosso primeiroprofessor (risos). Depois eu fiz uma boa escola com oJodacil Damasceno, trabalhei muito tempo com ele edepois fiquei como assistente dele, tambem com JoãoPedro Borges... depois master-classes eu fiz com Ali-ce Artzt, Giuseppe Henrique...

- Quando você estava comecando a estudar, quaiseram suas influências, quem você gostava de ou-vir?Aquela minha época era de adoração ao Segovia,issoera inegável. E é isso que eu estou dizendo, na minhaépoca de estudo de violão algumas pessoas forammarcantes: Segovia, Bream, Williams, estes três no-mes foram marcantes, são pops da época pra gente.Depois, aqui tinha o Sergio e o Eduardo Abreu tocandosempre, tinha o Turibio que realmente é um marco no

violão do Brasil também.

- Como você avalia sua participação no ConcursoVilla-Lobos de1984?Acho que foi bastante razoável, fiquei em terceiro lu-gar, tirei o Prêmio Julian Bream. Achei bastante justa aclassificação, acho que era aquilo mesmo. Inclusive(aquelas coisas de concurso, não e?) eu li o concertodo Villa-Lobos três semanas antes do concurso, coisasdeste tipo, entende?(risos).

- Quem foram os outros que ganharam o Prêmio?Paulo Porto Alegre e aquele garoto de Belo Horizonte,Fernando Araujo, aliás, toca muito bem este garoto.

- Como foi o desenvolvimento de seu estudo de téc-nica?Eu vejo isso da seguinte maneira. Existem pessoas quetem a cabeça voltada para determinadas coisas. Des-de que estudo violão me voltei ao meu próprio pensarviolão, nessa coisa de técnica, entende? Talvez por daraula desde cedo, a gente tem este pensamento didáticode resolver os problemas dos outros e aí eu me ligueinesta coisa do estudo da técnica tradicional , além dealguns estudos que fiz através da Biomecânica, da Fi-siologia. Ai eu fui desenvolvendo estas teorias todas.Isso na verdade é meu até certo ponto. Isso é umacoisa que talvez não exista muito aqui no Brasil, masque é bastante estudada, inclusive há pessoas especia-listas em doenças funcionais dos músicos. Então euacho importante isso, pois muitas das pessoas que pro-curam a gente, vem para resolver problemas técnicosespecíficos, então eu acho que a gente abre uma bre-cha, um caminho. Em Medicina você tem o sujeito queé clínico geral, você tem o cardiologista... e eu achoque no violão é um pouco assim. Eu acho que hoje emdia, na visão do violão moderno, existe o professor tra-dicional, que eu também me considero, e existe aquelelado da técnica corretiva.

- Nos violonistas em geral, há algum que você

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admire bastante pelo lado técnico como porexemplo, o Eduardo Abreu?É, aí você voltou pra minha época,né? O EduardoAbreu é realmente fantástico. Nos concertos, eles fa-ziam duo, depois solo. E ele realmente é fantástico. Eleé um cara que consegue ficar dias sem estudar violãoe depois toca pra você como se estivesse estudado,entendeu?(risos).O Kazuhito Yamashita eu acho umcara bastante interessante. Você vê certas coisas quesão fantásticas, como o pianíssimo... dele. Apesar dis-so não gosto muito da música que ele faz.

- Você acha que deveria haver um intercâmbio mai-or entre os violonistas?Rapaz, eu acho que isso aí... eu dou o maior valor praesse negócio que vocês estão fazendo, com o boletim(VIOLÃO INTERCÂMBIO). Inclusive no Brasil agente tem os violonistas do Sul com uma escola parti-cular, assim como os paulistas e cariocas tem a sua.Eu acho que a gente deve unificar essa coisa. Eu ado-ro São Paulo porque eu acho que tudo que é feito emSão Paulo é muito sério, essa coisa me atrai. Agora,eu acho que é óbvio que a gente deve fazer um inter-câmbio maior. Coisa como este jornal eu acho fantás-tico. O intercâmbio é tão difícil que você vê o seguinte:conseguir o intercâmbio universitário no mesmo local émuito complicado. Pra conseguirmos fazer este con-curso aí (I Semana Do Rio de Janeiro l993), que a gen-te junta três ou mais professores, e até as pessoas to-parem fazer um concurso como este é muito compli-cado, por vários motivos. Mas eu acho que é uma idéiafraternal mesmo, entende? É uma idéia que abrangefazer todo o violão do Rio de Janeiro, uma coisa queuna todas as faculdades, e não separe, porque todos osprofessores são interessantes. O importante é essaunião dos professores e eu vejo isso de uma maneiramaior, ou seja intercâmbio, inclusive entre as escolas.

- Você tem algum grupo fixo de música de câma-ra?Até bem pouco tempo eu trabalhava com o QuartetoCarioca de Violões e Ensemble Nova Filarmonia. En-tre isso fiz discos com a cantora Leila Guimarães, comJudith Massair, então eu sempre tive uma vertentepela música de câmara, que aliás eu acho uma grandebase interpretativa para o músico.

- Pra finalizar, como está a profissão hoje em dia?Hoje em dia está mais fácil do que há alguns anos atrás.

Nós tivemos uma época em que era muito fácil porquenão tinha ninguém, então várias pessoas apareceram,que foi essa fase do Sergio Abreu, desse pessoal ante-rior a minha geração. Depois entramos num momentoem que apareceram violonistas demais e o mercadocomecou a ficar difícil. Eu acho que estamos entrandonuma outra época em que não é tão difícil trabalhar, aspessoas querem ouvir música, e eu acho que o impor-tante realmente é a gente ser bom naquilo que faz. Sevocê realmente for bom no que faz você vai ter campode trabalho, eu não tenho a menor dúvida. Se você vaificar rico, aí é outra história. Se você quer ficar rico,não faça música, pois fazemos música porque ama-mos. Mas a gente consegue viver bem.

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Carlos BarbosaLima* Entrevista publicada na ediçãono. 38 (Nov/Dez 1999, no. 39(Jan/Fev 2000) e no. 40 (Mar/Abr 2000)por Fábio Zanon

Durante um encontro com Carlos Barbosa Lima,em fins de Agosto, Fábio Zanon realizou importantee minuciosa entrevista com este grande e atuanteviolonista brasileiro, reconhecido interna-cionalmente.

Fábio Zanon: Carlos, você foi um dos mais co-nhecidos casos de menino-prodígio, e um dos pou-cos que conseguiram se manter com uma carrei-ra violonística de sucesso na idade adulta. Comofoi o começo, você veio de uma família de músi-cos?Carlos Barbosa Lima: De forma alguma. Meu paitrabalhava na indústria farmacêutica e era um apai-xonado por violão. Nós morávamos lá no Brooklin[bairro de São Paulo, capital], que na época era umbairro mesmo, que ainda tinha ruas de terra, as cri-anças podiam brincar na rua, etc. Meu pai a um cer-to ponto resolveu aprender a tocar violão, e foi teraulas com o [.], que morava ali por perto também.Eu comecei a ir com ele para as aulas. Enquanto eletocava para o professor eu ficava só olhando. Quan-do voltávamos para casa, eu pedia para pegar noviolão e fazia tudo o que o professor havia dito parao meu pai na aula. Então eu aprendi, assim, no rebote.Mas o meu pai tinha essa dificuldade, não era fácilpara ele aprender as coisas mais difíceis, pois quan-do se começa tarde não é tão fácil, ademais de terde trabalhar o dia todo. Lá, depois de uns meses eleme pegou tocando, só de observar a aula, ali, e fa-lou, ‘olha, não dá mesmo, eu vejo que ele está inte-ressado. Por quê não continua com ele?’ Ele desis-tiu, parou ali. Foi aí o meu começo, eu tinha uns sete

anos de idade. Eu comecei onde ele não conseguiachegar, pegando assim de ouvido. Tanto que nesseperíodo em que meu pai tomava aulas de violão eutomei aulas de cavaquinho. E até hoje eu gosto dosom do cavaquinho, eles até me gravaram tocando ocavaquinho com sete anos de idade.

- E na sua família, ninguém mais se dedicou àmúsica?O meio irmão sofria do que hoje chamam desíndrome de Down. Ele morreu com 25 anos nosanos 70, inclusive viveu mais tempo do que seria onormal para uma pessoa com esse problema.

- Curioso, eu li uma entrevista do Eliot Fisk, eparece que ele começou a aprender música paraajudar a entreter um irmão com síndrome deDown. Parece que a música tem um impacto forte

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nessas pessoas, porque fala diretamente ao uni-verso emocional sem precisar passar pelo intelec-to, conhecimento, etc.É interessante, eu tenho a impressão que a músicapreencheu bastante a vida dele. E tem um fator cal-mante, porque muitas dessas crianças têm proble-mas com nervos, têm dificuldade para se controlar.A minha irmã também aprendeu com o Isaías Sávio,mas depois as pessoas têm outras prioridades na vida,família, etc., e aí deixou. Ela chegou a tocar até bemnos anos 60, e agora a última notícia é que, agoraque a criançada cresceu e ela está com mais tempo,está estudando de novo lá no Brooklin. Mas este foimeu começo, meio na surpresa, assim.

- Sempre se associa seu nome ao do Isaías Sávio.Já usava os métodos dele?Não, o Sávio ainda não havia publicado. Os únicosmétodos que havia no Brasil na época eram os doOswaldo Soares, ou as lições do Attilio Bernardini,ou do Arenas. São as coisas do início, e têm seumérito. Eu estava já tocando 40, 50 peças, pegandode ouvido, fazendo arranjo na instintiva. Comecei aaprender todas aquelas obras de Dilermando Reis.A primeira notícia que eu tive do Sávio foi atravésdesses arranjos que ele tinha de obras populares bra-sileiras, “Tico-tico no Fubá”, etc. Como eu chegueiao Sávio foi muito interessante. Como eu estava fa-zendo um progresso rápido e caótico, tudo mundose deu conta, inclusive o Francisco Del Vecchio, queera dono da loja, a qual era um centro de encontro.Na época estava muito em evidência, acabava defazer um grande sucesso nos EUA, o Luís Bonfá.Numa dessas visitas o Del Vecchio arrumou que meupai me levasse para tocar para o Bonfá lá na loja. Eutoquei para ele, ele ficou muito impressionado e dis-se: ‘puxa vida, a pessoa ideal para você é o IsaíasSávio, que foi meu maestro também no final dos anos30’. Inclusive ele deu um conselho de imediato parao meu pai, de que eu tinha de deixar crescer as unhas,porque eu as comia nessa época. Como medida deemergência meu pai colocou pimenta malagueta naponta dos dedos, e eu parei. A anedota que contam éque como decorrência eu desenvolvi um gosto paracomida apimentada (risos). Uma semana depois eufui fazer uma entrevista com o Sávio. Como meu paitrabalhava, e eu tinha escola, marcamos uma entre-vista para as 10 da noite. Eu tinha 9 anos de idade,mas já era meio noctívago, meus pais faziam de

tudo para me pôr para dormir, mas depois desco-briram meu ciclo!O Sávio, nessa primeira audição, disse que eu tinhagrandes possibilidades mas que tinha de fazer umareforma, e em certo sentido deixar o que eu estavatocando e começar de novo. E disse ainda: ‘se vocêquiser tomar uma decisão agora, eu não vou te tratarcomo criança, mas com um estudante especial, adul-to.’ Foi um momento crucial. O Sávio fez assim umplano para uns dois anos, mas entre uma lição e ou-tra eu estava pegando tudo. Ele me deu várias obrasde Agustin Barrios, que pra mim é como um avôviolonístico, e parece que isso colocou a mão nolugar onde ela tinha de estar. Depois ele me deu asprimeiras edições do Segovia que estavam chegan-do ao Brasil, coisas do Tedesco, além daquelas trans-crições muito bem feitas de Llobet, de Tárrega. Paramim aquilo era tudo novidade, o Villa-Lobos tam-bém tinha acabado de ser publicado. O Sávio nemprecisava dar a digitação, eu me virava por minhaconta!

- E técnica, vocês trabalhavam alguma coisa?Ele fez um plano pra mim, e eu notei anos depoisque ele fazia planos de acordo com cada pessoa. Nomeu caso ele deu uns exercícios básicos para arru-mar a mão direita e fortalecer a mão esquerda, umlivro antigo dele que trabalhava ligados com pesta-na, extensão, coisas que depois entraram num livrochamado Técnica Diária do Violão. Aí veio comouma luva, porque eu já estava tocando o Choro daSaudade de Barrios, imagina. Ele não me mandouestudar escalas, não, fazia uns harpejos, mas sem-pre na música. Ele achava que eu já tinha muitoselementos para trabalhar dentro do repertório. Porexemplo, eu não usava o dedo anular, daí ele medeu direto o Estudo em lá maior de Barrios, que é sóanular. Quando eu comecei a trabalhar com o Sávioele me apresentou ao [compositor] Theodoro No-gueira, que ainda está vivo, é uma pessoa fora desérie, um autodidata, uma pessoa que teve umamarcante influência me ensinando teoria.

- Você gravou muita coisa dele, não?Com ele eu me interessei pela música folclórica bra-sileira, estudei viola inclusive. Ele me pegou aos 13anos de idade, me ensinava que no violino se faziacertas coisas, e eu comecei a ver outras possibilida-des. Uma vez me levou para assistir um masterclass

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do [cellista francês] Pierre Fournier, e me apontava‘olha como os cellistas fazem o vibrato’, etc, entãoeu aprendi vibrato, fraseado, tudo através dessesmúsicos, o Theodoro Nogueira e o Santórsola, comquem comecei a trabalhar aos 14 anos.

- O Santórsola ainda morava em São Paulo?Não, em Montevidéu, mas vinha todos os anos visi-tar os irmãos, pois ele cresceu em São Paulo e gos-tava de reviver a infância. Com o Sávio, comecei afazer aulas a cada duas semanas, e no fim do ano,como eu estava fazendo um progresso rápido, nósfizemos um acordo, de fazer uma aula mais longapor mês. E meu pai convidou para fazer em nossacasa no domingo. E o coitado do Sávio não tinhafim-de-semana, nada. Vinha aquele pessoal do inte-rior para ter aula com ele às 6 horas da manhã, poisviajavam a noite toda, tinham aula de manhãzinha enão precisavam pagar hotel, etc. O Sávio era ummissionário. Ele chegava às 9 da manhã no domingoe trabalhava até a hora que desse, e depois ele pre-parava uma boa caipirinha com meu pai e dormia atarde toda. Era uma figura, ele gostava daquele ne-gócio tradicional da família se reunir, minha mãe co-zinhava comida italiana.

- Quando foi sua primeira apresentação, seu pri-meiro recital público?Foi rápido, eu tinha 12 anos e já tinha dado umasapresentações em público, me lembro de tocar emuma recepção no laboratório em que meu pai traba-lhava, e sempre toquei para as pessoas, assim emcasa. Houve o estímulo de vários músicos, o Sávio,o Del Vecchio, o Ciro Monteiro Brizolla (que meensinou harmonia antes do Santórsola, mandou queeu estudasse o Hindemith, imagine, naquela época.),em promover um concerto solo. Esse grupo de pes-soas conseguiu, com um parente nosso que traba-lhava na prefeitura, o Teatro São Paulo. Esse teatronão existe mais, mas na época era talvez o segundoteatro de São Paulo, com uma acústica muito boa.Programaram aquilo para seis meses depois. Eu tivena época um padrinho publicitário, o José Carlos deMoraes, que era conhecido como Tico-tico, e eleme apresentou na televisão. Eu toquei uma peça clás-sica e uma brasileira, “Las Abejas” e a “Batucada”do Sávio, no programa do Chacrinha (risos), masain-da não era aquele circo, a gente sentava no sofápara conversar. Ele apresentou também o João Gil-

berto, na época como que iria imaginar que ia viraraquela coisa internacional, o João Gilberto lançan-do o primeiro disco da bossa-nova e cantando “De-safinado”. Incrível. Foi um hit. TV nessa época sótinha uma, então todo mundo viu, e meu pai conse-guiu encher a sala. Eu tenho foto, mil e poucas pes-soas. Para um desconhecido.

- Tremeu?Quem tremeu foi o Sávio, não eu. Comeu todas asunhas (risos)!

- Lembra do programa?Genericamente. Toquei aquele “Prelúdio e Fuga” dealaúde de Bach, a “Canzonetta” de Mendelssohn,de Villa-Lobos (talvez a primeira vez que se tenhatocado isso em São Paulo, deixo no ar) o Prelúdio 1,o Estudo 7, a “Tarantella” e o “Vivo e Energico” doTedesco; “Las Abejas” de Barrios, Tárrega, a “Ba-tucada” e mais algumas coisas do Sávio, talvez o“Agogô”. Foi um sucesso. Mas eu tocava em casapara as visitas, tocava no colégio, já que o nível docurso secundário no colégio estadual na época eramuito bom, lá em Santo Amaro, e eu tocava em qual-quer ocasião.

- Isso deve ter te dado um certo conforto para to-car. Hoje você entra no palco e parece que está nasala da sua casa.O primeiro concerto em São Paulo, meu pai depoiscontou, que ele ficou tão nervoso que tomou meiolitro de uísque para se agüentar (risos). Eu me senticompletamente confortável, e até hoje. Três mesesdepois, se passou a mesma coisa no Rio de Janeirona Associação Brasileira de Imprensa, o mesmo lu-gar onde o Segovia havia tocado. Quem coordenouisso foi o senhor Mário Montenegro e o AntônioRebello, o avô dos irmãos Abreu. O Sávio o consi-derava um irmão, espiritualmente. Mas foi assim,em 3 meses eu toquei em São Paulo e no Rio, e de-pois disso eu já recebi a proposta de gravar um dis-co pela Chantecler. O primeiro disco clássico queeles fizeram foi o meu. Foi uma síntese do meu pro-grama de concerto. Foi, primeiro o ‘Dez Dedos Má-gicos num violão de Ouro’, depois ‘O Menino e oViolão’, e um outro, um concerto de violão, em se-qüência.

- E você na época tocava muito pelo interior?

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Graças ao Ciro Monteiro Brizolla, que estava vin-culado com o governo Estadual e arrumou para mimessa turnê. Foram 20 concertos em 21 dias, um atrásde outro. A primeira etapa foi bem, comecei com umtrem da Paulista que era de primeira, um trem inglêse tudo, até Bauru. Ali começava a maria-fumaça, edepois de ônibus jardineira, meu pai vomitava nocaminho (risos). Eu acho que fui o único que com-pletou essa turnê, porque todos os outros ficavamdoentes no meio, inclusive o grande pianista JacquesKlein, mas eu consegui fazer inteirinha, com aquelecalor, aquela poeira. Depois conseguiam carro daprefeitura, e o carro quebrava no caminho. Teve ci-dades que eu chegava uma hora antes do concerto,mal dava tempo de tomar banho. Não sei como meupai agüentou, ele tinha pressão alta, mas passamospor essa prova de fogo, e o final da turnê foi umconcerto no Cultura Artística em São Paulo.

- E você chegou a tocar na Argentina, Uruguai, ti-nha mais comunicação com esses países na época?Um grande incentivador desses contatos com Argen-tina, Uruguai e também na Europa e EUA, foi oRonoel Simões. Meu pai passava na academia parajogar palito e tomar cerveja com ele, e o Simõesteve uma participação importantíssima, tornou-se umcampeão da minha causa, porque ele se correspondiacom todo mundo. Depois de um tempo as pessoascomeçaram a pedir que eu tocasse. As embaixadastambém sempre ajudaram muito, e eu fui tocar nes-ses lugares. No Norte e Nordeste do Brasil era ain-da mais difícil. Não havia transporte, comunicação,e ainda assim, mais tarde, eu fui tocar. Muita gentenem imaginava que se podia tocar violão solo, maseu ia regularmente tocar em Fortaleza, Salvador,Aracaju, cheguei até a tocar no interior do Rio Gran-de do Norte. Era uma aventura. Tocava-se num lu-gar e as pessoas se comunicavam por rádio amadorpara falar do meu próximo concerto em outro lugar.

- Nessas alturas você já era um rapazinho. Nuncateve dúvidas sobre a sua vocação, vontade de fa-zer outra coisa?Eu cheguei a estudar Direito por alguns anos. Nun-ca tive dúvidas sobre a música, eu só queria saberfazer outra coisa mesmo, por via das dúvidas, e oque me atraiu no direito foi a formação humanística.A Faculdade de Direito tinha essa tradição de for-mar intelectuais, diplomatas, e eu achei que ia ser

bom para minha educação humanística. Mas a mi-nha carreira já estava tomando outras direções.

- Como foi sua primeira viagem para os EUA?Eu já tinha uns 20 anos e todos falavam que eu pre-cisava ir para fora, tentar uma carreira mais interna-cional. O Ronoel se comunicava muito com oSophocles Papas, que era uma pessoa muito influ-ente no mundo de violão dos EUA.Durante a estada de Barbosa Lima em Londres, emfins de agosto, Zanon realizou esta entrevista comeste violonista brasileiro. Leia agora a segundaparte do encontro.

- Fale agora da sua carreira de professor.Foi uma carreira sem experiência intermediária. Oprelúdio foi de 1969 a 71, dando aulas deaperfeiçoamento em uma atividade do governoestadual em São Paulo. Quando entrei no CarnegieMellon Institute em Pittsburgh o violão ainda nãotinha se estabelecido nos EUA como hoje, encontreiainda muita gente com defeitos elementares, mas tiveainda assim bons alunos. Nos anos 70 comecei adar mais masterclasses e meu enfoque sempre foidesde o ponto de vista musical e daí passando paraa necessidade técnica. Agora, quando a técnica édefeituosa, me perdoe, mas tem de começar tudo denovo, pois não se vai a parte alguma. Penso quetambém influenciei algumas pessoas nos EUA alevarem o Abel Carlevaro, a quem eu respeito muito,pois passou 30 anos desenvolvendo um sistema. Oprimeiro masterclass que ele deu em Nova York fuieu que organizei. Depois o nível começou a subir, jáno início dos 80, mas sempre acho uma brecha ondedá para preencher. Sobretudo nas cores. Existemduas tendências hoje, muita gente tocando as notasperfeitas e o som não muda nada.

- A moda de tocar só metade do violão. Como vocêexplica esse fenômeno, de por um lado as pessoastrabalharem loucamente para conseguir a perfei-ção de notas e de ação, e quando esse problemaestá resolvido parece que musicalmente a coisanão se expande. Por que pegou?Para mim é um instrumento afônico. Pegou por cau-sa do que eu chamo de meio-termo seguro, quandoas pessoas não querem se arriscar, entende?

- Você acha que se erra mais quando se toca com

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mais cores?De jeito nenhum. Está na cabeça. Quanto mais otempo passa mais cores eu vou descobrindo. Vou tefalar uma coisa, não planejo a coisa cientificamente,deixo acontecer, e assim a tua relação com o instru-mento é confortável, a mão direita também não éestática. A escola de Tárrega era mais ortodoxa, maishomofônica, e eu tenho a impressão que o Llobet jámudou um pouco isso. Aí surgiu a necessidade mo-derna do Segovia, que realmente expandiu.

- Esse era um pintor mesmo.O conceito orquestral de surpresa. Às vezes façoexperiências em masterclass, as pessoas ficam commedo, e digo ‘faz, não olha’, e sai, a pessoa se entu-siasma, e o público ouve. Sem embargo, há outroâmbito, mais homofônico, que tem seguidores, masestá perdendo a batalha de longe. Quando se tira oviolão do âmbito violonístico e leva para a esfera,digamos, de música camerística, não há nem o quedizer.

- Na Manhattan, como foi o seu trabalho?Fiquei em Pittsburgh até 81, depois me mudei na-quela coisa instintiva de experimentar o mundo nova-iorquino. No ano seguinte, a Sharon Isbin me cha-mou, fiz uma entrevista e a coisa se resolveu em 24horas. Não era um trabalho semanal. Escolhia al-guns alunos, seis no máximo, gente a quem podiadar aulas de 2 horas a intervalos maiores pois nãoqueria trabalhar com um assistente. Às vezes elesvinham à minha casa, era mais relax, dava para pa-rar a hora que quisesse, de modo mais civilizado.Imagine em Nova York, você pega aquele metrô - omais pacífico já chega briguento pra aula.

- E a decisão de sair de lá e mudar para PortoRico? Foi uma coisa progressiva. A Sharon abriu o depar-tamento na Juilliard, e quem passou a dirigir foi oGoluses, uma pessoa ótima. Em 94 ele se cansou deNova York e saiu também. Eu sabia que a filosofiaali iria mudar e me preparei para sair. A primeiracoisa que entendo das artes é que elas unem as pes-soas; quando começa a dividir, é anti-arte. Ficou umcerto fascismo cultural, eu sou democrata, ponto fi-nal. Por isso acho importante a presença da Sharon,que além de ser minha amiga tem uma visão univer-sal muito maior. Ela tem uma grande intuição, e tra-

ta muito bem os alunos estrangeiros, inclusive o casodo Paulo Martelli. A contemplação de fazer a baseem Porto Rico foi graças ao meu grande amigo [oempresário, fabricante das cordas Aranjuez] JuanOrozco. Já no final dos anos 80, por uma questão deimpostos etc., ele pensou em mudar para Porto Rico.Lá encontrou um ambiente fantástico, de origem his-pânica. Um dia ele perguntou para mim: ‘quê quevocê está fazendo em Nova York?’

- Pagando imposto (risos).E agüentando aquele frio horroroso. Foi um invernoem que teve 17 tempestades de neve! Eu já ia ládesde 80, toquei no Festival Casals, sempre gosteidaqueles trios vocais, que nem o Trio Los Panchos,e fiquei três anos amadurecendo a idéia. Eu estavame envolvendo com a cultura caribenha e comecei aidentificar com o Nordeste brasileiro, pois são iguaisem tudo. Conversei com o [compositor porto-riquenho] Ernesto Cordero, numa noite boêmia láem Nova York, e já estava no ponto da decisão. Eem 96 decidi mudar para lá. Tem elementos geniaislá, hem, entre o Cordero, o Leonardo Egúrbida e oJuan Soloti, que é um violonista de primeira, grandearranjador e compositor. O Cordero tem a primaziacaribenha de escrever para um instrumento folclóri-co com orquestra, o cuatro porto-riquenho, que éderivado da guitarra renascentista, mas nós temosno Brasil o Theodoro Nogueira que escreveu paraviola brasileira e orquestra nos anos 60. Porto Ricoé um ponto entre dois mundos e tem a vantagem deser um país tropical. Você sai para turnê com outradisposição. Eu vou a Nova York 2 ou 3 vezes porano, dou masterclasses na Juilliard, encontro comos músicos de jazz, parece que eles vivem mais avida.

- O próximo marco de sua carreira imagino quetenha sido aquele lindo disco de Jobim e Gershwin.Como é sua relação com a Concord Records?Foi uma idéia incrível. Conheci um produtor emWashington. Ele viu que eu fazia esses arranjos deScarlatti, e perguntou por que eu não fazia uns ar-ranjos, revestindo uns compositores que nem oJobim, etc., uma idéia que o Albert Harris já haviasugerido. Comecei a fazer uns esboços do Gershwinem 77, 78. Na virada da década de 80, fui ao Brasile consegui umas partituras do Jobim; estavam horrí-veis, com harmonias erradas, etc. Escutei os discos,

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com aquelas harmonias incríveis, “Urubu” etc., eudisse ‘isso aqui já não é bossa-nova, é música decâmara’. Larguei as partituras e comecei a fazer osarranjos de ouvido, e depois também tirei algumascoisas do livro do Eumir Deodato, lá por 81, 82.Então eu procurei o Tom Jobim. Foi uma sorte, medisseram que ele estava no Hotel Adams. Um diacriei coragem, liguei e ele mesmo atendeu, até as-sustei. Ele estava numa fase intermediária, não esta-va tocando muito em público, meio escondido. Eledisse que estava muito honrado, perguntou ‘você nãoquer vir aqui amanhã’? Claro que eu fui. Ele faloupra eu nem levar as partituras, até brincou: ‘podedeixar que eu sei ler música’. Ele preferia terminarprojetos em Nova York porque o telefone não toca-va muito. Eu mostrei as coisas, falei ‘aqui dá prafazer um contraponto’, ele disse ‘vamos trabalharnisso, eu estou o mês todo aqui’. Eu sempre chega-va lá e ele dizia: ‘tô com um pouco de sede, tem umbarzinho aqui em baixo, vamos lá ‘. O que realmen-te arrebentou com o Jobim, para violão, foi o “StoneFlower” (Quebra-Pedra). Esse realmente foi um dosarranjos mais arrojados que eu fiz, eu acho. Ele fi-cou entusiasmado. Eu queria fazer essas canções tra-dicionais, “Desafinado”, “Samba de uma Nota Só”,ele até me deu uma introdução para o “Corcovado”.O Juan Orozco arrumou um violão Di Giorgio queacabou ficando para ele, muitas vezes ele tocava deviolão para violão.

- Quando o disco ficou pronto foi um estouro, nãoé?Na época eu tinha uma oferta de fazer outro Scarlattina França, mas vi o jeito que o pessoal reagiu aoJobim, e achei que já tinha algo mais quente na mão.Eu estava entusiasmado, com os arranjos prontos,toquei pra família do Tom, ele adorou o Gershwin,disse que era o irmão mais velho espiritual dele. OCharlie Byrd, com quem tinha dado uns shows, meapresentou à Concord, que eu achava que era umacompanhia especializada em jazz. Encontrei com oprodutor, no estúdio, e ele estava gravando nadamenos que o Tito Puente. Em vez de conversar comele fiquei escutando o Tito Puente, aliás um discoque ganhou um Grammy. Mas ainda assim ele fe-chou na hora comigo, perguntou quando eu queriagravar. Dois meses depois gravamos em São Fran-cisco. Foi um impacto, porque fui o primeiro a fa-zer. Hoje todo mundo entrou nessa, mesmo a Sharon

e o Barrueco têm tocado esse tipo de arranjo. O dis-co chegou às rádios de jazz e eles começaram a to-car - foi uma loucura. Pegou os dois mundos. OTom até escreveu o texto da capa. Na preguiça típi-ca dele, na época não tinha fax, tive de ligar um montede vezes para conseguir o texto. Ele mandou o textodo Brasil por telex.

- E você continua com a Concord? Quais foramos destaques?18 anos de relação, um disco por ano. Um que rom-peu forte foi aquele ‘Impressions’, que tem oDebussy, os brasileiros. Eu até gostaria de refazercom meu violão novo, o [luthier porto-riquenho]Caruncho, que tem uma enorme sustentação, e vocêreprograma as peças, sobretudo a questão de espa-ço. Outro disco, que foi uma coisa diferente, foi umque juntou músicos de diferentes tendências, eu, oLaurindo Almeida e o Charlie Byrd. O disco quetem a sonata de Ginastera também fez muito suces-so, mas pelo conceito do disco, com o concertino doHarris etc.. Pensei vários anos nesse programa, e aoinvés de fazer um disco de contemporâneos, usei oconceito de pirâmide, em que a obra central seria oGinastera. O produtor adorou a idéia de dar varie-dade com obras solo alternadas com obras orques-trais.

- E o Gnatalli, você conheceu?Na década de 80 fui para o Brasil para ser jurado deum concurso, a Mindinha também estava no júri, atéassinei um manifesto em favor das diretas. Eu lem-bro que levei muitos discos, o pessoal na alfândegafoi simpático, eu tive de assinar uns dois ou três dis-cos lá mas eles me liberaram. Foi organizada umafesta, e lá estavam o Tom Jobim, o Radamés Gnatallie o Francisco Mignone. Tirei uma foto com eles, meprometeram mandar e até hoje nada, uma foto, paramim, histórica. O Mignone coitadinho, já estavavelhinho, mas ele ali com o Radamés, tomando to-das. O [Marcelo]Kayath também foi, uma festa memorável aquela.Ali o Gnatalli disse que tinha dado toda a obra delepara o Laurindo. Eu ainda vi o Mignone outra vezem 85, ele estava idoso, e morreu a Mindinha, e em86 morreu o Mignone. A última vez que eu o vi eleainda estava tocando piano. Quando eu gravei a“Sonatina” do Gnatalli, que na verdade se chamaconcertino, o Laurindo me deu a partitura. Um que-

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rido amigo, recebeu homenagens merecidas no finalda vida, especialmente aqui na Inglaterra.

- Numa situação hipotética de existirem, hoje, to-das as condições para encomendar uma obra novade peso de qualquer compositor no mundo, quemvocê escolheria?Venho pensando nisso ultimamente, e teria umas trêsidéias em mente, mas a minha escolha ficaria com ogrande sucessor do Villa-Lobos, que, para mim, é oMarlos Nobre, porque ele está muito envolvido como violão. Agora eu gostaria de ter uma obra porten-tosa, porque ele é muito talentoso e versátil, e eu oadmiro muito

- E nos EUA e Europa, você acha que existe umalacuna?Eu acho que existe nos EUA, curiosamente; nãoexistia com compositores como o Gershwin ou oBernstein, entre autores ditos sérios e os mais ligei-ros, e também os autores de música de filme, que eurespeito muito, como John Williams, Quincy Jones,tanta gente fantástica. Eu gostaria de ter obras decompositores que usassem a tradição popular ame-ricana. A Sharon gravou um disco com três concer-tos, bons, mas ainda não é o que eu gostaria de ver.

- Você se vê voltando a tocar programas mais con-vencionais, nos moldes de um Segovia, re-incor-porando seu repertório europeu?Concerto completo talvez não, mas re-incorporan-do eu já estou, inclusive teve uns concertos emHonolulu que toquei umas peças que fazia uns trintae tantos anos que não tocava, coloquei umCastelnuovo-Tedesco . Essas coisas voltam rápido,quanto menos pensa melhor sai, pois está dentro dosistema. Eu visualizo re-incorporar a “Canzonetta”de Mendelssohn, essas coisas que ninguém tocamais. Eu não acho que vá tocar uma sonata comple-ta de Bach, entretanto, talvez alguns movimentos.Tenho muita coisa montada que eu nem toquei, vocêfaz dez transcrições para usar duas. Eu gostaria, simde usar algo daquela época com o toque de agora.

- Você chegou a tocar alguma coisa contemporâ-nea mais ortodoxa, mais vanguardista?Já. Toquei uma peça do Leonardo Balada bem mo-derna. Também algo do Francis Schwartz, mas es-ses trabalhos foram mais uma coisa de amizade. Veja

que as sonatas do Santórsola eram dodecafônicas;trabalhei com ele e penso que estreei bem a Sonatano.3, “Hispânica”, nos EUA, e toquei depois emoutras partes também. O esforço para manter umaobra dessas é tremendo, e o resultado final é o pro-blema. Tive a coincidência de começar o trabalhocom o Ginastera na mesma época, e aí tive de esco-lher. Porém, uma obra mais tradicional do Santórsola,como o “Prelúdio à Antiga”, gostam no mundo todo.Tive a idéia de fazer um arranjo para violão comquarteto de cordas no acompanhamento, e ele disse‘por quê não colocar também um oboé?’, e essa éuma das últimas coisas que o Santórsola revisou antesda vista dele se deteriorar.

- Então você não acha que a relação esforço-be-nefício compensa?É um sacrifício intelectual que não vai a nenhumaparte. E tem muita coisa mal-escrita. Mesmo umalinguagem que não é familiar, dá pra dizer quando ocompositor sabe o que faz. Acho que dá pra incor-porar efeitos interessantes, e é nessa linha que entrapor exemplo o [compositor havaiano] Byron Yasui,de linguagem tradicional com toques diferentes. Eno Brasil, quem estava muito adiantado para a épo-ca era o Mignone. Mesmo o Gnatalli, no próprioconcerto de Copacabana tem coisas atonais, e aí abrea janela. E o Mignone usou um pouquinho no pri-meiro movimento do concerto.

- Você não vai gravar isso?É a minha próxima prioridade.

- Além disso quais são os próximos projetos?Eu tenho um vídeo que será lançado pelo Mel Bay,com bastante música latino-americana e duas mini-aturas do Tárrega. Eu gostaria de revisar uns proje-tos antigos pra poder re-editar. Os estudos doMignone necessitam uma revisão e um diria re-lan-çamento junto com a partitura. Os estudos comple-tos poderiam ser re-masterizados talvez. Se umacompanhia como a Mel Bay fizesse um acordo coma Columbia, aí sim, o disco com a partitura. Eu te-nho muitos projetos para editar, está acumulando.

- Sua editora hoje é a Mel Bay?Mel Bay e a GSP, basicamente. A Mel Bay tem umadistribuição de século XXI já há muito tempo. Ado-ro também a maneira como a GSP cresceu, o inte-

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resse deles pela música brasileira, era uma loja defundo de quintal e veja como cresceu. Nos anos 80Dean Kamey [dono da GSP] estava começando afazer contato com os editores no Brasil, para re-lan-çar as músicas, e ele disse ‘o problema lá no Brasilé que eles não respondem carta’. Falei para ir pra láe conhecer as pessoas pessoalmente. Ele foi e deucerto, encontrou o Ronoel, criou uma boa relaçãocom o pessoal das editoras, com o Bellinati. Foi umaboa relação para os dois. Sou fã do Paulo, o traba-lho original dele é multi-facético. Você vai ver quantagente ainda vai tocar a obra do Paulo. Tenho aindaoutros projetos na direção do clássico europeu. Porexemplo, nesse disco ‘O Boto’, gravei um concertode Haendel para harpa, e tenho outros quatro namesma direção, de Bach e Vivaldi. Sempre gosteidessa coisa dos ritmos, pode ser que faça uns arran-jos de boleros. Mesmo outras obras do Sávio deve-riam aparecer, os Prelúdios Pitorescos, etc.

- Que caminho você acha que o violão vai tomarnos próximos 20, 30 anos. Ou melhor, o que vocêgostaria de ver acontecendo para o violão?Acho que uma atitude de interação entre o que sepassou de bonito e as inovações sadias. Eu acho quenão adianta só romper e fazer tudo avant-garde.Como todo mundo agora estuda o violão seriamen-te, por música, com bons professores, acho que temde se explorar as avenidas folclóricas em associa-ção com a música contemporânea. Gostaria de vermais e mais o violão em música de câmara com ou-tros instrumentos. Os grupos violonísticos são inte-ressantes, por incentivo contra timidez de se tocarsozinho, e às vezes aparecem uns trabalhos formi-dáveis como o Quaternaglia no Brasil, mas eu gos-taria de ver o violão em câmara com outros instru-mentos.

- O Brasil está nos planos?Para morar, acho que não daria, mas é interessanteesse pé no Caribe; logo logo já tem vôo direto deSan Juan ao Rio, aí vai ser um progresso, inclusivevai poder chegar vestido do mesmo jeito, com a ca-misa aberta. Agora seria muito importante, cada vezque for, agora que o violão está em todas as univer-sidades, dar um pequeno seminário, um encontro comprofessores. Vi isso em estágio embrionário, quan-do o seminário de Porto Alegre estava estourando,quando vinha gente do país inteiro para o curso, foi

uma das grandes alegrias no fim da vida do Sávio,ele já não podia tomar nada, mas aquele dia bebeu.Ele disse que tinha sido a luta dele a vida toda, etinha sido aprovado pelo congresso que o violãopoderia fazer parte da Universidade Federal. O Sáviofoi o patriarca, e viu ainda em vida a coisa começara acontecer.

- E as Federais estão fazendo um belo trabalhoagora.Como disse, comecei a viajar pelo Nordeste no iní-cio dos anos 60, estava num estágio rudimentar. Oúnico professor que havia por lá na época era o meuamigo Hamilton Ferreira, e ainda havia gente quetinha escutado o Barrios nos anos 30. Gostaria dere-visitar o Brasil dando concertos, masterclasses,pois as pessoas mais jovens não me viram, talveztenham escutado um disco ou outro. Fiquei 10 anossem tocar no Brasil de 79 a 89, e depois ia muitodepressa. Gostaria de passar um período maior, ummês ou mais por ano, dividindo minha experiência.Viajei por essa parte do Brasil na idade da pedra,agora queria ver esses lugares com uma estrutura jámontada.

- Como foi sua primeira viagem para os EUA?Eu já tinha uns 20 anos e todos falavam que euprecisava ir para fora, tentar uma carreira maisinternacional. O Ronoel se comunicava muito como Sophocles Papas, que era uma pessoa muitoinfluente no mundo do violão dos EUA. Através delesfizemos os contatos e eu fui para meu primeiroconcerto em Nova York. Eu mal falava inglês naépoca, tudo era feito meio na espontânea, assim.

- E foi um sucesso, calculo.Acho que eu cheguei num momento em que aspessoas estavam querendo uma renovação. O pessoaldos círculos de violão funcionava bem na divulgaçãonessa época, tinha um bom público. Logo depois jáme conficaram para voltar, e tocar em outros lugares,Washington CD, as maiores cidades da costa leste,depois também na Califórnia, que era um lugar bemdiferente.- Mas você continuou no Brasil por algum tempo.Foi. Eu também estava envolvido com uns cursosde aperfeiçoamento promovidos pelo Governo doEstado de São Paulo. Eram uns cursos de formaçãode professores; não havia iniciantes, só gente que já

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tocava, alguns muito bem, como o Henrique Pinto,que hoje é esse notável professor. Eu nunca tinhaensinado antes, e para mim foi uma experiênciaimportante. Mas daí as viagens para os EUA,começaram a ficar cada vez mais freqüentes, e paraa Europa também, pois um ano depois já toqueiminha estréia em Londres no Queen Elizabeth Hall,Espanha e Itália também, e as viagens eram muitomais complicadas na época, e mais caras também.Então apareceu o convite de me ligar ao CarnegieMellon Institute em Pittsburgh e eu tive de tomaruma decisão.

- E esses primeiros passos, como foram? Empre-sários, gravações.Eu era totalmente verde, não fazia muita idéia decomo ir atrás dessas coisas. Mas através de amigosfoi possível conhecer alguns empresários e, já logodepois da minha estréia em Nova York, eu fui fazeruma entrevista com o Harold Shaw. Na verdade eufiz um pouco de jogo duplo pois havia um outroempresário grande que estava interessado, masdepois de pensar muito acabei ficando com ele poisparecia que poderia me levar mais longe. Eu dei umasorte grande pois eu preenchi um buraco: o JohnWilliams sempre tira uns períodos longos de férias,aquilo que a gente chama de sabbatical em inglês,pra reciclar, descansar das viagens, e naquele anoele cancelou muitos concertos. Eu peguei a deixa epraticamente fiz essa turnê no lugar dele. Claro queisso chamou muito a atenção dos círculosviolonísticos, e uma vez que o primeiro concertoagrada, os outros aparecem por decorrência. Vejabem, Washington DC é um lugar ao qual eu voltopraticamente todos os anos desde 71, é uma segundacasa pra mim, eu me sinto mais em casa lá que emNova York. O (violonista) Larry Snitzler é quase umapessoa da família, já tocamos juntos, fiz arranjos parao quarteto dele... Logo em seguida veio o convite daWetminster para fazer o primeiro LP. De novo, eu emeu empresário tínhamos duas companhias em vista;havia uma possibilidade na RCA, mas depois dealgum tempo, vimos que não ia sair muita coisadaquele contato e fechamos com a Westminster.

- Calculo que tenha sido as sonatas de Scarlatti,um disco que marcou época.Foi. Na verdade foi uma idéia deles. Eu toqueialgumas sonatas no meu primeiro recital em Nova

York que saíram muito bem, e o produtor ficouimpressionado e disse: ninguém fem um CD só deScarlatti ao violão até hoje, isso seria uma coisainusitada. Já fomos à loja, comprei o volume das 60sonatas do Kirkpatrick, os discos de cravo, e meenvolvi com o projeto. Quando saiu foi um estouro,porque era novo, compreende? As críticas nasrevistas especializadas foram ótimas, ficou nas listasde mais vendidos e tudo...

- E você publicou as transcrições, o que era novi-dade, pois o Segovia só havia publicado umas duasou três.É verdade. Chega um momento em que tudo seencaixa: você tem disco pronto, a imprensa fala arespeito, aparece a editora para publicar, oempresário aparece e tem o material para conseguiroutros concertos, você fica com o território todocercado, por assim dizer. Foi o começo de uma ótimarelação com a (editora) Columbia, publicamos muitacoisa.

- Nessa época você também tocou para o Segovia.Como foi?Ele dava ocasionalmente esses cursos nos EUA. Eutoquei para ele, ele foi muito simpático e me convidoupara ir para Santiago de Compostela atender aoscursos que ele dava todo ano. Foi muito interessante,tinha toda aquela aura do Segovia e todos nósaprendíamos muito só de estar perto dele. O jeitodele em ensinar era aquilo que todo mundo sabe:tinha de tocar tudo no andamento dele, com adigitação dele, etc, mas é a maneira como eleensinava: ele gostava de expandir a expressão dosalunos, era muito interessante. Depois fui para Madri,tive umas aulas particulares com ele, e toqueialgumas vezes quando ele estava de passagem pelosEUA. Ele sempre foi muito simpático; algumascoisas de sonoridade eram novidade para mim, davapara aprender muito de vê-lo tocar de perto.

- Isso chegou a ter uma influência na carreira?Afinal de contas você depois tomou um caminhototalmente diferente;Ah, sim, mas na época ainda tocava muita coisa dorepertório mais tradicional do Segovia, não dava paraevitar Tedesco, Turina e tal. Depois, por outraspessoas fiquei sabendo que ele fez referênciaselogiosas ao meu respeito, ele era meio à moda

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antiga, não elogiava de frente. Justiça seja feita, oJulian Bream também foi muito simpático nessaépoca, dando conselhos a respeito de que rumo tomarnos EUA etc ... Minha admiração pelo Segovia éenorme, mas já naquela época eu sabia que tinha deconstruir o meu repertório, a minha maneira de tocar,e que ficar imitando não ia produzir nada queinteressasse. Então, logo em seguida fui meafastando, pois tinha outros projetos. Pra falar averdade eu também ficava um pouco incomodadocom aquela bajulação do Segovia; toda vez que elevinha para os EUA ficava um grupo de adeptos trásdele, eu achava aquilo ... As pessoas copiavam apostura, o jeito dele, até o programa, só faltavambeijar a mão dele. Claro, ele tinha uma reputaçãoque podia abrir as portas para um jovem, então aspessoas ficavam ao redor dele tentanto agradar. Masonde foram parar essas pessoas? Continuam talveztentando imita-lo, mas não se firmaram pois cópianão leva a nada, compreende? Ainda hoje tem genteque usa essa coisa de ser discípulo do Segovia paraabrir portas, e mal tocou para ele; eu nunca quis fazerisso.

- Prova disso é o fato de que várias pessoas já es-tavam escrevendo para você. Acho que o próximomarco de sua carreira são os estudos do Mignone,certo?É verdade, certas obras, certos projetos criam umacomoção por assim dizer que constitui umareferência. O Mignone já havia escrito as 12 Valsas,dedicadas ao Sávio.

- Você as digitou, mas elas continuam bem difí-ceis de fazer resultar, não é mesmo?É, na época eu tentei tornar possível tocá-las do jeitoque o Mignone as escreveu, mas hoje eu acho queelas precisariam de uma revisão mais abrangente,sabe? Eu até tenho um aluno que, sob minhasupervisão, fez um estudo e uma outra versão dasvalsas, se você quiser posso mostrar. Ele ainda estavaesquentando para o violão. Mas daí eu encontrei comele num dos Seminários Internacionais de PortoAlegre. Ele estava lá dando uma conferência, e eulhe disse que depois do Villa-Lobos ninguém tinhase arriscado a compor estudos para violão no Brasil.Ele gostou da idéia, conversamos muito, eu toqueipara ele, e logo em seguida ele foi me mandando uma um pelo correio. Eu fui ficando entusiasmado, já

revisava e mandava de volta porque percebi queestava se tornando uma obra realmente portentosa,digna do grande compositor que era o Mignone. Erauma pessoa encantadora, tocava piano com umcharme que você nem imagina, gostava de viajar,beber, conversar. Eu considero os estudos um marcona história do violão.

- Mas pouca gente toca, mesmo no Brasil aindanão “pegou”.É, não sei por quê. Eles ainda são muito de tocarcomo um todo. Aquele estudo nº 12 eu nem chegueia tocar muito em público, é muito difícil. Na hora degravar foi uma batalha, fiquei feliz de ter saído logode primeira, nem quis mexer porque ele não dáespaço para o intérprete relaxar, é uma dificuldadeatrás da outra. Talvez eles mereçam uma nova edição,talvez uma alguém como o Mel Bay se interessasseem fazer uma versão revisada, com algumasmodificações que fiz e o Mignone gostou muito, eque viesse com um CD junto. Depois, para mim,outro marco foi o Concerto para violão do Mignone.Foi a última vez que ele fez uma viagem longa dessas,para ver a estréia do concerto nos EUA. Ele foi coma Mindinha e a esposa no avião, eles fizeram umafarra, já chegaram meio altos do avião. Pareciamadolescentes em colônia de férias, bebiam, contavampiadas, ele era um jovem num corpo de pessoa idosa

- Acho que a sonata do Ginastera foi o seu próxi-mo grande marco. Essa entrou para história mes-mo, pois hoje todo mundo toca essa sonata.Pois bem, o (empresário) Robert Bialek queria co-memorar o aniversário da companhia dele em gran-de estilo, e eu sugeri que poderíamos tentar umcontato com o Ginastera e encomendar uma obrapara violão. Veja bem, o ginastera era um composi-tor tão famoso quanto Villa-Lobos, tinha as óperasdele sendo estreadas nos EUA, os quartetos, con-certos, todos sendo tocados, ele erareconhecidíssimo, entende? Foi uma coisa assimmeio de sorte que ele estava disponível e a idéia decompor para violão caiu bem para ele naquele mo-mento. Marcamos um encontro através do empresá-rio dele, eu toquei muitas obras para ele, o Villa-Lobos, o Mignone, e desde logo ele disse que que-ria compor uma sonata pois peças curtas o violão játinha de sobra. Ele queria desde saída fincar ummarco na literatura do instrument. A imaginação so-

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nora dele era uma coisa aterradora. Todos os efeitosque fui mostrando para ele encontraram um cami-nho dentro da sonata de uma forma ou de outra. Eleperguntava, mas a percussão , se você toca de outrojeito tem outro som? Aquela coisa de tocar no peda-ço das cordas na cabeça do violão, mostrei para elede brincadeira, pois ele tinha uma curiosidade enor-me. Então ele foi completando a peça aos poucos,eu sugeria uma alteração e ele vinha com duas outrês possibilidades na hora, um gênio mesmo. Lem-bro que fiquei uma semana em Genebra, onde elemorava, antes da estréia, e ele continuava melho-rando, polindo, nós nos encontrávamos quase todasas manhãs. Ele queria que aquilo fosse uma sínteseda tradição musical dos Pampas e da música dosAndes. Mas nem eu poderia imaginar que seria umacoisa tão espetacular.

- E o efeito da estréia?Acredito que muita gente achou aquilo uma coisafora do comum, mas logo todos perceberam quetratava-se de uma obra-prima, que iria marcar épocamesmo. Qualquer um podia intuir isso. Algumassemanas depois eu fiz a estréia européia em Genebrae ainda modificamos muita coisa. Aos poucos eu fuipegando o jeito do último caráter para ele, pois nasprimeiras apresentações eu deixara a música corrersozinha. O mais importante é criar um excitamentoque arrebate as pessoas junto com ele, compreende?

- E a citação dos Mestres Cantores de Wagner, porquê ele colocou? É uma idéia de estranhamento?Ele não está tentando ser irônico?Não. Ele disse que essa foi uma das primeiras idéiasque surgiram na mente dele, já que era um grandeadmirador de Wagner. Ele queria fazer uma citaçãodaquele episódio em que Sixtus Beckmesser aparececomo alaudista. A idéia principal era uma segundaparte baseada naqueles ritmos sul-americanos masnum ambiente surrealista, um ambiente de selvamisturado com civilização. Ele disse que, numdeterminado momento, se entra num mundo deilusão, talvez até de sonhos. O índio não estáacostumado a beber e a influência do espanhol foium pouquinho impactante nesse sentido. Quando elesfazem essas festas, eles entram nesse estágio meio“transcendental”, semi-alucinatório. A idéia dele éque no meio do sonho, nessa loucura, sobretudo nametade da segunda parte da sonata, o fantasma de

Sixtus Beckmesser aparece, com o alaúde. Naquelesacordes em harmônicos ele quis mostrar o caráternervoso do personagem, por isso usou grupos de 5,6, 4 notas, ele queria um efeito descontinuado.

- O interessante é que o terceiro movimento, paramim pelo menos, tem um jeito muito wagneriano,lembra os Wesendoncklieader.Tanto que o Ginastera diz que o final da segundaparte na verdade é um atacca para o terceiromovimento. E ele disse que a idéia dele no terceiromovimento é uma mistura de Chopin e Wagner;Chopin quando o Canto é retomado ali pela metade,inclusive ele desenvolver isso depois que escutoupela primeira vez, ali é meio chopinesco. Agora oimpacto da terceira parte é wagneriano, não hádúvida, aquela expressão grandiosa. Tanto quequando se vai chegando no final do terceiromovimento, ele escreve “grandioso”. Ele disse queali tem de expandir, tocar amplo mesmo.

- Uma coisa que me irrita quando vejo outras pes-soas tocar esse movimento sem nenhuma idéia docontexto é não projetar esse momento de elação,de êxtase.Completamente, eu também acho. Uma das coisasque chamaram a atenção quando te vi tocar a sonataem Nova York, foi que o conceito da obra apareceuclaríssimo. Uma coisa que o Ginastera insistiu é agrandiosidade e também o oposto, que é o super-silêncio. Por exemplo, naquele multi-voltas [umfragmento que tem de ser repetido por um númeroindeterminado de vezes], ele deu uma sugestãointeressante: “finge que está tocando por uns três ouquatro segundos, depois o som começa a aparecer.”

- Eu faço isso, são só os dedinhos mexendo (risos)e a imaginação das pessoas preenche o silêncio.Eu notei (risos). Nessa busca de sonoridades, eumostrei para o Ginastera muitas possibilidades,ponticello, tasto, unha, gema. Ele ficou fascinadocom essa perspectiva. Teve muito detalhe de acordesali que a gente trabalhou... Eu tenho orgulho de dizerque vários acordes ali foram sugestão minha.

- Acho só por conta dessa obra dá para você dor-mir tranqüilo. Claro que o Mignone é maravilho-so, mas o Ginastera. Você conquistou sua posiçãona história do violão com aquela peça.

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É, ele marcou mesmo. Pra dar um exemplo caseiro,o meu pai, que não agüentava música contemporâneade jeito nenhum, quando ouviu o Ginastera peleprimeira vez disse: “Uau, que coisa espetacular!”Essa coisa do contraste entre os extremos estápresente em toda a obra do Ginastera. O campo e acidade, a antiguidade e o modernismo, o bem e omal, que ele queria perpetuar numa obra que nãoterminou, que chamava-se ‘Barrabás’, ele entravafortíssimo em filosofia. Eu mostrei para ele que umgrande recurso do violão era a tímbrica, e ele disseestar totalmente de acordo, a gente pesquisou,inclusive eu mostrei para ele os efeitos de tambora eele ficou fascinado. Chegou um momento em queeu chegava para ele e dizia “Maestro, deixe eu lhemostrar” e ele disse “Está bem, pode pôr” – claro,aí já virou anedota, antes de escutar (risos). Outraanedota també é que ele tinha um desenho do braçodo violão, que quem deu a ele foi uma violonistaargentina, a Irma Costanzo. O desenho em cartolinaestava bonito, eu disse “está perfeito, Maestro, mastem um problema: aqui, depois da casa 12, tem ocorpo do instrumento!”, que se uma mas trava umpouquinho a mão. Então eu mostrei que, à medidaque se vai subindo no diapasão, o choque entre acorda solta e corda presa, depois que se passa dacasa 12, tem um efeito impressionante, quase demetais. Ele ficou fascinado. Eu até comentei comele como tinha praticado para aprender o últimomovimento, cantando em onomatopéia.

- Como os hindus aprendem a tocar tabla?Ele riu. Outra coisa que todo mundo cai do cavalo,você já deve ter visto, no quarto movimento, osritmos vão passando de 5/8, 6/8, 7/8, etc, e aí entrao famoso ¾. Essa caída aí, olha, raras vezes eu vejoalguém cair bem. O que passa é que o 5/8 é umacelerando natural, e acaba acelerando o ¾ também.O último movimento, é óbvio, foi o que exigiu maisretoques. Nós não colocamos na partitura, masaquela recapitulação, eu toco um rasgueado meio‘rockiano’, eu nem saberia como notar aquilo. Detoda forma, como é um ‘fortíssimo delirante’, éimpossível tocar com o dedo. Então eu experimenteiduas formas de rasgueado, uma das quais é usadaem acompanhamentos mas suaves, em que a gentebate a mão direita ‘de frente’, não lateral. Mas aí eutentei aplicar isso para o quarto movimento e memachuquei todo, chegava até a sangrar. Aí estudei

uma maneira de liberar o pulso e usar a parte direitada mão para abafar, que inclusive te dá a opção desair do golpe com o rasgueado para cima ou parabaixo, com o polegar, o que te dá mil efeitosdiferentes, que é a coisa do malambo.Definitivamente esse encontro com ele foi fantástico,mas eu tenho a impressão de que eu já haviadescoberto a verdade da obra num estado de “recém-nascida”. Continuávamos a experimentar até queapareceu a primeira edição da sonata, em 1979. Eume lembro que ele adorou a ‘Caixinha de Música’do Sávio, e disse “essa obra tem mais arte que muitaobra de mais pretensão”. Disse até que ia incorporaruma coisa assim com uma harmonia mais modernano concerto para violão e orquestra que ele nãochegou a escrever. Estava todo concebido o concerto,uma pena. Ele realmente captou as raízes do violãoespanhol, que são o ponteado e o rasgueado. Eu dissepara ele que a dinâmica do violão pode sermagnificada pela multiplicação colorística. Esse é osegredo da sonata, tanto que escreveu no segundomovimento: exagerar o máximo possível. Ele diziaque para tocar essa obra “hay que comer um buenchurrasco”; eu lembrei disso quando fui gravá-la ecomi um belo filé antes da sessão (risos)!

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Cláudio Arone* Entrevista publicada na edição no. 36 - Jul/Ago 1999 com o título“Cláudio Arone e a arte da luteria”Por Gilson Antunes

Ele já foi ourives, mas a arte musical acaboubatendo mais forte. Juntando a destreza dos mí-nimos detalhes (literalmente falando) com umapuradíssimo gosto musical, Cláudio Arone vemse destacando como um dos maiores construto-res de violão do Brasil. Faltando menos de doismeses para o Concurso Musicalis, que terá comoprêmio do IV Turno (sem limite de idade) um vi-olão de Arone, esse paulistano da Moóca , 43anos de idade e morando atualmente em Jundiaí,interior de São Paulo, cedeu uma rápida entre-vista ao Violão Intercâmbio.

- Qual sua formação musical ?Eu estudei violão com Antonio Carlos Sarno, par-ticularmente, já que ele morava no mesmo bairroque eu, na Moóca. O Sarno chegou a fazer duocom o Henrique Pinto nos anos 70. Eu estudeitambém na Escola Municipal de Música de SãoPaulo por volta de 1982 ou 1983, mas tive queescolher a flauta, já que na época não havia pro-fessor de violão, apenas de instrumentos de or-questra.

- Como surgiu a idéia da lutheria ?Surgiu meio que por necessidade mesmo. Na épo-ca já existia o Suguiyama e o Dornelas, mas osviolões de opção ainda eram o C4 da Gianinni e omodelo Segóvia. Aí então eu conheci um execu-tivo francês, filho de violonista, e que estava tra-balhando no Brasil. Ele tinha vários violões fan-tásticos como Fleta, Friedrich, Hauser e eu fiqueitentado a fazer um por minha conta. Outra coisaque me incentivou foi a própria profissão em si.Eu comecei a consertar violões sozinho, já queno início dos anos 80 não havia quem ensinasseisso, e então acabei conhecendo um fabricante decavaquinho e bandolim que acabou me ajudando.Mas em geral eu fui desenvolvendo por minha pró-

pria experiência. Acho que não tem mesmo comoensinar, é só você fazendo pra aprender.

- Você se baseou no trabalho de algum luthier emespecial ?No começo eu não tinha planta nem nada, tinhaque fazer uma coisa minha mesmo. Eu acho im-possível copiar um instrumento. Acho que vocêtem que seguir um caminho seu, seguindo os pas-sos dos grandes mestres como Rubio, Hauser eRomanillos. O Torres acho que não tem igual, é opai de todos. A história da lutheria se divide entreantes de Torres e depois de Torres. A estruturainterna de meus violões, a base, é de Torres.

- Quantos violões você faz por ano ?Eu faço em média um violão por mês. É que noinício eu tinha uma profissão paralela, eu era ou-rives e só em 1993 ou 1994 eu resolvi seguir acarreira de luthier. Mas ainda sonho em fazer umatarracha de prata.

- Sério ?Sério (risos). O mecanismo tem que ser de aço ebronze, mas o resto é de prata. Só que é umacoisa decorativa.

- Qual tipo de sonoridade você busca com seusviolões ?Eu não gosto de um som metálico, muito abertodemais. Gosto de um som doce e brilhante. Nãogosto de cedro, prefiro abeto europeu no tampo.

- Esta é a Segunda vez que você fará um violão parao Concurso Musicalis. Como será esse violão ?Será o básico que eu faço, como no concurso an-terior. Será o tradicional com jacarandá indianono fundo e lateral, abeto europeu no tampo, braçode cedro e escala de ébano.

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- Como está o mercado da lutheria no Brasil ?Não está bom porque nada está bom aqui no Bra-sil. Deveria estar melhor, mas é um problemadeste Governo que nós temos atualmente. Mui-tos me ligam para comprar instrumento, mas nãotêm dinheiro agora. Com vocês acho que tam-bém acontece isso, não é mesmo ? A pessoa vaiprocurar um professor mas não tem dinheiro parapagar as aulas. Mas a gente vai contornando asituação.

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Daniel Wolf* Entrevista publicada na ediçãono. 40 - Mar/Abr 2000por Márcio de Souza

Dois assuntos muito atuais andam “em pauta”entre os violonistas da nova geração: estudar noexterior e fazer uma pós-graduação. Para quemainda está sonhando em investir nestes projetos,com certeza, muitas dúvidas “ressoam” além dascordas. Foi com o intuito de fornecer maiores in-formações sobre esta “odisséia musical” que sur-giu a idéia de entrevistar um violonista que passoucom êxito por todos estes processos.

Daniel Wolff (1967), violonista gaúcho de PortoAlegre, cursou o Mestrado e o Doutorado em Vio-lão na prestigiosa Manhattan School of Music deNova Iorque, na classe do renomado professorManuel Barrueco. Sua destacada atuação lhe ren-deu o prêmio Helen Cohn Award, oferecido anual-mente ao doutorando de melhor desempenho. Ven-ceu a Artists International Competition (EUA), o qualresultou em sua estréia na sala de concertos maisimportante do mundo: o Carnegie Hall de NovaIorque. Tais êxitos resultaram numa intensa ativi-dade como solista e camerista, em diversas cidadesdo Brasil, Estados Unidos, Áustria, Argentina e Uru-guai. Também atuou nos Estados Unidos ao ladodos prestigiosos violonistas Carlos Barbosa-Limae Jorge Morel. Como compositor e arranjador, tevesuas obras executadas pela WREN Orchestra ofLondon, Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Or-questra de Câmara Theatro São Pedro, New YorkChamber Soloists, Quarteto Santa Fé (Argentina) eOrquestra de Câmara da ULBRA. Atuou comoarranjador em diversos discos gravados nos Esta-dos Unidos, para músicos como Carlos Barbosa-Lima, Berta Rojas, Paul Winter, Sharon Isbin eThiago de Mello, o que lhe rendeu uma indicaçãopara o Grammy Awards de 1999, a premiação má-xima na área musical. Também publicou artigos so-bre arranjos em periódicos especializados dos Es-tados Unidos e Inglaterra. Desde 1991 é catedrá-tico de violão na Universidade Federal do RioGrande do Sul.

Márcio de Souza - Por que fizestes o “translado”de Porto Alegre para Montevidéu para estudar vio-lão? Como foi este período fora do país?Daniel Wolff - A idéia de estudar no Uruguai ocorreuquando eu cursava o terceiro ano do segundo grau.Naquela época eu tocava em duo com um colega vio-lonista, que foi morar em Montevidéu para estudar como Abel Carlevaro. Eu já estudava a técnica do Carlevarohá alguns anos e resolvi transferir-me para Montevi-déu para estudar com ele. Morei lá entre 1985 e 1987,período no qual obtive o Bacharelado em Violão naEscuela Universitária de Música, como aluno do Eduar-do Fernández. Paralelamente estudei harmonia,contraponto e interpretação com Guido Santórsola, queé um renomado compositor com uma vasta obra paraviolão. Estes anos no Uruguai foram muito importan-tes para mim, tanto no aspecto profissional - tive a opor-tunidade de estudar com excelentes professores e con-viver com um meio musical de alto nível - como noâmbito pessoal. Foi um período de rápida maturaçãopessoal, pois quando me transferi para Montevidéu ti-nha somente dezessete anos, e a experiência de morarsozinho no exterior com tão pouca idade é um grandeincentivo para o desenvolvimento pessoal.

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- É largamente expressiva a promoção de seminá-rios, festivais e concursos de violão em todo o mun-do. Qual a importância que estes eventos tiveramna tua formação musical?Acho os cursos e seminários de violão muito importan-tes para o desenvolvimento do instrumento. São umaótima oportunidade para estabelecer contatos com co-legas e professores, favorecem o intercâmbio de infor-mações e muitas vezes incentivam a ampliação do re-pertório violonístico. Não são poucas as obras para vi-olão que surgiram como decorrência direta ou indiretade cursos e seminários. Infelizmente, eu participei depoucos seminários. Porém, tive a oportunidade de par-ticipar de alguns promovidos aqui em Porto Alegre peloLiceu Musical Palestrina, inclusive como professor em1994. Já os concursos foram um bom incentivo, come-çando pelo Primeiro Concurso Nacional de Violão pro-movido pelo Mozarteum de São Paulo, que venci em1986. Nos dois anos seguintes venci também o Con-curso Villa-Lobos (Porto Alegre, 1987) e o ConcursoJovens Solistas da Orquestra Sinfônica de Porto Ale-gre (1988). Contudo, para mim, a tensão dacompetitividade envolvida em concursos não é muitopositiva, e desde então eu só participei de mais um con-curso, a 25ª Artists International Competition de NovaIorque.

- Como foi a tua participação nesta competição?Fizestes um recital no Carnegie Hall?O recital no Carnegie Hall foi decorrência desta com-petição, que venci em 1997 em duo com a flautistanorte-americana Tracey Pullo. O programa desta com-petição não estipulava uma obra específica, mas simum programa de recital com obras de estiloscontrastantes. Após vencer o concurso, transcrevi aSuíte Francesa No. 5 de Bach para o recital no CarnegieHall, em cujo programa também constava, entre ou-tras obras, a História do Tango de Piazzolla, a Sonatinade Castelnuovo-Tedesco e um ciclo de canções parasoprano, flauta, violão e violoncelo composto por GlennCortese especialmente para aquela ocasião.

- Como foi a rotina de estudos e atividades musi-cais durante o período em que cursastes o mestradona Manhattan School of Music (MSM) em NovaIorque?Foi bastante intensa. A maior parte do meu tempo eradedicada à prática do violão, pois estava estudando como Manuel Barrueco, que além de excelente violonista é

um professor muito exigente. Também tive a oportuni-dade de estudar com grandes violonistas emmasterclasses, dentre eles Julian Bream e DavidRussell. Aproveitei também para aprimorar-me na in-terpretação de música antiga com o cravista LouisBagger, que foi aluno de Kirkpatrick e GustavLeonhardt, e na prática de música de câmara. Comeste intuito integrei o Contemporary Music Ensemble,que realizava diversos concertos de música contempo-rânea em Nova Iorque, nos quais tínhamos no públicocompositores de renome como John Cage e MiltonBabbitt. Foi neste período que comecei a desenvolvermeu trabalho como arranjador, cursando disciplinas dearranjo de jazz e de instrumentação e orquestração.Neste aspecto a MSM oferecia excelentes recursos,pois tínhamos à disposição desde orquestras sinfônicasaté big bands completas para executar os trabalhos queescrevíamos, algo muito difícil de se conseguir no Bra-sil. Simultaneamente, mostrei alguns de meus arranjospara violão para o Carlos Barbosa-Lima, que gostoumuito do meu trabalho e solicitou-me que fizesse al-guns dos arranjos para seu próximo disco, com obrasde Gaudêncio Thiago de Mello. Desde então, tenhotrabalhado intensamente como arranjador.

- Na volta ao Brasil, fizestes concurso para docen-te no Instituto de Artes da UFRGS. Quais as dife-renças de estrutura e didática que tu percebestesentre as universidades americanas e brasileiras?O ensino de música nas universidades brasileiras nãoé, como muitos pensam, muito diferente do ensino ofe-recido pelas universidades norte-americanas. Creio queuma das razões para a semelhança do ensino musicalnestes dois países é que as universidades federais bra-sileiras contam com um considerável número de do-centes com pós-graduação nos Estados Unidos, gran-de parte através de bolsas de estudo financiadas pelogoverno federal. Eu também tive a felicidade de bene-ficiar-me destes recursos: meu mestrado foi cursadocom bolsa da CAPES, e o doutorado com bolsa doCNPq. Há porém uma diferença básica com relaçãoàs universidades norte-americanas: o tamanho do or-çamento. Nos Estados Unidos, há recursos suficientespara que as universidades mantenham várias orques-tras e grupos de câmara, o que facilita o desenvolvi-mento musical dos alunos. Possuem também condiçõesfinanceiras para trazer profissionais de renome de di-versas partes do mundo para lecionar, seja em caráterpermanente ou em cursos e masterclasses esporádi-

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cas. Por outro lado, estudar numa boa universidade nosEstados Unidos pode facilmente custar quinze mil dó-lares ou mais por ano, enquanto boas universidades bra-sileiras oferecem ensino praticamente gratuito.

- Além do violão, tens também te dedicado a fazerarranjos, transcrições e composições. Como foi de-senvolvida a tua pesquisa e a tua tese de doutoradona Manhattan School of Music?Comecei a realizar transcrições desde cedo. Já nosmeus primeiros meses de estudo do violão, comecei atranscrever pequenas peças de Bach para teclado, quemeu pai tocava ao piano. Para aprimorar minhas trans-crições, passei a analisar e comparar diversas trans-crições diferentes de uma mesma obra, a fim de com-preender as técnicas utilizadas no processo de trans-crição. Paralelamente, fui adquirindo as “ferramentasbásicas”, como conhecimentos de harmonia,contraponto e orquestração. Já na área de arranjos,como mencionei antes, eu havia feito muito poucos atéobter o incentivo do Barbosa-Lima em Nova Iorque.Depois disto, com o aumento de minhas atividades nestaárea, obtive o cargo de arranjador da Orquestra deCâmara Theatro São Pedro, além de outros trabalhosesporádicos para orquestras no Brasil e Europa. Atu-almente, a maioria dos meus arranjos são resultado deencomendas específicas, como nos últimos CDs deBerta Rojas e Sharon Isbin. Também na área de com-posição meu trabalho ocorre principalmente através deencomendas, como por exemplo uma abertura paracordas encomendada para celebrar os dez anos da Or-questra de Câmara Theatro São Pedro, e a AberturaConsort para quatro violões, composta para o espetá-culo Diálogo Têxtil para Violões e Silêncio, do grupoCamerata Consort. Minha última obra é um concertopara clarinete e orquestra, encomendado pelo clarine-tista norte-americano Gary Dranch, que será estreadaem abril deste ano. E quanto à minha tese, a principalparte consistiu em organizar, de forma clara eestruturada, os conhecimentos que obtive ao longo dosanos de prática na realização de arranjos e transcri-ções. Boa parte do tempo foi gasto na análise de trans-crições visando encontrar exemplos para ilustrar osaspectos discutidos na tese, bem como na pesquisa bi-bliográfica.

- Em 1998, após quatro anos de estudo e pesquisano exterior, recebestes o título de Doutor em Músi-ca pela Manhattan School de Nova Iorque. Fostes

o primeiro violonista brasileiro a receber esta gra-duação. Qual a importância desta titulação para odesenvolvimento da pós-graduação em violão noBrasil?Para mim é de fundamental importância, pois atual-mente é muito difícil criar um curso de mestrado noBrasil sem um docente com titulação de doutor. Provadisto é que temos hoje poucos cursos de mestrado emviolão no Brasil. O próprio curso de mestrado em mú-sica da UFRGS, um dos mais conceituados do país,ainda não oferece o mestrado em violão. Desde meuretorno ao Brasil tento criar na UFRGS o mestrado emviolão, inclusive já fui procurado por vários interessa-dos de diversas partes do Brasil e de outros países daAmérica do Sul. Porém, há vários fatores técnicos ejurídicos envolvidos na criação de um novo curso demestrado, os quais espero que sejam solucionados embreve pela direção do Curso de Pós-Graduação emMúsica da UFRGS, para que o mestrado em violãocomece o quanto antes.

- Quais são tuas atividades atuais no Rio Grandedo Sul e quais são os projetos musicais para esteano?Minhas principais atividades compreendem o trabalhocomo docente na UFRGS, concertos e recitais, e a re-alização de arranjos e composições. Meu principal pro-jeto para este ano é a gravação de um CD com obrasbrasileiras para violão e orquestra. As gravações co-meçam em março com a Orquestra de Câmara daULBRA, e aproveito aqui para agradecer o apoio doFumproarte, da Secretaria Municipal de Cultura dePorto Alegre, que financiará a maior parte deste proje-to. Tenho também agendados recitais solo e concertoscomo solista de orquestra, além de uma possível turnêna Argentina em duo com o violonista EduardoCastañera. Há também a estréia e gravação do meuconcerto para clarinete, e ainda algumas encomendasde arranjos, dentre eles um arranjo para o próximo dis-co da Sharon Isbin. Finalmente, pretendo me dedicarao desenvolvimento da Assovio, a Associação Gaúchado Violão, criada em 1999 para fomentar o desenvolvi-mento do violão no Rio Grande do Sul.

Daniel Wolff: [email protected]

* Márcio de Souza é violonista, professor e pesqui-sador em Porto Alegre, RS. E-mail:[email protected]

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David Russel* Entrevista publicada nas ediçõesno. 33 - Jan/Fev 1999 - e no. 34com o título “Violão em Tempode Concerto entrevista DavidRussel”editado por Teresinha PradaO programa de Rádio dirigido pelo professor deViolão da ECA/USP, Edelton Gloeden, realizou en-trevista com o violonista escocês David Russel du-rante sua estada em São Paulo. Estiveram presen-tes à entrevista: Edelton Gloeden, Alvise Migoto ealunos do departamento de Música - Edmauro deOliveira, Marcus Barroso, André Freitas Simão eVladimir Melander. Agradecemos à Rádio USP e aEdelton Gloeden por nos cederem a gravação doprograma.

(Edelton Gloeden) - Em nosso programa já tive-mos a oportunidade de ouvir várias de suas gra-vações, sabemos de sua atuação como concertistaem todo o mundo, sempre em busca de propostasnovas em cima de um repertório que muitas vezesjá é tradicional, mas você sempre vem com novi-dades. Como estão suas atividades?Este ano (1998) fiz este disco de música celta umpouco porque, como sou escocês, sempre tive von-tade de fazer. O problema é que tinha de arranjar amaioria das obras, mas foi um prazer, então creioque vou seguir fazendo alguns mais - não creio quefarei celtic music, mas no futuro farei mais. Há mui-tos compositores mais que se pode fazer um discointeiro, há também música do século passado queainda não foi levado muito a sério, há muita músicadesta época que, se tocada bem, deverá receber orespeito merecido. Se encará-la como miniatura,como coisa pequena, soará como música pequena,então o que tento fazer é dar-lhe todo o respeito quedeve.

(Marcus) - Eu tenho muita afinidade com o re-pertório violonístico do século XX e gostaria desaber se há algum disco seu voltado para esta

época?Quando vivia em Londres toquei muita música con-temporânea, vanguardista, mas depois não, pelorumo que tomou minha carreira, tocando em muitascidades pequenas, agora vivo na Espanha e lá o pú-blico para a música contemporânea é menor, é pre-ciso estar em um lugar onde as pessoas queiram essamúsica. Eu só sou violonista, não dou aulas, só façoconcertos, assim eu quero que meu público saia con-tente, então meus programas agora tem menos mú-sica vanguardista do que quando eu tinha 25 anos. Enão é que eu não goste, mas é que em algum mo-mento cada um tem que definir-se. Talvez um violo-nista jovem tenha que tocar o que se escreve, masdepois chega a um ponto em que há que se tocar oque você gosta. Meus projetos para fazer disco, porexemplo, pois bem não fiz discos de música moder-na por várias razões: uma que as companhias que-rem vender discos, não querem fazer por “amor àArte” ou algo bom para os compositores, então elesquerem vender milhares e milhares de discos - eutambém, mas digamos que para eles é mais impor-tante que para mim. Então o que lhes proponho: “estecompositor ou este, talvez sim; música celta, sim”,entende? São coisas, digamos assim, da prática davida mesmo, que nos dirigem a uma outra situação

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na vida. Mas mesmo assim sempre costumo incluiralgo do repertório deste século, mas não sou muitovanguardista porque creio que há outras pessoas quetocam muito melhor este estilo; e tocam melhor doque eu porque crêem mais do que eu. Quando toca-va música vanguardista custava a acreditar que es-tava dando prazer ao público - eu não tenho certezase poderia convencer ao público de esta aquela obra,às vezes sim. Talvez um dia eu faça um disco demúsica do século XX, sem que seja supervanguardista. Também já passou um pouco a épocada música muito atonal e arrítmica, sem ritmo, semharmonia, porque agora a maioria dos compositoresdesta linha estão voltando um pouco à harmoniaporque não querem perder seu público. Em Londresvocê pode dar um concerto de música moderna, bomaí você pode pôr: “perigo - música moderna” (ri-sos), que haverá público que gosta e estará cheio,mas não em uma cidade pequena não. É difícil. Édifícil também para os compositores de hoje, quequerem avançar, mas também eles não podem exis-tir sem público. Eu não sei como funciona no Brasil,mas na Europa, antes, havia muitas subvenções paraa Música; dinheiro público, então é claro, com di-nheiro público se pode fazer qualquer coisa porquese não veio ninguém dá no mesmo. Agora não, hámenos dinheiro, cada vez menos, então é necessá-rio que nós tenhamos um público - muito ou pouco -mas é necessário. Estas são as situações que nemsempre vão de acordo com o que seja Arte de verda-de.

(Edmauro) - Que tipo de preparação você faz antesde um concerto? Por exemplo, somente técnica ousomente o repertório do concerto, o que você faz?

Tenho muitos recitais, um ou mais por semana, en-tão o ritual não é muito diferente entre um dia deconcerto e outros dias. Normalmente em dia de con-certo não gosto de estudar muito porque não querome cansar, prefiro descansar, porém tenho um ritualquase diário: gosto de fazer meia hora de técnicaseparado da música, como se fosse um esportista.- Esta meia-hora você divide como?Começo com minha primeira lição de violão - que éalgo que se faz bem. Os movimentos de cada dedoaquecem os músculos um pouco, depois em 5 ou 10minutos vou passando os primeiros passos como seestivesse começando mesmo. Quando chega aos 20minutos já se está fazendo coisas mais difíceis, massempre deve começar pelas coisas mais básicas. Amaioria das coisas difíceis são somas de várias coi-sas básicas. Se as faz juntas de repente fica difícil;tem que se fazer o básico primeiro - se isso não fun-ciona, o difícil nunca sairá. Até pode conseguir, massempre escondendo o problema, então quase tododia eu gosto de ir ao básico. Não gosto de fazer osestudos escritos por outras pessoas porque ao finalos estudos misturam muitos problemas.

- Você cria o seu próprio estudo?Sim porque o estudo é feito normalmente para enga-nar o aluno com música para que faça o estudo físi-co, então lhe dá um pouco de prazer: “ai que bonito...” e faz o estudo 1 de Villa-Lobos - um estudo fe-nomenal, que musicalmente te atrai e você estuda,mas a base do estudo é o estudo de um harpejo mui-to bom. São duas coisas separadas.No dia do concerto trabalho somente obras que vouapresentar, mesmo que esteja estudando obras no-vas para outra ocasião. Então, estudo técnica pelamanhã, quando sou mais receptivo também paraaprender, para memorizar coisas novas. Depois, àtarde, toco música.

- E você mantém este repertório por muito tempo?Normalmente sim. Meio-ano ou um ano, dependen-do. Agora quando terminar minha agenda deste ano(1998), terei um mês e meio para aprender todo orepertório novo do ano que vem. Tenho também umgrande repertório antigo que possibilita trocar depeça em dois dias. Mas eu quero seguir fazendo umahora de músicas novas por ano, ou mais, tambémpara fazer os meus discos.

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(Edelton) - David: Tárrega é um compositor que aprincípio os violonistas estariam deixando um tan-to de lado, esquecido e tal, um compositor maispensado para fins didáticos e de repente aparecevocê com um álbum duplo do Francisco Tárrega.A verdade é que sempre gostei da obra dele, desdepequeno. Tárrega fazia soar muito bem o violão, suasobras, quando bem tocadas, soam muito bonitas, por-que ele nunca põe uma harmonia fora de lugar. Semquerer depreciar, mas nós não temos um Chopin parao violão.

- Mesmo porque foi uma nova alvorada do violão,um novo início de história.Sim. Foi muito importante. Também é o que disseantes, se toma a sério uma coisa... não é Chopin,mas é muito bonito. Não quero pensar que é mais doque é; aí está: quando se põe tudo junto, toma forçaque não tem quando em separado, inclusive os pre-lúdios ganham força, mas quando põe só três, nãotem nada.

- E revela esta faceta de um grande miniaturista.Sim pode ser. Eu creio que para o violão tem que sesaber ser miniaturista, se não é melhor aprender atocar o piano (risos) porque temos poucas obras quesão grandes e boas - muitas grandes e ruins!

- No caso de Miguel Llobet, além das cançõescatalãs, que escreveu poucas obras para violão eele se destaca por esse lado de ser um miniaturista.Sim, sim. Eu prefiro apreciar o lado bom de cadaum e esquecer o ruim porque o ruim não dá paramudar. Do passado há o que há, no futuro pode ha-ver mais coisas. Temos que aceitá-lo, sem nos mar-tirizar com outras ambições. Fazer toda a obra deTárrega foi uma proposta da cidade de Benicassin,do concurso, e gostei da idéia. Também há outra coi-sa: se dedicar a um compositor, ou a vários muitoparecidos, creio que você alcança mais confiançaneste estilo. Quase todos os meus discos foram deum compositor só ou de vários parecidos. Ao fazerBarrios, por exemplo, eu me dediquei a tocar mui-tos outros parecidos e no final eu já estava conven-cido do que queria fazer no disco. Eu tinha confian-ça em minha interpretação. Agora se você faz umdisco com um pouco de Barroco, um pouco disto,um pouco daquilo, ao final é como um concerto enão se aprofunda tanto. Por exemplo, os arrastes na

música de Tárrega - se pode fazer muito mal ou muitobem - não praticamos arrastes.

- Aliás ficou uma coisa fora de moda durante muitotempo.Sim, por exemplo, as pessoas tiram - eu também ti-rei - em peças de Sor, Mertz, mas em suas músicashá muitos arrastes. Estes violonistas usavam arras-tes porque era algo que podiam fazer.

- E provavelmente outros mais usavam o arraste.Sim, sim. Eu creio que com as guitarras antigas émais fácil fazer um arraste bonito e o violão de hojeas cordas são muito tensas e às vezes ao fazer oglissando se ouve os trastes. Mas se escutar os ve-lhos discos de Segovia, por exemplo, ele se movecomo água e quase como a voz. Então quando fiz odisco de Tárrega eu tive de aprender arrastes boni-tos porque não quis tirá-los, porque é tão fundamen-tal no estilo, pois para mim foi um grande aprendi-zado saber fazer, com o vibratto que o ajuda. Obvi-amente está fora de moda, mas é tão importante oestilo de Tárrega quanto o estilo de Bach. Está forade moda fazer um trino que começa para baixo emBach? É muito importante saber o estilo de Tárrega,de Bach, de Ponce, de Tedesco - não se pode tocarTedesco como se fosse Bach e vice-versa ou Tárregacomo se fosse Bach - é errado, por isso digo quepara cada coisa tem que se dedicar mais tempo.

(Marcus) - Como foi o seu primeiro contato comSegovia?Meu pai tinha discos de Segovia. Estou sentado aquiporque existiu Segovia. Os jovens de hoje não vêemo bom de Segovia. Agora até falam um pouco maldele, é uma pena, é triste. Um pouco porque é ver-

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dade que em comparação com hoje ele não faziacoisas tão bem como alguns jovens, mas influencioumuito e seus discos tinham uma magia. Fui a umcurso em Santiago de Compostela, só de visita, e naocasião José Tomás falou com ele para que me es-cutasse. Toquei “Capriccio Diabolico” de Tedesco.E Segovia me disse: “Venha a meu hotel”. Já emLondres, tal dia, fui a seu hotel e ele me escutou porduas horas - bom, quero dizer, eu toquei dez minu-tos e ele falou duas horas (risos). Foi um dia depoisde seu concerto. Em seu concerto, entrou no palcosem violão, devagarinho, e depois alguém lhe trou-xe o violão. Se sentou, tocou e, quando as pessoasaplaudiram, se levantou muito devagar, veio outrapessoa e lhe pegou o violão, e assim por diante. Bem,no hotel, estávamos sentados, ele se movia comoum jovem, soou a porta, se levantou da cadeira, foipor um momento à porta - estava como um garoti-nho (risos)! Tinha não sei quantos anos, mas estavamuito bem - isso foi 10 ou 12 anos antes de morrer -seus concertos às vezes eram bons, tocava algumasobras muito bem, sabia dar a magia, é claro que nes-ta idade é difícil. Minha experiência com ele foi muitoboa, escreveu para mim uma carta bem bonita queme ajudou. Foi muito bom comigo.

(Alvise) - David, estamos aqui em um ambiente,na USP, em que está se formando uma nova gera-ção de violonistas. Queria que você falasse umpouco de como foi esta época de formação pravocê. E o que precisaria uma pessoa que está nes-sa fase da vida?Lembro de certas coisas. Vivi em uma cidade pe-quena. Depois fui a Londres - que é grande, então...não gostei. Vivi não muito feliz por alguns anos. NaRoyal Academy tinha de aprender obras novas o tem-po todo e eu perdi muito da minha inspiração. Medei conta de que havia aprendido as suítes de Bach,o “Noturnal” de Britten, mas não tinha nada que pu-desse tocar. Se ia a uma festa de um amigo, me da-vam um violão e pediam pra tocar - não tinha nada!O que ia tocar? Suíte 2 de Bach? E foi assim por unsdois anos, então me dei conta que havia perdido to-dos meus Tárrega, meus Villa-Lobos, todas as coi-sas bonitas que eram a razão original, o porquê detocar violão. Então decidi voltar a aprender um montede coisas espanholas e coisas bonitas, não coisasprofundas. Decidi ter um programa. Tem que lem-brar que o mais importante é sempre ter o entusias-

mo original, de por que você toca violão. E às vezesnos anos de estudo - a situação, o professor, a teoria- tudo isso “mata”, quer dizer, todos querem quevocê vá bem, mas ao final você já está “me deixaporque o que quero é tocar violão”. Então é difícil.Acho que tem que fazer a cada dia ou a cada semanaalgo de teu programa antigo, só para tocar bem, ateu gosto e sempre tê-lo, pois nunca se sabe quandoaparecerá uma chance. Então este foi um momentoespecial quando percebi que havia perdido a inspi-ração. Tive sorte porque fui a um curso de José To-más na Espanha e ele me deu a confiança que euhavia perdido porque para quem está estudando nãoé bom para o ego ver o quanto há para aprender, queaquele outro toca melhor... Enquanto que, quandovocê era pequeno, você era o melhor violonista desua casa, e depois o melhor violonista de sua rua, edepois o melhor de sua cidade (risos) - você crescee seu ego necessita disso, no bom sentido. Porémchega a uma Royal Academy e você é o pior de to-dos, porque todos estão no 2.º ou 3.º terceiro ano,todos tocam coisas grandes e você não toca nadamais que 4 estudos de Tárrega... é difícil recobrar aconfiança. Quando eu tinha 14 anos, meu pai estavacom amigos em casa e dizia: “David, toque algo!”“Sim, sim”, respondia eu. Quero dizer, tinha vonta-de. Depois, ao sair da academia: “Hoje não porquenão fiz as unhas” (risos) - qualquer desculpa pra nãotocar. É preciso ter a mesma vontade ao sair da aca-demia de quando começou a tocar.

(Alvise) - É uma época difícil porque você temque se perguntar - e agora?Sim. Creio que tive sorte porque foi justo quandoterminei é que fui com José Tomás. Também ganheialguns concursos e isto me deu impulso. Corri umrisco que cada um tem que correr: não peguei ne-nhum trabalho; meus amigos buscaram trabalho,casa, mulher, filhos... Eu fiquei quase como estu-dante até os 30 anos e é difícil viver de concertos,mas eu assumi os riscos. Tive sorte, as coisas saírambem e agora quando ensino é de bom grado porquefaço poucas vezes. Isto não quer dizer que desvalo-rizo o trabalho do professor, o problema é que quemser concertista tem que aceitar o risco e não dedicar40, 30 horas a alunos porque estas deveriam ser paraseu uso próprio. Nem todo mundo quer arriscar e nemtudo é bonito ao se fazer concertos pelo mundo.

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(André) - Qual a sua impressão sobre o violão bra-sileiro?Sou amigo dos irmãos Assad. Também conheci Ser-gio Abreu - o Duo Abreu foi o melhor do mundodurante muito tempo, e agora os Assad dominam omundo do duo e são gênios, violonisticamente e mu-sicalmente. Conheço Fabio Zanon, Marcelo Kayathe outros que não recordo agora. Mas eu vejo bastan-te variedade no Brasil na maneira de tocar, que meparece muito boa, não é como em alguns países emque todo mundo toca igual; não está dominado porum estilo. Tampouco vejo que haja só um tipo derepertório. De fora, cremos que o Brasil tem tradi-ção violonística, tem sua história. Com certeza Villa-Lobos - todos tocamos sua música. Então a impres-são é boa.

(Marcus) - Me impressionou muito um trabalhoseu que foi o CD barroco com a transcrição deHaendel. Gostaria de saber como foi o processodessa transcrição.Um amigo queria aprender algo com trinos em duascordas e passamos a pesquisar obras até que nesta,ao definirmos a tonalidade, vimos que era possívelfazer, embora ao escutar o original você pense: “Issonão dá no violão”. Há algumas liberdades - trinosonde Haendel não colocou - mudanças que eles mes-mos faziam. Fiz outras transcrições. Quando era jo-vem em Londres queria ter mais repertório de quali-dade, sem ter que tocar o que todos tocavam, nãoporque não gostasse, mas nós, como violonistas, te-mos que oferecer algo que não se ouve. Esta era aidéia quando comecei a transcrever.

(Edelton) - Faz parte da tradição do violonistamostrar o seu trabalho de transcrição.(David) Sim. Não quero passar minha vida sem to-car música barroca e Renascença... nem que seja sópara minha própria experiência. Cada um tem quedecidir. É como fez Yamashita. Na Europa todomundo fala dele: “que ruim, que ruim, transcreverisso, que burro, que bobo”. Que burro nada! É fa-mosíssimo, é um grande violonista, grande músico,que disse: “A tradição... pra mim dá no mesmo se aspessoas dizem isso ou aquilo; fiz porque queria to-car aquela música”. Bem eu não faria porque diga-mos que cada um tem o seu ponto-de-vista. E naverdade, quem escuta a sua gravação, que ele fezaos 18 ou 19 anos, se impressiona, e não somente

violonisticamente, ao escutar o “Velho Castelo” (daobra “Quadros de Uma Exposição” de Mussorgsky- transcrição de Kazuito Yamashita), ele o faz tãobem, não só porque toca rápido e forte - e só tinha19 anos - ele se esforçou para ultrapassar os limites.No Japão não há preconceitos quanto a se tocarMussorgsky, Beethoven. São todas iguais para elesporque todas são estrangeiras mesmo (risos). Fazemporque querem. E eu quero seguir esse pensamento.Não vou tocar Mussorgsky, mas não vou ficar sócom o que está escrito para o violão. Quero tocaroutras coisas porque quero ter outras experiênciasmusicais.

(Vladimir) - Gostaria de saber, já que a gente to-cou no nome do Duo Abreu, o grau de importân-cia que você dá à prática de música de câmara naformação do violonista.Aconselho a aprender um instrumento melódico por-que vale a pena a experiência e depois porque podetocar em uma orquestra. Há também coisas de rit-mo, de seguir ou de escutar os outros, e nós comosolistas não aprendemos, ou aprendemos mal. Vio-lonistas às vezes tomam liberdades desnecessáriascom o ritmo; você pode ser muito musical sem exa-gerar em rittardandos ou accelerandos; em músicade câmara entendemos mais a interação do ritmo.Também como experiência pessoal porque há cer-tos tipos de música que você nunca poderá fazer emsolo. A primeira coisa que os violonistas têm queaprender é a ler porque em geral são ruins. É normalporque não faz falta, nós aprendemos a música edepois..., além disso a maioria das músicas que to-camos é difícil demais para se ler à primeira vista,mas se você não lê bem terá de estudar todas as obrasde teus alunos porque não poderá ler de primeira,entende? E se eu te contrato para acompanhar umacantora amanhã? Você não pode porque não lê... Vocênunca fez música de câmara e se tiver a oportunida-de de fazer duo, trio de violões, ficará atrás porquenão sabe tocar junto. Há pessoas que vivem de tocarmúsica de câmara - quer dizer, também passa pelavida profissional.

(Edelton) - Nestes últimos 20 anos o violão tomouum impulso muito grande, deixou de ser monopó-lio dos espanhóis, e até se tornou um instrumentonacional de algumas culturas. E temos ultimamen-te como conseqüência disso uma espécie de satu-

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ração do mercado. Talvez não seja um fenômenodo violão, mas geral - muitas orquestras, muitospianistas, muitas gravações e o mercado às vezesnão absorve isso. Em relação também a novas idéi-as de repertório, o que você vislumbraria no futu-ro do violão?Vejo mais ou menos bem, não o vejo mal porque eusou basicamente um otimista. Mas muito tem quever com a globalização. Ontem, jantei na Espanha,hoje tomei café da manhã em São Paulo. Antes issonão seria possível; os daqui não sabiam o que acon-tecia na Espanha, que não sabiam o que aconteciana França, que não sabiam o que acontecia na Ingla-terra. Então havia pessoas que podiam tocar muitosconcertos sem sair do próprio país, mas hoje, parase fazer uma carreira tem que ser internacional, maisdo que antes. Digamos que se podia viver em pe-quenos lugares. Agora é necessário tocar um dia emJapão, no seguinte em Londres, depois a Madri, de-pois São Paulo. Há mais lugares para menos pesso-as - o mercado está saturado, mas há muitos maisconcertos. Quando eu tinha 20 anos, em Londres,havia pouquíssimos concertos e gente tocando bemna faixa de idade dos 30 anos, em início de carreira.Já agora entre os jovens de 20 e 30 eu poderia te daruma lista de 100 nomes que tocam melhor que eu eque outros quando tínhamos 20 anos porque o nívelsubiu muito. Isso vai ser bom para os que escutam oviolão, mas não tão bom para os jovens que buscamtrabalho. Somos um pouco mais parecidos agora comos pianistas: havia milhares de pianistas que toca-vam muito bem e poucos que eram famosíssimos. Éclaro que para que haja 3 ou 4 Barenboin ou Horovitztem que haver milhares de outros. Então para quehaja os melhores do violão é preciso milhares quesejam bastante bons. Nem todo mundo quer viajarnove meses ao ano. O bom para o violão é que todosestes quando fazem seus concertos, tocam bem. Opúblico, ainda que leigo, não vai embora dizendo:“Ai que feio é o violão”. Enquanto que antes, o queocorria? Iam a um concerto de um mal pianista, di-ziam: “que ruim é o pianista” e iam a um concertode um mal violonista e diziam: “que ruim é o vio-lão”. Não era justo. Agora há muitos concertos bonsde violão, de gente desconhecida, de gente jovem ede gente não tão jovem. O nível subiu em geral e aapreciação também melhorou. Sobre repertório, oviolão não tem só um público totalmente clássico,

tem mais públicos, e não existem só lugares paraquem toca Giuliani etc.. Há muita variedade. É pre-ciso usar todos. Então, há que ser otimista.

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Douglas James* Entrevista publicada na edição no. 33 - Jan/Fev 1999por Tiaraju Aronovich

Violonista de destaque no cenário musical da Eu-ropa e Estados Unidos, Douglas James é um espe-cialista em músicas do classicismo e romantismo, eusa em seus recitais um violão romântico que dataaproximadamente de 1833. Vencedor do “ArturoToscanini Solo Guitar Competition” na Itália, atu-almente leciona na Appalachian State University.Seu CD “Italian Romantic Solo Guitar Music” foilançado em 1998 e foi muito recebido pela crítica.Devo ainda dizer que tive a oportunidade de assis-tir a Douglas James em um concerto, apresentan-do Giuliani e Legnani numa performance impecá-vel, na qual a clareza e a limpeza sonora, aliadas auma belíssima interpretação, fizeram-se presentesda primeira a última música.

- Você acredita que o nível dos atuais estudantesde violão aumentou em relação a anos anterio-res?Sim, eu não apenas acredito como tenho certeza.Acho que esse fato se deve em grande parte àmelhoria do corpo docente: os atuais professores deuniversidades apresentam um nível altíssimo. Porém,ainda existem muitos problemas, principalmente noque diz respeito à pré-instrução, ou seja, na orienta-ção que o aluno recebe antes de ingressar na facul-dade. Cada faculdade possui um standard como pré-requisito, como o “Royal Music Book”, por exem-plo, e muitos professores parecem não se preocuparcom isso.

- No que diz respeito ao desenvolvimento do vio-lão, que países você diria que estão em alta?Bom, a Itália tem revelado excelentes violonistas,além da tradição dos já famosos professores. Há naEuropa diversos países onde o violão cresce cadavez mais, como a Bélgica, a Rússia, etc..

- E quanto a Espanha?A Espanha ainda possui grandes nomes. O DavidRussel, por exemplo, mora lá.

- No Brasil é muito difícil realizar uma divulga-ção eficiente para concertos de violão. Os recitaisacontecem, em sua maioria, com um público pe-queno. Como é a recepção do público para violãoclássico nos EUA?Isso varia de lugar para lugar. Existem lugares quejá possuem uma grande tradição de música erudita.Nesses lugares, é fácil contar com um excelente pú-blico. Porém, há lugares onde praticamente não existepúblico, e então dependemos de como a divulgaçãoé feita.

- Que conselho você daria para os novos violonis-tas?Acho extremamente importante ter outros estudan-tes ao redor. Um estudante “puxa” o outro, e isso éfundamental para haver motivação nos estudos. Ou-tro fator crucial: o estudante de violão deve estar emum lugar onde aconteçam atividades ligadas ao ins-trumento, ele deve estar em “centros violonísticos”,e não em lugares isolados.

- Alguma mensagem para o Brasil?Gosto muito da música brasileira e da tradição doviolão mesmo nos estilos populares. Um grande abra-ço!

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Duo Assad* Entrevista publicada na edição no. 26 - Nov/Dez 1997por Sidney MolinaOs irmãos Sergio e Odair Assad, nascidos em São Joãoda Boa Vista - mesma cidade em que nasceu GuiomarNovaes - no interior de São Paulo, formam o principalduo violonístico da atualidade. Com 30 anos deentrosamento e uma invejável agenda internacional,eles estão realizando gravações com nomes comoGidon Kremer, Nadja Salerno-Sonnenberg e Yo-Yo Ma.Sergio Assad desenvolve também um importante tra-balho como compositor. Cabe citar algumas dentre suasobras mais recentes, como Saga dos Migrantes paraduo de violões, Uarekena para quatro violões e Natsuno Niwa Suíte, trilha sonora de filme dirigido pelo ja-ponês Shinji Soum Ai. O violonista Sidney Molina, doquarteto de violões Quaternaglia, realizou esta entre-vista especialmente para a revista CONCERTO du-rante as gravações realizadas pelo duo em Nova Yorkem setembro último. Agradecemos a autorização parapublicá-la no Violão Intercâmbio.

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Quando vocês tiveramo primeiro contato com o violão?Sergio Assad- O início foi em 1966, tocando choro.Nós acompanhávamos nosso pai, que ainda hoje é umdos defensores do choro. Começamos em nossa cida-de, São João da Boa Vista, no interior de São Paulo.Tocávamos por puro diletantismo, apenas para passar otempo e apenas três anos mais tarde, já radicados noRio de Janeiro, é que começamos a estudar mais seria-mente, passando a ter aulas com a professora MoninaTávora.

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Nessa época, vocês jáapostavam no trabalho camerístico ou chegaram acogitar a possibilidade de se dedicarem a carreirassolo?SA- Quando fomos estudar com Monina, não tínhamosa mínima idéia de que um dia seríamos músicos. Eu,por exemplo, tinha convicção que estudaria medicina;a decisão de fazermos o duo foi, na verdade, uma deci-são unilateral de nossa professora. Como o fato ocor-reu muito cedo em nossas vidas, nós realmente nunca

chegamos a optar. Certas coisas - quando incutidas nacabeça de crianças e adolescentes - ficam muito arrai-gadas e, por essa razão, creio que nunca consideramosseriamente a possibilidade de sermos solistas.

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Qual a importância doDuo Abreu para a formação de vocês?(O duo formado pelos cariocas Sergio e EduardoAbreu, considerado um dos principais gruposcamerísticos dos anos 60 e 70, é ainda hoje uma fortereferência para o meio violonístico nacional e inter-nacional).SA- Importância crucial. Quando saímos do interior,não tínhamos contato nenhum com o violão clássico.Ao chegarmos ao Rio, nos deparamos com o melhorduo de violões do mundo, que, infelizmente, desapare-ceu prematuramente. (O duo desfez-se após a grava-ção de três históricos álbuns, no auge de uma fantásti-ca carreira internacional. Sergio Abreu prosseguiu otrabalho musical atuando como solista durante algunsanos, após os quais optou por dedicar-se à construçãode violões. Hoje é um luthier reconhecido internacio-nalmente).

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Conte-nos um pouco so-bre o início da carreira internacional. Quando vocêsoptaram por morar na Europa?SA- As primeiras oportunidades demoraram a surgir.De certa forma, acreditamos que tenha sido bom, poisnós pudemos nos preparar adequadamente. Nossa pri-meira saída foi para representar o Brasil num festivalem Bratislava, na então Tchecoslováquia, com muitoapoio do compositor Marlos Nobre. Em 1979 estive-mos nos Estados Unidos, com patrocínio da Coca-Cola.Tudo ocorreu um pouco tarde para o que geralmente seespera de uma carreira internacional, uma vez que jáestávamos beirando os 30 anos de idade. As coisas fo-ram ocorrendo lentamente e, por volta de 83, já estáva-mos radicados na Europa.

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Fale um pouco sobre aespecialidade de cada um. Como vocês dividem as

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funções no duo?SA- Cada um de nós já tem um certo talento para algo.No nosso caso, isso ocorre de uma forma natural. Eusempre tive inclinação para fazer arranjos e escreverum pouco de música. Assim sendo, o repertório ficamais por minha conta. Eu reputo meu irmão Odair comoum dos maiores violonistas que eu já conheci, de todasas gerações. Fica muito fácil trabalhar com ele, pois oirrealizável torna-se realizável. Pode-se arriscar muito,pode-se abusar um pouco da imaginação.

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Quando começou a sur-gir um repertório específico de obras dedicadas aoduo?SA- A primeira obra que nos rendeu grandes frutos foiTango Suíte de Astor Piazzolla. Podemos afirmar queela teve uma escalada vertiginosa. Eu elaborei, recente-mente, uma versão para trio - 2 violões e violoncelo -que gravamos com Yo-Yo Ma. Outra obra importantefoi a Suíte Retratos, de Radamés Gnatalli adaptada paraduo de violões pelo compositor. Nutríamos grande ca-rinho por Radamés. Ele escreveu muito para nós, dei-xando inclusive três concertos para 2 violões e orques-tra.

VIOLÃO INTERCÂMBIO - Comente um pouco suaatividade como compositor. Como você lida com osrótulos mais comuns, a saber “erudito, “popular”,“nacionalista”, “vanguarda”?SA- A questão dos rótulos é muito delicada. Eu real-mente nadei contra a corrente. Quando estudante, naUniversidade Federal do Rio de Janeiro, a onda era ododecafonismo. Não era o meu universo, havia saídodo choro, da música popular. Durante muito tempo, euapenas atuei como intérprete, deixando de lado a ne-cessidade de compor, que na verdade é básica em mim.Com o passar dos anos, fui retomando lentamente aatividade de escrever música. Eu não defendo o nacio-nalismo, eu inclusive gosto muito de Stockhausen. Fa-zer música nos moldes de Stockhausen no Brasil, po-rém, é não ser um compositor brasileiro. Nossa músicatem um forte apelo rítmico, resultado da influência afri-cana, por exemplo. Não há como negar a importância ea interferência dessa grande mistura cultural que nóssomos.

VIOLÃO INTERCÂMBIO- Como está a agenda devocês este ano?SA- Este foi o ano que mais estivemos ocupados. No

mês passado, fomos à China e Taiwan. Depoisretornamos à Ásia para apresentações no Japão, comprogramas diferentes. Estamos em Nova York para gra-var um disco com a violinista americana Nadja Salerno-Sonnenberg, para o qual preparei o repertório. Estoutrabalhando numa peça para 2 violões e orquestra, quevamos estrear em dezembro com a St. Paul Orchestra,em Minneapolis. Em outubro, estaremos em São Pauloe no Rio; em novembro, na Europa e, durante fevereiroe março de 1998, numa grande tournèe pelos EstadosUnidos.

VIOLÃO INTERCÂMBIO- Qual é a opinião de vocêssobre as gravações? Quantos discos vocês já grava-ram?SA- Nós, na verdade, somos bastante puristas. O idealseria fazer tudo ao vivo. No entanto, as companhiasnão pensam assim, para elas é muito mais trabalhoso.Fizemos no Brasil uns 4 ou 5 discos e, no exterior, sete.

VIOLÃO INTERCÂMBIO- Como está a GHA?SA- A GHA é a gravadora da esposa de Odair. Elesestão com projetos lindíssimos, como a gravação deconcertos para violão e orquestra com Leo Brouwerregendo a Orquestra de Córdoba e solistas de primeiragrandeza.

VIOLÃO INTERCÂMBIO- Que momento especialda carreira você destacaria como sendo um dos maisimportantes ou emocionantes?SA- Com o passar dos anos, os momentos especiaisvão se somando. Realmente há muitos. Podemos, noentanto, citar um deles: em 82 ou 83, fomos tocar naRadio France, em Paris, e pudemos conhecer pessoal-mente o lendário violonista espanhol Andres Segovia.Nós nunca tivemos oportunidade de vê-lo tocar ao vivo.Ele foi professor de nossa professora - Monina Távora- durante 7 anos. Recordamos com muito carinho que,enquanto tocávamos, ele estava lá, o maestro Segovia,o “pai de todos”.

VIOLÃO INTERCÂMBIO- Obrigado pela entrevista.

SIDNEY MOLINA - Formado em Filosofia pela USP,é também especialista em Musicologia pela Faculda-de Carlos Gomes. É diretor do Conservatório Mozartem São Paulo, professor de Estética Musical do cursode música da FAAM e membro do quarteto de violõesQuaternaglia.

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Duo Barbieri-Schneiter* Entrevista publicada na edição no. 12 - Jul/Ago 1995 com o título“Duo Barbieri-Schneiter faz viagem à Itália”

Entre as várias formações que se apresentam pelopaís todo, o Duo Barbieri-Schneiter vem se conso-lidando entre os melhores da atualidade; agora oduo tem por objetivo a gravação de um CD e acontinuidade de turnês fora do Brasil.

- Há quanto tempo existe o Duo?O Duo Barbieri-Schneiter fez seu primeiro concertoem maio de 1987 na Casa de Cultura Laura Alvim noRio de Janeiro, e desde então tem trabalhado ininter-ruptamente.

- Quais eventos ou lugares que destacam na car-reira do duo?Em 1988 fizemos nossa primeira apresentação na SalaCecília Meireles, o que foi um marco em nossa carrei-ra, porque com apenas um ano de trabalho consegui-mos lotar uma das salas de Concerto mais importantesdo país, inclusive fazendo a estréia da versão para doisviolões, feita pelo Fred Schneiter, da Partita nº 2 deBach. Em 1991, mais dois acontecimentos marcariama nossa carreira: vencemos o Concurso de Composi-ção do I Ciclo de Violão (São Paulo) com a música“Fantasia 521” do Fred, e em 2º lugar “Dois Momen-tos”, de minha autoria . Aliás, o prêmio para o primeirocolocado do referido concurso, como constava no editalde inscrição, era a edição pela Irmãos Vitale da peçavencedora, mas este prêmio, que inclusive foi omotivador de nossa participação, nunca foi outorgado.Além deste evento, realizamos nossa primeira viageminternacional a convite do Instituto Politécnico Nacio-nal do México, aonde nos apresentamos no excelenteAuditório Alejo Peralta. Na ocasião havíamos sido con-vidados apenas para este concerto, mas, devido ao gran-de êxito, realizamos mais sete apresentações em ou-tros centros culturais, além de termos gravado três pro-gramas em importantes rádios mexicanas. Em 1993,realizamos o concerto de abertura da temporada ofici-al do Teatro Amazonas (AM). Idealizamos e coorde-namos diversos projetos violonísticos, aonde nos apre-sentamos lado a lado com nomes como Carlos Barbo-

sa Lima, Hélio Delmiro, Sebastião Tapajós, entre ou-tros. E em abril deste ano nos apresentamos em trêsconcertos na Itália e um na Áustria.

- Como foi o convite deste evento na Itália?O Brasil foi o país homenageado na Fiera del Libro perRagazzi, em Bologna, e nós fomos convidados pararealizar, dentro deste evento, três apresentações de mú-sica brasileira.

- Como foi a performance de vocês ?O programa foi baseado principalmente nos arranjosdo Duo das músicas de Garoto, João Pernambuco eDilermando Reis, mas também tocamos Pixinguinha,Caetano Veloso e Tom Jobim. Convidamos para estastrês apresentações o flautista Guilherme Hermolin e opercussionista Cézar Brunet. Na nossa primeira apre-sentação, na abertura do evento, havia cerca de 1300pessoas, incluindo personalidades como o escritor Ziraldoe o embaixador Ricúpero, e a receptividade do publicofoi excelente. Pudemos ver de perto mais uma vez comoa música brasileira é bem querida no exterior.

- Há mais convites para regresso?Sim, de acordo com o que conversamos na Itália e naÁustria, realmente há interesse em nosso trabalho.

- Quais os planos do duo para o futuro?Além de darmos continuidade ao nosso trabalho comoconcertistas, arranjadores, compositores e organi-zadores de eventos, pretendemos dar início aos traba-lhos de gravação para o nosso primeiro CD, que, pelafalta de tempo, ainda não havámaos parada para tra-balhar bem este projeto. Temos também planos de tra-balhar com um empresário musical, o que estamospesquisando com calma.

- Como é visto o violonista brasileiro lá fora em suaopinião e experiência?Tradicionalmente, o Brasil é uma terra rica em violo-nistas de altíssima qualidade, que tiveram o seu traba-lho reconhecido no Brasil e no exterior: Garoto, Baden

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Powell, Rafael Rabello, Laurindo de Almeida, LuísBonfá, Carlos Barbosa Lima, Duo Abreu, etc., apenaspara citar alguns. Recentemente, faleceu o grandeRafael Rabello, que, atualmente, era uma espécie deëmbaixador do violão brasileiro”pela repercussão queseu trabalho estava tendo em todo o mundo. Enfim, oviolonista brasileiro se destaca em nível internacional,tanto nas composições quanto nas interpretações.

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Duo Barbieri-Schneiter* Entrevista publicada na edição no. 41 - Mai/Jun 2000por Géris Lopes- Fale um pouco sobre as atividades do duoBarbieri-Schneiter no Rio de Janeiro.Schneiter - O duo surgiu no Rio de Janeiro em 1987 edaí pra cá a gente tem feito muitos concertos e temproduzido também uma série de eventos, de músicaem geral, mas alguns específicos de violão. Nós fize-mos por três anos consecutivos projetos para a SalaCecília Meirelles, um projeto chamado “Violão na Sala”,fizemos o projeto “Violonistas-compositores”. Mais re-centemente nós fizemos um programa para a RádioOpus 90, uma estação de rádio que infelizmente aca-bou, mas fizemos um programa chamado “Violão e com-panhia” e foi um programa que nós abrimos com Sér-gio Abreu e terminamos com Segovia, Luz MariaBobadilla, do Paraguai. Teve gente muito boa que seapresentou nesse programa, além do nosso trabalhotambém ter sido apresentado lá. O último projeto quefizemos foi o “Violões em Foco”, produzido para umlugar chamado Arte Sumária, em Santa Tereza, no Riode Janeiro, onde o Barbieri tocou a minha música “Ondeandará Nicanor?”, foi o lançamento da partitura dessaminha música. Lancei por uma editora do Rio Grandedo Sul chamada Goldberg edições Musicais.

- Quando houve a formação do duo?Barbieri – Nós começamos a trabalhar juntos em 87e a idéia básica, uma idéia bem interessante, era a se-guinte: a gente pensava em fazer um repertório inédito,o Fred tinha essa tendência de compor, coisa que eunão fazia na época, e quando a gente começou a tocarjuntos isso ficou muito forte e evidente no duo, de tra-balhar um repertório inédito com transcrições, compo-sições próprias, um repertório diferenciado porque orepertório pra violão é pequeno, pra dois violões é me-nor ainda, então a nossa idéia era abrir esse leque deopções.

- Conte-nos sobre seus instrumentos. Quem é oluthier?Schneiter - Quem fez os nossos instrumentos foi oex-violonista Sérgio Abreu, grande violonista, integran-te do Duo Abreu, um dos melhores duos, talvez de to-

dos os tempos. Eles pararam de fazer o duo, o Sérgioainda tentou tocar sozinho, acompanhando cantoras,flautistas e tal, mas terminou definitivamente de tocarviolão e se dedicou à carreira de luthier. O Sérgio Abreufez esses dois instrumentos, especialmente pra gente.Na verdade os nossos violões são praticamente irmãosgêmeos porque são feitos com a mesma madeira, namesma época, e o Sérgio queria, na verdade, equili-brar, porque eu tenho uma técnica um pouco diferenteda do Barbieri. O Barbieri usa muito o toque sem apoio,eu uso muito o toque apoiado, eu toco muito com pole-gar e médio, o Barbieri não usa muito isso. Enfim oSérgio escutou bastante a gente e fez esses violõesespecialmente pra nós.

-Vocês gravaram para a série Grandes Violonis-tas do selo EGTA “Duo Barbieri-Schneiter noCaraça”. Qual foi a repercussão desse CD no Bra-sil?Barbieri – Eu acho que a repercussão desse primeiroCD, não só para as pessoas em geral como para nós,foi muito grande. Nós já tínhamos nove anos de duo enão tínhamos um registro fonográfico; as pessoas queconheciam o nosso trabalho de concerto vinham atrásde um CD nosso que não existia, e outras pessoas, atécomo você Géris, que conheciam o nosso trabalho denome, não tinham como conseguir isso. Então esse tra-balho foi quase como um nascimento do duo, nós dei-xamos de existir “virtualmente” e passamos a existirfisicamente, as pessoas puderam ter esse acesso aonosso trabalho.

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Schneiter – Inclusive eu acho que a repercussão dodisco foi muito maior do que a gente mesmo esperavaaté porque o disco não foi trabalhado pelo selo. Nãohouve uma divulgação, praticamente, o selo não seempenhou em divulgar esse disco. Esse disco é basi-camente vendido nos concertos da gente e um poucopela Internet. E o disco vende bem, ele tem vendidobem, mas ele não teve... Você vê, em geral, quando háuma gravadora por trás ela se empenha muito em di-vulgar o trabalho e dar apoio aos artistas, e a gente nãoteve isso por parte do EGTA, portanto a repercussãoque teve foi até além da nossa expectativa.

- Vocês fazem arranjos das peças que tocam etocam as obras do próprio duo – houve algumaobra composta especialmente para o duo por al-gum outro compositor? Houve alguma encomen-da do duo para alguém?Schneiter - Nós acabamos de gravar uma peça quefoi escrita especialmente pra gente pelo compositor CaioSenna. Ele escreveu e dedicou ao duo e ao claronistaPaulo Passos. Nós gravamos essa peça no CD queserá lançado em breve, com obras desse compositor,Caio Senna. Outros compositores já fizeram músicapra gente, vários: Nestor de Holanda Cavalcanti, que éum bom compositor, que por falta de oportunidade nãotocamos em público ainda, o compositor Luis CarlosCsekö, que é um excelente compositor da música con-temporânea, de linguagem bem contemporânea, já de-dicou ao duo algumas peças e a gente tem o maiorprazer de tocar peças que nos dedicam. Outros maistambém já dedicaram peças pra gente.

- Barbieri, você prefere o disco ou o concerto?Se sente à vontade no palco?Barbieri – Depois desses 12 anos, digamos assim, vocêse sente à vontade no palco. Agora, essa sua perguntainicial sobre disco ou concerto é assim: quando a gra-vação é boa, eu prefiro a gravação, quando o concertotambém é bom, eu prefiro o concerto. Ou seja eu pre-firo um bom resultado e isso nem sempre a gente temcomo prever, por mais que você estude, por mais quevocê trabalhe. Eu acho que isso independe. O concer-to tem uma característica muito interessante que é atroca que você tem com o público, às vezes um erronum concerto não faz com que você condene esseconcerto, você passa tanta coisa num recital que umerro ou outro, não tem problema. Agora, num disco,um erro, um trastejado, alguma coisa, toda vez naquele

pedacinho, deixa a gente louco.

- Na América Latina, vocês tocaram no México ena Argentina, que eventos foram esses?Schneiter – No México nós fomos convidados a fa-zer um concerto no Instituto Politécnico do México,em 1991, após esse primeiro concerto, surgiu um con-vite para um segundo concerto. No final, fizemos seteconcertos e gravamos dois programas de rádio, umacoisa foi puxando a outra. Na Argentina nós tocamosem duas oportunidades, no Centro Cultural San Martín,junto com o baterista argentino Dámaso Cerruti, apre-sentamos um trabalho em trio tocando Piazzolla, inclu-sive. Na segunda vez, nós tocamos no consulado bra-sileiro, em um auditório muito bom, uma oportunidademuito boa.Barbieri – Foi inclusive o lançamento do nosso pri-meiro CD. Foi engraçado porque nós lançamos na oca-sião no Brasil o segundo CD – “Duo Barbieri-Schneiter10 anos” e na Argentina nós lançamos o primeiro.

- Qual foi o repertório realizado com o bateristaargentino?Schneiter – Nós tocamos a minha Suíte n.º 1 que foigravada no primeiro CD, que é uma peça que eu tenhoeditada nos Estados Unidos, felizmente e infelizmente.Felizmente porque eu dei a sorte de o Sérgio Abreu terme indicado para essa editora, a Columbia MusicCompany, e infelizmente porque eu queria ter editadono Brasil. De uma certa maneira esta segunda peçaque eu estou editando agora “Onde andará Nicanor?”me dá muito prazer por estar editando aqui no Brasil,Rio Grande do Sul. Mas no recital com o Dámaso nósadaptamos a bateria em cima da Suíte n.º 1 e coloca-mos bateria em cima de algumas composições do Ga-roto e dois tangos do Astor Piazzolla. Fora isso nóstocamos em duo e o baterista tocou algumas composi-ções dele de bateria solo.

- Alguma proposta para tocar em outros países?Barbieri – Estas coisas demoram algum tempo praacontecer. A gente tem um projeto, por exemplo, defazer um evento no Rio e trazer alguns violonistas daAmérica Latina e conseqüentemente fazer um inter-câmbio, a gente iria tocar também nos outros países.Mas são planos por enquanto - afinal de contas achoque a gente às vezes planeja demais. Nós temos umprojeto nesse ano que é os “Concertos na Igrejinha”,que nós já fizemos em 1998, e deu certo, mas infeliz-

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mente em 99 não teve prosseguimento. Temos o pla-nejamento do nosso terceiro CD, os arranjos, as com-posições...

- Desde 91 vocês coordenam projetos no Rio, como“Violão na Sala”, “Violonistas Compositores”,mais algum para 2000?Schneiter – Não, só o do “Concertos na Igrejinha”,que é em Vargem Grande, Rio de Janeiro, um lugarfantástico, muito bonito, aconchegante. Neste projeto -você vê que a gente está sempre puxando a brasa prasardinha do violão, né? -, 90% deste projeto são violo-nistas, violonistas de diversas formações: duos, trios,solos, violão com outros instrumentos enfim. É um pro-jeto que está pra ser aprovado ainda, mas se der certovai privilegiar o violão, com certeza.

- E à parte à Música, quais são os interesses doduo? Passatempos...Barbieri – Nós temos um passatempo que é muitobom, a gente costuma assim fazer uma apreciação dasbebidas, vinho, cerveja... – não estou brincando (risos).A gente tem uma vida normal, curte sair com amigos,eu faço curso de Italiano, o Fred é fissurado em com-putador.Schneiter – Você está perguntando isso, mas uma vezuma repórter em Salvador ficou muito impressionadaporque eu falei que gostava muito de Carnaval e de-pois eu disse pra ela também que eu tinha sido surfista,peguei onda seis anos, e eu tive que explicar pra elaque eu era uma pessoa normal, eu namorava, pegavaonda, passeava e entre outras coisas tocava violão. Eeu desaconselho os meus alunos sobre viver em fun-ção do violão 24 horas por dia.Eu acho que pra serviolonista, pra ser músico, é importante que você na-more, jogue bola, vá à praia, vá ver futebol, ou seja,participe do mundo como um todo.

- Há ou houve algum projeto do duo com orques-tra?Barbieri – Praticamente os primeiros nove anos doduo foram dedicados aos projetos, os arranjos, a mon-tagem do repertório, nós temos um repertório bem gran-de, tanto da música clássica, popular, contemporânea,nossas composições, e que a gente vem gravando isso,né? E há um tempo atrás a gente começou a pensarnessa possibilidade com orquestra. Um compositor,Alfredo Barros, que atualmente reside em Fortaleza,escreveria uma peça pra nós. Isso seria legal porque

encaixaria perfeitamente no perfil do duo – fazer umaestréia e aumentar o repertório para dois violões.

- Qual vai ser o repertório do próximo CD?Schneiter – No primeiro CD nós gravamos violonis-tas compositores, como nós, ou seja, intérpretes da nos-sa própria obra, nós incluímos além das nossas músi-cas, João Pernambuco, Dilermando Reis e Garoto –que pra gente representam os pilares mestres do vio-lão brasileiro. Todo violonista brasileiro tocou em al-gum momento música destes três compositores. Nosegundo disco, que nós completamos 10 anos de car-reira, fizemos um apanhado geral do que a gente feznesse tempo, daí tem um pouco da música erudita tam-bém: Vivaldi, Scarlatti, incluímos também Piazzolla, querevolucionou o tango argentino, e algumas músicasnossas. Mas como nós sempre tocamos as nossasmúsicas resolvemos fazer um disco só com nossas com-posições, então a gente vai incluir no próximo disco, asduas suítes “Caraça”, que fizemos em homenagem aoSantuário do Caraça, são quase 40 minutos de música- porque são duas suítes, uma minha e outra do Barbieri-, vamos incluir minha “Preparação e Auto-retrato” queé uma música que eu já fiz há muito tempo, a “SuíteUrbana”, dedicada a Charles Chaplin, que eu fiz assimque cheguei no Rio de Janeiro, há muitos anos atrás, ea música do Barbieri, “Dois Momentos”, que foi clas-sificada em segundo lugar no concurso de composiçãodo “I Ciclo de Violão de São Paulo”. Tudo pra doisviolões. Este é o repertório do terceiro CD.

- Nessa turnê que vocês fizeram (final de 1999)vocês trabalharam obras inéditas do duo nos con-certos, como foi a receptividade do público?Barbieri – A gente está trabalhando o repertório, comcerteza, e essas coisas a gente vai mudando de opi-nião, as idéias vão amadurecendo. Eu sempre imagineique um repertório novo, totalmente novo, fosse umacoisa que fosse muito atrativa para o público, e hojeem dia, eu fico pensando que não é bem assim. Aspessoas em geral gostam de ouvir o que elas já conhe-cem, se identificam, então você trabalhar um repertó-rio totalmente novo “de cabo a rabo” é uma coisa umpouco arriscada, mas a gente resolveu comprar essaidéia, e fazer um repertório somente de músicas nos-sas, mas a receptividade, ainda que haja essa dificul-dade, tem sido bem grande. A gente tem tido retornoexcelente do público, de uma certa forma as pessoasse identificam porque há um pouco de caráter popular,

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um pouco baião, às vezes um pouco jazz, valsa, váriosestilos dentro dessas composições, e as pessoas aca-bam se identificando. Então acho que a gente tem tidouma receptividade muito boa, e estamos apostando queesse terceiro CD vá ter também uma receptividademuito boa tanto em níveis nacional quanto internacio-nal.

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Edelton Gloeden* Entrevista publicada na edição no. 3 - Jan/Fev1994

Idade: 38 anosAtividades atuais: Professor de Violão da ECA-USPe da Escola Municipal de Música de São Paulo

- Sua família não descende de músicos. Como co-meçou esse interesse por violão?Meu interesse por violão... Bem, eu me interesseimesmo pelo violão depois de estar estudando uns trêsanos.

- Foi quando você começou com o Henrique Pinto?Foi um pouquinho antes; eu estudava com um alunodele, o Roberto Dalla Vecchia.

- Quando você começou a tocar, quais eram suasprincipais influências, de violonistas ou não?Meu primeiro impacto com violão foi quando ouvi aChaconne (Bach) tocada pelo Segóvia. Eu tinha uns14, 15 anos. Foi uma impressão muito forte.

- O Barbosa Lima, o Turíbio Santos e a Maria LíviaSão Marcos tiveram alguma influência?O Barbosa Lima eu tive poucas oportunidades de ouvirem São Paulo, uns dois ou três concertos, só. O Turíbiotambém, mas me impressionava mais. Agora quem meimpressionava muito mais do que eles eram os IrmãosAbreu, sem dúvida.

- O I Seminário de Violão que você fez em PortoAlegre foi em 1972?Sim, e estudei com o Jorge Martinez Zarate, excelenteprofessor.

- E o primeiro contato com o Zarate e o Santórsolafoi grande?O primeiro contato com o Santórsola foi muito maior,porque eu era um moleque pretensioso que chegavana aula seguro do que eu estava fazendo, e o Santórsolanão me deixava sair dos quatro primeiros compassosde uma peça. Ficava comigo uma meia hora no meiodaquele bando tod, que tinha Roberto Aussel, EduardoFernandez, Álvaro Pierri...

- E o Santórsola dava mais aulas?O Santórsola dava mais aulas de Harmonia eInterpretação. E com o Zarate eu tinha aulas de violão,mas ele também ensinava Música. Mas as informaçõesque o Zarate me passou na época, para aquelemomento, para mim, foram decisivas, foram muitoimportantes. Mexeram com a minha cabeça.

- Você tocou quantas vezes nos Estados Unidos?Três vezes em 1982. Um recital no “Y”, que é umasala importante em Nova York, o outro foi no Institutode Estudos Brasileiros, em Washington, e o último foina Sala Bruno Walter, no Lincoln Center.

- Qual foi sua primeira participação importante emMúsica de Câmara?Foi a primeira. E já foi bastante séria. Foi talvez o meuprimeiro concerto profissional, em 1975, no MASP, comAnna Maria Kieffer (cantora). Eu já havia feito antescom o Everton (Gloeden). Fazíamso duosesporadicamente.

- Como você se vê com professor? Você gosta dedar aulas?Eu gosto de dar aulas para os alunos que produzem.Eu tenho sempre muti prazer nisso, quando eu sintoque um aluno está produzindo. Eu acho que umprofessor é mais um orientador. Eu acho que realmentequem tem vontade de fazer a coisa, vai atrás. Quemacha que o professor vai resolver o problema, estáenganado completamente.

- Você se preocupa em divulgar seus alunos de al-guma forma, arrumando recitais ou tocando comeles?Eu procuro fazer aquilo que fizeram comigo. Eu sempretive muito apoio, sempre me ajudaram muito.

Nota: Esta entrevista faz parte da pesquisabiográfica que Gilson Uehara Antunes realizousobre Gloeden em 1993

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Eduardo Castañera* Entrevista publicada na edição no. 29 - Mai/Jun 1998por Juliano Anesi Brito

Nascido: Buenos Aires, ArgentinaIdade: 42 anos

- Qual sua formação violonística? E quando sur-giu o interesse pelo violão?Comecei com quase 7 anos. Meu pai estava come-çando a construir violões e havia violões pela casatoda. Então eu comecei a mexer sozinho, a tocar so-zinho violão. Nessa época violonistas passavam nacasa de meu pai e aí o aconselharam a me mandarestudar, pois eu ficava sempre tentando tirar algumacoisa. Um dos frequentadores, o professor paraguaioSila Godoy recomendou uma professora Clara SindeRamalial, que foi minha primeira professora. Ela erade escola tradicional, das melhores escolas deBuenos Aires, onde temos duas escolas bemdelineadas, a de Consuelo Mayor Lopes - que foialuna de Miguel Llobet, junto com Maria LuisaAnido; e depois a escola de Martinez Zárate, maisrecente, dissidente da escola tradicional. Em 1970eu ganhei uma bolsa para participar de um seminá-rio que Abel Carlevaro estava dando, perto de Mardel Plata. Eu tinha uma facilidade natural, estudavamuito - quem estuda tem resultado - mas minha pro-fessora estava me dando peças de muita exigência ede repente eu não tinha soluções (ela também nãome sabia dar). Falei com meu pai e então fui a esteseminário com Carlevaro. Lá havia mais ou menos20 violonistas e ouvi falar de Enrique Nuñez, HoracioCeballos, Miguel Angel Girolet, Jorge Santos, LucioNuñez, todos de prestígio, com idades entre18 a 30anos e eu tinha 12 anos! Queria ter aula comCarlevaro, não só em seminários, mas eu era muitopequeno para viajar sozinho para Montevidéu, alémde ser dispendioso. Então meu pai entrou em conta-to com ele e perguntou: por que não formar uma tur-ma, um grupo de alunos? Já havia uns 10 que esta-vam indo estudar com ele. Formamos um grupo eCarlevaro começou a vir uma vez por mês aBuenosAires. Isso foi até 1977. E nas férias eu iapara Montevidéu; ficava lá 15, 20 dias estudando

com ele, todos os dias, meia hora de aula. Estudei 7anos com Carlevaro. Ficamos muito amigos. Hojefaz 10 anos que não o vejo. Passaram os anos masparece que a gente se viu no dia anterior. Ele é umgrande estudioso do instrumento, que soube apro-veitar as coisas boas do Segovia e transformar, atu-alizar essa escola do Segovia. Não se pode dizerque seja uma escola tradicional. Ele puxou muita coi-sa do Segovia, mas ele fez um estudo de Anatomia,pesquisou sobre a Física. Você percebe que é umapessoa muito culta, muito preparada. Você percebeque tudo tem uma lógica. O violão parece que cai nocorpo dele, está feito para ele. Isso você só vê nosgrandes. Como professor ele tem um pensamento:nem sempre os grandes intérpretes são bons profes-sores. Eu não diria que ele é uma pessoa muito es-forçada na docência; é o aluno quem tem que puxardele, roubar dele. Você aprende o que ele tem quedar nos cursos, seminários, mas em aula particular,ele te mostra, só que é você quem tira as conclu-sões. Na interpretação também é assim. Cada umvai fazendo sua própria personalidade artística, suaestética. A técnica é a mesma que você vai aplicar,mas eu tenho as minhas coisas diferentes; eu nãodescartei totalmente a escola tradicional - uso mui-tas coisas que Carlevaro não aprovou, mas uso por-que para mim deu resultado. Inicialmente eu negueitudo para poder conhecer Carlevaro.Parei de estudar com ele porque quando você estáperto de uma personalidade tão forte você não tem aliberdade de trabalhar à vontade. Então tem que seafastar para fazer o seu trabalho. Nunca chegamos afalar disso mas ele entendeu, ele sabe, que para umartista é chegado o momento de fazer o seu própriocaminho e nesse sentido ele foi uma pessoa muitocorreta e o admiro muito por isso. Ele tem um dita-do: “Coitado do professor que espera tudo do alunoe coitado do aluno que espera tudo do professor”.

- Por que você está morando em Porto Alegre ago-ra?

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Já morei aqui em 1980-81, quando dei aula noPalestrina e na Universidade Federal de Santa Ma-ria. E depois fui para São Paulo com a intenção deter uma visão mais nacional, mas não é fácil entrarnuma cidade como São Paulo, ou Rio ou BuenosAires, onde já há determinadas famílias de violonis-tas que se agrupam, já tem os espaços ocupados esobra pouco espaço para os novos ou para violonis-tas que não são da família. Fiquei um par de anosem São Paulo e minha atividade musical não erasatisfatória, apesar que tocava. Aí voltei para BuenosAires e gravei meu primeiro disco. Voltei para cá háum ano e meio, estou casado com uma brasileira.Buenos Aires tem um centro cultural muito impor-tante, mas funciona ainda como era o Brasil no co-meço do século - era o Rio de Janeiro e fim - o restodo país não existia. Depois de Buenos Aires, temSanta Fé, Córdoba, Mendoza, Mar del Plata, que éaonde dá pra tocar. Depois, o interior... é muito po-bre na parte artística. Faltam salas, organização. Aquino Brasil o interior é rico. Por exemplo, no Rio Gran-de você pode tocar durante o ano todo em um montede lugares, sem parar. No ano passado toquei emPorto Alegre, Pelotas, Passo Fundo, Cassino, Ijuí,Erexim, Pedro Osório... Há quantidade e um músiconão pode tocar só 2 ou 3 vezes por ano. O campo deação no Brasil é muito maior.

- O que opina sobre o meio violonísitco no contex-to mundial?Nos anos 70 Carlevaro começou a mostrar a novaescola, em Uruguai, Brasil e Argentina, mas mundi-almente pouco conhecido. Agora às vezes quandovou para a Europa, vejo escolas excelentes na Ingla-terra, Itália também, a França não muito, a Espanha- muito fraca, lamentavelmente só ficou, com todo orespeito, na história de berço do violão, mas ficouatrás. Inglatera, Bélgica, Holanda, Alemanha são ex-celentes centros. A questão da escola de violão é,em comparação com outros instrumentos (como vi-olino e piano, que têm 300 anos), muita nova, masvem se aperfeiçoando a passos mutio rápidos, emdécadas. O violão sempre se destacou por virtuosos- poucos. Tem toda uma massa de violonistas do mes-mo nível. Destaco: Eduardo Fernández, Álvaro Pierri,Roberto Aussel, Eduardo Isaac, Miguel Angel Girolet(falecido) do sul da América. Yepes e Segovia; Breame Williams já modificaram a forama de trabalho,são estéticas diferentes. No Japão você vê grandes

acrobatas - Yamashita e outros, só que tem de sairde lá e ir para Inglaterra, Estados Unidos, Europa,procurar se ocidentalizar. Creio que Japão vai aindamostrar muito.

- Quais os concursos que você participou?Em 1975 eu ganhei o Concurso do Seminário Inter-nacional de Porto Alegre. Ganhei dois concursos na-cionais na Argentina, e em 1976 ganhei em Quito.Em 1977, ganhei o Alírio Diaz, de Caracas. Em 1979,selecionado para o Concurso da Radio e TV Fran-cesa, quando fiquei em segundo lugar. Em 1980 par-ticipei do Villa-Lobos, ganhei também. Em 1984,em Alessandria, fiquei em segundo também. E pareiporque já havia participado de muitos concursos. Na-quela época me abriram muitas portas. É um empur-rão, ajuda currículo, bagagem, experiência - um malnecessário; é uma exigência de um repertório - gos-te ou não goste, tem de tocar e ser perfeito. Agora...arte não é isso.

- Quais as dificuldades e facilidades que você en-contra na atividade violonística?Dificuldades: o violão sempre está em segundo pla-no. A programação de um teatro é sempre para con-junto de cordas, orquestras, violino, piano. Violão...é uma dificuldade. Mas também o violão tem a pos-sibilidade de tocar em outros lugares que orquestranão iria. Por exemplo, café concertos (na Argentinatemos esta prática). Facilidades: tendo um currícu-lo...

- Quais as críticas para os vilonistas? E qual suadidática?Há violonistas que estão muito preocupados em to-car, desenvolvendo uma grande escola técnica, masmusicalmente esquecem ou, vice-versa, são bonsmúsicos mas não se preocupam em aperfeiçoar umatécnica violonística. Temos que prestar atenção nosdois lados. Há professores que te guiam musical-mente, mas não te ensinam a tocar, ou vice-versa.Não é uma crítica, é apenas um comentário. Em to-das as partes do mundo existem professores respon-sáveis ou não. Há professores que tem uma forma-ção fraca e estão trabalhando; alguma coisa eles têma ensinar sempre, depende do aluno saber se deveficar com ele ou não. Pessoas inescrupulosas têmem todo o mundo e responsáveis também. A minhadidática de estudo e ensino: eu aplico uns 60% da

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escola de Carlevaro; uns 30% da escola regional e10% de coisas minhas. Carlevaro resolve muitascoisas, ajuda a organizar o trabalho; a sintetizar, nãotem que estudar muitas horas. Eu hoje estudo de 20a 30 minutos de técnica e isso satisfaz minhas ne-cessidades instrumentais. Se venho me apresentan-do bastante, com 15 minutos já me satisfaço - ajudamuito ter uma escola bem organizada.

- Existe alguma gravação sua?Gravei em Buenos Aires o disco “Ibero-américa”,que são músicas de espanhóis e latino-americanos.O selo fechou e a edição está esgotada. Em CD es-tou gravando autores latino-americanos, são com-positores que pertencem aos países do Mercosul. Onome do CD será “Uma Viola para o Mercosul”.

- E sobre repertório?Ultimamente estou tocando mais música contempo-rânea e latino-americana, mas por uma necessidade:o público tem mais preferência por isso, e um artistaestá obrigado a tocar aquilo que o público tem maispreferência, mas sempre vou colocando no meioaquelas músicas que a gente tem prazer em tocar.Toco Renascença e Barroco; Clássico, poucos; Ro-mânticos espanhóis e latino-americanos.

- Quais as diferenças que você observa em um vi-olonista brasileiro?Poucas no sentido das escolas, hoje são bastante se-melhantes, pelo intercâmbio em seminários interna-cionais. Mas muitas no critério do Ministério da Edu-cação. Lá na Argentina, conservatório para formarBacharel em Violão são 10 anos (20 semestres) eaqui são 8 semestres - não se pode pretender formarum violonista em 4 anos.Sobre estilo de tocar; se você vai para São Paulo,Rio, há escolas muito tradiconias, acho bastante atra-sadas e claro a interpretação sai acomodada a estaescola. Considero que Buenos Aires e Montevidéuestão com escolas muito mais evoluídas, pela influ-ência de Carlevaro e alunos dele que estão fazendoum bom trabalho. No Rio Grande do Sul também,pelo fato de ter passado por vários seminários, temmais influência dele. No aspecto musical, o folclorebrasileiro tem um tipo, o argentino e o uruguaio têmoutro, então de repente aquele ritmo, aquele suíngueque o brasileiro tem pela música própria, colabora

para a formação do músico. Tem uma certa diferen-ça de estilo mas é muito sutil.

- Quais personalidades você cita entre os brasilei-ros?Sergio e Eduardo Abreu. Duo Assad - sou muito ami-go deles.

- Quais os planos futuros?A gravação de um CD com 5 violonistas aqui dePorto Alegre, cada um tocará 2 músicas. É um pro-jeto da Funproarte. Recebi de Carlevaro a partiturade uma “Fantasia Concertante” que pretendo tocarcom várias orquestras durante o ano. E mais duaspeças de Carlevaro, que estão no meu CD solo.Abri com Vinícius Corrêa e Marco Ferreira a escolaIn Concert . A filosofia de trabalho é promover cur-sos e master-classes, e favorecer jovens talentos, quenão encontram espaço, além de outros, que já nãosão tão jovens, mas também estão meio fora do cir-cuito, pois são sempre os mesmo que atuam em se-minários.

Juliano Anesi Brito, 18 anos, estudante de violãoem Porto Alegre - RS.

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Eduardo Fernandez* Entrevista publicada na edição no. 24 - Jul/Ago 1997por Nicolas de Souza Barros

Durante o encontro de violonistas na UNIRIO, emoutubro de 1996, do qual Fernandez foi a atraçãoprincipal, o organizador do evento, prof. Nicolasde Souza Barros, realizou esta importante entrevis-ta com o violonista uruguaio.

- Como você vê o futuro do violão erudito, em ter-mos de carreira?Não é uma pergunta fácil de responder. Ocorre queestão acontecendo coisas demais ao mesmo tempo.Estamos vivendo uma decadência do violão queSegovia popularizou (repertório e estilointerpretativo). O processo que Segovia iniciou, delevar o violão erudito a um cenário musical sérioainda não está completo; falta muito para que issoaconteça, mas está começando a acontecer e, curi-osamente, com um repertório completamente distintodaquele que Segovia inspirou. Obviamente estou fa-lando de compositores contemporâneos comoLuciano Berio, Lachmann, Boulez e outros que têmutilizado o violão em obras importantes. Em termosde conseguir concertos em séries musicais, esta éuma questão não só do status do violão como tam-bém da atuação dos managers, e da atuação dos pró-prios violonistas, que muitas vezes não sabem orga-nizar um repertório suficientemente sério e interes-sante, em se tratando de séries de repertório einstrumentação variada - e eu não tenho dúvidas queexiste repertório sério para ser executado, apesar depessoas que pensem o contrário. Violonistas que pen-sam que não existe um bom repertório para o instru-mento deveriam dedicar-se a outra coisa.Em termos de carreira neste momento, a opção doviolonista erudito está cada vez mais difícil, porqueo nível da execução do instrumento tem subido de-mais nos últimos quinze ou vinte anos, e simples-mente não existem oportunidades suficientes paratodos os bons violonistas. Existem vários caminhosque muitos violonistas estão explorando; um dosquais é a música de câmara tanto como repertóriooriginal como transcrições. Outro caminho é a mú-

sica contemporânea, que tem como clientela uma pe-quena elite, e não é exatamente o campo mais rentá-vel da música; existem lugares específicos para to-car e tem a vantagem de que a longo prazo colocaráo violão em uma posição de prestígio. Um terceirocaminho é dos instrumentos originais, ou seja, amúsica antiga; muitos violonistas estão seguindo estecaminho - eu acho que pode ser uma saída impor-tante, em termos de carreira. Para muitos violonis-tas, o trabalho principal consistirá em ensinar; e umacoisa que me preocupa é que não existe uma prepa-ração específica para isto, que deveria existir emnível universitário de forma institucional. (Não te-mos nos Bacharelados de Instrumento brasileirosuma complementação pedagógica de qualquer tipo,e muito menos uma que se preocupe com o ensinoinstrumental - N. Barros.)Finalmente, penso que a popularidade do violão seencontra em declínio neste momento - mas tambémacho que é uma situação transitória, e que dentro demais ou menos dez anos as coisas vão estar muitodiferentes. É importante que os violonistas que es-tão começando agora estejam preparados para a novacrista de popularidade que está se anunciando emvárias partes, no meu entender, como por exemplo,a nova popularidade dos unplugged de diversas cor-rentes instrumentais populares, que eventualmentevai conduzir o público para o violão erudito. Eu soudecididamente contra o repertório de fusão no vio-lão erudito; me parece que é vender muito baratoum dos nossos patrimônios mais importantes, e re-força a imagem do violão como instrumento margi-nal. Para mim, é um erro grave do ponto de vistaestratégico, embora seja uma maneira de conseguirconcertos.

- Como você define “fusão” ?Me refiro à uma tendência que vi na Argentina, ondeestive recentemente: de cinco concertos de um fes-tival, quatro tinham como ponto-forte obras dePiazzolla. Tem pessoas que podem fazer isto muito

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bem, não tenho dívidas, mas me parece uma tendênciamuito perigosa para o instrumento. Eu pessoalmentegosto muito de música popular e não penso que sejainferior, mas muitas pessoas pensam assim; e é perigo-so identificar-nos com esta corrente.

- Como você vê a situação dos músicos na universida-de?No meu país, em termos gerais, as instituições deterceiro grau nunca funcionaram com relação à mú-sica, e a imensa maioria das coisas importantes rea-lizadas no Uruguai nesta área têm sido fora ou atécontra as instituições - apesar de diversos músicosimportantes terem lecionado nas instituições. Pensoque o ambiente acadêmico por sua natureza não con-duz necessariamente para uma boa formação instru-mental, uma vez que a ênfase institucional é numoutro tipo de formação e não na formação pessoal esubjetiva que é o mais importante para um intérpre-te. Então existe uma certa contradição implícita quese tem que tentar superar. Também, outro problemaque a música tem nas instituições acadêmicas, ine-rente à este sistema, é que se tende a fazer uma es-pécie de gueto de música erudita; um ambientesuperprotegido que termina separando demais os mú-sicos que nele transitam do público. Isso já se vênos Estados Unidos, e seria uma pena se aconteces-se também na América Latina. Acho que se tem quefazer grandes esforços de divulgação e fazer comque as atividades desenvolvidas nas instituições che-guem ao público geral, para os meios de comunica-ção etc..

- O violão moderno caminha para uma unificação téc-nica?Eu penso que sim. É uma tendência que vai se forta-lecendo à medida em que as distintas escolas e osseus intérpretes vão se conhecendo e aprendendouns dos outros. Acho que até certo ponto é desejá-vel; não me parece que vão se perder característicasnacionais e/ou pessoais com isso. Também é um de-senvolvimento muito saudável a confrontação e acomparação de distintas escolas e professores - nãopode ser outra coisa que positiva para o desenvolvi-mento do instrumento.

- Fale a respeito de seu tratado de técnica.O meu livro foi escrito já há algumtempo; hoje eu

provavelmente o organizaria de outra forma. Como lidacom idéias básicas, segue tendo validade, pelo que meconsta, não existe nenhum outro livro que lide com oproblema da aprendizagem da técnica com o enfoqueque eu dei. Minha abordagem tem muito a ver comalgo que descobri depois de ter feito o livro, que é otrabalho de Moshe Kreisenfeld, que não tem a ver commúsica e sim com corpo e fisioterapia. Muitas das mi-nhas idéias eu vi que já tinham sido descobertas antes.Meu objetivo foi de tratar de retirar da técnica instru-mental esta mentalidade de “centro de treinamento in-tensivo” que é uma norma, e de fazer uma coisa umpouco mais natural no aprendizado instrumental. Temalgumas coisas que podem parecer radicais - por exem-plo, eu sou completamente contra os exercícios de téc-nica como parte habitual e rotineira do estudo diáriocomo fazer escalas. Acho também que todo o estudodiário deve ser embasado totalmente em música, por-que a única maneira de formar um músico é de formara pessoa anteriormente, e o ensino da técnica tendenormalmente a atrofiar a criatividade do aluno. Gosta-ria de ver se é possível resgatar isso no processo deaprendizagem da música.

- Quais são seus planos futuros?Seguir fazendo concertos; estou compondo bastan-te e penso em me dedicar a esta atividade cada vezmais. É uma faceta da minha atividade musical naqual não tenho podido me concentrar tanto quantogostaria. A gravação neste momento não é uma pri-oridade, porque fiz muitos discos para a DECCA equero parar uns dois anos.

- Fale de Abel Carlevaro e sua escola técnica.Existe uma ligação entre Abel Carlevaro e eu - tantocomo entre minha carreira e a sua escola violonística.Eu estudei quatro anos com Abel e aprendi tudo quesei de técnica violonística - mas depois comecei apensar com a minha própria cabeça. penso que nes-te momento o que eu estou fazendo é uma espéciede pós-Carlevarismo. Ele tem o mérito enorme deter sido a primeira pessoa a pensar de maneira raci-onal e profunda sobre problemas técnicos - e obvia-mente vai ser lembrado na história do nosso instru-mento em função disto. Não penso que suas conclu-sões sejam definitivas, como tampouco acho que asminhas são. Qualquer investigação deve serconduzida em um espírito de abertura, de colaboração;

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possivelmente, a oposição extremamente forte às suasidéias, tanto no Uruguai como fora, algumas décadasatrás, fizeram que a reação natural tenha sido um tantoquanto excessiva. Ele pessoalmente é uma pessoamuito aberta, apesar de talvez muitos de seus alunosnão serem assim. O seu feito é importante com rela-ção à história do instrumento - eu me sinto identificadoporque as minhas raízes técnicas se encontram na suaescola, mas não sou um “Carlevaro-versão 2.0”. Eusou eu.

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EGTAEverton Gloeden - Tadeu do Amaral - Ricardo Dias* Entrevista publicada na edição no. 42 - Jul/Ago 2000 com otítulo “EGTA completa cinco anos e lança site”por Ricardo Marui

Tendo iniciado suas atividades em maio de 1995,com o lançamento do CD “Recital”, de EvertonGloeden, o selo EGTA conta hoje com um catálogoem que figuram nomes como Fábio Zanon, PauloPorto Alegre, Tadeu do Amaral,Edelton Gloeden,tendo ainda realizado as gravações dos CD’s docravista Edmundo Hora e do projeto “História daMúsica Brasileira”, sob a direção artística deRicardo Kanji. A equipe do EGTA participou aindada produção do CD “Essência do Brasil”, com oQuarteto Brasileiro, lançado pelo selo Delos, ten-do recebido diversos elogios pela qualidade de seutrabalho.

Em seu quinto ano de atividades, o selo lançaum site (www.egta.com.br) que traz, além de infor-mações gerais, uma seção para venda dos CD’s deseu catálogo. Leia a seguir uma entrevista realiza-da com Everton Gloeden e Ricardo Dias, que jun-tamente com Tadeu do Amaral, integram a equipedo EGTA.

- Primeiramente, vocês poderiam apresentar aosleitores o que é o EGTA, como funciona, e quaisas atividades que vocês desenvolvem atualmente?Ricardo Dias: A EGTA é, basicamente, fundamen-tada na amizade de três pessoas: Everton Gloeden,Tadeu do Amaral e Ricardo Dias. Pessoas que temum interesse comum: música e violão. A propostainicial era produzir discos - não necessariamente deviolão - mas, naturalmente, os nossos primeiros lan-çamentos foram na área de violão erudito. Inicia-mos nossas atividades fazendo, via assinatura, seisproduções; ampliamos e hoje dispomos de nove pro-duções, além de trabalhos prestados a terceiros, en-tre os quais podemos citar o “História da MúsicaBrasileira”, com o Ricardo Kanji, em que realiza-mos a gravação, direção artística e edição.Everton Gloeden: Fizemos também dois Festivaisde Música Antiga em Curitiba, onde gravamos os

maiores nomes da música antiga no mundo, a or-questra Armonico Tributo, prestamos serviços juntoa Delos em dois CD’s – do Quarteto Brasileiro e daalaudista Célia M. Galbraith – e estamos em vias delançar o disco de Edelton Gloeden, que dará conti-nuidade à série “Grandes Violonistas”, provavelmen-te não nos moldes em que iniciou. O repertório ébaseado na tese de Edelton “O violão nos anos 20 e30” e o violão utilizado é um Simplício, de 1923.Ricardo Dias: Temos hoje um site para acomercialização de nossas produções, e oferecemosserviços que vão desde a gravação até a contrataçãoda prensagem. Fazemos isso no seguinte esquema:podemos simplesmente fechar esse serviço por con-trato, ou podemos fazer o que chamamos de contra-to de parceria, onde vendemos o serviço de grava-ção e colocamos nosso selo nas produções em queachamos que a qualidade artística está de acordo comnossos padrões, e ficamos com um percentual paravenda em nosso site.EG: Nesse caso, digamos, você contrata a EGTApara fazer esse serviço. Você vai receber uma quan-tidade X, ficamos com uma parte disso, vamos di-vulgar seu nome, e você irá comercializar seus dis-cos.RD : e o nosso forte na área de prestação de servi-ços é o processo de direção artística, que eu achofundamental. Muita gente não sabe como começarum processo de gravação.

- A maioria dos músicos, não dispõe desse serviço,e acabam controlando todo o processo. Fale maisda direção artística que vocês oferecem e da im-portância do produtor na realização do CD.EG: Na verdade, quando o artista vai fazer seus pri-meiros trabalhos, especialmente o primeiro disco,ele não sabe qual a importância do produtor. Paramim, sem produtor não se faz um disco. O produtortem o controle de tudo: ele tem o controle do som,

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ele tem o controle do técnico, ele tem o controle doque você vai tocar, ele tem o controle da qualidadedo que você vai tocar. Se você deixar para o artista,ele vai repetir tantas vezes – porque ele sempre vaiachar que pode fazer melhor – que vai entrar numaroda-viva, que passa a ser contraproducente. Paraevitar isso, ele tem que ter alguém que seja comoum técnico, que vai tentar tirar dele o melhor. Porexemplo, se ele já tem a versão boa, o produtor sabe,e assim ele tem um controle do tempo e da energiado artista. Inclusive, se o produtor tem um contatoíntimo com o artista, ele vai até orientar o artistacomo se preparar para a gravação. Quer dizer, o pro-dutor é fundamental.RD: no nosso caso, tem mais um detalhe, o produ-tor é geralmente quem vai editar todo o material.Então, durante o processo de gravação, a pessoa jáestá pensando na edição e falando “Aqui já temosuma versão boa”, ou com dois ou três cortes aqui járesolvo esse problema.EG: E tem mais uma coisa que eu sempre digo: nãobasta ser um bom violonista, ser um bom músico,para ser um bom produtor. O bom produtor vem davivência em fazer as produções. Muitas vezes o caraé um excelente músico, mas não tem essa vivênciacomo produtor, então às vezes ele mesmo pode seperder um pouco. Acredito que, nesses cinco anos,e com esses trabalhos tão diversificados, com vári-as formações, a gente adquiriu uma experiência emmatéria de produzir muito valiosa.

- E como deve ser a relação artista-produtor?EG: para que o artista possa se concentrar na músi-ca, ele tem que ter plena confiança no produtor; arelação artista-produtor tem que ser de confiançacega até. Porque o produtor vai falar – Você já temmaterial. A música está coberta – e você fica tran-qüilo porque já tem a música. Eventualmente, o ar-tista pode sentir que ainda não, mas o controle dissoestá nas mãos do produtor, muito mais do que noartista.No Brasil, geralmente, o técnico não sabe música, eo artista leva o material para casa, ouve, seleciona,e vai sentar ao lado do técnico para ele fazer a edi-ção. Se o artista quiser, se ele tiver experiência, elepode fazer a escolha do material; se não, a EGTAmesmo faz, escolhe todos os trechos, faz a edição, eo artista só tem que se preocupar na melhorperformance dele.

- Qual o balanço que vocês fazem hoje, em rela-ção às expectativas que vocês tinham ao lançar oEGTA, cinco anos atrás?RD: eu vejo que, o que nós ganhamos foi conheci-mento. Conhecimento sobre como fazer, e conheci-mento de pessoas. Conhecemos muitas pessoas domundo artístico, não só limitado ao mundo do vio-lão, o que abre para nós uma perspectiva interessan-te de prestação de serviços.Eu me lembro que há cinco anos atrás, fizemos umencontro, Everton, Tadeu e eu, num bar em Pinhei-ros, eles já estavam me esperando, cheguei na mesa,sentei, e fiz a seguinte pergunta: “Muito interessan-te, mas como é que a gente vai ganhar dinheiro ?”. Eainda não descobrimos (risos). Mas eu diria paravocê o seguinte: o balanço desses cinco anos é posi-tivo, em termos de experiência, em termos dedomìnio de processos, e até um desenvolvimentohumano pelos relacionamentos que criamos.A perspectiva daqui para frente é, eventualmente,conseguir serviços mais arrojados, mais desafiado-res, e aí sim partir para um investimento maior emequipamentos que nos permitam desenvolver traba-lhos ainda melhores e mais rapidamente.

- A série “Grandes Violonistas”, que consistia naentrega de um pacote de seis discos no espaço deum ano, comercializado via assinatura, era umprojeto bastante arrojado, e inédito em vários as-pectos, obtendo grande êxito junto aos ouvintes.Fale um pouco sobre a realização desse projeto.RD: Foi realmente um projeto arrojado, e que sur-giu da necessidade da gente capitalizar. Nós inicia-mos a empresa, e não tínhamos nenhum capital, nemcondições de retirar de nossas “parcas” economiaspara investir, porque não tínhamos essas “parcas”economias (risos). Então nós tínhamos que desen-volver algum mecanismo de captação de recursospara iniciar nossas atividades. Isso, se por um ladofoi proporcionado pelo esquema de assinaturas, poroutro lado representou um compromisso extrema-mente grande para nós. Ficamos sobrecarregados,porque nós nos comprometemos a entregar, no cur-to espaço de 12 meses, seis produções (uma a cadadois meses) para cada um de nossos assinantes. Emalguns casos nós não gravamos os discos, como foio caso do Duo Barbieri-Schneiter e o disco doRicardo Lopes Garcia, mas todos os outros nosacompanhamos desde a primeira nota até a entrega

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do disco na casa do assinante. Realmente, foi umaépoca heróica, cujo resultado em termos financeirosfoi simplesmente conseguir os recursos para cum-prir o compromisso com os assinantes.EG: O selo EGTA surgiu por nós termos um materi-al humano fantástico, de grandes violonistas. A sé-rie se chama “Grandes Violonistas” porque realmenteacreditamos que são grandes violonistas, não é ape-nas um nome de marketing. E a gente via tanta gen-te boa, e sem nenhum trabalho feito em matéria degravação; todos os nomes da série têm entre trinta equarenta anos, pessoas que já tem um trabalho fan-tástico, que eu e Tadeu conhecemos até como com-panheiros de aprendizado de violão, que a gente jáviu fazer coisas fantásticas, e achamos que estava aíum material precioso que necessitava ser registra-do.RD: Acho que é mais importante partir para a inici-ativa, mesmo sem considerar em seus últimos deta-lhes o aspecto comercial. É realmente estar maispreocupado com o sonho e com o aspecto artístico,com o serviço que você presta à comunidade dosmúsicos. Acho que a EGTA também deixa como le-gado o seguinte: de certa maneira nós conseguimosuma ampliação desse universo.EG: e numa época em que havia um marasmo total,em que ninguém gravava nada, ninguém soltavanada. A gente ficava esperando o disco dos irmãosAssad chegar (risos), eram os únicos que faziam al-guma coisa. A década de oitenta foi uma década tristepara o violão clássico. Agora tudo está serevitalizando, parece que está começando uma novafase de ouro do violão, em todo lugar que você vaitem caras excelentes tocando, gravando, o acesso àgravação está mais fácil, o repertório está se ampli-ando, os instrumentos estão mudando. Acho que asérie “Grandes Violonistas” veio numa hora muitointeressante, e com pessoas que aparentemente es-tavam sem acesso a esse tipo de divulgação; estavatodo mundo aí, fazendo seu trabalho, tocando, al-guns conseguindo tocar um pouco mais. De qual-quer maneira, a coisa estava dispersa mesmo, e asérie serviu para dar um panorama do que é possívelem matéria de violão no Brasil.

- A atuação do selo foi citada na entrevista de nos-sa edição anterior (nº 42, com o duo Barbieri-Schneiter). Qual o retorno que vocês tem recebi-do junto aos artistas?

RD: Aí há aquele clássico conflito de expectativas.Acho que todo processo de negociação gera expec-tativas em ambas as partes, e, eventualmente, nemtodas as expectativas são plenamente satisfeitas.Acho que nesse processo todo aprendemos algumascoisas, e essas coisas, como acabamos de falar, so-bre tecnologias, de mais pessoas terem acesso a gra-vação, impõe, por outro lado, que você comece aselecionar um pouco melhor seus canais de distri-buição, para que você evite a dispersão de recursosextremamentes escassos. A nossa empresa é extre-mamente pequena, extremamente enxuta, nós nãopodemos nos dar ao luxo de dispender recursos eminiciativas que não tragam retorno imediato. Porconta disso resolvemos direcionar a empresa numprocesso de distribuição artesanal, baseado naInternet, baseado numa comunicação ponto a pon-to. Eventualmente, isso faz com que o artista talveznão observe na mídia, nos canais clássicos de distri-buição, em lojas, nenhum tipo de visibilidade maiordo trabalho dele, realmente isso não estamos fazen-do. Mas nós cumprimos todos os nossos compro-missos de comercialização, e o que nós temos feitopara um artista, fazemos para todos. Acho que essaé a grande mensagem que poderíamos dar: se even-tualmente nós não trabalhamos discos, não é um dis-co específico, não é um artista específico. Nós sem-pre tivemos como ponto de honra dar o mesmo tra-tamento a todos os artistas que nos contrataram.EG: No caso da música clássica, uma gravadora portrás é justamente aquela que materializa seu traba-lho, em que você vai ter um instrumento a mais paravocê trabalhar com seu agente ou seu assessor deimprensa na divulgação de seu trabalho. Porque pe-los dados que a gente tem em matéria de músicaclássica no Brasil, o maior número de discos vendi-dos é o do Arthur Moreira Lima, com 12.000 cópi-as, e não se sabe em quanto tempo; a Filarmônica deBerlim, com Abbado e tocando a Nona Sinfonia deBeethoven, vendeu nos EUA 300 cópias. Quer di-zer, para criar uma expectativa em matéria de vendacom música clássica, você teria que dispender umdinheiro tamanho, que certamente não é o tamanhoda EGTA. Se os sertanejos, a Xuxa, quando lançamum disco já tem 4 milhões de cópias vendidas antesde ir para as lojas, e mesmo assim compram umapágina inteira de jornal para anunciar isso, imagineo que uma empresa do tamanho da EGTA pode fa-zer. Pode fazer uma página na Internet, que vai dire-

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tamente a um nicho de mercardo, que são aquelaspessoas que gostam de violão, que gostam de músi-ca, e a gente sabe que esse número de pessoas érestrito.

- Fala-se muito na crise do mercardo de músicaclássica, em nível mundial. Como vocês, que tra-balham diretamente com esse tipo de música, vêemisso?RD: O que eu posso dizer é o seguinte: nós já con-versamos durante algum tempo, e não falamos napalavra crise até agora. Nós não falamos de proble-mas econômicos, não falamos de problemas finan-ceiros; isso demonstra mais ou menos com que es-pírito nós gravamos aqui na EGTA. Essa crise paranós não é a maior crise que existe, porque as nossasexpectativas em termos de ganhos financeiros sãoextremamente reduzidas. As nossas expectativas deganho são do ponto de vista do relacionamento hu-mano, do respeito, da amizade, e do desenvolvimentoartístico. Essa é a mensagem que eu gostaria de dar:acima do aspecto comercial, existe o aspecto do re-lacionamento, da dignidade desse relacionamento edo desenvolvimento do potencial artístico.

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Ermano Chiavi* Entrevista publicada na edição no. 26 - Nov/Dez 1997por Géris Lopes

- Quando você começou a construir violões?Há 25 anos atrás aqui em Zurique. Meu mestre foi oalemão G.K. Hannabach de Erlangen, Alemanha.- Que madeiras você utiliza?Construo meus violões “top” somente com “spruce”aqui da Suíça, além de “Rosewood” (do Brasil ouda Índia), eu prefiro da Índia, pois é melhor para osom. Uso também “Maple”, “Ébano”, “Cedrella”e“Taxus Baccata”.

- E sobre teus modelos?Eu faço apenas modelos pessoais. Tenho um mode-lo estudante, construído no modelo alemão e tenhoquatro categorias desta série. Eu tenho o modelobásico para concerto, de estilo espanhol, como oTorres e finalmente os modelos especiais, com 10ou 8 cordas.

- Quantos modelos você faz por ano, em média?Por ano, de 10 a 15 violões e todos são encomenda-dos. Especialmente para Suíça, Alemanha e Japão.

- Ermano, você já recebeu alguma encomenda dealgum violonista muito famoso?Não, mas Leo Brouwer experimentou um de meusviolões, um pequeno modelo de 63 centímentros, queele gostou muito por causa da precisão do som, mui-to bom para música contemporânea. Falou-me quese ele comprasse um violão agora ele compraria omeu (risos)! David Russell tocou em um outro vio-lão meu. Primeiramente ele disse que o som era muitobom, mas ele teve problemas com a distância dascordas, que ele achou muito altas e que teria de fa-zer muita ação. Depois, eu reparei isso, ele tocounovamente e gostou muito das melhorias que fiz.

- Você poderia comentar sobre preços?Eu tenho preços dos modelos de estudo que variamde 3.000 a 5.000 francos suíços. Depende da ma-deira, do modelo etc.. Para o modelo de concerto eu

tenho um preço único que é 6.800 francos suícos, in-cluindo estojo. Para exportação, eu faço esse preçosem a taxa suíça, que é de 6%. No ato da encomenda,a pessoa paga 1/3 do preço. Eu inicio o serviço, envio oinstrumento e a pessoa conclui o pagamento.

- Como você poderia descrever a situação aqui naEuropa na sua área?Em Zurique eu sou o único luthier, mas tenho muitaconcorrência na Suíça - cerca de 10 construtores.Na Alemanha, são muitos luthiers mesmo e bons.Na Europa em geral não está tão fácil construir vio-lões - não o ato de construir mas sim vender (risos)!Há centenas de luthiers na Alemanha, Inglaterra eItália.

- Você tem problemas para conseguir madeiras?Não, porque sei quais pessoas vendem as madeiras,já são conhecidos meus.

- Além do Duo Assad, o que mais você sabe doBrasil em termos de violão?Escuto algumas vezes uma ou outra coisa. Mas real-mente sei muito mais do que está acontecendo so-mente por aqui. Não sei muito sobre o que se passapor Nova York, Brasil ou outrolugar.

ERMANO CHIAVI - Hardstrasse219 ch-8005 - Zürich - fax 01 278 78 80

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Everton Gloeden* Entrevista publicada na edição no. 13 - Set/Out 1995

Idade: 38 anosAtividades: concertista, camerista, professor deViolão da Escola Municipal de Música de São Paulo

- Quando pensou em estudar seriamente, e tentaruma carreira musical?Quando fui a primeira vez em Porto Alegre eu co-mecei a me interessar, mas é difícil precisar, pois eucresci junto com a Música, comecei a aprender vio-lão com 7 anos de idade, muito normalmente, semter intenção de ser músico profissional. Tanto é queaqui no Brasil o lance do profissionalismo se con-funde muito. Talvez a parte mais profissional sejadar aula mesmo. Meu primeiro concerto solo foi emagosto de 1978 em Porto Alegre, mas antes eu jáhavia tocado com meu irmão, além das séries doHenrique Pinto.

- Quando você começou a estudar com o HenriquePinto?O ano não lembro, mas estudei por 3 anos com eleno Conservatório Guiomar Novaes, onde me formei.Mas sempre tive contato próximo com o Henrique.

- Você participou de alguns seminários de PortoAlegre (1974, 1975 e 1977). Fale um pouco a res-peito da importância que estes eventos tiveram paravocê.Estes seminários foram importantes porque nos co-locou em contato com violonistas do Uruguai e Ar-gentina. O trabalho com o Santórsola foi excelente,pois foi o primeiro contato com um não violonista,ele pegava a partitura e era muito rigoroso musi-calmente. Os alunos e os concursos dos Seminárioseram ótimos. São hoje pessoas do primeiro timecomo Eduardo Fernandez, Roberto Aussell... Foium impulso muito bom para mim e todo mundo queesteve lá.

- Como você avalia a sua participação no Concur-so Palestrina em 1978, que te abriu muitas portas?

Eu até então não tinha feito nenhum concerto solo.Eu tinha uma certa experiência de tocar, mas nãonum lugar como a Assembléia Legislativa de PortoAlegre, que estava lotada. Eu estava nervoso, to-quei, peguei o segundo prêmio (não houve primeirolugar), o Prêmio OEA que era para o melhor brasi-leiro classificado. O prêmio era em dinheiro, alémde gravar um disco para a OEA, tocar na Sala dasAméricas em Washington. Eu estava com 21 anos eaté então nunca tinha saído do Brasil.

- Falando de Bach, fale de sua abordageminterpretativa. Hoje você buscaria uma interpre-tação histórica ou tocaria o Bach para o séculoXX?Hoje em dia com esse lance de especialização, achoque a gente tem de ir um pouco para isso, a gentetem de aprender com eles. Agora, não dá para fazero que eles fazem, não dá para o violão fazer o que oalaúde faz, ou um violino. Por exemplo, o NicolausHarnoncourt quando gravou os concertos deBeethoven, usou instrumentos originais, menos otrompete, que dá aquele “som de Beethoven”. E re-almente tem um resultado muito forte. Agora, a gen-te tem o violão e este repertório que é perfeitamenteadaptável, soa bonito, ganha em colorido e já é tra-dicional. Acho que a gente tem de aprender com to-das as tendências pra achar a que fica bem no vio-lão, só que há coisas de estética tipo fraseio, dinâ-mica, tempo, as células etc, que você tem que fazer,como por exemplo, um cara que toca violino barro-co ou cravo. Não dá para negar isso. Quando graveimeu disco sobre a obra de Bach para Alaúde, lem-bro que eu tinha dois modelos: Henryk Szeryng noviolino e Gustav Leonhardt no cravo. Fui para o Riode Janeiro gravar ouvindo as suites de Bach com oColegium Aureum. Hoje eu corrigiria algumas coi-sas, mas o trabalho tem unidade.

- Você foi estudar em Cambridge em 1992, pareceque você queria ter aulas com o Barrueco.

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Ganhei uma bolsa da Fundação Vitae para estudarcom o Barrueco, mas ele cobrava caro e não tinhamuito tempo pra dar aulas, então a bolsa não cobri-ria. Aí eu conheci o Chris Kilvington, então eu pas-sei um ano lá, onde resolvi muitas dúvidas.

- Como você vê o nível do violão brasileiro hojeem dia?Acho que a vocação do brasileiro para o violão éincrível. Agora, o violão no Brasil ficou muito defa-sado com respeito a informação. Por exemplo, hojeem dia tem escolas muito adiantadas. Todos os paí-ses que têm dinheiro, Japão, Estados Unidos, Ale-manha, Europa em geral talvez em quantidade te-nham mais violonistas. Mas eu acho que o violãobrasileiro já é uma entidade, um departamento quetodo mundo estuda.

- O que você acha de formarem uma associaçãode violonistas no Brasil?Basta a gente se unir para conseguir. E o Brasil tam-bém ficou atrasado porque ninguém mais toca aqui,porque as Associações existentes querem trazer no-mes que estão nas capas dos discos das grandes gra-vadoras, e como os violonistas não chegam tantonisso... Acho que a associação iria suprir este mate-rial.

- Planos para o futuro?Em sociedade com o Tadeu do Amaral lançamos oselo EGTA, que tem como primeiro trabalho o meuCD “Recital”. A intenção é fazer um disco periodi-camente e convidar pessoas para gravar, então já éum espaço que se abre. O próximo será o do Tadeu,depois já convidamos o Edelton e o Léo Soares.

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Fábio ShiroMonteiro* Entrevista publicada na ediçãono. 31 - Set/Out 1998 com otítulo “XI Seminário de Músicade Montenegro - RS Entrevistacom Fábio Shiro Monteiro(Brasil-Alemanha)”por Márcio de Souza

A XI edição do Seminário de Música de Montenegro,no Rio Grande do Sul, aconteceu de 20 à 31 dejulho. O evento foi promovido pela FUNDARTE -Fundação Municipal de Artes de Montenegro e con-tou com a participação de mais de cem alunos. Ocorpo docente foi constituído de professores de re-nome nacional e internacional, oriundos de diver-sos estados do Brasil, bem como dos EUA e da Eu-ropa. O seminário de violão foi ministrado por Fá-bio Shiro Monteiro, atualmente radicado na Ale-manha. Aproveitei um momento de folga paraentrevistá-lo e assim registrar os relatos e as histó-rias de um violonista com experiência no exterior econjugá-las com os leitores do Violão Intercâmbio.Fábio Shiro Monteiro é gaúcho de Porto Alegre,onde iniciou os estudos de violão com PedroDuval. Na década de 70, participou dos Seminári-os Internacionais de Violão realizados na capitalgaúcha, nas classes de Abel Carlevaro e MiguelAngel Girollet. Licenciou-se em Música pelaUFRGS, tendo ainda estudado com Álvaro Pierri,quando este residia no Brasil. Em 1981, transfe-riu-se para a Alemanha, graduando-se em violão,com distinção, pela Escola Superior de Música daRenânia, em Aachen, na classe do mestre japonêsTadashi Sasaki. Realizou, também, masterclassescom Manuel Barrueco. Desde 1976, apresenta-se,em recitais solo e música de câmara, na EuropaOcidental e Oriental e nas Américas do Norte eSul. De suas premiações em concursos, destacam-

se um primeiro prêmio em 1977 em São Paulo(Concurso Abel Carlevaro) e outro em 1982 emColônia (Concurso Tonger). Gravou três CDs naAlemanha: dois com o violonista japonês GenHasegawa e o terceiro, recentemente, com o tenorbrasileiro Reginaldo Pinheiro. Desde 1992 parti-cipa como docente e solista convidado em Festi-vais e Seminários Internacionais de Música naAlemanha, Áustria, Espanha, Polônia e Brasil,ministrando também masterclasses nos EUA,Hungria e em diversas universidades brasileiras.Os compositores brasileiros Leonardo Boccia,Antônio Carlos Cunha e Almeida Prado já lhededicaram obras importantes para e com violão,destacando-se a “Sonata Tropical” de AlmeidaPrado para dois violões, estreada em Viena eeditada na Alemanha.

- Que caminhos te levaram a estudar e atualmen-te morar e trabalhar na Alemanha?Pois é, a coisa surgiu meio por acaso. Em 1980, quan-do me formei na UFRGS, não havia ainda curso demestrado em violão no Brasil, e além disso, eu sentique poderia levar a carreira adiante estudando naEuropa ou nos EUA em vez de me enraizar de vezno Sul do Brasil, dar aulas de violão e casar... Nessaocasião, houve duas coisas importantíssimas na mi-

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nha vida: a primeira foi o Concurso InternacionalVilla-Lobos, realizado no Rio, com nível altíssimo,júri internacional, essas coisas. Nesse concurso, eufui até a semifinal - o vencedor, aliás, foi o grandeamigo e excelente violonista Eduardo Castañera -mas senti que, trabalhando um pouco mais, poderia“chegar junto” à turma dos melhores, enfim, que euaté poderia tentar uma carreira internacional. Foi agrande chance para poder avaliar meu potencial,comparando diretamente com os “feras” do momen-to. A segunda coisa foi conhecer a família da minhamulher, que estava na época retornando à Alemanhae que acabou me levando para lá também. A presen-ça da “musa inspiradora” por lá, foi decisiva paraque eu resolvesse buscar um lugar para estudar euma bolsa na Alemanha.

- Quais as dificuldades passadas no período inici-al de adaptação? Como é ser brasileiro na Euro-pa?1. Na verdade, não posso me queixar de nenhumadificuldade de adaptação na Alemanha, nem antes,nem agora. Eu já tinha conhecimentos básicos doidioma antes de me mandar para lá, e além disso,acho que gosto de me comunicar com as pessoas,em qualquer língua que der. É claro que houve épo-cas de grana apertada, o primeiro inverno, frio e es-curo, a gente nunca esquece. Também teve épocasde grandes correrias, trabalho demais, tipo dar 25horas de aula por semana, rodar outras 25 de trem,estudar para concertos e concursos e ainda namorar.Haja energia, né? Mas foi tudo muito divertido e atébastante instrutivo, no final das contas.2. Eu tenho um orgulho imenso de ser brasileiro naEuropa. Já poderia, há muito tempo, ter me naturali-zado alemão, mas carrego meu passaporte tupiniquimcomo se fosse uma medalha, uma jóia de família.Ser brasileiro no exterior para mim, é muito mais doquer ter saudade de praia, caipirinha e goiabada cas-cão. É poder cantar um samba-canção do Tom Jobimnuma tarde de inverno, é ler em voz alta poemas deCecília Meireles, do Drummond, ou mesmo umahistorinha do Chico Bento pros meus filhos. É ficaremocionado vendo a Seleção perfilada, cantandobonitinho o Hino Nacional antes de cada jogo daCopa, mesmo tendo jogado tão mal naquela final...Em geral, o brasileiro é bem visto na Alemanha. Temfama de alegre e extrovertido, bom de bola e de sam-

ba, apesar de um pouco preguiçoso. Até aí, nenhu-ma novidade.

- Quais são os teus vínculos com o Brasil, além dafamília em Porto Alegre? Tu procuras manter al-guma forma de contato com intérpretes e compo-sitores brasileiros?Bom, desde que minha situação profissional se es-tabilizou lá fora, tratei de ser aquilo que o Guilher-me Figueiredo chamou de “camelô da cultura brasi-leira”. Então, o que mais me dá prazer profissionalno momento, é resgatar obras brasileiras poucotocadas, esquecidas ou até escondidas. Um exem-plo disso é a pequena “Suite” do compositor GuerraPeixe, escrita no final da década de 40, sob a influ-ência do dodecafonismo de Koellreutter, outro exem-plo: a primeira Sonata para violão solo do AlmeidaPrado, escrita em 1981, e que dormia na gaveta daeditora alemã um sonho de Bela Adormecida. Quan-do o editor soube do meu interesse pela obra, ficoumuito feliz e me encarregou da edição definitiva damesma. Então editei a Sonata e saí tocando-a por aí,para a alegria do Autor, a quem considero um dosmelhores compositores brasileiros ativos. Num belodia, ao voltar para casa, encontrei um envelope naminha mesa: era o manuscrito original da SonataTropical do Almeida Prado, quem sabe a primeirasonata brasileira para dois violões, escrita em plenocarnaval de 1996 e dedicada a mim. Legal, né? En-fim e resumindo, acho que é meu dever divulgar asboas obras escritas neste lado do mundo para o nos-so instrumento, as obras que foram escritas ontemou que surjam amanhã. Só assim teria um sentidominha curta carreira de intérprete, essa gota minús-cula do oceano interminável da música.

- Quais os caminhos que um violonista brasileiropoderia se utilizar para aperfeiçoamento dos estu-dos na Alemanha? O conservatório continua sen-do a tradicional forma de estudos nesse país?Para um violonista brasileiro, estudar na Alemanhaé bastante complicado, por duas razões: o idioma,claro, mas também e principalmente a estrutura doensino superior. Explico: o ensino lá não se faz naUniversidade, como no modelo brasileiro, america-no ou inglês, mas sim numa Escola Superior de Mú-sica ou Conservatório. Essa separação entre EscolaSuperior de Música e Universidade causa muitasdores de cabeça, principalmente quando o músico

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formado na Alemanha procurar revalidar seu diplo-ma no Brasil. É sempre uma “luta de títulos” na hora,por exemplo, de disputar uma vaga pelo magistériosuperior numa Universidade brasileira. O candidatocom Mestrado ou Doutorado no Brasil ou na Améri-ca do Norte já terá uma vantagem contra o candida-to formado na Alemanha, não interessando o níveldas Escolas formadoras... Mas, acredito que, no fu-turo, com a unificação européia, haverá uma aproxi-mação entre as diferentes escolas, facilitando o re-conhecimento e equiparação dos títulos obtidos nasmesmas. Até lá, é melhor o violonista brasileiro searmar de muita paciência, se quiser lecionar no Bra-sil com o diploma alemão! Quanto ao Conservató-rio, apesar de lecionar num deles, eu considero umanacronismo, que surgiu na Revolução Francesa eque deverá com o tempo desaparecer, sendoencampado pelas Universidades ou Escolas Superi-ores de Música.

- Como professor e concertista, quais são tuas prin-cipais atividades musicais no Conservatório deKarlshure?No Conservatório, tenho a chefia do Departamentode Cordas Dedilhadas (violão, guitarra elétrica, har-pa) e canto. Ou seja, lecionar em diversos níveis,coordenar e orientar o trabalho dos colegas no De-partamento, organizar audições, provas, testes, con-certos e até um pequeno festival anual de violão. Émuita papelada e nem sempre os conflitos sãocontornáveis. Mas vale a pena, mesmo porque o ní-vel das classes vem subindo consideravelmente e osalunos têm muita motivação. Temos, por exemplo,dois ensembles (conjuntos) de violões: um de alu-nos mais adiantados, que fazem um repertório demaior envergadura, tocando concertos, viajando emturnês, etc. O outro ensemble é de principiantes, ouseja, mais jovens, mas que querem tocar como “gentegrande” e se esforçam para atingir o nível que ospossibilite passar para o ensemble dos “craques”.Então surge um clima de concorrência muito saudá-vel e criativo entre os alunos.

- Como foram as atividades no XI Seminário deMúsica de Montenegro, no Rio Grande do Sul? Ocurso, concertos, música de câmara, etc...?- Essa foi minha primeira participação como docen-te no Seminário de Montenegro. Talvez devido àtardia e escassa divulgação, a turma não foi das

maiores em número, com nove alunos. Mas o nívelfoi bastante satisfatório, tivemos tempo (duas sema-nas) e calma para estudar a fundo o repertório damoçada, e até preparar obras interessantes de músi-ca de câmara na classe. Um exemplo: para acompa-nhar as meninas da flauta doce, que tinham aula nasala ao lado, preparamos um sonata francesa do bar-roco. Assim, fizemos, em aula, a realização do bai-xo contínuo, explicando os pequenos macetes do tra-balho com os acordes cifrados. Depois, cada um en-carregou-se de um movimento, pequenas adaptaçõesforam feitas à técnica e possibilidades dos alunos,ensaiamos duas vezes, e no terceiro dia de trabalhoapresentou-se a obra inteira. Para o próximo Semi-nário, pretendo trazer obras desconhecidas mas in-teressantes, e que possam ser apresentadas igual-mente com poucos ensaios. Além disso, vamos terobras para o grupo inteiro dos violonistas tocandoem conjunto. Que tal, tchê? Mas eu também toquei,acompanhando o excelente flautista alemão HansJoachim Fuss em sua apresentação, bem como to-cando duas pecinhas solo. Acho que a turma gos-tou... Para o ano tem mais supressas, já que, comojá deves ter notado, sou um apaixonado pelo reper-tório do nosso instrumento.

Márcio de Souza é bacharel em música/violão pelaUFRGS e mestre em execução musical pela UFBA.Atualmente leciona no Instituto de Artes da UFRGS.End: Sarmento Leite 1011/34 - Porto Alegre - RS.CEP 90050 170. F. (051)226 25 31.

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Fábio Zanon* Entrevista publicada na versãoon line do Violão Intercâmbio,edição no. -6 - Nov/Dez 2003Por Gilson Antunes, RicardoMarui e Teresinha Prada

(Teresinha Prada) - Fale de sua infância emJundiaí, o papel da sua família e das atividadesculturais em Jundiaí que lhe causaram algumainfluência ...(Fabio Zanon) - Eu sou o primeiro músico profissionalda história da minha família. A minha mãe é uma pessoaque tem um ouvido muito bom e canta muito bem; minhairmã estudou violão por acordes e balé por algum tempo,e meu pai tocava violão nas horas vagas. Ele tinhaestudado com o Domingos Semenzato e com o EraldoPinheiro, que é um professor e entusiasta de Jundiaí.Só que ele deve ter feito um ano de violão no máximo.Ele tocava choro bastante bem e sabia ler música, masnão era nenhum expert. Jundiaí é essencialmente umacidade industrial, cercada por fazendas de uvas emorangos, espremida entre duas cidades muito grandes(São Paulo e Campinas), com um cenário culturalmodesto e provinciano. Eu ficava muito em casa, acidade já era bastante movimentada e minha mãe tinhareceio de me deixar brincando na rua, e eu tambémnão gostava. Eu ficava lendo, desenhando, escutandomúsica, então a minha infância foi muito em casa. Essenegócio de ficar jogando futebol na rua nunca foi parteda minha experiência, mas eu andava de bicicleta, iaao clube como qualquer um.

(Gilson Antunes) - E a formação cultural dos teuspais?(FZ) Minha mãe não tem primeiro grau completo, masé naturalmente articulada e nem demonstra a falta deescolaridade. O meu pai era um batalhador. Quandoele se casou, tinha só o 1.o grau, aí ele fez o Supletivode 2.o grau e começou a fazer faculdade deAdministração quando tinha 40 anos.

(GA) Você entrou para a Academia Jundiaiense de

Letras. De onde veio isso?(FZ) Eu não sei dizer. Eu lia o que caísse nas mãos,livros de criança e de adulto, revistas, livros de escolade minha irmã, enciclopédias e dicionários, semnenhuma organização ou orientação... Acho que erauma maneira de expandir minha imaginação, já que oambiente em que vivia era tão limitado. Quando eu tinhauns 6 ou 7 anos já escrevia minhas próprias coisas eintimamente tinha a convicção de que estavapredestinado a pertencer ao mundo da cultura, já queler era o que mais importava para mim, o que mais meexaltava. O meu pai gostava de ler romances deaventura, A ilha do Tesouro, Expedição Kon-Tik, QuoVadis... Ele também era espírita, lia muito sobreKardecismo, que é mais uma visão de mundo que umareligião, enfim, indagava sobre a vida, respeitava omundo das idéias, então ele gostava de ler, mas eletrabalhava que nem escravo...

(TP) Ele trabalhava no quê?(FZ) Ele era metalúrgico, progredindo até uma posiçãona área de contabilidade. Chegava em casa exausto. Equando ele começou a fazer faculdade ele ia direto doserviço para o estudo, a gente quase não viu o meu paipor quatro anos. Chegava tarde da noite – talvez daívenha o fato de eu ser notívago. Apesar dele gostar deminha relação com os livros, ele se preocupava com ofato de eu estar sempre sozinho e não tinha, exatamente,um estímulo na minha casa; quando eu fiz 13 anos omeu pai falou: “Você quer fazer SENAI?”. Era meiopor aí a maneira que eles concebiam de você ter um

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campo de atuação melhor na vida - fazer um cursoprofissionalizante. A minha mãe é uma pessoaativamente meio “anticultura”, ela é muito extrovertida,muito inteligente, mas ela não encorajava de formaalguma, ela achava que você comprar livro era jogardinheiro fora. Dá pra entender, é o éthos das famíliasde imigrantes, de se realizar materialmente, ter umnegócio próprio; meu avô tinha trabalhado nas fazendasde café e na ferrovia, meu pai na indústria, naturalmenteeu teria uma profissão técnica, e cultura era no máximoum acessório. O ambiente era bem frustrante, eu erauma criança de um QI muito alto, aprendi a ler muitocedo, por volta de uns 3 anos de idade. E a minha irmã,que é 5 anos mais velha que eu, ficava brincando deescola comigo, e acabei aprendendo muito rápido. Meupai ficava jogando xadrez comigo, a gente brincava dedecorar cinco números, depois 10, 15, e recitar emordem, de trás pra diante. Então quando eu entrei naescola foi uma decepção porque tudo o que estavamme ensinando eu já tinha lido antes; foi muito aborrecidona escola, o sistema público de ensino não tem comoabsorver uma coisa dessas.

(TP) Você via bastante o seu pai tocando?(FZ) Quando eu era criança ele pegava bastante noviolão – era o prazer dele. No começo eu não tive muitointeresse porque ele foi tentar me ensinar e eu nãoconseguia apertar direito, era desconfortável... não erao que eu queria. Mas quando ele começou a me ensinarpor Música daí eu achei legal; eu queria aprender a lerMúsica e violão era o que estava lá. Eu lembroclaramente que quando eu tinha 8 anos eu falei quequeria aprender piano, mas eles falaram: “Aprendeviolão, daí se for bem a gente depois vê”. E eu aprendiviolão. Por isso digo que eu escolhi a música, mas oviolão é que me escolheu.

(GA) Daí que entra o (Antonio) Guedes.(FZ) O Guedes foi muito depois. Eu fiquei estudandosozinho em casa por muito tempo.

(TP) Você tinha uns 8 anos?(FZ) É, uns 8, 9 anos. Eu aprendi a ler Música e liacom o violão. Meu pai tinha o método do Arenas e eufui até onde era capaz. Mas eu tinha umas primas quetocavam piano; quando eu não sabia coisa de divisãoeu perguntava para elas. Daí acabou o método doArenas eu queria mais música, daí pegava música depiano emprestada de minhas primas e tocava no violão,

gravava a mão esquerda e tocava a direita com play-back. Eu conheci todo o Cravo bem Temperado, assuítes de Bach, algumas sonatas de Mozart e Beethoven,noturnos de Chopin, etc., tocando com play-back! Aíentrou a Josette Feres, que foi a minha professora deEducação Artística na escola estadual. Ela é uma grandeeducadora musical, então me emprestava os livros, meensinou a tocar flauta doce. Ela ensinava para todos osalunos e quem gostasse ou era mais apto ela fazia umhorário depois das aulas, no qual ela reunia grupos deflauta doce. Então ela percebeu que eu tinha jeito paracoisa, e para que eu não desistisse ela me emprestavalivros.

(Ricardo Marui) – Você falou que ouvia música...como você tinha acesso à música?(FZ) Primeiro nuns discos de 78 r.p.m. de meu avômaterno, que são minha primeira lembrança musical.Ele gostava de ópera, e tinha trechos de Caruso, daCavalleria Rusticana, esse tipo de coisa. Minha mãecolocava esses discos na hora de dormir quando euera bebê, e até hoje uma grande voz é a coisa que maisme comove. Depois deve ter sido uma curiosidadedespertada por algum livro, e o que chamou a minhaatenção foi um programa que tinha na Rede Globochamado “Concertos para a Juventude”, aos domingosde manhã. E as minhas primas que estudavam pianotinham muito disco de música clássica, eu peguei tudoemprestado. E aquilo foi minha vida; eu lembro a ordemdos discos! Eram aquelas coleções do Reader´s Digest,que vinham com aqueles folhetos grandes contando abiografia dos compositores. Eu fiquei fascinado comaquilo; foi o que me fez querer estudar Música. Eulembro claramente que em 1971, 72 abriu a RádioCultura e o meu pai comprou um rádio FM. Então eulembro de ouvir a Rádio Cultura o dia inteiro. Mas,enfim, quando você tem 10 anos você tem um montede outros interesses; eu lia demais, eu escrevia – daífoi esse lance da academia jundiaiense juvenil de Letras,da qual eu fiz parte e que era uma moçada que seencontrava para falar sobre qual livro tinha lido; ou sealguém escrevia uma poesia ia lá e lia...

( TP) Sociedade dos Poetas Mortos ...(FZ) É. Era por aí só que era bem mais singelo. Tinhaaté um cara que era um bom folclorista, acho que atétrabalha ainda com isso. A gente tinha essas reuniõesna Escola Pio X, que é uma escola de artes lá emJundiaí. Tem dança, tem música...

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(GA) Ainda existe?(FZ) Sim. Inclusive tem um coral infantil muito bomque se apresenta aqui em São Paulo de vez em quando.E aí tinham essas reuniões da gente lá, e um belo diaalguém falou que um aluno do prof. Guedes iria tocar.Era o Marcelo Campos, que tocava muito bem – eulembro dele tocar “Impressão de Rua” e “Prelúdio 3”do Villa-Lobos – isso aí eu não esqueço nunca mais. Edaí eu pedi a ele o violão emprestado porque eu queriatocar também. Eu toquei aquilo que eu havia decorado,duas músicas; eu lembro da minha mão tremendo – foiaí que eu aprendi o que era nervosismo! (risos) Daí oGuedes estava presente e falou para eu ir conversarcom ele depois. Eu fui falar, e ele perguntou com quemeu estudava, eu falei que com ninguém, que meu paihavia me ensinado, que eu tocava essas coisas sozinho...Ele disse que eu precisava ter aula, e eu respondi que omeu pai estava pensando em me pôr em conservatório.O Guedes falou que era bobagem e que iria falar como meu pai. E ele foi lá em casa, levou o (violão) Ramirezdele, e conversou com o meu pai, que lhe contou quehavia estudado com o Semenzato. Daí o Guedes tocou:duas sonatas de Scarlatti, Dança 10 do Granados,Estudo 1 e 7 do Villa-Lobos, Gavota e Último Cantodo Barrios. Eu não podia acreditar no que eu estavavendo; eu não fazia absolutamente a menor idéia doque o violão era capaz até ouvir o Guedes tocar. Atéhoje eu o acho um dos músicos mais impressionantesque eu já vi porque ele era capaz de enfeitiçar tocando.Impressionante. Ele era um senhor concertista. E aí eufui com ele e meio que esqueci que o piano existia – seeu tinha alguma secreta esperança de tocar piano,quando eu vi o Guedes tocar eu pensei: “Se for paratocar assim, eu toco violão”.

(TP) Você conhece aquele artigo do Gilberto Men-des quando ele assistiu a um recital do Guedes,chamado “Assim foi temperado o aço”?(GA) É impressionante esse artigo.(FZ) É, ele acertou a mão ali. Mas eu lembro desseconcerto do Guedes, em Santos, ele voltou para Jundiaítodo contente: “O concerto foi bom; o pessoal gritava:‘Segovia!’” (risos).E é mesmo. Ele tocando a Dança 10 do Granadosparecia o Segovia; o manejo técnico no violão era umacoisa muito parecida. O Gilberto levou a coisa pra umlado meio trotskista, o proletariado se afirmando na altacultura...

(GA) Você ficou quanto tempo com o Guedes?(FZ) Eu comecei a estudar com ele em setembro de1979. Eu devo ter ficado semanalmente com ele umano e meio; daí eu tinha aulas a cada 15 dias, masdepois de uns seis meses ele começou a me passaralunos. E como era uma sala grande de aula de balé,ficavam 4, 5 pessoas dando aula ao mesmo tempo; osom todo misturado. Então o Guedes botava a gentedando aula aqui e ele ali; aí ele vinha olhar, dar palpite,eu ou o Marcelo Campos tocávamos alguma coisa paraos outros alunos, líamos duos... Então era assim, umabagunça que funcionava, todo mundo via todo mundoestudando. E nisso eu fiquei anos.

(TP) O teu relato é muito parecido com o doBrouwer, em relação ao Isaac Nicola. Ele tambémtinha 13 anos, e alguém o levou para ver o Nicola.O Brouwer já vinha tocando o que o pai dele ensi-nava - fandanguillos, flamenco. E aí levaram paraver o Nicola, que tocou umas peças da Renascen-ça, depois foi entrando no Barroco... E por isso oBrouwer diz que o violão abriu para ele um mundointelectual; por meio do violão ele poderia ver omundo, historicamente... uma noção de tempo. Vocêna hora também se deu conta...(FZ) Eu me dei conta totalmente disso, porque eucheguei à música clássica através de livro; não foi assimporque a gente ouvia em casa. Eu devo ter lido algumromance, seleções do Readers Digest, Almanaque doPensamento ... que falava alguma coisa; e eu não queriaficar de fora disso, foi meio por aí que eu fui meinteressando. Não só Brouwer, mas o Julian Bream,que também tem exatamente a mesma história, umafamília modesta, um pai que gostava de violão, ointeresse pelo piano, uma epifania com o Segovia (nomeu caso, o Guedes), a re-conversão ao violão, etc. Amúsica acabou funcionando como um passaporte deimigração para a esfera da alta cultura, que não era anossa. Jundiaí não tinha ambiente cultural algum, pelomenos dentro do meu alcance, e para minha famíliaisso era uma coisa absolutamente estratosférica.Educação para eles era uma educação técnica...

(TP) Que garantisse um emprego...(FZ) Exatamente.

(GA) E o que ficou mais dessa lição com o Guedes?

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(FZ) Eu devo tudo ao Guedes. Porque exatamente naépoca que eu estudei com ele, acho que era janeiro de1980, teve uma festa na Krupp (metalúrgica ondeGuedes trabalhava) e pediram ao “Zé do Violão”, queera o Guedes, para tocar. Ele foi lá e tocou Recuerdos(de la Alhambra) e o Prelúdio no.1 do Villa-Lobos.Os chefes alemães dele ficaram tão impressionadosque falaram que lhe dariam uma bolsa para ele passarum mês de férias estudando na Espanha; o Guedespreferiu ir para o Uruguai estudar com o (Abel)Carlevaro. E foi. Ficou um mês em Montevidéu tendoaulas com o Carlevaro. Quando voltou, ele veio cheiode Carlevaro, já passou para todos os alunos dele; oque o Carlevaro tinha falado ele reproduziu para nós.Esse negócio de formação técnica. O Guedes era muitorigoroso na qualidade da leitura – ritmo rigoroso, duraçãodas notas certinha, digitação das duas mãos, tudotrabalhado. Eu encontrei o Carlevaro muitos anos depoise falei sobre o Guedes, e ele comentou que a condiçãofísica dele pra tocar violão era ideal, especialmente amão direita.

(TP) O Guedes já tinha as tabelinhas dele?(FZ) Tinha.

(GA) Ele sempre foi sistemático?(FZ) Sempre. Quando ele tinha uma idéia, ia até o fim.Eu lembro de ter feito o Papillon inteiro do Giuliani, os25 estudos do Carcassi eu sabia decorado, eu sentavae tocava do 1 ao 25, e não era que eu ficasse malhando- eu estudava e pronto. Então ele foi muito sistemático,e tinha muita variedade: ler 10 músicas e decorar uma.O Guedes lê muito bem. Eu já lia muito bem quando eufui estudar com ele. Então isso ficou: variedade paravocê selecionar e concentrar em algumas que vocêgosta muito e está disposto a trabalhar. O Guedestambém juntava os alunos mais interessados no finalda tarde para dar aulas de teoria, ensinar intervalos,solfejo, etc.

(GA) Depois do Guedes veio o Henrique Pinto?(FZ) Depois eu fiquei muito tempo sem estudar comninguém fixo. Eu fazia só curso de férias. Eu comeceia estudar com o Henrique depois que entrei na USP.Porque nesse meio tempo eu fiz o Festival de PortoAlegre (Palestrina), lá eu estudei com o (Eustáquio)Grilo. O Grilo deu aulas excelentes, com muitas idéiasótimas. Eu anotei algumas coisas e fui para casa pensar,experimentar. Então, quando eu fazia um curso de férias,

tinha trabalho para o ano inteiro. No ConservatórioBrooklin eu fiz algum curso, estudei com o Paulo PortoAlegre – excelente. Eu fui para Bariloche, estudei como (Miguel Angel) Girollet, eu tinha 15 anos e foi muitoimportante, inesquecível, porque era um curso em queele cobria o repertório, era de Dowland até Ginastera– o Girollet era um artista.

(GA) Quando é que você teve noção que queria serprofissional da Música através do violão?(FZ) Do violão foi só depois que eu terminei a faculdade.Eu achava que eu ia ser um músico completo. Quandoeu entrei na USP eu entrei para Composição.

(GA) Não tinha violão, inclusive.(FZ) Não tinha. Eu entrei com composições minhas.Na época eu tinha aula com o Silvio Ferraz, que entãoencorajava...

(TP) Que estilo você fazia?(FZ) Eu escrevia um pouco de tudo. Tinham umascoisas que se eu for lembrar soam meio jazzístico até,mas eu lembro de escrever um trio para oboé, fagote eflauta que era dodecafônico. Eu acho que foi isso quelevei para a minha prova na USP.

(GA) E você foi fazer aula com o Henrique Pintoquando você já estava na USP?(FZ) Exatamente. Eu tocava muito com a cantoraAndréa Kaiser, e ela falava: “Você toca tão bem, comoé que você não tem professor? O dia que você tiverprofessor vai tocar melhor ainda!” Daí eu fui falar como Henrique e tive um ano de aulas semanais. Eu játinha feito uns três ou quatro cursos de férias com ele,coisa de fim de semana.

(GA) E ele já tinha nome no meio?(FZ) O Henrique já era o grande professor do Brasil.Quando eu comecei com o Guedes foi com os livros doHenrique, o Guedes na verdade tinha voltado ao violãoatravés do Henrique. Eu lembro que vinha gente doCeará todo mês, de ônibus, para ter aula com ele. Oude Goiás. Tinha gente que viajava três dias para teruma aula e voltar. Ele era o grande nome do violão,seus métodos já eram best-sellers. Os cursos doBrooklin feitos por ele com seus alunos. Num cursoque fiz, tivemos uma semana de recitais com OscarFerreira de Souza, Ângela Muner, Edelton (Gloeden),Everton (Gloeden), Paulo Porto Alegre, ClemerAndreotti e Giacomo Bartoloni. Foram esses os recitais

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– parecia que você esta num festival internacional; nãotinha um recital fraco. Era fantástico. Eu lembro doEverton tocando em 1981 as 4 suítes de Bach.

(GA) E daí como é que entrou o Edelton?(FZ) Na USP já tinha um movimento muito forte paracriar o curso de violão. A Cristina Azuma já estava lá.Na minha turma tinha eu, o Paulo Castagna, que tocavabem, tinha mais uns 3 ou 4 bons alunos e o Camilo(Carrara) entrou no ano seguinte. Então você tinha umas10 pessoas ali que tocavam o violão seriamente. E nósfalamos para o diretor, Olivier Toni, que a gente queriase graduar no instrumento e não tinha professor. Haviatodo aquele processo burocrático e na época elesconseguiram criar algumas vagas para professor; oviolão entrou nessa leva. A Cristina foi muito importantenesse período porque a gente começou a pensar emquem convidar para dar aula e ela falou: “Olha, eu jáestudei com todo mundo e recomendo ou o Henriqueou o Edelton”. O Edelton estava começando a dar aulasa alunos que encaravam a profissão de maneira maisséria – ele estava com uma série de alunos bons: aCristina estudou, o Sidney Molina. Era um pessoal muitosério que estava começando a estudar com ele nessaépoca.

(RM) – Que ano foi isso mais ou menos?(FZ) 1984-85. O curso de violão na USP começou em1986.

(TP) E quando você chegou em casa e falou que iafazer vestibular para Música...(FZ) Minha mãe não falou comigo por meses: “Umcara tão inteligente como você vai perder tempo fazendoMúsica?” O meu pai falou para fazer bem; fazer omelhor dentro daquilo que eu escolhi – ele deu força,segurou a onda. Ficou muito preocupado devido àquelamentalidade de achar que músico morre de fome. Erao moto em casa. A minha mãe queria que eu fizesse...sei lá... Medicina, Odontologia. Eu até cheguei a colocarna minha segunda opção – nem lembro, algopretensioso.

(GA) Você entrou em que ano na USP?(FZ) Em 1984.

(GA) E se formou em 1987?(FZ) Eu fiquei devendo EPB (Estudos dos ProblemasBrasileiros) então me formei em 1988 (risos). E oEdelton entrou em 1986. Eu tive aula com ele por dois

anos. Mas foi uma campanha nossa; a gente fez abaixo-assinado, fomos falar com a reitoria, com o diretor daECA. Foi esse grupo de alunos que fez um esforçopara o curso de violão acontecer. Porque a USP játinha tido bons alunos que tocavam violão: CelsoDelneri, Nilton Carneiro – que passou a tocar viola emorquestra, parou de tocar violão porque o lugar nãoestimulava. Eles achavam que o violão era instrumentopara música ... não era um instrumento para umargumento musical mais complexo.

(TP) E você sendo aluno da USP o que isso te aju-dou? Quais eram os acontecimentos e eventos im-portantes que passavam pela USP?(FZ) Eu preciso tomar cuidado para não ser injusto,mas em muitos aspectos na USP eu desaprendi váriascoisas. Eu tinha um ouvido, graças ao Silvio Ferraz,que era um excelente professor de Percepção emJundiaí, e hoje é professor na pós-graduação daUNICAMP. Eu cheguei na USP, os professores eramtão fracos em equiparação ao Silvio que eu tinha a fortesensação de que estava desaprendendo. Em percepção,definitivamente, perdi muito. Com o Sílvio, a gente punhaa mão na massa, escrevia, tinha fluência; na USP era ocontrário, era um estado de pseudo-reflexão que nãodesenvolvia as habilidades básicas da prática musical,a gente tinha um semestre de aulas de história da músicae chegava ao fim e não era capaz de fazer um balançodo que tinha aprendido, era só leitura e seminário. Asaulas eram muito pouco objetivas, não tinham uma metaclara, era só uma doutrinação político-cultural que aspessoas não estavam preparadas para deglutir;obrigavam as pessoas a lerem coisas para as quais nãoestavam preparadas...

(TP) Você pegou o Ciclo Básico ainda?(FZ) Peguei. Aquilo não tinha nada que se salvasse,talvez tivessem uma ou duas professoras interessantes,mas no final acabava entrando naquela maçaroca. Agente fazia turnos, algumas pessoas assistiam eassinavam para todo mundo. No departamento deMúsica obviamente tem algumas figuras que foramimportantes, ninguém vai negar o valor do Willy Correa,por exemplo, ou do (Mario) Ficarelli, que é um professormuito rigoroso para quem sabe lidar com ele. Eu aprendimuito com o Ficarelli. São professores por quem tenhorespeito, amizade. Foi bom que eles me estimularam aler coisas que eu não conhecia. Agora, foi uma coisaque ... fui empurrando com a barriga. As coisas fortes

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para mim na USP foram: biblioteca, fonoteca e músicade câmara. Só. Esses foram os grandes eventos. Pelofato de não ter dinheiro para trazer músicos de fora,não tinha nenhum evento...

(TP) Já tinha quase 20 anos o curso de Música.(FZ) E não tinha nada. Eu lembro que uma vez veiouma orquestra de câmara do Canadá tocar no Brasil,eles foram lá deram um concerto, teve um master classe foi isso. Tudo grátis, acho que foi o Consulado quepagou. Foi o único evento que teve. Teve uma vez umprofessor americano de composição em intercâmbio,ele era super-fraco.

(GA) Você falou bastante do Guedes, a importân-cia dele e tal – inclusive o (Luis) Mantovani fala omesmo - a importância e o carinho do Guedes. Ecom relação ao Henrique Pinto e ao EdeltonGloeden?(FZ) Eu tinha idéias musicais muito fortes. O que eufazia tinha um vigor musical, afinal a minha experiênciamusical era de ler música de piano, ouvir músicaorquestral de Bach a Stravinski. Agora,violonisticamente era tudo muito desorganizado. Como Henrique, ele tem objetivos muito claros; ele trabalhaem poucos elementos, mas ele trabalha de uma formadrástica, ele quer que você produza um som deconcertista – e foi isso que ele trabalhou comigo. Asquatro primeiras aulas com ele eu fiquei só tocandonotas e acordes – ele praticamente nem queria me ouvirtocar uma música. Dava palpite na maneira de lixar aunha, para que lado puxar, com que força puxar e comofazer; isso por várias aulas. Eu comecei a tocar umasmúsicas lentas e ele trabalhou naquilo – que é o queele faz no master class só que de uma forma muitometiculosa. E depois, tudo o que eu tocava eu passeicom ele. Ele fala: “Você tem que saber qual é o pontoculminante dessa frase” – enquanto você não mostraaquilo, ele não sossega. E outra coisa: até pelo fato deo Henrique não ser um solista profissional, a sensaçãoque eu tinha é que não havia teto para aquilo que eupodia fazer. Para mim o teto era... John Williams nãoera o teto; eu achava que eu podia fazer melhor seestudasse. O Henrique mandava fazer uma certa coisa,de uma forma tão correta, tão eficiente, que eu resolviade uma semana para outra. Então eu não tinha asensação de que havia um limite para tocar – isso aípara mim é a maior lição do Henrique. O Eleazar deCarvalho era assim. Eu assisti cursos dele. Ele chegava

para o aluno – que não sabia bater 4 com a batuta – edizia: “Mas o senhor, quando for reger a Filarmônicade Berlim, o senhor não pode cometer um erro desse...” – ele partia do princípio de que a pessoa estavaestudando para ser regente da Filarmônica de Berlim.

(TP) Nivelava por alto mesmo.(FZ) Exatamente. E o Henrique a mesma coisa. Eulembro quando ele me avisou sobre o concurso daOrdem dos Músicos. Ele não partia daquele princípiode que você não está preparado, ele sabe que vocêpode não se dar bem, mas você vai crescer estudando,mais do que faria normalmente. Ele sempre estimulouos alunos a fazerem coisas até um pouquinho acima. Adona Lina Pires de Campos organizou o Concurso daOrdem dos Músicos, que foi um concurso estadual deviolão, e de um nível altíssimo: Paulo Martelli, MarcusVinicius, Jardel (Costa Filho), Pedro Martelli. Daí euestudei esse ano com o Henrique, e no ano seguinte oEdelton entrou na USP e eu comecei a estudar com ele.O Edelton é um músico muito diferente. Ele parte deuma cultura musical muito mais ampla, também muitometiculoso, só que em vez de ele abrir o teto e te dar aimpressão de que não há limite, ele te faz ficarconsciente das suas limitações, daquilo que você nãopensou direito. Ele sempre procura organizar tudo; terum discurso musical. Ele se preocupa com um designmusical; em manter as relações motívicas, a coerência,não fazer acentos errados, a maneira de pronunciaruma frase, que com o Henrique era menos. Eles tinhamexperiências musicais diferentes, o Henrique poderiafazer isso também, mas não era a ênfase dele, pelomenos naquele momento. O Edelton tinha princípiosinterpretativos muito claros – que é (Guido) Santórsola.Hoje, conhecendo as pessoas que estudaram comSantórsola, como o Eduardo Fernández, todo mundosabe disso, todo mundo ensina assim; saber comomanter a uniformidade, e quando se altera auniformidade de uma frase, ter uma razão e um métodopara fazer aquilo. Então o lance do Edelton foi criarum método musical. Enfim, ele conseguiu me impedirde fazer bobagens no calor do momento, porque eu eramuito impetuoso tocando – foi legal ele domar isso. Euaprendi muito com o Edelton.

(GA) E isso coincide com um ano que a meu ver foifundamental em tua vida, que é em 1987, que vocêfez os concursos Eldorado e de Toronto.

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(FZ) Eu fiz o Eldorado em 1986 já. A situação é queem 86 o meu pai morreu. Foi um ano bem difícil porqueele passou um ano no hospital. Ele teve um problemacardíaco. E eu ficava um pouco em São Paulo e jávoltava para Jundiaí ver se ele estava bem - ele erainternado toda hora. Em 1986 eu fiz o “JovensConcertistas Brasileiros”, o ex-Concurso Sul-América;o pessoal fala do Prêmio Eldorado, que não significoupraticamente nada, o Jovens Concertistas é que fez adiferença. O Edelton, justiça seja feita, foi contra, falouque eu não estava preparado para fazer isso ainda, queiria atrapalhar os meus estudos, que teria de fazer umrepertório que não estava preparado, e eu falei a eleque eu estava querendo tocar, que eu achava que issoiria me ajudar. Eu fui lá e ganhei. Agora, justiça sejafeita, quando eu fui me preparar para esses concursos,o Edelton falou que então era para fazer direito; aí eleme deu aula extra... ele podia discordar, mas uma vezque a coisa ia ser feita ele não media esforços paraajudar. Sou muito grato por ele ter tido o bom senso deceder ao inevitável – eu ia fazer, então ele me ajudou anão fazer bobagem.

(RM) Você foi a esses concursos com a expectativajá de ganhar ou mais pela participação?(FZ) No Rio de Janeiro, no Jovens Concertistas, eunão fazia a menor idéia. Como eu ganhei o concursoaqui em São Paulo, eu achava que entre os violonistaseu certamente poderia me destacar. As pessoas que játinham ganhado esse concurso anteriormente eram o(pianista José Carlos) Cocarelli, o (violoncelista Antonio)Meneses, no primeiro ano foi o Marcelo Kayath, músicosde primeiríssimo nível; gente que estava fazendo umacarreira internacional, então eu achava que ia ser difícil.No ano em que eu ganhei teve gente muito boa, tinhaum clarinetista excelente que está no exterior, oLeonardo Altino que está em Boston, e eu conseguiprêmios muito bons. Eles agraciavam cinco vencedoressem ordem de classificação e distribuíam uma longalista de prêmios entre eles. Eu tinha 20 anos, toquei oconcerto de Villa-Lobos com a Orquestra SinfônicaBrasileira com o (Isaac) Karabtchevsky regendo, soleicom orquestras em todas as maiores capitais, dei uns10 recitais. Eles ainda faziam uma indicação para queos vencedores tocassem em capitais da Europa atravésdas Embaixadas, o que, claro, só funcionava para quemjá estava com planos de morar fora. Em comparação,o Prêmio Eldorado dava a gravação de um LP para o1o colocado e um forte abraço para os outros.

(GA) E a final do Eldorado?(FZ) Nesse meio tempo, o meu pai morreu e eu volteido Rio talvez um pouco soberbo - “ganhei lá, o Eldoradovai ser barbada ... eu devo ir para a final”. E naqueleano eu não fui porque, realmente, o meu pai morreunuma quinta-feira eu tinha de tocar na segunda. Eupensei em cancelar, mas a minha mãe falou para ir látocar. Eu fui e toquei, mas foi aquela coisa meio chocha.Então, não passei para final. Daí no ano seguinte eu fizde novo e passei. Foi muito esquisito, pra falar averdade. A final era no Cultura Artística, com aOrquestra Sinfônica de Campinas. O júri medesestimulou a tocar com amplificação; fiquei meioacuado e, ao invés de tocar o Rodrigo, minha primeiraescolha, resolvi tocar o Giuliani, pois ao menos comeste eu tinha certeza de que seria ouvido. E não dá pracomparar, um violão tocando Giuliani sem microfone,com pianistas tocando Beethoven e Schumann, umoboísta tocando Richard Strauss... Nessas condiçõesacho que foi até um resultado razoável.

(TP) Você já trabalhava, ganhava o seu próprio di-nheiro?(FZ) Eu dava aula na Escola de Música de Jundiaí,dava aulas em algum conservatório, mas o grosso daminha renda nessa época era regendo coral. Eu regiadois coros na USP, regia um coral de igreja, fazia arranjode música evangélica. Eu fazia um pouquinho de tudo.(TP) Aí os teus pais deram uma sossegada...(FZ) Para minha mãe sim, porque ela viu que eu estavame bancando. Eu tinha vários grupos de câmara e naépoca tinha uma moda de música de câmara emshoppings centers. Eu morava ao lado do ShoppingEldorado e tocava lá todo mês. Fazia bicos de tocarmúsica de fundo, em casamentos, regi quatro corais e,recital, não tinha nada. Só depois que ganhei osconcursos. Eu estava praticamente me decidindo pelaregência. Mas não lamento, tocar em eventos é umaescola. O grande pianista Krystian Zimerman, que tocoumuito em restaurantes, disse uma vez que fazer a mesa8 te ouvir é uma tarefa bem mais difícil que fazer umaplatéia de 2000 pessoas prestar atenção.

(GA) – Como é que entra o Concurso de Toronto?(FZ) Quando eu fui para o Rio, no Jovens Concertistas,o Marcelo Kayath foi assistir, me tratou super bem, efalou que eu deveria mandar uma fita para Torontopara o ano seguinte e eu não sabia que o concurso deToronto era o maior concurso da América do Norte. O

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Kayath havia ganhado em 1984 e eu falei para ele queeu não tinha nível para isso e ele me disse: “Vai pormim, manda a fita”. Eu conversei com o Sergio (Abreu)e ele concordou. Daí eu gravei a fita na casa do Sergio,com o Santos Hernandez (violão do Sergio Abreu).Loucura, né? Eu peguei o Santos Hernandez e falei:“Gostei desse violão”, aí o Sergio falou: “Então gravacom esse”. Pra falar a verdade, eu não tinha um violão,o Henrique me emprestava o Ramirez dele. Eu fui paraToronto e vocês não imaginam na época a logísticaque foi. Comprar uma passagem para Toronto paramim representava na época um ano e meio de trabalho,sei lá, guardando, sem gastar nada, era inconcebível.Então era inviável. A Petrobrás pagou a minhapassagem porque a Myriam Dauelsberg, que tinhaacabado de fundar a Dell’Arte, tinha vários alunosfantásticos de piano, inclusive o Eduardo Monteiro, aDébora Halász, que estavam começando a fazerconcursos fora e também precisavam de recursos.Então havia um concurso que era para quem ia fazerconcursos e o prêmio era uma passagem – eu ganheiassim a passagem. Cheguei lá e eu não fazia a menoridéia do que era o Festival de Toronto: Paco de Lucia,John Williams estreando o quarto concerto do Brouwercom o próprio regendo, o Segovia estava programadopara tocar, mas morreu antes, Victoria de los Angelescom Ichiro Suzuki. Tinha três concertos por dia, o dahora do almoço já estava muito bem, o do final da tardeera fantástico e o da noite era só celebridade, inclusiveo Turíbio (Santos) tocou lá, o Sérgio estava por látambém, foi muito legal. Foi aí que eu percebi que haviaum circuito internacional de violão. Eu me prepareimuito bem, foi o lugar onde eu estreei meu violão Abreu,e o terceiro prêmio serviu para terminar de pagá-lo.

(TP) Você já havia saído da USP?(FZ) Não, foi em 1987, eu estava no último ano. OEdelton foi para Jundiaí e ficou na minha casa, dandoaulas dias a fio. A gente passou o repertório inteironota por nota. Ele me ajudou imensamente. O Sergiotambém me deu força, me escutou, o Kayath estavalá...

(TP) O Sergio estava só assistindo?(FZ) Só assistindo, mostrando os violões dele. Tinhaquatro brasileiros: eu, ele, Turíbio e o Marcelo.

(GA) E você pegou o terceiro lugar.(FZ) E estava muito bom.

(GA) E foi fundamental para você.(FZ) Eu não fazia idéia do meu nível. Eu achava queeu errava demais, que era insuficiente. Eu queriachegar em alguma coisa, mas não sabia exatamenteno quê. Violão não era, e não é, o cerne da minharelação com a música. Eu toco violão, mas as grandesexperiências musicais que eu tive, algumas foram como violão, mas a maioria não. Eu escutava Horowitz e oRubinstein e pensava “eu quero fazer isso com oviolão”, mas como é que se faz? Eu não sabia fazer,então eu achava que tudo o que eu fazia era insuficiente.

(TP) E o que você escutava de violão? De violãovocê não pensava assim - você pensava nesse nívelmais relacionado ao piano?(FZ) Piano, orquestras, ópera, cada vez mais músicade câmara. De, digamos, Monteverdi a Boulez,passando por todos os grandes e não-tão-grandes, issoé o que me interessa em música. A minha investigaçãodo repertório de violão é um reflexo da minhaexperiência com a história da música como um todo.Eu só acho que o violão cumpre funções diferentesdentro do panorama musical, mas se eu não acreditassena música de violão, já teria me decidido a fazer outracoisa há muito tempo. E quanto mais o tempo passa,mais eu gosto de explorar o som do violão, algo quenão me interessava tanto quando eu tinha 20 anos.

(TP) E dos violonistas ...(FZ) Nessa época, tirando quem tocava aqui no Brasil,era Julian Bream. O Edelton e o Henrique gostavammuito dele. Eu também já gostava, já conhecia. E era omeu ídolo no violão.

(TP) E o Segovia você já ...(FZ) Claro que eu conhecia as coisas do Segovia, masnaquela época falava-se do Segovia como uma coisaultrapassada; ele era um grande violonista, mas “músicanão se toca assim”...

(TP) Mas não na época do Guedes?(FZ) Não... o Guedes falava assim: “O Segovia é umdemônio tocando!” (risos) E é mesmo. Na época como Edelton, inclusive pelo fato de eu estar na USP,escutando Berio, analisando Debussy, tendo aula deChopin com o Willy, tendo aula de Beethoven com nãosei quem, e dodecafonismo com Gilberto (Mendes) – agente só tocava as grandes obras. A gente pensava –quero tocar o Britten, quero tocar suíte de Bach. Eu

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nunca estudei uma música do Turina com o Edelton;eu não estava interessado nesse tipo de música nessaépoca. Ele não gostava nem de Albeniz. Eu não lembrode tocar um Albeniz para ele. Eu lembro de tocarTansman – essas coisas mais sérias do repertório doSegovia. Então era uma coisa um pouco dirigida. Claro,se você não se modelar ao seu professor, se você nãousar o seu professor como referência vai usar quem?O método de ensino do Edelton nessa fúria delicada detornar a música organizada, durante uma certa fase,faz você se sentir... – o meu ego violonístico estavamuito deprimido quando eu estudei com ele; eu queriafazer uma coisa além daquilo, mas ficava com osuperego dizendo “não, isso aí é errado, isso éimpossível, não se deve fazer isso” – se você não temisso em alguma fase da vida você nunca vai tocardireito. Mas eu não sabia como incorporar uma coisana outra: tocar, de uma forma clássica, organizada,proporcionada como o Edelton queria; e ao mesmotempo deixar o meu ímpeto natural dominar aquilo queeu fazia. Eu ainda tinha que fazer essa transição.

(GA) Mas aí em 1988 coincide a tua vitória emAlessandria (Concurso na Itália) e o fim da facul-dade.(FZ) Quando eu fui para Alessandria eu já tinhaterminado. Eu já estava mais convencido de que eu iadar certo com o violão a despeito do que era o meuplano inicial – eu achava que iria para a Inglaterraestudar regência. Até eu ganhar Toronto eu não mevia como um violonista profissional – eu não davaconcertos! Eu dava concertos quando eu estudava como Guedes. Aí quando eu estudei com o Henrique eledava umas dicas de lugares, mas não era nos lugarestipo Maksoud Plaza, Cultura Artística, nenhum violonistatocava lá. Então eu não considerava o violão...

(TP) E quais violonistas se apresentavam?(FZ) Na época nem o Duo Assad tocava muito, elestinham acabado de mudar para a Europa e tocavamaqui muito esporadicamente. Era praticamente só oTuríbio. O Marcelo Kayath deu somente um recitalimportante em São Paulo, no Maksoud Plaza, acho queem 1985. Veja o quanto nós perdemos. Eu lembro doYepes tocar no Municipal, acho que em 83, e o Lagoyatocou na Aliança Francesa em 85, e infelizmentenenhum dos dois estava em plena forma. Mesmo estaesplêndida geração de alunos do Henrique não tocavanas maiores séries. O Edelton tinha uma reputação para

música contemporânea, mas na época nem ele tinhaespaço para solar com orquestras, por exemplo. Aperspectiva não era nada animadora.

(GA) E Alessandria você não costuma colocar noseu currículo.(FZ) Eu não fazia idéia o que era o mundo do violão.As pessoas viam que eu tinha prestado um concurso eme mandavam prospectos de outros. E eu ia. No casode Alessandria, foi o seguinte: eu fui para o Concursode Genebra – aliás, foi, por indicação do Henrique, umbenfeitor que pagou a minha passagem, um médicogenerosíssimo, a quem sou muito grato, e que preferepermanecer anônimo. Eu tocava num restaurante e elefoi me assistir – o Henrique deu a dica para ele. Eledisse que sabia que eu queria ir para Genebra, que euestava sem recurso e ofereceu para mim a passagem.E eu fui para lá porque esse sim era um concursoimportante. Cheguei na final e não me deram prêmionenhum. Aí eu queria repor o dinheiro que haviainvestido e fui para Alessandria – para ganhar, eu tivea intuição – e eu aprendi o programa em 15 dias. Euestava na Europa por 25 dias, Genebra acabou e eu fuipara Itália, fiquei 15 dias estudando e fui paraAlessandria; daí eu ganhei. É um concurso importante,o Yamashita já ganhou, o Cotsiolis, um monte de genteimportante já ganhou esse concurso, mas é um concursomodesto. Foi importante para conhecer outros colegas,para sondar o terreno – quando eu fui estudar na Europaeu já sabia o que era, como me movimentar, quais ospaíses que valiam a pena.

(GA) Daí você foi para Londres.(FZ) Antes de eu ir para Inglaterra eu fiz um monte deoutros concursos e os concertos ligados aos prêmios.Em 1990 eu fui para Cuba, que foi um lindo festival,abriu minha cabeça; peguei segundo lugar. E aí no finaldaquele ano mudei para Londres.

(GA) E por que Londres?(FZ) Por essa influência do Julian Bream, por jáconhecer gente da Inglaterra, saber que o estudo láestava estruturado de uma maneira que eu achavainteressante. Eu estava me correspondendo com gentenos Estados Unidos, na Áustria, então se Londres nãotivesse dado certo eu teria ido para Áustriaprovavelmente; eu estava com 3 ou 4 coisasengatilhadas. O problema é que quando eu terminei afaculdade eu fiquei fazendo esses concursos, sem saber

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por que eu estava fazendo... Eu tocava em umrestaurante todas as noites, dava aula dois dias porsemana na Escola Municipal (de São Paulo) e três diaspor semana em casa; eu dava aula 8 horas por diatodos os dias. Eu não sei como é que eu estudava, euestudava lá sei que horas e ia atrás desse negócio; aomenos o restaurante me forçava a tocar 3 horas pordia. Então eu estava num momento difícil, não via muitaperspectiva, eu lembro de ficar de baixo astral, acharque eu estava dando um duro pra nada. Eu pedi bolsaduas vezes e não saiu. Na época a Capes dava bolsapara Mestrado, mas era uma coisa meio políticatambém. Daí o Marcelo Barboza, um flautista comquem eu toco até hoje, foi para Inglaterra com bolsa doConselho Britânico e ele me deu o “caminho daspedras”. Tinha um monte de macetes, mas aí eu ganheia bolsa, quando já estava lá.

(GA) E lá você estudou em uma escolarespeitadíssima e com um professor bem sistemáti-co. Qual foi a importância da Royal Academy e doMichael Lewin?(FZ) Eu caí na mão do Michael Lewin por puro acidenteporque eu nunca havia ouvido falar dele. Porrecomendação do Marcelo, que me disse que o chefedo departamento iria me escolher para estudar comele, e que era melhor, mesmo, porque abriria maisoportunidades dentro da escola. E o Michael Lewin équem decide quem vai ter aula com quem e me tomoucomo aluno dele. E o Michael é um gentleman, é umlorde, é um sujeito nota 10. Uma pessoa extremamenteinstruída, extremamente sensível para as necessidadesdos alunos, de uma cultura assim... – um erudito. Foiexatamente o que eu mais precisava porque ele,combinando essa erudição com um espírito aberto, comoo do Henrique - não existia o limite, o limite quem faz évocê - eu vi tudo com ele; passei um repertório que eununca imaginaria que fosse capaz de estudar em 2 ou3 anos. Ele chegava para mim e falava: “Olha, nesteano tem um teste para solar um concerto; esse ano vaiser o do Berkeley” e eu estudava o Concerto doBerkeley; depois ele dizia: “A orquestra sinfônica estáquerendo fazer o Aranjuez – você tem que fazer oAranjuez também” e eu dizia: “Tá bom, vou fazerAranjuez” e depois: “Vai ter um festival de músicasuíça ... você pode tocar o Frank Martin”, ou “o HansWerner Henze vai visitar a escola, você poderia estudaro Royal Winter Music”; então iam passando eventosna escola e ele – supercorreto – fazia um teste para os

alunos que se candidatavam para fazer aquele trabalho;tinha uma audição para uma banca e a banca decidia;ele nunca me escolheu porque eu era aluno dele; eleouvia todos, e decidia junto com os outros professores.Corretíssimo em tudo o que ele faz. O histórico políticoe social dele é imaculado. Então, eu passei centenasde peças com ele. Coisas de música de câmara que eununca sonhei que eu pudesse fazer, a Libra do RobertoGerhard, o Sexteto Místico do Villa-Lobos eu fiz duasvezes, o quarteto do Santórsola ... E eu fiz regênciacomo segundo estudo, o que também abriu muito oacesso para os outros cursos. Eu tive aula com osegundo professor de regência, e quando haviaworkshops eu podia assistir – eu vi workshops doColin Davis, do Pierre Boulez, do Simon Rattle, doLeonard Slatkin, do (Valery) Gergiev, que estavacomeçando a carreira internacional dele e hoje é oregente de ópera mais festejado. Eu vi master classesdo Alfred Brendel duas vezes, do András Schiff, daAnne-Sophie Mutter, do Stephen Kovacevich... Foi umaépoca dourada para a escola porque hoje em dia elesnão têm mais tanto isso. E o Michael encorajava, elesó ficava preocupado se a gente não estava fazendocoisa demais, pois em cima disso tinha que escrevertese, fazer o Mestrado. Então foram três anos muitointensos. Com o Michael eu tive aula por dois anos.

(RM) Como você está falando, era um período in-tenso, você tinha concurso, apresentações, o traba-lho da faculdade – como é que você trabalhava apreparação do programa de concurso; você é rá-pido para preparar as coisas – e se era, era devidoa disciplina, método, formação ...(FZ) Eu normalmente sou muito indisciplinado. Paramim é um esforço acordar de manhã, pegar o violãopara estudar, sempre foi, mas eu tenho muita facilidadepara aprender. De aprender a música superficialmente,as notas, decorar, eu sou muito rápido. Então todo aqueletempo que as pessoas gastam para decidir umadigitação, botar a música no dedo, eu pulava. Agora,da mesma forma que você aprende rápido você esquecerápido também. Mas nessa época como eu sabia quetinha muito compromisso, eu acordava, não tomava nemcafé e tocava violão – eu fazia o dever de casa, assimdas 7 da manhã às 11 – porque você sai de um transee entra em outro. Daí eu ia para a escola. Foi assimque eu administrei meu tempo, mas passei madrugadasestudando várias vezes. As coisas mais importantes eupassei as noites em claro estudando; se eu tivesse 15

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minutos eu não ficava vendo televisão, eu ficavaestudando uma passagem – fui muito “Caxias” nessaépoca.

(GA) Você terminou a Academy em que ano?(FZ) Em 1993.

(GA) E daí você estava traçando o seu rumo pro-fissional?(FZ) Sim, eu queria ficar na Inglaterra porque eu percebique as coisas estavam andando – como eu ia fazer eunão sabia. Eu entrei no Doutorado, que não cheguei aterminar. Fui empurrando por dois anos, até 1995. Eudava aula em dois colégios – porque lá o sistema é umpouco diferente, os colégios particulares normalmentetêm um departamento de Música e eles contratamprofessores externos para dar aula de instrumento. Eudava aula quatro dias por semana. Era a minha fontede renda nessa época.

(GA) Mas o teu pensamento estava em fazer umacarreira internacional?(FZ) Aí eu já não tinha a menor dúvida de que ia rolarde alguma forma. O Ricardo Iznaola, em um masterclass, falou para mim que ele achava importante euficar aqui por mais alguns anos porque mesmo um caraque não é muito bom, quando fica 10 anos em qualquerlugar, arruma alguma coisa pra fazer – algum tipo dereputação você desenvolve, se estabelece um nicho noqual você pode começar a sua carreira. E é verdade.E eu fui contatando pessoas, tentando concertos,mandando propostas, a Royal Academy inclusive temum programa para ajudar alunos a fazer isso, organizaro material de divulgação, etc., mas também chegou emum ponto em que as coisas começaram a dar pra trás.

(TP) Mas qual o momento em que você consideraque foi o ponto culminante em sua estada em Lon-dres? Foi o Concerto no Wigmore Hall?(FZ) Ali não foi um ponto culminante, foi o começo deuma virada porque eu estava prestes a voltar. O queeu estava fazendo lá era o que eu fazia no Brasil –dando “aulinhas” e tentando, estava tudo muito devagarpara o meu gosto. Daí, enfim, eu consegui um contatocom a embaixada do Brasil e eles botaram um concertomeu no Wigmore Hall. Foi um grande sucesso, foi muitofalado. E, por alguma razão, mesmo eu não tocandomuito, as pessoas comentavam a meu respeito; eu nãosabia disso. Estava lotado na minha estréia. Eu toquei

Villa-Lobos, Ginastera, foi um êxito, e a partir dalicomeçaram convites para tocar no interior, festivais etal. Então, eu percebi que tinha um caminho – que nãoera o dos concursos. Foi a época em que as pessoasestavam começando a gravar CD independente e euestava vendo a hora em que eu ia ter de gravar também.Meus projetos eram esses: tentar tocar no maior númerode festivais, tentar fazer contatos e a partir daí tentargravar.1996 foi meu ano de virada. Porque daí eu fiz 30 anose pensei (sobre concursos): “É a minha última chance,se eu não fizer agora não vou poder fazer mais”. Daínessa época o Concurso da GFA (Guitar Foundationof America) estava ficando bom; porque ele era meiodoméstico antes, mas daí teve uma seqüência – ganhouMargarita Escarpa; Jason Vieaux; Antigoni Goni - e noano seguinte eu fiz. Então foi uma época que osestrangeiros ganharam, com exceção do Jason, foi aíque o GFA virou um grande concurso porque todomundo viu o nível das pessoas que estavam ganhandoe todas as sociedades de violão ofereceram concertosao vencedor. Em 1994-95 teve, pela primeira vez, oprêmio de 50 concertos, antes disso era uma meia dúzia.Daí eu resolvi fazer três concursos naquele ano, umera o de Nova York, o outro era o Tárrega (Benicassin,Espanha) e o outro era o GFA, todos com intervalo dedois meses entre um e outro. Daí eu fui primeiro ao deconcurso da Fundação Walter W. Naumburg em NovaYork. Não é um concurso de violão; a cada ano elestêm temas diferentes, em 1996 foi o primeiro (e único)de violão. O concurso tem uma história brilhante, osvencedores do passado são gente como o PinchasZukerman, o Richard Goode, a Dawn Upshaw, etc. Euestava ciente da responsabilidade e acho que nuncatoquei tão bem, de sentar e tocar como se fosse umCD, estudei tanto para aquilo, foi demais – infelizmente,eu não ganhei o concurso, mas acho que causei umimpacto lá; por exemplo, o CD do Villa-Lobos euconsegui lá. O presidente da companhia Music Mastersestava assistindo, e quando acabou a minha prova elechegou para mim e botou o cartão no meu bolso: “Eunão vou nem esperar o resultado porque eu acho quevocê já ganhou, mas, se não ganhar, nem interessa; euquero gravar esse Villa-Lobos aí”. Parecia essas coisasde filme, essas coisas que só acontecem em Nova York.No dia seguinte, ele me ligou e perguntou quando euqueria gravar, se queria que fosse na Inglaterra tudobem, pois ele trabalhava com o John Taylor. E foi isso.No final daquele ano eu gravei com o selo EGTA o CD

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das sonatas latino-americanas e em março do anoseguinte eu gravei Villa-Lobos. E um mês depois doconcurso de Nova York eu fui pra Espanha ganhei oTárrega, vim ao Brasil para uns recitais, e três semanasdepois voltei para os Estados Unidos e ganhei o GFA.

(GA) Isso tudo em 1996?(FZ) Sim.

(GA) Qual foi o concurso que o Brightmore estavana banca (Robert Brightmore, ex-professor deGilson Antunes na Guildhall School)?(FZ) Foi no Tárrega.

(GA) Porque eu lembro de ele ter elogiado bastantea sua atuação.(FZ) O Tárrega eu ganhei por unanimidade. O GFA seeu não me engano também. No Tárrega, há de seconvir, foi um ano fraco. Os caras muito bons não forampara a final porque tocaram mal na semifinal. O SergioAssad estava no júri; é reconfortante ver genteconhecida no júri – não que as pessoas julguem a teufavor, mas te dão crédito, é mais fácil você passar naeliminatória, eles escutam com mais interesse.

(GA) Qual o balanço que você faz de você e con-cursos em geral?(FZ) Toronto foi pessoalmente importante, Alessandriaabriu algumas portas aqui no Brasil, porque as pessoasficaram sabendo – naquela época o único violonistajovem que tocava fora era o Marcelo Kayath; ele tinhaganhado Paris e Toronto. E havia excelentes violonistasaqui no Brasil, principalmente em São Paulo, mas aatividade deles no exterior era nula; então aqui no Brasilvocê acabava virando uma pequena celebridade pelofato de ter tocado fora, naquela época. EntãoAlessandria me ajudou muito aqui. Todos os outros queeu fiz até 1992, fiz vários na Itália, Espanha, só servirampara ganhar dinheiro. Eu lembro que no meu primeiroano na Inglaterra eu ainda estava sem bolsa e vivia deconcurso. E durante o meu curso na Royal também, eufiz alguns concursos pra financiar as minhas férias noBrasil.

(TP) Todos na Europa.(FZ) Sim. Eu nunca tinha tocado nos Estados Unidosantes do Naumburg.

(TP) Então você estava cursando a escola na In-glaterra, saía para algum ponto da Europa...

(FZ) É porque você pega um avião vai e volta em umfim de semana – a escola às vezes dava uma ajuda decusto. Eu perdi a conta de quantos segundos prêmioseu peguei, era sempre segundo – ou eu tocava mal, emerecia mesmo segundo lugar, ou era uma roubalheiraqualquer ali e acabava sempre em segundo. O PabloMárquez é o único que ganha de mim em quantidadede segundos prêmios. A gente se encontrava emconcursos e era assim: o Zoran (Dukic) ganhava, eutirava segundo; eu fui para o Chile porque o Concursopagava a passagem – o Zoran ganhou e eu tirei emsegundo; daí fomos para outro concurso – eu ganhei eele tirou em segundo. Ficava aquela alternância. Eraeu, o Pablo Márquez, o Aniello Desiderio, o DenisAzabajic, o Joaquin Clerch, a Laura Young. Eramaquelas sete ou oito pessoas que a gente encontravaem todos os concursos. É a mesma coisa hoje em dia –tem o Alieksey (Vianna), tem o Gustavo (Costa), oGoran Krivokapic – é uma moçada que está com 25anos que está fazendo tudo. E é isso mesmo que sefaz. Você ganha um dinheiro e passa mais alguns meses;você tem um capital de giro para fazer um outroconcurso que pode te beneficiar. O Denis comprou umacasa com dinheiro de concurso. Mas note que são todaspessoas que vêm de países com dificuldadeseconômicas – o Zoran e o Denis, iugoslavos; O Clerchcubano, o Pablo argentino, o Aniello, exceção, veio deNápoles. Então todo mundo precisava de grana. Masquando eu fiz os três concursos em 96, eu já tinha umaestratégia de carreira, aprendida a duras penas; eu sabiao que fazer com esses prêmios. Eu aprendi a usar onegócio e tirar o retorno. O Tárrega é um concursoque tem uma grande reputação; é um concurso que tedá estofo: “eu sou ganhador do Tárrega, estou junto doDavid Russel, do Cotsiolis, etc.”; encontrei com oIznaola depois, e ele me abraçou: “bem-vindo àfraternidade do Concurso Tárrega!”. O GFA é umconcurso que te dá concertos, te abre contatos. Hojeem dia metade dos meus concertos é nos EstadosUnidos por causa do GFA.

(GA) Então os concursos são mais pra isso: conta-tos e dinheiro.(FZ) Eu acho que a pessoa que vai fazer tem que ter amente muito amadurecida. Para um cara que não temabsolutamente nenhum recurso para começar umacarreira, por conta própria, o concurso pode ser umacoisa muito útil de uma forma pontual. É legitimo apessoa tentar; se ela não tiver pruridos – porque às

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vezes a pessoa acha um absurdo a competição, aquelatensão é ruim, a adrenalina, você se sente mal, vocêfica exausto. Quem não gosta de fazer não deveriafazer – tem que procurar outras formas. Você acharáo seu nicho de uma forma ou de outra. Enfim, paraquem tem interesse em ter uma carreira internacionalé um começo. Não dá para negar. Se perguntar o queeu acho de concurso – eu sou contra, não deveria existir,mas se a pessoa souber usar o concurso pra se servirdele...

(TP) O mercado fonográfico está bem ligado a isso.(FZ) Totalmente. Eu fui finalista no Naumburg, o diretorda gravadora já me deu crédito – quando eu ganhei naEspanha ele falou: “Pronto, não ganhou aqui, masganhou na Espanha, eu não estava errado”. Eu soubeusar isso. Quando ganhei o Concurso Tárrega, mandeicartas avisando todo mundo que eu conhecia –imprensa, promotores, violonistas, organizadores. Aí eujá estava trabalhando com uma empresária e assessorade imprensa aqui no Brasil. Ela também pôs nos jornais.Esse é que é o negócio. O Alieksey ganhou um concursoimportante – e ele é profissional, faz o trabalho quetem que ser feito – mas não sai aqui nos jornais, porqueé muito difícil penetrar se não tem um ambiente jáformado pra te receber.

(GA) De 1997 para cá qual o balanço que você fazdaquilo que você tinha colocado na sua mente comoestratégia para sua carreira.(FZ) De uma certa forma eu consegui realizar umaboa parte daquilo que planejava. O limite que eu tenhoé: tempo e organização para realizar meus projetospessoais. Hoje eu posso me dar ao luxo de dizer que oprojeto de gravação que eu queira realizar eu tenhocanais para fazer. Se eu quiser gravar um CD só demúsica de vanguarda americana, a companhia com aqual eu trabalho vai topar, então eu posso fazer. Oslimites que encontro, além do meu próprio limite decapacidade, é o estado atual do mercado de músicaclássica, que não está absorvendo muito bem o violão,e está em uma crise generalizada. Eu achava que depoisde um certo tempo eu iria, por exemplo, trabalhar comuma companhia maior, uma EMI, uma Decca, e issohoje em dia é uma coisa praticamente inviável.

(TP) Você está se referindo à queda de vendas?(FZ) As vendas caíram e essas companhias estãosucateadas. Todas elas, Sony, Decca, EMI, estão na

mão de corporações e as pessoas que comandam, quedecidem aquilo que vai ser gravado, que tipo decampanha vão fazer, são publicitários; é gente debusiness, não de música.

(GA) Você sabe disso por você mesmo ou de con-versar...(FZ) É que eu estou muito envolvido no meio musical,especialmente em Londres que tem muitos empresáriose muitos concertos. E eu tenho muitos amigos que agoratêm uma carreira internacional grande, pianistas,cantores e tal; eu encontro com eles todos comentam.E pelos produtores também. Quando eu gravei a trilhasonora para aquele filme (uma produção francesa –Os filhos do século, protagonizada pela atriz JulietteBinoche), o produtor queria pôr violão no filme. Ele foia uma loja em Paris e comprou vários CD’s de violão,inclusive aquele meu do Tárrega, e decidiu por mim. Aíele me achou pela Internet, chamou e eu gravei a trilhasonora, que saiu pela Decca. Fiquei amigo dele e disseque eu queria gravar com uma gravadora maior – eleconcordou comigo e eu disse que tinha vários projetos.Eu mandei os projetos para ele e ele me disse: “Adoreitodos. Por mim eu faria esse e esse – vamos ver se euconsigo vender”. Ele teve uma reunião dos produtoresda Decca e mostrou os projetos e a pergunta deles era:“Tá. Quantos CD’s você acha que ele vai vender noprimeiro ano? Cem mil?” E o produtor respondeu queera um trabalho sério. E eles: “Então não, se ele quiserfazer um crossover aí... Será que ele não quer fazerum disco com uma cantora aí...” Bem, eles propuserameu fazer uma coisa de música de câmara de 5.a categoriaantes, para projetar o nome – daí a partir do resultadode vendas de um disco desses eles iam ver o que erapossível em termos de projeto solo. Você fica comexclusividade com uma companhia que não vai gravaro que você quer tocar, você fica marketando o teunome em uma área que não é a tua. Essa coisa decrossover que é uma mistura de folk com world musicque não é clássico, não é intermediária de nada, e fechaas possibilidades em vez de abrir. Fica um monte deprodutores tirando porcentagem daqui e dali e vocêmesmo não lucra. Então, se eu não vou ficar rico, aminha reputação ficará manchada e eu não vou estartocando o que eu quero – para que eu vou fazer isso?Então está todo mundo saindo das grandes companhiaspara poder tocar o que querem.

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(RM) Você acha que uma possível solução para issoé o independente?(FZ) É o independente e a pequena e média companhia.O dono e o produtor têm de defender a música antesde mais nada.

(RM) Algo como a Naxos?(FZ) Eu gravei para a Naxos, quando ganhei o concurso(GFA), e eles me propuseram fazer mais coisas. Eutenho muito respeito pela Naxos porque foi o “ovo deColombo”. Fizeram uma grande companhia do nada.Claro que tinham capital para isso. Eles pagam cachêfixo para o artista e você não tem direitos sobre a tuagravação. Esse cachê é um cachê de recital,praticamente. Esse é que é o problema: por issoconsegue ser barato, porque faz em grandes tiragens,faz produção barata, usa um design gráfico padrão, tudoisso no menor número de dias possível... eles sabemque hoje em dia dá para fazer coisas muito boas emtrês dias de gravação. Então eles aproveitam o fatoque tem um monte de gente na minha situação, genteque está ganhando concurso...

(RM) E é um projeto que você sente a qualidade doproduto no intérprete.(FZ) Exatamente. Se as pessoas querem comprar asinfonia de Beethoven, por que gastariam 15 dólarescom o disco do Claudio Abbado, se dá para comprar oda Naxos por 5 ou 6 dólares? E a música é a mesma –e está bem tocada também. Uma vasta maioria decompradores não distingue. Então a Naxos seaproveitou deste buraco do mercado, de gente muitoboa que não tinha onde tocar. Eles têm artistas que sónão estão nas grandes companhias por uma distorçãodo mercado, por exemplo o Quarteto Kodály. Agora, oproblema é que você não está se beneficiando disso –então eu não quero mais trabalhar com a Naxos. Porisso eu não acho que isso seja uma solução. Eu achoque a solução são as pequenas companhiasindependentes porque os grandes vão ruir, não têm comose sustentar essa estrutura, eventualmente eles vãofechar o departamento de clássicos e vão gravarMadonna e o que eles estejam trabalhando em dadomomento, porque eles querem fazer dinheiro, não é emmúsica que eles estão interessados – é legítimo, euconcordo: eles gostam de dinheiro e eu gosto de música.Então... É bom que eles fechem (o departamento declássicos) porque daí as médias vão ser as grandes, eas pequenas serão as médias. É essa a solução. É

entropia. Tirar as grandes corporações do ramo. Músicaclássica não é do ramo das grandes corporações, naminha opinião. Eu acho que é isso.

(GA) E qual o seu balanço pessoal até o momentosobre estas três gravações que você fez. A da EGTA,Sonatas Latino-americanas, a integral de Villa-Lobos e o CD da Naxos.(FZ) O do EGTA foi um piloto, foi para eu aprender agravar, nunca tinha gravado antes. Eu não soube mepreparar direito, o disco está bem gravado, tem unsprobleminhas técnicos de edição – não me fazvergonha, é um disco que eu escuto e algumas coisasaté eu acho que estão bem feitas. Agora, no geral, éum disco de iniciante. O do Villa-Lobos eu já usei aexperiência desse. E eu trabalhei com um produtor maisexperiente, então o Villa-Lobos eu acho que é o meuCD mais bem produzido. E daí o da Naxos eu graveilogo em seguida foi uma diferença de dois ou três meses.Eu gravei todos esses CDs no espaço de seis meses.

(GA) E o da Naxos você aproveitou o repertórioque você estava tocando.(FZ) É porque eu tinha acabado de gravar os outrosdois, então não tinha música pra fazer um outro projeto.E como era prêmio do Concurso Tárrega eu tinha degravar Tárrega. Eu pensei em fazer um CD só deTárrega, mas eu não ia ter tempo de fazer isso. E aNaxos também não queria só de Tárrega porqueinterferiria nos outros projetos. Eles queriam umacompilação, e aí eu experimentei uma sonata de Bach- eu estava tocando isso em turnê na época, era maisou menos o que eu levei para a minha turnê do GFA.Eu toquei todas essas músicas 50 vezes naquelatemporada: sonata de Bach, Mertz, Ponce não, Poncefoi sempre meu “cavalo de batalha”, e o Prelúdio doAlexandre e mais a Sonata do Ginastera, dava umprograma.

(GA) Qual a tua posição no momento?(FZ) Eu estou muito dividido porque 90% do que eufaço, se não mais, é fora do Brasil – e eu estou morandono Brasil. Tem um problema logístico muito grande aí.Obviamente eu moro aqui exclusivamente porque minhamulher trabalha aqui. Eu não tinha a menor intençãoem voltar para o Brasil se não fosse o trabalho dela. Aúnica outra razão de estar aqui é que eu moro melhor.Na Inglaterra não tem como morar com esse espaçotodo. Os meus projetos são expandir a minha atividade

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fora do circuito do violão – é a meta sempre, mais oumenos como eu consegui fazer aqui no Brasil, eu querofazer isso fora do Brasil em um nível mais amplo doque no momento. Todo verão eu toco em festivais demúsica, coisa que não tem nada a ver com o violão,mas ainda é pequeno em relação ao que eu vislumbro.Gostaria de solar com outras orquestras. Esse ano euaté vou solar com orquestras na Alemanha, na Bélgica,na Suíça. Mas eu gostaria que isso fosse o cerne daminha atividade. Pouco a pouco, se eu pudesse rarearum pouco as minhas aparições em festivais de violão...

(TP) Por quê?(FZ) Porque o público de violão é um público muitoparticular, e você voltar a sua atividade pra isso, pramim, particularmente não é legal. Nada contra, eu achomaravilhoso quem faz, eu adoro tocar em festival deviolão, mas eu estou interessado em tocar música queinteressa mais ao público mais diversificado. Festivalde violão tem um número grande de amadores e elesestão muito interessados em um repertório meiocrossover, que não me interessa. Eu acho que ainsularização do violão tem um efeito adverso naeducação do gosto musical. Eu me considero hoje umepígono, de uma certa forma, duma linha, modestamente,de continuidade com o que Segovia fez, que passa porBream e, de uma certa forma, eu estou pegando umpedacinho disso. É o que eu gosto de fazer, é o tipo deviolonismo em que acredito, na maneira de tocar, naescolha do repertório, o que eu quero é estabelecer umcânone do que o violão pode fazer. Qual é o granderepertório do violão? Todas as grandes obras – é o queeu quero tocar, pouco a pouco. Fala-se muito de umasuposta escassez do repertório, mas a verdade é que amúsica de primeira qualidade é pouco tocada; o JulianBream foi um dos poucos a cobrir vastas áreas dorepertório sistematicamente, e a gravar praticamentesó música de primeira linha. Tem milhares de coisas aserem descobertas; repertório francês nunca ninguémtocou, século XIX ainda é um livro fechado, ouviu-sepouca coisa. O Barroco pertence mais a umaespecialidade do instrumento de época, mas aquilo quefica bem no violão eu quero tocar, gravar, mostrar. Entãomeus projetos são estritamente musicais. Cobrir áreasgrandes de repertório, tocar em temporadas e gravar.Deixar a minha marca no violão assim.

(GA) Como você está vendo o violão lá fora e aquino Brasil? São Paulo, por exemplo, que é a tercei-

ra maior cidade do mundo e não tem nem uma as-sociação.(FZ) Exatamente. Até a gente tentou montar, mas pelofato de eu estar viajando demais não deu para euencampar isso aí. Mas ainda vamos voltar com essaidéia. Mas basicamente o que eu acho é que o Brasildemora muito para criar estruturas para as coisasacontecerem. Todos os problemas, na minha opinião –eu sou totalmente amador em política –, mas qualquerproblema conjuntural no país, a hora em que você vaitirando a raiz quadrada você chega em um só, que é aeducação. Tudo no Brasil se resume a uma educaçãode baixíssimo nível. Enquanto a gente está aquipensando em progressão na escola, ficar discutindo seo aluno vai repetir ou passar sem saber, você vê o nívelde discussão da educação na Inglaterra, França ouAlemanha - não tem comparação. A gente está numperíodo cretáceo ainda. Ainda não se discute que tipopessoas se quer formar com a educação. O que vocêquer ensinar, para quem e em que base? E queimportância aquilo tem no todo, da pessoa na sociedade?Então no fundo é isso; o violão – a música - no Brasilnão vai crescer enquanto a educação não crescer.Porque as pessoas não vão perceber que no tempolivre delas, se elas se juntarem, juridicamente para fazeras coisas acontecerem. Eu acho que os próximos trêsanos vão ser extremamente fracos não só para o violão,mas para toda a música clássica no Brasil, pelomomento político, que enfatiza o cinema e as questõesmais, digamos, industriais, da música comercial.

(TP) Mas você não teria interesse que o violão seencaixasse na indústria cultural? Que o violão ti-vesse...(FZ) Se tivesse esse espaço, claro. E participarinclusive. Mas música clássica não é indústria deentretenimento, eu a alinharia mais com o patrimôniohistórico, com a educação e com a área acadêmica.

(TP) Tirar daí o que tem de mais...(FZ) O problema é que aqui no final para você produzirqualquer tipo de evento, seja festival, curso... vocêsempre acaba se voltando para o Estado. A iniciativaprivada, ainda mais agora com as leis... paradas, estámais difícil para realizar essa estrutura – vai ficarsempre dependendo de estado, prefeitura...

(TP) Todo mundo fala mais ou menos isso que vocêfalou, mas e a elite? Onde está elite que sempre

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comprou... sempre teve mais essa porosidade coma música erudita. A gente sempre fala que a culpaé da falta de educação, da escola básica...(FZ) Sabe onde eles estão? Estão fazendo sarau emcasa.

(TP) Será? Dá impressão que também caiu bem onível da elite.(FZ) Totalmente. Mas você ficaria surpresa em sabera quantidade de amadores que promovem música emcasa.

(TP) Então não pode ser problema de educaçãopública porque eles sempre freqüentaram escolaparticular.(FZ) Porque a elite – essa que promove os saraus, eos poucos que patrocinam eventos que podemoschamar mais apropriadamente de culturais – ficouvelha, e você tem uma nova elite, filhos de industriais etal, que é o pessoal que veio do chão. A pessoa começoucomo torneiro mecânico, comprou uma ação ali daempresa e agora ele é um diretor de empresa. De quemé a culpa de ele não ter educação? É um pouco dele,por que não procurou. Mas essa elite que sustenta amúsica clássica no Brasil está interessada em ópera emúsica sinfônica.

(TP) OSESP, Sala São Paulo ...(FZ) Tá bom: tem uma elite que sustenta a OSESP?Quem? Qual a cota de patrocínio que eles têm? Zero?Eles não conseguem montar um Wagner porque nãotem dinheiro. A OSESP só existe porque o Estado quer.A elite econômica brasileira é bronca; não vai sustentarisso. Cada vez menos. Há, entretanto uma elite quesustenta o Cultura Artística há 70 anos, ou o TeatroMunicipal. Há alguns bancos, a profusão de centrosculturais demonstra, mas veja que esses centros sãopatrimônio, e foram construídos com abatimento noimposto, uma sacanagem...

(GA) E o violão no mundo? Hoje tem muita gentetocando. Como você vê isso.(FZ) Eu vejo que o violão deu uma guinada. Se vocêpensar ao longo do século XX teve o Segovia, que erao sol, ele fez as pessoas enxergarem que o violão eraum instrumento solista, de concerto, ele criou umamitologia pessoal, ele se inseriu dentro da estrutura damúsica clássica. Depois da morte dele, marca umavirada grande. As pessoas - com poucas exceções

como Yepes, John Williams – têm dificuldade emencontrar o nicho que esses outros conseguiram.Porque o mercado não absorve. Tem muita gente quegosta de violão? Tem, mas não compra CD emquantidades significativas, como na época do Segovia,talvez mesmo por não existir figuras de referência tãofortes, e o repertório ainda não é canônico, é quasetodo experimental. Vão assistir a um concerto? Vão,se é o grande nome da moda. Outro, talvez não. Não écomo no piano ou quarteto de cordas que mesmo quenão seja o Evgeni Kissin consegue ter uma carreira,consegue ter um público para si. O violão não consegueisso. Pouco a pouco as pessoas estão percebendo quequem gosta de violão tem que se juntar. E assimcresceram as sociedades de violão, que é um circuito.Em todos os países em que foi possível estruturar essassociedades de violão esse é, para 99% dos violonistas,a meta de carreira. Obviamente isso tem reflexos nadireção musical que o instrumento vai tomando, que, ameu ver, imobiliza o violão cada vez mais fora de seupróprio círculo. Resumindo, a impressão que eu tenhoé que o violão não deve chegar a outro período deesquecimento como já aconteceu no passado, porquehoje há estruturas mais fortes em todo o mundo paraque o instrumento se mantenha, mas eu temo que eletende cada vez menos a fazer parte do mundo da músicaclássica. O que é uma lástima, pois como eu já disse, oviolão, para mim, é uma porta de entrada para esseuniverso, que é uma parte tão mais importante da minhavida.

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Idade: 32 anos *Atividades atuais: camerista, concertista e pro-fessor da UFMG *

• Como começou seu interesse pelo violão?Bem, meu interesse pela Música veio através doRock. Eu comecei tocando bateria em bandas e,nessa época, eu queria tocar também um instru-mento harmônico e melódico e o violão foi umaescolha natural. Havia um pessoal da banda queestudava violão clássico e eu comecei a estudaratravés da indicação deste pessoal.

• Você tinha quantos anos?Quatorze. O interessante é que meu gosto peloviolão nunca passou pela MPB. Neste época qua-se todo mundo começava tocando MPB, Bossa-Nova e tal e, dai, passa a estudar violão clássico.Eu nunca toquei isso. Aliás, nunca ouvi, sórock’n’roll mesmo.

• Quais foram seus professores?Meu primeiro professor foi Joaquim Costa - quejá sumiu do mapa há muito tempo. Eu consideroque comecei a estudar mesmo quando entrei naEscola de Música da UFMG. Foi em 1979, entreino curso de formação musical e logo comecei aestudar com José Lucena. Fiz curso de formação,depois o vestibular, curso superior e considero queLucena foi o principal professor daquele período.Depois disso, em 1987, fiz Mestrado na ManhatanSchool em Nova York. Lá estudei o primeiro anocom o Carlos Barbosa Lima e o segundo com oManuel Barrueco. Me formei em 1990 e fiqueidois anos lá tocando e trabalhando. Fora isso, fizcursos com Henrique Pinto, Betho Davezac.Master classes com David Russell, DavidTanembaum, Emilia Segovia... por ai.

• Você teve influência de algum violonista quan-do você estava começando?Acho que Segovia, pra variar (risos). Mas era en-graçado, naquela época meu primeiro professortinha muito pouco material, não tinha nada. Eu ianas lojas e não havia praticamente nada. Um oudois discos do Segovia e do Williams e só. E logoque eu comecei a estudar com aquele professor euresolvi comprar um disco de violão clássico praver como é que era. Na verdade, eu nunca tinhaouvido. Comprei um do Segovia que tem o Prelú-dio 1, Pavanas do Milan e ... é interessante, aquilome serviu de inspiração por muito tempo. Às ve-zes, estava sem paciência de estudar, sem vontademesmo, e eu colocava aquele disco e ele me entu-siasmava, dava vontade de pegar o violão e sairtocando.

• Você poderia citar alguns concursos que vocêparticipou?O II Concurso Nacional Villa-Lobos, em que ga-nhei o primeiro lugar e prêmio de melhor inter-pretes de Villa-Lobos. Depois, o Concurso Inter-nacional da Universidade Santa Maria, que euganhei o primeiro lugar . No Concurso Internaci-onal Villa-Lobos, fiquei em segundo lugar ( Prê-mio Turibio Santos). Em 1991, participei de umconcurso em Nova York, com minha mulher, Mo-nica de Pádua, que é cantora, chamado ArtistsInternational Auditions, que dava como prêmio umrecital de estréia em Nova York e ganhamos o prê-mio.

• Quando você estava em Nova York você viu con-certos interessantes?O Julian Bream, duas ou três vezes.

• Ele estava num dia bom?O primeiro foi mais ou menos. Ele tocou bem, mas

Fernando Araújo* Entrevista publicada na edição no. 7 - Set/Out 1994por Gilson Antunes

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... não sei, eu não gostei muito.

• Ele é bem irregular, não é?Ele é muito irregular. E engraçado, nesse dia eusai do concerto achando que ele tinha tocado mal,tinha errado muito, mas depois eu fui ouvir a fita -eu tinha gravado o concerto - e estava praticamenteimpecável, algumas mancadas, mas coisa à toa.Eu achei que musicalmente o repertório não era oque eu mais gosto de ouvir ele tocando. Eu nãogosto do Bach dele, por exemplo, que ele fez qua-se a primeira parte inteira (do recital). Não gostoda música barroca dele, Scarlatti ... O outro con-certo foi mais interessante, teve momentos fan-tásticos. Ele tocou “All in Twilight” do Takemitsu, acho que era a estréia desta peça em NY. Incrívelmesmo, uma coisa linda. Também tocou umaspeças do Paderewsky que ele tinha transcrito, efoi incrível também. Mas, ele fez coisas tão ruinsque você não acreditava que estava vendo aquilo,tocando coisas que um aluno de segundo ano con-seguiria tocar melhor, “tentando” tocar oZapateado do Rodrigo, coisa que dava agonia dever. Depois disso ele deu um recital que foi o me-lhor de todos. É o que você falou, ele é um carabastante irregular, mas bem interessante.

• Você já teve alguma formação camerística maisduradoura?Essa com minha esposa. Inclusive é o que eu te-nho trabalhado mais desde que eu voltei em 1991.Nos anos de 1992 e 1993, entre o concurso quenós ganhamos e o recital em NY, ficamos testan-do material, articulando peças, fazendo transcri-ções e arranjos, o Marlos Nobre escreveu uma peçapara nós... o que eu tenho feito mais é isso.

• Você já solou com orquestra? Toquei o Villa-Lobos, Tedesco e Vivaldi.

• Como foi a experiência de ter aula com oBarrueco?Acho que é o tipo de experiência que muda seusparadigmas. O modo como ele vê o instrumento édiferente de tudo o que eu já tinha ouvido antescom os outros professores. Você nota muito issopelas gravações dele. Acho que ele começou a ser

meu professor quando comecei a ouvir suas gra-vações. Quando ele expõe seus pontos-de-vista, acoisa se torna muito forte mesmo, é um enfoquemuito musical. Ele trabalha linha exaustivamen-te, ritmo, coisas que os violonistas às vezes rele-gam a segundo plano; questão do movimento edireção das frases, movimento da música em si,que são coisas que a gente sente falta hoje em diaem grandes violonistas. O Barrueco é muitodetalhista. Se ele quer um decrescendo em quatronotas, de p até pp, ele quer aquilo, ele trabalha emcima daquelas quatro notas até conseguir. Na ver-dade, ele abriu meus ouvidos para outras expe-riências. Passei a ouvir música de um modo dife-rente.

• Você não acha que falta um intercâmbio maiorentre os violonistas brasileiros?Com certeza. Acho engraçado o seguinte: hoje,1994, existem cursos de violão em várias escolasde nível superior, coisa que não existia nos anos70, por exemplo. Mas havia aqueles semináriosem Porto Alegre que funcionavam como um in-tercâmbio. Agora, já não existe isso e acho quealguma coisa poderia ser feita através do contatoentre as escolas superiores de música, algum tipode projeto com verbas destinadas para este fim,para que melhorasse esta situação. Realmente, nãoexiste intercâmbio, nem bom nem ruim. Lembroque quando estudava aqui, vinha gente de São Pau-lo tocar, e eu fui lá e para o Rio tocar - isto aca-bou. Acho que uma forma seria pegar pessoas-cha-ves nas escolas e tentar algum tipo de associaçãoou coisa desse tipo, pra ver se melhora.

• Como está o espaço em Belo Horizonte para oviolão?Bastante bom. Aqui em BH, dos lugares que eutenho visto é onde você encontra algumas sériesregulares que são semanais e que abrigam o vio-lão e qualquer outro instrumento. Séries da Pre-feitura, da Escola de Música da UFMG. O que te-nho visto é o intercâmbio. O pessoal daqui temtocado, não tem dificuldade de arrumar espaço etem público, mas eu não tenho visto gente de fora.

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-Fale um pouco de seu começo como músico. Eusei que o Sr. começou num regional junto com seupai.Meu pai, Estevão Cipriano de Araújo, era um músicotecnicamente perfeito, apesar de não conhecer música.Meu pai era cearense e eu nasci em Quitaú, interior doCeará e vim pra São Paulo aos 7 anos de idade. Meupai sempre preservou um bom gosto pela boa músicabrasileira. Ele tocava bem violão, bandolim, cavaquinhoe viola caipira. Nunca estudou com ninguém. Ele mefazia ouvir de tudo, Jacó do Bandolim, Garoto, e eutocava cavaquinho nesse regional, já que eu era garotoe meu físico dava mais pro cavaquinho.Isso já foi em São Paulo, meu pai veio primeiro e minhafamília veio depois. Meu avô era rico, mas perdeu tudo,e o nordestino em geral vem pra São Paulo porqueperde tudo. Inclusive meu avô era sobrinho legítimo doEpitácio Pessoa. Então, meu início foi no cavaquinho ecomo cantor.

-E como é que foi o primeiro contato com o Aymoré?Fale um pouco sobre ele.Ele foi meu professor, uma pessoa a quem eu devomuito. Ele foi parceiro do Garoto durante 10 anos, naépoca do rádio. Mas eu comecei cantando, inclusivefui calouro do Silvio Santos e ganhei bicicleta e tudo(risos).Eu comecei a tocar tirando do disco, de ouvido, entãome sugeriram que eu procurasse um professor, e oAymoré acabou sendo inclusive meu segundo pai,pois me ensinou muita coisa. Nunca cobrou pornenhuma aula. Eu tenho uma dívida enorme para comele. Mas eu tive um acidente com as cordas vocaisque não me possibilitou cantar mais, daí nasceu oviolonista.

-Mas o Aymoré tinha formação erudita?Tinha, ele estudou com o Atílio Bernardini, inclusiveele viveu desde os anos 30 até os anos 40 tocando narádio. Depois, com a queda de popularidade do radio,

ele entrou na prefeitura, mas continuou na música.Ele sofria críticas por tocar música popular brasileira,e algumas pessoas faziam criticas injustas por isso.

-O Sr. estudou quantos anos com ele?Estudei 7 anos, entre 1966 até 1973.

-E como era o ambiente violonístico nessa época?Em casa eu ouvia demais Dilermando Reis, PaulinhoNogueira e Baden Powell.Agora, eu não tive uma única influencia, mas váriasinfluencias, Bossa Nova, música nordestina, LuisGonzaga. Mas, eu passei a ouvir música clássica porcausa do Aymoré, discos do Segóvia, etc. Eu porexemplo não faço distinção entre Dilermando Reis eSegovia, são dois gênios com estéticas diferentes.Eu tive depois, infelizmente, um desentendimento como Aymoré, porque eu queria viver minha vida a minhamaneira. Mas havia toda uma atmosfera para o violãonaquela época. Havia muito idealismo, como, porexemplo, o Sávio, que merecia uma estátua por tudo oque fez.

-O Sr. assistiu o Duo Abreu?Sim! Assisti umas 4 vezes. Eles eram fantásticos! Erao maior duo da época. Estudavam 28 horas por dia(risos), não era nem 24. Sozinhos eles não sobreviveramporque o Duo tinha uma imagem muito grande. OBarbosa Lima e o Turíbio Santos também. Inclusive odisco do Barbosa Lima tocando José de OliveiraQueiroz merecia uma pesquisa a respeito. Que eu saibao Oliveira Queiroz era uma pessoa muito rica,fazendeiro, e que fazia música de raiz. Mas a únicamagoa que eu guardo é com relação à discriminaçãode classe social, pois, por exemplo, quando o Segóviatocou pela última vez no Brasil, em 1957, as pessoasem geral não o conheciam, só o conheciam as pessoasque freqüentavam o Teatro Municipal, mas aquilo nãorepresentava o povo! Mas o ambiente musical era muitobom.

Francisco Araújo* Entrevista publicada na versão on line do Violão Intercâmbio, ediçãono. 08por Gilson Antunes e Ricardo Marui

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-Eu queria te perguntar a respeito de três gêniosdo violão brasileiro: Armandinho, Canhoto daParaíba e o Geraldo Ribeiro.Vamos começar pelo Armandinho. Armando Neves,paulista de Campinas, era amigo do Aymoré. Ele moravano Glicério (bairro da cidade de São Paulo) e eraviolonista da rádio Record. Ele não sabia nada demúsica, mas tinha ouvido absoluto, acompanhava muitobem, inclusive. O Aymoré passou muitas de suasmúsicas para o papel. Eu fiz um choro uma vez queestava sem nome, fui tocar para o Armandinho e elepediu para eu gravar a música, que tinha uma harmoniamais avançada, em se tratando de choro tradicional.Na semana seguinte ele pediu para eu tocar o choronovamente e ele acompanhou super bem. OArmandinho faleceu em seguida, e eu batizei a músicacomo Chorando de Saudade. E eu fiz uma valsa queele dizia que gostaria de ter composto, então eu batizeide Ultima Serenata e dediquei a ele. Eu gravei músicasdo Armandinho, mas o primeiro a gravar foi o GeraldoRibeiro, que gravou um LP só com músicas dele.

-E o Canhoto da Paraíba?Vamos falar dele. Francisco Soares de Araújo nasceuna cidade de Princesa, na Paraíba. Ele toca invertido,como o Canhoto (Américo Jacomino). Ele veio a SãoPaulo através do Clube do Choro, nos anos 70, e gravoupela Marcus Pereira Discos o LP “O Violao tocadopelo Avesso”. A sede do Clube do Choro era naAlameda Jaú, número 2000, inclusive o Canhoto daParaíba tem um choro chamado Jaú 2000. Eu fui lá vero Canhoto e descobri que nós somos primos! Bem, elegravou o primeiro disco aos 48 anos e começou a serconhecido em todo o Brasil. Ele, como o Armandinho,era muito versátil, ele também acompanhava muito bem.Ele é uma figura fantástica, um talento exuberante emerece todo nosso respeito e admiração por terconseguido fazer uma carreira após os 40 anos, casoraríssimo. Só o talento vence isso, nada mais.

-E o terceiro é o Geraldo Ribeiro.-Ah! Ele eu conheci de criança através do rádio. Haviaum programa no rádio chamado recitais Di Giorgio, feitopelo Reinaldo Di Giorgio, o pai, e o prefixo era com oGeraldo Ribeiro tocando o Moto Perpetuo do Paganini.Esse programa era transmitido pela Radio Bandeirantesde São Paulo e pela Radio Guanabara do Rio de Janeiro.

E a carreira do Geraldo começa exatamente com oReinaldo Di Giorgio, que era filho adotivo do RomeuDi Giorgio. A Di Giorgio inclusive foi a primeira apublicar obras do Barrios e arranjos do Geraldo Ribeiro.Foi uma coisa muito brilhante, o Geraldo foi para mimum grande referencial, pois ele cultivava o violão comuma outra linguagem, e hoje eu acho que o violão nãovive de um único estilo, mas vive de tendências, e nóstemos de fazer uma análise disso. E o Geraldo mostravajustamente o lado clássico do violão. E o GeraldoRibeiro na época era uma estrela, isso está comprovado.Ele está injustamente esquecido, mas até por culpa dele,isso inclusive nós já conversamos sobre isso, por todaa nossa amizade.

-Mas por outro lado ele também tem uma facetapopular, inclusive aquele disco do Garoto.Sim, inclusive esse álbum nasceu no Clube do Choroem São Paulo. Mas ele grava justamente aquelasmúsicas que já são tradição, que se tornaram clássicosatravés da tradição, ele não passa para aquele ladomais revolucionário. Mas eu acho que o Geraldo gravoudiscos fantásticos, como o Nazareth e Barrios, o doArmando Neves, Bach na Viola Brasileira e TheodoroNogueira, e esses discos estão infelizmente esquecidospor causa da era do CD.

-Bem, continuando, você citou os recitais Di Giogio.Em 1969 você tocou Barrios. Como é que foi?Esse programa (Recitais Di Giorgio) é um marco dahistória do Violão no Brasil, pois era na rádioBandeirantes, ao vivo, e de muita audiência.Depois o Reinaldo Di Giorgio começou a gravar e passardepois. Em 1970 ele fez um programa chamado Rodado Violão, também ao vivo. Eu toquei as 21 peçasconhecidas do Barrios e o Moto Perpétuo do Paganini,que o Geraldo falava que era a única pessoa do mundoque tocava, aquela coisa de marketing. Mas euconsidero isso até uma irresponsabilidade de minhaparte (risos), pois se eu tivesse prestado atenção noteor da façanha eu não teria tocado (risos). A partir daíeu fui fazer parte da Roda de Violões.

-Agora, em 1973, você participou do Festival deCampos de Jordão, com o Turíbio.Foi o Primeiro Festival de Campos do Jordão, em plenaditadura militar. Mas minha ida começou comoingenuidade. Na época saiu no jornal que “poderia” virao Brasil Guiomar Novaes, Arthur Rubinstein e Andrés

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Segóvia.Eu fiquei louco! Queria conhecer o cara de qualquerjeito. Eu me inscrevi e fui, apesar de que não haviamais vaga, apenas como ouvinte, pois para se inscreverera necessário ter uma indicação, e o Sávio era a melhorpessoa para fazer isso. Eu era aluno do Aymoré, entãonão poderia ter essa credencial por uma série demotivos. Enfim, o professor do Festival, então, era oTuríbio Santos. Eu levei meu “Rei dos Violões” e toqueia Canzonetta de Mendelsohn. Ele falou: Você temcerteza que é aluno ouvinte?E acabou que eu virei bolsista, que me deixou numasituação bem melhor. E foi através desse Festival queeu viajei no programa de expedição Barca da Cultura,do MEC, que foi o primeiro marco da minha vida. Eutoquei em todas as capitais do norte e nordeste. Em1974, aos 20 anos, eu finalmente me formei noConservatório de São Caetano. Depois eu fui pra Tatuí,que já é uma outra história.

-Então fale aí, como é que você foi pra Tatuí?Através do Festival de Campos do Jordão. Após a turnêeu estava desempregado novamente, e uma namoradame falou pra ir ao Conservatório de Tatuí. O diretordesse conservatório, na época, 1976, era também doFestival. Meu plano em Tatuí era estudar composição,mas como já me conheciam de Campos do Jordão,acabaram me pegando para ser professor doConservatório. Eu fiquei de 1976 até 1992. Eu pedidemissão e foi a maior besteira que eu fiz na minhavida, pago o preço até hoje por isso. Bem, em 1977houve o primeiro concurso de Composição em PortoAlegre. Eu participei de 13 concursos e ganhei apenas3, mas que decidiram minha vida. Nesse concurso euapresentei a Valsa Virtuosa a ganhei e aí começa mesmoa carreira de compositor. Ela recebeu até um artigo doMarlos Nobre no jornal Zero Hora. A Valsa Virtuosafoi inclusive muito criticada, por violonistas conhecidoshoje em dia.

-Bem, indo mais para o fim dos anos 70, quandovocê fundou o Trio Brasília?Foi depois do Concurso de Porto Alegre. Em Tatuíexistia o Conjunto Regional Brasília. E a Ivone, umaamiga, tocava nesse conjunto. Ela na época tocavamuito bem. Nós tocávamos ocasionalmente e eucomecei a escrever algumas coisas. Com a participaçãode Inácio do Cavaquinho, nos apresentamos no SESIda Avenida Paulista, então, como Trio Brasília, já que o

Conjunto Regional tinha acabado, apesar de já tergravado alguns discos. Bem, o Julio Lerner noscontratou para tocarmos no programa Noite do Choro,da TV Cultura, durante 4 meses. Depois disso tocamosno programa da Hebe Camargo na TV Bandeirantes,e depois gravamos um LP, em 1978, com músicas doJoão Dias Carrasqueira, e músicas minhas, entre outras.O Trio Brasília acabou por problemas financeiros, masa experiência musical foi muito boa para mim, pelosarranjos e tudo mais.

-Seguindo um pouco mais, fale a respeito do cursode Santiago de Compostela.Bem, isso foi em 1985. Eu já estava em Tatuí, e o ÉdsonLopes me falou desse curso-concurso, que foi fundadopelo Segóvia, e meu desejo em conhece-lo, como jádisse, era bem antigo. Bem, eu era considerado velhopara concursos com 36 anos, mas me inscrevi noconsulado espanhol, viajei para a Espanha, fiquei 6meses, convivi com ciganos e vi Segóvia tocando noseu aniversário de 90 anos. Ele deu uma palestra sobre“Que tipo de professor um aluno deve procurar”. Bem,no final eu tive a honra de tocar para ele, que inclusivedisse que ouviu minha fita e me disse para eu nãoestudar com ninguém e procurar meu próprio caminhodo jeito que eu havia traçado. Mas eu não digo queestudei com ele, na verdade ninguém estudou. Mas sóesse encontro já me valeu a ida a Espanha.

-Quem assiste seus recitisl fica impressionado comsua agilidade, seu virtuosismo, sua técnica. Isso foitrabalhado ou é natural de você?Isso foi trabalhado. O Aymoré também tinha essascaracterísticas, tocava forte, apesar de não ser tão ágil.Apesar de ser aluno do Aymoré, eu não tive apenas elecomo professor, eu também conheci outros violonistas,inclusive o Abel Carlevaro, que me falou pra mudar aforma de tocar, pois antigamente existia uma ortodoxiarelacionada à maneira de tocar, e eu tocava numaposição que não era anatomicamente confortável.Então eu ganhei mais potencia e relaxamento.

-Eu me lembro de dois recitais marcantes, um em1988, na Biblioteca Mario de Andrade e outro noFestival da AABB, no SESC Pompéia, em São Pau-lo. Você sempre estudou muito, né?-Sim, sempre! Até hoje. E a composição e osacompanhamentos também me tomam bastante tempo.

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-Fale agora a respeito de um evento importante quevocê organizou em São Paulo, o Ciclo Banco doBrasil, em 1991.A partir da década de 70, os eventos ficaram cada vezmais escassos. Inclusive não havia abertura nosSeminários de Porto Alegre, ou você tocava o clássicoou então estava fora. Eu resolvi fazer esse eventoporque estava com mais de 20 bons alunos tocando, eachava que era hora deles participarem de um eventoabrangente, que tivesse clássico, popular e outrastendências, sem discriminar.Eu quis fazer isso em uma semana, então levei doisprojetos para o presidente da AABB, um de choro eoutro de violão. Eu pensei que ele ia aprovar o de choro,mas surpreendentemente ele apoiou o de violão. Euentão chamei meus amigos e inimigos, sem problemas,em favor de uma causa maior que é o violão. Falo issocom muita felicidade. Chamei o Henrique Pinto, GiselaNogueira, Paulinho Nogueira, Koellreuter, Heraldo doMonte, Canhoto da Paraíba, que na época estava numaposição financeira ruim, bolei palestras e conferencias.Isso deu frutos e eu acho que eu fui pioneiro, pois nosseminários futuros do SESC, por exemplo, elesintegraram até viola caipira. Em suma, o Ciclo do Violãofoi muito bom, um dos melhores acontecimentos daminha vida.

-Fale de seu disco com Ubiratan de Souza.-Isso foi antes do Ciclo da AABB. Eu ainda não tinhaum disco solo meu, apenas aquele com o Trio Brasília.Em 1986 o Ubiratan de Souza disse que iria mepatrocinar um disco, para ser gravado no EstúdioEldorado. Ele me escreveu um belo concerto para violãoe orquestra, chamado Fragmentos de Quinta Diminuta,uma obra de arte, muito bonito, com a particularidadeque não há compasso de espera. O violão ou estáacompanhando ou está solando. Eu gravei também osPrelúdios Apoteóticos, apenas 4, e não 6, pois não cabiano disco. Quando estava tudo pronto, infelizmente asnegociações não deramcerto com a Gravadora Eldorado, e acabou saindoindependente, infelizmente.Mas acabei recebendo direito autoral depois, e sólamento de não ter sido editado pela GravadoraEldorado, pois ficou um disco muito bom, mas semdivulgação.

-Agora fale sobre seu primeiro CD.Depois do que aconteceu, resolvi gravar meu trabalho

sozinho. Certa vez fui tocar na UMES em umahomenagem ao Canhoto da Paraíba. Foi um sucesso, etodos viram que eu era o único convidado que não tinhagravado um CD solo.Então acabou acontecendo um convite e eu gravei em1998 o CD “De sertões e serestas”. Eu não gostavado título, queria que se chamasse “Sortilégios”, que erao nome de uma música minha, mas o nome escolhidoera um nome com marketing. Bem, o disco vendeu as5 mil cópias e eu já gravei outro CD, chamado“Deitando e Rolando”, que é a tradução de Rock andRoll. Com relação ao primeiro CD eu tive discussões arespeito da qualidade sonora e repertório, mas pretendofazer agora do meu terceiro CD um repertório mais“erudito”, apesar de eu não gostar desse termo, claro.

-Pra encerrar, quais seus planos para o futuro.Eu comecei minha discografia apenas aos 45 anos, maspretendo gravar mais, tocar bastante violão até o fimda minha vida, fazer palestras, e compor bastante. Acoisa que mais gosto é estar no palco tocando. Tenhoainda um plano de um livro chamado “Violão: UmaHistória Brasileira”, que eu só não conclui ainda porestar sem tempo.

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Frank Koonce* Entrevista publicada nas edições no. 42(Jul/Ago 2000) e no.45(Jan/Fev/2001) com o título “Frank Koonce e as obras de Bach, Koshkine Tedesco”por Tiaraju Aronovich

PARTE I (publicada na edição no. 42)

Provavelmente as obras de Bach para alaúdeestão entre as mais transcritas e arranjadas para oviolão. E possível contar com uma dezena de edi-ções e revisões respeitadas gravadas. Ainda assim,o violonista e pesquisador Frank Koonce decideeditar sua própria transcrição dessa obra. Por que? Haveria de fato algo novo ou esquecido que mere-cesse uma nova edição ?

Como seria se tivéssemos hoje registros e grava-ções do próprio Giuliani interpretando suas peças?Ou ainda gravações de Sor, Coste, Carcassi e ou-tros ?

Tendo isso em vista, Frank Koonce decidiu en-caminhar um projeto complicadíssimo: investir epatrocinar pessoalmente gravações do compositorrusso Nikita Koshkin, e, não obstante, organizar eproduzir turnês nos EUA para o compositor.

Esses são alguns dos tópicos que despertarammeu interesse na realização dessa entrevista, e acre-dito que eles sejam do interesse comum de muitosviolonistas, tanto estudantes como concertistas ouprofessores .

Apos concluir seu mestrado em violão comsumma cum laude, Koonce mudou-se para a Itália,onde estudou com grandes mestres do instrumentoincluindo Alirio Diaz e Pepe Romero. Além de de-senvolver intensa carreira como concertista nos Es-tados Unidos da América, Macedônia, Coréia eCosta Rica, Koonce dedicou-se à pesquisa e didá-tica, escrevendo diversos artigos em revistasespecializadas, publicando a mais utilizada trans-crição de Bach nos EUA , e realizando a primeiragravação em Inglês da obra “Platero y yo” deMario Castelnuovo-Tedesco.

TIARAJU ARONOVICH : Como foi o início da

conexão e desenvolvimento do projeto com NikitaKoshkin ?FRAK KOONCE : Mais de dez anos passaramdesde que tentei falar com Nikita Koshkin pela pri-meira vez, tentando trazê-lo para o festival GFA em1987. Ele nunca respondeu minha carta. Durante essetempo, eu tive a grande experiência de gravar a apre-sentar em concertos o “Platero e eu” de Tedescojunto a um contador de estórias profissional. Eugostei tanto desse trabalho que pensei “não seriaótimo estrear outra obra nesse gênero ?”. O primei-ro passo seria encontrar o material correto. Come-cei a olhar livros de contos populares e folclóricosde vários países até encontrar uma estória russa cha-mada “Sadko”, que reconheci como tendo já sidousada numa ópera de Rimsky-Korsakov. A estória eabsolutamente deliciosa e extremamente musical. Es-sencialmente fala sobre um garotinho pobre que mo-rava próximo ao mar, e tocava o goosli ( instrumen-to de cordas ). Um dia, o “Tzar do mar” o convidapara tocar no fundo do oceano. Quando o meninotoca, o Tzar começa a dançar criando ondas enor-mes que tragam todos os navios. – Eu pensei, “Puxa,que imaginário maravilhoso! Essa e a estória!”. Equem melhor para escrever a música do queKoshkin, um mestre da música programática e damúsica russa folclórica?Então escrevi uma carta ao Nikita – de novo – edesta vez ele respondeu. Ele se lembrou da minhacarta de dez anos antes e se desculpou por não tê-larespondido, mas também explicou que não era fácilpara os russos responderem muita correspondênciainternacional.Ele não estava muito empolgado com a idéia de es-crever “Sadko”. Ele me disse: “Bem, você sabe, issojá foi feito antes, por esse compositor água-com-açú-car Rimsky-Korsakov.” – Logo, excluindo-se de ime-diato.

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Ele me contou mais tarde que tinha a certeza de quejamais ouviria meu nome ou minha voz novamente,mas eu não desisto tão fácil. Eu escrevi novamente,sugerindo que ele escrevesse uma obra baseada nessaestória , porém ainda melhor do que a versão deKorsakov. Eu disse que ele poderia vir aos EstadosUnidos e que nós poderíamos trabalhar juntos; euorganizaria uma turnê para ele e seria divertido tra-balhar em parceria. Ele não respondeu a essa segun-da carta, então eu comecei a usar “minhas armas” .Eu possuía outras maneiras de lembrá-lo que eu ain-da estava interessado. Nosso amigo comum ChrisKilvington falou com ele em meu nome, assim comoPaul Fowles e alguns outros. Então, um dia eu des-cobri que um amigo meu, Enric Madriguera, haviaconvidado Nikita para uma pequena turnê no Texase que sobrariam dois ou três dias livres para eventu-ais convites. Eu aproveitei a oportunidade para tra-zer Koshkin para Phoenix ( Arizona ). Mais tarde,após termos nos tornado bons amigos, ele me con-fessou que ao descobrir que eu era o patrocinadordo concerto no Arizona, pensou “Oh, Meu Deus!Ele me pegou!!”. Quando nos encontramos no aero-porto, estávamos ambos meio que aterrorizados como outro, mas isso passou logo. Rapidamente nos es-távamos falando confortavelmente sobre música, eem pouco tempo “Sadko” já era um trato feito.Também nessa época, contei ao Nikita que eu eraum dos donos de um pequeno selo de gravação emPhoenix, chamado Soundset Recordings. Para a mi-nha surpresa, ele ainda não possuía uma gravaçãoprofissional, e foi muito receptivo à idéia de voltaraos Estados Unidos no ano seguinte e gravarconosco. Eu me encarreguei de organizar uma turnêpara cobrir os gastos da viagem, e então fizemos agravação.

- Puxa, 41 anos de idade, e ainda sem possuir umagravação profissional. Por quê?Ele foi impedido de deixar a União Soviética pormuitos anos, e tudo está relacionado a isso. Umavez houve uma oportunidade de uma gravação naRepública Checa, acredito. Porém, haviam tantascomplicações envolvidas que isso nunca aconteceu.

- Quando você acha que “Sadko” vai aparecer ?Em breve, eu espero. Ele está tendo tantas oportuni-dade de tocar em concertos e lecionar ao redor domundo que seu trabalho de composição está um pou-

co de lado. Porem ele já desenvolveu alguns temas,e acredito que talvez em um ano ele tenha esse tra-balho pronto.

- E quanto ao poema ?Koshkin entrou em contato com uma “contadora deestórias” russa, e acertou que ela escreveria o texto.então, é claro, ele irá trabalhar esse texto para queas necessidades musicais sejam atendidas. Nesseponto ele ainda não decidiu se a estória vai ser ape-nas a fonte de inspiração para a obra (como ele jáfez com “Os brinquedos do Príncipe”), sem que otexto seja falado, ou se a obra será como “Platero eeu” ou “Pedro e o Lobo” : uma narração .Nós dois concordamos que a composição deve sesustentar musicalmente por si mesma, sem depen-der do texto que será narrado se necessário. Lem-bre-se que “Pedro e o Lobo” é apresentado tantocom ou sem a narração, assim como “L’Historie duSoldat” de Stravinsky. Isso da mais flexibilidade aotexto de ser tanto impresso no programa ou narradosobre a música. Nós também estamos considerandoa possibilidade de que seja um trabalho para grupode câmara, no lugar de uma obra para violão solo.Acho que isso ajudaria a levar Koshkin a estabele-cimentos musicais além do circulo violonístico.

- Você me disse que ele possui um talento especialpara melodias e desenvolvimento temático...Sim, e ele também escreve em estruturas clássicas.Sua música é sempre muito bem organizada. Porexemplo, ele escreve estudos, temas com variações,peças na forma Sonata Clássica e por aí vai. Emoutras palavras, ele é muito preparado nos princípi-os tradicionais, mas ele certamente expandiu o vo-cabulário técnico e tonal do violão. Acredito que eleestá carregando a tradição russa – sua música é exó-tica, freqüentemente programática, e num grandecontexto musical, muito próxima em linguagem dasveias de Shostakovich e Prokofiev.

- Levou um tempo enorme para que Koshkin re-cebesse o reconhecimento internacional que me-recia, não ?Ele precisou atravessar muitos obstáculos político-sociais : o isolamento do Oeste devido à “GuerraFria”, seguidos pela quebra e crise da União Sovié-tica e a transição russa para o mercado econômico.

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Agora, porém, ele está começando a ganhar o reco-nhecimento que merece.

- E agora ? Quais os planos ?Nós temos o projeto do segundo CD, que já foi gra-vado e deverá ser lançado no segundo semestre de2000. Possui algumas obras que mostram o sensode humor e de paródia de Koshkin, incluindo umanova suíte intitulada “As baladas”, que possui umsabor americano mesclando elementos de música tra-dicional e popular. Há ainda “Três Estações numaEstrada” ( publicada erroneamente como “Três Pa-radas numa Estrada” ), “Desfile” ( com influênciasde jazz e blues ) e a “suíte Elfos”.Novamente Nikita será o solista, porém há tambémalguma música de câmara. Eu participo da gravaçãode “Suíte Cambridge” e “Três peças para dois vio-lões” e o violonista francês Judicael Perroy partici-pa no final em um pequeno trio chamado “Vamostocar juntos”. Essa peça resume o humor de toda agravação.Espero continuar tocando em duo com Nikita, mastambém estou trabalhando na minha própria grava-ção de outras obras suas. Também gostaria de orga-nizar uma orquestra de violões sob a regência deKoshkin em algum evento especial como o GFA, erealizar uma gravação ao vivo.Acredito que possuo um espírito de trabalho mes-clando tanto o lado do artista como o lado do“businessman” . Tem a ver com criatividade…vocêpode trabalhar com isso sem o intuito de enriquecer.Saltar no negócio de gravações de violão clássiconão foi a maior aventura financeira que eu poderiater pego, mas abriu a porta para oportunidades artís-ticas que jamais seriam disponíveis de outra forma.Muitos anos atrás, eu jamais poderia imaginar queisso encabeçaria minha colaboração com Koshkin.Quem sabe o que está me esperando na próximaesquina ? Vou seguindo a estrada, mas sempre man-tendo os olhos abertos.

PARTE II (publicada na edição no. 45)

A PREMIÈRE MUNDIAL DA GRAVAÇÃO EMINGLÊS DE “PLATERO Y YO”, DETEDESCO.

O poeta espanhol Juan Ramon Jimenez (1881-1958), prêmio Nobel de Literatura em 1956, redi-

giu, em 1913, uma de suas mais significativas obras-primas: Platero y Yo - um poema episódico, queconta, em dezenas de capítulos, a estória e aventu-ras de um burrico ( Platero) e seu dono ( o próprioJimenez ). Possuindo o subtítulo de “Uma ElegiaAndaluza”, o livro retrata os pensamentos e senti-mentos mais profundos do poeta em relação a vidadiária na pequena vila espanhola “Moguer”. Essaobra encantou (e ainda encanta!) gerações em to-dos os continentes, e entre seus leitores mais ávi-dos, figurou Mario Castelnuovo-Tedesco. Em 1960,o compositor italiano (tão familiar aos violonistas),selecionou 28 capítulos do poema, e compôs 28peças para violão que deveriam ser executadas si-multaneamente à narração dos episódios. Poucotempo depois, Segovia gravou dez movimentos, sem,contudo, contar com a presença de um narrador.Apesar de constituir uma das jóias do repertóriooriginal para violão, esse ciclo de peças foi quaseque relegado ao esquecimento pela maioria dos vi-olonistas - talvez por demandar um certo trabalhode adaptação e alterações sutis, visto que Tedesco,não sendo ele próprio um violonista, escrevia al-gumas vezes trechos impossíveis de serem realiza-dos no instrumento. Foi então que, nos anos 90, oviolonista norte-americano Frank Koonce decidiugravar “Platero y Yo” não apenas ao violão, masda maneira escrita por Tedesco: com a narração

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(contando com a ajuda de Don Doyle, famoso con-tador de estórias nos EUA). Frente a esse fato, jun-to com a “conexão” Koshkin (parte I) e as famosase “quase-definitivas” transcrições de Bach, resol-vi entrevistar Koonce, acreditando que muitos vio-lonistas gostariam de saber mais detalhes.

- Tiaraju Aronovich: Você não gravou a obra“Platero y yo” completa. Por quê? Gostaria de sa-ber também qual o critério utilizado para selecio-nar os episódios gravados.Frank Koonce: A principal consideração foi o fatode que, para gravar as 28 peças que constituem aobra toda, seriam necessários dois CDs. Gravar ape-nas um já foi caro o bastante… dois teriam custadomuito mais! Especialmente naquele momento. Eutambém precisei assumir que ainda não havia esta-belecido minha reputação como “recording artist”…aliado a isso, também sabia que a obra não era mui-to conhecida da público norte-americano. Tive medode que se as pessoas tivessem que pagar mais porum CD duplo, muitas não o fariam. Procurei esco-lher os movimentos que captassem a essência da obrae que pudessem conduzir o ouvinte por uma varie-dade de emoções antes do fim. Também escolhi aque-les que considero essenciais para o desenvolvimen-to e desenlace da estória. Alguns dentre os outrosmovimentos são puramente episódicos, e não tãointegrais ao contexto.

- Segovia gravou alguns dos movimentos de“Platero y Yo” sem a narração, provando que aspeças podem ser tranqüilamente executadas comoobras solo…mesmo sem a narração, elas soam ex-celentes. Porém, a maioria dos violonistas não tocaou sequer conhece esse ciclo. Por quê?Castelnuovo-Tedesco não era um violonista, e em-bora possuísse uma ótima idéia das capacidades doinstrumento, não conhecia algumas de suas limita-ções inerentes. Todos os movimentos precisam al-guma adaptação para “funcionar” no violão. Eu pre-cisei fazer coisas como mudar oitavas, alterar sutil-mente alguns acordes ou omitir algumas notas parafazer a obra executável. Isso pode ser um desafio,especialmente ao se tentar preservar todas as inten-ções originais do compositor. Não é algo que possaser feito sem uma imensa reflexão. Quanto aoSegovia, sem dúvida ele escolheu os movimentosque melhor soavam como solos.

- Raramente temos a oportunidade (se tivermos!!)de achar uma performance dessa combinação nãousual : violão e narrador. Como o público tem re-agido às suas apresentações? Como tem sido a ex-periência de tocar essa obra em concertos?A reação do público tem sido extremamente positi-va! O paradoxo para a audiência é que, inicialmentePlatero y Yo parece ser uma estória infantil, então,antes que eles percebam o que está acontecendo, aobra se transforma numa metáfora para a vida e paraalguns dos sentimentos mais profundos que algunsjá experimentaram. Como o próprio poeta disse, “éum livro onde a alegria e a tristeza são gêmeas, comoas orelhas de Platero”. Talvez a estória seja muitodoce ou sentimental para alguém, mas acredito quea maioria dos ouvintes se permite “embarcar” nosepisódios. Muitos artigos em jornais e revistas ates-taram que “não havia um olho seco na audiência”. Esem dúvida uma pequena obra-prima ainda poucoconhecida.

- De fato…muito pouco conhecida! Como foi oprocesso de redescobri-la?Ouvi pela primeira vez algumas das peças com anarração nos anos 70, quando eu era um estudantena North Carolina School of the Arts. Meu professor,Jesus Silva, violonista e poeta, conheciapessoalmente o Tedesco, e encorajava muitos demeus colegas a tocar alguns movimentos do Platerocomo parte de seus recitais. Eu nunca esquecereicomo aquele concerto me abalou. Fiqueiprofundamente emocionado pela estória eimpressionado pela maneira como música e poesiafluíam juntas. Mesmo já tendo escutado o Segoviasem a narração, somente quando escutei as palavrasdeclamadas percebi a verdadeira genialidade daobra. É incrível como Tedesco capturou o imagináriodo texto. Eu não conheço nenhuma outra composiçãocom narração que seja tão inspirada musicalmente.Mesmo obras como “Pedro e o Lobo” e “A Estóriado Soldado” são construídas sobre temas e motivosmusicais recorrentes, que voltam para identificarpersonagens ou assuntos. Já o Platero move-selivremente entre diferentes melodias, sonoridades,tempos e humores para capturar a essência de cadamomento. Quando o canário voa no texto, a músicavoa junto, quando Platero trota, a música trotatambém, e daí por diante. A coloratura e o imagináriomusicais são surpreendentes - e, imagine! Tudo isso

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através de um violão, e não de uma orquestra.

- Fale sobre as maiores dificuldades enfrentadasna gravação do violão em conjunto com a narra-ção.A maioria das dificuldades tem relação com a tradu-ção do Espanhol para o Inglês, e então sua coorde-nação com a música. Já apresentei essa obra muitasvezes tanto em Espanhol como em Inglês. Escolhigravar em Inglês simplesmente pelas oportunidadesque eu teria de apresentar-me nos Estados Unidos,porém, acredito que apenas o texto original em es-panhol preserva os elementos poéticos de JuanRamon Jimenez. Leve em conta, por exemplo, a belaaliteração da frase em espanhol comparada com afrase em inglês (muito menos musical): “…laoropendola charla, de chaparro en chaparro”. EmInglês “…the oriole chatters, from evergreen toevergreen”. Existem provavelmente aspectos de ain-da mais controvérsia no que diz respeito à traduçãode uma língua para a outra do que os que existemreferentes à transcrição musical de um instrumentopara o outro. Comparei diversas edições do textoem Inglês… todos são diferentes. Considere a frase:“...Tiene’asero…Tiene acero”. Que significa literal-mente “…He holds steel…he holds steel” (ele temaço, ele tem aço). Como essa expressão não se tra-duz bem em inglês, um dos tradutores criou umaadaptação, com certa licença poética: “…He’s likesteel, they say…he’s like steel” (ele é como o aço,eles dizem…ele é como o aço). Repare, porém, queJimenez altera a maneira de escrever as palavras econecta as duas primeiras para expressar o dialetoda Andaluzia, e, na repetição, escreve da maneiraconvencional. Isso se perde na tradução…Algumasversões do texto são mais literais que outras, po-rém, perdem a fluência do original. Outras tradu-ções partem de um princípio mais subjetivo parapreservar a musicalidade da prosa original, essasporém, contem certas liberdades poéticas. Essa si-tuação, como você pode imaginar, fica ainda maisconfusa quando se considera o timing das palavrascom a música!

- Você tem planos futuros ligados a esse trabalho?Estou considerando grava-lo novamente, porém,dessa vez a obra completa e em Espanhol, talvezjunto com um livro ou em DVD. Vejamos o que atecnologia nos traz de novidade em um ou dois anos.

Além disso, gostei tanto da experiência de tocar comuma narração que gostaria de trabalhar uma outraobra do gênero. Depois de procurar por bastante tem-po, encontrei a estória do folclore russo “Sadko”, eencomendei a música ao Nikita Koshkin, como jácontei na primeira parte dessa entrevista…logo, te-nho muita coisa para me manter ocupado!

Tiaraju Aronovich, 20 anos, estudou com FrankKoonce e atualmente cursa o terceiro semestre doBacharelado em violão em Los Angeles (EUA)

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-Onde o sr. nasceu?Eu nasci numa fazendo no município de Mundo Novo,Estado da Bahia em 1939 no dia 17 de junho.

-Como foi seu primeiro contato com o instrumento?-Foi na Bahia mesmo. Eu tinha por volta de 7 a 8 anos,quando ouvi um violonista do interior chamado ChicoMisericórdia. Isso me deu inspiração, me despertou ointeresse. Mas eu comecei a estudar mesmo quandocheguei em São Paulo. Viemos primeiramente a Assis,no interior do Estado, ondeestudei em 1952 com o maestro de banda AugustoMathias, que me orientou bastante, pois antigamentevocê tinha que estudar primeiramente música, edepois o instrumento.Estudei com ele os métodos de Matteo Carcassi, opus59 e 60. Eu já tocava um pouco pelo método do AméricoJacomino, Canhoto, que foi um dos primeiros que euouvi em disco. Antes dele eu já tinha ouvido o MozartBicalho tocando o choro Peba. Eu tive inclusive afelicidade de conhece-lo em Belo Horizonte. Inclusiveeu perguntei o porque do nome Peba, e ele me disseque era o nome de seu achorro! (risos). Ele foi umgrande mineiro, uma grande pessoa.

-Por falar nisso, o sr. conheceu as gravações doRogério Guimarães?Sim! Eu me lembro de suas apresentações ao vivo dasrádios do Rio de Janeiro, foi um grande iolonista. Eletambém tocava canhoto, com a mão esquerda, e oArmandinho (Armando Neves) me disse que o maiorouvido musical que ele conheceu em sua vida foi oRogério Guimarães. Ele era diretor de uma gravadoraem São Paulo onde o Francisco Mignone tambémtrabalhava.

-Desses violonistas do passado, que eu acho im-portantíssimo as novas gerações conhecerem, euvou citar alguns e você poderia me falar algo?Vamos começar pelo Glauco Vianna

Não conheci, apenas como acompanhador do MozartBicalho. Ele era um bom acompanhador daquela época.

-José Augusto de Freitas e Antonio Giacomino?Não conheci pessoalmente, apenas de nome. OGiacomino tem umas composições muito interessantes.Eu toquei dele o “Bate o Pé”, uma valsa chamada“Alma de Boêmio” e aqui em São Paulo a homenagema Agustín Barrios chamada “Recordação de AgustínBarrios” e outras coisas muito bem feitas. Eu tenhouma verdadeira paixão por esses músicos populares,todos eles. Eu ouvi dizer que ele era primo do Canhoto,talvez o Luis Américo Jacomino (filho do Canhoto) nãosaiba disso porque ele era muito criança quando seupai morreu.

-O Levino Albano da Conceição, o sr. conheceu?-Quando ele faleceu eu era muito criança, não tive essaoportunidade.

-E o Henrique Brito?-Eu ouvi falar, mas também não o conheci.

-E o Dilermando Reis?-Eu o conheci no Rio. Em 1956 eu havia dado meuprimeiro recital em São Paulo. Eu fui passar umatemporada no Rio com minha mãe, e fui até a Guitarrade Prata (famosa casa de instrumentos musicais dacidade), e o vendedor me apresentou o Dilermando,que estava lá. Ele me disse que seria bom eu ficar noRio de Janeiro, que se eu precisasse ele me ajudaria,foi uma pessoa muito boa, muito séria. Infelizmente eunão o assisti ao vivo, apenas pela rádio. Ele tocavamuito bonito, as gravações não dão idéia do que ele erarealmente, uma limpeza, perfeição e muita brasilidade,que ninguém fez igual, apenas o Canhoto.

-E o José Lansac, o sr. conheceu?-Muito! Ele até me deu algumas instruções sobre

Geraldo Ribeiro* Entrevista publicada na versão on line do Violão Intercâmbio, ediçãono. 08por Gilson Antunes

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flamenco, me dedicou uma solear que até hoje eu devoter em casa. Ele não era muito de tocar em público,era muito nervoso, tocava apenas em reuniões deamigos. Tem aquela historia de que ele foi dar um recitalem São João da Boa Vista, e no final do concerto veioum cidadão cabeludo sorrindo pra ele, dizendo emespanhol que queria parabenizá-lo, e era ninguém menosque o próprio Agustín Barrios! (risos).

-E quando o sr. estava começando a tocar, quem osr. acha que era o principal daquela época?-Meu ídolo era o Dilermando Reis. Seus discos de 78rotações são excelentes e suas apresentações no rádioeram muito boas. Ele ao vivo era um colosso!Meu maior ídolo sempre foi o Canhoto, mas oDilermando era fora de série. E tinha também o Garoto,que eu conhecia também através das gravações e daRádio Nacional. Ele tocava sempre uma hora porsemana na Rádio. Era um gênio, fantástico, já integradono jazz. Eu considero duas fases do Garoto, a primeira,do choro, em que ele tocava violão tenor, e a segundafase em que ele foi para os Estados Unidos e incorporouo jazz.

-E como entra o Oscar Magalhães Guerra, seu pri-meiro grande professor?Eu saí de Assis em busca de um lugar para aprimorarmeus estudos de música.Fomos parar em Mairinque, próximo a São Roque.Fiquei lá uma temporada e conheci um senhor chamadoÂngelo Paschoal, que me apresentou a uns búlgaros,que me viram tocar. Eles escreveram uma carta meapresentando a rádio Gazeta. Eu arranjei um terno, fuicom algumas composições minhas (alguns choros emclave de fá), e me apresentaram o maestro TheodoroNogueira, o maestro José Portaro e o pianista OrestesFarinello. Eu toquei para eles, que me escreveram umacarta para eu estudar com o Guerra. E o TheodoroNogueira se prontificou também a me dar aulas. Foiassim que começou.

-Fale a respeito do disco Nazareth e Barrios, queeu considero o melhor disco de violão lançado noBrasil até aquela época.Eu tenho uma crítica da época que o coloca entre os10 melhores discos lançados até aquela época. Aescolha do repertório foi minha mesmo. Foi o primeirodisco com músicas de Barrios, lançado 14 anos após asua morte.

Isso que divulgou mesmo a sua obra. Eu fui fazerpesquisas na casa do Theodoro Nogueira, que mepassou as partituras do Nazareth, e eu achei queficavam bem junto com o Barrios.

-O disco seguinte foi o Violão em Noite de Gala.Ele não foi gravado ao vivo, foi?Foi, no Teatro Municipal de São Paulo, mas está muitomal gravado, com aparelhagem antiga. Foi o concertomais importante que eu dei até aquela época.Foi o Di Giorgio que agendou. Super lotou o teatro,muitas pessoas não puderam entrar. Estava oDilermando Reis e vários outros artistas de São Paulo.Ele foi para me ver tocar o Moto Perpétuo, que eu fuio primeiro a tocar. Estavam também o Sávio, Bernardinie muito mais gente.

-Eu percebi que há muitas transcrições nesse dis-co. Foi idéia sua?Eu adoro transcrever, desde que sejam fieis e soembem.

-E qual foi o próximo disco?As Brasilianas de Theodoro Nogueira em 1966, anoem que eu fui a Brasília.O Nogueira tinha composto a Brasilianas 1 e 2, que eujá tocava. Aí ele fez mais 4. Eu já tocava o Ponteio,que foi a primeira peça que ele transcreveu pra mim,pois ele me testou em sua casa, e eu já lia música nassete claves.Ele me deu o Ponteio e eu toquei na partitura de piano.Ele ficou impressionado e transcreveu no mesmo diapara violão. E o Canto Caipira também era original parapiano, houve depois também uma transcrição paraorquestra. Ele foi um grande homem, sem dúvida aindaterá seu devido reconhecimento.

-E como o sr. foi parar em Brasília?Eu estava sem emprego em São Paulo, semprepassando dificuldades, dando aulas particulares, até quesurgiu o negócio de Brasília. Aí entra novamente oTheodoro Nogueira. O diretor do Departamento deMúsica da Universidade de Brasília estava precisandode professor de violão. O Nogueira me indicou, eu fizteste e passei. Pode escrever aí que eu fui o primeiro adar aula em universidade no Brasil, eu é que inaugurei,fui o pioneiro. Fiquei quase dez anos, até 1976. Umadas coisas boas foi que o grande compositor CláudioSantoro me viu tocar e compos para mim o seu Estudo

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n.1. Por falar nisso, também tenho um agradecimentoao maestro Souza Lima, que me fez uma linda peça, oCortejo, que também está editada. Eu saí de Brasiliaporque achava muito parado, eu queria desenvolverminha carreira. Acabou que vim parar aqui em Tatuí,que é mais parado ainda (risos).

-Depois do disco das Brasilianas o que veio?Em 1971 gravei os Improvisos e o Concertino deTheodoro Nogueira. Em 1972 gravei o Bach na ViolaBrasileira. Eu gravei no mesmo dia os discos deArmandinho e o da Viola Brasileira. Comecei as duasda tarde e terminei às sete da noite. Eu ia preparado,acho que se a pessoa não estiver preparada nemcompensa ir ao estúdio gravar.

-E como foi sua ida aos Estados Unidos?Eu queria gravar na RCA Victor. Foi em 1981. A minhaintenção em Nova York era essa. Mas eu tive problemascom minha casa aqui e tive que voltar.Eu fui pra lá três vezes. A primeira para passear, asegunda para tocar em Washington e a terceira pragravar.

-E como é que entra o Conservatório de Tatuí?-Em 1982 o José Coelho de Almeida, antigo diretor doconservatório, me telefonou perguntando se eu gostariade dar aulas lá. Eu estava parado e fui. Estou há 21anos dando aulas no conservatório.

-Voltando um pouco, como foi o contato com oArmandinho? O sr. também resgatou a obra dele,né?Sim. Antes de eu escrever já havia alguma coisa escritapelo Scupinari, Paulo Barreiros, Vital Medeiros, maseu escrevi mais de 80 peças dele, o grosso de seurepertório. O Romeu Di Giorgio é que me apresentouao Armandinho. Eu sempre ia tocar na casa de umdentista, o dr. Sales Navarro, que me deu um violão depresente. E o Armandinho foi lá pra me ver tocar, apedido do Di Giorgio. Aí começou a nossa amizade. Euia a sua casa, levava papel e lápis, ele ia lembrandoumas peças e eu ia escrevendo. Ele gravou algunsdiscos não comerciais, em acetato, que me mostrou. Eele também conheceu o Barrios num almoço, na casado João Avelino de Camargo, onde Barrios sempre ia.Ele aconselhou o Armandinho a estudar música.

-E como foi a idéia de resgatar Garoto?

Eu queria gravar todos os compositores populares, aidéia era essa. Garoto eu conhecia através do programada Radio Nacional que começava ao meio-dia.Ele começava com as cordas soltas do violão e tocavaum fragmento da peça a Voz do Violão, que FranciscoAlves gravou, inclusive o programa era dele. Quandoo Chico Alves morreu colocaram o Garoto que tocavaa mesma música que o Francisco Alves abria oprograma. A música moderna, tipo jazzística, eu tomeiconhecimento através do Garoto. Eu tirei todas asmúsicas de ouvido, inclusive o Ronoel Simões meajudou, eu ficava lá na casa dele ouvindo os discos.

-E depois desse disco, o sr. gravou mais algum?Não, foi o ultimo.

-E atualmente, o Sr. faz o que?Eu dou aulas há 22 anos em Tatuí. Com relação arecitais, aparecem poucos. Antigamente as pessoas iammais aos concertos, hoje em dia a situação piorou muito,talvez por causa da televisão. As pessoas não têm maiso costume de assistir a recitais.

-E com relação à viola caipira, o sr. gravou nesseinstrumento por influencia do Theodoro Nogueira?Foi. Um dia eu fui a sua casa e ele me mostrou oinstrumento, inclusive ele me deu a viola. O efeito eraexcelente, então resolvi gravar, com transcrições delemesmo.

-Dos anos 60, quais violonistas o Sr. mais admirava?-O Turíbio Santos e o Barbosa Lima. Eu admirava muitotambém o Duo Abreu, era um duo fantástico.Atualmente há muitos bons violonistas. Mas eu achoque o violão ficou muito igual, estereotipado. O que umtoca, o outro também toca. Falta personalidade artística.Certas escolas acabam te prendendo um pouco. Opopular é muito bom pra soltar isso.

-Qual recado o Sr. daria as novas gerações?-Eu não sei se as pessoas estudam violão porque gostamou por obrigação. Em primeiro lugar, a pessoa deveamar o instrumento, se doar a ele. O violão deve seralgo que você não possa passar sem ele. O violão émeu lar, minha paixão. Agora, não sei se as pessoassão assim. Eu vejo muita preocupação com o ladotécnico, com a igualdade, muita concorrência, e a artepra mim acho que é um pouco diferente disso.

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Géris Lopes* Entrevista publicada na versão on line do Violão Intercâmbio,edição no. 01 - Abr/Mai 2002 com o título “Géris Lopes viaja emmarço para fazer palestras sobre festivais de violão no mundo”por Teresinha Prada

Com as malas prontas para mais uma viagem aoexterior, o nosso correspondente do Sul, GérisLopes, um dos responsáveis pelos seminários econcurso de Caxias do Sul, se destaca agora comopalestrante sobre eventos que envolvem o violãono mundo. Acompanhe a entrevista que ele concedeue os esclarecimentos sobre essas interessantespalestras que irá proferir.

(Teresinha Prada) - Géris, há quanto tempo vocêse dedica a colecionar dados sobre o violão, os fes-tivais, as atividades no Brasil e mundiais?(Géris Lopes) Praticamente desde que começouminha curiosidade em saber o que estavaacontecendo com o violão no Brasil e no mundo.Uma curiosidade foi que descobri primeiro oseventos fora do Brasil para depois ficar sabendo dosfamosos Seminários que aconteciam em Porto Alegrenos anos 70. O primeiro folder que eu recebi foi naverdade de um concurso internacional de violão queacontecia em Puerto Rico, foi o máximo receberaquele material e descobrir as obras que eramsolicitadas, o nome dos jurados, a premiação... eraum novo mundo para mim!! ...

- Você já tem um acervo montado?Tenho, guardo tudo que recebo, os repetidos acaboenviando aos amigos e agora usarei em minhasfuturas participações, que eu espero que surjam cadavez mais!!

- Que tipo de material você colecionou ao longodeste tempo?Basicamente tudo relacionado com o violão, asrevistas e os folders dos festivais, seminários econcursos, cartas, endereços, contatos... ... Aprimeira revista que recebi foi a Les Cahiers de laGuitare!

- Que país em especial você percebeu mais even-tos de violão?Na Europa em geral, alguns países oferecem váriosfestivais de violão. Poderia arriscar a França, a Itá-lia e a Alemanha, não esquecendo os países do lesteeuropeu. Você pode montar uma agenda mensal evocê terá festivais para ir durante todos os meses doano, seria muito bom, não seria??

- Para que lugares você irá em breve comopalestrante sobre os festivais?Agora em março, estarei participando do II FestivalInternacional de Guitarra Ramón Roteta, de Irún, naEspanha. Em abril, estarei no III Festival Internaci-onal de Guitare de Lausanne, na Suíça. Em marçode 2003, já confirmei presença no XV Festival In-ternacional de Guitarra de Lima, no Peru, organiza-do pelo ICPNA. (Instituto Cultural Peruano Norte-Americano). Tenho convite para ir ao Festival deBrno, na República Checa em 2003, e outros convi-tes estão surgindo, mas é prematuro ainda. Pensoem me dedicar integralmente a essa atividade futu-ramente, visto que, utilizo as férias do meu trabalhopara ir a esses eventos!!

- Como aconteceu este convite para participar des-tes festivais?Eu precisava divulgar esse material que eu colecio-no desde muitos anos e, uma palestra ou conferên-cia, como queiram, caiu como uma luva. Essa idéiaestava amadurecendo em minha cabeça, mas surgiude uma conversa minha com o Carles Pons, daEspanha, que esteve no meu Festival aqui de Caxiasdo Sul e, que acreditou em meu trabalho e me con-vidou então para oferecer essa palestra no Festivalde Violão de Irún, agora em março.

- Resumidamente, o que você irá relatar nas pa-lestras?

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Vou falar, mostrar os folders e passar os elementosde como conseguir as informações sobre os festi-vais, onde buscar estas informações, a importânciade se estar informado a esse tema para quem preten-de seguir uma carreira internacional, enfim, a im-portância de saber o que está acontecendo no mun-do com o violão participando de um festival.

- Bem, Geris, fique à vontade para falar mais oque você achar importante, pois é muito bom teconvidarem para estes festivais, e acho que vocêestá colhendo os bons frutos do que sempre plan-tou com dedicação.Para mim está sendo fantástico e um reconhecimen-to ao meu trabalho de pesquisa e interesse, na ver-dade sou muito curioso mesmo e sempre quis serum profissional, mas nunca pude até hoje e a minhaaproximação a estes festivais em visitas e na organi-zação me fez sentir mais próximo e ser quase umprofissional!

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Giacomo Bartoloni* Entrevista publicada na edição no. 17 - Mai/Jun 1996

Natural e São Paulo – SPIdade: 39 anosAtividades: Concertista, professo de Violão naUNESP

- Qual sua formação?Bem, eu comecei a estudar – segundo meus pais, quesão italianos – com 9 anos e um pouco “velho”, poiseles não tinham dinheiro para pagar estudo de Música.Eu movara na Mooca e lá havia um professor de violão,que era o Henrique Pinto e comecei a estudar com ele.Na minhas casa havia aquela ligação muito forte coma Música, de formação cultural mesmo. Então meuirmão escolheu piano e eu, violão. E o meu pai torcendopra ninguém escolher fagote, violino... porque não iater condições. E depois que meu pai faleceu eu atédescobri que ele tinha mesmo uma queda pelo violão.Mas, em 1970 o Henrique foi para a Fundação dasArtes de São Caetano do Sul (SP) e lá eu ingressei efoi muito importante porque conheci a Marília Pini, JoséEduardo Gramani, Moacir Del Picchia. Eu sou daprimeira turma da Fundação e grande parte do currículoatual de Música nas escolas se deve a este períodoinicial da Fundação. Eu passava praticamente o dia todolá, estudando, fazendo música de câmara e tambémmeu trabalho de composição provém desta época, datroca de idéias com colegas. Depois, o Henrique foipara Porto Alegre e lá ele conheceu Carlevaro. Eutambém fui em seguida e conheci o Santórsola, quetrouxemos para São Paulo, em 1974 – o Zárate,aGraciela Pompônio, o Girolet e outros.

- E sobre suas composições?Eu não me considero um compositor porque acho quedeve haver uma regularidade de produção mais oumenos considerável. Fiz algumas coisas como:“Elíptica”; “Ditirambo”, que ganhou o 1.o Prêmio em1979 no III Concurso Internacional “Isaías Sávio” dePorto Alegre; 3 Estudos; duas ou três peças didáticas.O tango “Martes”; a “Fantasia Del Tambor” para oisviolões, etc, e a mais recente, para violão e violino, “SeteRituais”, que é de vanguarda. Também já escrevi para

percussão, para 4 flautas transversais e outras que sãomuito antigas. Agora, eu devo editar em breve pelaEditora Data Music, deCuritiba, o meu livro “HarmoniaAplicada ao Violão”, que é um trabalho com obrasanalisadas e exemlos musicais com comentários.

- E sobre gravação? Tenho o disco do “Violão Câmara Trio” e o recente“Duo Franco-Brésilien” que fiz na França. Quandoconheci o Frederi Bernard (que veio estudar músicabrasileira para violão na UNESP), começamos a tocarem duo em São Paulo (capital e interior) e na França(região de Champagne), inclusive por dois anosconsecutivos (1994 e 1995) estive tocando lá eaconteceu que nesta última vez o Frederic me disseque estava com um produtora (Mondial Guitarre) e quehavia interesse em gravar um CD nosso. Eu concordeicontanto que houvesse música brasileira também. Emoutubro gravamos o CD, que traz Sor –“Encouragement” op. 34; Carulli – “Serenade” op. 96nº 1; Brouwer – “Cinco Micropeças”; SérgioVasconcelos Correa – “Amoroso”; Edmundo VillaniCôrtes – “Frevo Fugatto”; Eduardo Escalante – “FugatoChoro nº 2” (que foi encomendada) – são todosprofessores da UNESP, e há ainda Nazareth, com“odeón” e “Brejeiro”. Soube que tem muito francêscomprando o CD por causa do Nazareth, que elesgostam muti. A qualidade da gravação é muito boa, oestúdio, fantástico. Acho que como proposta dedivulgação da música brasileira o Cd foi um sucesso,tanto que há planos para a gravação de um próximo,ainda neste ano. Impressiona o fascínio que a nossamúsica produz, como a bossa-nova, por exemplo. Nosmeus recitais lá, o pessoal queria ouvir mais músicabrasileira e até reclamaram quando a peça era curta!

- Fale sobre a sua dissertação de Mestrado e o atu-al trabalho de Doutorado.No Instituto de Artes da UNESP eu fiz o Mestrado e vique existe pouquíssima coisa aqui no Brasil sobre ahistória do violão em São Paulo, o eixo Rio-São Pauloé, sem dúvida o embrião, e defendi em 1995 o Mestrado.

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Agora, o Doutorado estou fazendo na Faculdade deHistória de Assis (UNESP) e o tema prossegue nahistória da escola violonística, só que estou enfocandoo lado social, um título provisório seria: “a história socialdo violão no eixo Rio-São Paulo”

- E sobre o fato de haver poucos violonistas comtítulos?No Brasil a história do violão na universidade é recente,acho que é reflexo das suas origens. Fazendo umpequeno histórico: no começo do século o eixo Rio-SPtinha o café como riqueza, trazendo da Europacompanhias de ópera, orquestras, pianistas, etc.., e estemesmo produto que traz a elite musical traz também amão-de-obra imigrante (portugueses, italianos ...) pratrabalhar nas plantações, e são estes que trazem oviolão, que é um instrumento acessível. Então, a origemé simples. Pode ser reflexo disso também que o violãoseja tão recente nas escolas. Em São Paulo, começouem 1987 comigo aqui na UNESPE e o Edelton(Gloeden) na USP. É uma coisa muito nova, e há muitotema a ser desenvolvido, muito compositor a sertrabalhado.

- Como você vê o violão hoje?Acho que todo mundo procura violão. Tenho exemplosde compositores, maestros, músicos que me procurampara saber mais de instrumentos. Há anos atrás teveaquele movimento forte, em que você tinha um professorem cada esquina com uma centena de alunso! Foi umafebre! Então é uma página do violão. Aliás foi mundial,inclusive em vendagem de partituras dentre todos osinstrumentos. Agora, sinto que houve uma acomodação,e isto é natural, do mercado, diminuiu muito o númerode pessoas interessadas, mas ao mesmo tempo eu vejona UNESP que o violão é sempre o instrumento demaior índice na relação candidato-vaga.-E sobre o violonista como aluno de universidade?Pela minha experiência como professor no Festival deCampos, tive alunos que já vinham tocando a Sonatado Ginastera, as Bagatelas do Walton, as Suítes doBach, a Sonatina do Pagannini, então percebe-se quejá tem uma pesquisa dos próprios alunos. Aqui naUNESP muito raramente vejo alunoa “cru” ou “verde”em formação musical ou mesmo cultural geral. É raro.E há aqueles que já tem uma vida profissional atuante,já toca e tudo mais.

- Como está viver de violão?

No meu caso, a vida acadêmica tem ajudado. NaUniversidade, se você investe na vida acadêmica eleste dão um prêmio, agora a parte artística não recebena mesma proporção. Se eu fizer uma série deconcertos ou gravar discos no exterior ganho um tapinhanas costas; se eu fizer um Doutoramento ganho umaumento de salário! Mas creio na reciprocidade entrevida acadêmica e a artística, enriquece muito opensamento e reflete no seu trabalho como artista.

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Henrique Pinto* Entrevista publicada na edição no. 39 - Jan/Fev 2000 com o título“Lançamento do livro Iniciação ao Violão vol. II”Por Ricardo Marui

A editora Ricordi lançou em Janeiro o livro “Ini-ciação ao Violão - vol. II”, do professor HenriquePinto. Em entrevista ao Violão Intercâmbio,Henrique fala sobre o método e sua visão sobre apedagogia dirigida aos iniciantes do instrumento.

-O primeiro volume do método “Iniciação ao Vio-lão” foi lançado em 1978, constituindo-se atual-mente no material didático mais utilizado no Bra-sil. Quais os caminhos que levaram à elaboraçãodeste segundo volume, 12 anos depois?O primeiro livro que eu lancei pela editora Ricordifoi o “Técnica da mão direita”; com a boa saída eboa aceitação do livro, os editores da Ricordi fica-ram entusiasmados e pediram que eu escrevesse maisum livro. Então, aquele era o momento de fazer al-guma coisa que representasse a minha experiênciapedagógica, afinal dava aulas desde os 14 anos epara todo os tipos de alunos - crianças, adolescen-tes, adultos, alunos com muita facilidade em apren-der, outros que freqüentavam apenas academicamen-te, alunos geniais - juntamente com outro aspecto,que foi o de ter utilizado todos os métodos existen-tes. Tive uma quantidade de alunos muito grande,cheguei a ter 85 alunos, e era muito chato dar aulascom um método só; então usava os métodos do Are-nas, do São Marcos, do Sagreras, do Mascarenhas,do Sávio, do Bernardini, enfim, para essa quantida-de de alunos uma certa quantidade de métodos.Então, acho que essa experiência toda, de usar essaquantidade de livros, ver o que dava certo e o quenão dava, ver até que ponto o livro serve pedagogi-camente – no sentido de que, ao usar o livro, verifi-car até que ponto o aluno tem interesse em continu-ar com esse livro e com a linguagem musical desselivro – foi se armazenando. No momento em quehouve o interesse da Ricordi, me veio a idéia: comohavia feito o livro anterior “Técnica da mão direi-ta”, vou aproveitar minha experiência e começar a

trabalhar em um livro de iniciação. Não foi o casode pedirem exatamente esse livro, mas senti que erao momento de elaborar esse livro.Bom, isso aí já faz alguns anos. Depois, passando ausar o livro e com as pessoas utilizando, vi que nãoé um livro que eu ache perfeito, que o aluno inicia evai da primeira à última música prazerosamente; temmomentos em que há alguns saltos, na parte técnica,na parte de solfejos, essas coisas assim.... Até quechegou um momento em que falei: vou re-elaboraresse livro, vou refazer esse livro. Conversando coma editora, eles disseram - Porque você não faz umoutro livro, que seria uma continuação do “Inicia-ção”? Meu projeto inicial seria complementar, euqueria re-elaborar esse livro. Eles argumentaram que,já que está feito, se está bem como está feito e olivro funciona, faça um novo livro, que seria o “Ini-ciação ao Violão” vol.2.Comecei então a elaborar o vol. 2, com algumasoutras idéias a respeito de didática e pedagogia, queeu coloquei nesse livro.Por exemplo, qual o meuconceito sobre técnica, o que é concentração, umapequena biografia com os autores das peças. Fiz umrepertório que, conforme eu acho, é interessante aoaluno, tecnicamente dá uma certa fluência, pois sevocê mescla o vol. 1 e o vol. 2, tem uma misturaperfeita; ao terminar o vol. 2 você tem uma base,uma infra-estrutura muito grande de leitura a primeiravista, uma base técnica e de conhecimento do ins-trumento, uma série de coisas que possibilitam darum salto qualitativo e começar a trabalhar o “CursoProgressivo” ou um repertório mais avançado, comopor exemplo, a “Suíte Popular” de Villa-Lobos eoutras coisas do gênero. Essa foi a idéia de ter feitoo vol. 2, possibilitar que o aluno tenha essa infra-estrutura, trabalhar essa parte afetiva em que ele con-tinua tendo interesse, onde tudo que ele faz tem umacontinuação sem saltos técnicos ou de compreen-são, para que ao fim dos dois volumes, ele possa dar

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um salto qualitativo.

- Quanto ao repertório, a maioria das peças queintegram o livro pertencem ao período clássico,com algumas obras do período barroco e de ou-tros estilos.Existe algum motivo em especial paraa escolha de um número maior de peças deste pe-ríodo?Eu tenho uma noção muito precisa a respeito desterepertório. No momento em que você vai usar umrepertório de outra época – música barroca, músicada renascença, ou avançando um pouco mais, músi-ca do séc. XX – você tem peças que não são pensa-das primeiro no instrumento, enquanto que no perí-odo clássico você tem músicas que são pensadas noinstrumento, na facilidade, são feitas no instrumen-to. É a mesma coisa que a música de Villa-Lobos:qual é a razão da música de Villa-Lobos ser tocadapor todo violonista? Que me perdoe Villa-Lobos,além da grande qualidade da música dele, ela é atéexageradamente tocada, mas há uma razão para isso:ela é extremamente violonística, ela está dentro dalinguagem do violão, é uma música orgânica em quevocê tem essa facilidade e, antes de mais nada, épensada no instrumento. Não é uma música feita,por exemplo, a partir de uma técnica de composi-ção, e depois o intérprete que se vire; acho que sepode pensar nisso em um outro nível. Se você vaitocar um Castelnuovo-Tedesco, Ponce, Turina,Torroba, etc, são compositores não violonistas, masisso daí é música de um nível em que o indivíduo jásuperou uma etapa. Mas nessa etapa (iniciação), vocêtem que pensar na facilidade, na anatomia do instru-mento; anatomicamente, como é que ele funcionacom mais facilidade, como é que a mão esquerdafunciona, qual é o dedilhado de mão direita maisóbvio para você usar. É este tipo de coisa que vocêtem que encaixar, que não exista para o aluno umadificuldade em que ele precise repetir muitas vezespara conseguir um resultado. O resultado é quaseimediato por essa coisa, uma música que fale a lin-guagem do instrumento, a execução fácil do instru-mento, acredito que é este o tipo de música que estámais adequada a este momento do aluno.Poderia ter colocado outras obras, mas isto é com-plicado porque, no momento em que você coloca,vamos supor, uma linguagem do século XX, porexemplo, Brouwer – se eu pudesse colocar (risos) –tecnicamente, não é tão complicado, mas a lingua-

gem dele é muito difícil, entende, esse é um outroestágio, um outro nível de compreensão. O aluno,quando vai tocar, tem que perceber que está tocan-do e realizando a música imediatamente. Essa reali-zação imediata é fundamental pedagogicamente;depois que você atinge um nível mais alto, aí não,você se aventura, pois o seu dedo, a sua mecânica játem uma certa liberdade, um certo espaço em quevocê pode trabalhar com esse tipo de coisa, mas nãono nível de iniciação. Por isso, para mim os composi-tores clássicos ainda são os ideais pedagogicamente.

- De que maneira você gostaria que um professoraplicasse seus métodos?Eu acho que a figura do professor é extremamenteimportante, quer dizer, a maneira como ele vai en-caminhar esse ensino. Os métodos que eu elaboreiforam feitos a partir da minha experiência, que eutive com muitos alunos, e uma coisa que eu achoextremamente importante é que o aluno – em umnível técnico de iniciante ou até um nível médio –tenha um nível de compreensão dessas obras e, maisainda, um nível de resolução – ele toca uma deter-minada música e aquilo imediatamente resulta. Quan-do o aluno faz esse tipo de trabalho, tem um proces-so importante, que a gente chama de processoafetivo. Então essa coisa da linguagem musical e arealização imediata dessa música é que vai levar oaluno a ter uma afetividade maior, a um interessemaior.Por exemplo, uma música da renascença, para umaluno iniciante, é uma linguagem extremamente di-fícil, nós não temos idéia porque já passamos porisso, mas para um aluno iniciante dar uma “Pavana”de Milan ou uma outra música dessa mesma épocatecnicamente é difícil, além de possuir uma lingua-gem complexa. Então eu fujo um pouco desta visão– a de que você tem que trabalhar um repertório quevai dar uma formação musical para ele – não, pri-meiro eu vejo o aspecto do interesse dele, ele teminteresse em tocar violão, de realizar uma música, equando ele consegue realizar, ele tem um energéticomaior, uma afetividade maior. E o desenvolvimentodele é muito mais rápido do que se você der um re-pertório que “academicamente” seria perfeito – darenascença ao barroco, classicismo, romantismo,século XX -, às vezes um repertório desses não fun-ciona.Eu já tive experiências em que você dá um tipo de

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música ou um tipo de repertório, e a coisa vai embanho-maria: passa uma aula, duas, um mês, e aquelamúsica não sai. Aí você dá um tipo de música emque, a partir dela, ele passa a ter um interesse tãogrande porque consegue realiza-la, e nesse momen-to em que ele tem um maior interesse, ele dá umsalto qualitativo enorme.Isso tudo varia de aluno para aluno. Acho que a ques-tão da utilização de um método depende muito doprofessor, como ele vai encaminhando a coisa e qualo grau de interesse que ele consegue despertar. Creioque o repertório que eu uso é um repertório óbvio,com uma linguagem musical óbvia em que ele tocae sente que esta compreendendo aquela música. En-tão ele toca uma, mais outra, 5, 10, 20, 30 músicas,e daí a pouco ele já tem um conjunto peças e umatécnica elaborada naturalmente, sem você forçar umapseudo-cultura musical. Lá na frente, quando ele jápassou por todo esse processo, aí ele tem um espa-ço para trabalhar tecnicamente e musicalmente, epoder resolver músicas de outras épocas. Isso égradativo, e para mim o que interessa mais é essacoisa inicial do aluno. Esses primeiros anos – 2, 3anos -, são a fase mais importante, é a fase em quevocê vai fazer ele tocar; depois, tudo é muito sim-ples (risos).

- E segundo sua visão, o que seria o método? Umguia de consulta, algo que desse umdirecionamento ao curso? Até que ponto o profes-sor deve ser dependente do método?Veja bem, um método é uma idéia, uma idéia peda-gógica. Vamos supor, se for feito por alguém quenunca deu aula, um teórico em pedagogia do violão,não funcionará nunca! Ele pode ter lido Piaget, osgrandes mestres, mas sem ter vivido a experiênciacom o aluno, não dá. Acho que um método é inte-ressante quando elaborado a partir de uma série deexperiências. Antes de fazer o livro, já fazia 30 anosque dava aulas, sempre com muito interesse, comum grande sentido de observação – porque determi-nado aluno funciona, porque você dá uma determi-nada obra para o aluno e ele dá um salto enorme,enquanto que se você der uma outra é como se eleregredisse. Então, essas coisas todas, esse sentidode observação, para mim foi muito importante. Se oprofessor souber usar e for razoavelmente competen-te, ele vai seguir aquele caminho, que é um caminhoque eu não vou dizer que seja o ideal, mas que vai

ajudar nesse processo.

- Nesse processo todo, a sensibilidade do profes-sor é fundamental?Não, isto é insubstituível. A figura do professor, amaneira como ele ensina, a maneira como ele colo-ca as coisas, o tom de voz que ele usa, o interesseque ele tem, tudo isso é absorvido pelo aluno. Oprofessor não pode ter idéias muito pré-concebidassobre como caminha a evolução do aluno: que eletem que fazer isso, isso e isso e pronto, o aluno podeir embora. Vamos supor, se aquele caminho não fun-cionou, tem que usar um outro caminho. Num méto-do, eu vou até o fim do livro, mas quando chegar aofim não vou direto para uma coisa mais difícil, émuito interessante você voltar a estaca zero e passaroutra vez aquele livro: na segunda passada, aí é querealmente o aluno vai entender.Mas isso daí só o professor, que está em contatodireto com o aluno, é que vai perceber. Acho quetodo mundo pode tocar, isso não é um privilégio dealguns eleitos, alguns “ungidos” (risos), absoluta-mente. É claro que já tive experiências incríveis, daraulas para alunos que não sabiam quase nada e de-pois de um ano e meio o aluno está tocando umasonata de Tedesco, as Bagatelas de Walton, e semnunca ter feito um exercício de técnica. Numa músi-ca você tem escalas, arpejos, ligados, uma porçãode coisas; técnica é uma questão de percepção. Éclaro que você tem todo um processo físico, um pro-cesso de postura, você tem que sentar de uma deter-minada maneira, você tem coluna, musculatura, quefuncionam de um determinado modo, mas esse pro-cesso interior, que é o impulso de fazer uma coisa,você, como professor, tem que perceber.O professor tem que perceber qual é a necessidadedo aluno naquele momento – ele tem que trabalharmais a mão direita, a mão esquerda, que tipo de to-que ele tem que usar para tirar uma sonoridade mai-or, corrigir a mão esquerda dele que tem uma postu-ra má. Agora, quando naturalmente ele vai indo, eprecisa de pouco coisa do professor, eu acho que oprofessor é um grande mestre quando não interferenesse processo de crescimento. Agora, se a cada pas-so que o aluno dá, o professor interfere, ele anulaaquela coisa natural dele. Ele tem uma maneira defazer um fraseado, um tipo de sonoridade, uma pos-tura diante de uma música, uma maneira de ser mu-sical, uma determinada personalidade. Se você in-

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terfere excessivamente em um aluno que rapidamentecresce, você refreia, estaciona o aluno, o traz para asua maneira de ser musical. Eu acho que o mestretem que entender exatamente isso: eu como violo-nista tenho uma maneira de ser, mas eu tenho queentender que o meu aluno também tem a sua formade realizar a coisa.Técnica é uma coisa que quando há a necessidade,eu uso muito, mas quando naturalmente o aluno re-aliza, eu sou mais um observador para corrigir pe-quenas coisas – um solfejo que ele fez errado, umdedilhado que talvez tenha que mudar, um fraseadoque merece um melhor acabamento – mas sem in-terferir em um todo, que é o todo do aluno, que é amaneira dele fazer a coisa. É isto que individualizaa pessoa.Você, por exemplo, vê uma mesma músicatocada por um John Williams, um Bream, umSegovia, e o que caracteriza esses violonistas? Alémde serem grandes músicos, cada um tem um som,uma maneira de ser, um toque, isso os caracteriza.Agora, se você tem alguém que a cada nota que tocaele interfere, acabou, ele quer transformar você emuma continuação dele, e eu não entendo dessa for-ma.

- Qual a diferença entre ensinar alguém a ser umintérprete e ensinar alguém a ser um didata?São duas coisas completamente diferentes.Uma coisaé você ensinar alguém a tocar e outra é ensinar al-guém a ensinar. Eu acho que seria muito mais fácilse você pré-estabelecesse uma escola, como existea escola carlevariana, a escola de Tarrega, etc, ondevocê tem um método e fórmulas – você faz uma es-cala x, um harpejo y, um ligado, a postura xy – epronto. Você segue aquilo como uma receita paratodos os alunos, então aí você estabelece uma esco-la. Mas eu acho que não é bem assim uma escola:uma escola é o indivíduo que aprende, você é quetem que formular uma escola e ter esse sentido deobservação. Seria ótimo se o aluno, depois que setornou um concertista, viesse a repensar como foi oprocesso, mas é difícil, pois ele já é um profissionale tem a vida própria dele. Eu tenho vários alunosque ainda mantém contato comigo quanto a essesaspectos, não é exatamente ensinar, mas você trocaidéias com eles.Por exemplo, se você tem um aluno muito jovem, de12 ou 13 anos, com um talento enorme, e que aos 15anos já atingiu um nível altíssimo no instrumento,

provavelmente será meio complicado para ele daraulas, até ele entender que esse outro aluno vai de-morar mais tempo, que vai ter que usar um outrorepertório, que ele talvez não tenha tanta disciplinae facilidade, etc. Este aluno vai ter que entender queele resolveu tudo, mas daí a fazer outra pessoa re-solver essas coisas e caminhar, é outra história.Eu tive professores excelentes e professores – nãovou falar mal, porque todo mundo que dá aulas querque o aluno toque – com quem tive experiências de-sagradáveis, professores que seguiam uma linha or-todoxa de ensino que não funcionava comigo. Eusempre toquei o que eu quis tocar e funcionava ma-ravilhosamente bem. Quando eu fui ter aulas comalguém que tinha uma linha mais ortodoxa de ensi-no, voltei para a estaca zero. Pedagogicamente foiuma experiência incrível. Eu pensava: como foi acon-tecer isso? Eu tocava obras complicadas e, de re-pente, passei a estudar ortodoxamente, academica-mente, e voltei a estaca zero; na época, não conse-guia mais tocar músicas simples. Para mim foi umagrande experiência, tive que parar algum tempo, doisanos, para depois voltar a tocar, ter aulas com ou-tros mestres. Eu tive muitos problemas de técnica,uma porção de coisas que, vou dizer, foi ruim? Não,foi muito bom pedagogicamente, porque a minha fun-ção é uma função pedagógica, e não de concertista.Eu poderia ter sido num primeiro estágio, se nãotivesse sofrido tanta interferência. De qualquer for-ma, ter passado por todas essas experiências meenriqueceu muito. Se o professor não for um bomobservador, se não souber o que dar e não tiver essaexperiência, ele não vai ter idéias, vai ter apenas aidéia dele, que muitas vezes é pobre. Por exemplo,podemos citar um Horowitz no piano, já li reporta-gens a respeito de pessoas que tiveram aulas comele e o resultado foi desastroso; vi em alguns vídeoso Segovia dando aula, ele não tem essa paciência: éassim, eu faço assim e acredito nisso, e acabou. Eleé um intérprete, com treze anos era um concertista enão tinha idéia do processo complexo de formar umaluno, alguém mais iniciante.Acho que quem fizesse uma faculdade, uma univer-sidade, um conservatório, deveria ter pelo menos umano de curso de pedagogia. O primeiro contato queeu tive em ler Piaget - que não tem nada a ver commúsica - tinha a ver com inteligência. O que é inteli-gência, o que é inteligência musical, que, aliás, tratono esboço “O que é técnica”, no vol. 2 do “Inicia-

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ção”? Na hora em que você entender um pouco dessemecanismo interior, você vai se entender melhor, enão falar – Bom, a fórmula mágica: é só fazer isso eisso e do outro lado saí um violonista. Não, vocêtem que respeitar um mecanismo natural que o indi-víduo tem, que é a inteligência, uma coisa tão malcompreendida, onde você não pode dizer “Esse éinteligente”, “Esse não é inteligente”.Por isso, acho que quem vai dar aula deveria pensarno fator pedagógico, e em um ano você pode apren-der muita coisa a respeito do assunto. E fazer issoantes de começar a dar aulas, porque senão, o quegeralmente acontece é que ele aprende a dar auladando essas aulas: ele vai indo, erra, faz besteiras atorto e a direito, para só depois de muitos anos per-ceber esse tipo de coisa. Se perceber, senão, elecontinua fazendo aquilo que ele acredita - isso é as-sim e acabou.

- Dentro da área pedagógica, o senhor tem maisalgum projeto em vista?Sim, eu tenho interesse em fazer um livro de obrasque não seria bem um complemento do “Curso Pro-gressivo”, mas um outro livro baseado em obras doclassicismo, período barroco, da renascença, alémdo “Curso Progressivo”. Mas isso ainda está ape-nas no campo das idéias.

- Professor Henrique, agradecemos pela entrevis-ta e desejamos sucesso ao seu novo livro.Eu é que agradeço a vocês pelo interesse e pela opor-tunidade de conversar sobre pedagogia, esse assun-to de que eu gosto tanto.

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Ilse Breitruck Colares* Entrevista publicada na edição no. 8 - Nov/Dez 1994por Tereza Miranda e Gilson Antunes

Natural de Trossingen, Alemanha.Idade: 35 anosIlse casou-se com o músico brasileiro Paulo Cola-res e residiu de março de 1991 a setembro de 1994em Minas Gerais, sendo uma das violonistas maisativas deste estado. Há pouco tempo Ilse se mudounovamente para a Alemanha.

- Como começou seu interesse pelo violão?Foi muito fácil. Eu toquei flauta a partir dos 6 anos emeu irmão tocava violão e cantava junto. Eu achavamuito lindo e também queria me acompanhar, ai ,quando eu ganhei um violão, fui procurar um pro-fessor, e este só ensinava erudito, então comecei logono Clássico, em Ulm (Alemanha). O ano era 1970.

- Quais eram os violonistas que você mais gostavade ouvir?Olha, aos 13 anos eu escutei o Julian Bream tocan-do ao vivo o “Nocturnal” do Benjamin Britten enaquela noite eu falei: “Se algum dia eu conseguirtocar isso, eu nunca mais vou tocar violão”. Era muitobonito, eu fiquei muito emocionada, me lembro bemdaquela primeira impressão. Depois eu vi o Segoviae também fiquei com aquela vibração boa, aqueletremor. Nos anos 80, em Paris, fui a um concerto doGoran Sollscher e também fiquei muito emociona-da, não só pela musica-lidade mas pelo jeito de eletocar violão e transmitir a música para o público.

- Qual sua formação acadêmica?Depois de já ter tocado bastante como solista e emgrupos, eu achava que a música era muito importan-te para mim e não queria esperar muito tempo. Mas,a cidade de Freiburg me interessou muito e comoAnton Stingl estava lá, eu resolvi tentar. Entrei e foium trabalho muito intenso no início. Foi em 1978na Escola Superior de Música de Freiburg, onde tam-bém iniciei um curso de Rítmica baseado no méto-do de Jacques Dalcroze. Eu fiquei fascinada, acha-

va que isso tinha muito a ver com Música, além daaula em grupo, que é outro fator importante. Ai euestudei Educação Rítmica junto com EducaçãoMusical. Depois, continuei Violão em uma outraescola superior de Música, em Trossingen, porquelá havia um professor espanhol muito bem falado,que tinha colaborado com o Maurice Ohana, cha-mado Luis Martin Diego. Ele tocava violão de 10cordas e dava um enfoque bem individual ( bem rít-mico, aquela coisa de espanhol). Me convenceu.

- Você já participou de concursos?De dois, mas foi por acaso, eu não queria. Foi o LeoBrouwer quem me empurrou para o palco naMartinica em 1984. Eu fui lá, coloquei as partiturase ele gostou tanto que acabei ganhando. A segundavez foi em Cuba. Eu estava tocando há pouco tem-po em um violão de dez cordas. Não deveria, masfoi muito importante a experiência, em 1986.

- Você teve uma ligação muito forte com o AntonStingl, chegaram inclusive a gravar um disco jun-tos. Como foi a experiência de ter aulas com ele?Quando comecei com Stingl, eu tocava bastante, ti-nha vencido alguns concursos na juventude, antesda formação acadêmica, mas aí ele me colocou paraestudar cordas soltas por alguns meses. Foi uma ex-periência incrível, pois comecei a entender coisasque não faziam parte da minha formação anterior.Ele amava os clássicos, fez questão dos estudos deSor, era um grande especialista em Bach, no sentidode que sua imaginação extrapola o violão, ele o com-para com outros instrumentos, tem muita experiên-cia com música de câmara, em canto. Ele me expli-cou muitas coisas de articulação e dinâmica, anali-sando movimentos. Quando eu estudava com ele,eu não entendia direito, simplesmente aceitava. Anosdepois, comecei a entender, então é uma coisa querepercute até hoje. Mas não foi só ele não, teve ou-tros professores que foram muito importantes para

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mim: o espanhol (Diego), que me apresentou umalinha totalmente diferente. O professor que mais meincentivou para ficar no violão foi Leo Brouwer, fizcursos com ele em Cuba e na Martinica. Foi a moti-vação que eu precisava, porque sempre procurei en-tender a vida de formas diferentes, nunca fiquei pre-sa ao violão, e ele transmitia muita alegria dandoaula. Também me introduziu no interesse pela com-posição.

- E a Sonja Prunnbauer, você teve bastante conta-to?Foi um contato interessante, embora de enfoque di-verso.

- Como foi a idéia de gravar aquele disco com asinvenções a duas vozes de Bach em duo com oAnton Stingl?Foi idéia dele, porque a gente se entendia muito bem,humana e musicalmente, e o propósito com o qualBach escreveu estas invenções foi um estudo de com-posição e interpretação para seus alunos. Então aidéia de Stingl era pegar um aluno que contribuíssee tocasse junto com ele e fosse capaz de captar asidéias de arranjo, de articulação, de andamento queele tinha. Ele estava com 75 anos e eu com 23.

- Você estudou com importantes mestres do violãonos vários cursos que você fez. Poderia citar al-guns?Leo Brouwer ... com Carlevaro tive uma aula rápidana Martinica e adorei, acho muito importante suascomposições. O Tadashi Sasaki foi muito bom por-que tive aulas com ele todos os anos a partir dos 13anos. Foi uma continuidade que eu tinha paralela-mente a minha aula particular, com nível bem ele-vado e foi o primeiro que tocou o Preludio nº 1 doVilla-Lobos para mim e foi uma experiência ines-quecível. Ele também tocava alaúde, dava uma idéiada Música bem mais geral. Com o José Luis Rodrigofoi um belo trabalho, ele é grande conhecedor demúsica espanhola, além de música orquestral, depiano ... Quem me impressionou também foi o Al-varo Pierri, na Baviera. Ele tem uma maneira bemparticular de tocar e de dar aula, mantém aquela coisaviva de expressar com Música. Me impressionou,ainda, o Manuel Barrueco. Eu tinha certa ressalva

pois achava que em algumas coisas ele poderia iralém dos limites que ele mesmo estabelecia. Ai, comuma aula que ele deu e com algumas conversas euentendi a visão muito mais pianística dele, compa-rada com o Leo Brouwer, que tem uma visão maisorquestral, mais de timbres.

- Você teve uma formação cameristica mais dura-doura?Não, eu já fiz bastante, mas nunca com previsão deformação.

- E com orquestra?Não. Toquei com pianista, que me acompanhou demaneira fantástica o concerto de Maurice Ohana.

- Como você vê a profissão de músico hoje em dia?Músico e um termo muito amplo, não é? Existe omúsico popular, o de orquestra, o compositor, o cri-tico de música, o empresário da música... nossa! Émuito amplo! Existe aquele que precisa do outro paratocar, o solista... o músico, enfim. Acho que foi pre-judicado pela invenção do toca-discos, do toca-fitas(risos), mas por outro lado foi beneficiado pelaspossibilidades de estúdio e consequentemente daevolução na música eletrônica , mas acho que a fun-ção nesse período mudou tão gravemente que atéhoje a gente não trocou, porque, antes, ver um con-certo era ouvir a música, e o intérprete era simples-mente o transmissor, quem comunicava. Agora, verum concerto é um evento social. E, ainda, escutaruma ou outra gravação é satisfazer a curiosidade,mas muitas vezes, lamentavelmente, em segundo pla-no é que vem a Música. Então quando toco eu sem-pre pretendo estabelecer uma comunicação muitoforte com o público, para que seja um acontecimen-to único, para que tenham me sentido ao vivo mes-mo... e é muito difícil. Então cada músico tem quereproduzir o que ele se propõe, quais são os valoresde vida dele, as prioridades. Agora eu acho que omais importante para nós, músicos, seria tentar aformação mais completa possível, não só tocar o quevem a cabeça, mas estudar a fundo a composição eexplorar também a interpretação. A improvisação éum fator muito importante na música erudita, naIdade Media, Renascença, Barroco, e foi se perden-do aos poucos.

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JaimeZenamon* Entrevista publicada na versãoon line do Violão Intercâmbio,edição 03 - Mar/Abr 2003por Leonardo Allen Wilczek

Jaime Mirtenbaum Zenamon é compositor, maestroe concertista (violonista). Filho de europeus, nasceuem La Paz, Bolívia, em 20 de fevereiro de 1953. Em1972, radicou-se em Curitiba e naturalizou-sebrasileiro. Foi o responsável pela criação do cursode Violão Erudito na Escola de Música e BelasArtes do Paraná, na década de 1970. Possui umaextensa obra para violão, figurando entre os maisimportantes compositores para este instrumento.Esta entrevista foi realizada no dia 27 de Novembrode 2002, para a realização de uma pesquisa paraa matéria de História da Música Brasileira,ministrada pelo professor Harry Crowl, na Escolade Música e Belas Artes do Paraná. Abaixo, osdestaques da entrevisa.A versão completa desta entrevista, incluindobiografia do compositor,encontra-se em:http://www.jogodecordas.hpg.ig.com.br/site/artigos.html

- Como começou seu interesse pela música? Desdeo início teve vontade de compor?Vontade de compor não, mas o início foi muito cedo.Acho que aos oito, dez anos já me chamou a atenção amúsica. Especialmente quando minha mãe me levoupara dar uma volta e disse: “bom, está na hora deaprender um instrumento”. Este mérito ela tem: foi elaquem disse. Todos meus irmãos tocavam acordeon,fazia parte da educação na família tocar um instrumento.

- E nenhum deles passou a ser músico?Não, o único fui eu. Eu me apaixonei pela guitarra queeu tinha visto numa vitrine; comprei a guitarra,amplificador e fui tocando... Até um dia em que vi um

cara na televisão tocando, eu acho que era Recuerdosde La Allambra. E eu disse: “como é que ele faz isso?Parece mágica”. Uma loucura. Aí eu pedi para a minhamãe pegar um professor para mim. E ela realmentepegou um professor bacana, um espanhol velhinho já.Ele me incentivou, daí eu comprei o primeiro violão ecomecei a dedilhar. Passei para um estudo mais sério,aprender música. Ele falava: “olha, você tem um bomouvido”. Eu já tocava rock numa banda, mas ele falou:“você para ser um bom músico, se é isso que vocêquer fazer, é bom estudar música, saber ler e escrevermúsica, senão vai ficar analfabeto”.

- Então quando você foi estudando, foi surgindo avontade de compor...Sim. Mais tarde, nas minhas viagens, conheci meuprofessor [Almosnino], que na realidade dava aulas deviolão para ganhar um dinheirinho, porque tinha muitoaluno naquela época. Mas ele era oboísta e celista daOrquestra Sinfônica da Hungria, e tinha estudado, nãodiretamente com Bártok, mas era da escola de Bártoke era um bom compositor - e aí que eu disse: eu queroestudar. E comecei a ter aulas de harmonia, contraponto,fuga, e aí comecei realmente a entrar na fascinação[da música].

- Isso sempre com professores particulares?Não, isso foi numa academia que eu estudava violão.Mas na realidade ele [Almosnino] disse: “vamos fazero seguinte - você pega um professor de violão mesmo,eu acho que você tem potencial, e vamos fazer aulasde música”. Aí eu comprei aquelas partituras onde seescreve orquestra, harmonia, contraponto...

- O que o trouxe a Curitiba?Na realidade, eu já estava estudando fora, e meu paimorava na Bolívia e desceu para o Brasil por causa da

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altura. Teve problemas de hipertensão, e o clima aquiagradou muito. Ele tinha uns amigos de infância, daPolônia ainda... e eu vim para cá e me encantei.

- Que relações você traça entre a atividade deinstrumentista e a de compositor?É diferente. Stravinsky falou uma vez uma coisafantástica: “eu gosto mais de compor que da própriamúsica”. É uma arquitetura, você vai construir umaobra, ter as cores, os elementos que vai usar, osinstrumentos, enfim... é um trabalho fascinante. E nemnecessariamente tem alguma coisa a ver com tocar.Veja Richard Strauss, ele era um pianista medíocre,mal tocava piano, mas veja a música que ele tinha.Estou falando do novo Richard Strauss, de Assim falavaZarathustra, Dom Quixote...

- Você gosta de compor pelo prazer de compor?Ah, sim, é a minha vida. Isso é um sonho que conseguirealizar, que não era fácil, e não é fácil. Especialmentequando você parte de um instrumento tão reduzido comoo violão. Mas sempre tenho que agradecer ao violão,porque às vezes eu fazia coisas, pensando no violão,para outros instrumentos, e que nunca ninguém tinhafeito! O timbre, a maneira de usar arpejos no violão, éimpressionante. Sor falava que o violão é uma pequenaorquestra.

- Você participou da criação da Orquestra de Vio-lões do Paraná, que agrupa diversos violonistaspara tocarem em conjunto. Que importância vocêvê nesse tipo de projeto?O importante para o violão em música de câmara éque a maioria dos violonistas tem esse defeito, eu achoum tremendo de um defeito, a soledad, o ficar sozinho,tocar sozinho, estudar sozinho. Dificilmente ele temcontato com outros instrumentistas. Quando começa afazer música de câmara, ele vai aprender muito mais.Sobre si próprio, a relação humana (que é o maisimportante), a dialética; e especialmente, saber ouvir,aprender a escutar os outros instrumentistas. Oviolonista é introvertido: fica a partitura, ele, os dedos...ele olha para a mão esquerda, o tempo inteiro, e não écapaz de levantar a cabeça. Inclusive tem um exercíciode fechar os olhos e “olhar” para o lado direito... Euacho que é muito, muito importante, tremendamenteválido, fazer música de câmara. Em casa, se tiver maisgente que toque... Temos que participar muito mais nomundo musical. Por isso que a nós [violonistas] fomos

gozados. Hoje não, hoje somos respeitados, mas houveépocas que eu passei que era terrível, que nunca levarama sério o violão.

- Por esse motivo, em algum momento você passoua compor mais para outros instrumentos que parao violão?Lógico, também - para poder participar. Eu era oprimeiro aqui no Paraná... não sei se o primeiro, podeser que houve outros, mas que eu me lembre... lógico,a lembrança é relativa a si mesmo, não sei se na épocaeu estava preocupado ou não sabia o que estavaacontecendo. Mas não tinha nada. Peguei a Camerata[Antiqua de Curitiba], fui o primeiro a tocar com aCamerata, gravei um disco tocando junto com eles.Depois toquei com Luís Pedro Krull, flauta. Nóstínhamos um duo: Duo Tonalis. Comecei a participarespecialmente com música antiga, com a Beth Serafim,tocando com flauta doce, cravo, trios...

- O que é um ótimo exercício para o compositortambém...Ah, sim, mas era maravilhoso! É isso que eu digo: amúsica de câmara, você tocar com cravo, cello, violada gamba, e flauta doce, você começa a ver a maravilhado mundo musical e da diversificação. É a melhorescola, naturalmente, para começar a aprender o somdos instrumentos e a versatilidade.

- O instrumentista não pode ficar preso ao seu úni-co instrumento.Não. Isso é um defeito nosso, porque o flautista, elefaz isso [música de câmara], o violino já nasce fazendoisso. Sozinho é difícil, para eles é o contrário até...

- O que você acha de incentivar as pessoas queestão estudando uma partitura, levando-os a “re-criar” as músicas que estudam? Como vê a ques-tão do respeito incondicional às informações conti-das em uma partitura?Eu pessoalmente tenho muito respeito pela criação, pelaobra de arte. É a mesma coisa que pegar um quadronuma parede e dizer: “eu acho que aqui vai umpouquinho mais de tinta preta”... Tem que ter um poucode cuidado. Você ser anarquista é uma coisa, evoluçãoé outra. Até falei com Leo Brouwer sobre isto... Eucomecei a compor muito porque achava que emalgumas sonatas de Sor, algumas peças, faltava algumacoisa. Mas eu nunca mexia nas partituras, e eu tinha

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razão. Não mexia nas outras. Então eu pegava oexemplo, a idéia, e a partir dessa idéia, se você temcondições criativas, você pode dizer: “puxa, mas eufaria isso, eu faria aquilo...” E aí você tem uma idéiamais ou menos coerente. Agora, mexer com a partitura,eu também não gostaria que mexessem muito nascoisas que eu fiz, mesmo que depois eu diga “puxa,não devia ter escrito isso, podia ter feito diferente”.Temos muito diálogo hoje [entre compositor eintérprete], então muita gente pergunta: “olha, possofazer isto...” E às vezes é uma idéia genial! Mas nãomudar e tirar um pedaço, colocar outro.

- Qual sua visão sobre o improviso na música eru-dita? Muitos músicos que não fazem parte do meioerudito dizem que o músico erudito não improvisa,não tem criatividade...É mentira, não tem nada a ver. Eu acho que o jazz, porexemplo, é a música erudita de pijama, ao contrário. Éa mesma coisa que nós fazemos, é exatamente igual.Você acha que eles improvisam, e tal? Nada, eles temestudo, é pensado. Eles têm as assim chamadas“cartas”. Eu toquei muito tempo jazz, também. Elestêm uma cartilha, um Real Book, coisas desse tipo. Aformação jazzística é muito, muito rígida, às vezes maisrígida que o próprio clássico. Óbvio que eles decoram,mas são muito bons músicos, excelentes músicos, têmuma escola que aí sim falta ao erudito: estudar mais asformas, escalas, formas musicais, tal, para poderrealmente improvisar. O que eu chamo de improviso évocê chegar sem nada num teatro, mas isso não existe.Dificilmente. Você pode até ter umas idéias no momento,mas tudo aquilo que você sabe você mostra na hora.

Na verdade, imagino, a diferença é que o músicoerudito eterniza no papel seus improvisos. Na horaque está compondo é um improviso. Claro que pen-sado depois, calculado, mas não parte de um im-proviso, também?Ah, sim. Veja bem, música sem melodia não existe.Você pode achar ridículo o que eu estou falando,harmonia é só estrutura, é o prédio quando você vê osfundamentos, os pilares e mais nada. Quando começaa criar forma aquilo, é quando tem uma identidade. Vocêvê que o Empire State, vamos dizer, tem uma identidade,ele é uma obra de arte que é praticamente eterna. Podeaté ser derrubado, mas vai ficar na história como umaobra de arte. A ponte da Califórnia... são obras queforam criadas por artistas, nas leis da gravidade, tudo,

mas são obras eternas, ou seja, obras de arte. Assim amelodia imortal como eu entendo, até hoje, você vê,até a pessoa que não é necessariamente culta, no sentidode ler, às vezes é analfabeta, mas se você tocar umSchubert, um Mozart, ela sabe... Ela percebe a beleza.Por que? Porque foi muito, muito bem construído. Aquilotem uma força que não se derruba de um dia para outro.O jazz também tem peças imortais. O jazz, no sentidoimprovisação, está sendo a mesma coisa, ao contrário,do clássico, porque você improvisa coisas que já estãopré-determinadas, clichês. A não ser o free-jazz, masnós temos também: cansei de fazer música aleatória,música concreta. Você pega um balde, faz o que quiser,pode gritar... já fiz isso. O que é difícil nesse negóciotodo é justamente pegar uma obra, você escrever umaobra, e ver que cinco mil pessoas gostam, estudam etocam. Isso eu quero ver, sabe? Aí sim você transmiteuma certa filosofia. Para mim, composição começa aí.Mais na comunicação, é uma dialética. Quando vocêfaz um livro, uma peça musical, um quadro, um prédio,que o pessoal chega e diz: “como está bem feito issoaí”. Aí te dá gosto de ser humano.

- Quer dizer, são dois prazeres: o exercício da com-posição e depois a reposta.Exatamente. Veja o prazer que nós temos em tocar.Por que que a gente toca Vivaldi, se já está aí hátrezentos, quatrocentos anos? Qual é a resposta disso?Está muito bem feito, é uma obra de arte. Ela temharmonia, ela tem forma, ela tem começo, tem fim,tem uma história... Não estou falando aqui em bonito,música kitsch, isso é outro tema. Não estou falandoem questão de gosto - estou falando em construçãomusical. Está tão bem feita que não importa se foi feitaagora, há quinhentos anos ou daqui a mil anos.

- Qual a sua opinião sobre a formação acadêmicade um músico? É indispensável ter uma faculdadede música?Se fosse por mim, eu sou péssimo exemplo, porquenunca fui formado em nada, na realidade. Mas, aí queestá uma diferença, existe uma disciplina de trabalho.Ou seja, me formei praticamente com uma disciplina.Também não é auto-didata, isso não existe. Estudei comSantórsola, Carlevaro, grandes professores. Afaculdade, eu nunca tive assim uma paciência de ficarsentado numa cadeira, isso desde criança, uma índole.Eu queria ser esportista, na verdade. Essa índole deficar sentado, de grudar na cadeira e me concentrar,

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até hoje é um desastre, ficar escutando uma pessoa. Anão ser que seja fascinante. Por isso hoje quando douaula eu me lembro disso e tento fazer uma aulafascinante, ou seja, que a pessoa fique fascinada e quetente aprender, e que os dois aprendam, uma troca deidéias.Talvez por isso seja mais interessante o contato comum professor quando o aluno tem uma pergunta ou umaidéia do que quando chega o professor já com umahistória estabelecida...O professor tem a obrigação de descer ao nível deaprendizagem do aluno e junto subir. Isso é dar aula,para mim - isso é arte. E não falar de cima para baixouma coisa que ninguém vai entender. Não adianta. Vocêvai acabar um tédio e por isso acho que seguir currículoé uma estupidez. E não pode ter escola, para mim nãoexiste escola. É burrice falar isso, mas não existe.Sessenta pessoas sentadas numa aula não vão aprendera mesma coisa. Impossível. Mas dar aulaindividualmente a milhões de pessoas, também não dá,não tem condições. Então uma alternativa é juntar trintapessoas numa sala e quem quiser aprender, vai. Eu soua favor, nesse sentido, de disciplinar um pouco, e vai sedescartando depois. Pelo menos minha experiência éassim. Começavam quinze, vinte, no fim do curso tinhamquatro ou cinco. A metade já desisitia... E aí que está aimportância da escola, também: você mostrar, porquea pessoa às vezes quer fazer, mas depois de dois anos:“sabe o quê, não é para mim”. Isso é um importantenuma universidade. A pessoa que quer, ela vai, ela vaisubir. Não é porque tem uma escola, um prédio, umprofessor, é porque ela quer. E ela vai acabar o curso,vai se formar. E depois, o diploma ajuda, etc... Mas oque ajuda mesmo é a paixão pela profissão.

- Como você a situação do violão clássico, especi-almente no Paraná? E de modo geral, há públicopara o violão erudito?De modo geral, é o seguinte: houve um boom depois deSegóvia, Yepes, todo esse pessoal. Depois, como nemtodo mundo era Segóvia e nem todo mundo era Yepes,todo mundo que tocava duas ou três peças de violãocomeçou a dar concertos. O público sumiu -literalmente, sumiu. Terrível, a baixa qualidade era umacoisa vergonhosa. Houve um comeback, um retornodo violão erudito; nos últimos três, quatro ou cinco anosestá tendo uma volta bastante boa, porque começou ase formar músicos, não violonistas. Aí que está adiferença. Aí o público diz “puxa, que legal” - e está

voltando. O problema todo que está tendo no mundointeiro, já social, não é nem musical, é superpopulação.Temos muita gente em tudo. Minha esposa [Eliane,advogada] fala: dez mil advogados por ano, se formando,cinco mil engenheiros... O público existe, mas faz oquê? Ele vê televisão, ele não consome [música erudita].Isso em geral, lógico que em países que têm certacultura musical existe mais público, para galerias,concertos... mas a oferta é muita e a demanda é pouca.Muita gente tocando, não só violão. Pianistas, então,meu Deus do céu...E eles se matam, sabe, às vezes émeio trágico, porque a pessoa estuda vinte anos, estácom vinte e dois anos, que nem tenista... Dezoito anos,uma virtuosidade enorme, cada vez mais loucura. Estávirando tipo um circo, um show, deturpou um pouco.Mas em geral, o que está acontecendo é o seguinte: opúblico está voltando para o violão porque o nívelmelhorou muito. Em contrapartida, em geral tambémnão é um público grande - não vá esperar público grande.No Paraná... nestes dois dias [refere-se a doisconcertos em que foram executadas obras suas porprofessores da Escola de Música e Belas Artes doParaná, ocorridos nos dias anteriores à esta entrevista]fiquei realmente abismado, achei que viriam dezpessoas, vinte... ontem veio mais, setenta, oitentapessoas. Está ótimo para uma segunda-feira, terça-feira... Agora, eram quatro pessoas [os concertistas],cada um traz um, convida outro... Quando toquei como Alessandro [Borgomanero, violinista], aqui no [teatro]Guaíra, não estava cheio, tinha bom público, mas nãoera grande coisa. E a divulgação foi grande...

- Neste aspecto, qual sua visão sobre o papel ocu-pado pela educação musical no ensino regular?Acho importante, lógico, é o princípio, é o que falta...Foi tirado da escola, a ditadura tirou a música da escola,uma estupidez.Os professores têm que ser muito hábeis, porque osjovens estão muito avessos... você leva o violão para aaula e perguntam: mas você não canta?Os jovens estão avessos à arte, à paciência... mas istofaz parte. Você tem que remar contra a corrente, fazparte do nosso serviço. Se você está aí, se faz isso, fazpela paixão, porque gosta. Eu já passei tanta coisa - econtinua, não é “passei”. Continua e vai continuar.Sempre tem pessoas que perguntam: “dá para viverdisso, não dá para cantar, você toca Chitãozinho eXororó?” Eu não sou obrigado a fazer isto. Posso atégostar ou não gostar, é uma coisa, mas eu não sou

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obrigado a tocar tudo o que um bêbado na minha frentequer. Ou para agradar uma ama-de-casa que de repentediz “toca lá a do Roberto Carlos”... Não sei, não meinteressa, não gosto. Não respondo assim, sou maiseducado, mas no fundo não sou obrigado a isso. Eufaço aquilo que eu faço, se a pessoa quiser escutar,escuta, senão... Ou seja, tem que abrir: eu faço issoaqui. E apreciam, tem uma boa parte que gosta. Unspoucos não gostam, mas eu não posso fazer para eles,isto.

- Embora possa parecer um pouco de romantismona maneira de se pensar, o importante é fazer comsinceridade.Eu acho que sim, você falou tudo. A sinceridade estámostrando aquilo que você sabe fazer. Eu não souobrigado a tocar Beatles, isso ou aquilo. Gosto, tocava,mas às vezes cria um problema, porque daí todo mundoqueria outra, e outra... E aí ficava a noite inteira tocandoo que os outros queriam. Por aí também não é ocaminho. Pelo menos não é o meu - tem gente que fazarranjos, toca...

- O próprio Leo Brouwer tem arranjos dos Beatles...Tem, não toca mais, mas tenho amigos que em festivais,na descontração, tocam desde Jimmy Hendrix, Beatlesou os novos agora também... não é nada contra isso,não é preconceito. Com o músico, pior ainda, não podeter preconceito. Mas então faz só isso, música popularbrasileira, como o Yamandú Costa [jovem violonistagaúcho], que é bom naquilo que faz. É ótimo, genialaquilo que ele faz. É autêntico, sincero nisso, e não vaicomeçar a tocar Vivaldi ou Bach. Eu me lembro deAltamiro Carrilho que veio tocar Mozart um dia. Euadoro Altamiro Carrilho, fui lá no concerto e fiqueiassim... Ele tocou Mozart e foi um desastre. Horrível.Não é porque é um Mozart melhor ou pior, não é nadadisso. É que não é o mundo dele, e ele ficou nervoso,errou. Quando o cara faz o que ele quer é genial, masele fez isso para mostrar que também sabe fazer músicaerudita, e não deu certo. Aí ele ficou nervoso, o somnão saía, ficou fraquinho, se transformou. Houve umviolinista também que se estrepou inteiro. Tocou tantosanos música popular, fez outra coisas, até que foi tocarum concerto para violino e orquestra. Aí se estrepou.Então não deve se fazer uma coisa dessas. Se quiserfazer em grupo, em casa, estudar... Eu toco MPB, coisasantigas, mais novas. Conheci Baden Powell, meu amigo,o Luís Bonfá, Tapajós, vários.

- O que você tem a dizer sobre a cisão entre a mú-sica erudita e outras práticas, hoje confinadas agêneros populares?O erudito seria assim: trabalha-se mais na auto-disciplina de crescer interiormente, não só como serhumano mas como instrumentista, ou seja, levar a umaperfeição relativa aquilo que se faz. É você pegar umaobra e transformar numa obra de arte. Nossa funçãode erudito é isso, não é? No popular, tem aquela coisamais relaxada, se eu errar quatro notas não importa, oimportante é a emoção. Pode estar um poucodesafinado, não importa. Mas a gente busca a perfeição,então para mim a diferença entre erudito e popular ésó isso. Também no popular uma música não passa detrês minutos. E a música universal, erudita, já érebuscada, trata-se de obras de arte, de coisa filosófica,de meditação, de entrar num mundo espiritual,virtuosístico, de mostrar até que ponto pode chegar umser humano no domínio de um instrumento. É fantástico.A diferença é essa - agora, musicalmente, é questãode gosto, tudo se mistura muito. Está tendo brigas atéhoje, sempre teve. O que é erudito, o que é popular...Muitos dizem que as grandes obras universais foramcriadas na música folclórica, e é verdade, também.Dvórak, Schostakovitch, Stravinsky, Mussorgsky, Ravel,Debussy, enfim, todos eles buscavam no povo. Bártok,o próprio Villa-Lobos, Guarnieri. Música do indígena,do caboclo, só que você leva isso e faz aquela obra dearte, um belo de um quadro. Isso não tem preço, é umacoisa belíssima. É uma cultura, isso mostra um povo, éidentidade nacional e universal. Essa coisa de erudito epopular... Porque existem olimpíadas, por exemplo?Tudo bem, você chutar bola, jogar uma pelada ou vocêvai às Olimpíadas participar de uma corrida, cem metros.Qual é a diferença aí?

- Toda a preparação, o pensamento, a filosofia...Exatamente, então existe uma diferença. É se elevar àpefeição, chegar a um ponto alto. E isso leva o serhumano a limites antes inconcebíveis, cada vez maiores.Auto-conhecimento, até onde podemos chegar, chegarao máximo possível. Perfeição não existe, mastentamos.

- Sabendo você conhece diversos países, e recebeinformações diversas de cada um deles, quais assuas principais influências musicais?África e Brasil, muito na parte rítmica. Muito mesmo,influência muito grande. Na parte harmônica, sem

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dúvida nenhuma, européia. Na parte criativa um poucode jazz, como falamos antes. A maneira de usar osacordes tradicionais com um pouco mais dedissonâncias, a maneira de lidar com a harmonia, seriapra mim o jazz que chegou a um momentoimpressionante, ao topo, praticamente. Estou falandoharmonicamente. Melodicamente, livre. Meu professorfalava, o Almosnino, a harmonia tem que ser um poucorígida, o fundamento tem que ser rígido, mas a melodiatem que ser como uma cobra. A criatividade é queconta. O produto de uma bela melodia, bela entre aspas,é um trabalho árduo. Não é só uma terça, uma sexta...é um trabalho árduo. Não é fácil, eu desafio muita gentea fazer com três notas uma melodia, duas notas.

Há um momento no processo de composição emque você fica satisfeito, encontra uma bela melo-dia e a considera finalizada?A maioria do que eu faço é na hora, porque tem a minhaintuição que diz que está pronta. Depois modifica umpouco, tem a segunda, terceira versão. Mas não sou oúnico, descobri - felizmente - que não era o único. Existe,especialmente na obra de orquestra, a primeira versão,a primeira audição mundial, sei lá o quê. Depois vocêvê, o que você fez de errado você corrige, é totalmentelegítimo. Existem quinze versões da sinfonia não-sei-o-quê de Beethoven, ele próprio fez seis, sete versões,já. Versão revisada. Chega um ponto em que você vaidizer: “bom, chega, não é?” Isso eu tenho um exemplo:um amigo, grande pintor, fez um quadro; quando chegueina casa dele o quadro estava pegando fogo! Estavaquase chorando e eu disse: “o que houve?” E ele disse:“eu cheguei a um ponto em que estava tão bom, tãobom... mas faltou um pouquinho aqui de pólvora, eu iaacender um pouquinho de pólvora e queimar umpouquinho...” Só que ele esqueceu que tinha outroslugares em que tinha pólvora, no quadro. E pegou fogo!“Agora que cheguei na perfeição que eu queria, pegoufogo...” Isso é a loucura de um cara que quer o últimotoque - e às vezes com o último toque você acabaestragando tudo. Então eu prefiro deixar, e muitos anosdepois, na própria editora, isso já foi publicado... Oproblema é a publicação, não me incomoda a obra quefoi feita, está tocando, e tal. Enquanto não está publicadanão me incomoda, porque eu sempre posso mudar umpouquinho, aqui e lá, sabe? Na hora de publicar é oproblema: já está fora, ou seja, isso não volta mais. Eaté hoje me telefonam e dizem: “puxa, mas não tem

nada a ver com o que você gravou...” E tem o problemada digitação, também, não é? Porque escrevi uma peçapara um cara... por exemplo, uma das peças que eumais gosto é escrita para um russo, dedicada a ele. Eele disse: “deixa que eu vou fazer a digitação.” Tudobem, eu nem vi. Tinha uma moça agora num festival, eela disse: “eu adoro esta peça e quero tocar, mas nãoconsigo...” Mas não é tão difícil. Aí eu fui ver e elaestava usando o Kalashikov lá... (risos) Eu chamo deKalashikov porque o cara é escola russa, sabe, vodkae tal... É uma escola dura, tocar até a quarta corda láem cima, e tenta complicar, quando é simples narealidade. E ela [a moça do festival] estava indo pelodedilhado dele. Pelo amor de Deus, como é que eu nãovi isso, devia ter proibido... Mas eu não tenho paciência- não tenho. Mas aí que é um erro, porque as pessoasque estão começando com o violão vão muito peladigitação. Mas eu sempre penso nos professores e naspessoas que tocam, já. Por isso que a maioria dasminhas partituras não tem digitação.

- Suas obras passam por muitas revisões? Vê-semuitos problemas de edições, principalmente decompositores já falecidos, com vários erros. O vio-lonista Fábio Zanon comparou os manuscritos deVilla-Lobos com as edições e encontrou várias in-compatibilidades...Minhas obras vão e voltam da revisão umas três, quatrovezes. Na Eschig [editora que detém os direitos da obraviolonística de Villa-Lobos] é pessima. Para mim foi apior editora, tudo errado! O Leo Brouwer estava p...da vida com a Eschig. Uma obra de uma página temquatro minutos! Sabe por que fazem isso? Porque nahora de tocar as peças, a GEMA [associação alemãde direitos autorais] vai arrecadar por causa do tempo,porque tem o tempo estabelecido. Então não se podiacolocar cinquenta segundos, trinta segundos, e tal. Foimudado isso aí, mas não adiantou muito: agora é mínimode cinco minutos... sabe? Então não adianta colocartrinta segundos, um minuto ou dois - tanto faz. Masquando você registra a obra, e eu registro todas asminhas obras na GEMA, tem que ter isso.

- Como você vê a profissão de compositor erudito?É uma profissão como qualquer outra?Não é bem assim... você depende só e exclusivamentede você, da sua criatividade, da sua disciplina. Dependeso relacionamento que você tem, se você tem umaeditora, se você tem uma pessoa - como eu tenho minha

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esposa que me ajuda em tudo, me acompanha... Mas oponto crítico da profissão é que você não vai falar comoutros. Não tem com quem falar, você fica oito horascom você. E acaba perdendo muito da vida, às vezes;dessas coisas, dessas pessoas... Eu tento conciliar hoje,mas já me sacrifiquei muito. É um sacerdócio, vamosdizer assim. E essa é uma parte muito difícil, a partepessoal. A parte profissional depende, justamente, dasua condição criativa, e o que é mais difícil nessaprofissão, é a assinatura. A sua assinatura. Não é onome - é a característica sua. Se você for a um teatro,e alguém tocar alguma coisa ao piano, e você diz: “issoé Gershwin” ou “esse é Stravinsky”. Se você achaisso, eu acho que devia ser compositor, mesmo quesejam coisas simples. Eu achei isso aí, por certosacordes, certas maneiras de combinar, certas coisasque me tocaram, certos livros, e o conhecimento emgeral de música. Eu tenho essa característica, eu gostomuito: é uma plástica, eu tenho os materiais. “Hoje euvou pegar esta escala, eu vou pegar isto e isto...” Maseu tenho algumas coisas que eu gosto de fazer, o que éa minha loucura justamente. Falaram para um grandeconstrutor de violão (acho que era o Contreras): “puxa,mas e os violões feitos em computador [referindo-se àprodução em série]?” Ele respondeu: “ele é bom, masnão tem a loucura que eu tenho - e todo mundo procuraa loucura que eu tenho”. Todo mundo procura umStradivarius, pela loucura, um Steinway... porque essessão feitos individualmente, eles têm uma loucura, umsegredinho, que pouca gente descobre - ou seja, a suaassinatura. Aí que é a sutileza. Todo mundo podeescrever, eu acho que se aprende. Tema, temática,tantos compassos, material, escala, etc... O difícil dedar aula de composição também é isso, e eu tive bonsprofessores que viram isso em mim, essa semente. Edepois, depende da sorte, da editora, da aceitação dopúblico, da época, da influência que você tem com osamigos... O próprio David [Russel, violonista], o Carlo[Domeniconi, violonista e compositor], os amigos, agente se ajudava muito, na época a gente não tinhanem para comprar às vezes uma coisa para comer... Agente se ajudava no sentido de “me dá suas obras,vamos tocar, vamos difundir, vamos divulgar”, acamaradagem. Por isso que eu digo: é muito bonitoquando os compositores se ajudam, se unem. Acho umapena só que no Brasil que não somos muitos. Eu tentei,união oficial, pessoal, fazer eventos, formar gente, fazerfestivais... Gosto muito do Harry [Crowl, compositor],Ernani Aguiar, Amaral Vieira... Estamos aí, mas já

vamos fazer cinqüenta anos, nosso tempo estádiminuindo. Já não podemos ser amiguinhos como euera do Carlo quando tínhamos vinte, vinte e poucosanos, entendeu? Faça a sua geração, o seu pique comos seus amigos. E o John Williams falou isso uma vezpara a gente, também o Julian Bream. Por que que nãotocam nossas coisas? Ele falou: “muito simples, nós játemos o grupo”. Eles fizeram a sua época e falaram“façam a sua época”. E eu já fiz a minha época; estoumuito feliz, estou fazendo época, estou trabalhando... ea gurizada toca, gosta muito das minhas coisas, e eufico muito feliz. Só que para crescer agora na profissão,se você quer fazer composição, procure já quem estápor aí, motivando, evolucionando, revolucionando... Euconheci o Paulo Porto Alegre [violonista e compositor],o Henrique Pinto [respeitado professor de violão], oGiácomo [Bartoloni], Ângela Müner... Toda essageração.

- Como é seu processo de composição?Às vezes fico três dias vendo televisão, mas não estouvendo televisão: estou armando tudo. Um grandeconselho que dou para quem quer compor: tente ver amelodia na mente primeiro. Alguém disse, um escritor:“a inspiração tem que te pegar trabalhando”, ou seja,nenhuma obra de arte foi criada por uma pessoa ociosa.Não sei... às vezes tenho que me obrigar a trabalhar,subo lá, quero escrever. Mas é um parto, é umsofrimento quando você senta lá e começa a andar, e otema não vem... Para mim é o seguinte: quando vemum tema, já visualizo praticamente a peça inteira. Oproblema aí já é escrever, e me dar ao trabalho de soltaristo.

- Você escreve diretamente no computador ou àmão?As duas coisas. Gosto mais à mão, mas infelizmentenão temos mais o tempo. Mas eu faço isso: trabalhomuito, faço esquemas, tudo à mão, escrevo tudo, edepois vou passando para o computador. Mas muitacoisa já é direto, pego o teclado e já vou colocandoviolino um, dois, flauta, já vou fazendo diretamente aorquestração. Já tem um esquema, já está mais oumenos pronto na cabeça.

- Suas composições mais conhecidas são essenci-almente tonais. Isso reflete a realidade de sua pro-dução?Não necessariamente, isso é meio que um crucifixo

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que às vezes me dão... Não é meu problema, eu nãoescolho as peças para tocarem, eu não falei “toquemisto ou aquilo”. O que acontece é que oitenta, noventapor cento do pessoal quer tocar a música tonal. Maseu tenho bastante música atonal, mas é aquela coisa:eu não obrigo ninguém a tocar. Eu me dou a esse luxo,nunca vou com minhas partituras atrás de pessoas, nãofaço, nunca fiz. Era difícil para mim. Mesmo quandosabia que um pessoal vinha de fora e falavam paramim: “olha, vão tocar, e se tiver algum empresário, levalá as suas coisas...” Eu dizia: “se você quer me ajudar,vou dar as partituras para você e você entrega. Sequiser me apresentar depois, tudo bem.” Mas eu odeioter que obrigar alguém a fazer alguma coisa. Entãoeles [os intérpretes] escolhem o repertório, eles gostamdisso, da minha música tonal mais que da minha músicaatonal. Não posso fazer nada se eles gostam, tambémgosto. Tenho composições seriais, aleatórias, músicaeletrônica...

- Podemos notar em obras como Casablanca (op.77),para dois violões e dois ventiladores, que você temuma mente bem aberta com relação à utilização deefeitos. Você sempre está disposto a experimentarsons novos?Tudo, tudo. Minha obra é muito versátil. Desde músicafolclórica até arranjos de música popular. Até estoufazendo agora música incaica com um cara que vemde fora, vamos gravar em janeiro [de 2003] músicainca, andina. Ele me escolheu para fazer os arranjos,por que? Porque eu entendo da música andina, entendode violinos, sei escrever bem. Olha a arrogância(risos)... não me entenda errado, quero dizer que voufazer o arranjo bem feito, não é nada que o cara chegae diz “mas não dá para fazer, está ruim.” Neste sentidoé que falo: bem construído, sabe? E não é música minha,inclusive, estou fazendo só os arranjos. Então, veja, eufiz jazz, trilhas - quero fazer e estou fazendo trilhas.Meu sonho no momento é fazer mais trilhas sonoras.

- O violão é um instrumento com um repertório umpouco limitado, se o compararmos a instrumentoscom uma tradição mais sólida, como piano e violi-no. O que você nos tem a dizer sobre isso?Boa pergunta. O violão não é limitado - limitado são osoutros. Sabe por quê? Violino tem um timbre, e vai sersempre violino; o violão, você vê, tem milhares detimbres. É o mais rico dos instrumentos,

timbrísticamente falando, de longe. Clarinete eu adoro,tem um timbre de veludo, mas é clarinete, não adianta.O piano, então, o Segóvia dizia, é um monstro - e temrazão. Quem tocava piano, para mim, um dos grandes(entre muitos, naturalmente) era Horowitz, por quê?Não sei, ele era mago, em cada dedo tinha uma cordiferente, não sei como ele conseguia isso no piano.Até hoje não tem uma explicação física daquilo, umaloucura. Mas é a pessoa. O violão é maravilhoso, edepois temos violão de doze cordas, de sete, violacaipira, sem contar a guitarra, o alaúde, enfim. É o únicoinstrumento em que as duas mãos estão em contatodireto com a corda, não tem o arco. O timbre é típicode cada pessoa, isso você dificilmente vai achar nosoutros instrumentos. As pessoas concordam comigo, etêm até inveja, porque você pode levar o violão aondevocê quiser. Você pode tocar na praia, você podeconquistar garotas ou garotas podem conquistar garotos,já vi de tudo. É fácil, carregar um piano já é um poucomais difícil. O violino é aquela coisa, depois da quarta,quinta peça - que me desculpem os violinistas - éestridente. Você não vai tocar na praia, o violino. Lógico,são instrumentos maravilhosos mas que funcionamexclusivamente na música de câmara. Você não vaiescutar um concerto de flauta solo... Pode ser, eu vi já,uma, duas vezes, é muito raro. Violino solo, eu vi grandesviolinistas; cello eu vi, concertos de cello solo,fenômenos. Mas como eu falei, são indivíduos, masnão é o instrumento em si - é o cara. Mas sãopouquíssimos, se conta nos dedos. Agora, o instrumentoem si, o mais versátil deles é o violão. Você pode tocarum concerto e, de repente, vai a uma festa e vai tocarMPB. O mesmo instrumento, de repente, muda, umapessoa muda de smoking para pijama. É uma coisamaluca, e os outros não têm isso, não adianta quererme convencer, eu sou orgulhoso do violão neste sentido.Por isso que eu gosto desse instrumento, sou apaixonadopelo violão, é tão gostoso tocá-lo bem. Lógico que temaquelas frases que o pessoal fala: “o instrumento maisfácil de ser tocado é o violão, mas é o mais difícil deser bem tocado”. Bom, é uma frase, alguém falou(parece que Segóvia) e tal, mas eu não sei, todos elessão. O violino, por exemplo, é tremendamente difícil,tem que ter uma paciência muito mais que no violão, aprincípio. Uma criança pegar um violino é uma tortura.O violão não, você já pode fazer um acorde, já podebrincar um pouquinho, fazer um acompanhamento

- Que importância você dá a transcrições a

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adaptações de obras de outros instrumentos para oviolão?Acho válido, gosto de fazer, desde que você não deturpea obra original, que não fuja muito. Houve um boomnos anos 50, 60, se transcrevia tudo. Isso começou comLlobet, Tárrega... Eles pegavam Chopin, trechos deDebussy, e na verdade faziam isso porque na épocanão tinha essa comunicação que existe hoje, de jeitonenhum. Então eles viam um pianista tocando, porexemplo, o espanhol Albéniz, Granados, e ficavamalucinados. Mas aí tem o contrário: Astúrias é uma obrapara piano baseada no violão, e Albéniz não sabiaescrever para violão - mas Tárrega fez para violão. Opróprio Albéniz falou que muitas de suas obras soammelhor no violão que no piano. Granados também,alguns Valses Poéticos de piano, que são belíssimos.Mas eles pensavam en la guitarra. Então, sem deturparmuito, dá para trabalhar, tem que ser bem feito. Bempensado, bem trabalhado, não vai fazer mal - acho queaté enriquece. E a escola mais sensata que eu conheçodisso é o [Johann Sebastian] Bach. Ele pegava Vivaldi,transcrevia a obra dele mesmo para todos osinstrumentos possíveis e impossíveis... É o mestre queensinou que quando se faz bem uma obra, você podever como soa na viola, no violino, violão, tudo. Achoque é muito válido, se for bem feito acrescenta muito.

- Quais são seus próximos projetos?Estou cheio de serviço agora. Estou escrevendo umconcerto para violino, violão e orquestra; uma obragrande provavelmente para 2004, para orquestrasinfônica; estudos para dois violinos; obras para violinoe piano; enfim, não tenho minha lista aqui comigoagora... A maioria é sob encomenda. Quando tem umtérmino, um prazo, aí é diferente, tem que se obrigar, éum trabalho árduo. É a formiguinha, o trabalhadorbraçal, acorda cedo todo dia, porque tem que entregara obra - e você quer fazer bem feito. Quando tem umaencomenda que não tem pressa, não prometo quando,mas também não vai sair em 2080. Posso entregaramanhã, pode ser dois meses, três, um ano...

- Gostaria de concluir a entrevista com algum co-mentário?Precisamos de mais compositores, em geral. Estáfaltando.

Leonardo Allen WilczekNascido em Telêmaco Borba (interior do Paraná)

em 1980, mudou-se para Curitiba em 1998. Apósestudar violão popular e guitarra elétrica, passoua dedicar-se ao violão erudito. CursandoLicenciatura em Música na Escola de Música eBelas Artes do Paraná, atualmente integra a OVPe estuda violão erudito e interpretação musical coma Professora Norma Einsiedel.

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Jiro Hamada* Entrevista publicada na edição no. 10 - Mar/Abr 1995 com o título“Jiro Hamada afirma que o violão brasileiro é bem aceito no Japão”por Gilson Antunes e Monica Aiub

Aproveitando a presença de Hamada no Paraguai,durante o Festival Agustin Barrios, foi realizada estaentrevista com o pesquisador.Nascido em Tóquio em 1935, Hamada dedicou-seao estudo da cultura hispânica, principalmente Li-teratura, Folclore e Música. Traduziu em 1961 olivro “La Musica de España”de Jose Subirá, publi-cando a seguir traduçðes de obras como “Tárrega”de Pujol, “Fernando Sor” de Jeffery, entre outros.Entre seus trabalhos, destacam-se: “O Folclore”(A Música Sul-americana), “A Música Espanhola”(Compêndio e Ensaios) e “História do Flamenco”,que mereceu o Prêmio Eiryo Ashiwara de 1984.Possui também muitos artigos sobre estes temas aque se dedica em revistas, ilustraçðes de discos etc.Desde 1978 é docente na Universidade Nacionalde Tóquio, Universidade Nacional de Língua Es-trangeira de Tóquio e na Universidade MusicalToho. Realiza programas na Emissora Nacional doJapão (NHK). Atualmente assumiu as presidênciasdo Intercâmbio Cultural Guitarrístico, da Associ-ação Nipon de Flamenco e da Associação de Mú-sica Espanhola “Kadama”, em Tóquio.

- Qual a visão japonesa do violão no BrasilO violão brasileiro é muito querido no Japão, sobre-tudo a música popular: bossa nova, samba. Dos vio-lonistas clássicos, alguns são conhecidos, comoLaurindo de Almeida, que hoje vive nos EstadosUnidos e foi o primeiro violonista brasileiro a serconhecido no Japão. Também o Duo Assad, que feza trilha sonora de um filme japonês.

- Quais os compositores brasileiros mais conheci-dos no Japão?Villa-Lobos. No campo popular há muitos, comoGismonti.

- Como funcionam as associaçðes violo-nísticas equais as atividades realizadas por elas?

Estas associaçðes promovem concertos, aulas, con-cursos. Possuem atividades muito intensas. Há duasgrandes associaçðes: a Nipon Guitar e a Federaçãodos Guitarristas Japoneses. Elas realizam anualmenteum concurso de violão em Tóquio. Possuem cercade 300 associados.

- Como começou seu interesse pela pesquisaviolonística?Começou fazendo sínteses de livros sobre violão degrandes pesquisadores, há cerca de 35 anos. Hojefaço crítica de Música em geral, mas o que mais mefascina é o violão.

- Você já teve uma carreira como concertista?Nunca. Algumas vezes eu toquei em público, masdesisti. Sou um violonista frustrado e por isso soucrítico (risos).

- Como você acha que poderia haver um inter-câmbio violonístico entre Brasil e Japão?Não é fácil. Acho que ambos querem o violão e suamúsica e isto é um laço muito forte, acho que basta.

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Jodacil Damasceno* Entrevista publicada na edição no. 14 - Nov/Dez 1995

Idade: 66 anos *Natural de Conceição de Macabu - RJ *Atividade atual: Professor do Bacharelado de Violãona Universidade Federal de Uberlândia *

- Fale a respeito de sua formação musical eviolonística.Desde criança eu tinha interesse pelo instrumento, masnão tinha condições de estudar porque eu morava nointerior do estado do Rio de Janeiro. Apenas aos 21anos é que eu descobri que seria possível aprender atocar violão e fui estudar com José Augusto de Freitas(discípulo de Quincas Laranjeira e Agustin Barrios).Um ano depois, conheci o trabalho de AntonioRebello, que me demonstrou uma outra maneira detratar o violão. Eu acabei estudando com ele de 1952a 1960, e as aulas eram bem interessantes, aos sába-dos, das das duas da tarde às oito da noite, mais oumenos! O Rebello era uma pessoa fascinante, bastan-te humilde diante do instrumento, que ensinava a res-peitar a arte de um modo geral, além de ser o melhorprofessor daquele momento (junto com Oswaldo So-ares, que dava aulas mais para o pessoal da elite).Como formação musical, naquele tempo não existiacadeira de Violão em entidades de ensino público,até mesmo os conservatórios estavam apenas come-çando, então passei a estudar Música particularmen-te com Florêncio de Almeida Lima, que era catedráti-co em Harmonia pela Escola de Música do Rio deJaneiro. Depois de um certo tempo, fui encorajadopor esse professor a entrar na Escola de Música, comoouvinte, já que não havia a cadeira de Violão. De-pois, fiz um curso com o austríaco - aluno de Schenker-, outro com Guido Santorsola, que se hospedou vári-as vezes na minha casa, e um curso de História daMúsica com Walter Lourenção, na Casa de Rui Bar-bosa, no Rio.

- Como era o ambiente violonístico nesse períodoinicial, anos 50 e 60?Com algumas exceções como Dilermando Reis eRogério Guimarães e os dois professores, o ambiente

naquele momento era muito amadorístico. Tínhamos umaassociação de violão, chamada ABV, que de vez emquando conseguia, com muitos esforços, alguma coisano aspecto profissional, como levar ao Rio de JaneiroNarciso Yepes, Maria Luiza Anido, Manuel Lopes Ra-mos e outros. Essa coisa modificou um pouco quandoOscar Caceres chegou ao Brasil pela primeira vez, em1957. Chegando aqui ele procurou as pessoas ligadas aoviolão - eu fui uma das primeiras pessoas a contatá-lo eele começou, a partir de então, a fazer cursos de técnicae interpretação violonística, quase todo ano, começandoa mudar a perspectiva do ensino do instrumento. E de-pois, com a vitória de Turíbio Santos no Concurso deParis é que começou a mudar um pouco essa fisionomiade violão amador. As entidades começaram a ver o vio-lão por outro prisma, porque poucos músicos brasileirosconseguiram projetar o nome do Brasil no cenário inter-nacional como o Turíbio fez.

- Como foram as aulas com o Oscar Caceres?Ele chegou com uma outra perspectiva de escola,muito mais flexível do que Oswaldo Soares e Anto-nio Rebello, ensinando técnica e mecanismo de umaforma prática. Sobretudo eu e o Turíbio aproveita-mos muito com o relacionamento pessoal, tocandojuntos, fazendo duos, trios, comentando e criticandoo trabalho e isso foi muito importante. Eu consideroter recebido grande influência da escola do Caceres.Em uma ocasião, fui até o Uruguai e passei 40 diasestudando pra valer com ele, isso em 1961.

- Como foi seu contato com Villa-Lobos e Segovia?Foi em 1957. Segovia deu seu último concerto no Rioneste ano e Villa-Lobos deu uma palestra no Institutode Canto Orfeônico. Villa-Lobos colocava uma gra-vação e comentava sua obra e muita coisa de sua bi-ografia. Quando ele colocou sua gravação de violão,comentou seu contato com Segovia e isso foi muitoimportante para mim. Nesse momento, estávamosjuntos eu, o Turíbio e o Herminio Bello de Carvalho -que fazia parte de nosso relacionamento naquele mo-mento, e estudava com o Rebello - e fomos assistir a

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essas palestras onde tivemos oportunidade de fazer co-mentários e pedir explicações de como realizar determi-nados trechos dos Estudos. Isso me abriu uma nova pers-pectiva em relação às obras do Villa-Lobos, pois ele ti-nha uma grande abertura quanto a interpretação.Sobre o Segovia, eu tinha contato com Olga Coelho -que foi a esposa que mais tempo viveu com ele - quevivia me prometendo uma entrevista com o Segoviano dia em que ele viesse ao Rio. E assim foi feito, nãode um maneira espontânea, pois ele a principio ficoumeio desconfiado. O dialogo não foi muito fácil poisele era uma pessoa que parecia se manter em umaredoma, e não deixava você formar um dialogo. Maseu perguntei sobre como se fazer escalas - com e semapoio - ao que ele demonstrou ao violão e disse: “Nem com, nem sem “. E eu perguntei também sobreaquelas peças que levam o nome de Ponce e Scarlatti,ou Ponce e Weiss e ele me disse que aquilo era mes-mo de Scarlatti. Nós viemos depois a saber, peloManuel Lopes Ramos, que essas obras são de Poncee foram feitas naqueles moldes de Fritz Kreisler.

- Você chegou a produzir um programa de rádio,chamado “Violão de Ontem e Hoje”...Esse programa teve a duração de mais ou menos qua-tro ou cinco anos. Foi iniciado pelo Herminio Bellode Carvalho, mas com meu material bibliográfico (dis-cos, livros etc.). Eu era o assistente do programa edepois o dirigi. E a partir daí eu passei a ser recitalista- eu dava um recital por mês - e fazia um programasemanal chamado “ Recitais de Poesia e Música “em que eu fazia fundo musical para declamações depoesia. Esse programa durou um pouco além de 1964,quando teve aquele golpe militar, então nos saímos.Era um programa muito interessante porque divulgoumuito o violão naquele momento.

- Fale a respeito de seus LP’s.Eu só tenho três gravações, sendo apenas um discosolo meu, os outros são participações. A primeira vezfoi num disco do Luis Bonfá, por volta do fim dosanos 50. Depois, o Waltel Blanco me chamou parafazer um disco a dois violões, mas acabamos fazendoapenas aquelas Cirandas do Villa-Lobos, pois não deutempo de preparar os arranjos. Em 1967, a donaArminda Villa-Lobos me chamou para gravar um dis-co, e eu propus a ela gravar os Prelúdios e as Can-ções - que eu já havia realizado a primeira audição mun-dial da “Canção do Poeta do Século XVIII “ e da

“Modinha” das Serestas nº 5. Mas agora eu estive con-versando com o Everton Gloeden e estou com um proje-to de gravar um CD em duo com um aluno meu lá deUberlândia.

- Como você foi para Uberlândia?Eu trabalhei numa empresa comercial até mais oumenos 1969, quando tive de optar pelo violão ou pelomeu emprego. Eu tinha família, e tinha medo de mededicar apenas ao instrumento, mas no dia em que eurompi com aquelas coisas, depois de 23 anos de tra-balho, só me arrependi de uma coisa: não ter feitoisso muito tempo antes. E eu tinha alunos, era muitoprocurado. Eu tinha uma escola de violão em casa, deonde sairam muitos nomes que hoje são profissionaiscomo Léo Soares, Carlos Alberto de Carvalho, Mar-cos Allan, Marcelo Kayath, Graca Allan, EvandroSiqueira e muitos outros nomes de talento, inclusivemúsicos populares como Jards Macalé, AlmirChediak, Joyce, Miltinho (do MPB4)... realmentepassou muita gente pela minha mão. Nesse meio tem-po eu tinha conseguido fundar o curso de bacharela-do em Violão na Faculdade de Musica Augusta SousaFranca. Antes eu já havia brigado muito pela implan-tação da cadeira de violão na Escola de Musica daUFRJ e felizmente o Turíbio conseguiu. E quando eleconseguiu eu já tinha desistido dessa história toda eprestei concurso em Uberlândia em 1982. Lá eu es-tou muito bem, graças a Deus, é uma cidade que medá qualidade de vida melhor do que no Rio, apesar deeu ter muitos laços familiares no Rio.

- Quais seus planos para o futuro?Quero escrever algo na área de Pedagogia do instru-mento. Na Universidade eu tenho duas disciplinas:Metodologia e Literatura do Instrumento, e há umadeficiência muito grande de bibliografia nesse setor.Não quero escrever mais um método de violão alémdos que já existem, mas talvez uma sugestão para ini-ciação, porque eu tenho uma idéia na cabeça, que éfazer algo útil para o sujeito que vá aprender violãopopular ou de ouvido, eu vejo ainda uma separaçãomuito grande nessas áreas (popular e erudito) e euacho que não deve haver. Porque para ambos deve-seter um domínio do instrumento. Afora isso, tem aque-le projeto do CD com o selo do Everton e do Tadeudo Amaral.

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John Holmquist* Entrevista publicada na ediçãono. 42 - Jul/Ago 2000por Rogério Peixoto

Esteve em Goiânia, no período de 20 a 28 deJunho, para um circuito de master-classes e reci-tais, o professor e violonista norte-americano JohnHolmquist – um dos mais aclamados virtuoses doviolão erudito dos EUA. O evento ocorreu dentrodo “Programa Musicistas de Aperfeiçoamento emMúsica”, promovido pela Universidade Federal deGoiás - UFG que tem, durante esse ano e o último,trazido músicos de vários países, em diversos ins-trumentos e formações camerísticas, para recitais,palestras e aulas.

Vencedor de vários concursos nacionais e inter-nacionais, o professor Holmquist é o titular da ca-deira de violão no Cleveland Institute of Music –uma das mais conceituadas escolas de música domundo - onde, além de coordenar os cursos de vio-lão, ele dá aulas também de pedagogia. Sua atua-ção como concertista internacional é igualmentecheia de méritos, além do fato de ter sido ele o pri-meiro a editar os recentemente descobertos 10 Es-tudos Para Violão, de Giulio Regondi, cujagravação será brevemente realizada. Durante suaestadia em Goiânia, tanto em suas aulas como norecital que foi realizado no Teatro Goiânia (um dosmais antigos e respeitados da cidade) o violonistae professor John Holmquist demonstrou ser mere-cedor de cada mérito musical de seu currículo, porsua compreensão profunda de todos os aspectosda música e da atuação profissional do artista, bemcomo deixou marcada – na memória de todos osparticipantes do curso – sua personalidade gentile agradável, sendo uma pessoa muito acessível.

Esse evento – que certamente representou umaefetiva oportunidade de desenvolvimento musicalpara todos os participantes – marcou também a ati-vidade violonística brasileira, pela importância davisita de tão relevante figura à comunidade de vio-lonistas do país. Trago aos colegas de todo o Bra-sil, através do nosso Violão Intercâmbio, um poucodos conhecimentos e pensamentos musicais que

pude recolher – numa pequena entrevista – desseverdadeiro mestre:

- O direcionamento do seu trabalho como professorobjetiva uma completa independência e segurançado violonista. Gostaríamos de saber como o senhorprepara seus alunos para que eles sejam capazesde tomar suas próprias decisões e a partir de queponto o senhor os considera possuidores de perso-nalidade artística própria.Meu trabalho como professor é fazer com que eu mes-mo me torne obsoleto no primeiro momento possível e,para tanto, eu realmente começo o processo de cons-trução da independência dos alunos logo no princípio.Algumas vezes eles estão conscientes do que eu estoufazendo para ajudar a formar sua própria auto-sufici-ência, mas em muitos pontos eles não são. Uma dascoisas que eu faço é ensinar através de questões. Emlugar de dar informações eu tendo a fazer perguntas,que são elaboradas para fazê-los pensar e chegar àdecisão apropriada. Todas as experiências que eles têmsão pessoais e próprias. O trabalho que fazemos deveser auto-validativo. As questões e os temas de trabalhonão são criados para que eles entendam conceitos teó-ricos que eu tenha dado, mas para que experimentem averdade dos mesmos através do que fazem por si pró-prios. Por exemplo: para alunos que sejam fracos nosentido da consciência oral, que não tenham um bomouvido, eu perguntarei qual a forma que eles deram aalguma frase que tenham acabado de tocar. Assim você

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cria uma estrutura para o pensamento - uma estruturapara o ouvido - através das perguntas que você faz.Normalmente, numa situação como essa, quando lhespergunto qual a forma que deram à frase, eles se sen-tam, olham para mim e dizem: “eu não sei”. Eu façoesses questionamentos para construir uma estrutura,de forma que eles sejam capazes de guiar seus ouvi-dos. Direi: “que dinâmicas você usou? Com qual delascomeçou, a quão forte você chegou, a quão piano, eonde você fez isso?” Então, quando eles começarem atocar, estarão mais conscientes das dinâmicas. Eu lhesfaço perguntas que são construídas para aumentar seunível de controle sobre o que fazem, forçando-os a ou-vir a si próprios. Este processo é, de fato, um dos quaisos capacitam a formar seus próprios meios de pensa-mento, fazendo-os imediatamente menos dependentesde mim, uma vez que lhes estou ensinando a ouvirem asi mesmos. Eu posso também fazer perguntas sobretécnica. Por exemplo, no caso de alguém estar fazen-do algo erradamente eu digo: “Você consegue fazeresse movimento? Pareceu que você sentia um poucode dificuldade...gostaria de tentar assim?” e mostrocomo fazer corretamente. Ele, então, estará apto aexperimentar as diferenças entre a dificuldade de sefazer coisas incorretas, tecnicamente, e a facilidadeem fazê-las com a técnica apropriada. Todas as expe-riências devem ser validadas pelos próprios estudan-tes, têm de ser algo que eles provem por si mesmos.Enquanto você os está auxiliando a criar essas experi-ências próprias está também treinando-os a serem in-dependentes. Quanto à questão do desenvolvimento desuas personalidades artísticas, eu considero desde oprincípio que eles devem ser pessoas possuidoras depersonalidade própria. Meu trabalho é guiá-los na for-mação da mesma, dando informações que os farão to-car estilística e estruturalmente de forma mais apurada,mas eles já possuem personalidade artística própria e émeu dever ajudá-los a desenvolvê-la até o ponto emque eles não necessitem mais da minha assistência.

- O senhor não trabalha com crianças, mas o fazcom iniciantes. Qual o método de trabalho que osenhor aplica ao lecionar para alunos que estãocomeçando os estudos?Isto depende do motivo pelo qual a pessoa me procurapara estudar. Se ela vem a mim com a intenção de setornar profissional sou extremamente rigoroso, sobre-tudo com o desenvolvimento da técnica. Eu costumoiniciar o meu trabalho com bastante rigor e concedo ao

aluno mais liberdade à medida em que sua habilidadecresce, até o ponto em que ele possa utilizar essa liber-dade de forma responsável. Se, entretanto, alguém meprocura para iniciar os estudos apenas para o seu di-vertimento, eu darei exatamente a mesma informação,mas serei muito mais relaxado na cobrança com rela-ção ao nível em que a pessoa utiliza esse conhecimen-to. Eu penso que é importante dar a melhor informaçãodesde o princípio, pois essa é uma das fases mais im-portantes dos estudos. Se as coisas são feitas correta-mente desde o começo, isso poupa ao aluno umatremenda quantidade de esforço e energia mais tarde.Se não são, depois o estudante tem que se esforçar esofrer muito em termos de tempo e energia – e tam-bém emocionalmente – ao ter que reaprender váriascoisas, necessitando antes de desaprender o que sabia,para conseguir aprender da forma correta. Reafirman-do: se uma pessoa está iniciando seus estudos, com opropósito de ser um profissional, talvez esse seja o pe-ríodo mais importante que ela jamais terá em seu de-senvolvimento. A formação de hábitos nesse estágio édeterminante em relação ao que acontecerá depois. NosEstados Unidos nós temos um ditado: “Quando o ramoé torto, assim cresce a árvore”, e isso é uma granderealidade no estudo de música. Os hábitos físicos ementais corretos devem ser criados no início dos estu-dos. Quanto às crianças, elas representam uma áreamuito especializada e devem ser tratadas cuidadosa-mente por alguém que as compreenda, e entenda suascapacidades. Também é muito importante que o pro-fessor encontre o melhor caminho para alcançar osresultados técnicos e musicais esperados preservando,ao mesmo tempo, o divertimento das crianças pela mú-sica. Eu preferiria que uma criança fosse um violonistafeliz e alegre do que um violonista excelente. Natural-mente, a motivação das crianças está vinculada ao seuprogresso. Se elas tocarem bem será maior a probabi-lidade de que se divirtam. Entretanto, é mais importan-te para o seu crescimento a longo prazo que elassimplesmente tenham divertimento com a atividade. Oestudo de música deve ser algo que enriqueça a vidada criança em termos gerais... se ela vai ou não setornar profissional não deve ser a preocupação quandodo início dos estudos.

- O senhor utiliza uma rotina de estudos técnicosdiários? A partir de que ponto o estudante pode re-duzir sua carga de exercícios específicos e come-çar a trabalhar dentro de um repertório?

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Em se tratando de alunos iniciantes, normalmente leva-se de um a dois anos para que eles desenvolvam afluência técnica requerida para que sejam hábeis a co-meçar a resolver seus problemas através de um reper-tório. Usualmente depois desse período o estudante sebeneficia menos com exercícios técnicos do que comdesafios inseridos no repertório de estudo.Freqüentemente, quando o aluno começa, ele vai utili-zar até dois terços do seu tempo de estudo em exercí-cios técnicos. Depois do primeiro ou segundo ano,quando sua técnica está quase totalmente formada, re-duzo essa quantidade para cinqüenta por cento ou atéum terço da quantidade de tempo diário de prática. En-tretanto, uma certa quantidade de estudos técnicos ésempre necessária. Eu ainda os faço durante vinte mi-nutos todos os dias.

- Dada a sua vasta experiência tanto no papel deconcertista internacional como de professor, de quemaneira o senhor enxerga a inter-relação entre es-sas duas atividades? Elas são complementares emsua opinião?Eu creio que essas duas atividades são complementa-res. No final do século 19 e no século 20 tivemos atendência de nos especializar em demasia, e o proble-ma com a especialização é que ela não abrange toda agama de atividades necessárias ao exercício de umaprofissão. Vemos isto atualmente quando vamos a ummédico com um problema na garganta e a outro comum problema no estômago. Os dois irão prescrever me-dicações diferentes, mas elas podem não funcionarquando utilizadas em conjunto, e podem ser até mesmoperigosas. Quando era mais jovem eu visitava um clíni-co geral, que era responsável por todos os meus cuida-dos médicos, e só procurava algum especialista se istofosse realmente necessário mas, ainda assim, meu clí-nico geral supervisionava meu tratamento com tal es-pecialista. Esse problema é muito presente na músicaem nossos dias: nós temos instrumentistas e executan-tes de música, nós temos professores de instrumento,nós temos professores de teoria musical e temos pro-fessores de composição. Para ser um músico você re-almente precisa ser capaz de fazer qualquer uma dessascoisas – o que não quer dizer que tenha que fazê-lasigualmente bem, mas você precisa ser hábil a realizá-las até um certo ponto. Eu sou – em primeira instância– um instrumentista e professor, mas eu também possocompor. Em minhas aulas eu ensino aos alunos comousar a teoria musical em sua prática cotidiana e a en-

tender de que maneira a teoria se relaciona ao que elesfazem expressivamente no instrumento. Eu tambémtento mostrar a eles como a expressão de certas coi-sas na música demanda outras coisas da técnica, deforma que esta última é conduzida pela primeira. Ape-nas quando você compreende todos os diferentes as-pectos da música é que se torna um músico completo,pois todos os fatores estão integrados. Meus alunosnão chegam até mim apenas porque eu toco bem ouensino bem, mas porque eu estou fazendo o que elesquerem fazer, então eles vêem em mim um exemplo –bom ou ruim – da coisa que eles desejam realizar. Por-tanto, a partir desse ponto de vista, enquanto professor,é muito importante para mim ser um performer, poismeus estudantes me vêem tocar. Isto também eliminauma série de debates estéreis em classe, pois eles vêemque eu faço o que eu digo e ,então, não preciso mesentar e ter qualquer sorte de discussão estúpida ape-nas por que eles queiram inflar seus egos. Comoperformer, a habilidade de ensinar é muito importante,pois eu sou forçado a articular minhas idéias e senti-mentos tanto sobre música e expressão como sobretécnica. Todas essas coisas me ajudam a crescer comoprofessor e instrumentista.

- Durante sua estadia em Goiânia, o senhor reali-zou um recital didático intitulado “InterpretaçãoMusical ou Por que Estudar Teoria da Música”.Poderia nos oferecer uma sinopse dos principaisfatores que motivam um aprofundamento dos estu-dos teóricos em perfeita relação com a prática ins-trumental no sentido de proporcionar ao estudantecritérios sólidos para uma interpretação musicalde qualidade?Tocar uma peça de música sem compreender comoela é estruturada, como ela trabalha expressivamente,é como tentar ler poesia numa língua que você nãocompreende: talvez você até goste do som das pala-vras, mas o seu verdadeiro significado – que é partesignificativa da própria poesia – se perde. Similarmen-te na música, se você deseja expressar um conceitomusical, você deve saber o que é este conceito. Teoriaé um meio de se utilizar palavras para descrever con-ceitos musicais. Uma das coisas que a teoria é especi-almente eficiente para descrever é a criação e aresolução da tensão, e isso tem um impacto sobre quaisdinâmicas, cores e articulações nós usamos. Se vocênão compreender como a tensão é criada e resolvidanuma peça de música você não será capaz de tocá-la

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apropriadamente. Portanto, é importante entender ateoria porque você está entendendo como a música tra-balha, como ela de fato funciona, e até compreenderisso, você não tem literalmente nada para praticar. Aúnica razão pela qual praticamos é ensinar o nosso cor-po a executar um conceito musical. Se você não temum conceito musical, não tem nenhuma necessidadede praticar, portanto é preciso ter um, de algum tipo.Você pode mudá-lo, pode aprofundá-lo, mas ainda as-sim precisa dele para fazer isso. Para criar esse con-ceito você pode recorrer aos seus instintos, que são abase da sua interpretação. Contudo, entender como amúsica funciona através da compreensão teórica pos-sibilita ouvir os seus instintos mais claramente. Utiliza-da corretamente, uma compreensão da estruturamusical irá tornar mais claro aquilo que você já estiverouvindo e sentindo instintivamente. Em vez de ser umacoisa que contradiz a sua intuição ou o faz tocar commenos sentimento, o estudo de teoria musical deve au-mentar a sua consciência e aprofundar a compreensãodos seus próprios instintos.

- O senhor possui um extremo cuidado e um exce-lente controle de variações timbrísticas, dinâmicase rítmicas, sendo bastante claro quanto à necessi-dade de evitar exageros. Que tipo de estudos o se-nhor recomenda para que se atinja o domínio des-sas sutilezas sem sair dos limites de diferentes esti-los e períodos?Cores, dinâmicas, rubatos... todos são métodos paraexpressar idéias musicais. A quantidade de expressãoaplicada deve se relacionar à importância da idéia. Umaidéia que não seja muito importante não precisa ser tãoclaramente articulada de forma que fique em destaqueexagerado. Já uma idéia extremamente importante deveser enfatizada musicalmente através de rubatos, corese/ou dinâmicas de tal forma que sua significância sejaclaramente exposta, não apenas num sentido teórico,mas sim de maneira que isto seja ouvido e sentido ple-namente pelo executante e pela audiência. Portanto, aexpressão que é dada a uma passagem está subordina-da ao que é pedido pela mesma, ao quão significanteessa passagem é. O conceito de controle sobre isso é,mais uma vez, um conceito musical: você deve ter ahabilidade técnica necessária para executar a idéiamusical com toda a sua expressão. Técnica não é algoque seja bom possuir: é algo essencial. Se você nãotem o controle sobre a sua técnica você não tem ocontrole sobre a expressão das suas idéias musicais.

Para estudar isso, naturalmente, a primeira coisa é sercapaz de ouvir a si mesmo... quando você toca forte,quando você toca piano. Quando você toca com maisrubato você tem que saber exatamente quanto rubatoestá sendo utilizado: pouco ou muito? Para saber issovocê tem de ter um tempo constante, então poderá sa-ber o quanto está se desviando daquele andamento, equão rapidamente você terá que retornar ao mesmo.Você tem de ser capaz de julgar essas coisas clara-mente e isso pressupõe que você seja hábil para ouviro que está fazendo e entender isto. Inicialmente, vocêpode praticar essas coisas em escalas e arpejos comoexercícios técnicos. Pode tocar uma escala uma vezforte, outra piano, ou tocar metade da escala forte, ea outra metade piano... você pode tocar essa escalacom crescendo ou decrescendo , tocar cada quatronotas com uma cor diferente etc. Não importará exa-tamente o que você estará fazendo, mas sim que vocêtenha o controle do que estiver executando. Sob essaótica escalas e arpejos podem ser usados como estu-dos técnicos sobre como controlar cores e dinâmicas,assim como seus dedos.Não há nada que diga que, uma vez que você toque asescalas uniformemente em termos de tempo, você nãopossa também aprender a variar o andamento para pra-ticar rubatos. Por exemplo, eu poderia sustentar umpouco mais a primeira nota de um grupo de quatrosemicolcheias, e depois acelerar as três restantes deforma que o começo do próximo grupo ocorresse emcoincidência com a pulsação normal.

- O senhor foi o primeiro a editar os recém desco-bertos 10 estudos para violão de Giulio Regondi, evai em breve lançar uma gravação com músicasdeste compositor. O que pode nos dizer sobre elese, em sua opinião, o que representam para o re-pertório violonístico, num sentido histórico?Os estudos estiveram perdidos por mais de um século,e foram finalmente redescobertos por um amigo meu,Mathanya Ophee, o editor da Editions Orphee, numacoleção particular em Moscou. A mulher à qual elespertenciam, Natalia Ivanova Kramskaia, foi muito gentile nos permitiu fotocopiar os manuscritos, e eu fiz umaedição para performance baseada nas fotocópias. Ade-mais, estava claro que a escrita musical não era deRegondi. Então, por serem os manuscritos feitos poroutra pessoa que não o próprio compositor, e por estar-mos trabalhando sobre fotocópias, não pudemos fazeruma edição crítica definitiva naquele momento, tendo

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feito apenas a edição para performance. Depois daminha edição ter sido publicada, Mathanya adquiriu osmanuscritos e me perguntou se eu faria uma ediçãorevisada dos manuscritos. Devido ao valor dos mes-mos e ao tempo que o trabalho tomaria eu não pudeaceitar a proposta – uma vez que ele e eu morávamosem cidades diferentes, e eu basicamente teria de memudar para sua casa durante cerca de seis semanas.Então, eu recusei sua oferta e sugeri que ele mesmofizesse a edição, o que aconteceu. Ele fez uma ediçãorevisada extremamente bem feita, e ela substitui a mi-nha – que não está mais sendo impressa. De qualquerforma, restaram alguns exemplares no mercado, queserão substituídos pela nova edição revisada. Os estu-dos - em termos do desenvolvimento da técnica – sãoextremamente importantes: eles são extremamente di-fíceis de se tocar, não havendo um só estudo fácil noconjunto. Apresentam um grande número de diferen-tes desafios musicais e técnicos e, em adição a isto,são músicas de extrema beleza. Portanto, eu acreditoque eles representam um significativo acréscimo tantodidática como artisticamente ao nosso repertório.

- Existem pelo mundo vários compositores escre-vendo para o violão. Como o senhor enxerga essasnovas obras e quais as perspectivas que o senhorvê para o desenvolvimento do repertório violonísticono século XXI ?Assim como ocorre com os trabalhos musicais escritosem qualquer período, a maioria das peças que foramescritas neste século são de valor medíocre. Entretan-to, nós temos uma quantidade de trabalhos muito bemescritos para nós e eu fico muito satisfeito que issotenha acontecido ao nosso repertório. Eu não tenho ne-nhuma idéia de para onde as coisas se desenvolverão apartir daqui, e essa é uma das maiores questões que seapresentam a todos os músicos – executantes ou com-positores – no século que passou e nesse novo que aíestá.Nós temos trabalhado em música que tem tonalidadeou, como ela é chamada: música do período de práticacomum, e nós a levamos até onde nos é possívelharmonicamente. É muito difícil encontrar qualquer ino-vação na harmonia ou na melodia, mas isso não impe-de as pessoas de continuarem escrevendo novas lindaspeças. Contudo, na idéia de que está para ocorrer umdramático novo desenvolvimento e uma grande mu-dança, nos moldes como aconteceu, por exemplo, dorenascimento ao barroco, do barroco ao clássico, do

clássico ao romântico, e do romântico à era moderna,esse tipo de grandes transformações, eu não sei o queos próximos serão, e não acredito que alguém saiba.Esse é provavelmente um dos maiores dilemas que te-mos à nossa frente.

- O senhor gravou com a Orquestra de Cleveland –sob as batutas de maestros renomados – “CincoPeças” de Anton Webern e “Sinfonia n.º 7” deGustav Mahler. Poderia nos dizer sua opinião arespeito da colocação do violão na música de câ-mara e sinfônica, e a importância dessa práticapara a inserção completa e definitiva do violão nosmeios de música erudita?Eu creio que seja imprescindível para nós, tanto econô-mica quanto artisticamente, nos tornarmos mais com-pletamente integrados à comunidade musical geral,portanto saúdo a inclusão do violão na música de câ-mara e em peças orquestrais. Eu tenho tocado muitasvezes com a Orquestra de Cleveland, tenho feito turnêscom eles, não como solista, mas simplesmente comoum membro da orquestra. Eu tenho tido alegrias nasocasiões em que tocamos juntos, pois eles são uma or-questra incrível e, em adição a isso, têm feito com queme sinta sempre muito bem-vindo. A música em si temsempre sido muito interessante. Tenho tocado óperasde Henze, e feito vários tipos de coisas, como KurtWeill e outros compositores, e tenho me divertido mui-to com isso. Acredito que é fundamental para o violãose integrar mais completamente à comunidade de mú-sica geral, e o melhor caminho para fazer isso é atra-vés da música de câmara, bem como de concertos,mas a primeira é um veículo ainda melhor.

- Em suas aulas podemos notar que o senhor tratade maneira muito objetiva os aspectos práticos doestudo de música e do instrumento, mas tambémpossui uma gama de idéias filosóficas e reflexões.Há algo que o senhor gostaria de deixar à comuni-dade violonística brasileira?Eu não sei o que teria a dizer à comunidade violonísticabrasileira porque somente agora eu estou me tornandomais familiarizado com ela. Obviamente o instrumentoé altamente desenvolvido aqui, os níveis de execuçãosão muito elevados, e o nível de performance dosconcertistas é extremamente alto – eu conheço muitosdos principais artistas brasileiros no cenário internacio-nal de concertos de hoje. Agora mesmo eu apresenteium duo com o meu amigo e colega Eduardo Meirinhos

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aqui em Goiânia e isso foi uma experiência musicalmaravilhosa. Pir Vilayat Inayat Khan diz: “a filosofia éa autópsia da experiência”. Em termos de idéias filosó-ficas, eu acredito que qualquer uma delas deve ser prá-tica. Pensar algo somente pelo prazer de pensar éinteressante e agradável, mas eu estou sempre maisinteressando em como posso usar informação. Sejaagora ou no futuro, eu acredito ser importante que mi-nha filosofia não seja algo que eu pense, mas sim algoque eu demonstre tocando e ensinando. Quando eu falofilosoficamente eu estou tentando dar conceitos quetenham impacto direto sobre a compreensão dos alu-nos ou instrumentistas sobre a música. Eu espero queos meus comentários possibilitem que eles a vejam deforma diferente, desenvolvendo seu entendimento eaprofundando sua sensibilidade, o que vai afetar a for-ma com que eles tocam. Embora eu goste de uma dis-cussão filosófica eu sempre desejo que ela tenha umpropósito. Contudo, as coisas nunca são o que elas apa-rentam ser na superfície... sempre há conceitos, méto-dos de comunicação, métodos de expressão quefundamentam as ações básicas ocorrentes na mesma.No sentido de compreender essas ações superficiaisvocê deve compreender esses conceitos básicos. So-mente através dessa compreensão é que se pode apli-car adequadamente as ações exteriores necessárias eampliar seu conhecimento sobre essas questões apa-rentes.

Rogério Peixoto é arquiteto e estudante de violãoem Goiânia. Atualmente prepara-se para iniciar o bachareladono instrumento.

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-Como você se iniciou no violão?-Eu comecei nos anos 40, aos 11 anos mais ou menos,na minha cidade, Pitangui, Minas Gerais, (que até hojenão tem uma casa de música). Eu nascino ano de 1932. Lá apareceu uma pessoa (Prof. atos),tocando violão clássico, Capricho Árabe, e eu fiqueiapaixonado. Ele me disse que, se eu quisesse tocar oerudito, eu teria que estudar música, pois de ouvido eunão iria conseguir. Eu procurei então um maestro dacidade, que me ensinou “11 lições de solfejo”, de ummétodo pelo correio. Por sorte tinha o desenho do braçodo violão. Eu conheci, então, uma professora de pianoque me incentivou a transcrever peças para violão. Em1964 eu vim a São Paulo, eme indicaram o Sávio. Ele me disse, primeiramente,que eu tinha que corrigir minha posição de mão.Coincidiu que eu estudava datilografia, que acabou medando estafa, pelo excesso de estudo (de violão edatilografia).Eu fiquei seis meses parado, mas depois voltei tocandoAstúrias e outras coisas. Mas o ambiente que tinhanaquela época era muito bom. Lá no Sáviotinha o Lansac, que foi um dos maiores violonistas queeu já vi. Hoje em dia há muitos violonistas bons tocandoem todo o Brasil, pois a técnica foise aprimorando, mas naquela época não, e eu achoque o Lansac, Milton Nunes, Scupinari, Diogo Piazza...

-O Sr. conheceu o Piazza?Sim, de uma forma até curiosa. Eu estava lá naAcademia (na Rua Caio Prado) tocando um choro doDiogo, que chamava Marcha Eróica. Chegou entãoum senhor do meu lado, que me corrigiu uma nota, combastante interesse. E daí uma pessoa que estava domeu lado falou que aquele era o Diogo Piazza...(risos). Ele disse que ficou muito feliz, pois inguémestudava aquela música, que era muito difícil. Mas eusempre tive um bom relacionamento com ele.

-Sempre me falaram muito bem das peças dele.

Eu tenho algumas peças dele em casa (Indiferente,Choro n. 1, etc)...Então, naquela época era isso, tinha também aquelemilitar, Sebastião Galante (ele fazia parte da nossasaudosa Guarda Civil), tinha também o (OscarMagalhães) Guerra, que foi professor do GeraldoRibeiro.

-Mas o Sr. tinha acesso a discos de violão na suainfância?-Não, não tinha nem casa de música na minha cidade,eu tinha que ir a Belo Horizonte (120 Km de distancia).Naquela época a gente ia de trem ouônibus.

-Mas o Sr. veio a São Paulo por causa do violão?-Eu vim por insistência de um casal que me viu tocandoe achou que eu devia vir para cá. Eu trabalhava noBanco e na verdade não tinha muito interesse.Mas eu esperei as férias e acabaram me arrumandoum emprego aqui na capital. Mas eu ia muito na casado Ronoel Simões, e era uma raridade aparecer algumviolonista por aqui, a não ser aquele recital do Segóviaem 1957.

-O Sr. assistiu o recital do Segóvia?-Assisti, inclusive passou até na televisão. Depois vioutros, como o Argentino Lopes Ramos. O recital doSegovia foi ótimo, ele passava uma grandetranqüilidade. Inclusive o nervosismo é um grandeproblema dos violonistas, ou melhor, de todos os músicos.

-O sr. fez aulas com o Sávio aonde?-Na Bela Vista, na rua Conselheiro Ramalho, em suacasa. Mas eu tive que parar. Ele me incentivou muito,mas a gente conhece muitos casos de pessoas quetiveram que parar por problemas nas mãos. O MiltonNunes mesmo teve um problema no dedo indicador. Eo Lansac, cada vez que ele tocava era uma aula pratodos nós. Ele tinha um quarteto, junto com o Sávio,

José Franco* Entrevista publicada na versão on line do Violão Intercâmbio, ediçãono. 08por Gilson Antunes

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Ronoel e Martins Sobrinho, e depois do ensaio o Lansacfazia um solo que era uma grande lição. Aprendi muitocom ele...

-Eu sempre ouvi falar muito bem dele. Com quemele estudou, o Sr. sabe?-Não sei. Ele era de São João da Boa Vista, que pareceser uma cidade abençoada, pois deu Guiomar Novaes,Duo Assad...

-Eu já ouvi dizer que ele foi o melhor violonista bra-sileiro daquela época.-Foi. Há a historia do Agustín Barrios, que ele iria tocarnaquela cidade, mas ficou adoentado e não pode ir,então o Lansac tocou e o Barrios assistiue ficou encantado. Mas o Lansac é que ficou assustadodepois em saber que o Barrios assistiu o recital, poisele era muito nervoso pra tocar. Pra gente não, eletocava numa boa, mas para o público era maiscomplicado. Acho que ele nunca teve professor, quenem eu. Modéstia à parte, minhas transcrições sempreagradaram muitos bons violonistas, que levaram apartitura e tocaramem recital. Eu pulei várias coisas da escola tradicional,como escalas, harpejos... Trêmulo eu nunca consegui,talvez tenha a ver com o acidente que sofri. Quandocriança eu quase perdi a mão numa mordida decachorro... Outro dia eu até consegui fazer o trêmulodo Ultimo Canto do Barrios (Uma Limosna por el amorde Dios), mas é difícil.

-Mas, voltando, após essa fase do Sávio, o Sr. ficouestudando sozinho?Eu voltei ao trabalho, fiz poucas transcrições, ia a algunsrecitais, mas não perdia contato com o onoel, que jáme enviava partituras pelo correio.Eu sempre freqüentava a Academia, acabei conhecendoo Vital Medeiros e o Nelson Cruz, que me propôsretomar o Sexteto Paulistano de Violões pela terceiravez.

-Isso foi em que ano?-1969.

-O Sr. já tinha visto o Sexteto Paulistano tocando?-Não. O Vital Medeiros e o Nelson Cruz faziam oprimeiro violão, eu e o Nelson fazíamos o segundo, oBadi Schuff fazia o terceiro violão e o Scupinari

“arredondava” as músicas. A parte dele não era escrita.

-Interessante isso...É. Então, o Scupinari ficou entusiasmado com o Vitaldando aquela força no primeiro violão e eu tocando nosegundo (eu estudava bastante violão nessa época),que disse que agora poderia escrever os arranjos queele queria.Logo em seguida saiu o disco, mas a felicidade duroupouco, pois ele faleceu logo em seguida... E aí ocamosem quinteto, que estava até muito bom. Aessa altura estava o Roberto Ramos no quinteto. Nósestávamos na casa do Ronoel Simões e fomos tocarum tango, Inspiracion, e o Roberto, sempre meiobrincalhão, fez uma imitação tão vigorosa que o Nelsonse encheu e resolveu acabar com o grupo (risos). Mascomo o Nelson não vivia sem violão, ele me propôstocarmos em duo. Tocamos e o Nelson faleceu tambémem seguida.

-O Nelson morreu em que ano?Provavelmente em 1993.

-E o Roberto?Foi no fim de 2002, de acidente de carro... Uma pena,pois era umbelíssimo violonista, apesar de muitobrincalhão. Eu acho que o violonista tem que semprese informar, estudar muita música, e não ficar semprepensando em tocar rápido. Eu ouvi outro dia aCanzonetta de Mendelsohn com Quarteto de Cordas enão é nada daquilo que estamos acostumados em ouvircom os violonistas. Eu até aproveito a oportunidadepara parabenizar o Fábio Zanon pelo programa de rádioque ele apresentou na Radio Cultura, que é umamaravilha, mostra que ele se interessa pela literaturado instrumento.

-Atualmente o Sr. fica fazendo transcrições.Eu faço transcrições há 50 anos! Eu não tenho nemidéia de quantas eu fiz, só no computado tem umas130. Há varias folhas avulsas, uns 5 ou 6 cadernos,então, não tenho nem idéia.

-O Sr. não se apresenta há quanto tempo em recital?A última apresentação do duo com o Nelson Cruz foiem 1982 em Araraquara.Na primeira parte eu fazia uns 4 solos, depois o Nelsonfazia uns 4 solos, e na segunda parte tocávamos umas8 músicas em duo. Depois eu tocava lá na Academia

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(casa do Ronoel Simões) pelos anos 80. Hoje eu façotranscrições e leio música.

-O Sr. é aposentado?-Sim, de escritório. Eu nunca acreditei nisso (música)como uma profissão porque nunca tive, em primeirolugar, uma facilidade de concertista, então nem tentei.

-Mas e pro Sexteto, o Sr. fazia transcrições tam-bém?Não, eram todas do Scupinari. Ele inclusive não gostavanem de palpites.Eu até consegui dar algumas idéias, mas porque a gentetinha muita afinidade, inclusive de gosto musical. Euaté tive muito orgulho de poder tocar pra ele após osensaios, e ele me ouvir.

-Eu queria saber de mais duas pessoas, em pri-meiro lugar a respeito do Armandinho (ArmandoNeves)...O Armandinho eu conheci no final de sua vida. Eucheguei a escrever alguma coisa com ele tocando, porexemplo, o “Curare”. Alguém também escreveu oLamento, do Pixinguinha, a partir do Armandinhotocando, mas ele já não tinha mais técnica para tocar,morreu pouco depois. Então foi uma grande satisfaçãoconhece-lo, mas parece que eu sempre chego tarde navida das pessoas, pois elas morrem em seguida (risos).

-Outra pessoa que eu queria saber é sobre o OthonSaleiro, que gravou um disco incrível.Conheci. Eu assisti um recital dele no Sagrado Coraçãode Jesus. Ele tocou uma Caixinha de Música, que achoque era dele, uma transcrição de Tárrega, de umScherzo de Beethoven, e outras peças. Se não meengano ele era médico.

-Exatamente. Só agora “descobriram” um discoincrível que ele gravou, que é uma coisa genial.-Pois é. Ele esteve na casa do Sávio naquela noite e euo conheci lá.Conheci também o Guido Santorsola, que foi levar aSuíte Antiga para o Sávio editar. Ele também levou umarranjo de uma sonata de Sor, opus 22 ou opus 25, senão me engano. Bem, conheci muita gente naquelaépoca e aprendi muito ouvindo essas pessoas. Hojeem dia sou concertista doméstico (risos) e fico fazendotranscrições, mas o gosto pelo instrumento não morre,não.

Principalmente agora, com essa ótima safra deviolonistas e luthiers que estão aí, e que foram ajudadospelas gerações mais antigas.

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Joseph Baldassarre* Entrevista publicada na edição no. 34 - Mar/Abr 1999por Tiaraju Aronovich

JOSEPH BALDASSARRE é uma verdadeiraassumidade. Com diplomas universitários em bai-xo, flauta, cravo e piano, possui ainda um mestradoem Historia da Música com ênfase na Música Anti-ga, e um Doutorado em Violão Erudito -performance. Baldassarre realiza concertos em vi-olão, alaúde, vihuela barroca e outros vários ins-trumentos. Seus instrumentos são réplicas de ins-trumentos originais de época, encomendados e de-senhados por ele próprio a seu pai - que desempe-nha a trabalho de luthier. Com uma média de 10 -15 apresentações públicas por mês, Baldassarre éainda professor de Historia da Música, LiteraturaViolonística, Prática de Música Antiga e Música deCâmara no estado de Idaho - Estados Unidos. Etambém diretor da “Boise Early Music Society”,uma sociedade especializada em Música Antiga.

- TIARAJU ARONOVICH : Como você concilia acarreira de violonista erudito, alaudista e baixista,além de ser professor universitário de Historia daMúsica e Música Antiga ?J. BALDASSARRE: Eu amo a música e tudo aqui-lo que fala a seu respeito. Não apenas Música Erudi-ta, mas também Rock, Folk e Jazz . Eu tambémadoro escutar e realizar concertos em instrumentosjá esquecidos, assim como instrumentos de sopro epercussão. Um dos meus estilos musicais favoritosé a musica vocal da Idade Media e do início doRenascimento. Eu gosto de achar informações, emespecial sobre a prática e performance desses esti-los, e além de ensinar isso aos meus alunos, aplicotambém aos meus concertos. De várias maneiras, terconhecimento sobre diversos estilos musicais ajudaa expandir minhas possíveis soluções técnicas emusicais. Sem minha habilidade de improvisar emRock e Jazz, eu teria muito mais trabalho para im-provisar em Música Medieval, ou ainda no concertopara violão de Watson, que permite ao intérprete to-car a cadência que já está escrita, ou improvisar uma.

- A técnica de um instrumento influencia na técni-ca de outro ?

Eu tento manter as técnicas separadas. Entretanto,de vez em quando acredito que a técnica de um pos-sa me ajudar com outro. A técnica do alaúde de al-ternar os dedos “p” e “i” em passagens escalísticasrápidas, me permite trocar de uma corda a outra maisfacilmente do que utilizando “i” e “m”. Acho issomuito útil em ocasiões como o Aranjuez de Rodrigo, por exemplo.

- Você é o diretor de uma sociedade musical. Quaissão os objetivos de uma sociedade como essa? Queatividades vocês desenvolvem?Os principais objetivos são:1-Manter os sócios informados sobre apresentaçõeslocais de Música Antiga.2-Trazer concertistas de outros estados e cidades.3-Organizar eventos e concertos locais.4-Organizar viagens quando houver uma boa ativi-dade ocorrendo em locais próximos.5-Informar os sócios sobre aspectos interessantes daMúsica Antiga por meio de artigos em nosso jornal.

- Você se apresenta em publico de 10 a 15 vezes pormês. Qual é sua preparação para um concerto ?Pratico os exercícios comuns de aquecimento no ins-trumento (s) que eu for utilizar, e em seguida repas-so os trechos mais difíceis do repertório. Eu realizotantos recitais que já tenho diversos programas pron-tos com as músicas que irei interpretar. Muitas des-sas performances não são concertos formais, entãoeu posso também começar com obras mais simples,e aquecer durante a apresentação. Vale salientar tam-bém que muitos recitais são realizados em grupo (musica de câmara ) ou em outros instrumentos quenão o violão. Nesses casos, não preciso de muitopreparo ou aquecimento, pois tenho feito isso há tantotempo que os aspectos mentais e físicos já fluemnaturalmente.

- Como anda o cenário violonístico da sua cidade/estado ?Muito bom! Temos uma sociedade de violão forma-da por estudantes que se reúne regularmente e trazartistas consagrados para recitais algumas vezes ao

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ano - em conjunto com a sociedade de violão deIdaho. Nós também hospedamos o “NorthWestGuitar Festival” a cada quatro anos. Organizamosmuitas viagens para assistir artistas que não possampassar por aqui. Além disso, as Universidades locaistambém ajudam bastante a agendar concertos óti-mos, como o grupo “Musicians of Swanne Alley” (com o alaudista Paul O’Dette ) e o “Project ArsNova” ( com o alaudista medieval Crawford Young),e muitas lojas de instrumentos também mantêmatividades e concertos com certa freqüência. O jazzno violão e guitarra também está fortemente presen-te aqui.

- O que você conclui ao trabalhar com estilos mu-sicais tão antagônicos: da música do Renascimentoao Rock ?A mentalidade do improviso da música medieval erenascentista são próximas à mentalidade de impro-viso do Rock. Apesar de estilos e linguagens dife-rentes serem aplicadas, o “cérebro” usado é o mes-mo. Ambos os estilos possuem uma certa “finesse”e oferecem liberdade ao intérprete. Esses são doisestilos de música (juntamente , é claro, com o reper-tório tradicional do violão ) que eu especialmentegosto de estudar e tocar. Dediquei 15 anos da minhavida para aprender a improvisar no alaúde em estiloe linguagem Medievais. Dediquei também muitotempo aos instrumentos de sopro e percussão.

- Como alaudista e violonista, você tem algum co-mentário em particular sobre as transcrições fei-tas do alaúde para o violão ?Em primeiro lugar, acho que a música deve sertocada. Se você não tem um alaúde ou uma vihuela,não importa, toque-a ao violão. A mentalidade dohomem medieval ou renascentista não limitava amúsica a um determinado instrumento. É possívelachar a mesma peça em edições e manuscritos comdiversos arranjos : alaúde , 4 vozes, violas, voz eacompanhamento etc. …O sentimento e a interpre-tação não podem ser aquilo que pessoas do século16 esperariam, mas eu acho que mesmo assim tudoestaria bem entre eles e nós - o compositor medievalou renascentista estaria provavelmente feliz e sur-preso ao saber que sua obra ainda é executada, inde-pendente da maneira de interpretação. No que dizrespeito a transcrever obras de piano, orquestra, har-pa ou o que quer que seja para o violão…não é co-migo. Há uma quantia enorme de obras belíssimasescritas para o violão /alaúde/vihuela, e eu acredito

em promover meu próprio instrumento. É claro quenão condeno aqueles que tocam as transcrições. Seassim quiserem, que as toquem. Não há problemas.Apenas sei que o meu “meio” é a execução de músi-ca antiga, o quão fiel ao original (fac-símile ) quantopossível. O fato de meu pai ser um luthier tambémme ajuda a interpretar as músicas em réplicas de ins-trumentos originais de época.

- Alguma mensagem para o Brasil ?Violonistas e compositores brasileiros possuem umaótima reputação por aqui. A sua técnica, estilo eemoção são apreciadas e até invejadas por muitos.Minha única mensagem : Sigam em frente, vocêssão representantes soberbos da comunidade violo-nista !

TIARAJU ARONOVICH, 19 anos, é idealizadorda Mostra de Violões na Biblioteca e atualmentecursa bacharelado em violão nos Estados Unidos.Desejando contato, e só escrever para :[email protected]

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Julian Gray* Entrevista publicada na edição no. 31 - Set/Out 1998por Tiaraju Aronovich

Julian Gray é professor do Peabody Institute, juntocom Manuel Barrueco e, com o violonista RonaldPearl, forma o Duo Gray and Pearl. O primeiroCD do Duo, The Magic Circle, foi extremamentebem recebido pela crítica norte-americana, ganhan-do elogios da Guitar Player, Acoustic Guitar eAmerican Record Guide. Em 1996, o Duo lançououtros dois CDs, Baroque Inventions, com obrasde Bach, Handel e Scarlatti, e Homages andEvocations, ambos repetindo o mesmo sucesso decrítica.

- Fale um pouco sobre a linha de trabalho que oDuo tem seguido.Nosso primeiro desafio foi a escolha do repertó-rio, pois além de agradar aos dois, tinha de serum repertório diferente, afinal, na época em queformamos o Duo, o repertório para essa forma-ção era restrito, e todos os outros duos tocavamas mesmas peças. Dessa forma, em dois ou trêsanos já havíamos tocado praticamente tudo o queera disponível e passamos então a fazer transcri-ções por nossa conta. Finalmente, após algum tem-po, passamos a pedir que compositores escreves-sem peças para o Duo, com o objetivo de deixarfuturamente um amplo repertório disponível paraessa formação. Atualmente, após tanto trabalho,estamos tentando gravar todo este material.

- O que você acha do atual nível dos estudantesuniversitários de violão?De 1960 para cá, tenho sentido uma enorme dife-rença nos estudantes de violão em geral, não ape-nas os universitários, mas os estudantes dos con-servatórios etc.. O número de programas univer-sitários de violão está aumentando muito, e a qua-lidade dos programas também está subindo ano aano. Em Peabody, por exemplo, temos cerca de35 a 40 alunos de violão por ano, indo de calou-ros aos alunos de Mestrado e Doutorado. É pos-sível observar que são estudantes de altíssimo ní-

vel, sérios e talentosos.

- No Brasil, enfrentamos uma grande dificuldadede levar público aos concertos de violão. Como é,nos EUA, a apreciação e freqüência do públiconos recitais?Tudo depende do marketing empregado. Algo quenos ajuda muito são as sociedades de violão e orádio. Nas sociedades de violão, sempre procura-mos manter um bom relacionamento com as emis-soras de rádio e investimos muito nas mailing lists.É importante salientar que nunca um concerto deviolão é tratado como um acontecimento indivi-dual, ele sempre está inserido dentro de um con-texto, um panorama que cresce ano a ano. Dessaforma, conseguimos manter uma média razoávelde público, que tende a crescer, graças ao apoio etrabalho mútuo de muitas pessoas.

- Que conselhos você daria para os estudantesiniciantes de violão?Primeiramente, é necessário cuidar para que oamor pelo instrumento não o deixe cego paraeventuais problemas. Deve-se desenvolver a pa-ciência e a concentração, que são as bases para oestudante avançado. É importantíssimo trabalhara mão direita, para elaborar um som grande e co-lorido nota após nota. O professor deve ensinar oaluno como praticar e resolver problemas, poisna maior parte do tempo o aluno estará sozinho.Gostaria de dizer, por último, que a técnica e ainterpretação devem ser trabalhadas separadamen-te, e depois devem ser unidas.

- Você gostaria de mandar algum recado para osbrasileiros?Eu adoro a sua música! A influência da músicabrasileira neste século é enorme. Eu também ad-miro a clareza sonora que observo nos violonis-tas brasileiros, aliás sou um grande fã do DuoAssad. Um abraço para todos.

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Léo Soares* Entrevista publicada na edição no. 4 - Mar/Abr 1994

Idade: 41 anosAtividades atuais: professor de violão a UFRJ econcertista

- Como você se interessou pelo violão?Essa é uma pergunta curiosa porque na realidade eunão comecei me interessando pelo violão. Comecei aestudar aos 3 anos de idade numa iniciativa quase quelouca de meus pais, quando, ao ir a um concerto comeles, de orquestra, me interessei pelo violino. Chegueiem casa, pedi a meus pais que me dessem um violino.Eles acreditaram e pediram que o luthier Guido Pascolime fizesse um violino menor. Foi assim que comeceina Música, antes mesmo de ser alfabetizado. Tive umaexcelente professora da escola Vienense chamadaHelena Pock, e muito da minha concepção de músicadevo a ela. Aos 12 anos interrompi meus estudos porqueuma irmã minha, que estudava piano e fazia muit músicade câmara comigo, acabou por desistir da Música deuma forma geral, e eu fiquei muito frustrado e oinstrumento não passou a me satisfazer mais. Aí entãointerrompi o estudo do violino, mas nunca parei deestudar Música. Continuei com as matérias teóricas,onde tive excelentes professores, Koellreuter e EstherScliar. Mas eu realmente comecei a me interessar peloviolão depois de assistir a um concerto de Luís Bonfána televisão. Entretanto, iniciei no violão erudito, com oprofessor Jodacil Damasceno, em 1957

- Como era o ambiente violonístico quando vocêcomeçou a estudar?Havia poucos que se dedicavam seriamente ao violão.Havia uma grande deficiência de professores na época,e eu posso dizer que tive sorte de ter como primeiraexperiência esta escola de violão que trouxe o Sávioao Brasil. Daí pra frente tive inúmeros professoresimportantes, como Oscar Cáceres, depois fiz um cursode três meses com Narciso Yepes, que foi um grandemestre. Tive aulas também com Jorge Martinez Zarate,entre outros.

- Quando você iniciou, quais eram suas influências?

Eu sempre fui orientado pela minha professora – aliás,acho que foi uma ótima orientação – a sempre ouvirmúsica de uma forma geral. Acredito que o violão éum instrumento que nos possibilita uma individualidademuito grande, ou seja, eu acho que arte é, antes detudo, a exacerbação da individualidade, isso é o que euapregôo para meus alunos. Não quero que ninguémseja cópia de ninguém, muito menos minha, enfim, eacho que temos todos os espaços por sermos únicosno Universo. Nesse sentido, não existem duas pessoasiguais. De maneira que eu jamais poderia citar um queme agrade mais que o outro. Em alguns gêneros gostomais de alguns intérpretes, de outros gosto mais deoutros intérpretes... naturalmente estou falando na faixade Julian Bream, John Williams. Eu ouço muitoorquestra e gosto de analisar com a partitura, eu achoque a música não deve ser ouvida só pelos instrumentosde sua preferência, acho que toda a concepção dointérprete em violão deveria ser mais direcionada praesse sentido. Eu às vezes me ressinto em pensar quealguns violonistas pensam muito “violonisticamente”,isso é um negócio que às vezes me chateia um pouco.Eles esquecem de toda a parte de estruturação musicalque é fundamental para qualquer possibilidade deinterpretação. Enfim, isso nem sempre é muitorespeitado.

- Você, na década de 70, foi algumas vezes juradodos Concursos e Seminários de violão em Porto Ale-gre. Qual foi a importância desses seminários parao Brasil?Sem dúvida, o Antonio Crivellaro teve uma iniciativaque, independentemente de qualquer outro julgamento,teve uma importância capital na evolução do violão, e,se considerarmos que grandes nomes surgiram nessesSeminários, inclusive me orgulho de um aluno que seiniciou nesses Seminários e que hoje tem um nomeinternacional, consagrado, que é o Marcelo Kayath, quefoi meu aluno durante muitos anos e foia vários dessesSeminários. Acredito que deu um caráter internacionalao violão no Brasil de maneira definitiva. Eu diria que,a partir dos Seminários Internacionais de Violão, nós

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tivemos outra importância no panorama internacionaldo instrumento.

- Você foi um dos responsáveis pela formação degrandes nomes do violão no Brasil. Você poderiacitar alguns?Marcelo Kayath, Flávio Barbetas, Paulo Pedrassoli Jr,José Paulo Becker... até no meio popular como OscarCastro Neves, Gal Costa, enfim, tem gente que eu atétenho medo de esquecer. O que eu vejo é que quasetodo violonista que eu conheço passou pelas minhasmãos de uma forma ou de outra, inclusive fiz muitoscursos de férias e isso nos aproxima muito.

- Você não acha que falta um intercâmbio maiorentre os violonistas hoje em dia?Sem dúvida nenhuma. Minha preocupação maior é comisso hoje em dia. Criamos um intercâmbio internacionalde violonistas, que eu pretendo estender para algunscolegas – apenas estamos esperando que as coisas sesolidifiquem – e o primeiro foi realizado no Peru emjulho de 1993. Esses Encontros tem sido muitoimportantes do ponto de vista de concertos e cursos.Nós sempre realizamos em países explorando no finalde cada um deles um passeio nos lugares maiscaracterísticos. Em maio faremos no Equador, ademaisdo Encontro, um passeio nas Ilhas Galápagos. Depoisvamos à Bolívia e visitaremos vários lugares. Então,ademais de toda a parte musical – aulas, concertos,conferências – existe também nesses Encontros umaspecto de conhecimento mais amplo de cultura e ecivilizações. É claro que vamos começar pela AméricaLatina, por vários motivos, e depois pretendemos partirpara a Europa. E nesse próximo Encontro eu pretendolevar alunos meus para o Equador e com areciprocidade de trazer alguns de lá para o Brasil.

- Como é que você vê a profissão de violonista hojeem dia?Acho que essa pergunta nenhum entrevistado gosta deresponder. O que eu acho é que nós temos que sermuito francos com os alunos, principalmente mostrartoda a gama de dificuldades. Por outro lado eu acreditotambém em uma coisa chamada competência. Claroque não se pode pretender ser milionário e músico aomesmo tempo, embora alguns consigam essa proeza,mas hoje em dia parece que até os maiores só mesmocom megaconcertos. Mas o que eu acredito é quecompete a nós mudar o Brasil nesse sentido, é preciso

que a gente não esmoreça e que prove por competênciaque a cultura é tudo num povo.

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Luiz Cláudio Ribas Ferreira* Entrevista publicada na edição no. 15 - Jan/Fev 1996por André Egg

Luiz Cláudio Ribas FerreiraIdade: 30 anosAtividades: Professor de Violão e Música de Câmerana Escola de Música e Belas Artes do Paraná(EMBAP), concertista e camerista.

- Como você começou a tocar violão?Comecei com o violão de 7 cordas num regional dechoro, aos 11 anos de idade.

- Como você se interessou pelo violão erudito?Aos 13 anos, ouvindo meu primeiro professor -Alvino Jr..

- Você ganhou seu primeiro concurso aos 14 anos,não é? Qual foi?Sim, o Concurso Abel Carlevaro, em São Paulo, em1979. Neste concurso tocaram também o GiacomoBartoloni - na época com uns 18 anos de idade - e oClemer Andreotti, que hoje está na Alemanha.

- Como foi sua formação?Comecei a estudar violão erudito com o ValdomiroProsdóssimo (Conservatório Villa-Lobos emCuritiba). Estudei também com Henrique Pinto,Jodacil Damaceno, Leo Soares (aulas regulares) ediversos outros em cursos.

- E suas participações em concursos? Você tocouno Eldorado em 1991.Em 1981 ganhei o Concurso Isaías Sávio. Em 1989participei do Jovens Concertistas, onde ganhei o prê-mio de melhor intérprete de música brasileira. Em1991 fui o único violonista entre os premiados noConcurso Eldorado.

- Como é competir com outros instrumentos emconcurso?Depende do júri. Suponha-se qualquer um ouvindoum concerto de Rachmaninoff para piano e logo emseguida escutar a Serenata de Malcolm Arnold noviolão. Somente um júri qualificado saberia discernir.

- Mas o violão leva desvantagem no repertório,não é mesmo?Em quantidade, mas não em qualidade. Se você ex-plorar o violão em 100% dos seus recursos e, porexemplo, 100% do piano, teremos menos condiçõesde expressar qualidades técnicas e musicais por fal-ta de capacidade do instrumento. Então, as compo-sições fatalmente se esgotarão ou repetirão antes doinstrumento em comparação.

- Como nós violonistas podemos compensar estadificuldade do instrumento?Cada um de nós, como qualquer outro instrumentista,deve se preparar técnica e musicalmente na sua to-talidade. Uma vez assim, as vantagens e dificulda-des serão as mesmas para qualquer instrumento.

- Considerando estes aspectos, como você consi-dera o ensino de violão hoje no Brasil?Nos últimos 15 anos, o violão no Brasil cresceu so-bremaneira, conquistando muito espaço no cenárionacional. O intercâmbio entre brasileiros e universi-dades estrangeiras trouxe recursos em nível demestrado e doutorado, enriquecendo nossa qualida-de musical. Hoje nossa cultura musical já serve deapoio para estrangeiros também. Com base nisso,acredito que nós estamos numa posição privilegiadano país e no exterior, violonisticamente falando.

- Como você vê a atividade profissional do violo-nista hoje?O caminho profissional se desenvolve em magisté-rio e performance. Material humano existe em gran-de quantidade, e com vontade de aprender. Um bomtrabalho como professor jamais se tornará escassocomo meio de vida. Como concertista, a coisa mudacompletamente. Os espaços existem mas, na sua mai-oria são inexpressivos para valorização da carreira,bem como não ou mal remunerados.

- Você também faz arranjos de música popular. Éuma boa área para se trabalhar? Existe mais es-

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paço e oferece possibilidade de realização profis-sional como músico?Acredito que todo músico deva conhecer sua músi-ca de origem. Se vai desenvolvê-la ou não, dependede seu gosto pessoal. Como realização profissional,os números falam por eles próprios. Quanto a mim,ainda não posso responder, pois estou apenas co-meçando nesta área.

- Você tem um disco lançado, onde toca Dowlande Albéniz, e outro já gravado em estúdio, faltandolançar. Como é o trabalho de gravação, suas difi-culdades e o espaço?Gravação é a perpetuação do trabalho. O espaço, naverdade, é simplesmente a possibilidade de venda.As dificuldades são grandes, pois poucas gravado-ras apostam na música erudita. Com relação aos dis-cos, gravei no final de 1993 uma hora de música,que pretendo lançar como "Sonatas e Sonatinas".Em 1995, participei do CD "Bamerindus 95"comocriador, arranjador ena execução das partes de vio-lão. Concluo que junto com a carreira de concertistae professor, a gravação seja a prova real de um tra-balho como músico.

- Você acha importante o intercâmbio entre violo-nistas no Brasil? Você acredita na idéia de umaassociação nacional de violonistas?Há três meses iniciei, a convite da UniversidadeFederal Do Rio de Janeiro, um trabalho de masterclasses e concertos, em nível de intercâmbio entrealunos. Hoje somos nós da EMBAP,UFRJ e oCDMCC (Conservatório de Tatuí - SP) neste even-to. Acredito ser de enorme valia,pois os alunos ga-nharam mais espaço e o país ganhou, indiretamente,uma pequena associação de ensino. Quanto a umaassociação nacional, musicalmente seria o melhorsonho, mas muito difícil de se realizar burocratica-mente.

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LuizMantovani* Entrevista publicada na versãoon line do Violão Intercâmbio,edição no. 3 - Mar/Abr 2003 como título “Luiz Mantovani está devolta ao Brasil em 2003”por Teresinha Prada

Um dos mais brilhantes jovens musicistasbrasileiros da atualidade, o violonista LuizMantovani, 29 anos, natural de Jundiaí (SP), estáde volta ao Brasil neste começo de ano após umperíodo de quatro anos nos EUA.

Vencedor do Pro Musicis International Award,um dos mais prestigiados prêmios internacionais dereconhecimento à excelência musical, Mantovanirealizará sua estréia solo no Carnegie Hall em NovaYork em abril próximo, como parte de suapremiação. Já se apresentou como solista e músicode câmara no Brasil, Estados Unidos e ReinoUnido, destacando-se recentemente como o solistado Concerto para violão e orquestra de Villa-Loboscom a Boston Modern Orchestra Project, na JordanHall em Boston, além de atuações nas últimastemporadas em recitais solo na Jordan Hall, na SalaCecília Meireles no Rio de Janeiro, na CanningHouse em Londres e em uma transmissão ao vivopela rádio pública WGBH/Boston, bem comoconcertos e gravações com grupos do porte doBoston Musica Viva e Alea III. Realizou tambémestréias mundiais de obras do norte-americanoDavid Leisner, do israelense Lior Navok e dobrasileiro Raul do Valle, este último com o flautistabrasileiro Michel de Paula, com quem manteve umduo por oito anos. Mantovani tem o CD soloAppassionata, gravado em 1998 em São Paulo.

Possui o Artist Diploma pelo New EnglandConservatory of Music, em Boston, tendo sido foio primeiro e único violonista admitido neste que é

o mais prestigiado curso oferecido por estainstituição. Como bolsista da CAPES, Mantovaniobteve em 2000 o grau de Mestre em Música comdistinção máxima, também pelo New EnglandConservatory. No Brasil, formou-se Bacharel emMúsica em 1997 pela Universidade do Rio deJaneiro, UNI-RIO. Seus principais professores deviolão foram David Leisner, Nicolas Barros eAntônio Guedes.

- Como surgiu seu interesse por Música e por vio-lão? Quantos anos tinha? O que você costumavaouvir na época de sua formação inicial de violonis-ta? Quais eram suas referências musicais, seusgostos (inclusive na área popular)?Meu interesse pela Música é antigo, e, ainda que euseja o único musicista na minha família, desde criançaouvia muita música em casa por meio de meus pais,música de todos os genêros e épocas, o que certamenteinfluenciou os meus interesses artísticos. Aos 7 anoscursei iniciação musical e estudei violino na Escola deMúsica de Jundiaí, mas acabei me desinteressando.Somente retornei à Música aos 15 anos, interessadoem tocar violão, após ouvir alguns discos de meu pai -especialmente os de Segovia. Tive a grande sorte de

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ter como primeiro professor um amigo de “cooper” demeu pai, o professor Antônio Carlos Guedes de Oliveira,em Jundiaí. Com ele, já desde o início, aprendi a estudarde maneira racional e organizada, a estabelecerobjetivos e prazos, cumprindo-os sempre de maneirametódica e segura.

- Quando percebeu que queria seguir a carreira eviver da Música? Que resoluções tomou?Como comecei a tocar violão relativamente tarde, empouco tempo já tive que decidir para que carreiraprestaria o vestibular e o que faria de minha vida.Consciente de meu amor pela Música e pelo violão, adecisão de seguir a carreira foi influenciada pelosincentivos do meu professor, além do fato de ter obtidoo primeiro prêmio em um concurso de violão organizadopelo professor Henrique Pinto nas Faculdades São JudasTadeu, em São Paulo, com pouco mais de um ano deinstrumento - algo que na época me deixou bastanteconfiante. Mesmo sem ter uma idéia concreta do queseria a minha vida profissional no futuro, presteivestibular para Música, tendo entrado na USP eUNICAMP. Por motivos pessoais, optei por cursarComposição na UNICAMP, já que em 1991 não existialá o curso de violão clássico. Em 1994, pedi transferênciapara a UNI-RIO, para estudar com Nicolas de SouzaBarros, professor que eu havia conhecido na Oficinade Música de Curitiba, e assim passei uma temporadano Rio de Janeiro que foi muito rica em aprendizado eexperiências.

- Qual a importância de estudar no exterior e quan-do/por que você escolheu Boston?Eu acho que todo musicista brasileiro, ao menos naárea de Música Erudita, deveria passar pela experiênciade estudar e morar no exterior. Para mim, foi comoabrir uma grande janela, de modo que eu pude enxergara minha profissão sob uma ótica muito mais abrangente.No Brasil, apesar de esforços isolados, não existe muitosuporte ao jovem artista, ao musicista que acaba de seformar na universidade. Acabamos não tendo uma idéiaclara do que é ser um músico profissional, no sentidoreal da palavra. Existe um esforço em trazer todos osanos grandes nomes da Música para tocar nasimportantes séries internacionais nas grandes cidadesbrasileiras, o que é louvável e necessário, mas não háquase nada atualmente para incentivar o jovemmusicista em busca de espaço e reconhecimento. Ondefoi parar o tradicional Prêmio Eldorado de Música, por

exemplo? Por aqui é difícil ter um plano de carreira epô-lo em prática de maneira consistente, sem contarnas dificuldades materiais para se conseguir partituras,instrumentos, acessórios, CDs, etc. É preciso muitasorte e resignação, além de talento e amor à Arte, paraser músico profissional por aqui. Pelo menos é esta aidéia que tenho, levando-se em conta minhas própriasexperiências, antes e depois destes quatro anos vivendoem Boston. O lado positivo desta situação é que aquiainda há muito o que ser feito, e justamente por isso éimportante ter a experiência de viver em países commaior tradição em nossa área para que saibamos quaissão as prioridades e estabeleçamos objetivos concretos.Com relação à minha escolha por Boston, não possodizer que foi uma escolha premeditada, mas quase aoacaso. Em 1997, muitos de meus colegas de faculdadeestavam cursando pós-graduação no exterior e eu, játendo tido algumas experiências em concursos econcertos na Europa, sabia que esta seria umaexperiência importante para meu aprendizado musical.Optei pelos EUA por saber que o sistema de ensinouniversitário é semelhante ao brasileiro e eu poderiaobter uma revalidação de meu diploma quandoretornasse, e Boston veio como uma intuição. Intuiçãoacertada, pois é uma cidade com uma vida culturalextremamente desenvolvida e David Leisner foi oorientador perfeito para mim naquele momento.

- Como é a vida musical norte-americana e o querepresenta esta experiência para um jovem estu-dante brasileiro?A sociedade americana não é muito diferente dabrasileira, em termos de preferências artísticas. Acultura de massa é imperativa e a qualidade muitasvezes duvidosa. Mas, no caso da Música Erudita, aindaque seja exclusiva de uma elite ou dos “iniciados”, existeum movimento musical incrível em muitas das grandescidades. Isto porque, acredito, lá exista uma tradiçãoda iniciativa privada em investir em cultura. Qualquersérie musical nos EUA tem, nas últimas folhas dosprogramas dos concertos, uma lista com os nomes dedoadores, das pessoas e empresas que possibilitamàquela série manter-se economicamente.Provavelmente lá existe uma política de incentivo fiscalbem mais desenvolvida que a daqui, e isso pesa nadecisão de grandes empresas e indivíduos investiremnas Artes. Para meu Artist Diploma pelo New EnglandConservatory, tive uma bolsa de estudos integral(proximadamente US$20000/ano), oferecida por um

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casal que tem uma participação ativa na vida culturalde Boston e que há anos patrocina as anuidades dosalunos deste curso. São verdadeiros mecenas, pessoasque pertencem a uma elite econômica mas tambémcultural, e que vêem sentido em investir na cultura. Estefoi contexto econômico/cultural de minha permanênciaem Boston. É verdade que a história completa não foium mar de rosas. Aparte minhas atividades estudando,me apresentando como solista e músico de câmara elecionando em abientes universitários, parte significativade meus rendimentos vinham de atividades que eu nãotinha o hábito de fazer aqui no Brasil, como tocar emcasamentos, recepções, e até ensinar rock em escolasde música. Todas estas experiências, mesmo asnegativas, enriqueceram enormemente minha formaçãomusical. Pois, se havia o lado ruim de ter que lutar pelasobrevivência muitas vezes “vendendo” minha música,num país onde o acesso a informação éimensuravelmente maior que no Brasil, seja pelasuniversidades e bibliotecas bem equipadas, seja pelopoder aquisitivo muito mais alto que no Brasil, ainda épossível fazer a opção pela Arte e criar seu prórioambiente musical e cultural.

- Quais foram as suas maiores dificuldades paraatuar no meio musical no qual você conviveu nes-tes últimos anos e como conseguiu êxito?Se por um lado existem muito mais oportunidades deperformance numa cidade como Boston, por outro ladoexiste uma concorrência muito maior. Então há umacompetição que é muito positiva no sentido de estimularo desenvolvimento técnico e musical, mas negativapelas consequências emocionais que ela impõe. Dequalquer maneira, para mim foi muito importanteestudar numa escola renomada como o New EnglandConservatory, porque tive a oportunidade de conviver,e muitas vezes trabalhar, com músicos do mundo inteiro,muitos deles de um nível altíssimo, fossem elesinstrumentistas, compositores ou regentes, estudantes,professores ou apenas profissionais. Uma vez, aindana UNICAMP, o Ulisses Rocha me disse que“aprendemos música por osmose”. Se isso é verdade -e acredito que seja - foi muito importante para minhaformação estar num ambiente como o do conservatório.Um exemplo desta convivência foi meu quarteto deviolões, o Quadrivium, do qual infelizmente me desligueiprematuramente pela decisão de retornar ao Brasil.Voltando à questão das dificuldades, acredito que a únicamaneira de se conseguir êxito num ambiente altamente

competitivo é através do esforço e da participação.Ninguém se lembrará de você se você, por melhor queseja, ficar trancado oito horas numa sala estudandoviolão e não aparecer. Tem que ir a concertos, conhecergente do meio, participar de concursos, audições,aproveitar todos os recursos disponíveis. E também serhumilde para reconhecer quando não é bom o suficiente,mas sabendo que através do esforço poderá superaras dificuldades. Tive muitas decepções, mas tambémmuitos momentos gratificantes. Além desta atitude deprocurar pelo meu espaço, tive o privilégio de ter algunscontatos importantes em Boston, o que levou a outroscontatos importantes e assim foi se criando uma espéciede rede. É assim que na prática se constrói uma carreira,acredito. Fulano não pode tocar em tal concerto, aíalguém ouviu falar de você, te contata, você faz umbom trabalho e é chamado novamente ou indicado paraoutro trabalho. É um processo lento, gradual. Mas ajudaestar num lugar dinâmico onde quase todo dia háconcertos de qualidade acontecendo com músicoslocais.

- Como foi sua participação em concursos e em quenível você acha que concursos são importantes parao jovem violonista?No Brasil eu sempre gostei de participar de concursos,e obtive alguns prêmios importantes, como o primeiroprêmio no Concurso Nacional de Violão “Nelson Allam”e o segundo prêmio no Concurso “Talentos RádioMEC”, ambos no Rio. Quando eu cheguei aos EstadosUnidos, fiquei deslumbrado com a possibilidade departicipar de muitos concursos, tanto lá como na Europa,uma vez que as viagens seriam muito mais acessíveisque no Brasil. No começo obtive alguns bons resultados,como o segundo prêmio na Schadt String Competition,um concurso para solistas da Allentown Symphony, naPennsylvania, e fui finalista do Concurso Internacionalde Granada, na Espanha. Mas após estes primeirosêxitos, comecei a repensar os reais motivos pelos quaisdecidi dedicar a minha vida à Arte, e percebi que estavadirecionando meu repertório e estudos para aparticipação em concursos. Achei uma conclusão muitotriste e resolvi mudar a forma de encarar a profissãode músico, trabalhando para meu prazer e pensandono meu público ao escolher o repertório. Foi umadecisão acertada. Eu acho que concursos abrem portas,mas a partir do momento que viram uma obsessão esão encarados como a única maneira de se vencer naMúsica, a própria atividade musical perde o seu sentido.

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Após tomar esta decisão, oportunidades de performancecomeçaram a aparecer com mais frequência, em nívellocal e regional. Mais tarde, voltei a participar deconcursos, mas dei preferência aos que eram abertosa todos os instrumentos, onde o músico tende a serjulgado mais pela sua capacidade de comunicação quepela sua técnica. Conquistei o primeiro prêmio noconcurso para solistas da Boston Modern Orchestra,que levou à minha estréia com orquestra nos EUAtocando o Concerto de Villa-Lobos e, especialmente, oPro Musicis International Award em 2002. Este últimoé realizado todos os anos, com seleções regionais nosEUA, Europa e Ásia. Recebi o prêmio juntamente comuma pianista canadense, Sônia Chan, e fui o terceiroviolonista a ser premiado, depois de Iván Rijos eEmanuele Segre. Por meio da Fundação Pro Musicis,eu estarei fazendo minha estréia solo no Carnegie Hallem abril, seguido de um concerto na Pickman Hall emBoston, e futuramente terei concertos na Europa e emoutras cidades onde a Fundação mantém atividades.Mas o aspecto mais interessante deste concurso é que,paralelamente aos concertos, estarei me apresentandopara comunidades menos favorecidas, em hospitais,casas de repouso, prisões e outros locais, levando aminha música a pessoas que, de outra maneira, nãoteriam oportunidades de ter uma experiência deste tipo.

- Quais são seus planos como concertista aqui noBrasil?Pretendo estender minha atuação na área de educaçãoe também levar a minha música às comunidades menosfavorecidas, pois acho que esta é a nossa função socialcomo musicistas. Estou convencido que a solução paratodas as crises de nosso país, inclusive a “crise depúblico” da chamada Música Erudita, irá encontrar asolução através da educação.Retornar ao Brasil fatalmente significou uma queda naquantidade de apresentações, ao menostemporariamente. Mesmo assim, pretendo retomarantigos contatos e realizar novos, e aos poucos tentarme inserir novamente no cenário violonístico brasileiro.Minha temporada no Brasil começa em maio, com umconcerto e masterclass no Seminário de Violão VitalMedeiros, em Mogi das Cruzes. Outras novidades virãoem breve.

E-mail para contato com Luiz Carlos Mantovani:[email protected]

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Luiz Pepineli* Entrevista publicada na edição no. 44 - Nov/Dez 2000por Teresinha Prada

- Quando iniciou na Lutheria e como foi esse iní-cio?Fiz meu primeiro violão em 1991 sob a orientaçãodo luthier Tessarin.Sempre alimentei um grande desejo de fazer um vi-olão, talvez por ter visto meu pai fazer muitos traba-lhos em madeira, inclusive um violino, mas infeliz-mente o perdi com 12 anos.

- Já trabalhou em alguma outra profissão antes?Sim, fui gráfico durante 20 anos, depois trabalhei naárea de compras.

- E sua formação em Música?Aprendi os primeiros acordes com meu pai em casa,mais tarde estudei alguns meses com Robson Miguel,mas sem grandes pretensões.

- Você constrói cavaco, violão e viola caipira. Vocêse considera mais especializado em algum destes?Creio que me destaquei um pouco mais na viola cai-pira porque quando comecei existiam poucos luthiersfazendo boas violas, e o que mais me chamou aten-ção foi a famosa frase dos violeiros: “Viola não seafina, se tempera”... e hoje a viola afina. No violãotambém tenho me destacado pelo trabalho que ve-nho fazendo.

- Qual a diferença básica na utilização das madei-ras, vernizes etc, para estes instrumentos? Quemadeira você usa geralmente?Diferença nenhuma, uso as mesmas madeiras, só oviolão clássico que uso goma laca no tampo.Quanto às madeiras uso: Abeto, Cedro, Sitka paraos tampos, na lateral, e fundo uso Jacarandá da Bahia,Jacarandá Indiando e Maple. Quanto ao verniz usoPoliuretano.

- Quantos modelos de cada instrumento (viola,violão e cavaquinho) você tem?Cavaquinho = 2 modelos

Viola = 2 modelosViolão = 3 modelos

- Como você explicaria aos leigos a superioridadede um instrumento feito por um luthier em com-paração com o industrial?Primeiro pela madeira utilizada pelo Artesão, que émaciça, sendo que geralmente os de fábrica são decompensado, depois pelo trabalho dedicado especi-almente a cada instrumento, o que não acontece nafábrica, pois são feitos em série.

- Há alguma relação entre o sucesso da músicasertaneja no Brasil e um possível aumento na pro-cura de violas, ou isso não acontece? Estes artis-tas sertanejos mais conhecidos utilizam bons ins-trumentos de luthiers? E os mais tradicionais, oschamados “músicos de raiz” utilizam estes instru-mentos de luthiers?Sim, principalmente por jovens e músicos clássicos,quanto aos artistas sertanejos eu creio que eles utili-zem instrumentos de luthiers. Os tradicionais eu te-nho certeza, pois tenho muitos como clientes.

- Notamos a utilização de suas violas na aberturado programa “Viola minha Vio-la”, da TV Cultu-ra. Algum instrumentista famoso já encomendouou experimentou algum dos seus instrumentos?Sim, vários.

- Como está o mercado hoje de lutheria, na suaregião e no Brasil, em sua opinião?Moro em São Paulo, mas tenho tido encomendas devárias regiões de SP e outros estados, isso me ale-gra, pois percebo a cada dia o crescimento pela pro-cura de instrumento maciço. Isso tudo ocorre graçasao trabalho de divulgação que tem sido feito por mú-sicos, professores e por vocês do Violão Intercâm-bio.

- Vários luthiers reclamam das dificuldades de

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aquisição de material. Isto ainda persiste hoje,mesmo com a abertura de vários mercados inter-nacionais?A dificuldade ainda continua. O ideal seria termosuma loja especializada onde se encontrasse todomaterial para lutheria, como existe no exterior.

- Da encomenda até a entrega, quanto tempo emmédia trabalha em um instrumento?Faço três instrumentos por mês e por causa disso oprazo para entrega varia muito.

- O que você recomendaria para um músico quedeseja adquirir um instrumento?Visitar, se possível, alguns luthiers e conhecer seusinstrumentos, porque no Brasil há excelentes profis-sionais.

Luiz Carlos PepineliR. Água Bonita n.º 38 - AVila Industrial – São Paulo – SP03254-240(11) [email protected]

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Manoel São Marcos* Entrevista publicada na edição no. 27 - Jan/Fev 1998por Gilson Antunes

Idade: 88 anosNascimento: Ilhavo, Portugal

Manoel São Marcos é considerado um dos maisimportantes didatas da história do violão no Bra-sil, como já atestava um ótimo artigo publicado pelarevista Violão e Mestres em dezembro de 1967. Comvários métodos publicados no Brasil, entre eles a“Iniciação Violonística” e o “Implemento da Téc-nica Violonística”, o pai de Maria Livia São Mar-cos expõe aqui um pouco de suas idéias músicais efilosóficas.

- Como o violão entrou em sua vida?Eu comecei a tocar desde criança, primeiramente deouvido, depois por música. Fui seminarista emCoimbra e lá aprendi solfejo, demonstrando já inte-resse por instrumentos de corda e filosofia também.A música e a filosofia nasceram comigo, eu só tiveque orientar para dar curso ao sentimento que se ma-nifestou em mim.

- Havia recitais de violão em Portugal?Tinha talvez em Lisboa, mas eu era de uma cidadepequena e não os vi.

- O senhor começou a aprender o violão clássicoaqui no Brasil?Mais ou menos. Eu sabia que existia o violão pormúsica com em qualquer outro instrumento, mas foiem 1926, aqui no Brasil, que eu comecei a estudar oviolão erudito, em Santos - SP.

- E o primeiro contato com Sávio, quando ocorreu?Bem, nós nos reuniamos Casa Del Vecchio na RuaAurora. Um dia o Chico Del Vecchio apareceu e dis-se: “São Marcos, hoje teremos aqui um grande vio-lonista, nós temos que vender os ingressos para seurecital”. Então cada um pegou uma parte e conse-guiu vender. Ele tocou no Teatro São Paulo, no cen-tro. Foi muito bonito, nós lotamos o auditório. Ele

tocou uma peça de Bach, as Variações sobre Foliasde Espanha de Sor, umas variações suas sobre o temapopular “Nesta Rua” e também umas peças muitointeressantes do Rio da Prata.Eu vi que ele tocava com técnica e com grande pro-jeção. Essa foi uma lição que eu tirei para a minhavida, a começar pela minha filha Maria Livia. Eudisse a ela: “Não toque para si mesma, toque para omundo. Tire um som forte e depois trabalhe paramatiza-lo”. Bem, continuando, eu pensei comigo “Écom esse moço que eu irei estudar”. Marquei entãoum encontro com Sávio e lhe disse que queria serseu primeiro aluno. Ele respondeu: “Hijo, no será elprimer, pero si el según”. Vi que uma moça, a JulietaCorrea Antunes, mais tarde professora emérita, ti-nha corrido e chegado antes de mim.

- E suas atividades didáticas, quando começaram?Comecei em Santos, para dois amigos portugueses,ensinando guitarra portuguesa. Inclusive eles mederam uma guitarra que acabou sendo consumidanum incêndio. Depois comecei a ensinar violão paraminha filha. Disse-lhe, bem criança então, que aqui-lo teria de ser um compromisso e ela concordou.

- O senhor se lembra qual foi seu primeiro méto-do publicado?Foi o Implemento da Técnica Violonística. Eu tinhaum vizinho que era violinista da Orquestra Sinfôni-ca Municipal e nós conversávamos muito sobre atécnica dos dois instrumentos. Percebi que não exis-tiam muitos métodos exclusivamente para violão,então eu fiz as escalas nas tonalidades naturais, sen-do que as artificiais só vinham como transmissão.Comecei por fazer com duas oitavas, depois comtrês e finalmente só de uma oitava como volata, dolento ao rápido. O curioso é que meu genro, que eraviolinista lá na Suiça, fez esse meu método com seusalunos.

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- Com respeito a Camerata Violonística, quandofoi fundada?Eu sempre tive a intenção voltada para o conjunto.Por exemplo, quando eu vim para esse edifício emque moro, em 1958, começaram a vir várias crian-ças e eu tive várias idéias de elas tocarem juntas.Criei um quarteto com quatro alunos, entre eles oDagoberto Linhares, que é professor em Lausanne,na Suiça. Em 1977, então, resolvi formar umaCamerata, a começar com quatro pessoas. Depoisdisso, muitos passaram por ela. No começo, eu mes-mo digitava as peças, depois eles começaram a fa-zer isso. Vimos vários estilos diferentes e obras ra-ras. Em termos de números, a Camerata chegou ater sete moças e sete moços. Em 1984 ganhamos umimportante prêmio da Associação Paulista de Críti-cos de Arte - APCA.

- E o repertório? O senhor mesmo fazia os arranjos?Não era necessário. Música barroca, por exemplo,nós liamos como estava escrito, e tivemos muitosucesso. Quanto à participação, para os jovens queestão na Camerata não compensa do ponto vista eco-nômico, mas vale como experiência e conhecimen-to.

- Quais são suas atividades atuais?Eu apenas dou aulas. Esse ano eu não me ocupei daCamerata, pois tive uma grave enfermidade. Tive umaluno, o Rafael Righini, que sempre quis reger aCamerata. Eu sempre lhe disse que quando chegas-se a hora, eu certamente lhe passaria a regência.Nesse ano de 1997 eu achei que finalmente haviachegado a hora para o Rafael.

- Mas o senhor não pretende retomar a Camerata?Eu fiz 88 anos, acho que não devo me meter emcoisas de moço, acho que eles devem fazer comoacham que devem fazer.

- Qual conselho o senhor daria para o jovem vio-lonista?Como profissionais, que tivessem o violão e um ou-tro instrumento complementar, não só para conhe-cer, mas para também para lecionar, pois assim teráa vida garantida. E também estudar muita música,não só violão. O conhecimento da música dá ao vio-lonista um conhecimento mais franco, mais amplo.

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MargaritaEscarpa* Entrevista publicada na ediçãono. 22 - Mar/Abr 1997por Géris Lopes

É um nome conhecido do mundo violonístico espa-nhol e fora dele também. Margarita já foi premiadaem diversos concursos, entre os quais o deAlhambra; o Eztergom (Hungria) o da RadioFrance, os dois Segovia (de Palma de Mallorca e ode Granada) e o da GFA (Guitar Foundation ofAmerica). Também já gravou para a Rádio Nacio-nal Espanhola e para o selo Opera Tres. Ela estaráem julho deste ano no Canadá para a gravação deum novo CD com obras de Sor e, em agosto, reali-zará uma turnê por Taiwan.

• Quando foi seu primeiro contato com o violão equem foi seu primeiro professor?Meu pai comprou um violão para mim quando eutinha 8 ou 9 anos. Ele achava que seria bom paraminha formação saber algo de Música, assim me le-vou a uma academia e mais tarde ao Conservatóriode Madri. Meu primeiro professor de violão nesteconservatório foi Valentín Bielsa, com quem estudeidurante uns seis anos e depois continuei comDemetrio Ballesteros, com quem finalizei meus es-tudos.

• Como está o ambiente violonístico em Madri ena Espanha em geral?Na Espanha sempre houve uma grande afeição como violão. Quase todos os espanhóis tiveram algumcontato com o instrumento, bem direto porque o to-caram em alguma etapa de sua vida, ou indireto -por meio de familiares e amigos. Esta inclinação émuito mais notada no sul da Espanha, em Andaluzia,aonde em cada esquina pode-se ouvir alguém tocan-do flamenco. Entretanto, acho que há um grande des-conhecimento do que é o violão em sua vertente clás-sica. Muitas pessoas que assistem a meus concertos

comentam comigo que não imaginavam que um vio-lão pudesse soar assim, que nunca haviam escutadotocar um violão desta forma. Todos já ouviram onome de, por exemplo, Andrés Segovia, mas bempoucos o escutaram. Este desconhecimento achoque se deve em parte ao fato de que o ensino musi-cal na Espanha não é tão bom como deveria ser, epor outro que as instituições e os organizadores deconcertos preferem contratar qualquer outro tipo deespetáculo antes a um violão clássico, o que é tam-bém um problema de cultura e educação. Felizmen-te parece que estamos em um ponto de inflexão eque a situação está melhorando. Além do que hámuito entusiasmo entre os jovens estudantes, e istopode se traduzir no futuro em mais e melhores pro-fissionais e maior divulgação do instrumento.

• Conte-nos sobre suas aulas de violão no Conser-vatório de Gijón. Quantos estudantes?Em Gijón há uns 48 estudantes de violão e somostrês professores. Como nos demais conservatóriosestatais, cada aluno recebe uma aula individual e umacoletiva, semanalmente, de uma hora de duraçãocada, além das aulas teóricas. Temos estudantes en-tre 7 e 30 anos. É um conservatório relativamentenovo, mas já estão surgindo alguns bons alunos queestão dando concertos e ganhando prêmios.

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• Sobre o seu repertório nos concertos, quais sãoos compositores que você mais interpretafreqüentemente e por quê?Desfruto mais tocando e escutando repertório bar-roco, sobretudo J.S. Bach, mas quando preparo umconcerto tento fazer um programa adequado para opúblico ao qual tocarei. Às vezes é impossível saberde antemão que tipo de audiência haverá, por issoincluo obras de estilos distintos para que o progra-ma fique variado.

• Você interpreta algum compositor brasileiro?Tenho tocado muitas obras de H. Villa-Lobos e so-bre a estante algumas de Marlos Nobre e Gnattali.Com meus alunos trabalhamos adaptações de BadenPowell, Bonfá e Jobim. Os ritmos populares brasi-leiros os encantam.

• Você venceu o GFA (Guitar Foundation ofAmerica) de 1994, qual a importância de vencereste concurso e como foi sua turnê na Americadepois do Concurso?O prêmio consistiu em oferecer 38 concertos pelosEUA e Canadá. Foi uma experiência muito intensae aprendi muito, mas sobretudo esta turnê me feztomar consciência de quanto gosto do violão e daprofissão, e fiquei muito grata a GFA por me daresta oportunidade.

• Quantos concertos você dá por ano e aonde vocêmais toca hoje em dia?Não toco tanto como queria, porque as aulas parti-culares e no conservatório ocupam muito tempo paraque eu busque contatos para organizar concertos.Além do mais, sou muito má negociante e não seiaproveitar as oportunidades para consegui-los. Dequalquer forma, dou muitos concertos, principalmen-te na Espanha.

• Algum luthier em especial, quem é seu luthier?Estou tocando com dois violões, um de John Gilbert,de pinho, e outro de George Lowden, de cedro. Sãodois luthiers que gosto muito. Ambos são muito co-nhecidos, ainda que Lowden o seja mais por suasguitarras folk. Há somente 7 anos ele está constru-indo seus violões clássicos, e já têm uma qualidadeassombrosa.

• Há algum plano para lançamento de um futuroCD?No próximo ano (1997) vou gravar um CD com obrasde Fernando Sor para o selo Naxos, e tenho maisprojetos para finais de 1997 e 1998 que ainda nãoestão confirmados.

• Você se apresenta em concertos em vários países,como você vê o violão clássico hoje no mundo?Há somente seis anos estou dando concertos por issonão tenho uma idéia clara da situação do violão. NaEuropa percebi algumas diferenças, por exemplo naatividade dos estudantes, que parecem mais entusi-astas e trabalhadores nos países do Leste, fazem maistécnica e estudam mais horas. O violão nestes paí-ses está evoluindo rapidamente, e em geral na Euro-pa está melhorando tanto a qualidade dosinstrumentistas como o repertório, o instrumento eseu conhecimento e reconhecimento por parte dosque não são violonistas.

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Maria LiviaSão Marcos* Entrevista publicada na ediçãono. 36 - Jul/Ago 1999por Teresinha Prada

Em sua rápida passagem por São Paulo, ondeveio rever a família, Maria Lívia concedeu-nos estaentrevista. A mulher forte e de idéias amadurecidasé uma projeção da jovem audaciosa e confiante deseus primeiros depoimentos na revista Violões eMestres. Suas críticas atuais ao nível do violão naMúsica demonstram preocupação com o início dosestudos, o ambiente cultural e o que ambos podemrefletir na qualidade do futuro profissional. Semfazer concessões, suas respostas foram das maisduras até hoje publicadas nas páginas de ViolãoIntercâmbio, mas não se pode negar a serie-dadede suas críticas, afinal são 40 anos de Música, dosquais 30 anos só na Europa. Em seu grande currí-culo, devemos destacar que ela realizou a primeiraaudição no Brasil do Concerto de Villa-Lobos(quando contava com menos de 16 anos de idade) eda Suíte Popular Brasileira, além de peças deBrouwer e Ponce. Gravou vários discos nos quaisrealizou primeiras gravações mundiais. Suas ativi-dades na Europa se dividem entre os concertos e asaulas no Conservatório de Genebra, onde ela jáformou grandes concertistas, como DusanBogdanovic e Feliu Gasull. Seu pai, Manoel SãoMarcos, esteve presente à entrevista e contamos comsua colaboração em vários momentos.

(Teresinha Prada) - Maria Lívia, quando você co-meçou a estudar violão?(Maria Lívia) - Minhas primeiras aulas eu tive an-tes dos 4 anos, com meu tio Sávio (Isaías Sávio) ecom meu pai, que tomaram conta de mim. E achoque o meu primeiro violão eu ganhei no dia de Natalquando fiz 5 anos e foi aí que eu deixei de acreditarno Papai Noel, porque violão só mesmo o meu paipoderia me dar (risos). O meu professor sempre foimeu pai e como meu tio Sávio era o professor do

Conservatório Dramático Musical de São Paulo eufiz o diploma lá. Depois eu tive aulas com o Segovia,com o Pujol e depois eu tive um grande professorque foi o meu marido (Franco Fisch), que me tiroudo violão, ele é violinista, pra me mostrar a Música.Quer dizer que hoje eu não me considero mais umaviolonista mas uma musicista.

(TP) - E como é que foi o encontro com o Segovia?(ML) - Foi em Santiago de Compostela. Segoviahavia saído da Espanha quando o Franco foi para opoder, ele era contra o governo, e nunca mais tinhaposto os pés na Espanha até esta data quando ele fezo curso de Compostela. Mas, bom... sabe que pramim falar do passado é muito difícil porque eu souuma pessoa para qual o passado e o futuro não exis-tem, existe a hora que passa agora, então eu esque-ço muito das coisas. Eu me lembro de pessoas queme marcaram, como o Pujol, porque nós fazíamosaniversário no mesmo dia, só que eu fiz 20 anos eele 80, dia 8 de abril. Claro que eu me lembro muitodo Segovia. Ele foi sempre o meu modelo.

(TP) - Mas como é que foi a sua ida para a Europa?(ML) - A minha ida para a Europa foi porque eu fuiver a minha avó, em Portugal. E levei violão. Lá eucomecei a tocar em Portugal inteiro. Foi assim. Nes-te tempo tudo era muito mais fácil. Bom e daí eu fuiuma segunda vez, uma terceira, e fiquei por lá.(Manoel São Marcos) - Ela realizou a primeira au-dição do Concerto de Villa-Lobos para violão e or-questra e do quinteto de Boccherini, com o quarteto

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do Municipal. Seu primeiro recital foi aos 13 anosde idade. O Caldeira Filho, crítico de “O Estado deSão Paulo”, fez uma crítica extraordinária sobre suamusicalidade. Foi a primeira violonista que apare-ceu, foi um caso inédito no Brasil. Ela tinha muitafacilidade, uma memória prodigiosa. Vou contar umcaso: quando eu dei o Concerto do Villa-Lobos paraela estudar, é um concerto um pouco moderno, eudisse: ‘vá estudar’. Ela pegou e foi. Dez minutosdepois ela veio e disse: ‘não gostei’(risos). Eu aindanão havia dito de quem era e lhe disse: ‘você sabede quem é isso?’ Ela respondeu que não, aí eu disse:então leia. ‘Ah, Villa-Lobos!’ Voltou para o quartodela e depois de meia-hora já tinha decorado o pri-meiro movimento, se apaixonou pelo Concerto. Elatinha desses arroubos. No primeiro ensaio que elafez no Rio, com o Bocchino (Alceo Bocchino, ma-estro da Orquestra de Câmara da Rádio MEC), quan-do ele viu que era ela, ele disse: ‘Mas é a meninaque vai tocar?’ Ele a chamou e perguntou: ‘Como éque você quer?’ e ela disse: ‘Lalá, lalá, lála!’ (bemallegro) e ele começou ‘laalaaá, laalaaá, laalaaá’(muito lento), e ela: ‘Não, maestro, um pouco mais’,e ele repetiu quase no mesmo andamento. Ela ficouquieta. Quando acabou a introdução da orquestra elaentrou com tudo (risos)! Ele fez assim pra orquestra(sinal de accelerando), foi uma coisa extraordinária.Menininha, ainda nem tinha 16 anos. E quando ter-minou foi uma beleza de alegria. Aquela alegria ino-cente, alegria pura, sabe? Todos os músicos fizeramuma volta ao redor dela. Depois marcaram o con-certo. O primeiro concerto foi lá (Rio de Janeiro) edepois aqui (São Paulo). Ela não era conhecida. Erauma menina. Mas ela foi tocar o Concerto do Villa-Lobos porque eu havia escrito para o Museu, eu jáconhecia a Mindinha (Villa-Lobos), para pedir o en-dereço onde eu pudesse encontrar as partituras doConcerto porque eu tinha uma filha que estava estu-dando. E veio imediatamente uma carta, dizendo quenão precisava, tinham tudo lá e queriam que ela fos-se tocar. Para nós foi uma vitória, eu não contavacom isso, confesso. Villa-Lobos era um autor gran-de, de uma fecundidade extraordinária. Durante mui-tos anos, no mundo todo, não havia um só concertoem que não tivesse alguma coisa de Villa-Lobos ouentão quase o concerto todo só de música de Villa-Lobos. Depois, é claro, com o tempo, foi esmore-cendo e agora hoje os concertos tem Villa-Lobos,mas não é como naquela época. Ela mesma chegou

a fazer concertos com os Estudos todos e os Prelú-dios. No fundo era demais, não é? Mas o públicoexultava de alegria de ouvir Villa-Lobos!

(TP) - Eu estava lendo uma entrevista na qual oManoel (Violões e Mestres n.º 8 - 1967) dizia queera uma raridade uma mulher tocar violão, queera um instrumento para homens, e que ele que-ria provar o contrário, que isso não tinha nada aver, que o importante era a preparação, a questãoda sonoridade. Por ser mulher, você era cobrada?(ML) - Não. Tem duas coisas na vida que eu façocomo homem: guiar automóvel e tocar violão. Maso violão é um instrumento de homem. É absoluta-mente um instrumento de homem. Na minha classedo Conservatório (de Genebra) em 30 anos eu achoque tive 3 alunas. Não mais.(Manoel) Não havia tradição de mulher na Músi-ca...(ML) - Na Música, sim.

(TP) - Então o ambiente dessa época era sempremasculino?(ML) - Era não, é. Em todos os concursos em queeu estive eu sempre fui a única mulher. Uma mulhercomo concorrente, no máximo. E como membro dejúri, também sou sempre a única mulher.

(TP) - E gravações recentes?(ML) - O último disco que fiz foi a obra toda deVilla-Lobos em CD, fiz um disco que se chama “Sau-dades do Brasil” também em CD. Estes CD’s nãosaíram aqui, e lá eles foram esgotados e não foramrefeitos. Agora eu quero fazer um disco do repertó-rio atual do violão, mas ninguém quer pagar direitoautoral dos compositores vivos! Então não faço.

(TP) - O que você estava pensando em gravar?(ML) - A música do século XX: Takemitsu,Brouwer, tem coisas do Leo que não estão grava-das, que eu as tenho em casa. Tem muito composi-tor na Europa que está aparecendo agora, não muitacoisa boa, mas algumas coisas boas. E, bom... temsempre a grande barreira: primeiro que isso é umdisco só para as pessoas que entendem, e disco cus-ta muito, vende pouco, ainda por cima tem que pa-gar direitos de autor, então não se faz. Pra fazer oque todo mundo já fez, então eu não faço.

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(TP) - Como é que era o ambiente quando você, oBarbosa Lima e o Turíbio Santos surgiram, por-que vocês são considerados assim como uma “trin-ca de ouro” e...(ML) - Ah, não!

(TP) - Não foi paralelo?(ML) - Não. Aqui tinha o Barbosa Lima e eu. Euera a violonista que estava à frente porque quandoo Barbosa Lima começou eu já dava muito concer-to. Ele era um estudante bem-dotado, aluno domeu tio Sávio, e o Turíbio Santos ninguém conhe-cia. Daí nós fomos pra Paris, quer dizer ele(Turíbio) foi, eu não fui porque escolhi uma peçaerrada. E nós nos encontramos em Compostela.Mas eu fui escolhida pra ser aluna do Segovia, elenão. O Turíbio foi ser ouvinte.

(TP) - E você foi escolhida como participante.(ML) - Sim senhora. Nós tínhamos todos 20 anos,e depois íamos cantar, fazer bossa-nova, o pessoalda América do Sul fazia música pelas ruas e tudo.O Turíbio era mais distante. Eu era a única mulher.Havia a Barbara Polaceck, mas ela era muito maisvelha, ela estava grávida, ela estava lá com omarido. E eu sempre gostei muito de fazer festa,de aproveitar a vida e pra mim tocar violão eracomo falar, andar, era não, é. Então não havianada de especial em sentar e tocar. Nunca foiespecial pra mim. É diferente quando você vive acoisa e quando o outro te vê como alguém queestá lá em cima. De jeito nenhum, eu sou umapessoa como todas as outras, só que eu tocoviolão, o outro é médico, o outro faz casas...

(TP) - Vamos falar do ambiente musical em Gene-bra? O Concurso tem todo ano?(ML) - Não. É a cada 10 anos. E agora eu não seimais nada disso porque o diretor do Concurso erao meu marido e esse ano ele não é mais. Esse anonão vai haver concurso de nenhum instrumento.Mas a cada 10 anos houve o Concurso, ou melhor,cada 8 anos houve. A última vez foi em 1996, euacho. Mas o ambiente musical de Genebra é muitoimportante. Genebra é uma cidade pequena quetem um teatro de ópera permanente. Tem a Or-questra da Suisse Romande que ocupa o 3.º ou o4.º lugar no mundo. Vêm os maiores concertistasinternacionais, todos grandes nomes.

(TP) - O Conservatório é o que pra nós seria odiploma universitário?(ML) - Sim. Nós temos 4 anos de curso elementar,4 anos de secundário e depois a gente vê o alunoque vai poder entrar no Superior, são raros, ou se agente vai dirigir para um certificado de amador. Querdizer, são 8 anos antes de a pessoa tentar entrar nocurso superior. Depois são 4 anos de Superior prater diploma de professor, e depois você tem mais 3anos pra Aperfeiçoamento-Virtuosidade, que é ou-tra vez uma barreira porque nem todos que chegamaté um diploma podem passar para Aperfeiçoamen-to-Virtuosidade. O Conservatório de Genebra é con-siderado um dos melhores do mundo. É que vocêsaqui no Brasil estão todos virados lá para os Esta-dos Unidos... Todo o brasileiro quer ir para os Esta-dos Unidos, não só na Música, mas em todas as pro-fissões. Escuta, eu não falo nada contra as universi-dades americanas, tem, claro, ótimas, mas eu nãosei o que essa gente vai tanto para os Estados Uni-dos pensando que a verdade está lá. Quando nãoestá. E mesmo na Música. Bom é claro que eles temuma Filarmônica de New York, Boston, Los Angeles,Zubin Mehta e, mas o resto... a Música é muito mal-tratada, hein? Não é porque vai pra lá ou vem de láque é bom.

(TP) - Além de Villa-Lobos, o que você passa paraseus alunos?(ML) - Eu faço meus alunos tocarem Marlos No-bre, Almeida Prado, Edino Krieger, Radamés. Eufaço isso porque eu acho que é boa música, não por-que eu sou brasileira. Porque são bons composito-res.

(TP) - A música brasileira para violão está à som-bra do trabalho do Villa-Lobos?(ML) - Então, os brasileiros vivem à sombra de Villa-Lobos, os europeus vivem à sombra de Bartok,Stravinsky etc.. E é assim. Porque gênios foram es-tes. Os outros compositores que sabem muito bemescrever e são profissionais da composição - tanto oAlmeida Prado, como o Marlos Nobre, como EdinoKrieger são profissionais -, não é gente que encon-tra uma melodia, toca no violão e acha bonito, vi-vem à sombra dos grandes. Porque eles não são gê-nios, são bons compositores. A gente tem que dizeras coisas como elas são. Não há nada de inventivo,que alguém encontrou, não é? Eles vivem à sombra

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de Villa-Lobos, claro. Mas vivem porque o Villa-Lo-bos era genial, e eles são bons compositores.

(TP) - E no Cone Sul?(ML) - Os argentinos têm Ginastera. Eu não sei sevocê sabe, que a Sonata, o Ginastera é o pai, mas eusou a mãe. Você não sabe? Isso são coisas impor-tantes. Não o que eu fiz quando eu tinha 11 anos,que faz muito tempo.

(TP) - Então vamos falar disso.(ML) - A Sonata Opus 47 de Ginastera, eu sou amãe da Sonata. Porque ele vinha em casa pra saberse isso ou aquilo era possível fazer, porque ele nãotocava violão. Ele desenhou um braço de violão, eele tentava ver se as posições não eram muito umdedo aqui e outro lá embaixo. E ele vinha muito àminha casa, com as folhinhas dele, preparadas, 2, 3folhas por vez, pra ver se era possível. E eu dissepra ele que ‘tudo é possível, você não tem que limi-tar a tua criação ao instrumento, depois é o intérpre-te que deve se arrumar’. E a Sonata saiu a maravilhaque saiu, não é?

(TP) - Como é que era o Sávio?(ML) - Ah, ele era um amor. Era o meu “tio”, embo-ra não tenhamos uma gota do mesmo sangue, foi oprofessor do meu pai, o melhor amigo do meu pai.Ele dava aula na nossa casa. Eu tinha dois pais, omeu pai e o meu tio Sávio. Eu adorava ele.(Manoel) Ele estava sempre na minha casa. Era umacriatura muito bondosa.

(TP) - E um ótimo didata também, não é?(Manoel) Era um professor que não exigia nada. Elefazia como eu faço. Tirava de cada um aquilo quecada um podia fazer. A gente ouvia os discos deSegovia e outros discos, então naquele tempo a gen-te já tinha a música no ouvido.

(TP) - E o Joaquín Rodrigo? Também li que vocêtocou pra ele o Concerto de Aranjuez.(ML) - Eu toquei com ele. Eu fui à sua casa pratocar o Concerto para ele, e de repente ele foi aopiano e começou a fazer a parte da orquestra. Daíele disse pra mulher dele: ‘você está vendo que to-das as escalas são possíveis de serem feitas nestavelocidade? O que os violonistas dizem que não épossível? Veja como ela faz’. Mas, escuta, isso aqui

é a hora da saudade? Eu tenho futuro (risos)!

(TP) - Então fale das suas atividades atuais.(ML) - Ah, bom. Eu tenho duas filhas lindíssimas,que eu criei muito bem. Tenho um marido que eucuido dele, tenho um cachorrinho brasileiro que é acoisa mais linda, que eu cuido também, tenho os meusalunos, tenho uma classe muito, muito boa, e avan-çada, em Genebra. Dou meus concertos, pinto, ago-ra eu ando apaixonada pela pintura. E pronto. Eu façomuita coisa.

(TP) - Maria Lívia, aqui no Brasil a faculdadetem desempenhado um papel importante na for-mação dos violonistas, embora haja um problemasério, que é o que fazer quando o curso na facul-dade acaba. Muitos jovens violonistas não sabemcomo integrar-se ao mercado. Enquanto estão nocurso há um certo resguardo para esse jovem, masdepois...(ML) - Vocês ainda tem a oportunidade de cruzar asuniversidades, ter um intercâmbio e tudo. Nós nãotemos nada, quer dizer, é o destino. É por isso que oprofessor que dá falsas ilusões é um criminoso. Euem 30 anos fiz umas 20 ou 15 virtuosidades. Massão todos profissionais hoje. Eu nunca formei umaluno que fosse sair com um papel e mais nada namão. Porque pra fazer uma carreira você precisa tertantas coisas, ao mesmo tempo, que a gente não podeembarcar um jovem dizendo: ‘Ah, vai ser lindo ofuturo’, quando não é. Ainda mais agora com crise,com tanta gente que faz.

(TP) - E quais são essas coisas que você está fa-lando que formam um profissional?(ML) - Bom, primeiro tem que nascer com o espíri-to santo pousado na cabeça. Se não nascer dessejeito é melhor não começar. É como ser padre, ouser um médico, daqueles bons mesmo, que acordano meio da noite pra ir... Você precisa ter muita for-ça de caráter porque não é fácil. A carreira é muitodifícil. O violão é um instrumento muito ingrato -aonde passam 10 pianistas, passam 2 violinistas, 2coros com solista de canto, e um violonista a cada10 anos. A não ser que fique no ambientezinho deviolão, que é o que todo mundo faz em todos oslugares, a panelinha, como eu vejo aí na tua revista.Você tem um festival aqui, você convida o teu ami-go que tem um festival ali, que te convida e convida

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um terceiro que tem um festival ali e fica chovendono molhado. Se você quiser sair do ambientezinhode violão para ir para o ambiente da música, querdizer, tocar com as orquestras, como eu toco, e fa-zer a carreira que poucos fazem ... aí... Você sabeque eu tenho muitos inimigos em Genebra. Primei-ro, porque eu sou muito dura, mas eu sou muito duracomigo mesma. E segundo porque ninguém podesuportar que um outro, sobretudo uma mulher, seele é um homem, lhe diga: ‘escuta, vai entrar numaescola de Engenharia, vai ser arquiteto ou advoga-do, não venha querer fazer violão porque não dá’ .Mas eu me considero uma amiga dessa gente, por-que não se pode embalar alguém numa coisa quesabe que não dá - a não ser que aconteça um mila-gre! Milagres acontecem. Mas Instrumento é comobalê, como ginástica artística. Tem que fazer muito,tem que fazer sempre, tem que começar cedo paraque todos os automatismos, que nem se pense mais.Eu com 12 anos tinha a minha técnica feita. E temgente começando com 11, 12 anos a apertar o dedo,a trocar indicador e médio. É por isso que essa gentefala tanto: ou é um que faz tudo sem apoio, ou é umoutro... posição da mão direita, torce pra direita, torcepra esquerda, vem pra fora, vem pra dentro. Mas,bolas! Será que ninguém sabe que a gente põe o bra-ço, deixa cair a mão e pronto, está feito. Tocar écomo sentar, andar, falar. É assim que digo aos meusalunos. Foi assim que eu comecei. No mundo daMúsica ou você é de primeira grandeza ou então vocêse contenta em dar aula e fazer o melhor possívelcom os alunos e pronto, acabou. Eu não sei, é umaoutra maneira de ver as coisas. Por isso te falei quemeu grande professor foi meu marido porque ele metirou do violão e me projetou no mundo da música.É outra coisa completamente diferente.

(TP) - Como é que você vê o futuro do violão?(ML) - Enquanto os violonistas continuarem pen-sando assim, o violão nunca vai tomar o lugar deleno meio da Música, da música universal, porquemesmo que a gente não tenha Beethoven, Mozart,Schubert, tem um repertório lindo de violão. Masinfelizmente, ou felizmente, o violão se apoia 99,9%nas costas do intérprete. E eu não vejo com os intér-pretes que eu tenho ouvido, como é que o músicopode respeitar o nosso instrumento. Porque se tocamuito, mas se toca muito mal. Às vezes é um deses-pero de se ver.

(TP) - Então, o que você aponta como solução ouo que você aconselha?(ML) - Aconselho isso: que façam Música, que sai-am do ambiente de violão. Que sejam músicos.Música acima de tudo.

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Mario da Silva Jr.* Entrevista publicada na edição no. 24 - Jul/Ago 1997por André Egg

Atividades: Professor de Violão da Escola de Mú-sica e Belas Artes do Paraná, concertista ecamerista.

- Como você começou a estudar violão?O violão sempre esteve presente na minha casa.Meu pai ouvia desde Noel Rosa até Caetano Velosoe Chico Buarque, nesse clima eu comecei a arra-nhar uns acordes. Mas eu queria ir mais a fundo,pesquisar mais, aprender a ler partituras, saber dapossibilidade de profissionalização do músico. Em1982 vieram as primeiras conversas com OrlandoFraga, que me mostrou o seu violão Suguyama epela primeira vez eu toquei em um instrumentoartesanal de ótima qualidade, Orlando, além demostrar o lado bem-humorado da música, tambémme informou dos estilos dos compositores, das es-colas violonísticas de Andrés Segovia e AbelCarlevaro, dos quais até então eu nunca tinha ou-vido falar. Tudo isso contribuiu para que eu deci-disse a estudar com ele.

- Que pessoas você poderia citar que influencia-ram o seu trabalho e o seu estilo de tocar?Orlando Fraga, por me informar quanto à discipli-na, análise musical e busca na fonte original, comofac-símiles e tablaturas. Minhas influências maio-res não são de músicos violonistas. Como já traba-lhei com grupos vocais de música de vanguarda epopular, observava muito Caetano Veloso nas fra-ses melódicas e na performance. Quando trabalheia música renascentista e barroca procurava nãosomente ouvir obras para vihuela e alaúde, mas tam-bém missas de Palestrina e Monteverdi, obras vo-cais de J. S. Bach e Haendel, cantores como AlfredDeller e o alaudista Hopkinson Smith, alertando-me de que devemos cantar mais. Quando comeceia frequentar festivais de música, por volta de 1984,dois músicos que me influenciaram muito foramChico Mello e Arrigo Barnabé, que buscam umanova estética musical. Leo Brouwer pela consci-

ência na estética de Arnold Schoenberg que eleadaptou para o violão. Todos esses encontros mederam a consciência de que a música erudita hojetem duas correntes principais: uma da releitura einterpretação da música histórica e outra da buscado novo, da relação compositor-obra-intérprete quehá muito se perdeu. Penso que aqui no Brasil te-mos que tomar o exemplo de Segovia e Bream, queinfluenciaram e motivaram muitos compositorescontemporâneos a produzirem para o violão.

- Você tem participado de vários concursos. Comotem sido o seu desempenho e como é a sua pre-paração? Os concursos são importantes na car-reira de um violonista?Participei de alguns, inclusive internacionais e, comsegurança posso te dizer que os concursos vão di-retamente contra uma qualidade interpretativa mu-sical mais profunda. Estamos no mundo das espe-cializações, onde ganhamos por um lado mas per-demos de outro, chegando ao absurdo de um músi-co executar bem o barroco e não se adaptar tocan-do música minimalista, ou executar bem o períodoclássico e não se familiarizar com a música deSchoenberg e Webern. Nos concursos percebo queos organizadores são bem-intencionados, mas pormais que se queira, a avaliação terá que ser feitapor quesitos mais objetivos como: repertório de re-sistência, clareza sonora e precisão rítmica porexemplo, ficando em segundo plano parâmetros mu-sicais subjetivos como repertório de qualidade es-tético-formal, agógica e dinâmica. É neste pontoque percebo que o concurso peca. Muitos partici-pantes sabem das preferências daquela ou destabanca e deixam de fazer coisas mais interessantesmusicalmente para executarem um padrãointerpretativo pasteurizado. Por mais paradoxal quepareça, penso que é importante participar de con-cursos, pois nos concursos os violonistas irão rea-lizar uma disciplina de trabalho, de horas de estu-do, que provavelmente não seriam realizadas para

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um concerto. O violonista estará conhecendo escolasdiferentes, outras técnicas de interpretação e melhorainda é ótimo poder tomar uma cerveja num bar comuma pessoa que pensa exatamente o contrário do quevocê, diz coisas que você não sabia e ouve você dizercoisas que ela não sabia. É uma mal necessário, se-gundo Sérgio Abreu, mas que nas entrelinhas, nos bas-tidores, aprendemos coisas. Aliás coisas engraçadís-simas!!!

- Como está o mercado de trabalho para os violo-nistas em Curitiba e no Brasil?Nós violonistas temos que nos preocupar muito comas frases musicais, articulações e respirações poistemos a tendência a realizar tudo muitometronomicamente em virtude do nosso instrumen-to não estar diretamente ligado à respiração, comocantores e instrumentistas de sopro. Por estarmoshabituados a trabalhar com um instrumento essen-cialmente harmônico, temos de ter o cuidado denão executarmos a música muito verticalmente. Te-mos de estudar música, contraponto, harmonia, aná-lises de formas musicais, arranjo e orquestração.Este comportamento faz com que os violonistas sediferenciem de outros instrumentistas. É comumvocê perceber que muitas vezes violonistas sabemmuito mais de Harmonia do que muitos pianistasou violinistas. Por essas questões eu te respondoque o mercado de trabalho para os violonistas estábasicamente dentro das universidades, na pesquisae em concertos promovidos por Secretarias de Cul-tura. Como exemplo: Norton Dudeque, além de pro-fessor da Universidade Federal, publicou o primei-ro livro de história do violão em Português e temcomposto diversas obras para violão, destacandosua última : “Septeto”. Rogério Budasz, que tam-bém é violonista, hoje trabalha com pesquisa, re-cuperando repertórios, literatura musical e tambémligado à composição. O que recentemente aprendi,depois da gravação do disco, é que na verdade omercado de trabalho para o violonista não existiráse ele ficar aguardando uma proposta. Temos deaprender a fazer projetos e propor a determinadoempresário, fundação cultural, secretaria, argumen-tando que o trabalho a ser apresentado é de altíssimaqualidade, pois estudamos para isso.

- No seu disco recentemente lançado você tocacompositores brasileiros, valorizando bastante oscompositores curitibanos. Por que a opção poreste repertório, e qual tem sido a receptividadepor parte do público? Como vai o trabalho de di-vulgação do disco?O porquê da opção é bastante pessoal, mas o fatode valorizar compositores brasileiros e curitibanosé obrigação. Recentemente, eu e o OctávioCamargo (violonista e compositor que está no dis-co) fizemos trabalhos de análises de quinteto esextetos de cordas de Mozart, Brahms eSchoenberg, e realmente temos que nos render àqualidade das obras. Mas quando ouvimos um dossextetos de sopro com piano de Francisco Mignone,obras orquestrais de Camargo Guarnieri, os cho-ros de câmara de Villa-Lobos, apesar de que semdúvida beberam na fonte européia, a criatividade esenso de organização sonora estão visíveis. O re-pertório proposto no CD tem objetivo informativono sentido de mostrar o que foi produzido, ou pelomenos um extrato, para violão depois de Villa-Lo-bos, e depois de todo o apogeu do movimentoviolonístico na década de 70. O repertório abrangeobras de Garoto, Waltel Branco e José EduardoGramani, com uma tendência à música popular. Aobra central é a “Ritmata” de Edino Krieger comuma característica de serialismo livre. Depois se-gue com compositores paranaenses começando comJaime Mirtenbaum, naturalizado curitibano, comcarreira pedagógica e de composição na Alemanha,que se utiliza da música programática. GuilhermeCampos, Octávio Camargo, Norton Dudeque eChico Mello são representantes da nova geraçãode compositores paranaenses que propõem umanova estética de organização sonora. As pessoasque têm conversado comigo sobre o disco, princi-palmente pessoas ligadas a outras áreas artísticas,gostam mais por conter obras de vanguarda. A di-vulgação é feita como todo trabalho independente:por meio de concertos, divulgação pela Internet, oViolão Intercâmbio está dando uma força e tenhoalgumas coisas marcadas como Festival deAntonina (10/07); Florianópolis (30/08); São Pau-lo (MASP 27/09) este último através do HenriquePinto que me ajudou muito no começo da carreiraquando eu viajava para São Paulo e fazia aulas par-ticulares.

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- Como você avalia o meio violonístico brasileiroe o que pode ser feito para melhorarmos em ques-tão de público, mercado, meio acadêmico, pro-dução de peças originais para o instrumento, pu-blicações, formação de novos valores?É uma pergunta difícil André, que vai faltar papeldo Violão Intercâmbio e massa cinzenta do entre-vistado!!! No momento estou realizando um Cursode Especialização em Música de Câmara na Esco-la de Música e Belas Artes do Paraná onde sou pro-fessor e estou constatando que o melhor caminhopara um bom músico é a busca de conhecimento;nunca parar de estudar. Mas ao mesmo tempo, te-mos que sobreviver e ainda mostrar o que aprende-mos, tendo consciência de que, com certeza, nin-guém irá até nossa casa nos propor um concertocom orquestra. Exemplos como o Violão Intercâm-bio, cursos promovidos recentemente pela UNIRIO,pelo SESC-SP, os Seminários de Curitiba, o Festi-val Internacional de Violão de Curitiba e, muitosoutros eventos que, me perdoem, não cabem aqui,contribuem para o aprimoramento. Meu último pro-jeto é de encomenda de obras inéditas para violãoa seis compositores brasileiros, que está vinculadoà Lei de Incentivo à Cultura da Fundação Culturalde Curitiba, assim como o projeto anterior. Eu gos-taria muito que essa idéia fosse copiada, pois nãovi no decorrer da carreira, prazer maior do que dis-cutir, analisar, mudar, opinar, receber críticas e elo-gios diretamente de quem produziu a obra. Achoque todo violonista deveria refletir e se perguntar oque fez Schoenberg compor para violão (“Serena-ta op. 24”) e também Stravinsky (“Tango”; “Can-ções Russas”), Stockhausen (“Gruppen”), L. Berio(“Sequenza”) Edino Krieger ( “Concerto para DoisViolões e Orquestra”), Heitor Villa-Lobos?

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Maurício Carrilho* Entrevista publicada na edição no. 23 - Mai/Jun 1997por André Egg

Maurício Carrilho é um dos grandes violonistas damúsica brasileira. Deixou o 3.o ano de Medicinapara se dedicar à Música. Tocou com muitos músi-cos consagrados da MPB e participou de gruposcomo: - Os Carioquinhas, que tinha entre outrosRaphael Rabello; - Camerata Carioca, que ficoumuito conhecida tocando e gravando com RadamésGnattali. Maurício foi, junto com Joel Nascimento,o único a participar de todas as formações do gru-po; - O Trio, considerado o melhor grupo de choroda atualidade, ganhador de dois prêmios Sharp -melhor grupo instrumental e melhor disco instru-mental, composto por Maurício ao violão, PauloSérgio Santos no clarinete e Pedro Amorim aobandolim. O grupo já está tocando há 11 anos.Maurício esteve em Curitiba por ocasião da 5a.Oficina de MPB, ministrando o curso de violão-acompanhamento, quando concedeu esta entrevis-ta.

• Como você começou a tocar violão?Uma vez passeando com meu tio (Altamiro Carrilho),fiquei olhando um violão na vitrine de uma loja. Eleme perguntou se eu gostava de violão e eu disse quesim. Então quando eu fiz 5 anos ele me deu um depresente. Não consegui aprender a tocar porque ne-nhum professor dava aulas para alguém dessa ida-de. Me puseram para estudar piano com uma pro-fessora chata que me fez ter raiva do instrumento,que nunca aprendi a tocar. Meu primeiro professorfoi o Dino (Horondino Silva, o Dino 7 Cordas), comquem eu queria estudar porque era fascinado pelosbaixos que ele fazia no choro. Eu tinha então 9 anose não sabia nem pegar no violão. Aprendi alguns acor-des e já estava acompanhando umas músicas, masentão ele parou de dar aulas em casa e ficou só naescola “O Bandolim de Ouro”, onde o horário deaula passou a ser muito curto devido ao grande nú-mero de alunos. Por isso eu comecei a fazer aulascom o Meira, que tinha sido a sugestão inicial domeu tio. Ele era um excelente professor. Tinha toca-

do com Agustín Barrios, Garoto, João Pernambuco,e foi professor de Baden Powell, Raphael Rabello,João de Aquino e muito músicos excelentes da MPB.Minha aula era das 7 às 8 h da manhã, e depois dis-so ele ficava tocando, e tocava de tudo: choro, sam-ba, baião, frevo, bossa-nova, bolero etc.. Nestashoras ele não falava nada, só tocava, e eu tinha queacompanhar, imitando, tirando de ouvido. Só saíada casa dele depois do almoço. Foi o melhor apren-dizado que eu tive. Desenvolvi muito o ouvido, apercepção, o ritmo e a harmonia. Eu estava com uns11 anos de idade. Acho que todo violonista tem quefazer isto: ir para os bares, acompanhar, tirar de ou-vido, tocar com todo mundo. Mesmo que não acertenenhum acorde, vai tentando. Depois da 10.a vez jáestá tocando a música. É assim que se aprende. Aprimeira vez que eu tive aula de erudito foi com oJoão Pedro Borges, que dava aula na escola doTuríbio, e que depois foi meu colega na CamerataCarioca. Eu tinha 21 anos. Foi muito proveitoso paramim porque eu melhorei bastante a minha sonorida-de.

• Você acha que para o músico popular é impor-tante estudar o erudito?Sim é muito importante. E também é muito impor-tante o violonista erudito estudar música popular,aprender a acompanhar e a tocar samba, choro, baião,música brasileira em geral, caso contrário não vaisaber tocar bem os compositores brasileiros, que be-beram todos nessa fonte. Tem que fazer isso paranão tocar Villa-Lobos, Radamés, Guerra-Peixe comoum gringo, duro e sem ginga. Para o músico popularé importante estudar o erudito principalmente paradesenvolver a sonoridade.

• Como é que você estuda técnica?Na verdade eu não estudo, sou muito vagal (risos).Não gosto de nada que me traga sofrimento. A mi-nha relação com o instrumento tem que ser de pra-zer e não de tortura. Eu gosto de brincar, de ficar

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tocando de sacanagem, nos bares. Eu não tenho pa-ciência de ficar estudando um solo de violão. Euprefiro tocar em grupo, que é uma coisa mais fluen-te. Se eu vou tocar uma música solo no violão, eugosto de montar um acorde de uma certa maneira,mas quando eu vou colocar a melodia, não possomais tocá-lo daquele jeito e tenho de fazer uma in-versão que não soa bem e eu não gosto de fazer isso.Prefiro escrever um arranjo para grupo ( e faço issobastante) do que tocar violão solo. A respeito dosexercícios de técnica, acho muito melhor tocar umchoro em várias tonalidade do que ficar estudandoescalas. É muito mais musical e tem o mesmo efeitomecânico.

• Existe uma relação muito forte do violão eruditocom o choro. Turíbio Santos, Jodacil Damaceno,os Irmãos Assad e outros grandes instrumentistastocam mito choro. E todo mundo que estuda vio-lão tem algum no repertório. A que você atribuiisto?É uma prova de que o choro é uma música de muitoboa qualidade e muito profunda. É o gênero brasi-leiro que mais se aproxima da música erudita. Provadisto é que estes grandes músicos que você mencio-nou gostam de tocá-lo.

• O choro teve grandes nomes como ErnestoNazareth, Pixinguinha, Jacob do Bandolim. Vocêfaz parte de uma nova geração de chorões que sur-giu com a Camerata Carioca e Radamés Gnattali,que causou uma espécie de renascimento do cho-ro. Como você vê o movimento chorístico hoje?Não acho legal falar em renascimento do choro por-que o choro nunca morreu. É uma coisa que semprese manteve viva de várias formas. Diz-se que Garo-to e Radamés foram precursores da bossa-nova, masa música deles é tudo choro. As pessoas não sabemque a maior parte da obra de Tom Jobim, EgbertoGismonti e Hermeto Paschoal é choro, melódica,harmônica, rítmica e formalmente falando. Tende-sea chamar de choro somente a música que se faz comregional, mas o choro tem muitas formas. Eu mesmojá toquei choro com uma banda de rock japonesa.Sou considerado como músico de choro (e eu meorgulho muito disso) porque toquei em vários gru-pos ligados ao choro, mas eu toco outras coisas tam-bém. Já acompanhei muitos cantores e músicos, fizarranjos e produzi um disco para a orquestra de Cor-

das Dedilhadas de Pernambuco, já gravei tango, com-ponho frevo, baião ( o Sivuca gravou um baião meu),enfim é uma coisa muito ampla. O choro às vezes éassociado com coisa velha, ultrapassada. O RaphaelRabello uma vez contratou uma divulgadora paracolocá-lo na mídia e ela determinou que tocasse oque quisesse mas não dissesse que era choro, por-que prejudicaria a sua imagem. Esta imagem negati-va se deve também à forma excludente de algunsmúsicos encararem o choro, não estando abertos anovidades. Ao contrário disso, o choro é uma músi-ca viva, que pode ser tocada em qualquer instrumen-to. A “baixaria” que hoje se faz no 7 Cordas, antiga-mente era feita no oficleide que ninguém mais co-nhece. E tem o Avena de Castro que tocava choronum instrumento muito raro chamado “cítara boê-mia”. O choro pode ser tocado com qualquer forma-ção instrumental.

• O choro pode ser comparado ao jazz?O choro é muito mais rico que o jazz. Tem a melodiamuito mais elaborada, e pode ter a harmonia tam-bém se você quiser. Se você for aberto a novidades,o choro pode se tornar a melhor música do mundo.Muitos músicos bons se impressionam quando vêema gente tocando choro, porque não sabiam que é umamúsica tão completa.

• Hoje se vê muito violonista largando o instru-mento, por falta de mercado. Como você vê o mer-cado e o meio acadêmico? A música popular ofe-rece melhor opções?Com certeza a música popular oferece mais espaçopara o violão. Tudo na MPB tem ou pode ter violão.É um grande mercado. Já no meio acadêmico é dife-rente, nós só temos no Brasil cursos de música eru-dita. É muito ruim que não haja um curso de violãopopular nas faculdades. O que acontece é que as es-colas formam um grande número de bons violonis-tas que acabam ficando desempregados porque nãohá mercado para eles. Enquanto isso, existe um montede gente muito ruim fazendo música popular. Seriainteressante formar bons violonistas populares quetenham trabalho e também colaboraria muito paramelhorar a música brasileira.

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Idade: 38 anos *Atividades atuais: professor de violão e música deCâmara da UNIRIO, concertista e camerista *

- Quais foram as primeiras influências que você re-cebeu no violão?O violão erudito mesmo eu comecei no Brasil, mas an-tes, quando eu morei nos Estados Unidos, eu toquei vio-lão folk, mais ou menos com 14 anos de idade. E eutocava Beatles, Bob Dylan, Simon & Garfunkel, JamesTaylor. Já no Brasil, iniciando no erudito com Léo Soa-res, minhas maiores influências eram o que se ouvia naocasião: Bream, Williams e um pouco de Segóvia - istofoi em 1973, aproximadamente.

- Como foi sua formação no Brasil?Estudei um pouco com Odair Assad, uma pessoa muitomusical mesmo; com o Jodacil Damasceno, que eu con-sidero uma das pessoas-chave no Brasil, lembrando queele foi aluno do Rebelo ( avô do Sérgio Abreu ) e o Rebe-lo por sua vez foi aluno de Quincas Laranjeira e, depois,de Isaías Sávio. O Rebelo foi o primeiro grande profes-sor de violão erudito no Rio. E o Jodacil foi uma espéciede irmão mais velho para o Sérgio e o Eduardo, e para oTuríbio também, foi professor de Léo Soares e formouuma série de pessoas, algumas lamentavelmente já forada profissão. E o Jodacil tem uma coisa notória - umtrabalho de mão direita excelente! Bem, também tive al-gumas aulas com Barbosa Lima e contatos com o SérgioAbreu.

- E fora do Brasil? Você estudou na Royal Academyof Music de Londres, que é uma das mais conceitua-das da Europa, como foi lá?Na minha época foi bastante fraco, isto foi segunda me-tade da década de 70. Agora eu sei que as coisas melho-raram muito lá. Eu estudei um ano com Michael Lewin eoutro ano com Hector Quine aí eu não gostei e saí, pas-sando a estudar na Early Music Center, durante um ano.Fiz alaúde renascentista, dois tipos de estilo com JacobLindberg e Christopher Wilson. Ainda na Academia eutambém tive aulas com Robert Spencer, que tem a maior

coleção privada de música antiga do mundo para cordadedilhada, uma coisa impressionante! No Chile tambémestudei alaúde barroco com Oscar Olsen, que era umsujeito muito influenciado por Bream.

- Fale um pouco sobre sua experiência no alaúde.Antes eu tenho uma história engraçada e verídica paracontar: era 1975 e eu estava nos EUA e tinha U$$ 600para viver quatro meses, o que dava conta da comida, doaluguel enfim. Aí um dia eu vi numa loja de música umalaúde que custava U$$ 500. Eu comprei o alaúde e pas-sei a viver de pão integral e leite e ainda doava sangueduas vezes por semana ! Quer dizer, eu posso realmenteafirmar que eu dei o sangue pelo instrumento. Bem, massobre o alaúde, pode-se dizer que é muito difícil a passa-gem de um instrumento para outro, não por causa dadimensão em si, mas sim devido à questão da tensão:ligado na mão esquerda e pulsar da mão direita. É umacoisa complicada. Eu toco entre uma posição mais clás-sica, mais violonística, e a posição correta do início daRenascença, e tem dado resultados. O alaúde é um ins-trumento interessante para trabalhar o apoio, no caso dosviolonistas.

- Você morou três anos nos EUA e sete na Inglaterra.Em Londres você assistiu muitos concertos e comoera o nível ?Bem, naquela época Bream não enchia a WingmoreHouse. Já o Williams assim que anunciava já não tinhamais ingresso no dia seguinte. Agora, um concerto me-morável na Wingmore foi o de Manuel Barrueco assimque chegou na Europa. Ele abalou os ingleses porque derepente tinha um sujeito a nível de Williams e que vinhade um continente que fica à esquerda do mapa. Aí feztodo mundo pensar que poderia haver mais de um deonde o Barrueco veio. Houve outros também que assisti,como Roussel, etc.

- Você é considerado um dos melhores cameristas doBrasil. Como você vê o Violão na música de câmaraem termos de repertório e sonoridade ?Primeiramente eu queria dizer da importância da música

Nicolas de Souza Barros* Entrevista publicada na edição no. 5 - Mai/Jun 1994 *

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de Câmara. é uma necessidade imposta por um mercadoque não aguenta mais o recital solo; está cada vez maisdifícil a gente viajar, o que obriga o violonista a estarmuito preso a sua cidade - e quantas vezes você vai po-der mostrar um repertório na mesma cidade ? Então amúsica de câmara surge como uma necessidade impostapelo mercado. Além disso qualquer violonista que queirase aprimorar musicalmente deve fazer música de câma-ra. É fundamental. Quanto a sonoridade, você tem deaceitar as limitações inegáveis do instrumento e estar pre-parado para tocar amplificado. A realidade é que temos,ainda acrescentando, salas que não condizem com a acús-tica própria. Você vai tocar violão, então tem que serouvido. Agora, solo, é outra coisa, eu acho que a gentedeve tentar prezar o som acústico. Sobre repertório eupenso que tudo é válido; é uma coisa que deve ser aceitaporque o nosso repertório clássico é fraco, e o românticopraticamente não existe. Por isso deve-se levar de tudo,tentar fazer tudo.

- O que você pensa a respeito do intercâmbio entre osviolonistas ? Você não acha que precisa haver maiorentrosamento ?A gente não acha isso, a gente sabe disso. Eu costumocomparar o movimento cultural (ator, bailarino, músico,dramaturgo ...) a um bolo. Então você começa a tirarfatias deste bolo, e o que sobra para o músico erudito,atualmente, é a menor parte. Então o que acontece ?Falta intercâmbio, falta de informação ou falta de amiza-de. Por exemplo, há muito que eu queria ter uma certapenetração em São Paulo, e isto acabou acontecendoatravés daquele encontro ( II Encontro Nacional de Vio-lonistas, em setembro de 1993 na UNESP ) e agora aspessoas descobriram que eu existo aqui no Rio, assimcomo outros também. E eu bem que queria também tra-zer violonistas para cá, vindos de São Paulo, mas mefaltam meios. Eu vivo uma vida completamente especi-alizada, voltada para os meus recitais e aos poucos alu-nos que tenho na UNIRIO e aqui em casa. Então é difícilarrumar tempo para levantar fundos, porque como é quevou trazer nomes como Henrique Pinto, Edelton Gloedenao Rio de graça ? Assim como eles não agiriam assim.Agora, intercâmbio não é só trazer fulano para tocar nacidade X, mas sim troca de informações. Este sim é ogrande intercâmbio, como está fazendo o pessoal do bo-letim ( Violão Intercâmbio ). Vamos começar mantendouma central de informações e partir, um dia, de formahumilde, para uma associação nacional.

- Como está viver de violão hoje ?A primeira regra para quem está iniciando é aceitar que,fora casos extremamente especiais, o mercado está maisvoltado para o violão popular, e até você chegar em umposto universitário ou similar você vai ter que dar aula depopular. Outro ponto: tocar em ambientes, tipo bar, parasobreviver. Hoje em dia depende-se da ajuda dos paisaté os 30 anos, em média, e é uma tendência mundialporque a pessoa se forma e não tem aonde trabalhar,muito menos violonista! Arte não é considerada um ser-viço essencial e música menos ainda - você não penduramúsica na parede, não valoriza na parede. Ela é tempo-ral, você não “ consome “ ao longo do tempo. Terceiracoisa: fazer música de câmara. Não existe mais carreirasolo no país, e eu posso falar isso embasado em váriosexemplos, se quiser. Próximo aspecto é o da leitura -você nunca sabe quando uma oportunidade vai bater àsua porta. Você tem de estar pronto, ter um repertóriodebaixo dos dedos, estar pronto para o que der e vier. Aleitura é essencial para que o nível musical do violonistaem geral chegue perto dos demais instrumentistas. A gentepassou praticamente um século inteiro onde 3, 4 ou 10violonistas é que sabiam tocar enquanto os outros demo-ravam três semanas para ler uma peça. Então eu acredi-to que a pessoa que tem boa leitura, que é um dos ele-mentos base para uma carreira, está em vantagem sobreos demais, ao nível de concertos, música de câmara, con-cursos e solo. Também acho que as pessoas perdemmuitas chancer por não trabalharem instrumentos para-lelos ao violão ( violão 10 cordas, violão romântico, alaúde,vihuela...).

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Orlando Fraga* Entrevista publicada na edição no. 18 - Jul/Ago 1996por André Egg

Atividades:Professor de Violão da EMBAP (Curitiba-PR),concertista e musicólogo.*

- Como você começou a tocar violão?Sabe Deus! Eu sei lá faz quanto tempo! Eu comeceitocando popular, como todo mundo. Meu pai toca-va em regional de choro, então eu tinha o violão emcasa. Eu ouvia muito Dilermando Reis, JoãoPernambuco. Depois, Baden Powell e outros; eu ti-nha muita vontade de estudar. Aos 13 anos comeceia trabalhar como “boy”, então eu tinha dinheiro ecomecei a fazer aula escondido, porque meu pai nãoqueria que eu estudasse. Comecei com o único pro-fessor que conhecia: Miguel Couto, que dava aulade piano, violão, flauta, clarinete... Com ele eu apren-di basicamente a ler partitura. Depois, fui estudarno Instituto Nossa Senhora das Mercês, aonde eufui convidado para dar aulas para os iniciantes, vis-to que era o aluno mais adiantado. Decidi fazer issoporque eu ia ganhar mais do que “boy”(risos).

- Isso foi quando?Não sei, acho que 1973, 74, ou mais. Não sei. Aí,fui estudar com o Jaime Zenamon, que cobrava muitocaro. Um amigo me convenceu a estudar com ele,dizendo que me pagava as aulas, coisa que nuncafez. Foi o Jaime quem me deu a base que tenho.Antes eu tocava sem unha, etc. Foi com ele que co-meçamos: eu, o Norton Dudeque e o Chico Mello.Ele sabia análise; tinha estudado na Europa; falavade história, de interpretação. Foi ele quem trouxe aescola de Carlevaro para o Brasil.

- Você estudou com Eduardo Fernandez?Isso foi bem depois, em 1980.

- Aí você já tinha concluído o bacharelado?Não. Naquela época não tinha bacharelado emCuritiba e eu cursei a licenciatura. O Jaime implan-tou o curso fundamental de Violão na EMBAP. O

bacharelado fui eu que implantei depois que volteido Uruguai. Foi bem curioso porque eu tinha aula(de violão) com o Chico Mello na licenciatura, e eletinha aula comigo no bacharelado.

- Como foram as aulas com o Fernandez?Foi muito bom estudar com ele. Uma coisa é estu-dar com um grande professor, outra com um grandeconcertista. A primeira aula que fiz com ele eu qua-se morri. Estava passando o concerto em Ré Maiordo Vivaldi. Eu ia tocar com a orquestra jovem. En-tão ele me disse: “Faz assim. Mas se for com or-questra de câmara faz assim, e se for com contínuo,faz assim”. Então ele passava aquele“background”de concertista.

- Você morou no Uruguai para estudar com ele?Fiquei dois anos lá, mas tinha de vir a cada 15 diaspara dar aula em Curitiba. Depois que eu voltei eucursei a licenciatura e também fui estudar com oHenrique Pinto, que foi um ótimo professor, me aju-dando em questões de som. Ele foi o fecho da minhaformação técnica, e foi também quem me abriu asportas nacionalmente.

- Como você o mercado violonístico hoje?Está muito ruim. Eu acho que a cabeça do violonistatem que mudar. Caso contrário o violão vai acabar.Nós estamos no Brasil fazendo música européia doséculo passado. Essa forma de concerto que nós te-mos hoje é muito anacrônica. Nosso repertório é ve-lho, chato e viciado. Eu dizia isso para o Henrique eele ficava bravo. As pessoas quando gravam fazemcomo se estivessem em concerto, e não usam recur-sos de gravação. Quem faz muito bem isso são osmúsicos populares. Os alunos de violão levam asgravações como referência, achando que têm quetocar como o Williams e o Bream,e concerto é umacoisa muito diferente disso. No Canadá (onde estivefazendo Mestrado) eu tive a oportunidade de ver osgrandes concertistas ao vivo, e todos pifam, erram,

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e interpretam de uma forma que não aparece nasgravações. Temos que aprender a usar a mídia: vídeo,disco, informática, etc.. Eu fiz uma experiência, to-cando num concerto uma peça de Steve Reich -“Eletric Counterpoint”, para 15 violões. Ele escre-veu esta obra para o Pat Metheny (guitarrista ameri-cano), que gravou todas as vozes fazendo mixagemem estúdio. Na minha execução, gravei 14 violõesno computador e toquei o outro ao vivo usando“playback”. Essa forma como nós fazemos recitalde violão é muito chata. Hoje as pessoas procurammais música de câmara, duos ou trios - algo maisperformático. Todas as vezes que dou um curso, in-sisto muito nessa questão de linguagem, do violãocomo veículo de comunicação. Eu tive sorte com osmúsicos que entrei em contato. Tive acesso a pesso-as de mente muito aberta. O Jaime Zenamon, oEduardo Fernandez, o Chico Mello, o NortonDudeque, o Osvaldo Colarusso, o Alan Torok (Ca-nadá). São pessoas que não pensam violão, pensamarte. São compositores, artistas, etc.. Foi assim queaprendi a encarar o instrumento como um meio enão um fim em si mesmo.

- Como é seu trabalho de editor, musicólogo, pes-quisador?Eu comecei isto porque tinha muita tablatura, estu-dava música renascentista, barroca, etc. e os meusalunos vinham com aquelas edições caríssimas queeu mudava tudo. Então, quando comprei o compu-tador, resolvi começar a editar essas coisas. O meuideal (não sei se vou alcançá-lo) é fazer uma partitu-ra boa num preço acessível, para as pessoas teremvergonha de tirar xerox. Eu acho que o computadorvai mudar muito esse negócio das editoras. Hoje épossível mandar uma partitura para o mundo inteirovia Internet. Tem uma loja en San Francisco (EUA)que tem as partituras no computador e imprime parao cliente na hora. Esse é o caminho. Temos que re-pensar nossa vida musical. Concerto, edição, grava-ção, aula. Isso é muito sério. O mundo está mudan-do e o violão não.

Nota: Para quem estiver ligado à Internet, OrlandoFraga criou um “Home Page” de violão, onde seencontra: Intérpretes (PR); Discografia (PR); Edi-ções (PR) e a Revista Eletrônica de Musicologia,

que já conta com diversos artigos em inglês e por-tuguês, e está tendo uma média de 20 acessos pordia no mundo inteiro. O endereço de acesso é: http://www.cce.ufpr.br/~ofraga/guitar.html

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Oscar Ghiglia* Entrevista publicada na ediçãono. 16 - Mar/Abr 1996 com otítulo “Ghiglia - uma personagemda história do violão”por Fábio Zanon

Muita gente clama o título de herdeiro de Segovia,mas parece que os alunos que ele tinha em maisalta estima, sem dúvida, eram Alírio Diaz, JohnWillians, Eliot Fisk e Oscar Ghiglia. Entre eles,sempre me pareceu que Ghiglia era o que mais seassemelhava ao mestre, em termos de som, reper-tório, estilo interpretativo, espontaneidade, etc. Suasgravações dos anos 60 são impressionantes, e sem-pre fui curioso em conhecê-lo. Finalmente conse-gui, e arrematei com uma entrevista em que ele semostrou uma verdadeira personagem, recordandoseus primeiros passos e defendendo tenazmentesuas idéias sobre o que o violão é, ou deveria ser.

- Como era o ambiente violonístico na Itália quan-do você começou a tocar?Na Itália eu não sei, pois eu me mudei quase emseguida ao término de meus estudos. Primeiramenteeu estava estudando como aluno do ConservatórioSanta Cecília, em Roma. Haviam poucos concertos(baratos), mas importantes. Depois de ir a Siena,onde Segóvia estava ensinando, tive de mudar mui-tas coisas.

- Mas quando você começou a tocar em Roma, foilogo depois da Guerra?Eram os anos de 1962 (quando me formei no Con-servatório) e depois fui a Paris fazer o concurso daORTF, onde ganhei o 1§ prêmio por unanimidade.Depois disso, estive nos Estados Unidos porque noano seguinte, por sorte, havia aqueles cursos deSegovia em Berkeley, e ele me disse em Siena :“Você vai ser meu assistente”. E eu fiquei nos EUAalguns dias. Dei concertos, cursos e depois fui aoJapão, em minha primeira turnê mundial. Regresseia Paris, onde fiquei morando até 1971. Gravei al-

guns discos na França pela EMI.

- Então, a influência de Segovia foi a mais decisi-va para a sua carreira?Pelo violão, sem dúvida. Segovia era o Sol, depoishavia muitas nuvens (risos) e de vez em quando sevia um facho de luz. Mas existiam outros violinis-tas, como Louise Walker, etc. Em Roma havia ape-nas um maestro que eu conhecia, que iniciou o cur-so no Conservatório. Existiam outros também, comoPujol e seus alunos. Meu professor foi BenedettoDiponio, que era autodidata e tinha um diploma deContraponto e Fuga, e foi autorizado pela ComissãoItaliana a lecionar em dois conservatórios. E quan-do o curso iniciou em 1954, foi ele quem assumiu adireção em Roma, sendo que o primeiro de toda aEuropa foi o curso de Madri, com Sainz de la Maza.

- Suas primeiras turnês foram por causa do Con-curso de Paris ou por influência de Segovia?Foram depois do Concurso. Claro, Segovia ajudoumuito, pois depois do prêmio eu fui convidado a irao Japão, e ao mesmo tempo fui aos EUA com oSegovia, onde ele era muito conhecido. Na Américaexistiam muitos violonistas, e eles eram bem media-nos, meio pobres de técnica e cultura musical. Pou-cos tinham possibilidades de ensinar algo sério.Quando eu cheguei e eles viram que eu era aluno doSegovia, deram bastante importância e imediatamen-

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te me convidaram para tocar e ensinar em Universi-dades. Na volta a Paris, vindo do Japão, estive naEMI, onde me perguntaram se eu podia gravar assonatas de Paganini para violino e violão. E eu disseque sim, mas em troca eu queria gravar um discosolo. Eles fizeram uma audição e concordaram. De-ram-me um contrato para fazer quantos discos euquisesse.

- E quantos você fez?Uns 10. Nos anos 70 eu fui viver no Taiti. DeixeiParis e um pouco daquele contato. Mudaram a dire-ção da gravadora e a direção artística mudou com-pletamente. Deixaram de gravar violão erudito paratrabalharem música popular e por isso o violão emParis acabou para mim. Depois, gravei para outrascasas, como a LANSAG em Nova York e aRICERCARE em Florença. Não fiz nada em CD,mas eu tenho vontade de pegar as fitas master efazer sair esses discos em CD, pois são muito bons(risos).

- Eu conheço aquele que tem a Sonata III dePonce, que é fantástico.É o primeiro, gravado em 1965.

- E sua carreira como intérprete? Quantos con-certos você tem dado por ano?Eu nunca fui de buscar muitos concertos, porque eucreio que não tenho o talento de caçador de concer-tos, entende? Há pessoas que já quando conhecemalguém imediatamente perguntam se podem arran-jar algum concerto. E eu nunca fiz isso. Me agradao trabalho e o interesse sempre vivo pela música epelo progresso.

- Você tem uma carreira muito distinta como pro-fessor, as pessoas sempre falam muito bem de seuscursos. Quando e onde você começou a ensinar?Teve aquela primeira vez em Berkeley com Segovia.Depois em 1964 na Califórnia e alguns outros esta-dos dos EUA. Eram classes regulares e eu vivia deum lugar para outro, como em Aspen, no centro dopaís. Até que a vida lá mudou, com Nixon, proble-mas internos, recessão, e os alunos tiveram poucaajuda, sem bolsas de estudo - como havia antes.Assim, a vida em Aspen se acabou. Só depois demuitos anos voltou a acontecer, desta vez com mi-nha aluna Sharon Isbin, que estudou lá desde crian-

ça, juntamente com Eliot Fisk e outros.

- Estes são os que fizeram uma carreira mais im-portante?Sim. Teve outros, só que com carreira mais de pro-fessores. Recentemente, a Lily Afshar tem se desta-cado também.

- Para você, qual é a função de um professor hojeem dia? O que você procura passar dando um cur-so?Veja bem, é aprender como “roubar”. Isso é o quedizia meu professor quando eu comecei. Esse pro-fessor era mais um cantador e violonista, e não sa-bia como ensinar - não sabia escrever Música. Elefalava : “Olhe, não sei como se ensina. Você “rou-ba”. O que vês, rouba-o” (risos). E é verdade, o queuma pessoa vê e lhe agrada, tem de roubar... roubaré aproveitar os efeitos do trabalho de outros. Umprofessor é alguém que trabalhou muitos anos e tedá algumas coisas que se pode utilizar para ganhartempo, porque tempo não é igual para todos. Hojeas pessoas têm menos tempo que antigamente. En-tão, quando eu tinha 20 anos, não tinha problemasde dar concertos, tinha mais é que trabalhar, estu-dar, dar concertos, aprender tudo... Agora os jovensnecessitam muito mais, mais informações, que quemdá é o professor! Nos meus cursos regulares na Su-íça (onde moro) são 3 anos, sendo que no primeirotenho que lhes “ abrir os ouvidos”, no segundo, en-sinar as formas e estruturas da Música, e no tercei-ro, buscar a poesia - resultado desse trabalho, ir co-lher as flores que saíram e ensiná-las.

- É evidente que o nível médio do violonista dehoje é mais alto do que 30 ou 40 anos atrás. Vocêpensa que esse ganho em termos de técnica e in-terpretação resultaram na perda de alguns dos ele-mentos de poesia que você mencionou?Não sei. Não creio que as pessoas queiram perderpoesia... O que posso dizer é que se ganhou maispoesia, pois antigamente nada se inteirava, cada umtinha que tocar assim como lhe dava vontade. Tal-vez hoje haja mais qualidade também, uma coisapode ser velha, mas sem qualidade. A qualidade é abeleza, a busca dos significados musicais de umaobra que alguém toca. Quando uma obra se apre-senta clara em todas as suas formas, então aí há qua-lidade. Pois podem haver interpretações velhas e sem

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qualidade, sem profundidade de entendimento. Porisso há tantos exemplos no piano e na orquestra. Eutive muita influência pelo violão e pelo maestroSegovia, e fui muito influenciado pela música emgeral, inclusive minha mãe era pianista.

- E que área de repertório te agrada mais, se háalguma?A música que se faz com notas (risos). Prefiro estasàquelas que têm ruídos. Por exemplo, a música ba-seada na percussão me agrada também, mas é muitomais primitiva. A percussão é a mais primitiva dasexpressões humanas. Depois a música com notas co-meça a ter momentos de poesia, de significado...

- E alguns compositores que estão mais próximosde sua sensibilidade, que você tem tocado com maisfreqüência?Bach, Ponce, Villa-Lobos... todo o repertório de vi-olão. Poderia tocar Mozart, Haydn... claro, algumascoisas se tocam, outras, não.

- Quando iniciaram o curso e concurso deGargnano, qual foi o propósito de fazê-lo?O primeiro curso começou em 1973 e o concurso,três anos depois. Um concurso quase sempre refletea direção estética de uma escola, um grupo... é umamaneira de institucionalizar a busca que se faz deuma direção musical. Sempre foi assim. Por exem-plo, se você fizer um concurso no Japão, os juradosdarão o prêmio se você corresponder aos ideais queexistem naquele país, que, inclusive, são muitos.Outro exemplo, no Concurso de Genebra os ideaisestarão em outra direção. Neste concurso deGargnano os jurados têm visões parecidas e distin-tas. De toda forma, o concurso deve ser objetivo aoponto extremo.

- Para finalizar, o que você pensa que seja impor-tante hoje para o violonista que está iniciando acarreira, em termos de formação musical e deatitude para com a profissão?Para as atitudes musicais, é importante sair um pou-co do meio violonístico, escutar muitos músicos -outros. Ler muito, ter uma cultura musical, saber oque são os estilos antigos - tendo bastante cuidadocom isso, pois o violonista tem a péssima mania dequerer imitar o cravo, quando há maneiras distintas

de se interpretar essas peças do período barroco.

Essa entrevista foi realizada por ocasião do XX Con-gresso Internazionale do Incontri Chitarristici diGargnano, Itália, em setembro de 1995.

Oscar Ghiglia nasceu em Livorno, Itália, em 13 deagosto de 1938.

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Paul Galbraith* Entrevista publicada na versãoon line do Violão Intercâmbio,edição no. -6 - Nov/Dez 2003Por Gilson Antunes

- Paul, a matéria que a gente fez no Violão Inter-câmbio em 1995 [2] surgiu de uma entrevista queeu fiz com você ainda em Richmond, Inglaterra,para as pessoas no Brasil te conhecerem e tudomais. E acho que a gente não imaginaria que vocêmudaria para o Brasil pouco tempo depois.Nem eu!

- Primeiramente, por que você se mudou para oBrasil e para São Paulo? Bom, são dois assuntos: Brasil e São Paulo. Eu vimpara o Brasil pela primeira vez em 1984 porque oConselho Britânico me mandou para fazer turnê - foiuma sorte! Eu me apaixonei pelo Brasil - quando eu ovi pela primeira vez. Eu jurei que um dia moraria nessepaís. Eu sabia quase nada sobre o Brasil; um dos poucosvínculos que eu tinha é que era o país de Sergio eEduardo Abreu, que eram os meus ídolos (como eufalei na outra vez, meu primeiro disco de violão era odele). Eu realmente não tinha muita idéia do que era oBrasil. Mas mesmo assim, eu senti uma ligação. Naverdade eram duas coisas ao mesmo tempo para mim:um contraste muito grande, mas uma coisa familiartambém. A sensação de familiaridade, olhando para trás,era talvez por ter passado parte da minha infância emMalauí, na África, que tem a mesma latitude deSalvador, Bahia.

- Como é que você foi viver na África? Meu pai adorava viajar; ele ainda está viajando, elenão pára de viajar! Ele, como advogado, poderiatranqüilamente ter ficado na Escócia, só que ele tinhaessa wanderlust [3]. Aliás, o nome Galbraith, que éGaélico, quer dizer em uma das traduções “o viajante”... Assim, quando eu tinha 3 anos de idade nós saímosda Escócia e fomos para lá. Eu me lembro que, voltandopara a Grã-Bretanha, quando eu tinha 7 anos, eu e meusirmãos não nos acostumávamos mais facilmente ao frio

nórdico!

- O que deu o impulso de mudar para cá?Foi com o nascimento da nossa filha Luíza em 1996que nós decidimos experimentar morar aqui no Brasil.Quando eu conversei com você eu acho que ela nemestava... a caminho.

- Não, acho que não. Mas onde ela nasceu? Ela nasceu em Londres, mas logo em seguida a gentemudou; a gente pensou - onde ela vai crescer? E nossoprimeiro instinto foi o Brasil. Não sei. Eu tinha umaidéia de o povo brasileiro ser um povo alegre e parauma criança é importante esse ambiente mais caloroso.Por exemplo, você anda na rua, você vai à padaria e aspessoas, até desconhecidas, demonstram carinho comela. É uma cultura diferente.

- Então foi basicamente mais por causa da Luízaque você se decidiu? É, foi isso e mais meu velho sonho. Também tem ofato que a Célia, minha esposa, é daqui!

- Você teve algum receio pelo fato de o Brasil serum país fora do circuito? Na ocasião em que a gente se mudou, não fazia muitadiferença, porque eu não tinha um vínculo muito fortecom a Inglaterra; eu tocava e ainda toco lá só de vezem quando.

- O Robert Brightmore falava que a Inglaterra eraum grande espelho - se você desse um recital bomera ótimo para a sua carreira, mas financeiramentenão era.

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Isso. Eu encontro violonistas do mundo todo emfestivais e eles sempre falam a mesma coisa sobre aInglaterra. Você vai para lá, tem tradição musical eviolonística, - Bream, Williams, etc., mas paga poucoem geral. Só se, é claro, você for um monstro sagrado!Nesse aspecto não tem muita diferença entre Inglaterrae Brasil, por incrível que pareça. E entre as duas opções,no geral eu prefiro o Brasil! Além do mais, arte é umadas poucas profissões que dá liberdade de morar ondevocê quiser... Ladrão também (risos).

- E você gosta de São Paulo? No início nem tanto. Eu não vim para São Paulopensando que eu fosse ficar por muito tempo, masacabei gostando.

- Acho que sua carreira começou a tomar um rumodiferente quando você teve contato com a Delos ecom a Lisa Sapinkopf, a sua agente? Na verdade, eu estava com a Lisa desde 1992 e játocava nos Estados Unidos naquela fase. Aliás, eu faziaumas duas ou três visitas por ano de Londres para lá.Desde a primeira visita no início de 1992 paraWashington, eu senti uma outra recepção do públicoamericano. Diferente do que eu tinha tido na Inglaterra,uma coisa mais entusiástica. Especialmente quando eumudei para (violão de) 8 cordas foi uma recepçãocalorosa, eles adoram novidade; é muito diferente daEuropa que tem uma certa ...

- Resistência. Resistência. Na Europa, o público tende a demorarpara aceitar algo novo e decidir se é interessante ounão.

- E com relação a Delos, como foi o contato? Delos foi uma coincidência. Um membro da equipelembrava de mim da época em que eu ganhei um prêmiona televisão BBC e quando ouviram uma fita de umrecital meu, as diretoras entraram em contato.

- E aquele CD Introducing the Brahms Guitar foilançado comercialmente? Foi, mas não com Delos. Aliás, as obras de Grieg foramaproveitadas num outro disco, o de música folclórica,que é o mais recente dos meus lançamentos com Delos.O CD original Introducing the Brahms Guitar não estámais em circulação.

- O primeiro CD pela Delos foi o das Sonatas &

Partitas de Bach? Sim.

- É um CD bastante interessante, acho que paraquem ouviu é difícil ficar indiferente. Por que vocêgravou as Sonatas & Partitas de Bach e quais fo-ram as críticas, como foi a recepção desse disco? Bom, as Sonatas & Partitas foi naturalmente umtrabalho grande, quase a minha razão para ser violonistana época, porque eu tinha ao longo dos anosdesenvolvido um vínculo pessoal com a obra inteira: asSonatas e Partitas, ou ‘6 Soli’ como o próprio Bach aschamou. Eu queria realizar essa idéia; inclusive um dosmotivos para desenvolver o 8 cordas era vinculadojustamente com isso. Não que não fosse possível em 6cordas, mas era evidente que o novo instrumento iaabrir novos aspectos. Então ao esperar o 8 cordas, eujá estava pensando nas Sonatas e Partitas junto comaquela obra de Brahms sobre a qual a gente conversouda outra vez. Aí, depois de estrear o novo violão comBrahms e o repertório do primeiro disco, eu saí tocandoas Sonatas e Partitas em três turnês separadas eaproveitando os períodos de descanso entre elas parafazer novo repertório. Era realmente uma maratona,dá para imaginar? Duas horas de música numa tacadasó. Eu achava necessário para sentir a estrutura daobra do início ao fim. Quando Delos ligou querendo umdisco de Bach, o projeto das Sonatas e Partitas erauma escolha natural.Para mim a recepção da crítica foi muito surpreendentepor ter sido de um modo geral tão entusiasmada. Eunão sabia como público e críticos iam reagir a umaleitura tão pessoal. Na minha interpretação eu queriaressaltar as conexões entre os 32 movimentos queconstam nos 6 Soli, relacionando todos os andamentosdo início ao fim. Nisso, claro, alguns tempos saíramradicalmente diferentes do normal porque eu não estavapensando só numa Sonata ou Partita isolada, mastambém em como elas se relacionam com a estruturatotal da obra. Por isso as escolhas dos tempos são, seolhadas isoladamente, mais extremas. Na leitura daChaconne, por exemplo, o andamento polemicamentelento era uma necessidade estrutural, e eu dificilmenteteria vislumbrado uma solução tão extrema se tivessegravado o movimento sozinho. Em resumo, para minhagrande surpresa está gravação recebeu não só elogiosda crítica, como ainda uma indicação para o Grammy.

- E o CD das suítes para alaúde, de Bach, as críti-

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cas foram interessantes também? Sim, também eram na maioria positivas. Teve um longoartigo inclusive que refletiu exatamente o que eu tinhaem mente quando eu concebi o projeto, como se eutivesse escrito. Foi muito curioso. Naturalmente tambémtiveram algumas críticas menos positivas, é para seesperar. Normal. Aliás, a palavra ‘criticar’, queoriginalmente era sinônimo de ‘avaliar’, já tem umaconotação negativa para nós e então um crítico vaifacilmente querer “criticar”. É considerado o ofíciodele!

- E como surgiu o disco das sonatas de Haydn? Comecei a gravar as sonatas de Haydn nas sobras detempo das sessões das Sonatas e Partitas. Eu queriamuito registrar este material e aos poucos o disco foise formando. Um dia o pessoal da Delos achou estafita das sonatas de Haydn gostaram e lançaram.O que era interessante para mim deste CD foi ele teratraído um intenso público violonístico.

- Você comentou comigo que as sonatas de Haydnpodem ser realizadas no 6 cordas também. Sim, algumas. Eu já tinha iniciado o trabalho com oHaydn anos antes; aliás, de 1989 para 1990, eu dediqueiquase dois anos só lendo e conhecendo as sonatas deHaydn. No 6 cordas eram extremamente trabalhosaspara serem realizadas. Foi um alívio poder tocar depoisno 8. Inclusive, tem uma história: de vez em quandonaquela fase, eu mandava fitas para o Julian Breamouvir e mandei uma fita na qual gravei no 6 cordasuma sonata de Haydn. Ele gostou, mas comentou algoassim que, em sua opinião, ele gostaria que o violãorespirasse um pouco mais. É uma frase que ficou naminha cabeça: “deixar o violão respirar”. Interessante,não?

- E você concorda com isso, hoje em dia tocandocom o 8? Sim, agora com o 8, me deu a possibilidade de deixaras mesmas peças respirarem no instrumento, coisa quenão era tão fácil no 6 - questões também de cordasolta.

- Por falar nisso, você não toca no 6 cordas há bas-tante tempo, ou de vez em quando você... É uma coisa de nostalgia para mim, de vez em quandopegar um 6 cordas, e eu adoro tocar no 6. Mas no meu8 dá para fazer tudo o que o 6 faz, e quando eu toco no

6 eu sinto falta da extensão com que eu estouacostumado agora. Mas eu adoro o tipo de foco sonoroque o 6 permite; o 8 já parte para outro sonoridade,embora tendo bastante coisa ainda em comum. Essetipo de questão eu também noto com a Célia no alaúde,porque mesmo tocando com 9 ordens, por exemplo, osalaudistas gostam de voltar para o de 7ou 6. De vezem quando eu passo algumas horas tocando no 6, paramatar saudades!

- E o CD de músicas folclóricas? A recepção foiboa? Porque foi um repertório inusitado mesmopara quem grava músicas folclóricas. É, exatamente. É que Delos realmente estavaquerendo um disco mais popular, mais ‘comercial’ tipocrossover, worldmusic, e o que eu produzi não era nadadisso. Eles viram o nome Bartók e reagiram: “Puxavida, não vai vender aos milhões!” (risos) Mas eu jamaisteria gravado esse tipo de disco, não é do meu gostoum crossover, aliás eu acho que de todos os gêneros ocrossover é um dos mais perigosos; é onde se podecair num belo buraco musical ou melhor, antimusical.O meu primeiro sonho de gravar qualquer disco, quandoeu ainda era adolescente, era de reunir várias músicasfolclóricas mais ou menos da maneira em que eu fiz.Apesar do disco não ser o que eles tinham em mente,eles lançaram depois de dois ou três anos. A recepçãofoi boa mas não foi tão divulgado quanto os discosiniciais, talvez por ser um disco worldmusic sem ‘WorldMusic’! É um disco que eu até curto ouvir. De vez emquando!

- Você não grava um CD solo já há quanto tempo? Quatro anos.

- Pelo que você conversou, gravação sempre foiuma coisa muito interessante para você. É, sinto falta.

- E quais são seus planos para gravar agora? Bem, o fato de não ter gravado nesses últimos anos,não foi por falta de entusiasmo. O que aconteceu foique a equipe da Delos ouviu um pequeno bis que eu fizdepois de um recital no Festival Bach de Los Angeles,na mesma igreja que eu sempre gravava, por acaso.Era um prelúdio de Debussy, e depois eles foramcorrendo para mim dizendo: “Você tem que fazer umdisco só disso!”. E eu pensei - maravilha. Mas quandoeu voltei para casa eu me dei conta que eu tinha 2

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minutos e meio de música francesa e quase uma horaainda para completar o resto do disco, porque elesqueriam Ravel e Debussy, basicamente. E demorouaté agora pra montar o repertório, que eu acheiidiomático pra violão; eu não quis fazer um disco detranscrições que soariam bem melhor no original.

- Você acha o Debussy idiomático? O que eu escolhi sim, pelo menos até um certo ponto.Um bom exemplo é o início do Children’s Corner:Doctor Gradus ad Parnassum que é em forma de umestudo - aliás o próprio Debussy sempre brincava queesse movimento deve ser executado em jejum todo diaantes do café da manhã, para a higiene técnica! Masdemorei pelo menos dois anos tocando aquilo ao vivoaté me sentir confortável com o estilo de arpegio queele exige e só agora está fluente como se fosse umestudo de Villa-Lobos, por exemplo. Eu acho que foi omesmo processo com as sonatas de Haydn; no iníciovocê sente: “Isso não é idiomático”, mas depois seacostuma e você acaba sentindo que é idiomático sim!E se você olha para trás, para lembrar como foiNocturnal de Britten, no início era um terror para osviolonistas, até para o próprio Bream segundo elemesmo. Até se acostumar. Agora o Nocturnal éconsiderado totalmente ou quase totalmente normal.Isso indica que o violão está ainda no processo de seachar, de se definir e principalmente, está aindaevoluindo. Então é perigoso ser definitivo e falar que“isso é idiomático”, “aquilo nunca”. Dito isso, existemparâmetros (outer limits) e dá para ver de longe o quedificilmente vai ser idiomático, mesmo levando em contaesse processo de evolução. Por exemplo, Gaspard dela nuit, de Ravel para mim, nunca vai ser umatranscrição viável para violão.

- Eu conheci uma gravação em violão de 10 cor-das do Anders Miolin - ele gravou Le Gibet doRavel... Eu ouvi aquela gravação e achei interessante, maspouco idiomático.

- Eu acho curiosa essa questão de se o instrumentoque você toca é violão ou deixa de ser, porque se agente pegar o repertório romântico, século XIX, oCoste experimentou violões de 7, 8, 10 cordas; oRigondi também tocava no 10 cordas, 7, 8; Mertz...Inclusive eles usavam o polegar para fazer nota,com a mão esquerda e, acredito eu, não tinham

umas críticas assim, de que não era mais violão...Então, não sei se é por causa do repertório... É, também. Até mesmo o gênero atual que éconsiderado violão para concerto - que tem um somadmirável em termos de perfeição e tal, mas para mimparece quase amplificado - foge mais do que euconsidero o som tradicional - aquele som de SergioAbreu naquele Hauser, ou Segovia, ou Bream... . Éclaro que tem fatores no meu violão que são peculiares,que são óbvios: primeiro, o que você falou sobreextensão; só o fato de ir para aqueles graves e maispara o agudo, e por outro lado a grande tensão dascordas nessa afinação já diferencia, claro. Mas mesmoabrindo esses novos parâmetros, a idéia é ainda tentarmanter o velho “charme” do violão. Isso para mim é aessência do instrumento e sem dúvida foi um dos focosno projeto de 8 cordas de David Rubio. E você temrazão; é importante considerar sempre o quadro maiorda longa história do violão. Assim a gente vai perdendonossos preconceitos.

- Então, basicamente o teu próximo lançamento seráDebussy? Debussy e Ravel.

- E já tem idéias para outros. Tenho um monte de projetos. Ter idéias de projetos éo que me dá mais alegria; poder vislumbrar e realizarprojetos é muito mais animador para mim do que pensarem sair para dar um concerto em tal lugar.

- Inclusive você comentou comigo que alguns anosatrás você se lamentava que você ia morrer semtocar tudo o que você queria. Você estava tão em-polgado com o violão que as idéias eram muitas. Isso me deixa aparecer muito velho! Mas é verdadeque agora eu tenho uma vida cheia de novidades derepertório. E é normal com o violão, vendo o repertóriopianístico, camerístico e orquestral, etc., que você ficaàs vezes apavorado encarando um futuro aonde vaipassar o resto da sua vida basicamente repetindo asmesmas coisas. Inclusive o Rubio 8 cordas foidesenvolvido para esse fim também, para poder tocare abrir mais repertório, junto com novos recursosmusicais.

- O Debussy deve sair quando? Tenho que marcar ainda a data da gravação; conformevai aparecendo novidades, vou esticando...

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- Talvez ano que vem? Espero que sim.

- Agora, vamos falar a respeito do Quarteto. OQuarteto Brasileiro foi bem documentado pelo Vio-lão Intercâmbio quando foi lançado o primeiro CD.Eu queria que você fizesse um balanço de como foiessa experiência e por que você saiu do quarteto? Tocar com o quarteto foi um desafio musical enormee uma alegria muito grande. Foi muito divertido eculturalmente fantástico especialmente, porque a genteestava representando o Brasil lá fora e eu era derepente um brasileiro nos Estados Unidos - às vezeseu não quis decepcionar, e falar: “Não, eu sou europeu”(risos). Foi ótimo e a gente tocou muito. Em poucotempo fizemos por volta de 150 concertos, além dostrês discos. Mesmo quando pessoas foram para osnossos concertos por uma idéia diferente da realidade,como por exemplo, as pessoas que iam pensando queseria um quarteto tocando Bossa-Nova, e deram decara com um quarteto de Guarnieri, adoraram issotambém e diziam: “Puxa vida, a gente nem sabia que amúsica brasileira tinha tanta riqueza!” Ser um cameristatambém era estimulante, porque você está sempretrocando idéias no palco, ao vivo e você tem que sesoltar o máximo possível naquele contexto. A verdadeé que teve tanto sucesso que não deu para euacompanhar esse pique, junto com os projetos solosque eu queria realizar, e saí.

- Como é que está a sua carreira atualmente? Assuas turnês estão sendo para os Estados Unidos ouvocê está indo para a Europa também? Tem sido basicamente aos Estados Unidos porque aminha agente é de lá e mesmo ela recebendo convitesdo mundo inteiro o básico ainda fica por lá. Mas éengraçado que nos últimos um ou dois anos o cenárioviolonístico tem se interessado mais pelo o que eu faço.Estou aparecendo em festivais de violão, coisa que eunão fazia muito antes, interessante.

- E os festivais ocorrem mais na Europa ou... Europa e Estados Unidos.

- Muita gente se lamenta que ainda não teve umaestréia sua, digna, aqui no Brasil. Ainda não tevenenhum convite? Normalmente minha resposta automática é não, maspensando bem, eu tenho sido convidado para tocar

várias vezes, sim. É que até agora as datas oferecidasnão tem coincidido com os meus períodos nãofreqüentes aqui em casa. Mas quem sabe, com essemeu novo esquema...

- Como você vê a vida musical brasileira? Eu acho que está melhorando cada vez mais. Há seteanos que eu estou morando aqui, e nesses sete anosmuita coisa - pelo menos em São Paulo - tem melhorado;agora o cenário artístico está começando a refletir opotencial dessa cidade de ser o centro cultural, ou nomínimo um dos grandes centros culturais, da AméricaLatina. Também é bom lembrar que antigamente SãoPaulo, Rio e alguns outros lugares da América Latinaeram pontos fundamentais para uma carreirainternacional. Segovia, por exemplo, iniciou a carreiradele fazendo turnê na América do Sul, e ter feito issoera grande coisa na época; tinha uma estrutura bemforte, que está aos poucos voltando.

- Você costuma assistir a recitais aqui ou raramen-te você sai? Eu não tenho estado aqui o suficiente, e eufreqüentemente fico sabendo só depois que passou umconcerto quando alguém vem com o famoso “você nãosabe o que perdeu!”. Mas agora estando mais aquiisso vai mudar!- Quais são seus planos para o futuro em longo prazo. Eu realmente não penso demais em longo prazo. Temsido passo a passo e isso tem me levado a uma série dedescobertas surpreendentes. Eu não tenho grandesplanos, por exemplo, de mudar radicalmente, de fazeralguma coisa totalmente diferente na idade tal. Eu tinhauma idéia antes, do tipo: vou ficar 10 anos na loucurade turnês e depois dar um fim nisso e achar um outromodo de viver. Mas por enquanto eu estou nisso, semuma data final, ainda! Também, não sou tãoradicalmente contra a vida no palco quanto antes. Atécurto de vez em quando! E depois, a estratégia de viversó gravando como eu sempre sonhava, estilo GlennGould, passou a ser uma utopia distante por enquanto,devido às confusões todas dentro da indústriafonográfica.

- A sua opinião sobre gravação não mudou então, agravação é uma dádiva? É uma dádiva mesmo, pelo menos se você curte gravar!Num festival nesse verão, lá em Flórida nos EstadosUnidos, houve uma grande discussão sobre trauma de

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tocar ao vivo. Havia uns 12 professores na mesa,discutindo com os estudantes como resolver o problemade nervosismo no palco e todo mundo falando que temque se preparar para tocar ao vivo, tem que fazer issoe tal método, respirar fundo, você faz meditação, vocêfaz mil coisas, você come isso ou come aquilo, e tal.Tem todos os métodos. No final, em última análise, vocêtem a possibilidade de esquecer tudo isso e entrar emum lugar aonde só tem você e o microfone, esquecerde todo mundo e pensar só na música. Eu sei que temtodo tipo de performer, tem os performers querealmente ascendem ao vivo, que acham toda ainspiração lá, em contato com o público, a adrenalina, eacontece algo especial: produzem o seu melhor naquelecontexto. E tem aqueles outros que são bem melhor sótocando de frente para um microfone; ou tem aspessoas que tem pavor de microfone e que nuncaconseguem gravar bem, e, aliás, tem uma grandeporcentagem dos músicos que são assim. Eu nuncasenti isso porque desde cedo quando eu tinha 12 anos,o meu professor me gravava e filmava a cada mês, eeu adorava aquelas sessões. A gente passava sexta-feira à tarde todinha registrando meu repertório, e vendodepois. Eu acho que a minha paixão pelo microfonecomeçou aí. E eu sempre achei uma maravilha ter apossibilidade de um ‘take-two’, de poder repensarqualquer coisa, e entrar num processo de recriação,paralelo de uma certa maneira com o próprio compositor.Afinal, ninguém espera que ele componha ao vivo, semchance de refletir, etc..

- Eu lembro que em 1995 eu perguntei quem vocêadmirava bastante e você citou Richter, o Casals eo Glenn Gould. Você ainda se volta para esses in-térpretes, sempre ouve esses? Sim, alem de outros antigos favoritos como Cortot,Furtwangler, Schnabel, Mengelberg. Ultimamentepassei por uma fase Michelangeli.

- Você gosta bastante também de literatura? Sim, leio bastante, mas não sou sério no assunto. Umdos meus prediletos atualmente é o inglês SomersetMaugham, que caiu um pouco de moda, mas que éuma delícia ler. Nesse momento estou lendo a biografiadele.

- E além do Somerset Maugham, quem mais vocêadmira em Literatura? É como eu escuto música, tenho fases. Eu gosto de

me mergulhar em um autor que de repente me interessae aí eu fico facilmente obcecado. Passei por váriasfases: Dostoyievsky, Sikilianos, Whitman, etc..

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Paulo Amorim* Entrevista publicada na edição no. 35 - Mai/Jun 1999 com o título“Paulo Amorim e o violão em Portugal”por Fábio Zanon

Esteve no Brasil, em breve passagem no mês demarço, o violonista português Paulo Amorim. Pauloé considerado o maior talento jovem de Portugal,tendo já participado de inúmeros concursos e festi-vais pela Europa. Aproveitando sua estadia poraqui, Fábio Zanon o entrevistou exclusivamentepara o Violão Intercâmbio.

Fábio Zanon - Qual foi seu primeiro contato como violão clássico em Portugal ?Paulo Amorim: Eu comecei numa idade que hoje emdia já é considerado um pouco tarde, por volta dos12 anos e tive a felicidade de conhecer um dos pri-meiros professores que estudou no estrangeiro comAlberto Ponce em Paris, que já de base me deu umaeducação próxima do que hoje em dia se ensina, seunome é Paulo Valente Pereira. Com esse professorfiz todo o curso inicial na Academia de Amadoresde Música de Lisboa, que é a escola privada maisantiga de Portugal. Essa escola já formou um gran-de número de pessoas e continua a manter o nívelainda hoje em dia. Para citar alguns, Maria JoãoPires (a pianista portuguesa mais famosa no estran-geiro), Maria João (uma grande jazzista) e nossomaior compositor do século XX, Fernando LopesGraça, que era professor nessa escola e tambémdiretor do coro.

- Qual é o contato que as pessoas tem com o vio-lão clássico em Portugal e qual a relação da gui-tarra clássica com a guitarra portuguesa, as pes-soas se iniciam aprendendo a música popular por-tuguesa e depois se desenvolvem no violão clássi-co, ou essa trajetória não acontece? Sua trajetó-ria foi diretamente com a guitarra clássica?O grande problema da guitarra clássica em Portugalé que ela foi sempre associada como um instrumen-to acompanhador da guitarra portuguesa, nomeada-mente na nossa canção principal, o fado.

- Então a guitarra portuguesa seria o instrumentosolista e o nosso instrumento o acompanhadordela?Exatamente. Sempre teve esse problema de identi-ficação que inclusive começa no próprio nome. Nóstendemos a chamar a guitarra portuguesa apenas deguitarra e o violão, como vocês chamam aqui, nóschamamos de viola. Aí se cria a confusão com aviola de arco das orquestras, e tudo isso não contri-buiu em nada para o violão clássico se firmar. Foirealmente a partir da década de 60, com o grandemestre Emilio Pujol, que foi professor no Conserva-tório de Lisboa por dez anos em part time (períodonão integral), ele fazia meio ano em Catalunha, naEspanha, e meio ano em Portugal, e o contato comalguns grandes guitarristas da época que vieramestudar em Lisboa. Houve uma nova geração quehoje em dia são os mais antigos professores, diga-mos os decanos da guitarra em Portugal, que entãocomeçaram a formar novas pessoas, das quais eufui um dos primeiros dessa geração.

- E como é que você completou essa sua formaçãosuperior como violista (risos)?Exatamente esse é que é o problema, pois na minhaépoca nós só tínhamos um curso internacional, como professor Alberto Ponce de Paris, e a única alter-nativa foi sair para completar os estudos com pesso-as diferentes, e também o próprio meio era muitopobre e então tive que sair às minhas próprias custas(eu poupava dinheiro de minhas aulas particularespara ir aos cursos de verão). Consegui umas cartasde recomendação e tive a sorte de ter uma bolsa dogoverno espanhol que me permitiu estudar dois anoscom José Tomas. Fiz também vários outros cursos eseminários internacionais e realmente a partir daí nun-ca deixei de estar em contato, até voltar definitiva-mente a Portugal em 1992. Portanto fui para foraem 1988, fiquei dois anos em Espanha e dois anosem Londres, onde estudei com Robert Brightmore

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na Guildhall School of Music. Tive oportunidade deestudar nessa mesma escola música antiga com DavidMiller, que é um alaudista muito interessante e fazmuito trabalho no King’s Consort e que me deu basede interpretação da música barroca. Mas o mais im-portante de Londres foi o contato com o meio, comcolegas de várias nacionalidades, de existir todaaquela oferta fantástica de concertos e, para ser ver-dadeiro, eu não fui a muitos concertos de guitarra.Para mim foi muito mais importante para minha for-mação assistir a concertos da London SymphonyOrchestra, Royal Philarmonic, etc. E depois todoaquele circuito dos concursos e festivais dos quaisdá para se perceber que há um nivelamento musicalem todo o mundo, do Japão aos países nórdicos, pas-sando pela Europa e Estados Unidos, pela exigênciade um nível técnico e um rigor em termos de análisede partituras, o que hoje em dia é lugar comum.

- Conta pra gente qual é a posição que você ocupaem Portugal hoje, se você ensina, onde, quando,sob que condições...PA: Esse é um dos problemas. Em Portugal não hámercado de concerto para o violão clássico, entãonós temos evidentemente de ter nossa sobrevivên-cia em termos de aulas, das quais eu procuro dar nomáximo 20 aulas acumuladas em três dias para ter 4dias da semana só para mim. Eu ensino num doscinco conservatórios estatais em Aveiro, que é umacidade distante do Porto uma hora, e também a quartacidade em importância nacional, e ensino tambémonde comecei como aluno na Academia de Músicade Lisboa, que costuma manter a tradição de escolade guitarra mais antiga, desde 1967.

- Qual é o público de guitarra clássica em Portu-gal hoje, são as pessoas que assistem as séries demúsica clássica ou é um público especializado eonde as pessoas tocam geralmente?A concentração principal é em Lisboa, onde existem5 orquestras, comparando com uma apenas no Por-to, e é onde se concentra também a oferta em termosda guitarra, que apesar de tudo ainda se move pormeios muito restritos, nomeadamente de organiza-ções de Festivais ou concertos esporádicos. Outrasinstituições que tem algum peso são as Câmaras Mu-nicipais, que organizam concertos regularmente e nãocreio hoje em dia que ainda haja alguma atitude dedesconfiança com relação ao instrumento, acho que

já se superou aquela fase de associar a guitarra comoum instrumento acompanhador.

- Quando eu toquei em Lisboa tive a impressão deque as pessoas não estavam acostumadas com aguitarra clássica. Está certo que eu toquei em umauniversidade e talvez tenha sido um público pecu-liar, mas algumas pessoas vieram me dizer quenunca poderiam imaginar que a guitarra pudessetocar uma música de Bach, por exemplo. Ainda écomum esse tipo de atitude?Sim, nomeadamente em nível de guitarra solista. Jáse vê alguns grupos como trio, quartetos, de vez emquando vê-se a guitarra solista com orquestra. Con-certo com guitarra solo e repertório tradicional ain-da é relativamente raro, normalmente se tivermosdois ou três concertos em Lisboa por ano é mediacomum. As vezes em pequenas cidades fora dessesmeios é que movimentam grupos, em instituiçõescomo em Aveiro.

- Paulo, você é um dos maiores talentos em Portu-gal hoje. Existem outras pessoas que desenvol-vem uma atividade concertística a um alto nível?Infelizmente muito poucos. Eu diria que somadosseríamos 3 ou 4.

- Você poderia citar?Eu poderia, mas isso é obviamente subjetivo. Pode-ria citar alguns colegas do norte, como Artur Cal-deira, realmente da nova geração, meu colega An-tonio Golçalves de Lisboa, que é professor da esco-la superior e que também estudou fora, na Bélgica.E depois há alguns nomes da nova geração que co-meçam a despontar.

- Vocês chegam a dar quantos concertos por ano?Eu tenho sorte de conseguir dar 5 ou 6 recitais porano em meu país. A solução é procurar alternativascomo música de câmara, por causa do meio restrito.Eu também não quero monopolizar a coisa, pois ébom para a guitarra se desenvolver que outras pes-soas mostrem o que já podem fazer.

- Você organiza um Festival de Guitarra em Aveiro.Fale um pouco sobre esse e outros festivais temcontribuído para o desenvolvimento do instrumen-to no país.Se formos historicamente procurar as origens, tudo

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começou com o Festival de Estoril, onde começa-ram a haver cursos especializados de instrumentos.Hoje em dia existem dois Festivais especializados,que são o de Santo Tirso e o festival que eu organi-zo, que tenta manter o típico figurino de concertos ecursos com algumas atividades paralelas, como ex-posições, colóquios e conferências, as vezes con-certos com alunos, e creio que são pontapés de saí-da para futuras iniciativas.

- Existe algum tipo de intercâmbio entre Brasil ePortugal? O que você acha que poderia ser feitocom relação a isso?Acho que há tudo o que fazer. Foram poucos osrecitais de violão de brasileiros em Portugal, merecordo de Marcelo Kayath, você, DagobertoLinhares, Turíbio Santos e Duo Assad, mas chega-se a passar 3 ou 4 anos sem haver ninguém, e seriabom que você e outras pessoas repetissem a vinda.Mas acho que infelizmente teremos que esperar maisuns 3 ou 4 anos para se ter melhores condições, atéque apareçam jovens em Portugal com condições dese apresentarem. Por enquanto estou tentando al-guns contatos para lançar meu CD. Creio que a novageração de professores está melhor capacitada paraensinar em níveis muito mais altos do que os do pas-sado, que tiveram um trabalho muito aceitável, masque não tem e nunca tiveram uma cultura de concer-to, não são concertistas natos, portanto não pude-ram transmitir determinados tipos de noções e ma-neiras de estar no palco que são fundamentais hojeem dia.

- Você comentou que o seu CD e o de seu amigoAntônio Gonçalves são os primeiros a aparecerem termos de guitarra clássica, isso é curioso...Creio que não havia um nível de guitarra que permi-tisse um lançamento, muito menos concertos, quan-to mais um disco... o Antônio Gonçalves há uns 6anos atrás teve essa iniciativa na Bélgica, o discoficou restrito ao meio guitarrístico, ele próprio nãose preocupou em reeditar, o que teria sido um suces-so, pois tem muita qualidade. E eu tentei com meudisco fazer uma coisa um pouco diferente com o quese tem no mercado, principalmente com o repertó-rio, tentei mostrar algumas peças diferentes, porquenão me interessa competir com o mercado já estabe-lecido. Acho que há um repertório desconhecidomuito interessante para mostrar e essa é uma das

obrigações da nova geração.

- Quais são as grandes peças do repertório portu-guês para guitarra?Eu tenho idéia de gravar a integral de Lopes Graça:Partita, 4 peças para guitarra (dedicadas ao argenti-no Raul Sanchez), Sonatina e Prelúdio e Baileto.Fora isso, há uma peça do Jorge Peixinho, uma obrainteressante de Cândido Lima chamada “Esboços”,que está editada na Itália e há dois compositores danova geração, Alexandre Delgado e Sérgio Azeve-do.

- O que se toca e o que se conhece de música bra-sileira para guitarra além de Villa-Lobos em Por-tugal?Eu diria que muito pouco, Marlos Nobre, RadamésGnattali e Edino Krieger. Creio que há muito a co-nhecer.

- Qual conselho ou recomendação você daria parao jovem violonista que está começando, para queele possa se colocar profissionalmente e se desen-volver.Acho que a primeira receita é ter os olhos e os ouvi-dos bem abertos para tudo o que se passa ao nossoredor, beber tudo o que for possível em nível musi-cal, não só de guitarra, fazer muita audição compa-rativa entre partituras e intérpretes, tentar sair, in-vestir o dinheiro que eventualmente possam ir pou-pando em viagens para o exterior para se aperfeiço-ar em Festivais, Cursos e Concursos, que eu consi-dero uma das melhores experiências para um músi-co. Sentir a música sempre como uma dádiva, umapartilha, e nunca como um meio egoísta, de auto-lançamento, auto-imposição e, muito menos, com-petitivo.

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Paulo Bellinati* Entrevista publicada na edição no. 16 - Mar/Abr 1996 com o título“Bellinati fala sobre o violão brasileiro”por Géris Lopes

- Como está o violão brasileiro visto lá fora?Está muito bem. Acho que é uma alternativa muito rica.A gente não tinha tantos representantes, só o Baden, oLaurindo de Almeida, durante muitos anos. O Barbosa-Lima começou a fazer mais música brasileira de uns tem-pos para cá. O Sebastião Tapajós fez um pouco e aí oBaden voltou para o Brasil. Até que, após uma lacuna,vem ressurgindo. Comecei com o trabalho do Garoto, oRaphael Rabello apareceu, o Marco Pereira; a gentecomeçou a fazer um trabalho instrumental mais forte, eisso está tendo uma resposta boa internacionalmente.Tem muita gente tocando Garoto desde que eu publi-quei os livros e acho que quanto mais a gente tocar orepertório brasileiro, mais motivará os violonistas de ou-tros países.

- Perdemos três grandes embaixadores da música bra-sileira no exterior: Tom Jobim, Raphael Rabello eLaurindo de Almeida - como você encara estas perso-nalidades?Tom Jobim é o nosso George Gershwin, com certeza. Éuma perda lastimável e a obra dele vai continuar por sisó, é fortíssima. O Laurindo é o nosso “bandeirante”, oque mais fez pelo violão brasileiro fora do Brasil - foi oprimeiro a tocar Garoto e Radamés e a gravar, publicareste repertório. Também como compositor sua contri-buição foi grande. Sem o Laurindo não dava para nósfalarmos em entrar nos Estados Unidos, com os nossosCDs, trabalhos solos, etc. E o Raphael... foi antes defazer toda a história... Ele estava na “Guitar Solo”, esairá em breve um disco póstumo dele, e é uma mortemuito brusca, uma perda mesmo. Acho que ele iria fazermuito pelo violão. Depois do Baden e do Dilermando, oRaphael foi o violonista que fez o violão ficar mais po-pular ao público geral. Seus trabalhos com o NeyMatogrosso, a Gal Costa, o Arthur Moreira Lima, o PauloMoura... Ele fez o violão começar a ser importante denovo. Em uma determinada época, o violão foi muitoimportante, coincidindo com a Bossa-Nova, quando agente ligava um rádio e ouvia o Baden, Paulinho No-gueira, era uma coisa, entendeu? Hoje é raro, mas o

Raphael recomeçou este trabalho.

- Como você vê o erudito e o popular?Eu acho que são duas músicas diferentes. Não há umaseparação de instrumento, mas sim musical, obviamen-te. E dentro da música erudita há várias áreas que vocêpode se especializar. Você tem um repertório enorme.Cada gênero musical tem uma abordagem diferente,então a diferença musical existe, totalmente. Eu achoque não é a mesma coisa, e nunca vai ser. No caso doviolão, a gente tem uma evolução técnica natural do ins-trumento, que faz muitos violonistas populares procura-rem a técnica erudita para tocar melhor, e muitos violo-nistas eruditos começam a querer tocar repertório popu-lar por gosto, vontade. Mas a diferença existe e é gran-de. Você não pode tocar Bach do mesmo jeito que tocaBaden Powell - precisa de outros elementos. A forma-ção é diferente, técnica e musical, certo?

- Comente a disponibilidade de mercado de trabalhopara um violonista popular e para uma clássico aquino Brasil.Essa é a pergunta mais difícil de responder porque omercado de trabalho é uma coisa complicada... Eu achoque você viver do violão sem lecionar, por exemplo, éuma coisa quase impossível. Para a maioria dos violo-nistas (popular ou erudito) o mercado de trabalho estáaula de Música. Acho que 99% das pessoas vivem dasaulas. O circuito de concertos é muito pequeno, raro,difícil de conseguir, financeiramente inviável. Você vi-ver de concertos é uma coisa que não existe, é utopia.Pode fazer alguns, mas não sobrevive disso. No meucaso, eu não leciono mais, pois minha vida está organi-zada de outro jeito e estou com muito trabalho agora.Mas eu lecionei durante mais de 20 anos. Quando fuimorar na Suíça, dava aula em conservatório e particulartambém. Já fazia concertos, mas o dinheiro do mês vi-nha das aulas. Hoje eu trabalho com gravação, acompa-nho artistas como Leila Pinheiro, Gal Costa, Edu Lobo,faço direção musical, turnê, etc. Então, todos esses tra-balhos, como arranjador também, me dão uma remune-

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ração, que faz com que eu não precise mais dar aulas,embora eu goste e tenho trabalhado bastante nos festi-vais.

- Comente a problemática do “xerox” de músicas aquino Brasil.Eu acho que o “xerox” é uma coisa muito ruim. A genteperdeu a noção do que é um livro, uma partitura impres-sa, um livro de música. O “xerox” está acontecendo noBrasil de um jeito que o complexo editora - compositor- loja de música está em verdadeiro colapso. Chegou aum ponto em que o editor não quer mais publicar por-que não vende nada, o compositor não tem o editor parapublicar a Música, então ele não vai ter a música delepublicada. Daí não haverá nem a matriz para ser feiro o“xerox”. O próprio volume de cópias está implodindo osistema. É uma coisa que tem de ser seriamente pensadapelos professores do Brasil, pois é um colapso de tudo,a situação é muito grave.

- Comente sobre sua peça “Jongo” e o trabalho noCD “Serenata”.A primeira idéia sobre o “Jongo” surgiu quando eu esta-va morando na Suíça, em 1978. Nas férias, fui para umailha da Espanha, na costa de Barcelona, e casualmenteestava acontecendo um festival de dança, e havia umprofessor que vinha da África com uns percussionistas efui assistir a uma destas aulas. Curiosamente, o ritmomais importante era um 6/8 parecido com o jongo brasi-leiro. Aqueles atabaques, tambores fazendo o ritmo e aaula inteira foi sobre isso, acabando por me impressio-nar muito. Quando voltei para Genebra, comecei a tra-balhar um tema e aquela coisa do ritmo ficou latente, eaí foi por isso que eu fiz o “Jongo”, inclusive a seção dapercussão no meio é baseada naquele complexo rítmicoque ouvi na ilha. A gente tem uma cultura afro-brasileiramuito forte, e ouvir a matriz foi muito marcante. Quandocompus, não tinha pensado em uma versão solo paraviolão, mas sim, na versão que cheguei a tocar com meugrupo : dois sopros, piano, contrabaixo, bateria e violão.Em 1988, no encontro da Martinica, no concurso decomposição, a música ganhou o 1º lugar, defendida pelaCristina Azuma, na versão já em solo de violão, queestava pronta desde 1981. A peça vem sendo tocadapelo mundo inteiro, gravado por várias pessoas, e a últi-ma notícia que eu tenho é que John Williams andou fa-zendo toda a turnê dele este ano (1995) e de 1994 tocan-do o “Jongo” como última peça do concerto. Quanto aomeu disco, o “Serenata”, é um disco para o mercadoestrangeiro, mostrando um pouco a parte romântica do

violão brasileiro - choros e valsas, desde as mais tradici-onais, como Dilermando, Armando Neves, até compo-sições minhas e passando por Tom Jobim, RadamésGnatalli, Laurindo de Almeida. O disco já tem dois anosque está saindo, a vendagem aumentando e eu estoumuito contente com o trabalho.

- Você produziu o recente CD da Cristina Azuma, queleva o nome da sua suíte “Contatos”. Comente a res-peito.A Cristina Azuma é uma solista fantástica, mora em Pa-ris já há cinco, seis anos. A gente já teve um duo emuma outra época, agora, pelo fato de morarmos em paí-ses diferentes, complicou. Somos amigos e ela está fa-zendo uma carreira incrível no Japão também. Mas noinício de 1995 ela me ligou dizendo que estava com von-tade de gravar a suíte “Contatos”, e eu falei que iriapropor à GSP e que eu mesmo gostaria de produzir isso.Fui em frente, propus à gravadora e o disco saiu super-lindo, é uma alegria para todo mundo : a GSP está con-tente, a Cristina nem se fala e eu mais ainda que sou o“pai da criança” (risos).

- Paulo, então, para finalizar, quais são os seus pla-nos para 1996?É a gravação do meu próximo disco solo, pela GSP -“Estilos Brasileiros”, que é o título desta série de com-posições que estou trabalhando, e são estilos e estudospara violão, todos com meu jeito de compor. Fico con-tente de a GSP ter me pedido um disco só com obrasminhas - sinal de que meu repertório original está sendobem aceito no mundo. No disco do “Garoto” meu traba-lho foi de pesquisa, as pessoas procuram o disco nãopor causa do Bellinati, mas porque o Garoto é um violo-nista historicamente importante. É um disco que teveuma vendagem assegurada. Então ser convidado paragravar agora só obras minhas é um bom sinal. Outroprojeto é a gravação dos afro-sambas de Baden e Viníciusque realizei neste ano (1995) com a cantora MônicaSalmazo, em São Paulo. O disco sai possivelmente emmarço e a idéia é fazer concertos aqui e nos EstadosUnidos, talvez. Em composição, tenho encomendas doQuarteto de Violões de Los Angeles, do Quaternaglia,do Eduardo Isaac, da Angela Muner e de muitas pesso-as que têm me pedido. Estou esperando ficar mais tran-qüilo, fora das turnês, para começar estas composições.

* Entrevista realizada durante o XVI Seminário Inter-nacional de Violão, em dezembro de 1995, em PortoAlegre.

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Paulo Bellinati* Entrevista publicada na ediçãono. 35 - Mai/Jun 1999por Eduardo Fleury

Paulo Bellinati, aclamado como um dos maioresnomes do violão brasileiro, vem desenvolvendo umaintensa e brilhante carreira internacional. Com vá-rios CDs, vídeos e partituras editadas nos EstadosUnidos, já se apresentou em mais de 20 países,onde tem participado de inúmeros eventos como so-lista e professor. Ademais, teve suas composiçõesgravadas por grandes nomes do violão mundial,como John Williams e Los Angeles Guitar Quartet.

Antes da continuação de sua tourné mundial de1999, onde se apresentará, entre outros, no “5èmeConcours International de Guitare Trédez-Locquémeau” (França), no “Instituto Cervantesde Munique” (Alemanha), no “Festival de Cara-cas” (Venezuela), no “Festival Internacional deGuitarra de Baja California” (México), no “Inter-na-tional Guitar Night”, e “GFA Convention” (Es-tados Unidos), Paulo Bellinati concedeu uma en-trevista ao Violão Intercâmbio.

Eduardo Fleury - Qual a imagem do PauloBellinati que você leva ao exterior?Paulo Bellinati - A imagem que eu levo é a de ummúsico brasileiro, violonista, formado no rico uni-verso da música do nosso país, e que toca o quesabe fazer melhor: música brasileira.

- Mas você toca outros instrumentos como a gui-tarra, o cavaquinho, a viola, a craviola, o alaúde,a balalaika ...E não se esqueça do Contrafagote.

- Como?Brincadeira. Na verdade, durante a minha carreira,eu tive a felicidade de trabalhar nas mais diversas evariadas situações e lugares: conjuntos instrumen-tais ( do jazz ao erudito ), gravação de trilhas e dis-cos comerciais, acompanhamento de cantores,arranjador, produtor, e como solista. Em todos es-ses anos fui aprendendo a versatilidade do músico

brasileiro. Muitos instrumentos aprendi a tocar pelanecessidade do trabalho em questão. Mas, já há al-guns anos que toda a minha energia está canalizadapara o violão. Ainda reservo um pequeno espaço paraa viola caipira, mas já não me dedico aos outros ins-trumentos como antes.

- Quantos anos de carreira?Mais de 30 anos. Uns 33 anos, para ser mais exato.A minha carteira definitiva da OMB data de Janeirode 1968.

- Nos dê um panorama de sua carreira e de suaformação musical?A minha formação musical é conseqüência direta daminha experiência de vida. A vivência éinsubstituível. Eu comecei a tocar muito cedo. Jáaos 16 anos tocava guitarra em bailes e estudava noConservatório Dramático e Musical de São Paulo,onde me formei em violão erudito, sempre estudan-do com Isaías Sávio. Fazia todos os cursos que apa-reciam, de arranjo à regência coral. Nessa época eudava aulas particulares e em conservatórios da cida-de. Em 1975, eu fui para a Suíça.

- Como foi o período em que você esteve na Suíça?Fiz diversos cursos no Conservatório de Genebra(harmonia, composição, orquestração), e vários se-

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minários na França, Suíça e Holanda, onde tive aoportunidade de estudar com Abel Carlevaro,Baltazar Benitez, Oscar Cáceres, entre outros. To-quei em muitos lugares, violão e guitarra, sozinho eem conjuntos, e dava aulas particulares e no Con-servatório de Lausanne. Acredite você, que até es-tudar alaúde de 10 ordens e tocar fantasias doDowland, eu fiz.

- E o retorno ao Brasil?Foi em um período ótimo. No início da década de80 havia em São Paulo um movimento instrumentalformidável e vários amigos estavam conduzindo esseprocesso. Foi nessa época que surgiu também a van-guarda paulista (Arrigo, Itamar Assumpção, GrupoUm etc ), o Lira Pau-listana, e muitos discos inde-pendentes. Logo depois, em 82, eu entrei para ogrupo Pau Brasil, com o qual trabalhei intensamentedurante 10 anos.

- Você se notabilizou também na década de 80 comoconcertista, com o formidável trabalho sobre aobra do Garoto...A história do Garoto foi fundamental, principalmen-te porque, desde ocomeço, o único objetivo era avontade de tocar fielmente as obras; depois é queveio a preocupação de fazer a pesquisa, o arranjo, aedição e a gravação. O Garoto com certeza me con-duziu de forma mais enfática ao vio-lão, à composi-ção e à música brasileira.

- Além do trabalho com o Garoto você tem diver-sas obras editadas nos Estados Unidos. Como vocêvê o mercado editorial brasileiro?Um horror! Este é o país do xerox. Os compositorese editores estão numa situação muito difícil. Ninguémtem mais o prazer de comprar uma partitura. Eu, atéhoje, guardo com muito carinho, as partiturasoriginais(compradas no subsolo da Casa Bevilacqua,na Rua Direita) com as anotações do Sávio da épocaem que eu era estudante. O meu editor americanonão consegue entender porque que a venda dasminhas partituras no Brasil é pelo menos 20 vezesmenor do que nos Estados Unidos. Por outro lado,tenho que concordar com o fato de que o preço atualdas partituras é alto. O mercado editorial brasileiroestá numa enrascada!

- E qual é a saída para esse problema?

Teoricamente, caberia aos professores de músicaconscientizar e incentivar os alunos a comprarempartituras, principalmente de autores vivos, que têmnos royalties e direitos autorais sua fonte de renda.O problema é que tanto as editoras (muitas já fecha-ram), quanto os compositores, já quase não publi-cam nada no Brasil. É um circulo vicioso - as edito-ras e os compositores perderam o interesse, porqueas partituras não vendem, porque todo mundo fazxerox, porque são muito caras ... Infelizmente, é ocolapso total do ramo. A única saída para o compo-sitor brasileiro é editar no exterior. Agora, já que osúnicos beneficiados desta situação são as fábricasde máquinas de xerox, acho bom elas inventaremlogo uma máquina que compõe a música diretamen-te porque, em breve, não haverá mais originais paraxerocar.

- Você considera que a suas composições são anova feição da música erudita brasileira?A minha música não é erudita. As minhas composi-ções são populares, seguindo a linha traçada porGaroto, Laurindo de Almeida, Luiz Bonfá,Dilermando Reis, Baden Powell etc. No exterior ,às vezes comparam as minhas músicas com as doVilla-Lobos, o que é um grande elogio, só que acomparação não procede. A minha propostacomposicional é outra. Estudei e conheço muitamúsica erudita, mas não meconsidero nem compositor e nem violonista erudito.

Violão Intercâmbio - Quais são as suas atividadesatuais?Entre outros projetos atuais, destaco o lançamentodo meu novo CD solo, com arranjos de músicas bra-sileiras pela GSP; um duo com o baixista americanoSteve Swallow; outro duo com a cantora MônicaSalmaso (Afro-Sambas) e, por fim, um trio com oscantores Lucilla Galiazzi e Antonio Placer, chama-do “Almacordes”, na França. A maior parte destasapresentações e lançamentos acontecem fora doBrasil. Dia 8 de junho, pouco antes de viajar, fareiuma apresentação no Instituto Cultural Itaú junto como Quarteto de Violões Quaternaglia. Vamos tocarem cinco!

Violão Intercâmbio - Qual a mensagem final quevocê gostaria de deixar para os leitores do ViolãoIntercâmbio?

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Sem dúvida, as melhores coisas que eu já fiz foi comuma alegria muito grande e com extremo prazer (ape-sar do xerox). Acho que o importante para todos nósé não perder a perspectiva de realizar as nossas ati-vidades com entusiasmo. Não importa se é tocar,compor, arranjar, transcrever ou empresariar - faça-o com prazer !

Paulo Bellinati gravou 2 LPs e 6 CDs, mais 6 dis-cos com o grupo Pau Brasil, além de centenas departicipações em discos de outros artistas. Escre-veu mais de 100 composições para diversas forma-ções instrumentais e para violão solo, e recebeu 4indicações para o Prêmio Sharp de música, obten-do a premiação como arranjador do disco “O Sor-riso do Gato de Alice”, de Gal Costa.

Discografia essencial de Paulo Bellinati"Pau Brasil"(c/Pau Brasil) - Continental/1983 - BRASIL (LP) -fora de catálogo"Pindorama" (c/Pau Brasil) - Copacabana /1986 - BRASIL (LP) -fora de catálogo"Garoto" (solo) - Marcus Pereira/1986 - BRASIL (LP) - fora decatálogo"Cenas Brasileiras" (c/Pau Brasil) - Continental/1987 - BRASIL(LP) - fora de catálogo"Dança da Meia-Lua"(c/Chico Buarque-Edu Lobo-Pau Brasil)-Som Livre/1988 - BRASIL"Lá vem a Tribo" (c/Pau Brasil) - GHA/1989 - BÉLGICA"Violões do Brasil"(solo) - independente/1990 - BRASIL (LP) -fora de catálogo"Metrópolis Tropical"(c/Pau Brasil) - Divina Comédia/1991 -FRANÇA“The Guitar Works of Garoto”(solo) - GSP/1991 - USA“Guitares du Brésil”(solo)- GHA/1991 - BÉLGICA“Serenata”(solo)- GSP/1993 - USA“O Sorriso do Gato de Alice” (Gal Costa)-BMG /1993-Rio deJaneiro - BRASIL“Ao Vivo em São Paulo”- (c/ Eugénia Melo e Castro) - Columbia/1996 - PORTUGAL“Afro-Sambas”(c/ Mônica Salmaso) - Atração/1996-Brasil e GSP/1997 - USA“Lira Brasileira”(solo)- GSP/1997 - USA“Brasileiras”(solo)- GSP/1999 - USA

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PauloPedrassoli Jr.* Entrevista publicada na ediçãono. 19 - Set/Out 1996

Atividades:Concertista, prof. do Conservatório Brasileiro deMúsica do Rio de Janeiro.Nascimento: Votuporanga - SP 1966

- Qual foi sua formação musical?Eu comecei aos 13 anos de idade, influenciado porminha irmã mais velha , que toca violino. Então,eu comecei cedo, apesar de não ter uma famíliacom uma tradição musical. Aos poucos eu fui gos-tando da idéia - eu morava na Paraíba na época,mas só depois que eu vim para o Rio, na adoles-cência, é que eu comecei seriamente a estudar. Meuprimeiro professor foi o Ricardo Wolf, que era alu-no do Jodacil Damasceno, e foi uma pessoa muitoimportante, que me deu muito estímulo. Depois eutive oportunidade de ir para a Itália morar um tem-po com meu pai, que estava indo trabalhar. Eu ti-nha 15 anos, passei 7 meses lá e estudei com umrapaz chamado Luigi Mercuri, que era umconcertista. Depois eu fiquei um ou dois anos pa-rado e me envolvi com guitarra elétrica. Gravei umdisco com a banda do Arthur Kampela e tambémcom uma compositora de vanguarda chamadaLetícia Garcia (eu tinha 17 anos quando gravei essedisco, com guitarra e violão). Mais tarde eu graveium disco com a Orquestra de Música Brasileira,da qual eu fiz parte por um período. Aí, um poucomais recentemente, quando eu resolvi realmente sairde todos os trabalhos de guitarra para entrar firmeno violão erudito, que me dava mais prazer de fa-zer. Então eu fui pra São Paulo estudar com oHenrique Pinto, meu último professor e uma pes-soa fundamental que me deu o empurrão final nacoisa da minha carreira. Foi um incentivo funda-mental. E agora eu estou sozinho, solto no mundo(risos).

- Você poderia citar alguns concursos em que vocêfoi premiado e falar sua opinião pessoal a respei-to dos concursos em geral?Os mais importantes foram 1990 em Vitória-ES,no qual eu fui o primeiro colocado e o melhor in-térprete de música brasileira. Mais recentemente,em 1992, recebi o prêmio mais importante, que nãofoi a Primeira colocação, mas foi meio com umgostinho de Primeiro lugar aqui no Concurso Inter-nacional Villa-Lobos. Eu digo que teve um gostinhode primeiro lugar porque no gosto do público eusenti pelos aplausos que eu tinha agradado bastan-te, e no final das contas esse concurso foi funda-mental para me projetar mais no meio musical eviolonístico. E com relação aos concursos em ge-ral eu acho que eles são às vezes um pouco trau-máticos, um pouco complicados, mas eles são fun-damentais porque é o que empurra você para suacarreira, é o que te faz ficar mais conhecido e éuma coisa que atrai as pessoas, pois elas gostamdessa coisa de competição. É uma coisa até meioboba, mas no final das contas os concursos têm umvalor muito positivo no sentido de incentivo mes-mo, principalmente para o mais jovem. Eu fiz vá-

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rios concursos, fiquei muito muito contente com al-guns, me aborreci com outros, mas é assim mesmo...

- Como você vê a profissão de músico hoje em dia?A profissão de músico... acho isso difícil, varia depessoa pra pessoa. Há pessoas que têm uma entra-da grande nos trabalhos e fazem bastante coisa econseguem sobreviver muito bem com isso e ou-tras que têm um pouco mais de dificuldade. Deum modo geral a profissão de músico está muitoaquém do desejado, eu acho que o Brasil já teveépocas melhores. Principalmente o músico erudi-to ser mais respeitado, ter um acesso maior à mídia- hoje a mídia praticamente ignora, principalmenteaqui no Rio. Em São Paulo eu percebo a mídiamais receptiva para a música erudita. Eu vejo quesaem em jornais fotos de concertistas, coisas comrelação a concertos... e aqui no Rio praticamentenão sai nada, pouca crítica e pouca divulgação deum modo geral. Existe um público interessado masque não fica sabendo dos eventos, porque a mídiasimplesmente ignora.

- Como está o movimento violonístico no Rio,atualmente?Eu acho que há grandes valores, mas eu acho queestão pouco integrados. Às vezes eu sinto em sin-to em São Paulo um povo um pouco mais unido,mais organizado, como por exemplo a coisa doViolão Intercâmbio, que é uma iniciativa fantásti-ca, e aqui no Rio a gente não tem nada assim muitoparecido. Agora eu estou vendo uma coisa interes-sante que são violonistas fazendo parte na Internet,o que é um acesso ainda um pouco elitizado, mas éum meio de comunicação importantíssimo, quedaqui a um certo tempo vai se tornar um meio mui-to popular. Agora, aqui no Rio eu percebo umavariedade grande. A coisa do violão nesse sentido“clássico” não é tão forte e organizado, emboratenham grandes artistas que foram frutos da edu-cação musical aqui do Rio, mas não é uma coisa demuitas pessoas. E aqui tem um movimento de mú-sica popular muito forte, grandes violonistas e muitagente boa - garotos e estudantes.

- Quais são seus planos para o futuro?Bem, eu tenho um plano bastante concreto mas queeu ainda não posso comentar, mas possivelmente para

esse ano irá sair. Como não é um plano independente,mas que involve várias pessoas e coisas que aindanão estão certas eu prefiro aguardar.

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Paulo Porto Alegre* Entrevista publicada na edição no. 2 - Nov/Dez 1993

Idade: 40 anosInicio dos estudos: 10 anos de idade

- Como começou?Como autodidata, primeiramente só MPB, depois detrês ou quatro anos fui para o clássico, aprendi a lermúsica sozinho.

- Primeiros professores?Isaías Sávio, aos 18 anos, com quem permaneci quatroanos. Depois disso fiquei um ano parado. Até que em1975 fui ter aula com Henrique Pinto, até 1980. Foraestes, participei de diversos cursos: Carlevaro – trêsvezes; Girolet – duas vezes; Eduardo Fernandez; ÁlvaroPierri. Barbosa-Lima; Turíbio Santos. Mas tambémconvivi com o Duo Assad, tendo na pessoa do SérgioAssad um professor, aquele que me ensinou o quefaltava para poder fechar o quadro da minha formação

- Prêmios?Destaco dois principais: 1979 – Concurso InternacionalPalestrina em Porto Alegre e 1984 – 3º ConcursoInternacional de Violão do Festival Villa-Lobos, quandofui o primeiro brasileiro a conquistar este prêmio.

- Atividades atuais?Me dedico de igual forma, sem nenhum preconceito, aMPB e a erudita. Dou aulas nas duas linhas, não vejodiferenças de de pensamento, talvez por uma herançado Henrique, do Carlevaro e do Sérgio Assad. Venhofazendo um trabalho de repertório sobre a história doviolão popular brasileiro, o que me faz interomper ooutro sobre a obra completa de Bach. Agora, em termosde música de câmara já fiz muita coisa.

- Cite alguns:Duos diversos com flatua, violão, violino e com piano.Trios com violino e viola, flauta e viola; trio de violões.Quartetos de violões e violão e cordas; quintetos deBoccherini, Tedesco, etc... O Sexteto Místico de Villa-Lobos. A ópera “A Queda da Casa de Usher”, de Philip

Glass, texto de Edgard Alan Poe, onde o violão temgrande importância, abrindo e fechando a obra.

- O que acha da profissão hoje?O meu pensamento é: eu nunca vivi de tocar violãosomente. Sempre dependi dos meus alunos, arranjos,composições, além das várias áreas da música, daMPB, música na noite, cachês de casamento, Natal,tudo enfim que possa brir um leque de perspectivas.Agora, eu sou casado, tenho dois filhos, minha mulhertrabalha sem dúvida, sem ela seria impossível viver domeu trabalho. Ela ajuda muito mesmo. Agora, tudo istoprecisaria ser melhor.Acho importante a formação de uma associação deviolonistas, porque hoje o que acontece é que cada umluta por si. Você acaba passando na frente do outro,mesmo sabendo que talvez um colega violonista estariamelhor preparado que você para uma dada atividade.A associação poderia facilitar a nossa vida, viabilizandoas chances de todos. Considero realmente importantea iniciativa da associação.

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Pedro Cameron* Entrevista publicada na edição no. 28 - Mar/Abr 1998por Ricardo Marui

Idade: 49 anos.Atividades: professor de violão do Solar das Artes,em Rio Claro, e na oficina cultural Grande Otelo,em Sorocaba; compositor e regente.

-Como se iniciou o seu interesse pelo violão?Comecei a estudar violão em 1965, e, como muitosque se iniciaram ao violão naquela época, sob ainfluência de Dilermando Reis, que era o nosso ídoloaqui no Brasil, tanto quanto Segovia era o ídolointernacional. De qualquer modo, como eu não vinhade um “berço” erudito, o meu referencial estava maispara Dilermando do que para Segóvia, a quem sóvim a descobrir mais tarde, depois que comecei aestudar violão.Posso dizer que tive a sorte de, desde o início, en-contrar bons professores, uma vez que é comum verpessoas esforçadas e com bom potencial que nãoencontram uma boa orientação. Em Santo André, es-tudei com Haroldo Volpi, que havia sido aluno deIsaias Sávio, e mais tarde, já em São Paulo, prosse-gui meus estudos com Oscar Magalhães Guerra. Oprof. Guerra, como era chamado, foi um grandemestre, tendo estudado com Atilio Bernardini, queera uma pessoa bastante minuciosa e que havia de-senvolvido todo um trabalho escrito sobre a técnicado violão.

- De um modo geral, o que você acha importantepassar ao aluno que está iniciando? De que ma-neira você acha que os aspectos técnicos devemser abordados?Acredito que o maior problema que a pessoa queestá iniciando o estudo, não só do violão, mas dequalquer instrumento, é a sua “chucrice” musical.Infelizmente a música popular que em geral as pes-soas ouvem é uma música de qualidade muito ruim,que não serve nem de subsídio para a pessoa criarum parâmetro de gosto. Não se ensina as pessoas aapreciar, a distinguir uma boa obra de arte, de umahora para outra, este é um processo que demora bas-

tante. Por outro lado, se a pessoa não tem uma boacompreensão musical, como ela pode passar para oinstrumento aquilo que ela não compreende? Nãohá como, porque os dedos apenas passam aquilo queo cérebro entendeu. Comparado a isso, tocar as pes-soas aprendem em pouco tempo, porque as pessoasjá nascem com técnica, e o professor deve tomarcuidado para não criar bloqueios e fazer com queelas percam essa naturalidade. Ele deve sim apro-veitar essa naturalidade do jovem estudante, uma vezque habilidade técnica ele já nasce tendo; ele iráapenas treinar, fazer alguns ajustes de modo facili-tar o seu trabalho, conseguir um melhor som, mastudo isso é fácil em relação a fazer música. A músi-ca, apesar de ser muito agradável, é uma linguagemdifícil e que exige conhecimento, pois se trabalhacom um universo muito grande e com coisas muitossutis e pouco palpáveis.

- Você tem várias peças compostas não só para oviolão, mas também para outros instrumentos.Para violão, podemos citar, entre outras,“Perspectivas” e “Repentes”, duas composiçõespremiadas e que inclusive constam da lista de peçasde confronto de vários concursos. A escrita paraviolão apresenta alguma dificuldade emparticular? Até que ponto é importante que ocompositor conheça bem o instrumento para o qualestá compondo?Olhe, eu costumo dizer que quem consegue escre-ver bem para violão, escreve bem para qualquer ins-trumento, porque mesmo você o conhecendo bem,não é fácil. As possibilidades, as combinações de-vem ser muito bem cuidadas para que você consigaacordes diferentes, blocos sonoros interessantes, tim-bres ....Já tive a oportunidade de escrever para vári-as formações musicais, inclusive para orquestra, queno sentido inverso do que se costuma dizer, tambémpode ser vista como um grande violão. Escrever éalgo maravilhoso, é algo bastante prazeiroso, em-bora pouco rentável.

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Por outro lado, o violão é um instrumento que favorecemuito a criatividade. Você sabe como é, o violão é oinstrumento da gente, é o meu instrumento principal, éum instrumento que você pega nele e sem querer jáestá preludiando alguma coisa, e aquele prelúdio quevocê faz, se você o anotar e trabalhar em cima dele, derepente já é uma idéia musical.

- Além do violão, você também é conhecido por re-ger várias orquestras, principalmente no interiordo Estado. Fale um pouco sobre sua experiênciacomo regente.No período em que fiquei como professor no Con-servatório de Tatuí, de 70 a 84, tive a oportunidadede ter um aprendizado musical um pouco maisabrangente, saindo um pouco dos limites do violão.A escola oferecia cursos para todos os instrumentosda orquestra e pude ter acesso a esses instrumentos,conhece-los melhor e a partir daí fazer experiênci-as, não só no que se refere à formação de gruposinstrumentais como também na área de arranjos ecomposições.Apesar da escola oferecer estes cursos, a procura,principalmente por instrumentos de arco, era muitopequena. Beethoven dizia que ninguém ama aquiloque não conhece, se referindo a música, e achei queo mesmo podia ser aplicado aos instrumentos. Ini-ciei um trabalho com crianças e criei um métodopara um trabalho coletivo que as iniciasse nos ins-trumentos de corda, visando, a principio, muito maisuma musicalização do que um aprendizado estrita-mente técnico. Além do prazer do convívio social,as crianças se motivavam por fazer música juntos, eisso as levava a estudarem mais e a se encaminha-rem para um aprendizado mais específico dentro doseu instrumento. Os resultados foram tão satisfatóriosque com o tempo essa se tornou a principal clientelada escola.Mais tarde, fui convidado a implantar essa mesmaexperiência em Sorocaba, e a orquestra formadapassou de infantil para juvenil e, mais tarde, se tornoua Orquestra Sinfônica da cidade, a qual dirigi por 16anos e que teve como solistas, entre outros, GilbertoTinetti, Céline Imbert, Antonio Lauro del Claro, foiuma experiência maravilhosa e um trabalho que ficoupara a comunidade. Mais tarde, convidado peloSESC, implantei o mesmo projeto em Rio Claro,onde resido atualmente, que levou a criação de uma

orquestra e uma escola especialmente voltada para aformação de músicos para orquestra.

- A partir deste seu contato com músicos de outrosinstrumentos, você poderia traçar um perfil do vi-olonista, o que você acha que o violonista deveriatrabalhar mais, para complementar sua formaçãocomo músico?Essa é uma pergunta importante, porque um dos gran-des pecados que a gente vê por aí é o pessoal ficarmuito obcecado em trabalhar seis, oito horas no ins-trumento, e esquecer de ver uma coisa maior, que éa música. Hoje nos temos uma geração muito boa,com ótimos violonistas, mas também há muita gen-te mal informada musicalmente, é muito comum agente pegar alunos que já vem tocando muito bem,mas com uma formação musical muito fraca.Não se pode perder de vista que o instrumento é ummeio para se fazer música. A pessoa pode até teruma preferência pelo timbre do instrumento, masdeve abrir mais seus horizontes, ver que o mundonão é só violão, que há muitas coisas para se apren-der. Participar de um coral, por exemplo, é uma coi-sa importante, para que se possa vivenciar uma vozdentro de um conjunto; conhecer harmonia, mas nãoconfundir com conhecer cifra; estudar análise musi-cal, para compreender como se constrói uma músi-ca, o que é uma forma musical, para você poder to-car um rondó, uma alemande sabendo qual a suaforma. Essa formação é importante porque mais tar-de ela vai se refletir no bom gosto do executante,senão você vai passar a vida tentando simplesmenteser o mais rápido, o que é um absurdo, o violão nãoparticipa das Olimpíadas. Você não pode se prendera um detalhe, e deixar de lado o essencial.

- Quais as atividades que você vem desenvolvendoatualmente?No momento minhas atividades estão novamentebastante voltadas para o violão. Estou com uma es-cola de Música em Rio Claro, o Solar das Artes, quepossui todos os cursos e onde ministro o curso deviolão. Tenho também desenvolvido em Sorocaba,através da Prefeitura Municipal, e das oficinas cul-turais Grande Otelo, um trabalho coletivo de violão,procurando passar informações de ordem musical.Então, meu trabalho está muito violonístico no mo-mento, está muito gostoso.

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- Você tem trabalhado mais fora da capital. Há uminteresse maior por parte do público que mora forados grandes centros?Em 1970 houve um concurso público para o cursode violão que havia acabado de ser criado no Con-servatório de Tatuí, e a partir de então passei a daraulas e residir nesta cidade. Não conheço o interiordos outros Estados, mas o Interior de São Paulo émuito rico e acredito que, proporcionalmente, aspessoas tem um nível cultural até maior que as daCapital. Acho que além de uma certa disponibilida-de de tempo, a própria carência de eventos em rela-ção à capital leva as pessoas a se interessarem maisem assistir um espetáculo, ir a um teatro. São Paulo(capital) oferece mil oportunidades que incluem te-atro, concertos de música popular e erudita, showsao ar livre, e num universo tão grande de opções, aspessoas muitas vezes acabam ficando meio “perdi-das” e terminam em casa assistindo o “Jornal Naci-onal”.

- Como você vê o violão hoje? Ainda há espaçopara o violonista erudito no mercado?O espaço como solista é realmente restrito, em qual-quer parte do mundo, e em todos os instrumentos. Ocampo é muito pequeno, você tem que ter um nívelmuito bom e, também, ter sorte. Tem que acontecerde você estar bem preparado, para que naquele diade sorte a coisa apareça na sua frente e você estejarealmente preparado. Por outro lado, falando espe-cificamente no violão, ele é um instrumentopolifônico, e você não precisa necessariamente seapresentar como solista, há muitas possibilidades namúsica de câmara, nas mais diversas formações, in-clusive em formações diferentes a serem descober-tas, exercitadas, no sentido de se escrever peças paraestes instrumentos.Quando você acredita naquilo que você quer, sem-pre você vai ter um lugar ao sol. Não é fácil, masnada é fácil, mais fácil é não fazer nada. Acho queacreditando em você e se preparando, com certezao que você quiser fazer, dá para fazer.

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QuartetoBrasileiroEdelton Gloeden/Everton Gloeden/Tadeu doAmaral/Paul Galbraith

* Entrevista publicada na ediçãono. 43 - Set/Out 2000 com o título“Quarteto Brasileiro fala de suaturnê nos EUA”

Entusiasmados com o sucesso que o primeiro CDe os concertos nos Estados Unidos vêm alcançan-do, Paul Galbraith, Edelton Gloeden, EvertonGloeden e Tadeu Amaral comentam nessa entrevis-ta seus próximos planos, as turnês e o começo dotrabalho do grupo. O quarteto esteve em Flórida,Oregon, Califórnia, Arizona, Texas, Colorado,Nova York, Virginia, Virginia do Oeste e Washing-ton, onde tocaram em séries de música de câmara,e aproveitaram para gravar o segundo CD pelagravadora Delos, com as quatro Suítes Orquestraisde J. S. Bach. A mudança mais visível no grupo é aformação atual do quarteto que agora tem dois vi-olões de 8 cordas, executados por Paul Galbraithe Everton Gloeden. Os quatro violonistas apontamos concertos em Los Angeles e Arizona, ambos gra-vados pela Rádio Nacional de Washington, comoos mais importantes, além de uma entrevista na mes-ma rádio. O concerto de Nova York também foi es-pecial por ser comemorativo aos 500 anos do Bra-sil. A crítica do “The Palm Beach Post”, da Flórida,aponta que a estréia do grupo, dia 8 de abril, foium prazer para quem aprecia violão e música clás-sica, tanto nas obras brasileiras quanto nas duassuítes de Bach. Em especial sobre Bach, o críticoafirma que a ressonância dos quatro violões trou-xe uma profundidade à obra que Bach certamenteapreciaria. Da mesma forma o jornal “Palm BeachDaily News” destaca a obra de Bach no concertode estréia e também afirma que Bach sem dúvidaaprovaria a apresentação de sua obra pelo quar-teto, além de mencionar o caráter melódico e rítmi-co das obras brasileiras. Já o “The New York Ti-

mes” aponta Bach como a leitura menos bem-suce-dida, mas destaca que o quarteto tocou as peçasbrasileiras com empenho e virtuosismo.

- Que impressão ficou da turnê?Edelton – Fizemos duas turnês: uma em abril-maio eoutra em junho. A primeira foi nossa estréia nos Esta-dos Unidos; o primeiro concerto foi em West PalmBeach, no Kravis Center. A receptividade foi sempremuito boa, principalmente para a música brasileira. Ti-vemos duas críticas elogiosas também sobre Bach, oque para nós foi surpreendente. Fizemos 18 concertosdentro destas duas turnês e tocamos para as mais va-riadas platéias, desde pequenos centros até salas im-portantes, como o concerto em Nova York no dia 22 deabril, que foi comemorativo aos 500 anos do Brasil edos 250 anos de morte de Bach. O programa tinha asBachianas Brasileiras n.º 1, transcrição do Sergio Abreu,que servia de gancho pra juntar isso tudo.

- Como foi a receptividade da crítica às peças bra-sileiras?Edelton - Eles não falaram nunca exatamente de cadauma das peças, era sempre no geral; falando muito

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bem da música brasileira, dos arranjos. A gente vê queo público americano não tem conhecimento desse re-pertório, nem imagina que exista uma música de con-certo no Brasil de boa qualidade como esta que a gen-te apresentou. Tocamos quase o repertório do primeirodisco completo. O Carlos Gomes também surpreen-deu porque eles não esperam uma música de qualida-de de um compositor brasileiro do século 19. A idéiaque eles têm do que se apresente de Brasil ainda émuito de uma música popular.Tadeu – Vale a menção do programa de rádio emWashington, que deu uma repercussão. Tivemos a sor-te de fazer duas gravações para a mesma rádio.Edelton – Exatamente. Foi gravado o concerto doArizona e depois a gravação pra Rádio Nacional emWashington, que é irradiado para o país todo.Paul – Eles repetem bastante, diariamente, em âmbitonacional. Deu destaque.Edelton – Apresentamos o repertório do primeiro CD,em boa parte, o repertório desse segundo CD, que sai-rá esse ano, que são as suítes para orquestra de Bach,e uma peça do Ronaldo Miranda, que o Paul fez a trans-crição, as “Variações Sérias” sobre o Anacleto deMedeiros.Everton - Isso foi gravado na Rádio Washington.Edelton – Foi ao vivo. A primeira gravação foi do con-certo em Los Angeles, depois houve outra no concertodo Arizona, que foi também feita pela Rádio Nacional,e mais uma gravação de um programa específico sónosso para a Rádio Nacional de Washington, com en-trevista e na qual tocamos também.Tadeu – Não me pareceu uma coisa muito fácil de sefazer. Por algum motivo nós tivemos a sorte de sermosconvidados. Até para o disco parece que impulsionoubastante...Edelton –...a venda do disco. A partir desses concer-tos e principalmente por causa desse programa deWashington.Everton – E a gente teve casa cheia praticamente emtodos os concertos.Tadeu – 50, 60 discos eram vendidos em cada con-certo.

- Como está a vendagem do primeiro disco?Edelton – Nós ainda não temos uma idéia clara, maspelo que a gente tem parece que está entre em quartolugar na lista dos 10 mais vendidos de violão clássicoda Amazon Books (site da Internet especializado emvendas de livros e CD’s). O primeiro é o Los Angeles

Guitar Quartet, depois o Segovia, o Williams, nós, oDavid Tanembaum e depois o Paul.

- E a próxima turnê?Edelton – A próxima é em novembro. Serão 10, 12concertos, principalmente em universidades. Em mar-ço, um concerto especial será na Universidade deStanford, numa série importante.

- Fora essa turnê norte-americana há algum planopara Europa ou América Latina?Edelton – Europa não. Temos um concerto em feve-reiro em um Festival na Guatemala, que emendamoscom a turnê de março. Paul estará vindo de uma turnênos Estados Unidos e passa pela Guatemala, enquantonós iremos daqui. O repertório da turnê de novembroainda será o Bach, o primeiro CD e o Ronaldo Miranda.Já a turnê de março será só com música brasileira,incluindo novas obras brasileiras já com um plano degravação de um terceiro CD. Nesses concertos esta-remos divulgando o segundo CD, ainda tocando mes-mo fora do ano Bach, mas tendo o recém-lançamento,então estaremos tocando Bach.

- Mas a Delos dá essa flexibilidade, de vocês faze-rem um terceiro disco só de brasileiros. A escolhado repertório é livre ou a Delos dá umdirecionamento?Edelton – No primeiro CD a escolha foi toda nossa.Já no segundo houve uma negociação; eles tinham umplano de um disco de Natal, e gravamos esse CD intei-ro de Bach, não foi isso Paul?Paul – Sim. Eles queriam uma coisa barroca. Mescla-do.Edelton – Mas como tinha o ano Bach...Tadeu – E foi de repente também. Já estávamos pen-sando em gravar esse segundo CD brasileiro. Mas aíeles disseram que antes desse segundo disco de brasi-leiros tinha de ter um disco de Bach.Paul – Eles queriam um disco popular de Bach, coisasmais populares, e a gente contornou pra algo mais subs-tancial que a gente queria fazer.

- Basicamente o repertório de vocês tem sido for-mado de arranjos, transcrições. Vocês, em projetosfuturos, têm intenção de tocar também o repertóriotradicional para quarteto ou encomendar peçaspara compositores para essa formação?Tadeu – Isto sim a gente tem vontade. Agora uma das

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cosias que acho até que estimulou um pouco a criaçãodo quarteto foi poder lidar com um repertório que nor-malmente o violonista não tem acesso, tocar obras im-portantes do repertório, e que basicamente você de-pende de estar arranjando, transcrevendo – isso é umacoisa que a gente curte fazer; esse desafio de vocêestar pegando uma grande obra e tentar viabilizá-lanessa formação.Edelton – Agora, nós começamos com três violõesnormais e o violão de 8 cordas do Paul e hoje estamoscom dois violões de 8 e dois normais.Everton – O Bach só deu pra fazer por causa disso.Edelton – Se a gente fosse fazer o Bach agora, com aprimeira formação, seria difícil.

- A formação com dois violões de 8 cordas é a for-mação ideal do quarteto de vocês? É uma das for-mações possíveis ou vocês vão se estabilizar nessaformação?Edelton – No momento é a ideal, mas a gente nãosabe aonde a gente vai caminhar.Paul – Mas tem uma certa semelhança com o quarte-to de cordas, só um pouco mais para baixo porque o 8cordas vai até uma terça abaixo do violoncelo, e o agu-do do 8 também vai ao agudo da viola. É quase umquarteto de cordas agora. Isso dá uma textura bemmaior.Edelton – Agora é interessante saber que a introdu-ção do violão de 8 cordas aconteceu três meses antesda primeira turnê, então modificamos substancialmen-te os arranjos iniciais em função desse violão e os ar-ranjos novos já estão sendo feitos para essa formação.Everton – Por exemplo, tem melodias muito agudas etem os graves do Baixo Contínuo então não daria parao Paul fazer. Na Suíte 1 estou com a oitava corda emSol # .

- Vocês adotavam antes aquela solução de pegarum violão normal de 6 e baixar uma terça.Edelton – No primeiro concerto que fizemos, toca-mos o Sexteto de Brahms. Usamos um violão afinadoem dó, que se lia na escrita normal só que uma terçaabaixo.Everton – Aquilo foi um experimento; o violão ficavamuito mole. Vendo o Paul tocar é fascinante, então eulevei um ano pra ficar um pouquinho fluente no violãoe fui fazer. E acho que abre muito mesmo, foi o que elefalou – como um quarteto de cordas.Edelton – Agora estas duas turnês foram muito exaus-

tivas em função das gravações que fizemos; uma se-ção em abril e outra em junho pra fazer o Bach. Va-mos fazer agora uma turnê mais normal, sem grava-ção, que a gente vai poder curtir mais esse repertório edeixá-lo mais bonito. Essa formação possibilita não sótranscrever obras pra piano, como a gente começou,mas, por exemplo, Bachianas Brasileiras n.º 1 do Villa-Lobos que é pra conjunto de violoncelos, com a trans-crição do Sergio, as suítes orquestrais de Bach, oRonaldo Miranda que é pra quinteto de sopros, entãoabre um leque de possibilidades...Everton – Uma coisa que a gente percebeu é que amúsica brasileira tem o mesmo efeito que, mais oumenos, a música espanhola transcrita do piano pro vio-lão, quer dizer soa natural. Então você pega Guarnieri,os Ponteios, soa natural. A linguagem combina bemcom a formação.Paul – Sobre as Bachianas, é possível tocar em 6 cor-das normais, mas sai muito mais fácil no 8; não só abrepossibilidades mas também deixa as transcrições maisviolonísticas, o que é muito importante, deixa mais flu-ente.Everton – No caso, o outro violão de 8 funciona basi-camente no baixo, mas eventualmente quando há al-gum dueto no agudo, aí eu faço junto com ele. NoRonaldo Miranda, por exemplo, há muitos diálogos as-sim, pois é pra quinteto de sopros, então o violão quefaço é basicamente um segundo violão agudo, comoum segundo violino.

- E tocar no Brasil? Vocês têm algum plano, convi-te?Edelton – Não, por enquanto não. Levamos algumaspropostas a alguns empresários, mas até agora nãohouve resposta. Mas tem uma coisa: nestes dois últi-mos anos, em função de gravação, em função dos com-promissos dessa turnê, não tivemos nem tempo de pen-sar nisso.Everton – Eu acho também que o grupo não é conhe-cido.Edelton – São dois anos só.

- Mas com certeza é um grupo bastante esperado.Naquela apresentação na USP deu pra perceberisso, e todo mundo espera poder ver uma outraapresentação de vocês. São poucas pessoas queviram, o quarteto ainda desperta uma grande cu-riosidade.Paul – É uma falta de tempo para promover, precisa

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de uma certa energia pra isso. A gente tem duas coisasjá firmes, que são: gravar regularmente, que é o nossofoco talvez maior, e também expor o nosso repertórioao vivo – esse é o ponto onde basicamente, por acaso,é nos Estados Unidos, por enquanto. Então a gentenão fica assim pensando, seria bom esse ou aquele lu-gar... Se vier o convite será maravilhoso, mas a gentenão fica trabalhando em cima disso.Edelton – E tem uma coisa; o Paul tem a carreiradele, quase não está aqui. Ele está com uma carreiramuito intensa, então quando ele vem ao Brasil a gentetem que trabalhar.Everton – Além do mais, todo mundo tem as ativida-des de aula, então se já tem uma excursão tenho queme preparar, então não vou ficar ligando, tentando con-seguir concerto...

- A longo prazo, o que vocês pensam para o futurodo quarteto? Como vocês se vêem no futuro? Todosvocês, à exceção do Paul, vivem basicamente dasaulas, essas temporadas e o sucesso do quartetoabre uma outra perspectiva de vocês viverem comoconcertistas?Tadeu – Tem uma coisa em especial nos Estados Uni-dos que é a experiência que estou tendo agora, mas éuma coisa que pessoalmente nunca tive, que é vocêimaginar que pode fazer um projeto hoje que vai levara efeito daqui a dois anos. O fato de você poder imagi-nar um projeto, trabalhar nesse projeto com calma, comtempo suficiente pra poder ir absorvendo esse proje-to...Everton – E ainda a gente tem uma excelente empre-sária.Tadeu – É. Há aí dois requisitos fundamentais que sãouma gravadora e uma agente ótima que tem trabalha-do muito. Mas acho que o mais legal, independente doque vai acontecer com a carreira, mesmo porque oquarteto depende de tantos fatores, mas a gente hojeestá pensando num projeto pra 2002, literalmente, en-tão tem tempo de fazer isso. E aqui no Brasil, pessoal-mente, era sempre assim: “Olha, mês que vem vocêquer fazer alguma coisa assim?”. Eu nunca tive tempode preparar alguma coisa com uma larga perspectivade tempo. Então isso te dá uma sensação de prazer emtrabalhar, de saber que está fazendo uma coisa compli-cada e tudo, mas que você sabe que isso vai acontecere que vai de alguma forma te reverter em algo bom. Agente sente muito isso lá. Tudo o que você faz, é sem-pre um degrau que você sobe. Aqui não é bem assim.

Você fica 20 anos tentando fazer coisas boas e acabanunca tendo o retorno. Nos Estados Unidos é imedia-to; foi a gente fazer uma boa gravação numa rádio, teruma boa crítica num jornal importante e já significoumuita coisa. Então acho que independente de objeti-vos, a gente curte tocar juntos, é essa coisa de pensarque pode trabalhar a longo prazo.Edelton – E o fato de você preparar um programa epoder repetir esse programa muitas vezes.Everton – Essa repercussão é concerto e gravação.Fez um disco, foi bom, a gravadora quer outro. Vocêtocou, foi bom, querem outro concerto.Edelton – No Brasil existe um público que adora vio-lão, música, só que aqui a gente não tem a infra-estru-tura. Esta não precisa ser de muito dinheiro, às vezes.Tocamos em lugares pequenos nos quais a cidade todase mobilizou. Foi o caso de Lewisburg.Everton – Agora imagine armar 13, 15 concertos emum mês no Brasil. Que agente faria isso?Edelton – Nós tocamos em uma série em Silvermine,no estado de Conecticut, uma pequena série que tinhaquatro concertos. Então tinha um conjunto de jazz, umquarteto de cordas, o nosso quarteto... David Brubeckera o patrono dessa série. Então é isso: uma pequenacidade, um pequeno centro cultural, nós tocamos numagaleria, tinha quase 300 pessoas.Everton – Ingresso vendidos já há muito tempo.Edelton – Vendidos com um ano de antecedência.

- Toda essa estrutura que vocês falaram - essa per-gunta é mais para o Paul, que vai regularmentepara a Inglaterra - é mais nos Estados Unidos, nãoé?Paul – Sim. Diz-se que o melhor lugar agora, mesmocomparado ao Japão até, que era um lugar de infra-estrutura que pagava muito bem, mas agora EstadosUnidos é mais forte. Europa, em comparação, é muitomais difícil, até Alemanha, Inglaterra, não é tão fácil.

- Como é que começou o quarteto?Paul – Bom, eu tinha uma idéia de tocar como no quar-teto de cordas, incluindo o violão de 8, lendo de umacerta maneira, reafinando os violões, e lendo a partitu-ra de quarteto de cordas na sua frente como se fossenormal para violão, sem modificar nada. Eu achavaque tinha um método de fazer isso, que não deu muitocerto, mas... Então para experimentar isso eu ligueipara o Everton, que eu já conhecia de Londres. Na-quela ocasião não conhecia o Edelton...

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Edelton – Nos conhecemos na casa do Gilson(Antunes), mas depois tivemos um certo contato.Paul – Mas Tadeu eu não conhecia. Então a gente seencontrou pra fazer isso, inicialmente. Só para ver sedava certo. E aí dava curiosidade pra ver como soava,quatro violonistas tocando...

- Então a idéia inicial foi sua?Paul – Não era nunca uma idéia “vamos formar umquarteto de violões”, aliás, pelo contrário, nós quatronão tínhamos uma idéia ótima de quarteto de violões.Tínhamos feito muita música de câmara, mas nuncatínhamos o ideal de tocar em quarteto de violões.

- Então vocês se juntaram basicamente pra experi-mentar...Everton – Na verdade, calhou de eu e Tadeu estar-mos gravando o Festival de Música Antiga de Curitiba(pelo EGTA, empresa de Everton e Tadeu do Amaral)e aí a gente vendo tanto grupo, falamos – “Pôxa, agente vem aqui só pra gravar, por que a gente não vempra tocar?”. Aí, juntando com o que o Paul falou...

- Foi em 1998, não é?Edelton – 1997.Everton – Aí nos reunimos.Edelton – E de repente aconteceram dois concertosno Paraná.Paul – E também tinha um outro lado das coisas: nósquatro tínhamos muita sede de repertório, a gente es-cuta muita música, em geral, e de repente vimos a pos-sibilidade de tocar um “Sexteto” de Brahms, que Ta-deu, por exemplo, já tinha isso pronto, e nunca tinhatocado. Só a idéia de tocar um sexteto de Brahms, pranós quatro era muito animador. A gente tocou isso emCascavel.Edelton – Em Cascavel, o programa era a “Ráfaga”do Turina, as “Bachianas” e o Sexteto. Logo em segui-da tocamos um concerto em Curitiba.Paul – Depois veio a primeira turnê nos Estados Uni-dos. Eu estava na Delos, e eles estavam falando: “Maso que você está fazendo no Brasil, exatamente?” E euconversando sobre tudo o que eu faço... bom e de pas-sagem mencionei o quarteto, que tínhamos feito os con-certos e tal. E eu fui embora. Cheguei aqui, eles meligaram perguntando: “Vocês podem gravar uma faixapara um projeto (“Baby needs Barroco”). Eu achavaque eles não iam querer, era muito recente, a gentemal tinha tocado juntos ainda... mas aí eu vi que todo

mundo estava muito entusiasmado, então a gente fez.Edelton – Eles estavam fechando esse projeto e pedi-ram pra gravarmos o “Cânon” do Pachelbel.Paul – Era pra ser uma das faixas deste CD.Edelton –Peguei a partitura emprestada na orquestrada USP e na semana seguinte nós gravamos.Paul – E mandamos pra Delos. Na hora em que aequipe da Delos ouviu isso, eles falaram: “Esse é onosso quarteto de violões” porque antes eles tinham oLos Angeles. Foi ocasião, sorte, de timing, porque elestinham acabado de ir para Sony, então a gente se en-caixou exatamente nesse momento. Nós não fizemoscom um propósito de carreira, quase pelo contrário, agente estava só querendo curtir música de câmara, boamúsica e sentir como soava. E, de graça, veio umacarreira praticamente pronta, com turnês, gravações.Tadeu – E essa sorte veio junto com a Lisa(Sapinkopf), nossa agente.

- Mas o Pachelbel vocês gravaram aqui?Edelton – Gravamos em Vinhedo (interior de São Pau-lo). No mesmo lugar do primeiro CD.Everton – Logo em seguida eles pediram o disco.Edelton – Que nós fizemos em um mês.Paul – Em 20 dias.Edelton – Eles ligaram pra nós, o Paul estava saindoem turnê, só voltaria um mês depois, final de outubro.A gente só tinha as Bachianas, 20 minutos, precisavade mais meia hora.Everton - O disco era pra ser entre o Natal e o Ano-novo.Tadeu – Eu diria que a produção do Sérgio (Abreu)foi fundamental. A gente estava muito imaturo. Imagi-na em três semanas você preparar um disco.Everton – E ainda metade da fuga (das Bachianas)ele reescreveu.

- Qual foi especificamente o papel do Sérgio?Edelton – O Sérgio foi o diretor de gravação e o pro-dutor do disco.Paul – O papel era basicamente colocar a gente numaatitude certa pra gravar, quase regente.Everton – Em cada take ele ia lá...Tadeu – Ele mostrava literalmente: “toca aqui, não tocaali...”Paul – Até nos microfones: “Paul, toca dois centíme-tros pra direita – ah, sim, agora está bom...”.Tadeu – Acho que a presença, a tranqüilidade dele, asegurança que deu pra gente foi importante. Ao con-

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trário de você ficar apreensivo por uma pessoa como oSérgio estar ouvindo, desde a primeira nota ele nos deutanta liberdade e segurança pra gente que acho que foio grande lance do disco. Toquei todas as seções dagravação com a maior tranqüilidade.Everton – E ainda por cima teve a história do terceiromovimento do Carlos Gomes, que ele falou: “Esse ne-gócio não está funcionando”.Edelton – Ele falou: “Carlos Gomes não tem can-ções?” eu disse: “Tem várias, a minha esposa tem umálbum com canções”. Aí eu liguei pra Adélia (Issa) efalei pra ela: “me mande cinco canções de Carlos Go-mes”, assim com um tempo lento, ¾ , pra substituir aprimeira parte do movimento e aproveitamos a seçãoB do movimento inteiro.Edelton – O Paul fez rapidamente a transcrição.Everton – Tivemos uma seção de fotos. Meia horaantes de começar a seção eles estudaram, aí nós gra-vamos o que faltava.Tadeu – Na edição do disco, o Sérgio ligava, porqueele mandou uma “bíblia”, assim, tudo de cabeça, tudo oque ele achava da gravação, o que eu tinha de colocar,qual o take, etc. Sem contar os ensaios que a gentetocou pelo telefone pra ele, depois ele parava e falava:“o terceiro violão, aquela nota está muito forte...” portelefone!Everton – Na edição também. Colocava o telefonena caixa, ele ouvia e dizia se estava bom...

- Para esse CD de Bach por que não foi possívelchamar o Sérgio?Edelton – Queríamos, mas por problemas de tempo, eo CD ia ser gravado lá no meio da turnê.Paul – Pressão de tempo, por ter de sair no ano Bach.E eles (Delos) queriam gravar lá, ter mais controle dotipo de som que eles estão mais acostumados. E o Sér-gio está muito ocupado também. Mas na próxima agente quer fazer com o Sérgio de novo.Tadeu – Mas a gente conseguiu trabalhar um poucocom o Sérgio.Ele veio a São Paulo.Edelton – Mostramos duas suítes, mas as outras duasnão.Paul – Mas o entusiasmo dele foi importante, ele ouvire dizer que está soando muito bem dá uma tranqüilida-de.

- Considerações finais:Edelton – Acho que há um dado importante em sair,tocar fora, que é um pouco diferente do Paul que já é

um cidadão do mundo. Mas no Brasil temos muitosviolonistas que se formam aqui e que não lhes é dado ovalor devido, não só aos violonistas, mas aos luthierstambém. Nós estivemos em uma loja em Los Angelesque tinha todos esses grandes nomes de construtores,é claro que os melhores violões nunca estão nas lojas,mas são nomes importantes. E a gente viu que a lutheriae os violonistas no Brasil estão hoje num nível muitobom, e às vezes os estudantes de violão e o público emgeral não conseguem ter uma dimensão disso, do quese está fazendo em termos de violão aqui; só valorizamos artistas depois que eles saem, fazem os concertos láfora e vêm pra cá. Eu continuo tocando exatamente domesmo jeito. Claro que esta experiência me acrescen-tou muita coisa, mas continuo tocando exatamente domesmo jeito. Isso é uma coisa da cultura brasileira deforma geral, só é reconhecido quem vai pra fora.Everton - E tem que registrar que trabalhar com umartista como o Paul é...Edelton – É um privilégio.Everton – É um privilégio pro Brasil também.

- Você assina embaixo, Tadeu, o que o Edelton fa-lou?Tadeu – Sim. Venho de uma formação do fim de umafase que acho que foi muito legal pro violão. Uma faseem que o teu professor fazia parte da tua família. Euficava tanto na minha casa quanto na casa do meuprofessor. O programa de domingo, de fim de semana,era ir pra casa do professor. Então existia uma coisalegal, mas parece que as pessoas acreditam muito quan-do você vai pra fora. Parece que aquela verdade quevocê sempre disse aí passa a ser ouvida.

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QuaternagliaBreno Chaves, Eduardo Fleury, FábioRamazzina e Sidney Molina

* Entrevista publicada na ediçãono. 18 - Jul/Ago 1996 com o título“Quaternaglia lança novo CD”por Teresinha Prada

- Qual o nome do CD?Antique. A gente fez questão de coordenar todos osdetalhes de produção do disco, desde nome, capa,foto, textos, título, forma de gravação, parte gráficae repertório.

- De quem foi a sugestão deste 2o. CD?Este 2o. veio quase simultaneamente ao lançamentodo 1o., que aconteceu no Festival de Campos, numconvite mesmo da Paulinas Comep, que é a atualgravadora. Na verdade, a gente não tem uma exclu-sividade nem com a 1.a (JHO) nem com a 2.a. Agente fez um contrato para gravação do CD e tive-mos a favor a estrutura, a divulgação. Acho que é ocaminho natural: as gravadoras se interessarem pelotrabalho do músico. A gente nem esperava gravartão cedo. Mas tínhamos um repertório de música an-tiga quase todo pronto, então apostamos nisso. Tra-balhamos no 2o. semestre de 95 e fizemos a grava-ção em fins de novembro.A ficha técnica e escolhado repertório foi do próprio grupo. Algumas já exe-cutávamos, outras preparamos para o CD - como aSonata de Carulli, por exemplo. Fizemos algumasexigências à gravadora, como por exemplo, o reper-tório, o engenheiro de som ser o José Luiz Costa (oGato) - o que implica gravar fora de estúdio, sempreem locais com acústica, e a gente gostou muito dolocal de gravação do 1o. CD, que foi na IgrejaEscandinava, fizemos questão disso. É um esquemadifícil para o intérprete porque é quase ao vivo, agente tem que em 4 ou 5 dias gravar o CD, temospronto o som ambiente que é captado e não o somde cada violão. A gravadora falava: “Nós temos umestúdio muito bom”, é verdade, mas a gente queriarealmente nessas condições porque é a forma comoa gente ensaia, toca em recital e deu muito certo,

inclusive pelas críticas internacionais que chegarama nós no 1o. CD como a do Norbert LeClerq, doGilbert Biberian, do Trio Chitarristico Santa Cecí-lia, do Jan Olof Erickson, do Egberto Gismonti, queinclusive ligou aqui para o Conservatório (Conser-vatório Mozart-SP) para falar que realmente recebemuita coisa, mas que fazia tempo que não ouvia algotão diferenciado. Então nós resolvemos insistir e aprópria gravadora acabou aceitando. Também exi-gimos a participação do Edelton como consultor mu-sical. Ele esteve presente numa etapa preparatóriado repertório como um quinto elemento e nas grava-ções munido da grade das partituras e os originaisdas transcrições e auxiliou por demais na gravação,e ele conhece o grupo porque foi nosso professor.Então, com este time e com a gravadora acolhendoe respeitando todos os nossos pedidos, só nos resta-va gravar mesmo o CD!

- Qual vai ser o destaque deste CD?Da Renascença ao século 19, passa por Praetorius(8 danças) transcrição do Gilbert Biberian; 4 peçasdo Tobias Hume também transcritas pelo Biberian;Concerto em Ré do Telemann, transcrição de HeinzTeuchert da Alemanha; “Introdução e Fandango” deBoccherini com transcrição de Jeremy Sparks; e aSonata Op. 21 no. 1 do Carulli, de Henrich Albert.O que o grupo mais tem assim carinho é o TobiasHume, não é tanto o que às vezes o público gostamais porque é densa, contrapontística, mas tem umaqualidade musical fantástica. Além disso, o Carullitem sido muito elogiado pela sonoridade dos vio-lões, o Praetorius e o Bocherini. Mas a gente está só

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começando a ouvir os comentários.

- Qual a diferença maior do Quaternaglia de hojee de um ano atrás?Este é o nosso 4o. ano de trabalho. E a gente achaque é até pouco para um grupo de música de câmaraque quer soar como um. Acho que o principal sinalde maturidade é a preocupação com as sutilezas; agente está tocando em todos os recitais com o reper-tório decorado; há mais fluência. O grupo está comsom mais vibrante; as dificuldades de entrosamentode 4 violões não estão intimidando o som do grupo.Mas a gente tem que deixar aos críticos aí para ava-liarem.

- Quando chega ao mercado?Já está nas lojas das Edições Paulinas e também naslojas especializadas, aquelas que têm CD’s de mú-sica instrumental, a Waterloo por exemplo, e podeser encomendado ao grupo pelo tel. (011) 5666-6152.

- Planos para o futuro?Em nível nacional, estaremos presentes em eventosde mostras de violão de São Paulo e na área interna-cional no segundo semestre, estamos palnejando umaviagem em setembro ao Uruguai e a Argentina. Mar-ço e abril de 97 na Universidade de Miami e outroslocais nos EUA.

- E quanto à produção?A organização é nossa mesma, mas já está sendonecessário uma profissionalização maior. A gentemandou material por meio de um colaborador do“Violão Intercâmbio”, Géris Lopes, para alguns crí-ticos de fora, alguns estão respondendo. Às vezesalgum amigo vai pra fora e leva um projeto nosso. Arecepção do 1o. CD ajudou muito.

- Tem haver com o valor do violão brasileiro láfora?Está chamando a atenção, tem representantes desobra para isso. Nestes 2 CD’s o repertório é varia-do, então o interesse não é por uma curiosidade derepertório brasileiro, mas é um interesse em um tra-balho de qualidade musical dos brasileiros - enquantoentrosamento; sonoridade; construção de um traba-lho camerístico feito no Brasil.

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QuaternagliaBreno Chaves/Eduardo Fleury/Fábio Ramazzina/ Sidney Molina

* Entrevista publicada na edição no. 25 - Set/Out 1997 com o título“Quaternaglia causou boa impressão nos Estados Unidos”por Teresinha PradaEncontrar com o Quaternaglia é sempre uma festapois os quatro integrantes estão sempre de bem coma vida, contentes com a escolha profissional e deci-didos a aproveitar todas as oportunidades que sur-gem. Em março deste ano o quarteto esteve nosEUA.

- Como surgiu o convite para a excursão?(Sidney Molina) O convite surgiu da Universidadede Miami, por meio de uma pianista brasileira, quereside lá há muitos anos, Maritza Mascarenhas - aestréia do Arnaldo Cohen nos Estados Unidos foiatravés dela. Foi um convite para um concerto e ummasterclass na Universidade de Miami. Depois, aprópria Maritza fez um contato com a ClassicalGuitar Society de Miami - estas instituições ameri-canas são muito organizadas -, então nós consegui-mos mais dois concertos. Tivemos respostas positi-vas sobre nosso currículo e os CD’s. O que todomundo nos dizia é que teria de ser uma coisa comdois anos de antecedência de agenda, pois seis me-ses antes é muito pouco tempo pra eles. Então, nototal, foram 4 concertos: um numa igreja de Miami;um na Universidade de Miami e mais o masterclass,depois nós tocamos em Washington e em Princeton- Nova Jersey. No de Washington apareceram mui-tos críticos, gente de guitar society.

- Então teve um bom público?(Eduardo Fleury) Estava repleto, eles têm muito há-bito de assistir.(Breno Chaves) Em Miami, na igreja, estava no má-ximo da capacidade e em Washington nós batemoso recorde do auditório, o organizador nos disse quenunca veio tanta gente.(Sidney) Era um auditório de uma galeria de arte,que inclusive tinha obras de brasileiros.(Eduardo) Em Miami, nós encerramos um Festivalde Violão que estava acontecendo, e no ano passado

este mesmo evento foi encerrado pelo Los AngelesQuartet.

- E sobre o concerto em Princeton?(Sidney) Então, este concerto que nós consideráva-mos o mais informal porque não era em nenhumaentidade, foi organizado pela Alice Artzt, na casa decampo dela, foi o mais importante porque ela cha-mou a nata dos violonistas, críticos e professores deNova York (onde ela tem um estúdio). Havia umassessenta pessoas ligadas ao violão. Então foi umaprova muito interessante. É uma coisa supercomumlá ter um evento em casa assim. E a Alice foi de umagentileza incrível. Também conversamos muito so-bre Didática, ela é uma pessoa muito culta, muitoaberta, pioneira, mostrou os livros que ela usa comos alunos, inclusive parte deste material nós expo-mos aqui durante o Seminário Mozart.(Breno) Pra eles tocar num sarau é o must. Eles va-lorizam muito mais isso.(Fabio Ramazzina) Eles têm uma cultura de frequen-tar mesmo os eventos. Se sabem que tem a oportu-nidade de ouvir um quarteto brasileiro que vai tocarna casa de alguém, então o pessoal vai mesmo.(Sidney) Impressionou o fato de nós tocarmos tudode cor e de só termos estudado no Brasil. Eles fica-vam surpresos por nunca termos ido a Europa estu-dar. “Como? Quatro pessoas que sempre estudaramno Brasil podem tocar bem?” Ora, por que não?Então foi muito bom, foi uma reação espontâneadeles.

- Qual foi o repertório apresentado?(Sidney) “Paisage Cubana con Rumba” - Brouwer;“Lenda do Caboclo” e “Bachianas Brasileiras 1” doVilla-Lobos, primeiro movimento, arranjo do Sér-gio (Abreu); e o Concerto do Bach para quatro cra-vos, transcrito pelo Fabio (Ramazzina). A segundaparte abria com a “Suiternaglia” do Estércio Cunha,

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4 peças do Stravinsky, e o “Arikena” do SérgioAssad.(Fabio) Interessante que a “Suiternaglia” foi umapeça que eles pediram, por ter sido dedicada a nós.Não estava na nossa idéia inicial. Quem pediu foi oCarlos Molina, a quem o Brouwer dedicou o“Canticum”. Ele é um cubano que mora lá, e é presi-dente da guitar society de Miami. Depois ele veiofalar com a gente, gostou muito.(Sidney) Então foi um programa eclético pois tevemúsica brasileira, Bach... Nós percebemos que nãoé apenas o repertório que faz com que você sejamúsico brasileiro, a sua formação, o seu jeito deencarar a música, o jeito de tocar define muito mais.(Breno) É um público bom, eles sabem escutar, sãosuperatentos, não fazem barulho nenhum, e se vocêtoca uma música que eles gostaram - eles aplau-dem; agora se você toca algo que eles gostarammuito, aplaudem vigorosamente, se manifestammesmo.

- E o que eles gostaram mesmo?(Breno) Bach. Villa-Lobos.

- E o que as pessoas vieram falar com vocês apósos concertos?(Breno) Eles se pegavam mais na técnica. O fato denão estudar fora do Brasil impressionou muito, umaescola forte aqui. Gostaram das soluções técnicasque usamos e da criatividade, flexibilidade, que pas-sou a eles. Lá a educação é algo muito formal, pa-dronizada. E eles se impressionaram com o fato decada um tocar de um jeito.(Sidney) É. Foi a coisa da coincidência. O fato de osquatro terem só estudado no Brasil. Algum de nós, éclaro, poderia ter estudado fora, mas não foi o caso.

- E quem eles conhecem do Brasil basicamente?Os Abreu, Os Assad, Barbosa-Lima, Bellinati.(Eduardo) Agora vão passar a conhecer o FabioZanon que fará a série de concertos da GuitarFoundation (Zanon venceu o concurso desta entida-de em 1996).(Sidney) A influência dos Abreu é muito grande.

- Como foi o encontro com a Rose Augustine?(Sidney) Ela é esposa do Albert Augustine, que foi

um dos introdutores das cordas de nylon, por suges-tão do Segovia. Ela coordena a “Guitar Review”.Então nós fomos visitá-la, pois tínhamos intençãode lhe entregar um CD. Ela aceitou os discos, leupeça por peça do repertório, olhou as fotos do CD edisse: “Violões Sergio Abreu! Manda um abraço proSergio”. E por fim ofereceu para colocar uma críticana próxima edição da revista.

- E convites para outros concertos?(Sidney) Temos várias possibilidades para a tempo-rada de 98-99, a qual achamos melhor para tambémpreparar novo repertório.

- Qual é o balanço deste ano até o momento?Então, além dos Estados Unidos, participamos doFestival SESC (aonde o Carlevaro nos entregou umacrítica sobre o nosso concerto em Montevidéu - se-tembro 96, e também estreamos a peça do Bellinatidedicada a nós); do Violão no MASP; no Rio deJaneiro tocamos em Niterói e Macaé, onde tivemoso encontro com o Egberto Gismonti, que nos dedi-cou peças. Estrearemos o Gismonti em setembro,em Campinas. Estamos com este projeto de os com-positores estarem nos dedicando músicas.

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QuaternagliaBreno Chaves/Eduardo Fleury/FábioRamazzina/Sidney Molina

* Entrevista publicada na ediçãono. 30 - Set/Out 1997 com o título“Quaternaglia vence o IX Festi-val e Concurso Internacional deviolão de Havana”por Teresinha PradaO talentoso quarteto de São Paulo foi a Cuba evenceu por unanimidade este concurso na catego-ria grupos. No júri, a presença de Leo Brouwer,com o qual o grupo pôde mais uma vez entrar emcontato, assim como com o grande violonista PepeRomero. Leia a entrevista concedida por SidneyMolina ao Violão Intercâmbio.

- Sidney, conte-nos como foi esta história toda.Bem, o festival é um evento bienal, que já aconte-ce há 18 anos, presidido por Leo Brouwer e querealiza cursos, palestras e master-class e na partedo concurso há duas categorias - solista e grupo.Para competir, a exigência é mandar currículo comdocumentação comprovatória dos fatos menciona-dos no currículo e que serão aprovados, ou não,por uma banca. Havia concorrentes do Japão, Ale-manha, México, Uruguai, Costa Rica, Espanha,Cuba e nós do Brasil. Acontece que houve uma mu-dança no cronograma e nós quase perdemos a vezno evento.

- Como foi isso?Nós chegamos em Cuba, vindo de Caracas, ondetocamos no Museu de Belas Artes e na GaleriaNacional.

- Parece que com grande sucesso.É. Tivemos casa cheia nos dois dias seguidos, sá-bado e domingo, e a organização dos venezuelanosfoi ótima. Mas na ida para Cuba nossas malas comroupas se extraviaram para a Costa Rica! Chega-mos na segunda-feira em Cuba, e o sorteio para a

ordem de participação nas eliminatórias do con-curso só ocorreria na terça, pelo programa inicial,o que nos daria tempo de descansar. Na terça demanhã, resolvi ligar para o contato do evento paraconfirmar o horário do sorteio e fui surpreendidocom a notícia de que as eliminatórias já haviamacontecido no dia anterior e que nesta terça mes-mo, ainda pela manhã, já ocorreria a final do con-curso!

- Então os cubanos mudaram o cronograma?Sim, eles mudaram mas nós estávamos em Cara-cas e não soubemos de nada. Parece que enviaramfax mas não recebemos. Bem, então resolvemos iraté o hotel onde o festival ocorria e, um detalhe,com a roupa do corpo, camisetas que compramosno aeroporto, e propusemos à comissão fazer umaprova eliminatória já, naquele momento, e se fôs-semos aprovados faríamos a prova final. A comis-são consultou todos os jurados e todos os concor-rentes e acabamos sendo aceitos.

- Então foi na garra mesmo?Foi. Cordas recém-trocadas, mesmas roupas, tudono mesmo instante. Tocamos a peça de confrontopara quarteto que era a “Estampas” do Torroba e asegunda peça, de livre escolha, foi “Uarekena” doSergio Assad. Em quinze minutos o júri retornou edisse sim à nossa prova eliminatória. E em meia-hora já estávamos a caminho da final! Aí tocamos“Paisage Cubano com Rumba” do Brouwer e mais“Forró” de Gismonti e a “Embolada” das BachianasBrasileiras n.o 1 de Villa-Lobos, transcrita por Sér-gio Abreu. Acho que como viemos de concertosestávamos preparados. Foi na raça mesmo, não teveessa de primeiro dia, segundo dia de concurso.

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- E quando vocês souberam que tinham vencido?Foi à noite, durante o recital do Costas Cotsiolis. Opresidente da banca julgadora, Jesús Ortega, subiuao palco e anunciou que havia sido concedido umprêmio único ao Quaternaglia, sem menções hon-rosas, segundo ou terceiro lugar para qualquer ou-tro concorrente.

- E o Leo Brouwer?O mais interessante foi a oportunidade de ver econversar pela segunda vez com ele, sobre suasobras, sobre o repertório do nosso quarteto e cha-rutos (risos)! Conversamos também com PepeRomero, que foi banca na prova solo e fez o recitalde encerramento, estreando concerto para violão eorquestra do espanhol Martínez Palomo.

- E que tal este novo concerto?Achei muito bem escrito, de linguagem tradicio-nal, bom-gosto e é capaz de emplacar no repertó-rio. O Brouwer foi o regente com a Orquestra Sin-fônica de Cuba e também apresentou a sua “Can-ção de Gesta”. O violonista japonês ShimichiFukuda, mais um dos jurados da prova solo, fez oconcerto do Brouwer em homenagem ao ToruTakemitsu. Muito boa a peça também.

- E vocês assistiram a alguma palestra doBrouwer?Sim. Assistimos um masterclass. Ele tocou muitobem, um som limpo, toca de tudo. Teve uma totalpaciência e profissionalismo. Atendeu a todos osinscritos, inclusive crianças de 10 anos de idade.Tocava no violão deles, mostrava, era muito obje-tivo, sem ser cansativo, sem mexer demais.

- E como foi esse encontro com o Pepe Romero?Então, conversamos com ele, que é uma pessoa sim-ples, bem-humorada e contamos sobre essa admi-ração que temos pelos Romero, que também nosfez iniciar essa formação de quarteto. E ele brin-cou a respeito, demonstrando modéstia. Daí elepediu para experimentar nossos violões e marca-mos um encontro no saguão do hotel no dia se-guinte. Ele tocou bastante em nossos violões Sér-gio Abreu, além de um Kono, que foi o prêmio dadoa jovem violonista cubana vencedora da categoriasolo e que também se encontrava no saguão dohotel.

- E o que ele achou dos seus violões?Ele adorou os nossos violões. Tocou em todos e foiuma maravilha, ele é um violonista extremamenteconsciente. Depois, nós tocamos para ele o“Uarekena” e ao final ele nos deu os parabéns edisse que a nossa mão direita é muito bem resolvi-da, e olhou para mim sorrindo dizendo que a minhaera a esquerda (Sidney é canhoto)! Perguntou comquem nós havíamos estudado e nós simplesmenterespondemos que estudamos no Brasil, citamosEdelton (Gloeden) e Henrique (Pinto), que nossaescola de violão era a do Brasil mesmo. Como elegostou demais dos violões Sérgio Abreu, tocamospara ele as Bachianas Brasileiras n.o 1, em arranjodo Sérgio, que ele também adorou e ao final elepediu para nós enviarmos um triplo abraço ao Sér-gio: como luthier, como arranjador e como amigo.O emocionante mesmo foi que ele virou para a Rosa(a violonista cubana vencedora na categoria solo)e disse: “Você já ouviu Sérgio Abreu?”. E ela res-pondeu que sim, que já tinha ouvido falar muito.Ao que ele retrucou: “Mas você já ouviu?” E con-cluiu: “Sérgio Abreu foi um dos maiores violonis-tas que já existiram em todos os tempos e que sa-bia tocar com técnica, com a verdadeira técnica”.

- Parabéns ao Quaternaglia e obrigada pela en-trevista.Obrigado a você.

Quaternaglia, Pepe Romero e Rosa, violonista cubana vencedora da categoria solo.

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QuaternagliaPaulo Porto Alegre/Eduardo Fleury/FábioRamazzina/Sidney Molina

* Entrevista publicada na ediçãono. 47- Mai/Jun 2001 com otítulo “Quaternaglia lança‘Forrobodó’ em selo de EgbertoGismonti”

Reencontrei o Quaternaglia em um concerto nodia 20 de abril com a Orquestra Sinfônica de San-tos, no teatro superlotado, em uma noite que abriua temporada de concertos da cidade. O ConcertoAndaluz de Rodrigo foi competentemente execu-tado pelo quarteto e pela jovem orquestra, tendoGustavo Petri como regente. Do Quaternaglia sóse pode elogiar mais uma vez sua atuação profis-sional, ainda mais agora, possuidor de um novoCD, o terceiro, que tem a produção e a concepçãoassinadas por Egberto Gismonti. O CD Forrobodóé um teste de resistência que mostra a individuali-dade, a capacidade rítmica e sonora, sem perdera concepção de homogeneidade necessária ao tra-balho de câmara. Em entrevista concedida porSidney Molina, ficou mais uma vez confirmada aseriedade com que Breno Chaves, Eduardo Fleury,Fabio Ramazzina, Paulo Porto Alegre e Molinasempre encararam a carreira – o envolvimentocom Gismonti e este longo trabalho do CD sãofrutos disso.

- Sidney, conte-nos a história desse novo CD doQuaternaglia, o Forrobodó.Após os dois CD’s do quarteto, o Quaternaglia de1995 e o Antique no ano seguinte, iniciamos um pro-jeto de buscar um repertório de peças originais com-postas para o próprio quarteto. Nos envolvemos emum processo muito intenso e agora está aqui o resul-tado de um investimento de quatro anos.O que deuimpulso para este projeto foi quando EgbertoGismonti escreveu as duas peças para o Quaternaglia,que foi em 1997. Nós o conhecemos pessoalmente

no final de 1996, e ele nos entregou o Forró. Gismontinos conheceu por meio dos nossos CD’s, interessou-se pela formação e pelo grupo e fez esta peça. A par-tir daí surgiu um contato e num determinado momen-to ele se interessou em produzir o disco. Em nossosdois primeiros discos nós tínhamos praticamente tra-balhado com gravadoras pequenas onde o conceitodo CD estava todo na nossa mão, tínhamos uma dis-tribuição, foram até bem-sucedidos quanto à tiragem,mas sem o vulto de uma produção como esta, volta-da para o mercado europeu predominantemente.

- Então, quando o Gismonti combinou com vocês jáera visando o mercado europeu?É. O Egberto é um artista exclusivo da ECM, grava-dora alemã muito forte na música instrumental inter-nacional, dirigida por Manfred Eicher.

- O Gismonti está vivendo onde?No Rio de Janeiro. O Egberto nos conheceu quandonós tocamos no Rio, na Sala Cecília Meireles, e nesteconcerto ele nos convidou para um encontro e nosapresentou o Forró. Além de ele ser um artista ex-clusivo da ECM, ele coordena uma série dentro dagravadora, que é a Carmo, na qual produz trabalhosdele, re-masterizações e re-lançamentos de discos queele adquiriu os direitos recentemente. Mas ele tam-bém produz trabalhos de outros artistas, como umduo de violões da Austrália, um duo argentino, e ou-tros. Na verdade, ele não falou logo em CD, nós ti-vemos vários encontros para tocar as peças - ele ébastante rigoroso com o que ele escreve e com o queele quer que soe - e ao longo deste contato surgiu a

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idéia da produção do CD. Passamos a selecionar echegavam às nossas mãos obras de compositoresbrasileiros – muita coisa de qualidade não entrou nestedisco. A ECM tem como norma gravar seus discosem uma ou duas seções; o Egberto acompanhou tan-to o local de gravação, técnica, forma de captaçãosonora e em muitos casos até propôs um determina-do tipo de sonoridade diferente da que nossa forma-ção costuma valorizar. Nós fizemos uma gravaçãoainda com o Breno Chaves em 1998 e apesar de ter-mos gravado uma hora de disco, o Egberto e o pró-prio quarteto chegaram à conclusão que 2/3 do discoestavam OK e que cerca de 20 minutos, ou até umpouco mais, tinham qualidade mas não estavam den-tro do conceito geral do disco, elas não estavam com-binando com as outras. Isso fez com que a gente fi-zesse a segunda seção de gravação de mais um diasomente um ano depois. Nesse intervalo de um ano,de novo descobrimos uma grande riqueza: peças iné-ditas de Radamés Gnattali... Fomos fazendo peque-nas gravações, enviando partituras ao Egberto, con-versando sobre os resultados, e o repertório final sóse configurou realmente já no final de 1999. Nestemomento o Breno tinha tido problema com a mãoesquerda e a gente já estava tocando com o PauloPorto Alegre desde junho de 1999. A entrada doPaulo, também por ser um arranjador, um composi-tor, além do violonista que é, deu uma dinâmica a estetrabalho e a atuação dele foi essencial. Nós tambémficamos muito contentes que o Egberto fez questãoque a participação do Breno ficasse no disco, as mú-sicas que tinham sido feitas com ele não precisariamser re-gravadas, pois estavam excelentes. Para nósque passamos por essa mudança nesse ano, o discoé bem representativo do momento porque fomos umgrupo que estava funcionando muito bem com oBreno, passamos a tocar com o Paulo e isto tambémfoi enriquecedor e este “quarteto-quinteto” está re-gistrado neste disco.

- E deste momento até o lançamento...Como o Egberto acompanha cada momento da pro-dução do disco, dependeu também um pouco da agen-da dele a dedicação maior ou menor à finalização dotrabalho.

- O estúdio de gravação era onde?

Foi no estúdio da Tom Brasil aqui em São Paulo. Noprimeiro semestre de 2000 teve o acabamento, capa,encarte, o próprio Egberto escreveu a apresentação,e o disco acabou saindo no finzinho do ano 2000. Foilançado na Europa e agora está chegando em lojasque trabalham com discos importados aqui no Brasil.

- E lá na Europa vocês têm tido notícias de comoestá o disco?O disco foi lançado a menos de um mês para acabaro ano, e o que nós temos de informação é o acertodas vendas do ano 2000, que representa menos deum mês, e vendeu quase 2000 discos naquele mês.Então pra nós foi uma ótima notícia; o Egberto tam-bém está contente com a aceitação. Agora vamosacompanhar este primeiro semestre.

- Sidney, fale um pouco de cada obra do CD.As peças do Bellinati nos pareciam já há muito tempoadequadas ao projeto e ao Egberto também, dada àintimidade que o Bellinati tem com o violão e à es-pontaneidade da escrita fluente e ao mesmo temposem ser pretensioso; são peças leves, mas muito irô-nicas baseadas em ritmos brasileiros. A Furiosa é ummaxixe com o sabor do início do século 20, o Lunduosé uma peça percussiva, uma brincadeira com a músi-ca contemporânea em cima do ritmo afro-brasileiro,o lundu, e há o Baião de Gude, um baião-jazz, diga-mos assim (e acaba de sair a partitura do Baião deGude, dedicada ao Quaternaglia, pela GSP, editorada Califórnia). Uma outra peça de grande peso dodisco é o Uarekena do Sergio Assad que, apesar denão ter sido dedicada ao Quaternaglia, fomos nós quecomeçamos a tocar sistematicamente a peça - o LosAngeles Guitar Quartet fez uma estréia da peça, maspor alguma razão não seguiu adiante e o Sergio sem-pre gostou muito da nossa relação com a peça.Uarekena é baseada em temas indígenas brasileirose com aquele sabor da harmonia de clube da esquina,da música de Minas ou do interior de São Paulo. Aspeças do Egberto são cinco: o Forró e o Forrobodóque já ocupam uma boa parte do disco, 10 minutoscada uma, são dois testes de resistência – eu confes-so que ainda é cedo pra gente avaliar essas peças, agente precisa tocá-las mais, ouvir o que os colegasviolonistas vão comentar, são peças polêmicas quetrabalham em certos limites: de instrumento, tessitura,

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ritmo, densidade e o próprio Sergio Abreu percebeuno Egberto certas utilizações de escrita de quatro vi-olões que não são nem um pouco usuais. Além des-sas, ele escreveu pra nós uma adaptação do Karatêque é um conhecido frevo e o Quartetinho que éuma peça de um minuto. A última peça do Gismonti éUm Anjo, com arranjo do Paulo Porto Alegre, que éa peça lenta do CD. Essa música tem a participaçãodo Egberto nos teclados – sem que nós soubéssemosna sala ao lado da gravação ele tocou um tecladomuito delicado, discreto ao fundo. E o ponto de en-contro de toda esta experiência de ritmos brasileirossão duas peças para piano de Ernesto Nazareth –Escovado e Batuque – que também passaram pelamão do Egberto porque ele já havia feito um arranjopara piano, violão e orquestra e foi a partir desta ver-são sofisticada harmônica e ritmicamente, que o Pau-lo Porto Alegre fez a adaptação pra quarteto de vio-lões.

-Então finalmente o resultado foi aprovado peloGismonti.Sim. Como produtor do disco, ele teve coragem deinterromper o projeto por um ano em busca de me-lhores obras. Quando ele deu aval é porque realmen-te estava plenamente satisfeito. A melhor definição doCD foi o próprio Gismonti quem deu: é um disco demúsica contemporânea, num sentido muito especial;música contemporânea não necessariamente é van-guarda – música contemporânea é quando composi-tores e intérpretes têm que conversar e chegar juntosa um acordo sobre as músicas e se pensarmos nahistória, a música sempre foi contemporânea, tirandouma certa geração do século XX, que poderíamosapelidar de “geração Pierre Boulez”, sempre traba-lharam juntos com os intérpretes. Esse projeto apos-tou nesta possibilidade, numa interação, propusemosmuitas coisas aos compositores, muitas sugestõesnossas foram incorporadas nas partituras, por outrolado nós tivemos que ouvir porque os compositoresopinam bastante.

- Qual o desdobramento deste CD?Estamos preparando alguns lançamentos do CD, con-certos agendados em São Paulo, Rio, Belém, Cam-po Grande, teremos uma turnê européia em novem-bro, com uma participação em um Festival Internaci-

onal de Violão em Portugal, Alemanha e a confirmaralguns outros lugares. Em janeiro de 2002 vamos aosEstados Unidos pela terceira vez, em festivais inter-nacionais e uma turnê acoplada. E aproveitando o cen-tenário de Joaquín Rodrigo nós temos algumas réci-tas do Concerto Andaluz com outras orquestras tam-bém. Mas estamos centralizando nossas atividadesno repertório do lançamento do CD.

- Você vê alguma relação contraditória entre qua-tro pessoas de formação acadêmica tocando esserepertório mais para o popular...A gente está trabalhando em certos limites. Por exem-plo, todas as peças do disco são escritas – elas nãosão pensadas como...

- Improvisação.Talvez em alguns momentos em que certos ciclos per-mitam que haja uma improvisação coletiva. São ci-clos bem delineados; me parece muito mais a impro-visação de uma música erudita.

- Controlada.É, uma improvisação como Leo Brouwer propõe,como Stockhausen propõe, não como um jazzistapensaria, em cima de um chorus, da harmonia, bus-cando frases. Existem momentos de improvisação,mas obviamente não é a nossa formação; as peçasforam escritas detalhadamente, nas peças do Gismontihá um detalhamento de dinâmica, uma sofisticaçãode escrita enorme. Então, elas podem ser perfeita-mente pensadas como música erudita, assim comoVilla-Lobos e Leo Brouwer utilizaram elementos damúsica popular e tantos outros compositores. Nósestamos buscando ser intérpretes de uma peça escri-ta – agora, elas exigem uma certa flexibilidade rítmicae com isso nós aprendemos muito. O Paulo PortoAlegre tem uma grande experiência; como composi-tor ele sempre utilizou elementos rítmicos assim, en-tão eu acho que concorreu muito bem pra gente po-der manter este diálogo aberto com essa tradição,mas eu não chamaria de música popular.

- Em geral as pessoas não têm muito o hábito, fi-cam tentando se enquadrar de alguma maneira empeças dessa linha.A gente passou por uma fase muito fechada no séculoXX, não é nem somente entre música popular e eru-

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dita; é mais grave: há pessoas que não ouvem músicaerudita, elas ouvem violão, ou ouvem canto – canto-res não ouvem violão, violonistas em geral não costu-mam assistir quartetos de cordas ou orquestras. Émuito comum essa “especialização”. Na música po-pular também; quem ouve canção não ouve jazz, quemouve jazz não aceita rock e assim vai. Bom, a gentepode estar perdendo, até como ouvintes, mesmo quea gente não consiga fazer tudo bem, a gente deve pro-curar. Enquanto ouvintes de música e músicos a gentedeve estar preparado pra entender de uma maneiraampla, pra poder reconhecer, ter critérios nesta ounaquela linha.

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QuaternagliaFernando Lima / João Luiz / Fábio Ramazzina /Sidney Molina

* Entrevista publicada na versãoon line do Violão Intercâmbio,edição no. -2 - Jul/Ago 2002 como título “Quaternaglia completa10 anos de trabalho”

O quarteto de violões Quaternaglia estácomemorando 10 anos de existência com muitotrabalho e o ingresso de novos integrantes em suaformação.

Em sua apresentação na série “Mostra de Violãono MASP”, realizada no dia 21/09, o público - quelotava completamente as dependências do auditório- aguardava com ansiedade a apresentação dogrupo, uma vez que para a grande maioria seria aprimeira oportunidade de presenciar um recital dogrupo em sua nova formação.

Através das peças de Tobias Hulme, R. Gnattali,Sérgio Molina, Paulo Tiné, Paulo Bellinati eEgberto Gismonti, o publico pôde apreciar umrenovado Quaternaglia com uma nova sonoridade- fruto da já conhecida seriedade e competênciado grupo na preparação de seu repertório e, emgrande parte, à grande performance técnica einterpretativa de Fernando Lima e João Luiz, osnovos integrantes do conjunto.

Um grande trabalho em conjunto exige, além doesforço e dedicação dos integrantes, umcomponente fundamental: tempo, para que asdiversas engrenagens que compõem esse trabalhoentrem em perfeita sintonia. Ao final daapresentação, aplaudida de pé por todos ospresentes, fica até difícil imaginar as possibilidadesdessa nova formação, se o resultado obtido em tãopouco tempo chega a esse nível.

Leia mais a respeito dos 10 anos doQuaternaglia, o momento atual e os planos para ofuturo nessa entrevista com Sidney Molina.

- São 10 anos de Quaternaglia. Faça um balanço:conte um pouco do início do quarteto, da formação

inicial e da gravação dos primeiros CDs.Sidney Molina - Dez anos ininterruptos de um projetomusical e profissional bastante gratificante. Desde oinício buscamos essa união de forças, idéias etendências, esse verdadeiro “intercâmbio através doviolão” que caracteriza o Quaternaglia. Nosso projetode quarteto de violões sintetiza um pouco a visão doque acreditamos que a música de câmara possa - e àsvezes até tenha de - ser nos tempos atuais.Muitas pessoas participaram e têm participado diretaou indiretamente desse trabalho. Na primeira reuniãodaquilo que acabaria gerando o Quaternaglia, estiverampresentes eu, Eduardo Fleury, Daniel Clementi eGuilherme de Camargo. Pouquíssimo tempo depois,Guilherme foi para o Holanda estudar, e Breno Chavesjuntou-se a nós. Com essa formação começamos aestruturar o grupo, mas foi apenas com a entrada deFabio Ramazzina no lugar de Daniel que conquistamosuma unidade pessoal e musical mais próxima de nossosobjetivos. Assim o Quaternaglia atuou intensivamentedurante cinco anos: eu, Eduardo, Breno e Fabio.Uma preparação rigorosa e diversas experiências em

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recitais acabaram gerando, em pouco tempo, o convitepara a gravação de dois CDs: Quaternaglia (JHO, 1995)e Antique (Comep, 1996). Como está documentado nopróprio Violão Intercâmbio, esses álbuns tiveram muitarepercussão. Em primeiro lugar, os repertórios erammuito diferentes: o primeiro trazia a obra completa deLeo Brouwer para quatro violões, duas transcriçõesde Villa-Lobos, entre elas a das Bachianas Brasileirasn. 1 realizada por Sérgio Abreu, Oito Peças deStravinsky, preparadas por Paulo Porto Alegre (quemais tarde tornar-se-ia membro do grupo) e uma peçainédita do compositor Estércio Marquez Cunha, deGoiás; o segundo CD - em catálogo até hoje - continhatranscrições de peças renascentistas, barrocas eclássicas de compositores como Praetorius, TobiasHume, Telemann, Boccherini e Carulli. Em segundolugar, pela ousadia de querer gravar no Brasil CDs quetinham um ideal de qualidade num momento em queessa possibilidade ainda não estava clara para acomunidade violonística, tanto a emergente quanto a jáatuante. Nosso primeiro CD é contemporâneo do CDsolo do Everton Gloeden - anterior, portanto, aoverdadeiro boom de CDs de violão lançados na segundametade da década de 90. Em terceiro lugar, porque osCDs receberam importantes críticas e premiaçõesnacionais e internacionais - como a indicação do CDAntique para finalista do Prêmio Sharp de Música(1996), na categoria “melhor CD clássico do ano” e aconquista, pelo Quaternaglia, do Prêmio Carlos Gomes(1997) na categoria “melhor grupo de câmara”.Devemos ressaltar três situações que contribuíram parao resultado desses trabalhos: a participação de EdeltonGloeden como consultor musical, o encontro com oengenheiro de som José Luiz da Costa, o “Gato”, e oapoio de Sérgio Abreu, um incentivador de nossotrabalho desde o princípio. Aqui vale um comentário:não sei avaliar quantas vezes, nesses dez anos, nóstocamos no Rio de Janeiro - certamente mais de trintavezes - e, se não estou equivocado, creio que Sérgiotenha estado presente em todos os nossos recitais lá.Isso para não contar os momentos em que nosencontramos em São Paulo etc. Bem, mas aqui podemostambém dizer que os concertos nem sempre foram aatividade principal da noite que, na maioria das vezes,incluiu um jantar especial, algumas garrafas de um bomvinho, e muita conversa - nem sempre sobre violão...

- Além de ser um nome no Brasil, o grupo tem bas-

tante experiência no exterior. Conte sobre e o queisso traz de retorno ao Quaternaglia como artistase nas atividades aqui no Brasil.S.M. - Nós começamos a sair do Brasil em 1996, como convite para a participação no Festival Internacionalde Violão de Montevidéu. Nosso pequeno recital noTeatro Solis foi uma prova de fogo, já que foi assistidopor nomes como Leo Brouwer e Abel Carlevaro. Logodepois surgiu o primeiro convite para apresentaçõesnos Estados Unidos (1997), para onde temosfreqüentemente retornado. Uma importante conquistafoi também a do “Ensemble Prize” no ConcursoInternacional de Havana (1998), onde atuavam comojurados Brouwer (ele de novo!), Pepe Romero e EliotFisk, entre outros.Sair do Brasil traz muitas oportunidades profissionais eproporciona sempre uma experiência muito especialpara o nosso grupo: desde o processo de preparaçãodo repertório, os ensaios, passando pelas própriasviagens, o contato com artistas e estudantes de outroslugares, a experiência em situações acústicas bemdiversas, tudo isso enriquece muito o trabalho e traztambém uma visão mais realista da nossa cultura e donosso país. Está sendo possível ao Quaternaglia serum pedacinho do Brasil lá fora, e isso é sempre umagrande responsabilidade. Mas uma coisa quecostumamos dizer aos alunos e colegas é que, desde oinício, saímos daqui para mostrar o nosso trabalho, istoé, nossa formação deu-se totalmente no Brasil. Isso émais uma prova de que entre nós - e São Paulo é umlugar privilegiado, nesse sentido - há uma fortíssimaescola de formação violonística e musical.Nesse mesmo momento, após a gravação dos doisprimeiros discos e as primeiras viagens ao exterior,começamos a intensificar contatos com compositoresbrasileiros, e tivemos a sorte de atrair a atenção tantode jovens talentosos quanto de alguns nomesimportantes do cenário musical. Nessa etapa passamosa buscar um conceito de “música brasileira hoje”adequado à nossa formação. Do diálogo com PauloBellinati surgiram A Furiosa, Lun Duos e Baião de Gude(esta última já publicada pela editora americana GSP);com Egberto Gismonti Forró, Forrobodó, Karatê eQuartetinho; Estércio Cunha compôs um Concerto paraQuatro Violões e Orquestra (cuja estréia deu-se com aSinfônica de Santos); além disso, temos várias peças,ainda não gravadas, escritas por músicos como PauloTiné, Sérgio Molina, Itamar Vidal, Paulo de Tarso,

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Nestor Holanda, Rogério Dentello, Ricardo Simões,Villani-Cortes, Paulo Porto Alegre e Rodrigo Vitta, alémdo uruguaio Diego Legrand. Em nosso site(www.quaternaglia.com.br) temos catalogadas 23obras dedicadas ao quarteto, 16 estréias, várias primeirasgravações e cerca de 20 arranjos e transcrições feitospelo grupo ou dedicados a ele.Desse verdadeiro “movimento” em busca de repertório,surgiu o CD Forrobodó (2000), produzido por EgbertoGismonti para a série Carmo da gravadora alemã ECM.O disco foi gravado aqui, e masterizado, fabricado edistribuído na Europa. Além das peças de Gismonti eBellinati, e da própria participação de Egberto, noteclado, na faixa Um Anjo, o CD traz uma bela peçade Sérgio Assad e dois “tangos brasileiros” de ErnestoNazareth. É uma pena que ele não esteja sendoencontrado na maior parte das lojas brasileiras, e quandoé acaba saindo por um preço bem alto.Em 1999, depois de nossa segunda turnê aos EUA eexatamente no meio da gravação do CD Forrobodó,Breno teve um sério problema na mão esquerda, e foijustamente aí que Paulo Porto Alegre entrou no quarteto.Ele entrou para fazer três concertos e acabou ficandotrês anos... Seu último concerto conosco foi em Belém,no último mês de junho. Ele está envolvido com muitosprojetos diferentes, e houve também a coincidência desua contratação como professor da Escola Municipalde Música. De qualquer forma, Paulo deixouimportantes marcas no Quaternaglia, e eu arriscariadizer que, sem a experiência dele como violonista earranjador, dificilmente teríamos terminado a contentoo projeto do CD, já que ele toca em seis faixas - Egbertofez questão de preservar o trabalho do Breno, queparticipa das outras cinco - e assina três arranjos.Um pouco antes da saída do Paulo tivemos também asaída do Eduardo, e aqui não podemos deixar delamentar - como membros da comunidade musical - ofato de que não foi apenas uma saída do Quaternaglia,mas um abandono da música como atividade profissionalpara se dedicar totalmente à informática. Por outro lado,sabemos que ele está sendo extremamente bemsucedido em sua nova profissão, cujo interesse foi sendodespertado gradativamente, já que não podemos deixarde ressaltar que foi ele quem elaborou a nossa elogiadahome page. Assim chegamos à nossa atual formação,onde eu e Fabio Ramazzina estamos atuando ao ladodos talentosos violonistas Fernando de Lima e João Luiz.

- Como foi o ingresso do Fernando Lima e do JoãoLuiz?S.M. - Bem, para não haver descontinuidade - etambém porque nossa agenda, felizmente, quase nãopara - fizemos as mudanças em etapas: o Fernandoassumiu em março, e o João em julho. Creio quepodemos dizer que o Quaternaglia é parte de umprocesso muito rico, processo eminentemente paulista,com uma cara de música paulista, processo que envolveo excepcional desenvolvimento do violão em São Paulona última década, mas que não se restringe ao violão(veja um grupo como Sujeito a Guincho, por exemplo).Claro, faz parte desse “jeito paulista” conversar compessoas de todos os lugares, misturar influências, re-elaborar conceitos e ajudar a tentar pensar o Brasil deuma maneira mais abrangente. O Fernando e o Joãosurgem desse processo, e estão entre os mais talentososviolonistas brasileiros dessa novíssima geração. Os doispassaram pelo Bacharelado em Música da FAAM -onde eu sou professor, juntamente com Henrique Pinto- e eu e o Fabio temos acompanhado o crescimentodeles já há algum tempo. Mas o mais importante paraesse nosso trabalho é que temos um pensamentomusical muito semelhante, um conceito de sonoridadehomogêneo, violões parecidos - voltamos a tocar comquatro Abreu - e muitas afinidades pessoais. Não possodeixar de mencionar também o apoio recebido deHenrique Pinto, que nesse momento de transição, foium amigo que - com muita lealdade - colocou toda suaenorme experiência a favor desse processo de re-estruturação do Quaternaglia.

- Como está sendo esse ano para o Quaternaglia equal a programação de recitais do quarteto paraos próximos meses. Há planos de novo CD, novascomposições?O ano começou com oito concertos e três masterclasses nos Estados Unidos; depois veio o TeatroMunicipal do Rio de Janeiro, onde fizemos o ConciertoAndaluz de Joaquín Rodrigo como solistas convidadosda Orquestra Sinfônica Brasileira regida pelo mexicanoEnrique Barrios; daí Curitiba, Belém, Rio de Janeiro denovo, Curitiba de novo, São Paulo... Agoraorganizaremos e participaremos da I Mostra de Violãoda FAAM (onde estarão se apresentando tambémVictor Castellano, Violão Câmara Trio, a violonistauruguaia Cecília Siqueira, o Duo João Luiz-DouglasLora e outros) e já temos nova turnê agendada para os

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Estados Unidos em janeiro/fevereiro de 2003. Háplanos para novas composições sim, e também paraum novo CD...

- Como você vê o meio musical agora para a músi-ca de câmara com violão?S.M. - O momento é privilegiado. No programa dealgumas universidades americanas - e com a reformacurricular talvez possamos em breve introduzir essasconquistas também aqui na FAAM e na Fundação dasArtes de São Caetano do Sul, onde Fabio é professor -já há a especificação da disciplina guitar ensemble, istoé, o exercício de tocar em duos, trios e quartetos deviolão como disciplina acadêmica. Em nossas masterclasses nos Estados Unidos, temos encontradoexcelentes grupos, e parte desse repertório brasileirojá está se estabelecendo internacionalmente (as peçasde Paulo Bellinati para quarteto, por exemplo, já têmmais de quinze versões, passando - além doQuaternaglia - por grupos como Los Angeles GuitarQuartet e quartetos de várias partes da Europa). Claroque não estamos desprezando possibilidadescamerísticas fascinantes como violão e flauta, violão ecanto, violão e violino, violão e violoncelo, e até violãoe piano - acabamos de premiar um duo de violão epiano no Concurso de Música de Câmara BiancaBianchi, em Curitiba. O que é importante, para nossoconceito de música de câmara, é notar que, cada vezmais, estão aparecendo grupos estáveis, e não duos outrios eventuais ou de ocasião. Só com muita dedicação,persistência, unidade de pensamento e amizade se fazum trabalho camerístico profundo.

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QuaternagliaFernando Lima / João Luiz / Fábio Ramazzina /Sidney Molina

* Entrevista publicada na versãoon line do Violão Intercâmbio,edição no. 07 - Nov/2004 com otítulo “Sidney Molina fala sobreo novo CD “Presença”Por Ricardo Marui

O Quaternaglia chega aos 12 anos de atuaçãolançando seu novo CD “Presença”. O primeirotrabalho com a participação de Fernando Lima eJoão Luiz mostra um grupo renovado comperformances brilhantes que vem encantando tantoos antigos admiradores que acompanham acarreira do quarteto desde o seu princípio quantoà novíssima geração que passa a conhecer otrabalho de um dos mais renomados gruposcamerísticos do Brasil.Na entrevista abaixo, Sidney Molina fala sobre onovo CD, as atividades atuais do quarteto e quaisos próximos projetos para o futuro

(Ricardo Marui). - Presença é o quarto CD doQuaternaglia, e o primeiro com a formação atual(Fernando Lima, João Luiz, Fábio Ramazzina eSidney Molina). Fale um pouco mais sobre esselançamento, o planejamento desse projeto e os con-tatos com o selo Paulus.(Sidney Molina). Desde o lançamento na Europa doCD Forrobodó (Carmo / ECM, 2000), produzido porEgberto Gismonti, começamos a sentir falta de umálbum que refletisse a nossa pesquisa com o repertóriocontemporâneo brasileiro e que estivesse maisdisponível no Brasil. Só para lembrar: embora o CDForrobodó tenha um preço acessível para os padrõeseuropeus - já por si mais caros do que os americanos -ele acaba custando - como podemos ver em lojas comoFnac e Clássicos - quase R$80,00. É demais para ocontexto brasileiro! Só é viável para grandes lojas, eolhe lá... Por outro lado, a pesquisa de repertóriobrasileiro continuou a se desenvolver e chegou a um

ponto de coerência que justificasse um projeto de disco.Também o intenso trabalho musical que fizemos nosúltimos dois anos, desde a entrada do Fernando Lima edo João Luiz, amadureceu e adquiriu personalidade;pensamos, então, em mostrar essa nova “cara” e essenovo som em um disco. Trata-se de um projeto derepertório muito elaborado - talvez isso não fique claroem um primeiro momento -, um trabalho que atravessao período que vai de 1997 (data da peça mais antigagravado por nós no álbum) a 2004 (data das duasúltimas composições, encomendadas especialmentepara fechar de maneira equilibrada o projeto), e quepassa pelo CD Forrobodó e pela mudança na formaçãodo grupo. Havia o interesse de outros selos, mas aPaulus Music recebeu com muito carinho o projeto,dando-nos plena assistência em todas as questões:qualidade gráfica (com a participação de nossofotógrafo desde o primeiro disco, Gal Oppido),autonomia total de repertório, consultor musical (quefoi o Prof. Henrique Pinto), acessoria jurídica na questãoda liberação das obras pelas editoras e pelos autores(questão importante!), atendimento aos compositoresque escreveram especialmente para nós, apoio para oslançamentos, etc. Entretanto, podemos dizer que tudoisso não adiantaria nada se não tivéssemos a garantiade gravar com a qualidade que almejávamos, e pesoudecididamente o fato de o CD ter sido gravado peloJosé Luiz Costa (o Gato).

- Embora a ampliação do repertório para quartetode violões sempre tenha sido uma preocupação doQuaternaglia, chama a atenção, nesse álbum, aquantidade de peças dedicadas ao quarteto. Hou-ve uma preocupação especial nesse sentido no pro-cesso de escolha do repertório a ser gravado?Sim. Em primeiro lugar precisamos ressaltar que háuma geração excelente de jovens compositores em SãoPaulo, quase todos ligados direta ou indiretamente aoscursos de música do Uni Fiam / FAAM e também, decerto modo, à USP e à Fundação das Artes de São

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Caetano do Sul. A FAAM talvez seja um dos maisantigos cursos de Bacharelado em Violão do Brasil, jáque o curso de violão de lá foi fundado por HenriquePinto ainda nos anos 70. Além de “dividir” comHenrique as turmas de violão erudito da casa - o que épor si uma grande honra -, respondo também pordisciplinas formativas, como o curso de Estética Musical,que cultivo e procuro aprimorar pacientemente já hámais de uma década. Pela FAAM passaram João Luize Fernando Lima, além de muitos outros violonistasimportantes e jovens promissores. Lá atuam professoresque foram fundamentais para a minha formação e paraa de Fabio Ramazzina. Um nome parece ser, para nós,o cerne desse processo: Ricardo Rizek, que temformado gerações de compositores artesãos. Ricardoé alguém que ensina a escrever e a pensar, e que ajudao estudante a encontrar a sua própria voz,independentemente de estilos ou modas.Diferentemente dos cursos em que o professor decomposição ensina somente a escrever a música queele mesmo faz, o curso da FAAM integra composiçãocom harmonia, contraponto, análise e estética. E o elocom a Fundação das Artes também é direto: não é àtoa que Fabio Ramazzina atua nessa instituição não sócomo professor de Violão, mas também nas cadeirasde Harmonia e Contraponto.

- Qual é - entre as peças dedicadas a vocês - a“mais antiga”? Como esse repertório foi se forman-do?Tanto a peça mais antiga quanto a mais recente do CD- entre as escritas especialmente para o Quaternaglia -são obras de Rodrigo Vitta, premiado compositor eregente cuja formação foi totalmente feita na FAAM(aonde, aliás, hoje ele também leciona). Rodrigo não éviolonista, e sua Sonata, escrita em 1997, foi mais tardetransformada no primeiro movimento da premiadaSinfonia n. 1 (raro exemplo de um movimento de sinfoniaque é uma “transcrição” de uma peça original paraquatro violões!). Paisagem Urbana n. 4 foi a peçaencomendada para fechar um bloco no disco, blocoesse que tem uma sonoridade mais próxima a daSegunda Escola de Viena, e que também refletediretamente o trabalho de esculturas de gelo da artistaplástica Néle Azevedo.

- E Douglas Lora, Paulo Tiné e Sérgio Molina?Douglas Lora é a grande surpresa do CD: tambémformado na FAAM (com Rizek e Henrique Pinto) é o

mais jovem nome desse trabalho: sua Maracasalsa,(2003-4) em dois movimentos (“Toccata” e “Fuga”)vira do avesso o gênero, atualizando o Brasil-Barrocode Villa-Lobos por meio do violonismo de Castelnuovo-Tedesco e de um sentido métrico de extremovirtuosismo. Teremos grande prazer em estrear essaobra nos Estados Unidos em 2005. Dois outros nomesfazem a ponte FAAM-USP: por um lado, Sérgio Molina(que foi aluno de Willy Corrêa) com sua Sweet Mineirasobre temas de Milton Nascimento, obra em trêsmovimentos escrita em 1998 a partir de direta sugestãode Leo Brouwer, e que faz pensar seriamente - e commuita responsabilidade e criatividade - sobre asfronteiras entre popular e erudito. O “Milton de SérgioMolina” é muito mais do que pop ou folclore, é umdado cultural brasileiro submetido a irônicas citaçõesde Beethoven, a uma sonata “quase clássica”, avariações harmônicas, a silêncios significativos e aperguntas musicais de extrema eloqüência. Sérgio, aliás,acaba de escrever um concertino para o Quaternagliae orquestra de cordas (O percurso das AlmasCansadas), a partir de encomenda do FestivalInternacional de Violão de Round Top, nos EstadosUnidos, e essa obra será estreada junto com a versãoorquestral de Forrobodó que está sendo escrita porEgberto Gismonti para a mesma ocasião (12 defevereiro de 2005). Nesse concerto muito importante,dividiremos o palco com Eliot Fisk (que estreará obrade Leonardo Balada) e Denis Azabagic. Por outro lado,temos a delicadeza consistente de PauloTiné, queestudou com Ricardo Rizek e Edelton Gloeden. NoiteEscura e Presença já começam a despertar o interessede quartetos europeus, e parecem seguir os caminhosde Forrobodó (Gismonti), de A Furiosa e de Baião deGude (Paulo Bellinati), gravadas por alguns dosprincipais quartetos de violões da atualidade, incluindonossos amigos do Los Angeles Guitar Quartet (quegravaram as três citadas, em três discos diferentes).

- E como foi gravar os já consagrados RadamésGnattali e Tom Jobim?R. O Quarteto de Radamés, em quatro movimentos, éuma estréia importante, e é um dos frutos diretos dapassagem de Paulo Porto Alegre pelo Quaternaglia.Ele acompanhou em 1980, junto com Sérgio Assad, aescolha do Quarteto de Cordas n .1, de 1939, e suaadaptação para quatro violões, feita pelo própriocompositor. É um grande acréscimo ao repertório, eforam necessários dois anos de trabalho para a obra

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ficar pronta para soar mais do que um “mero registro”.Sua “tradução sonora” começou ainda quando o Pauloestava no grupo, e o amadurecimento foi lento, já queRadamés mudou muita coisa ao passar das cordasfriccionadas para os violões, e não foi fácil entenderesse processo composicional e resolver os problemasidiomáticos, sobretudo na questão das articulações. Masvaleu a pena, e ficamos muito felizes tanto com oresultado sonoro quanto pelo fato de ser a primeiragravação mundial da versão. Tom Jobim cai com umaluva no projeto, e assim como o Milton Nascimentovisto por Sérgio Molina, é alguém, nesse contexto, queajuda a pensar e a entender o Brasil e a músicabrasileira. Não se trata de mais uma versão demaravilhosas “canções clássicas” de Tom, mas de umtrabalho voltado ao cinema, uma adaptação magistralde João Luiz para a suíte orquestral escritaoriginalmente para o filme A Casa Assassinada (1971),de Paulo César Saraceni. Aqui também as referênciasliterárias e cinematográficas se cruzam com os sonsdos violões: Villa-Lobos, Guimarães Rosa, o escritormineiro Lúcio Cardoso - autor do romance - e Viniciusde Moraes.

- A vivência que João Luiz e Fernando Lima têmcom a música popular auxiliou na gravação desserepertório?R. Claro! Mas essa é uma questão que sempre nospreocupou: os compositores simplesmente usam - e,vale dizer, sempre usaram - técnicas originalmenteempregadas na música popular em suas obras, e exigemque os intérpretes estejam atualizados e prontos paratudo. Algumas dessas técnicas se desenvolvem somenteao longo de bastante trabalho, e o violonista de formaçãoerudita que não buscar dominar essa linguagem acabafazendo um certo “pastiche popular”, análogo ao domúsico popular que “resolve” tocar música barroca.Isso já era fato, de certo modo, para o repertóriosegoviano, e vale tanto para Villa-Lobos quanto paraTurina, tanto para Torroba e quanto para Tansman, tantopara Tedesco e quanto para Arnold. Mas as técnicasidiomáticas da música popular “antiga”, uma músicapopular “de época”, já estão relativamenteinteriorizadas em nossa formação, de modo que muitasvezes não nos damos conta delas, apesar de usá-las.Mas a música popular se desenvolveu muito na segundametade do século XX, e é incompreensível que não sepense na evolução desse processo e desses recursosdepois do advento, por exemplo, da obra de Leo

Brouwer, cujas composições mais antigas já têm 50anos! Não saber fazer “choro” ter cara de “choro”, o“baião” ter cara de “baião” e “mazurka” ou “minueto”terem cara de “minueto” ou “mazurka” é uma questãoao mesmo tempo estilística, estética e - note -,freqüentemente, técnica. Tocar Nazareth sem o seuswing próprio denota um grave equívoco deinterpretação, e o problema é que os compositores nãoestão nem aí, eles simplesmente usam essas coisas,são cada vez mais exigentes com elas. E pode ser quenós - intérpretes - é que estejamos dormindo um poucono ponto. Há, hoje, uma ampla discussão sobre aquestão da interpretação musical em sua relação coma cultura contemporânea, e essa discussão ultrapassabastante os limites claustrofóbicos da musicologiahistórica de trinta anos atrás. Colocar essa discussãosignifica repor um certo atraso da música em sua relaçãocom os estudos culturais em geral, e parece dar umfoco interessante para a discussão acadêmica e oestudo de instrumento nesses primeiros anos do séculoXXI.

- O engenheiro de som José Luiz da Costa (Gato)foi o responsável pelo áudio de três dos CD’s gra-vados pelo quarteto (Quaternaglia, Antique e o ál-bum atual, Presença). De que maneira essa “par-ceria” auxiliou no processo de gravação desse CD?Gato é um artista do som. Ele é um parceiro, que pensae mesmo “faz música” gravando. Tem uma experiênciaacumulada que já é parte da história da música eruditabrasileira, e lida com o som gravado artesanalmente,sem fórmulas prontas, arriscando sempre. Gato é um“músico”, embora não no sentido formal: pensa o somde cada sala, de cada repertório, de cada grupo, decada pessoa. Ao longo dos anos formou uma equipemuito entrosada, que passa pela Nara, Percival, Giba,Gustavo, Rodrigo - com quem convivemos bastante - ,e chega até ao restaurante vizinho ao estúdio.Gravamos em cinco manhãs, sendo que a primeira foipraticamente só para acertar o som. Dessa vezrealizamos nossa meta de gravar estando com todasas partes previamente decoradas. Henrique Pintotambém participou do processo como consultor musical,procedimento que adotamos em todos os nossos CDsaté aqui (nos dois primeiros com a marcante presençade Edelton Glioeden, e no terceiro com a participaçãodo próprio Gismonti no estúdio): com as grades empunho (cerca de 400 páginas de música), Henriqueouvia e orientava. O trabalho com Gato é, enfim, mais

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uma etapa do que acreditamos ser “música de câmara”:no estúdio viramos um quinteto, ou mesmo um sexteto...

- Acompanhando a trajetória do Quaternaglia aolongo de seus 12 anos de atuação, percebe-se que,mesmo com a troca de integrantes e sua substitui-ção por músicos com diferentes maneiras de tocare ver a música, há uma personalidade, há algo emcomum que acompanha o quarteto desde suas pri-meiras apresentações até os dias de hoje como sefosse uma “marca registrada” do Quaternaglia.Como o conjunto mantém isso ao longo de tantosanos?R. Essa é uma pergunta excelente, e realmente difícilde responder. Só podemos - daqui de dentro -, dar umaresposta provisória, sujeita a constantesaperfeiçoamentos e atualizações. Acho que - apesarde eu estar no quarteto desde o primeiro dia, e FabioRamazzina já há praticamente onze anos - há algo queestá além das pessoas, embora dependa delas o tempointeiro. Quando se diz que uma orquestra tem tradição,tem cem ou duzentos anos de idade - como aGewandhaus de Lepzig, por exemplo - tem semprealguém que diz, com certa razão: mas como, se não é amesma orquestra? Muda de integrantes, muda demaestro periodicamente, etc. Mas o fato é que - se otrabalho for constante, positivo e competente - aorquestra vai, de fato, conquistando uma evolução: desom, de compreensão, de repertório, de experiênciamusical, mas também de instrumentos, de estrutura, deensaios, de equipe. Temos de lembrar: as mudançassão graduais, a Gewandhaus ou a Filarmônica deMunique não pararam de “treinar” como a seleçãobrasileira depois da copa, aguardando a próximaconvocação um ou dois anos depois: elas seguiramtocando, e quem foi entrando foi entrando no barco -ou no “trem”, para ficarmos com uma expressão maisbrasileira - já andando. Guardadas as proporções,achamos que isso é possível de conquistar em um grupode câmara. Nesses quase treze anos o Quaternaglianão deixou de existir, de se apresentar e, sobretudo, deensaiar, em nenhum momento, e - apesar de você estarcerto quanto à diferença entre os violonistas quepassaram pelo grupo - cada um foi entrando e seadaptando a seu tempo, e o que é importante: o grupotambém se transformava quando um novo elementoera agregado. Nós nunca trabalhamos com um conceitorígido do que seja fazer música, apesar de confiarmostambém na experiência que acumulamos ao longo dos

anos. Assim, mesmo alguns tendo “mais tempo de casa”do que os outros, é como se todos estivessem usufruindodo trabalho acumulado, prontos para os próximospassos....Agora: para nós, sem amizade não há música,sobretudo em um grupo pequeno. Nós somos quatroamigos que temos uma forte relação pessoal: nossasfamílias - pais, irmãos, esposas, namoradas ou noivas efilhos - convivem, e nós - apesar de nos encontrarmos“com uma certa freqüência”, para dizer o mínimo - nostelefonamos quase que diariamente. Muitas vezes parafalar de outras coisas, não relacionadas diretamentecom o quarteto; nós sabemos que podemos contar unscom os outros.

- O Quaternaglia gravou nesse ano um DVD, con-tando a história do quarteto e com depoimentos devárias personalidades sobre o conjunto . Fale umpouco mais sobre esse trabalho.Trata-se de um projeto para ser lançado no próximoano, que surgiu a partir de um convite do Itaú Cultural.O Itaú lançará uma coleção de 10 DVDs, de diversosvetores da cultura musical brasileira. Temos a honrade representar o violão brasileiro em meio a artistasdas mais variadas procedências (sobretudo da músicapopular), e temos plena consciência da responsabilidadedo projeto. A parte musical foi gravada ao vivo, e contacom a participação de Paulo Bellinati como convidado.Será uma boa amostra de como é o Quaternaglia nopalco. Os depoimentos foram gravados por pessoaspróximas e/ou importantes para a história doQuaternaglia: Ricardo Rizek, Sérgio Molina, PauloBellinati, Henrique Pinto, Fabio Zanon, EgbertoGismonti e Sérgio Abreu (a equipe gravou imagens edepoimento em seu estúdio, no Rio de Janeiro). Alémdisso foi filmado o making off do recital e um dia deensaio do Quaternaglia, das dez horas da manhã asoito da noite. Ainda não há previsão de data para esselançamento.

- A formação quarteto de violões vive um períodode grande popularidade no Brasil, com vários con-juntos formados por jovens instrumentistas se apre-sentando regularmente (só para citar alguns, aquiem São Paulo temos o Ibirá, o Quartz, o Tau, entreoutros). Como o Quaternaglia, um dos pioneiros nopaís, vê esse quadro.Vemos com muita alegria, e incluímos nesse panoramatambém a influência do Quarteto Brasileiro. Na medidade nossas possibilidades, procuramos acompanhar os

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trabalhos. A formação original do grupo que é hoje oIbirá, por exemplo, surgiu também - não apenas - pornosso incentivo. Há, também, muitos quartetos sendoformados pelo Brasil e em outros países, inclusive emlugares afastados dos grandes centros. Apesar de nãotermos uma estrutura que nos permita uma dedicaçãoa isso, freqüentemente trocamos idéias e enviamospartituras para esses grupos. Muitos nos procuramatravés de nosso site, www.quaternaglia.com.br, quealiás procuramos manter como um retrato aberto denossa carreira: nossa agenda desde 1996 está lá, o queé ao mesmo tempo um histórico e um “mapa-caminho”de nossas atividades; há comentários sobre todos oscompositores e obras gravados pelo grupo, há uma listadas obras para quarteto que possuímos, há o textointegral dos encartes de todos os CDs, etc. Os quartetosque você citou estão realizando trabalhos do maiorinteresse, de excelente nível. Temos que ter em menteque os requisitos violonísticos e musicais para a atuaçãoem um quarteto de violões sério, hoje em dia, sãoaltamente complexos, tanto do ponto de vista violonísticocomo do camerístico. A meta tem se tornado cada vezmais alta e - de certo modo - se aproximado a um graude exigência que antigamente só era solicitado a solistase duos. Quartetos de violões começam a ser um“gênero”, com suas próprias características edificuldades. Não pode ser negado que a formação estáem um caminho ascendente de desenvolvimento, e queesse processo passa pela composição de obras e pelabusca de excelência camerística. Há, em nossosconcertos no Brasil e no exterior, a freqüente presençade músicos de outras áreas, músicos que nãofreqüentam geralmente as séries de solistas de violão.Até porque, um quarteto pode participar de séries efestivais de música de câmara ao lado de quartetos decordas, quintetos de sopros, etc., o que tem sido cadavez mais feito pelos organizadores dessas séries. OQuaternaglia tem atuado em séries assim no Brasil eno exterior, e os benefícios para o violão parecem serinegáveis. Nossa convivência com os principais gruposde câmara brasileiros é excelente. Apenas para citaralguns exemplos: o Quinteto Brassil e o Quinteto deCordas da Paraíba, amigos “de muitos festivais”, oQuarteto de Cordas de Brasília e a Orquestra Villa-Lobos, com quem já trabalhamos juntos, além dediversos duos e trios, das mais variadas formações.

- Os dois últimos trabalhos do Quaternaglia(Forrobodó e Presença) apresentaram um repertó-

rio voltado à música brasileira. Essa é uma ten-dência a ser seguida nos próximos trabalhos?Embora o Presença tenha acabado de ser lançado,já há planos para um próximo trabalho?Há vários projetos, mas nenhum deles agendado.Acreditamos que o próximo trabalho não trará apenascompositores brasileiros. Também uma gravação comorquestra está nos planos, já que temos tocado comvárias orquestras brasileiras e, como dissemos a pouco,temos agendada uma apresentação orquestral noexterior para 2005. Mas isso será decidido calmamente,talvez entre um almoço em Interlagos (lá em casa), umjantar em Santo André (na casa do Fabio), ummaravilhoso suco na Lapa (na casa do João Luiz) ouum espetinho com pastel em Santana (na casa doFernando).

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Roberto Gomes* Entrevista publicada na edição no. 26 - Nov/Dez 1997 com o título“Roberto Gomes está de volta ao Brasil”

Depois de mais de um ano morando na California,o luthier Roberto Gomes está de volta ao Brasil econta nesta entrevista um pouco de sua experiênciano exterior.

- Quando você começou com luteria de violão?Em 1979, eu estudava com o Henrique Pinto, mas jáqueria mexer com alguma coisa de luteria, fazia unsreparos, trocava rastilho e tal. E em 1981 eu me mu-dei para São João Del Rey, e lá eu comecei a fazermais reparos mesmo e em 1982 eu fiz o meu primei-ro instrumento, que foi um alaúde renascentista de 7ordens. Eu dava aula no Conservatório do Estadode São João até 1985, quando aí eu larguei de vez eme dediquei tempo integral a fazer violões.

- Como é que aconteceu esta ida para os EstadosUnidos? Você já tinha planejado antes?Em 1989 eu consegui fazer uma escola de luteria nauniversidade local lá em São João Del Rey, aí eumandei umas cartas para umas revistas internacio-nais e o Guild of America Luthiers ficou sabendo daescola, acharam interessante e me estimularam a irpra convenção em 1992. Foi ótimo porque eu fizcontatos, e em 1994 eu voltei, também a trabalho,fiquei um mês lá. Depois em 1995 eu participei denovo do Guild, fui convidado a fazer uma palestrasobre Jacarandá-da-Bahia. Aí em 1996 eu já tinhaalguns contatos em São Francisco, no norte daCalifórnia, achei que seria interessante morar lá. Eprofissionalmente foi muito bom.

- Qual a principal diferença?É o tamanho do mercado. Aqui no Brasil ainda émuito tímido. Lá há espaços enormes para violãoclássico, quase todos os grandes estados têm umasociedade de violão clássico ou mais de uma; umaou duas lojas de violão clássico exclusivamente. Éuma população muito maior que a brasileira, a rendaé pelo menos quase que 8 vezes maior que a nossa.Ensino, Cultura e Arte são muito estimulados. Pra

se ter idéia, um aluno da Universidade da California,que comprou um de meus violões, tem um tipo deempréstimo para estudante que você pode pedirUS$5,000 ou mais pra estudo em geral, e no caso deMúsica comprar seu instrumento, e você tem 15 anospra pagar esse empréstimo. Este acesso à infra-es-trutura material para estudo, para pesquisa é demais.Como tem mercado lá, você encontra violões porpreços muito bons. Eu trouxe para meu uso um “JuanOrosco” que é feito pelo Masaru Khono (que foi in-clusive mestre do Suguyama). É um violão que va-leria US$ 2,000 e eu comprei por US$700 - porqueera usado. O estudante compra vários instrumentos.

- Então você foi pra lá basicamente em busca demercado?Sim e não me decepcionei. Vendi bem lá. O meiodos luthiers já me conhecia, mas não os violonistas,só que tem uma vantagem em você ser estrangeiro,brasileiro, me definiram como “exótico”. Então, ame-ricano gosta dessas coisas.

- Quanto tempo você ficou lá?Dezenove meses. Eu cheguei em fevereiro de 96 evoltei agora em setembro. Mas a adaptação é sem-pre difícil. Clima, moradia, montar a oficina. E nes-te espaço entre montar a ofcina e desmontá-la para avolta ao Brasil eu fiz 20 violões - mais ou menos uns13 meses.E vendi todos. Fiz contatos com o pessoal da Uni-versidade e comecei assim, com alunos e algumaslojas. Pelo menos 1/3 da minha produção anual man-darei para lá; fechei alguns contratos.

- E o que te acrescentou em termos de técnica?A gente sempre aprende alguma coisa, vendo, ou-vindo, conversando. Há muitos luthiers na área deviolão corda de aço, cerca de 90%, alguns fazemclássicos também. Exclusivamente clássico é mino-ria, destacando-se o Humphrey, o Gilbert, o Ruck.Cheguei a falar com o Humphrey e ele até me auto-

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rizou a fazer o modelo Milenium. Mas não teve as-sim nenhum luthier em especial que me influenciou.Voltando agora pro Brasil, eu querofazer algumascópias do Milenium, as réplicas de Torres, e umaidéia que eu tenho é conseguir dois ajudantes, doisapreendizes, pra faciliatr um pouco o trabalho. Quemconhece a profissão sabe que é um trabalho muitoduro, e também para passar, transmitir o conheci-mento e tal.

- Como é esse Milenium?A escala perto da boca é mais levantada, facilitandotocar nas oitavas, e por causa da diferença deangulação do tampo em relação às cordas, dá maisvolume. O Stauffer em Viena já tinha feito algumacoisa assim.

- Por que que é tão difícil a aquisição das madei-ras?O mercado aqui é pequeno. Nos Estados Unidos omercado é ativo, importa-se muito e as taxas sãosempre bem menores. Fica difícil competir interna-cionalmente.

- Fale um pouco de preços.Nos Estados Unidos, variam de US$600 atéUS$30,000 ou US$ 40,000, conforme o luthier. UmHauser II está na faixa de US$ 20,000; um Hauser Ichega a US$35,000. Os luthiers contemporâneos fa-mosos, de US$6,000 a US$10,000. É um mercadorico.Mas eu acho que a gente tem de tudo pra entrarno mercado, embora o norte-americano tenha umacerta restrição ao violão brasileiro - porque não co-nhece -, mas quando começam a ver alguns luthiers,como Sergio Abreu, Virgílio de Sabará, Suguiyama,Mario Jorge do Rio de Janeiro, começam a propa-gar.

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Sérgio Abreu* Entrevista publicada na ediçãono. 20 - Nov/Dez 1996 com otítulo “Relembrando Sérgio eEduardo Abreu”por Gilson Antunes

Sérgio formou com seu irmão Eduardo, em meadosdos anos 60 até 1975 o maior duo de violões de suaépoca e até hoje a lenda sobrevive. É de se lamen-tar, principalmente para a nova geração de violo-nistas, que os três discos do duo estejam fora decatálogo, e mesmo assim eles dizem muito poucoda grandeza que eles representaram (há gravaçõesao vivo e programas de rádio que demonstram cla-ramente o quão fenomenal eles eram). Nessa en-trevista exclusiva concedida a Gilson Antunes, Sér-gio Abreu relembra fatos e curiosidades a respeitode toda a sua carreira. Sérgio nasceu em 1948 eEduardo em 1949, ambos no Rio de Janeiro. Estu-daram primeiramente com o avô, Antonio Rebello,prosseguindo com Monina Távora, uma discípulade Segóvia. Em 1967 Sérgio foi o mais jovem violo-nista até então a ganhar o mais importante concur-so de violão do mundo, o da ORTF, em Paris. Noano seguinte Eduardo pegaria segundo lugar nomesmo concurso, numa decisão até hoje polêmica.Em 1975, no auge da carreira, Eduardo decide pa-rar de tocar e o duo se desfaz. Sérgio continua coma carreira solo até 1982, quando também decideparar para se dedicar à lutheria, tornando-se en-tão o mais famoso luthier brasileiro da atualidade.

- Quando e por qual motivo você e seu irmão Eduar-do se iniciaram no violão?Por volta dos 10 anos de idade. O motivo é que emcasa todo mundo tocava violão. Meu avô AntonioRebello era professor, meu pai era violonista, entãofoi uma coisa que veio de casa.

- Quando veio o primeiro contato com sua profes-sora Monina Távora?Meu avô a conheceu quando ela deu um recital aqui

no Rio de Janeiro nos anos 50. Ela morava aqui nacidade, seu marido era um cientista brasileiro, entãoela morou por aqui uns 30 anos mais ou menos. Meuavô falava com ela eventualmente. Um ano após eue meu irmão nos iniciarmos no violão meu avô tele-fonou para ela perguntando se ela não gostaria denos ouvir. Ela foi bastante receptiva, nos recebeu láe aí nós começamos a estudar com ela. Nós tínha-mos aulas de 15 em 15 dias.

- E como eram essas aulas?Eram em geral nos finais de semana, para não inter-ferir em nossa rotina no colégio. Nós tínhamos horapara chegar, mas a aulas durava três, quatro horas, agente ficava tocando, ela nos mostrava muitas coi-sas...

- E eram aulas individuais?Sim, nós tínhamos aulas individuais, primeiro toca-va um, depois tocava outro. Aos poucos ela foi nosencorajando a fazer duo, nem com intenção de de-senvolver muito alguma coisa, mas ela achava queera uma excelente disciplina a música de câmara.Mais tarde ela tambëm nos encorajaria a fazer mú-sica com outros instrumentos.

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- E como surgiu o duo? Foi a partir dessa suges-tão?Não, meu avô encorajava muito seus alunos a fazerduos, trios, etc. Então quando começamos nós fazí-amos trio com nosso avô, ou duo, então já desde oinício fazíamos coisas juntos, mas em pequenas pro-porções. Nossa estréia oficial foi aqui no Rio de Ja-neiro no Auditório da Associação Brasileira de Im-prensa em 1963.

- E vocês deram logo um recital na Argentina...A Monina acreditava em a gente trabalhar o ano todoe fazer uma apresentação desse trabalho. Então nosfizemos uma apresentação no Rio no ano seguinte,e no terceiro ano tocamos em Buenos Aires.

- Agora, com relação ao Concurso de Paris, quaislembranças você possui dele com relação ao re-pertório, concorrentes, etc.?Eu não tenho nenhuma lembrança em especial. OConcurso foi em 1967, eu lembro que foi uma dasraras ocasiões em que eu estudei algumas obras comdata marcada para tocar, uma coisa que eu nuncagostei de fazer. No repertório tinha as Folias deEspanha do Ponce, que eu toquei de livre escolha, aTarantella do Tedesco, uma coisa do Grau, eu nãome lembro realmente, foi há 30 anos atrás...

- E o fato do Turíbio Santos ter ganho em 1965 foiuma coisa que te encorajou a fazer, ou foi umasugestão da Monina Távora?A Monina na verdade não estava muito entusiasma-da com esse concurso, mas achou que tudo bem, erauma oportunidade de sair para fora, mas meu pai foiquem achou que era uma idéia melhor. Realmente avitória do Turíbio teve uma repercussão enorme aquie o fato de eu ter me candidatado e classificado tam-bém despertou um interesse da imprensa. Certa-mente ajudou ter o Turíbio quando eu fui para lá,ele me arrumou um hotel pra ficar, ele foi assistir, ouseja, foi como se eu não estivesse sozinho.

- E com relação ao seu irmão, Eduardo, não sei sevocê pode responder, mas ele foi porque você ti-nha ido no ano anterior, ou ele mesmo quis fazer?Ele não queria ir fazer, meu pai foi quem achou queele deveria ir. Foi até um ano conturbado, tinha umabaderna em Paris, o concurso foi transferido, ía sernuma época e foi transferido prá outra...

- Sobre isso eu gostaria que você falasse a respeitode concursos em geral, sua opinião pessoal.Concurso virou um mal necessário hoje em dia. Há30 anos atrás era muito fácil você se apresentar emqualquer lugar, não tinha o tumulto e dificuldadesque temos hoje. O concurso é uma maneira das pes-soas se apresentarem, tanto aqui quanto no exterior,que de outra maneira seria impossível. Eu não gos-to muito da idéia do concurso em si, mas tem suafunção e virou uma coisa necessária. No violão nãodá pra fazer isso mas no piano eu já sei que há pes-soas cujo meio de vida é ganhar concursos. Vejabem, são pessoas muito boas que não chegam a ga-nhar primeiros prêmios, mas ganham segundo, ter-ceiro e vão fazendo todos os anos (risos). Profis-são: ocupante de concursos, ganhadores de segun-dos e terceiros prêmios. Eles vivem disso e até bas-tante bem. E são muitos concursos, o cara faz vintea trinta por ano (mais risos).

- Agora, com relação aos discos que vocês grava-ram. Como surgiu o primeiro disco, e se há al-gum motivo especial por vocês terem gravado tãopouco.O primeiro disco foi uma coisa totalmente não pla-nejada. Nós estávamos planejando fazer um discono ano posterior ao que gravamos o primeiro disco,pela CBS, com o Roberto de Regina, em 1968. Fo-mos à Inglaterra nesse ano e fizemos uma apresen-tação no Wigmore Hall e o pessoal da DECCA poralgum motivo foi assistir e nos convidou para gravarum disco. Nós contactamos a CBS do Rio que tam-bém tinha enviado um representante, e ele nos acon-selhou a aceitar sem nos causar nenhum obstáculo,desde que fosse apenas um disco. Foi uma coisameio improvisada, eu não fiquei muito satisfeito como resultado, mas foi uma experiência. Não fui euquem editou o disco e eu gostaria de ter feito isso.Eu gostaria até de eventualmente se existirem essasfitas, ir lá e refazer, mas acho que não. As fitas masternão estão comigo, estão na Inglaterra. Nós grava-mos no ano seguinte um disco em duo para a CBS edepois um disco com 2 concertos (Santórsola eTedesco), aí o relacionamento entre eu e meu irmãojá estava ficando difícil, então resolvemos parar. Egravar disco era meio uma chateação... a idéia origi-nal do terceiro disco era gravarmos o Madrigal doRodrigo e o Tedesco. Quando o Rodrigo nos en-viou o concerto já estava meio em cima da hora, nós

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tínhamos dúvidas sobre algumas coisas e resolve-mos deixar para a próxima, mas a próxima numcaaconteceu. E o Santórsola nós já tínhamos no dedo.

- Houve algum motivo em particular que terminoucom o duo, ou foi uma decisão de comum acordo?Não houve um motivo somente. Se fosse apenas ummotivo nós tentaríamos contornar, foram quinhentosmotivos para dizer assim... Meu irmão não estava afim de continuar tocando, então acabou, mas era umacoisa mais ou menos inevitável.

- Vocês tinham idéia do nível em que vocês esta-vam nos anos 60?A gente tocava, não comparava muito, a gente com-parava com a idéia que nós fazíamos. Apesar dasdificuldades eu acho que os dois últimos anos doduo foram mais ou menos tranquilos, bastante segu-ros, a parte de tocar era a única que não tinha pro-blemas.

- Uma curiosidade: vocês estudaram quanto tem-po com a Monina?Uns 8 anos seguidos e uns 2 esparsos, depois ela foipara a Argentina. Eu não a vejo há uns 15 anos, masa gente se escreve o tempo todo, fala por telefone einfelizmente ela teve uns problemas de saúde.

- Eu gostaria que você falasse um pouco a respeitode mais duas formações camerísticas que você fez,com o soprano Maria Lúcia Godoy e com o flautis-ta Norton Morozowicz.A Maria Lúcia eu conheço de passagem há muitosanos. Quando tocamos o Tedesco em Londres elacantou as Bachianas no mesmo programa. Não seicomo foi a idéia, mas nós nos encontramos na casade um amigo em comum, ele tinha um violão lá ealguma música e daí nós começamos aos poucosdesenvolver, houve algum convite para tocar, gra-var e fazer uma turnê pela Europa, mas foi uma coi-sa esporádica. Com relação ao Norton, eu me en-contrei com ele uma vez que eu toquei com a OSB,ele me disse que gostaria de tocar com violão. Agente também fez alguma coisa juntos, tocamos du-rante 2 anos no máximo, uma coisa mais ou menosrápida. Mas foi legal, eu já estava pensando emparar nessa época, e ele é um excelente músico.

- Com relação a preparação de seu disco solo, de

Sor e Paganini, parece que ficou 2 anos fazendo aedição, como foi?Foi um disco muito complicado. Meu irmão tinhaparado de tocar, nós ainda estávamos com um con-trato com a CBS e estávamos devendo há muito tem-po um disco prá eles. Eu fui experimentar os estúdi-os deles em Nova York e não gostei muito, até queeu achei uma igreja na cidade. Eu fui lá, gravei, aSonata do Paganini eu já tinha no dedo, eu tocavamuito, e o Sor é uma música que não se prestavamuito em concerto, mas eu gostava muito. Eu seique eu gravei os dois lá e depois eu descobri que aigreja tem uma bela acústica, mas possui muito ba-rulho externo e eu usei um violão de um amigo queeu tinha conhecido poucos anos antes. Com o tem-po, quanto mais eu ouvia menos eu gostava, entãoresolvi gravar alguns meses mais tarde em Londres,num salão. Então acabou ficando uma coisa meiomisturada, duas gravações diferentes, com violõesdiferentes. Para o disco sair ele demorou bastante,eu comecei a gravar em 1976, uma parte no meio doano e outra no final, e ele foi lançado em 1982 pelaAriola, com uma tiragem apenas.

- Quando você construiu seu primeiro violão e porquê?Eu estou interessado em construir violões desde queeu toquei no Hauser da Monina Távora, ele era tãosuperior a qualquer outra coisa que eu conhecia queaquilo me despertou a atenção. Pouco depois o vio-lão teve algum problema e ela pediu para eu levar oinstrumento para o Silvestre do Bandolim de Ourofazer um reparo. Eu aproveitei e fiz o desenho doviolão e coloquei a luz, tirei a medida dos leques, ouseja, o que eu podia fazer eu fiz e pedi ao Silvestrepara fazer um violão baseado nesse desenho e de-pois eu emprestei esse desenho para várias pessoas.Então, desde essa época eu me interessei por cons-trução, sempre que eu viajava eu entrava em conta-to com luthiers. Eu demorei bastante por ter umcerto receio que fosse uma coisa perigosa, tinha medode cortar um dedo ou coisa assim e eventualmenteacho que eu disse “dane-se, eu estou realmente afim” e quando meu irmão parou de tocar eu vi queera a hora de mexer com isso, eu já vinha compran-do madeira para envelhecer e dar para algum luthierconstruir, fiz uma pequena oficina em casa, parte nocorredor e parte no quarto de empregada e quebrava

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um galho. Fui começando a trabalhar e preparar umviolão nisso aí. Quando o violão ficou pronto eunão me lembro, mas eu sei que eu saí em turnê elevei ele comigo, possivelmente em 1979. Eu nun-ca cheguei a dar um recital com um instrumento queeu mesmo construí.

- Eu li na revista Violões e Mestres de 1964 que seuavô tinha construído um violão.Ele construiu alguns violões sozinho numa pequenaoficina que ele montou em casa e outros , dois outrês com o Isaías Sávio, que também mexeu comconstrução de violões. Eu não sei onde estão essesviolões, eles não possuem rótulo e será quase im-possível identificá-los.

- Com quem você aprendeu o inicial de lutheria?As bases foram com duas pessoas, ThomasHumphrey de Nova York - eu fiquei dois meses lápor conta disso - e George Lowe, da Inglaterra, queme ajudou muito em técnicas de construção em ge-ral.

- O que você buscava com seus violões, um somparecido com aquele do Hauser?Eu comecei tentando imitar o Hauser e obviamenteele não soava como o Hauser e eu tentava entendero por quê disso. Você então percebe que começa atrabalhar do início e tem que ser do início mesmo,não dá prá queimar etapa. Realmente eu fui apren-dendo aos poucos. Depois eu fui fazendo um traba-lho na Giannini, o modelo C7, foram quase 500 vio-lões e isso foi um laboratório excelente. Eu ía umaou duas vezes por mês a São Paulo supervisionaresses violões , eu fazia os tampos aqui e levava prálá. Então, o violão era formado por tampos que eufazia, eles montavam e eu terminava o instrumento,via se estava tudo Ok, ajustava a pestana e regulavao rastilho.

- Quanto tempo você ficou na Giannini?Fiquei 7 anos, fizemos 496 violões. Eu queria che-gar nos 500, mas as madeiras acabaram (risos).

- Atualmente você já construiu quantos violões seus?Eu estou no 347. A fila de espera está mais ou menosde 3 anos. Há um tipo básico de violão mas eu usomadeiras diferentes, o jacarandá da Bahia ou Jacarandáda Índia. Eu estou sempre testando alguma coisa, eu

nunca estive muito satisfeito com o resultado dos meusviolões, aos poucos, eu acho que vou tentando chegarmais próximo do que eu gostaria que fosse. Com cer-teza ainda não atingiu o que eu gostaria que fosse.

- Ainda é mais ou menos aquilo de criar um sompróximo ao do Hauser?Tentativa de tentar copiar o Hauser eu fiz poucosinstrumentos. Logo eu cheguei à conclusão de quevocê não copia um instrumento velho, você copiamas sai com um som novo, então eu tenho que jul-gar o meu trabalho em têrmos do que eu estou fa-zendo e aí eu vou realmente procurando meu cami-nho, que é mais ou menos naquela direção, mas commeu estilo pessoal. Há também uma segunda difi-culdade, se eu faria um instrumento que eu gostariade tocar ou que outras pessoas gostariam de tocar,pois meu estilo é diferente, então são várias compli-cações, e ainda não há aquela resposta de um instru-mento ideal. Mas de qualquer maneira eu ainda es-tou procurando uma coisa que me deixe mais satis-feito. Eu acho que eu já tenho um controle commeus instrumentos, eles não variam muito de nível,são mais ou menos regulares, e isso já é uma con-quista e eu estou procurando um instrumento maismusical, com volume e equilíbrio, eu quero que elefique mais maleável, com mais colorido de som eresposta. São questões de sutileza.

- Com quais violões vocês tocaram durante a car-reira?Tocamos no Hauser de 1930 e Santos Hernandez de1920 da Monina, que ela mais ou menos me deudepois. Quando começou a ficar difícil viajar comeles por causa do clima - nos EUA, por exemplo -nós passamos a tocar com dois Rubios por 2 ou 3anos. Meu irmão continuou com o Rubio, ele nãomudou mais, depois eu comprei outro Hauser de1952. Ocasionalmente eu comprei outros violões,Romanillos, Fisher, Friedrich e outros menos conhe-cidos, mas quando eu estava sozinho eu praticamentefiquei só no Hauser de 1952.

- Quais estilos de música e compositores você escu-ta para relaxar?Eu ouço de tudo com relação à música erudita, des-de renasçença até compositores tradicionais do sé-culo XX. Eu gosto de ópera e ouço pouco violão,por motivos óbvios (risos). Eu não gosto da música

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ultra-moderna ou serialista, de resto eu ouço tudoque tenha um significado especial para mim.

- Inclusive você nunca tocou nada ultra-vanguar-da.Não. Era ultra-vanguarda para o público violonísticoda época (anos 60) eu tocar uma Sonata doSantórsola, mas hoje em dia aquilo é até um negó-cio conservador. Mas coisa assim ultra-moderna não,eu continuo não gostando de coisas assim que mal-tratem o violão. Eu acho que essas coisas soammelhor em outros instrumentos, o violão tem de es-pecial a sonoridade e a maleabilidade de som. Senão usar isso no violão é mais fácil tocar um instru-mento de teclado, que se presta mais com notastocadas com rapidez, soa melhor e é mais fácil defazer.

- Quando você decidiu parar de tocar?Inicialmente minha intenção era tirar umas férias deum ano. Depois elas se prolongaram por dois, de-pois três (risos), e aí eu comecei a desconfiar quetinha terminado mesmo, não tinha a menor vontadede continuar. A parte de tocar era a mais fácil, diga-mos assim, agora a xaropada de enfrentar aeropor-tos, a parte de organização com empresários e, piorde tudo, no meio de uma turnê você está cansado,terminou de tocar e ainda tem que enfrentar uma re-cepção que você não está nem um pouco a fim, ondesó vão pessoas que você não conhece, essa parte aíeu realmente não tenho o menor prazer, é prá pesso-as que gostam disso, que acham isso a melhor parte,mas prá quem não gosta disso não dá. Durante al-guns anos dá prá aguentar, mas depois de 10 anos sevocê não gosta disso e não aprendeu a gostar aí ficadifícil.

- Isso foi o principal motivo?Foi um motivo bem forte. A gente logo descobriuque a gente ficava estudando o tempo todo, se a gentepudesse inventar um esquema de ficar estudando edar uns seis ou sete recitais por ano e conseguisseviver disso nós estaríamos tocando até hoje.

- O que seu irmão está fazendo atualmente?Ele terminou há dois anos o doutorado em eletrôni-ca pela Universidade de Santa Barbara, nos EstadosUnidos. Eu sei que ele se mudou para a Pensilvania enão me disse o que anda fazendo e eu também não

perguntei (risos). A gente de vez em quando se fala,mas só amenidades. Ele levou o violão Fischer dele,ele sempre teve muita facilidade prá tocar, mesmopassado esse tempo todo, quando ele vinha aquipegar um violão, soava em plena forma, você nãonotava a menor diferença, ele pegava o violão semter tocado meses e meses, e estava sempre em for-ma. Comigo era diferente, demorava alguns diaspara eu voltar ao normal.

- A última vez que você viu ele dedilhando foi quan-do?Antes dele ir, há 6 anos atrás. Soava como sempresoou, não tinha a menor diferença...

Gilson Antunes, 24 anos, é concertista, pesquisa-dor e professor.

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Stephen Robinson* Entrevista publicada na edição no. 34 - Mar/Abr 1999por Tiaraju Aronovich

Doutor em Música pela Florida State University enativo de Nova York, Robinson é, sem dúvida, umdos mais importantes violonistas norte-americanosda atualidade. Membro da “Mesa de Conselho” da“Guitar Foundation of America”, atua extensiva-mente como concertista e como solista convidadojunto a importantes orquestras dos EUA. Possui nalista de seus mestres nomes como Eliot Fisk, JohnWilliams, e Andrés Segovia, que o declarou “umjovem e magnífico músico, um dos mais brilhantesviolonistas de nossos tempos”. Stephen Robinsonostenta a respeitável marca de ser vencedor emcinco importantes concursos internacionais de vi-olão, como o XXII Concours International deGuitare in Paris e o VI Concurso Internacional deGuitarra in Venezuela, além de ser o organizadorde um dos mais importantes eventos de violão daatualidade, o Stetson International GuitarWorkshop. Atualmente, com diversos CD’s lança-dos (e com contrato para a gravação de mais seisdiscos pela Centaur Records ), Robinson lecionana Stetson University, e ministra master-classes emdiversas instituições nos EUA. Tive a feliz oportu-nidade de presenciar um concerto dele, certamenteuma das performances mais impressionantes quejá pude assistir, e espero, com essa entrevista, pas-sar para o leitor um pouco da vasta experiênciadesse excelente violonista.

- Fale um pouco sobre sua relação com AndrésSegovia.Em 1981, eu tive a felicidade de ser um dos 12 vio-lonistas selecionados pela Universidade daCalifórnia, em Los Angeles, para a série de master-classes com Segovia. Neste ponto da minha carrei-ra, eu ainda não havia tido a oportunidade de assis-tir a um concerto do mestre. Como o organizador doevento conhecia muito bem minha maneira de tocar,ele decidiu que eu deveria ter a primeira aula com oMaestro durante aquelas master-classes históricas.Eu me achei então numa situação ímpar: Segovia

me escutaria “ao vivo” antes que eu o tivesse escu-tado! Eu sabia que a aula seria no formato das master-classes antigas – aprender a tocar cada peça da ma-neira como o mestre o faz. Certo disso, preparei-meapropriadamente para a experiência. Estudei os ma-nuscritos de Segovia e suas gravações das peças queeu iria tocar. Isso tornou a semana de aulas extrema-mente valorosa. Devido à minha preparação, não sófui capaz de me adaptar rapidamente às requisiçõesde Segovia como também entendi em detalhes ospensamentos atrás das interpretações do Maestro. Apartir da nossa primeira aula, estabelecemos uma re-lação maravilhosa que continuou pelo resto da vidade Segovia. Eu pude estudar em muitas ocasiões como Maestro, tanto em master-classes como particu-larmente, após o evento.

- Como vencedor em muitos concursos internaci-onais, o que você diria aos jovens violonistas queestão começando a competir ?Eu sinto a preparação para um concurso como a ma-neira mais rápida de aprimorar o “tocar” de um vio-lonista. A combinação dos prazos, comparações eexames provocam a inspiração para que se estudedetalhadamente. No entanto, acho que os estudan-tes devem entender também o que o resultado deum concurso significa: o vencedor nem sempre é omelhor violonista. O vencedor de qualquer concur-so é aquele que, na opinião dos jurados, foi o me-lhor naquele dia em particular. Minha opinião é quevocê se esforce para ganhar, trabalhe o quanto pu-der, e se chegar perto da vitória, fique muito satis-feito.

- Qual sua opinião a respeito do cenárioviolonístico brasileiro ?Como nunca tive o prazer de visitar o Brasil, meuconhecimento sobre o seu cenário violonístico é li-mitado. No entanto, todos os jovens violonistas bra-sileiros que ouvi me impressionaram muito.

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- No Brasil, temos poucos eventos de grande porteligados ao violão. Você é o organizador de um enor-me evento violonístico, mundialmente famoso, oStetson International Guitar Workshop. Como épossível estruturar um curso desse nível?Realizar um festival de sucesso demanda uma tre-menda quantidade de criatividade e organização.Essas qualidades podem ou não ser achadas em umapessoa. No meu caso, isso acontece com a combi-nação da minha esposa, Patrece Robinson, e eu. Eutenho as idéias, e ela as faz acontecer.

- Como um professor universitário, a que escoladidática você é adepto ?Minhas influências são extremamente variadas. Éclaro que Segovia foi a grande influência para todosnós. Especificamente na minha maneira de tocar, eudiria que Oscar Ghiglia ensinou-me como fazer oviolão “cantar”, Eliot Fisk provocou espontaneida-de, John Williams inspirou-me para ser “refinado” eBruce Holzman deu forma à minha técnica orientan-do-me para assimilar essas influências. Minha ma-neira de ensinar reflete tudo isso aliado a algunsensinamentos de Pepe Romero e Aaron Shearer.

- Fale de suas pesquisas sobre as fantasias de óperade J. K. Mertz, e como vão os trabalhos com a“Centaur Records”.Durante um ano e meio, eu escutei muitas e muitashoras de “Ópera Bel Canto”. Toquei todas as 36 fan-tasias, e agora possuo total compreensão do enormealcance desse opus. A gravação do primeiro dos seisCD’s com essa obra está em progresso, e a recep-ção do público para essas peças em meus concertostem sido entusiástica.

- Quais os planos para o futuro ?Meus planos incluem concertos na Itália, Alemanha,Canadá e pelos EUA em 1999-2000. Projetos degravação incluem, além do Mertz, o CD “Grand So-los II” , participação especial no CD do pianista/jazzista Harold Blanchart, e um CD de Natal.

- Alguma mensagem para os violonistas brasilei-ros ?A mesma mensagem que eu passo a todos os estu-dantes com paixão por algo, eu gostaria de dividircom os violonistas brasileiros: se esforce para ser o“absolutamente” melhor no seu campo, e se você

chegar perto de realizar seus objetivos, você foi com-petente. Eu também gostaria de convidar a todos paraparticiparem do nosso Workshop.

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Turíbio Santos* Entrevista publicada nasedições no. 37 - Set/Out 1999 -e no. 38 - Nov/Dez 1999 com otítulo “Turíbio Santos - o maiorrepresentante do violãobrasileiro”por Teresinha Prada

Em julho de 1992, eu, Gilson Antunes, e dezenasde estudantes de várias partes do Brasil, estáva-mos no Festival de Juiz de Fora para ter aula comum homem representante de muitos conceitos -Turíbio Santos. A expectativa era tanta que quaseninguém conseguiu tocar direito na hora do teste:de um lado violonistas emocionados edesconcentrados, um a um tocando e atropelandoa música, esquecendo passagens óbvias; de outro,Turíbio paciente, pedindo: “Calma, respira, come-ça de novo...”. Ao final do teste, resultado: todosteriam aula com ele! Com o passar do curso, a sa-tisfação era grande, o homem era super acessível,até protetor, otimista e amistoso: estava sempre to-mando um cafezinho com os alunos e tirou foto comtodo mundo. Ao final do curso, não sei se ele perce-beu, teve gente que até chorou de emoção.

Esse mesmo homem gentil, tão cavalheiro queaté desconcerta, reencontrei no Museu Villa-Lo-bos, para uma longa e detalhada entrevista que,creio, ainda assim, não estará à altura de sua pes-soa. Com muita atenção mostrou o Museu e res-pondeu às perguntas, demonstrando claramente oquanto ama a profissão que abraçou.

Turíbio nasceu em 1943, em São Luís doMaranhão, e aos 3 anos de idade sua família mu-dou-se para o Rio de Janeiro. Após vencer o Con-curso de Paris em 1965, estabeleceu-se na Françapor um longo período até voltar ao Brasil e se fixaraqui em definitivo. Suas atividades se dividem en-tre dirigir o Museu Villa-Lobos, a pós-graduaçãoda UFRJ, as aulas, os concertos e as gravações.Leia essa entrevista especial e acompanhe o pen-

samento de Turíbio Santos, a quem agradeço maisuma vez.

- Qual violonista que você considera como o grandeimpulsionador aqui no Brasil?Acho que não existe um, mas vários e eu talvez atéomita algum, mas cito: Barrios, pelo tempo que eleviveu aqui, Sávio, Antônio Rebello, Quincas Laran-jeiras, Heitor Villa-Lobos - o principal de todos, JoãoPernambuco, Dilermando Reis. A lista époderosíssima. Estes foram transmitindo para ou-tros: Laurindo de Almeida, Luís Bonfá, BadenPowell. O Brasil tem muita sorte nisso.

- Como foi seu início de estudos? Quem te influ-enciou a estudar Música?Meu pai. Ele era seresteiro no Maranhão. Antes mes-mo de eu nascer ele já tinha disco de Segovia,Dilermando Reis. Eu via meu pai cantar e se acom-panhar ao violão um repertório que estava entre duaságuas: Heckel Tavares, Villa-Lobos, e serestas anti-gas, formais, bonitas. Eu gostava muito das músicasdo Dilermando Reis e vivia tocando. Minhas irmãstocavam violão, e comecei a ter aula com um pro-fessor delas, o Francisco Amaral. Chiquinho era umdaqueles tipos de Copacabana, passeava pela cida-de com um violão embaixo do braço. Estudei comele três meses. Depois conheci o Antônio Rebello

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quando fui ver um filme do Andrés Segovia na em-baixada americana. Este filme me marcou de umatal maneira que revi o filme 30 anos depois e foicomo se tivesse visto na véspera. Ele tocava “Vari-ações sobre um tema de Mozart” e o Allegro da“Sonatina” de Torroba. Aquilo entrou na alma. Fi-quei encantado com aquele violão clássico, com osom daquele violão, principalmente o som pra mimé o máximo até hoje. Nesse dia eu conheci Rebello,Jodacil Damasceno e Hermínio Bello de Carvalho,que faziam parte da ABV - Associação Brasileira deViolão. Tive aula com o Rebello, durante uns doisou três anos. Um professor maravilhoso, uma pes-soa fantástica. Na época conheci o Sávio também,que constantemente vinha ao Rio, já que o Rebellotinha estudado com o Sávio e eles eram amigos.Então de vez em quando o Sávio vinha, eu tocavapra ele. O Rebello sempre proporcionou uma convi-vência muito boa entre as pessoas.

- E o Oscar Cáceres?Quem me apresentou o Cáceres foi o Hermínio Belloem um concerto do Abel Fleury. Foi por volta de1958, 1959. Também fiquei fascinado pela persona-lidade do Cáceres, uma pessoa extremamente cons-trutiva, boa, generosa. Aí fui até o Uruguai pra teraula com ele. Formamos um duo e gravamos um dis-co em 1964.

- Antes você já tinha gravado os “12 Estudos”.Em 1962 gravei os “12 Estudos”. Tinha conhecidoa Arminda Villa-Lobos em 1961 e ela me convidoua gravar os estudos. Quase caí da cadeira no dia emque ela disse isso. Aí 12 meses depois, em novem-bro de 62, eu participava do I Festival Villa-Lobos efazia o primeiro disco do Museu. Daí vem meu vín-culo com a Arminda e com o Museu.

- E de estudante até se tornar profissional, como éque foi essa decisão?Em 62 eu ainda era estudante de Arquitetura, estavano primeiro ano e fui até 64. Em 64 me inscrevi noConcurso da França e fui selecionado. Fui lá, ga-nhei o Concurso em 65 e foi um trampolim interes-sante, mas só porque eu já tinha os “12 Estudos” e odisco em duo com o Cáceres. Esse Concurso meserviu e eu não servi ao Concurso, porque os con-cursos têm esse perigo: você passa, você serve aoconcurso, e o concurso não te serve pra nada. Logo

em seguida, tive uma “loteria”. Me convidaram pragravar o “Concerto de Aranjuez”. Me ligaram daMusidisc européia em dezembro de 67 dizendo quequeriam gravar o Aranjuez porque havia a canção“Aranjuez Mon Amour” que estava vendendo mi-lhões, então essa companhia disse: “Se fizermos umdisco com preço barato temos chance de vender pelomenos 50 mil discos. Queremos um jovem intérpre-te que aceite tocar esse Concerto só por mil dólarese damos a ele o outro lado do disco”. Me telefona-ram e eu nunca menti tanto na vida: me perguntaram“você toca o Concerto de Aranjuez?” - eu não toca-va mas eu disse “toco”- e “você já tocou com or-questra?” eu disse “muitas vezes” (risos), eles fala-ram: “Ah então é com você”, e eu: “Quando é quevocês vão gravar?”, olha só era dia 15 de dezembro- “Vamos gravar dia 15 de janeiro”! Voei pra casa,almocei, jantei, dormi “Concerto de Aranjuez”. Nodia da gravação tive 40 graus de febre. Fiz a grava-ção, a orquestra não era grande coisa, chamada Co-légio Músicos de Paris, mas pude gravar o outro ladodo disco com música espanhola. Não é uma grava-ção que eu me orgulhe muito essa do “Concerto deAranjuez” não, só me orgulho da minha valentia naépoca (risos). O disco em vez de vender 50 mil ven-deu 300 mil e virou um cartão de visitas. Um dia aErato quis que eu gravasse lá. Propus que se fizesseuma coleção, dirigida pelo Robert Vidal, e que oprimeiro disco fosse os “12 Estudos”. Eles aceita-ram a idéia da coleção mas que fosse música espa-nhola. Aí eu disse: “Então não me interessa, podemfazer a coleção, procurem o monsieur Vidal e tal”.Nesta época eu me entendia com o Vidal muito bem,depois me desentendi profundamente. Houve umaquestão realmente profissional que achei que ele nãojogou bem, entende? Estou dizendo isso porque nãoescondo essa história. Ele tinha mais royalties do

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que merecia ter e ele não dizia isso. Acho profunda-mente deselegante até hoje. Bom, mas aí aconteceuque a Erato aceitou que eu fizesse os “12 Estudos”.O disco saiu vendendo adoidado. Aí, Cáceres podegravar, Barbara Polasek, Konrad Ragossnig. Depoisme pediram outro disco, eu disse que queria gravaro concerto de Villa-Lobos, o “Sexteto Místico” e osPrelúdios”. De novo eles não queriam, que era mui-to caro e tal. Resultado: fizeram e vendeu pra burrotambém. Por isso digo que às vezes nem sempre ocomercial é o comercial; pressupõe-se que o disconão vai vender e ele vende muito bem e é isso que àsvezes dá uma guinada em certas atitudes profissio-nais. Bom, depois eu fiz um outro disco - “Clássicosda América Latina”. Aí rompi com Roberto Vidal ecom a companhia. E a companhia fez uma opção -ela me escolheu. A partir daí eu gravei 16 discos em16 anos como artista exclusivo da Erato e a coleçãoacabou. Na coleção gravei mais dois discos em duocom o Cáceres. A coleção hoje sai pela Warner emCD.

- Como é que era o ambiente nessa época Turibio?Lá em Paris como é que era a convivência entreos violonistas?Na realidade essa pergunta é muito abrangente por-que você não convive com os violonistas; você con-vive com amigos seus, que também são violonistas.Se você não vai tapar o sol com a peneira, existemuita competição profissional e às vezes existe ocomportamento agressivo que não se justifica, queeu acho completamente ridículo, entende? Agora,nessa época em Paris, eu tinha um grupo de amigosviolonistas muito divertido e um pouco passageiroporque eles não estavam sempre em Paris: LeoBrouwer, Oscar Cáceres, de vez em quando JulianBream, quer dizer violonistas que iam e voltavam, oBaden, amigo até hoje, mas não teve assim um gru-po de violonistas.

- E você deu aula lá, não é?Dei pouca aula. Tinha um emprego pra justificarminha estadia na França, era mais fácil de justificardo que como concertista. Fui professor no maior con-servatório municipal de Paris e dava aula uma vezpor semana, mas não era nada que levasse com mui-to afinco.

- E dos alunos brasileiros?Aqui eu tenho muito aluno. Tenho muito orgulhodeles todos que fica até chato mencionar alguns enão mencionar outros, mas não posso também taparo sol com a peneira, então: João Pedro Borges, quesempre me deu muita alegria, o Lula, o FranciscoFrias, o Nicolas, a Maria Haro, o Bartolomeu, a Gra-ça Alan, o Fábio Adour. É toda uma tropinha queestudou comigo. Já devo estar omitindo gente semquerer e já peço desculpas.

- Você acha que a gente pode falar assim em umaescola brasileira de violão? Ou uma escola latino-americana, uma escola uruguaia por causa doCarlevaro...Diria que no Brasil existe uma atividade violonísticaintensa. No Uruguai existe intensa, na Argentina, noJapão, na República Checa também, na França, naInglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá, no Mé-xico. O que acontece é que existe um problema desegregação com o violão, aí sim. Tem esse proble-ma que você falou do convívio dos violonistas, vemum pouco pela dificuldade de espaço para conviver.Se o violonista fica convivendo com o outro, vai todomundo acabar passando o tempo todo ouvindo dis-co, e falando feito comadre: “Gosto desse, não gos-to desse, gosto daquele”. O espaço bom de convi-vência é justamente em grupo, as orquestras de vio-lões, os conjuntos de violões, o quarteto de violão,o trio de violão - esse é o espaço construtivo, ondeas pessoas sentam, são amigos e tocam. A finalida-de é tocar. Esse é o espaço de convivência que àsvezes falta ao violão e que existe muito na músicade câmara em geral, mas aos poucos, espontanea-mente, os violonistas estão procurando esse espaço,esse repertório.

- Como é que foi seu encontro com Segovia?A primeira vez que vi Segovia foi no Rio de Janeironum concerto no Teatro Municipal. Uma coisa fan-tástica. Deve ter sido em 1955. Ele estava tocando“Guárdame las Vacas”, um cidadão entrou fazendobarulho, ele parou, o teatro ficou gelado, ele pegoue recomeçou do mesmo lugar que tinha parado (ri-sos). Inesquecível isso. Depois, em Santiago deCompostella também foi uma coisa fantástica por-que eu dei pra ele o disco dos “12 Estudos” e nósconversamos muito sobre Villa-Lobos e foi aí queele me contou sobre o encontro dos dois. Como eu

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já tinha ouvido aquela história do Villa-Lobos e ouvia dele, digo que o único momento de discordânciana história é na hora que um pega o violão do outro.Segovia disse: “O maestro me pediu o violão commuita veemência” e o Villa-Lobos dizia: “Tomei oviolão dele na marra” (risos). Depois, encontreiSegovia quando eu estava tocando no Concurso In-ternacional de Paris, acho que em 69 ou 70, ele es-teve na platéia e saímos pra jantar. Minha esposa naépoca era uma pernambucana, então ele começou aconversar sobre o Teatro Santa Isabel (de Recife) econtou uma história hilária: ele ia tocar lá mas derepente percebeu que o barulho da rua invadia o te-atro. Ele chamou o diretor do teatro e disse: “Olhaeu não vou tocar porque aqui tem muito barulho” eo diretor dizia: “Pois não, maestro” e ia embora. Pas-savam cinco minutos o diretor vinha e Segovia di-zia: “O senhor já avisou ao público que eu não voutocar?” e ele dizia: “Maestro, daqui a cinco minutoso senhor entra”. Quando faltava um minuto, Segoviajá esbravejando: “Mas por que o senhor não avisouao público que não vou tocar?”, e ele: “Maestro, opúblico já está lhe esperando”. Aí desarmou oSegovia, que foi, tocou e até que não houve tantobarulho. Ao término do concerto perguntaram praele: “Maestro, o senhor percebeu que o diretor donosso teatro é surdo?” (risos).

- Uma vez você comentou que havia notado umamudança nos alunos por causa do bacharelado,da Universidade.Porque isso acaba com o isolamento do violão. AUniversidade é muito boa porque ela tira o violãodo gueto. O gueto sempre foi o grande drama doviolão, o violão ficar isolado significa ficar isoladode todos os movimentos da música. O crescimentodo Flamenco foi algo maravilhoso porque os violo-nistas clássicos, essa palavra eu nem gosto, apren-deram muito com os flamencos, com os músicospopulares brasileiros. Por exemplo, o Marco Perei-ra e o Paulo Bellinati, que estudaram comigo emCampos de Jordão, há muitos anos atrás, em 1968-70, eram violonistas clássicos, aí de repente eles evo-luíram pra essa coisa mais larga da música popular esão excelentes. O Paulinho Pedrassoli; o fato de tertrabalhado na Orquestra de Cordas do RobertoGnattali, música popular, enriqueceu a linguagemdele como músico, é um excelente violonista. No

Brasil o violão tem uma outra plataforma que nãoexiste em outro lugar. Só tem uma plataforma assimna Espanha. A nossa própria música serve de plata-forma para o violão.

- Sobre repertório, você comentou que o violonis-ta tem que ter Bach, Villa-Lobos e Brouwer.Não, eu disse: Bach, Villa-Lobos e Sor. Eu acho otripé. Villa-Lobos e Brouwer, digamos, já são con-temporâneos, Brouwer mais jovem e tem umabelíssima obra, gosto muito da música dele, masVilla-Lobos é fundamental. Bach também porque éum grande gênio da música. E Sor é um privilégio oviolão ter tido um compositor deste, quase contem-porâneo de Mozart, Beethoven, no miolo da músicaclássica. A partir daí você tem todas as vertentes doviolão, a rigor, a vihuela, que teve uma fase áureaentre 1530 e 1580. No século XII todos os instru-mentos eram vihuelas, violas de arco, violas demano... Quando essa vihuela espanhola se identifi-ca, aparece também uma série de excelentes com-positores; a vihuela fica sendo a preferida na Espanhae o alaúde vai pra França, Alemanha, Inglaterra, Itá-lia e a vihuela impera nesse período 1530/1580 comtodos os seus grandes compositores e começa a semisturar com o violão, com a guitarra. Esta passapara o Brasil como a nossa viola - tem mil formatosde viola no Brasil, é um universo à parte, é outroenriquecimento maravilhoso da nossa música, quenão vem muito pra mídia mas está por aí; é igual aochoro, que não aparece muito na mídia mas está pre-sente permanentemente no país todo. Isso tudo enri-quece o violão. O violão brasileiro sofre um hiato,mas acabei de descobrir, por exemplo, obras de umviolonista português, Antonio Pereyra da Costa,publicadas em 1715 na Oxford Library, na Inglater-ra, e gravei inclusive - acabei de fazer uma coletâ-nea chamada “Brasil 500 Anos” na qual refaço essahistória: Narvaez e Milan nasceram em 1500, e apartir daí trago a história do violão até nossos dias,com um compositor maravilhoso que estou lançan-do chamado Sérgio Barboza, e obras inéditas deEdino Krieger - e justamente neste período onde háuma lacuna do violão, com o predomínio do pianono século XIX, fiz transcrições e gravei a dois vio-lões, Carlos Gomes, Nazareth, Chiquinha Gonzaga.Preenchi esse período com a obra pianística próxi-ma ao violão.

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- E por falar em autores, dedicaram-lhe peças:Gnattali, Krieger, Almeida Prado, Tacuchián,Mignone, Brouwer. Fale um pouco sobre o papeldo intérprete.Acho que a música é uma máquina do tempo. Nãose volta totalmente no tempo porque evidentementenem o público nem o violão são de época. Esse ri-gor eu não gosto porque inclusive atrapalha a vida.Mas acho boa a pesquisa, fornece subsídios ao in-térprete. Este não deveria nem ter esta conotaçãosubstantiva; ele deveria ser até um adjetivo do pró-prio compositor. Quer dizer, você é criador e intér-prete do que foi criado. Muitas vezes você encontraum compositor que não é um bom intérprete da obradele, e você pode ter um intérprete que é um ótimointérprete da obra daquele compositor. Essas coisasantigamente se misturavam muito na Música. Para-ram de se misturar a partir de Franz Liszt e Paganiniporque foi criado o status do intérprete, do virtuose.Antigamente o virtuose seria o próprio compositor,Mozart, Bach... Essa separação está acabando; estáse estimulando todo mundo a compor outra vez,porque o compositor se isolou demais da matéria dacomposição que é o dia-a-dia, a rua, são as pessoas,os instrumentos. O compositor que compõe no pla-no teórico está acabando; ele tem que saber a coisacarnal do instrumento, o prazer que você pode tirarda sonoridade dele. Se não, ele vai fazer, em geral,obras que são verdadeiros laboratórios, indiferen-tes, que as pessoas acabam não tocando ou tocandouma vez, e o público não pede nem compra, rejeita.Tenho uma longa experiência pois criei muita músi-ca e depois vi as criaturinhas que cresciam e as quenão cresciam. Não cabe agora eu fazer uma seleção,esta já foi feita pelo público, mas garanto uma coi-sa: as obras de Edino Krieger e Radamés Gnattalisão tocadas intensamente. Sem menosprezo às ou-tras, mas toda tentativa nessa coisa moderna de cri-ar uma encrenca implícita no que você está com-pondo, fracassou.

- Turíbio, e a vida de concertista?Adoro a minha vida de concertista. Esse mês toqueium programa de música espanhola num dia, dois diasdepois um programa de choros, três dias depois gra-vei a “Introdução aos Choros”, então adoro a pro-fissão: gravar, palco. A única armadilha, que estavaescrito lá no começo, em 1965, quando fui pra Eu-ropa, é que quanto mais você progride na carreira

mais isolado você fica, menos raízes, amigos e paísvocê tem. Pude constatar isso. Comecei a viajar in-tensamente de 65 a 84. Em 1978-79 foi o auge, teveano em que dei 130 concertos. Era uma loucura, nemsabia mais quem eu era. Então essa solidão - estousendo premiado ou massacrado com esse negócio?Chegou um momento em que eu não via meus fi-lhos; em 78, passei 8 meses fora de casa - eu vinha evoltava - parecia um sócio da Air France. Já moran-do no Brasil nessa época, de 74 a 84 viajava inten-samente. Mas, como você organiza a vida e a vidate organiza, em 1980 Guilherme Figueiredo era opresidente da fundação de teatros do Rio de Janeiroe me pediu que dirigisse a Sala Cecília Meirelles.Falei que viajava muito, mas ele disse que era sópor uns tempos. Enquanto eu estava dirigindo a Sala,o Ricardo Tacuchián - que é um ótimo amigo, exce-lente compositor, fez uma série de lindas obras quevão estourar por aí a qualquer momento - me convi-dou a dar aula na UFRJ porque eles queriam criar acadeira de violão. A UFRJ e a Unirio criaram umprocesso de Notório-saber e eu recebi o Notório-saber pelo Conselho Federal de Educação, assinadopelo ministro em 1981, o que permitiu abrir uma clas-se de violão na UFRJ e na Unirio, e logo depois oMestrado na Unirio. Com isso, fui reduzindo as via-gens. Mas não podia frear uma carreira que tinhasido feita durante tanto tempo. Aquilo foi feito de-vagarinho. Comecei a frear em 80, dando poucasdatas pra empresário e negociando uma saída ele-gante. Só em 88 consegui sair completamente, in-clusive já era diretor do Museu Villa-Lobos há doisanos. Em 86 assumi a direção do Museu, mas em 87houve o Centenário do Villa-Lobos. Vinham pedi-dos do mundo inteiro pra tocar e eu não podia dizernão, inclusive porque era o diretor do Museu, seriachocante: pessoas fazendo homenagens, seminári-os, e o diretor do Museu não ia? Ainda viajei umbocado de 87 pra 88. De lá pra cá só viajo quandoquero, do jeito que quero e tenho tido viagens lin-das: ano passado fiz uma turnê na Europa, à minhamaneira, toquei em lugares espetaculares, no ano pre-cedente fui ao Japão; viajo com a minha atual espo-sa, então são outras condições. No Brasil gosto muitode viajar, outro dia toquei em Campinas. A intensi-dade de concertos que tenho é boa e variada. Essemês toquei uma peça que o Francis Hime tinha es-crito pro Raphael Rabello, pra violão e orquestra,

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revisei este concerto e toquei no aniversário doFrancis Hime, no Canecão. Ontem mesmo gravei a“Introdução ao Choros” e hoje vou fazer a ediçãono estúdio. Essa é a beleza de voltar a morar noBrasil, além de tomar minha cerveja com os amigose a praia no Leblon (risos).

- Como você acha que está a profissão hoje poruma perspectiva interna?Tudo em qualquer país do mundo, mas principal-mente no nosso, depende da economia. A relaçãodireta com a economia é fundamental pro músicoporque o grande drama do Brasil é a má distribuiçãode renda. Esta faz com que o público consumidorseja restrito. Quanto maior o público consumidormelhor pro músico, pra qualquer profissional e propaís. Acho que agora é fundamental que o Brasilcomece a distribuir renda porque não se pode pairaracima das pessoas: “Ah, vou arrumar umempreguinho no Estado e ficar acima do movimentocomercial, de tudo”, entende? Tem de haver um pú-blico capaz de assimilar cultural e economicamente.O Brasil está num momento decisivo, a gente estácaminhando pra isso, mas podia caminhar umpouquinho mais rápido. Quanto mais rápido melhorpara o garoto que está começando, ele terá uma pro-fissão. Fico surpreso, por exemplo, apesar das difi-culdades, com a quantidade de alunos meus da tur-ma mais jovem, atuando no mesmo ambiente doBellinati e do Marco Pereira: o José Paulo Becker, oMarcelo Gonçalves, o Fábio Nin, todos tocando poraí, concertos-shows, felizes, fazendo belos CD’s, epor quê? Porque existe um consumo que aumenta emelhora. Ainda o gargalo é muito estreito, eu esperoque melhore. O meu desejo é esse.

VILLA-LOBOS POR TURÍBIO SANTOS

- Como foi que você conheceu Villa-Lobos?Eu tinha 13 pra 14 anos. Eu estudava com AntônioRebello. Quem estudava com Rebello também eramJodacil Damasceno e Hermínio Bello Carvalho, queera produtor da Rádio MEC. Ele tinha um programachamado “Violão de Ontem e de Hoje”, com o qualo Jodacil também colaborava. E um dia o Hermíniome telefonou pedindo que eu fosse assistir ao Villa-Lobos e não deixasse de anotar uma palavra do queele dissesse. O Hermínio ficou doente, e precisava

daquilo para o programa dele, e ele disse assim:“Olha, não menospreza nada do que ele disser, vailá e anota tudo”. E eu fiz isso.

- Você tem isso até hoje?Eu perdi essas notas. Tenho cópias dela. Mas o ori-ginal eu perdi porque eu dei pra Arminda Villa-Lo-bos e ela levou pra casa dela e nós nunca mais en-contramos isso. O Jodacil estava do meu lado, as-sistiu a tudo, e o Adhemar Nóbrega também.

- E a palestra era sobre o quê?Era surpreendente isso porque já era no final da vidado Villa-Lobos. E ele vinha ao Brasil, ele fazia es-sas palestras e tinha pouquíssima gente na platéia;“gatos pingados” mesmo. Tanto assim que nesse diaele disse: “Olha, gostaria que as pessoas ficassemna mesa aqui comigo”. Então, estavam: a irmã daArminda Villa-Lobos, a Arminda e ele, e do outrolado da mesa estavam: Adhemar Nóbrega, JodacilDamasceno e eu.

- Foi mais ou menos em que ano isso?1956.

- E como é que você definiria a personalidade doVilla-Lobos, como pessoa e como artista?É engraçadíssimo porque ele tinha cara de gênio.Você esta vendo aquela estátua ali ( aponta para obusto de Villa-Lobos no jardim do Museu)? Ele játinha a “cara” da estátua. Eu acho que contribuíapra isso o fato de ele fumar muito charuto...

- O pessoal fala que ele tinha uns olhos ferozes...Não, ele tinha uns olhos penetrantes. Ele era um caramuito espontâneo, muito brincalhão, que falava alto.Depois eu vou te dar um CD que o Museu acaboude produzir, chamado “Villa-Lobos - sua música,suas idéias”, porque nós tivemos uma bolsa da Fun-dação Vitae e recuperamos uma grande parte do acer-vo sonoro e então encontramos documentos mara-vilhosos dele, falando, contando histórias, e para queo público tivesse acesso a tudo isso nós fizemos esteCD. Então você vai ouvir o tom que ele fala, vai darpra você perceber a exata energia dele, do persona-gem. E a coisa estética era engraçada porque eu achoque o charuto queimava um pouco o cabelo dele,ficava meio amarelento e ele tinha o cabelo solto,então parecia uma testa de Beethoven, entende?

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Realmente cara de gênio. Agora, ele era genial naconversa também, uma pessoa extremamente fasci-nante, que dizia coisas engraçadíssimas.

- A Mindinha era uma pessoa muito agradável,não é?Ela era uma pessoa muito boa, queridíssima, sabe?Uma mulher que viveu uma paixão sensacional. Vempor aí um filme sobre Villa-Lobos, que é maravilho-so “Villa-Lobos - uma Vida de Paixão”, eu estoudizendo isso porque eu já vi o filme e dei uma certaassessoria para a produção e o filme mostra muitobem a relação do Villa-Lobos com as suas duas mu-lheres. A primeira foi a Lucília Guimarães que real-mente ajudou o Villa-Lobos a construir o Villa-Lo-bos, entende? Já que ela ajudava até na própria ma-nutenção da casa.

- Ela foi totalmente dedicada mesmo.Todas as duas. Quando o casamento dele acabouele conheceu a Mindinha, que foi dedicada à carrei-ra dele. Então, quer dizer, a Mindinha viveu umacoisa sensacional também porque ela viveu a glóriado marido dela, percorreu o mundo inteiro, acompa-nhando aquele sucesso fulminante do Villa-Lobos.A perda do Villa-Lobos pra ela foi uma coisa brutal.Nessa época por exemplo ela chorava muito, ela fa-lava do Villa-Lobos e já começava a chorar. E a genteaté ria, no final a gente até ria, ela mesmo ria! Masela sempre se lembrava do Villa-Lobos com umagrande paixão. E ela construiu esse Museu, foi umafase de heroísmo, uma fase em que ela realmentelutou com unhas e dentes, não só para que o Museuexistisse mas para que a obra não fosse esquecida,porque a morte de um compositor provoca sempreum vácuo, isso faz parte da história da Música, por-que o compositor vem trazendo o seu barco e aspessoas estão em volta dele, aí de repente quandoele morre fica um vazio na preservação da obra, nadivulgação da obra. E ela segurou o tranco. Ela nãodeixou que isso acontecesse. Ela possuía, perfeita-mente, a noção da genialidade do Villa-Lobos, e oscontemporâneos dele também porque quando a gentepega os jornais de época você vê que a repercussãosocial, dentro da vida cultural, era enorme. Toda horahavia notícias de Villa-Lobos, como se fosse Caeta-no ou Gil, hoje em dia. Era realmente um persona-gem fora de esquadro.

- Acho que ele é o brasileiro mais conhecido, não?Se você for discutir na base do quem é o único gê-nio brasileiro, indiscutível, admitido dentro e forado país, é Villa-Lobos.

- Fale um pouco sobre os manuscritos do Villa-Lobos.Os manuscritos do Villa-Lobos nós, durante um cer-to tempo, protegemos e evitamos a fotocópia por-que havia uma promessa da Max Eschig de editar ofac-símile. Como a Max Eschig não cumpriu, eu li-berei. Hoje em dia qualquer pessoa que venha aquipode fotocopiar os fac-símiles. Agora, eu tenho aminha opinião própria sobre eles. Eu acho que àmedida em que, por exemplo, se observam os trêsmanuscritos de uma obra só - o Estudo n.º 1- temtrês originais ali, é uma seqüência; ele fez um rascu-nho, fez a cópia, e fez a cópia pra edição. Eu achoque o ideal é sempre tocar o que está editado porqueo que está editado foi a decisão estética do próprioVilla-Lobos, a decisão final dele. Têm aparecido gra-vações, por exemplo, do Estudo 10, com pedaçosque ele retirou. Eu acho que como laboratório, comopesquisa, é válido, mas a decisão estética do Villa-Lobos foi aquela que foi editada. Você pode até cor-rigir uma notinha ali, uma acolá, até por uma ques-tão de lógica você pode chegar: “Não, isso aqui não,por uma questão de lógica, já que na reprise está deuma tal maneira, na primeira parte não poderia teresta nota”, por exemplo. Você deduz, dá pra dedu-zir e fazer uma boa revisão, entende? Mas é essa aminha opinião - as pessoas devem tocar realmente oque está editado.

- E as opiniões do Segovia?Tem uma carta no Museu ( de Segovia a Villa-Lo-bos, em 1.º de maio de 1952, em posse do MuseuVilla-Lobos) dizendo assim: “Eu não sei se você selembra que nós mudamos alguma coisa no estudo 7.Em todo caso, se a edição vai aparecer em seguida,avise-me e eu lhe enviarei uma cópia com as mu-danças que nós concordamos na ocasião de nossoencontro em Paris”. Quer dizer, o Segovia tinha re-visado o Estudo 7 e aí eu digo o que eu ouvi o Villa-Lobos dizer - “Faz como o Segovia fez no disco,assim é que eu queria”, mas não teve tempo, a edi-ção saiu na frente. Esse tipo de coisa, sim, mas estáaí, está na carta, a carta está aí. Se você quiser

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pesquisar, está tudo aí. Eu falo sobre isso aqui nesteencarte do meu CD (CD “Villa-Lobos: uma Paixãode Valsa” da coleção Brasil 500 anos - 1999) sobrea “Valsa de Concerto n.º 2”, que o Amaral Vieiraencontrou, e que foi gravada pelo Ricardo Simões.

- Como é que você fez com a “Valsa”?Não fiz nada. Só voltei, toquei até onde tem umanota dúbia que é o ré em cima de um mi porque o réele tinha feito pra terminar aí ele mudou para o mipra poder continuar. Então eu a termino no ré. Vocêvai ouvir, está tudo aqui direitinho, eu não acrescen-tei uma nota a mais nem uma nota a menos, nada,nada. Fiz exatamente o que ele compôs.

- Eu achei tão bonita a versão do estudo 10, a ver-são do manuscrito.Eu não acho não. Eu acho que é interessante comopesquisa, como curiosidade. Nos chegam gravaçõesaqui o tempo todo, inclusive teve alguém que gra-vou as duas versões, quer dizer, a pessoa gravou ada pesquisa e a oficial, agora eu sempre fico com aoficial. Toda vez que eu penso esteticamente - porque que ele fez isso... sabe? Tirando a coisaviolonística do meio.

- Então o Villa-Lobos na Max Eschig freqüentavae revisava lá? Não tinha uma revisão de lá?Não. Eles tinham um respeito enorme pela obra dohomem.

- Eu li que ele demorava anos e anos pra aparecerpor lá. E nisso eles iam soltando material.É. Há editoras que são rápidas e eficientes e outrasque são lentas. Mas às vezes tem algum imperativocomercial - editar uma música implica sempre teruma editora, quer dizer, implicava, porque agora aInternet e a Informática vão mudar, já mudaram, in-clusive, de uma maneira maravilhosa. Hoje em diaqualquer pessoa compõe, faz o que quiser, não pre-cisa de editora nenhuma, é só botar um endereço naInternet, você mesmo envia o teu peixe e recebe oteu peixe de volta. Mas no caso aí destas antigaseditoras, os prazos às vezes dependiam até de fi-nanciamento, por exemplo, a família Guinle do Riode Janeiro, investia dinheiro na Max Eschig pra queeles copiassem o material de Villa-Lobos, e copiar omaterial de uma sinfonia é um pacotão desse tama-nho, é muito dinheiro de investimento. Mesmo uma

obra pequena como os 12 estudos tem revisor. Orevisor aí, não é revisor do conteúdo da obra, é revi-sor das notas, mesmo assim têm várias revisões, aío gravador pode errar novamente, perder uma cha-pa. Isso eu sei porque eu editei lá muita coisa tam-bém e sei perfeitamente qual é o sistema, qual é oprocedimento. Então as vezes você dá uma músicae leva um ano pra sair, você não entende o porquê,mas é porque eles têm outras demandas.

- Fala um pouco do filme sobre o Villa-Lobos.O filme é do Zelito Viana - “Villa-Lobos - uma vidade paixão”. Uma das melhores biografias de Villa-Lobos, inclusive com o fundo musical o melhor pos-sível porque é só Villa-Lobos, realmente muito bemutilizado na película.

- E o Villa-Lobos era um ótimo intérprete.Dele mesmo, fabuloso. Ele era tão bom intérpreteque as obras que ele regeu até hoje ninguém regeumelhor. O “Choros n.º 1” e o “Prelúdio 1” tocadospor ele são uma beleza.

- Tem alguma coisa do Villa-Lobos tocando aovioloncelo?Assim de memória eu não lembro.

- Tem ao piano, não é?Tem piano. Tem violoncelo também, mas nada as-sim muito brilhante, assim clarinha.