perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no brasil
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Perfil dosPrincipais
AOSENVOLVIDOSno TrabalhoEscravo Ruralno Brasil
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Braslia, 2011 Brasil
Organizao Internacional do Trabalho OIT
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Copyright Organizao Internacional do Trabalho 2011Primeira edio: 2011
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e-mail: [email protected]
Impresso no Brasil
Perl dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil /Organizao Internacional do Trabalho. - Brasilia: OIT, 20111 v.
ISBN: 9789228254938;9789228254945 (web pdf)
Organizao Internacional do Trabalho; Escritrio no Brasil
trabalho forado / trabalhador rural / trabalhador migrante / zona rural/ Brasil
13.01.2 Dados de catalogao da OIT
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Fundada em 1919, a Organizao Internacional do Trabalho (OIT)tem como objetivo a busca da justia social como condio para apaz universal e permanente. Ao longo de mais de 90 anos, a OITtem elaborado, a partir de um processo de discusso tripartiteprotagonizado pelos governos, organizaes de empregadores ede trabalhadores de seus Estados-Membros, as normas interna-cionais do trabalho. Essas normas internacionais (convenes erecomendaes) se referem aos mais diferentes aspectos das con-dies e relaes de trabalho, e todas elas tm como objetivo con-tribuir promoo do trabalho decente no mundo.
Duas dessas convenes versam sobre uma das mais graves viola-es dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho:o trabalho forado. A primeira delas, adotada em 1930, e raticadapelo Brasil em 1957, a Conveno n 29 sobre o Trabalho Foradoou Obrigatrio, que dene o trabalho forado como todo trabalhoou servio exigido de uma pessoa sob a ameaa de sano e para oqual ela no tiver se oferecido espontaneamente. A segunda de-
las, adotada em 1957 e raticada pelo pas em 1965, a Convenon 105 sobre a Abolio do Trabalho Forado. A Conveno n. 105
prlogo
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estabelece que o trabalho forado no poder jamais ser utilizadoou justicado para ns de desenvolvimento econmico ou comoinstrumento de educao poltica, discriminao, disciplinamentoatravs do trabalho ou punio por participar de greve.
O trabalho forado constitui a mais clara anttese do trabalho de-cente. Em 1995, o Brasil reconheceu ocialmente uma realidadeque vinha sendo denunciada desde a dcada de 1970 do sculopassado por organismos de defesa dos direitos humanos: a exis-tncia de formas contemporneas de escravido no pas. Esse atoconstituiu um marco e um passo importantssimo no esforo paraenfrentar e erradicar esse crime. Desde ento, o pas vem desen-
volvendo uma srie de estratgias e instrumentos para combateressa prtica, que avilta a dignidade da pessoa humana.
A escravido contempornea expresso de uma situao degrande vulnerabilidade e misria que ainda afeta importantescontingentes de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil. A faltade alternativas de trabalho decente para um contingente de pes-
soas que no possui qualquer qualicao prossional e a relati-va fragilidade das redes de proteo social obrigam os trabalha-dores, em muitas situaes, tanto no campo quanto na cidade, aaceitarem condies precrias e degradantes de trabalho, na qualsua dignidade e liberdade so violentadas.
Apesar da complexidade do problema, o Brasil considerado hojeuma referncia na implementao de mecanismos de combate
escravido contempornea. A eccia dessas aes deve-se, so-bretudo, capacidade de articulao entre o governo brasileiro,a sociedade civil, o setor privado e os organismos internacionais.Contudo, ainda h um longo caminho a ser percorrido para que otrabalho escravo seja denitivamente erradicado no Brasil.
Em um pas historicamente marcado por grandes desigualdades
sociais, o reconhecimento e a compreenso das atuais formas deexplorao dos trabalhadores em situaes limites como as que
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caracterizam o trabalho em condies anlogas escravido, soos primeiros passos para o enfrentamento consistente desse cri-me. Entre 1995 e os dias atuais, mais de 40.000 trabalhadores etrabalhadoras foram resgatados dessa situao. Em muitos casos,
at esse momento, essas vtimas eram invisveis para o Estado,uma vez que no possuam nem o registro de nascimento. O es-tudo que ora apresentamos busca trazer tona o perl dos atoresenvolvidos na escravido contempornea (trabalhadores resgata-dos, aliciadores os gatos e proprietrios rurais). Est baseadoem entrevistas qualitativas realizadas a esses atores e tem comoobjetivo desenvolver a base de conhecimentos e reexo sobre o
tema e subsidiar a elaborao de polticas que possibilitem avan-ar em forma consistente e denitiva rumo verdadeira aboliodo trabalho escravo no Brasil.
O estudo foi realizado no mbito dos Projeto de Combate ao Tra-balho Escravo e.Combate ao Trco de Pessoas implementadospelo Escritrio da Organizao Internacional do Trabalho (OIT)no Brasil, que contou com o apoio dos governos da Noruega edos Estados Unidos da Amrica. A pesquisa foi realizada por umgrupo de pesquisadores e pesquisadoras que colaboram com oGrupo de Estudo e Pesquisa Trabalho Escravo Contemporneoda Universidade Federal do Rio de Janeiro (GPTEC/UFRJ): Ma-ria Antonieta da Costa Vieira (coordenao geral), Regina-ngelaLandim Bruno, Alair Molina e Adonia Antunes Prado. Tambm
colaboraram com o trabalho os/as assistentes de pesquisa Caroli-ne Bordalo, Cludia Alvarenga Prestes, Jos Evaristo Neto e MariaNasar Ferreira Pinto. A superviso tcnica foi realizada por GelbaCavalcante de Cerqueira e Ricardo Rezende Figueira, por parte doGPTEC/UFRJ e Andrea Bolzon e Luiz Machado, coordenadores doProjeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT respectivamenteentre 2007 e 2009 e de 2010 at a presente data.
la W. AbaDiretora Escritrio da OIT no Brasil
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Os pesquisadores agradecem as valiosas contribuies dos inte-
grantes dos Grupos Especiais de Fiscalizao Mveis (GEFM), que
tiveram um papel fundamental na realizao da pesquisa.
AgrAdecimentos
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sUmrio
iu 13
cau 1: Conceituando a escravido contempornea 25
1.1 Denio de trabalho forado da OIT 251.2. Artigo 149 do Cdigo Penal brasileiro 26
1.3. Denio de trabalho escravo para os
trabalhadores pesquisados 27
1.4. Denio de trabalho escravo para os gatos
pesquisados 33
1.5. Denio de trabalho escravo para os
empregadores pesquisados 35
1.6. Quadro: Saiba mais A dvida que escraviza 37
cau 2: Situao de trabalho escravo nas
fazendas pesquisadas 41
2.1. Caractersticas das fazendas onde foram
entrevistados os trabalhadores e os gatos 412.2. Aliciamento dos trabalhadores 43
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2.3. Trabalho temporrio 47
2.4. Condies de trabalho nas fazendas pesquisadas 48
2.5. Responsabilidade pelos problemas ocorridos
nas fazendas 52
cau 3: Perl dos trabalhadores 55
3.1. Caracterizao socioeconmica 56
3.2. Fluxos migratrios 62
3.3. Relaes familiares 70
3.4. Trajetria prossional 78
3.5. Formas de participao social 863.6. Formas de sociabilidade e imagem social 88
3.7. Aspiraes e projetos de vida 96
3.8. Expectativas em relao do trabalho 100
3.9. Solues para a situao dos trabalhadores 103
Sntese 104
cau 4: Perl dos gatos 107
4.1. Novas formas de arregimentao, controle
e organizao do trabalho 107
4.2. Caracterizao socioeconmica 110
4.3. Fluxos migratrios 111
4.4. Relaes familiares 112
4.5. Trajetria prossional 113
4.6. Formas de participao social 115
4.7. Formas de sociabilidade 115
4.8. Aspiraes e projetos de vida 118
Sntese 120
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cau 5: Perl dos empregadores 121
5.1. Caracterizao socioeconmica 121
5.2. Fluxos migratrios 122
5.3. Relaes familiares 124
5.4. Trajetria prossional 125
5.5. Formas de participao social 130
5.6. Caractersticas dos empreendimentos 131
5.7. Formas de gesto da mo de obra 138
5.8. Representaes dos empregadores sobre
o trabalhador rural 144
5.9. Imagem social dos empregadores 1465.10. Aspiraes e projetos de vida 148
Sntese 149
cau 6: A erradicao da escravido
contempornea no Brasil 151
6.1. Polticas de combate ao trabalho escravo 1516.2. Trabalhadores, gatos e empregadores:
diferentes vises sobre os instrumentos
de combate ao trabalho escravo 156
Consideraes nais: os atores em dilogo 165
Ficha catalogrca 171
Referncias bibliogrcas 173
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introdUo
1. paaa H a eav ca
Ba
Aps a abolio legal da escravido no Brasil em 1888, as prticas
coercitivas de controle da fora de trabalho continuaram a compora histria do campo brasileiro, sob diferentes modalidades e em
diferentes regies o colonato1 nas fazendas de caf do Sudeste
no sculo XIX e o sistema de aviamento2 na produo da borracha
na regio amaznica nas primeiras dcadas do sculo XX. Nessas
1 Quando, em meados do sculo XIX, o plantio do caf se expandia e as diculdades re-
lacionadas com o m do trco negreiro cresciam, fazendeiros, principalmente de SoPaulo, lanaram mo de uma poltica de migrao de europeus e asiticos apoiada peloEstado e puseram em prtica o modelo das chamadas colnias de parceria ou colona-to. fcil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente em uma forma deservido por dvidas. O Estado brasileiro nanciava a operao, o imigrante hipotecavao seu futuro e o de sua famlia e o fazendeiro cava com todas as vantagens (FURTADO,1982; p. 126-127; ESTERCI, 1999; p. 104).
2 Na explorao da borracha, os seringalistas adotaram a prtica de recrutar trabalhado-res, sobretudo, dos estados do Nordeste. O sistema de aviamento foi o embrio de umgrande mecanismo de endividamento e submisso dos trabalhadores aos seus patres.O migrante nordestino comeava sempre a trabalhar endividado, pois era obrigado a
reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de tra-balho e outras despesas de instalao. As grandes distncias e a precariedade de suasituao nanceira reduziam-no a um regime de servido por dvidas (FURTADO, 1982;p. 134).
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ualoBasil diferentes situaes, foram utilizados de forma recorrente meca-
nismos de endividamento articial que atavam os trabalhadores
propriedade, acompanhados por vezes por mtodos violentos.
(ESTERCI E VIEIRA, 2003).
Esta no apenas a realidade de um passado distante. A escra-
vido ainda est presente em nossos dias, mas modicada por
algumas caractersticas particulares. A partir de meados da d-
cada de 1960, grandes fazendas agropecurias foram beneciadas
por incentivos scais fornecidos pelo governo militar brasileiro e
comearam a instalar-se na Amaznia. Neste perodo, a polticagovernamental tinha como nalidade estratgica a ocupao do
territrio nacional. O slogan nacionalista adotado no perodo era:
integrar para no entregar (BRETON, 2002). A ocupao se fez
desestruturando organizaes sociais e produtivas j existentes,
expulsando as populaes tradicionais camponesas e indgenas.
A grande propriedade foi priorizada em detrimento da pequena
produo (IANNI, 1978; CASALDLIGA, 1970; REZENDE, 1986).
Esse processo propiciou um uxo migratrio para a regio. A r-
pida expanso da fronteira agrcola na Amaznia criou para os
trabalhadores rurais uma situao extremamente adversa. Esta-
beleceu-se uma lgica de explorao do trabalho baseada no arb-
trio do fazendeiro ou de seus representantes. Estima-se que, entre
1970 e 1993, houve mais de 85 mil trabalhadores escravizados no
Brasil (FIGUEIRA, 1999; p. 170).
A escravido contempornea no pas, especialmente na regio
de fronteira agrcola amaznica, revela uma situao de grande
vulnerabilidade e misria dos trabalhadores rurais. A falta de al-
ternativas para um contingente que no possui qualquer quali-cao, a no ser a prpria fora manual de trabalho e a ausncia de
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empregos regulares, tanto no campo como na cidade, obrigam os
trabalhadores a aceitarem condies precrias de trabalho.
Alguns fazendeiros utilizam os chamadosgatos, recrutadores de
mo de obra, que percorrem diversas regies procura de traba-lhadores rurais temporrios. Osgatos aliciam trabalhadores dis-
ponveis e os levam para regies remotas. Na primeira abordagem,
eles se mostram agradveis, portadores de boas oportunidades de
trabalho. Oferecem servios em fazendas, com garantia de salrio,
alojamento e comida, alm de adiantamentos para a famlia e ga-
rantia de transporte gratuito at o local de trabalho.Ao chegarem ao local do servio, os trabalhadores so surpreendi-
dos com situaes completamente diferentes das prometidas. Em
geral, neste momento, recebem a informao de que j esto de-
vendo. O adiantamento, o transporte e as despesas com alimenta-
o na viagem j foram anotados em um caderno de dvidas. Em
casos extremos, at mesmo o custo dos instrumentos de trabalho(foices, faces, moto serras, entre outros) anotado no caderno
de dvidas do gato, bem como as botas, luvas, chapus e roupas.
Finalmente, despesas com os alojamentos e com a precria ali-
mentao sero anotadas, todas elas acima do preo de mercado.
Em geral, as fazendas encontram-se distantes do comrcio mais
prximo, sendo impossvel ao trabalhador no se submeter ao sis-tema de dvidas. Caso deseje ir embora, ser impedido sob a ale-
gao de que est endividado. Aqueles que reclamam ou tentam
fugir so vtimas de surras e podem perder a vida (SAKAMOTO,
2007; p. 22). Em alguns casos, guardas armados esto presentes
nas fazendas para coagir os trabalhadores que criticam as con-
dies de trabalho. Assim, para prend-los ao trabalho, os gatoscriam mecanismos de endividamento articial e formas de con-
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ualoBasil trole e represso, geralmente envolvendo violncia fsica e con-
namento.
O reconhecimento e a compreenso das atuais formas de explo-
rao dos trabalhadores rurais so os primeiros passos para aerradicao do trabalho em condies anlogas de escravo no
Brasil. Dessa forma, o presente estudo busca conhecer a dinmica
dos principais atores envolvidos na escravido contempornea no
pas, suas caractersticas, valores e expectativas, a m de avanar
no fortalecimento e reorientao de polticas pblicas que tm
como meta o enfrentamento do trabalho anlogo ao de escravo.
2. objv a qua
O objetivo deste estudo traar o perl dos principais atores en-
volvidos com a escravido contempornea rural no Brasil (traba-
lhadores, gatos e empregadores), com a nalidade de subsidiarpolticas pblicas de combate ao trabalho anlogo ao de escravo,
que incluem aes de represso e preveno da escravido no
pas. Os resultados da pesquisa podem orientar a elaborao de
campanhas educativas e fornecer informaes importantes para
o controle do trco de trabalhadores submetidos escravido
contempornea. Alm disso, o estudo contribuir para repensar
as estratgias de reinsero dos trabalhadores resgatados em seus
locais de origem, tais como a oferta de trabalho e renda, mecanis-
mos de acesso terra e apoio agricultura familiar.
3. ma a qua
A elaborao do perl dos diferentes atores envolvidos com a es-
cravido contempornea no Brasil norteou-se por uma perspectiva
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relacional entre eles. Apesar das diferenas, trabalhadores, gatos
e empregadores fazem parte de um mesmo processo social. Esto
ao mesmo tempo separados e unidos por um lao tenso e desigual
de interdependncia que expressa relaes de poder. A perspecti-
va relacional permite revelar como certos traos, caractersticas,
prticas e concepes podem ser consideradas como parte de uma
lgica mais geral, ou podem ser vistos como traos especcos e
singulares de um determinado grupo (MERLLI, 1996:16).
O estudo no pretendeu ter representao estatstica, uma vez
que est baseado principalmente em uma metodologia qualitati-va. A pesquisa foi conduzida mediante a aplicao de entrevistas
a trabalhadores, gatos e empregadores3, com o intuito de captar
as prticas, concepes, valores e expectativas dos diferentes ato-
res, tendo como foco principal o trabalho. Alm disso, realizou-se
uma reviso bibliogrca: textos acadmicos relativos ao tema e
documentos disponibilizados pela OIT, pelas entidades parceiras
do projeto de cooperao tcnica e por fontes diversas foram con-
sultados.
4. pqua
4.1 Lcus da pesquisa de campo dos trabalhadores e gatos
Para entrevistar os trabalhadores e os gatos4, a estratgia utilizada
pela pesquisa foi o acompanhamento das operaes dos Grupos
Especiais de Fiscalizao Mveis (GEFM) nas fazendas identica-
3 Para as entrevistas dos trabalhadores e gatos foram elaborados dois formulrios comquestes abertas e fechadas, que continham um conjunto de questes comuns, a m deque se pudesse estabelecer comparao entre os grupos. Para as entrevistas com os em-
pregadores, foi elaborado um roteiro que serviu de base para a realizao de entrevistasabertas semidirigidas.4 A pesquisa realizada com os empregadores ser explicada na pgina 12 no presente
estudo.
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ualoBasil das pela prtica do trabalho em condies anlogas de escravo5.
Os Grupos Mveis, compostos por equipes de Auditores Fiscais
do Trabalho, Procuradores do Trabalho, Policiais Federais e Po-
liciais Rodovirios Federais, apuram as denncias de escravido
contempornea realizando vistorias nas fazendas.
Procurou-se realizar as entrevistas nas regies de maior incidncia
de trabalho anlogo ao de escravo no Brasil. Informaes do Mi-
nistrio do Trabalho e Emprego (MTE) de 1995 a 2008 destacam
os estados do Par e Mato Grosso como campees em resgates de
trabalhadores. Dados dos ltimos anos indicam um crescimentosignicativo de trabalhadores libertados nos estados da Bahia, To-
cantins e Maranho. Dessa forma, planejou-se realizar entrevistas
nesses estados. Apesar de no ter sido contemplado na pesquisa,
observou-se, no perodo 2008 a 2010, um aumento signicativo
de trabalhadores libertados na regio Sul do pas, principalmente
nos estados de Paran e Santa Catarina, a partir do o aumento das
aes scais do GEFM e dos Grupo Rurais das Superintendncias
Regionais de Trabalho e Emprego (SRTEs). Em 2010, os trabalha-
dores libertados na regio Sul corresponderam a cerca de 15% do
total dos trabalhadores libertados no Brasil, enquanto em 2007
haviam correspondido a menos de 4% desse total. As entrevistas
com trabalhadores e gatos ocorreram em 10 fazendas localizadas
nos estados do Par, Mato Grosso, Bahia e Gois, entre outubrode 2006 e julho de 2007. No total, foram entrevistados 121 traba-
lhadores e 7 gatos (ver tabelas 1 e 2). Convm observar que no
foram entrevistados trabalhadores resgatados no Maranho e em
Tocantins, pois os perodos das aes de scalizao no coinci-
5 A excepcionalidade da situao de scalizao e resgate certamente introduz um vis na
pesquisa. Considerou-se, porm, que ele largamente compensado pela oportunidadede entrevistar trabalhadores no momento em que esto vivenciando a situao de traba-lho escravo, tendo como referncia uma situao concreta a ser discutida e avaliada poreles. Alm disto, o acesso posterior aos trabalhadores e gatos extremamente difcil.
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taba 1: Local de resgate dos trabalhadores entrevistados
UFmsogio
mico
gio
muicpio
Faz
das
n
od
taba
lhados
PA SudesteParaense
Paragominas Abel Figueiredo 1 15
Ulianpolis 1 16
So Felix doXingu
So Felix doXingu
1 10
Parauapebas gua Azul doNorte
1 8
MT Norte Mato-Grossense
Sinop Unio do Sul 2 20
Alto Teles Pires Nova Ubirat 1 6
BA ExtremoOeste Baiano
Barreiras Barreiras 1 21
GO CentroGoiano
Anpolis Itabera 1 23
Inhumas6 1 2
ta 10 121
Fonte: Pesquisa de Campo.
taba 2: Local de resgate dos trabalhadores e gatos entrevistados7
UFtabaha ga
Fqa % Fqa %
PA 49 40,5 2 28,6
MT 26 21,5 3 42,8
BA 21 17,3 - -
GO 25 20,7 2 28,6
ta 121 100,0 7 100,0
Fonte: Pesquisa de Campo.
6 Havia um nmero maior de resgatados na fazenda de Inhumas (GO), no entanto, em
funo da disponibilidade de tempo e de acesso dos pesquisadores foram entrevistadosapenas 2 trabalhadores.7 Vale ressaltar que em Mato Grosso foi entrevistado um gato em uma fazenda onde j no
havia mais trabalhadores e em Gois 2 gatos trabalhavam em uma mesma fazenda.
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ualoBasil diram com a disponibilidade dos pesquisadores. Por isso, foram
realizadas entrevistas em Gois, que apresentou, em 2007, um
crescimento signicativo no nmero de operaes de resgate de
trabalhadores.
A realizao das entrevistas com trabalhadores e gatos enfrentou
vrias diculdades de ordem operacional. As aes dos Grupos
Mveis (GEFM) so realizadas principalmente aps denncias da
Comisso Pastoral da Terra, de entidades da sociedade civil, de
projetos de scalizao da Secretaria de Inspeo do Trabalho e
de denncias annimas, quando ento, aps anlise por membrosdos GEFM ou dos Grupos Rurais das Superintendncias Regionais,
enviada uma equipe para realizar as scalizaes. Dessa forma,
era necessrio esperar que houvesse uma operao nos estados
onde se determinou que as entrevistas fossem feitas, para ento
enviar a equipe de pesquisadores, o que dicultava a execuo do
trabalho de campo dentro do cronograma previsto. Alm disto, h
locais que, quando scalizados, o Grupo Mvel (GEFM) no en-
contra mais os trabalhadores na fazenda denunciada, como che-
gou a ocorrer durante a pesquisa, ou ento denncias que, quan-
do scalizadas, no so consideradas pelo Grupo Mvel (GEFM)
como situaes anlogas escravido, inobstante a precariedade
das condies de trabalho observadas. Convm registrar que to-
dos os trabalhadores entrevistados na pesquisa foram resgatadospelo Grupo Mvel (GEFM), ou seja, as situaes nas quais eles se
encontravam foram enquadradas, conforme o artigo 149 do Cdi-
go Penal Brasileiro8, como de trabalho anlogo ao de escravo.
Alm das entrevistas, os pesquisadores tambm acompanharam
a rotina de trabalho dos Grupos Mveis (GEFM). Esse acompa-
8 O artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro ser destacado no captulo 1.
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nhamento permitiu levantar informaes importantes sobre as
caractersticas dos diferentes atores envolvidos na escravido con-
tempornea no Brasil e as alteraes que tm ocorrido no perodo
recente. A pesquisa de campo propiciou uma rica experincia aos
pesquisadores, evidenciando as mltiplas dimenses presentes
na realidade do trabalho em condies anlogas de escravo.
4.2 Banco de dados do MTE baseado no CAGED
Para o perl dos trabalhadores, alm do material coletado emcampo, foram utilizadas informaes sobre os trabalhadores res-
gatados contidas no banco de dados do MTE baseado no Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)9 de novembro
de 2002 a maro de 2007. Neste perodo, o banco de dados dispe
de informaes a respeito de idade, sexo, naturalidade e proce-
dncia de 9762 trabalhadores resgatados 10. O banco de dados foi
utilizado como parmetro de referncia para a anlise dos dados
da pesquisa de campo. As 121 entrevistas realizadas na pesquisa
e os dados baseados no CAGED permitiram quanticar algumas
informaes para o perl. Ainda que o estudo realizado contenha
indicaes importantes sobre as caractersticas dos trabalhadores
submetidos a condies anlogas de escravos, necessrio dei-
xar claro que a pesquisa no trabalhou com uma amostra esta-tisticamente representativa, o que impede a generalizao para o
conjunto dos trabalhadores, dos achados dessa pesquisa.
9 Uma importante iniciativa governamental no combate ao trabalho escravo tem sido opagamento de Seguro Desemprego aos trabalhadores resgatados, o que asseguradopela Lei n. 10.608/2002 que regula o Programa de Seguro Desemprego no pas (COSTA,2008). O banco de dados dos trabalhadores resgatados baseado no CAGED foi fornecido
pelo Ministrio do Trabalho e Emprego.10 O banco de dados do MTE com base no CAGED apresenta informaes sobre outrasvariveis, como cor/raa. No entanto, nem todas as informaes puderam ser utilizadasem funo do preenchimento incompleto e no padronizado.
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ualoBasil 4.3 Lcus de pesquisa dos empregadores
Os empregadores no foram entrevistados no momento do resga-
te, entre outros motivos porque nem sempre estavam presentes na
fazenda durante a scalizao. Para a seleo dos empregadores,tomou-se como referncia o Cadastro de Empregadores Flagrados
na Explorao de Trabalho em Condies Anlogas a de Escravo
(Lista Suja)11. Na escolha, procurou-se contemplar os diversos
tipos de atividades econmicas, diferentes formas de gesto/ad-
ministrao do empreendimento e tamanhos da propriedade. Os
proprietrios foram contatados por telefone para agendamento deentrevistas em seus locais de residncia.
Foram muitas as diculdades enfrentadas para conseguir entre-
vistar os empregadores. A primeira foi o acesso a eles: obter os
telefones e convenc-los a dar entrevista. A grande maioria deles
no queria falar. Recusam e relutam em serem identicados, reco-
nhecidos e lembrados como infratores. De 66 proprietrios conta-tados, conseguiu-se entrevistar apenas 12. Entre os empregadores
que aceitaram dar entrevista, vrios concordaram apenas aps um
longo processo de convencimento. Esse processo permitiu susci-
tar e conquistar a conana do entrevistado condio primeira
para obteno de um material sucientemente rico e passvel de
ser interpretado segundo os objetivos e os pressupostos de uma
pesquisa (BEAUD, 1996; p. 244). Mesmo as recusas e os argumen-
tos utilizados trouxeram elementos importantes para a compre-
enso do perl dos empregadores.
11 A chamada Lista Suja refere-se a um cadastro, institudo pela Portaria n.540/2004do MTE, que rene o nome de empregadores (pessoas fsicas e jurdicas) agrados naexplorao de trabalhadores em condies anlogas escravido. A Lista Suja ser ex-
plicada com mais detalhes no captulo 6 do presente estudo. Ela est disponibilizada aopblico pelo site do MTE: .
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As fazendas dos empregadores entrevistados localizavam-se pre-
dominantemente nos estados do Par e Mato Grosso, havendo
ainda propriedades na Bahia, Tocantins e Maranho. A pesquisa
abrangeu, portanto, os estados com maior incidncia de resgate
de trabalhadores submetidos escravido contempornea (ver
tabela 3).
taba 3. la a a a qua
UF muFqa %
PA
So Flix do Xingu (2)
6 50,0UlianpolisTom-AuRio MariaMarab
MTLucas do Rio Verde
3 25,0DiamantinoSo Flix do Araguaia
BA Luiz Eduardo Magalhes 1 8,3
TO Anans 1 8,3
MA Aailndia 1 8,3
ta 12 100,0
Fonte: Pesquisa de Campo.
4.4 Estrutura do trabalho
O presente estudo est estruturado em seis captulos. O primeiro
apresenta as diferentes denies de escravido contempornea uti-
lizadas no Brasil, alm de destacar as percepes dos trabalhadores,
gatos e empregadores sobre o trabalho anlogo ao de escravo no pas.
O captulo 2 apresenta a situao de escravido contempornea
observada pelos pesquisadores que acompanharam o Grupo M-
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vel (GEFM). Neste captulo, busca-se demonstrar as caractersti-
cas da escravido (aliciamento, condies de trabalho, privao da
liberdade) observadas durante a pesquisa de campo.
O captulo 3 traz um perl dos trabalhadores submetidos escra-vido contempornea entrevistados na pesquisa. Neste captulo
so destacadas no apenas as caractersticas socioeconmicas dos
trabalhadores, mas tambm os uxos migratrios, suas relaes
familiares, a trajetria prossional, suas formas de sociabilidade e
suas aspiraes e projetos de vida.
O captulo 4 apresenta um perl dosgatos envolvidos com a es-cravido rural no Brasil. So analisadas as novas formas de arregi-
mentao, controle e organizao do trabalho anlogo ao de escra-
vo observadas na pesquisa de campo. Alm disso, so destacadas
a caracterizao socioeconmica dos empreiteiros entrevistados,
seus uxos migratrios, suas relaes familiares, suas caractersti-
cas prossionais, suas formas de sociabilidade e suas expectativase aspiraes.
No Captulo 5, apresentado um perl dos empregadores que fo-
ram agrados utilizando mo de obra em condies anlogas de
escravo em suas fazendas. Os mesmos aspectos presentes nos per-
s dos trabalhadores e gatos so destacados para os empregado-
res. Buscou-se tambm apresentar algumas caractersticas de seusempreendimentos e suas formas de gesto da fora de trabalho.
Finalmente, o captulo 6 analisa as polticas de enfrentamento
escravido no Brasil. Alm disso, so apresentadas as vises dos
trabalhadores, gatos e empregadores sobre os instrumentos de
combate escravido contempornea no pas.
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conceitUAndo A escrAVidocontemporneA
Cap.1
A seguir sero apresentados o conceito de trabalho forado da
Organizao Internacional do Trabalho (OIT) e o artigo 149 do
Cdigo Penal brasileiro. Alm disso, analisar-se-o as percepes
dos trabalhadores, gatos e empregadores sobre o trabalho escravono Brasil.
1.1 Denio de Trabalho Forado da OIT
A Conveno n. 29 (de 1930)1 da Organizao Internacional do
Trabalho (OIT) -sobre o trabalho forado ou obrigatrio -, rati-cada pelo Brasil em 1957, dene trabalho forado como todo
trabalho ou servio exigido de uma pessoa sob a ameaa de sano
e para o qual ela no tiver se oferecido espontaneamente. Alm
disso, a Conveno n. 105 (de 1957)2 - sobre a Abolio do Tra-
balho Forado - estabelece que o trabalho forado jamais pode
ser utilizado para ns de desenvolvimento econmico ou como
1 Conveno n 29 sobre o Trabalho Forado ou Obrigatrio.2 Conveno n 105 sobre a Abolio do Trabalho Forado
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ualoBasil instrumento de educao poltica, de discriminao, disciplina-
mento atravs do trabalho ou como punio por participar de gre-
ve. Ambas as convenes foram raticadas pelo Brasil, respectiva-
mente em 1957 e em 1965.
De acordo com essas convenes, o trabalho forado no pode
simplesmente ser equiparado a baixos salrios ou a ms condies
de trabalho, mas inclui tambm uma situao de cerceamento da
liberdade dos trabalhadores. Portanto, toda a forma de trabalho
forado trabalho degradante, mas a recproca nem sempre ver-
dadeira. O que diferencia um conceito do outro a questo darestrio da liberdade.
No caso brasileiro, a restrio da liberdade dos trabalhadores de-
corre dos seguintes fatores: apreenso de documentos, presena
de guardas armados com comportamentos ameaadores, isola-
mento geogrco que impede a fuga e dvidas ilegalmente impos-
tas. Por esses motivos, os trabalhadores cam impossibilitados deexercer seus direitos de ir e vir, de sair de um emprego e ir para
outro (MARTINS, 1999; p. 162).
1.2 Artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro
Artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro, reformulado em 2003 pelaLei 10.803/2003, utiliza a expresso reduo a condio anloga
de escravo para denir o crime no pas.
Artigo 149. Reduzir algum a condio anloga de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condies degradantes de trabalho, quer restrin-
gindo, por qualquer meio, sua locomoo em razo de dvida con-trada com o empregador ou preposto.
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Pena recluso, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, alm da pena
correspondente violncia.
1 Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do tra-balhador, com o m de ret-lo no local de trabalho;
II - mantm vigilncia ostensiva no local de trabalho ou se apode-
ra de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o m
de ret-lo no local de trabalho.
2 A pena aumentada de metade, se o crime cometido:
I - contra criana ou adolescente;
II - por meio de preconceito de raa, cor, etnia, religio ou origem.
A denio de trabalho anlogo ao de escravo contida no Cdigo
Penal Brasileiro, portanto, no requer a combinao desses fato-res para caracterizar o crime: a presena de apenas um dos fatores
j suciente para punir o responsvel pela prtica desse delito
(COSTA, 2010). importante notar tambm que o tipo penal
amplo, abrangendo no s situaes de falta de liberdade em sen-
tido estrito, como tambm o trabalho em jornada exaustiva e em
condies degradantes (VIANA, 2007, p. 44).
1.3 Denio de Trabalho Escravo para os trabalhadores
pesquisados
A pesquisa buscou identicar o que os trabalhadores entendem
por trabalho escravo, ou seja, quais os elementos que, para eles,caracterizam essa condio. Os seguintes aspectos foram desta-
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ualoBasil cados no seu discurso: a ausncia de remunerao ou pagamento
insuciente (citada em 38,8% dos casos); os maus tratos e a humi-
lhao dos trabalhadores e a jornada exaustiva (citados em 36,3%
dos casos); as condies precrias de trabalho (citada em 28,9%
dos casos), a privao da liberdade (24,7% dos casos) e a ausncia
de carteira assinada (4,1% dos casos) (ver grco 1).
Grfico 1. O que trabalho escravo para os trabalhadores*
0
38.80%
36.30%
36.30%
28.90%
24.70%
4.10%
0.00 5.00 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0
Ausncia de remunerao ou pagamento
insuficiente
Jornada exaustiva
Maus tratos e humilhao
Condies degradates de trabalho
Privao da liberdade
Ausncia de carteira as si nada
Fonte: Pesquisa de campo.*A resposta a esta questo podia ser mltipla. Os percentuais apresentados referem-se proporo derespondentes que mencionaram aquele aspecto na sua denio de Trabalho Escravo
Alm disso, o estudo procurou conhecer quais seriam, para esses
trabalhadores, os limites das situaes de explorao nas relaes
de trabalho considerados suportveis. Perguntou-se aos trabalha-
dores que motivos justicam o rompimento do contrato de traba-
lho. Os relatos sobre esses limites, bem como os problemas que
enfrentam com os gatos, foram utilizados para caracterizar o tra-
balho escravo sob a tica dos trabalhadores.
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1.3.1. Ausncia de remunerao, pagamento insuciente ou que-
bra de contrato
No receber remunerao ou ganhar pouco foi o elemento mais
freqente (38,8%) apontado pelos trabalhadores para caracterizaro trabalho escravo. Segundo relatos dos entrevistados, o trabalho
escravo :
A pessoa que vai trabalhar na fazenda a vida inteira trabalhando
sem ganhar quase nada.
A gente trabalhar muito e ganhar pouco.
Quando a gente trabalha sem tirar lucro e botou fora, trabalhou
e o dono do servio no quer pagar.
Na hora do acerto de conta, ele [o gato] desonesto, no paga
certo.
A quebra da palavra dada, ou seja, o no cumprimento do combi-
nado pelo gato tambm apareceu como sinnimo de escravido:
O trabalhador no tem segurana. Combinam uma coisa, prome-
tem e no cumprem.
Na cidade da gente eles falam uma coisa e depois outra. Nunca
do jeito que eles falam.
1.3.2. Maus tratos e humilhao
Segundo um dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de cam-
po, a escravido no s car preso numa fazenda. Os maus
tratos, os xingamentos e agressividade dos gatos e empregadores
tambm foram considerados atributos da escravido por 36,3%dos trabalhadores.
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ualoBasil Os maus tratos desqualicam e submetem moralmente o traba-
lhador vontade do outro e, nesse sentido, privam-no de sua au-
tonomia, mesmo quando no o prendem sicamente. A categoria
humilhao foi recorrente nos depoimentos dos trabalhadores.
Um deles considerou a humilhao como o equivalente do casti-
go na escravido colonial: de primeiro [a escravido] era quando
trabalhava apanhando. Hoje quando trabalha humilhado. Outros
relatos retrataram esse aspecto da escravido contempornea:
Acho que [o trabalho escravo] sofrimento que a pessoa passa no
servio, humilhado e agredido.
Quando as pessoas to sendo maltratadas e humilhadas pelos do-
nos de fazenda e gatos.
Receber grito direto, ser tratado que nem cachorro. Se o peo sen-
ta um instante chega gritando, maltratando, arrogante.
Tratar das pessoas como quem trata de um bicho.
Quando perguntados sobre os motivos que justicam o rompimen-
to de um contrato de trabalho, a razo mais forte apresentada pelos
trabalhadores foi o tratamento desrespeitoso por parte do gato ou
empregador, com atitudes que desqualicam e discriminam; nas
palavras de um trabalhador, quando a gente no se sente como hu-mano. Ou seja, este tipo de tratamento se congura para o traba-
lhador como injustia, como um ataque sua dignidade humana.
1.3.3. Jornada exaustiva
A jornada de trabalho exaustiva (seja ela extensa ou intensa) foi
destacada para denir a escravido por 36,3% dos trabalhadores
pesquisados. Para eles, o trabalho escravo :
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Aquele [servio] que voc pega de madrugada, pra de noite.
No d tempo de folga, nem para beber gua.
Explorar o trabalhador. O trabalhador fazer o que ele no pode, o
mximo que o corpo pede.
1.3.4. Condies de trabalho
As condies degradantes de trabalho, isto , o alojamento, a ali-
mentao, a gua e os equipamentos de proteo e segurana,
foram elementos utilizados para caracterizar o trabalho escravo
por 28,9% dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de cam-
po. Geralmente, as condies precrias de trabalho apareceram
associadas a outros fatores, como a ausncia de remunerao, a
jornada exaustiva de trabalho, os maus tratos e humilhao. Os
trabalhadores pesquisados armaram que a escravido :
Trabalhar s pra comer, no receber dinheiro, comer uma comida
ruim, tipo escravizado mesmo, como o que estamos vivendo aqui:
trabalhar muito e ganhar pouco, ser humilhado.
Quando tiver alimentao muito fraca ou estragada ou ser xinga-
do e agredido pelo gato.
Quando sofre humilhao e a alimentao no boa.
1.3.5.Privao da liberdade
A restrio da liberdade foi mencionada por 24,7% dos trabalha-
dores para denir o trabalho escravo no Brasil (ver grco 2).
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14%
12,30%
4,10%
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
Caractersticasgeogrficas do local
Violncia fsica eostensiva
Reteno por dvida
Grfico 2. Privao da liberdade como caracterstica da
escravido*
Fonte: Pesquisa de campo.*Respostas mltiplas.
Nesse aspecto, 14% dos entrevistados na pesquisa de campo se re-
feriram s caractersticas geogrcas das fazendas que impossibi-
litam a sada do local de trabalho:A empreita s acertada nas terras do homem [fazenda]. Ele [o
gato] diz: tanto. Se no aceitar, tem de ir embora. Ir embora
como?
Estar trabalhando no lugar, no poder falar, no poder sair, no
poder se comunicar com a famlia.
Querer sair e no ser liberado.
A violncia ostensiva, isto , a presena de guardas armados com
comportamentos ameaadores e a violncia fsica foram citadas
por 12,3% dos trabalhadores. Segundo os entrevistados, o trabalho
escravo ocorre quando:
Voc t trabalhando e uma pessoa t com uma arma. Voc querparar pra descansar e ele ca avexando pra trabalhar. A eu acho
que .
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A pessoa trabalha sem condies e obriga a pessoa a car na fa-
zenda. Ter vigia armado.
Ser ameaado. Se quer sair, o cara dizer que vai matar.
A reteno por dvida foi apontada por 4,1% dos entrevistadoscomo elemento que congura a escravido. Apesar do pequeno
percentual de trabalhadores que se referiram espontaneamente
dvida como um fator que dene o trabalho escravo no Brasil, de-
ve-se notar que a dvida ainda possui um papel signicativo para a
reteno dos trabalhadores nas propriedades conforme demons-
tra o quadro saiba mais nas pginas 25 e 26. a pessoa que trabalha e nunca tem um saldo bom. s devendo.
o peo [que] no consegue ir embora porque est devendo.
Eles [os gatos] mentem demais. O que pedir [de mercadoria] vai,
mas dobrado o preo. [...] Eu no gosto de trabalhar pra gato,
porque ele vai me enrolar.
O gato vende fumo, bota, tudo e a desconta. A mixaria que a gen-
te ganha e ainda descontado.
1.3.6. Ausncia de carteira assinada
Apenas 4,1% dos trabalhadores se referiram ausncia de carteira
assinada como sinnimo de escravido. No entanto, vale observarque, ao serem perguntados sobre as medidas para a erradicao
do trabalho escravo no Brasil, alguns se referiram importncia
do registro em carteira (ver pginas 121, 122 e 123).
1.4 Denio de Trabalho Escravo para os gatos pesquisados
O entendimento dos gatos sobre o trabalho escravo no se dife-
renciou do encontrado para os trabalhadores. Para os empreitei-
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ualoBasil ros, os aspectos utilizados para denir a escravido foram: a exis-
tncia de trabalho no pago, os maus tratos e a humilhao por
parte do empregador, a jornada exaustiva de trabalho e a ausncia
de carteira assinada, como se observa nos depoimentos abaixo:
Onde a pessoa trabalha e no recebe.
Trabalhando maltratado, no t recebendo, no t se alimentan-
do.
Quando diz: voc tem que fazer isto e pega s 6 da manh, traba-
lha at s 8 da noite e no pagam o que vale.
Trabalho sem registro, sem carteira assinada. Trabalho com maus
tratos, trabalhar humilhado.
Perguntados sobre quais motivos justicariam o abandono do
servio pelos trabalhadores, os gatos destacaram o pagamento
insuciente, os maus tratos, as condies precrias de trabalho,especialmente a alimentao, indicando a existncia de elemen-
tos comuns percepo dos trabalhadores em relao aos limites
da explorao do trabalho. Esses relatos tambm foram utilizados
para caracterizar o trabalho escravo sob a tica dos gatos (ver qua-
dro saiba mais nas pginas 25 e 26).
Quando ele no est ganhando nada.
Se trabalhou um tempo e no deu pr tirar o valor da diria, tem
direito de ir embora.
Quando ele maltratado. Quando no alimenta ele bem e falta
com respeito, ele deve abandonar [o servio].
No meu modo de pensar, no deveria [abandonar o trabalho]. Sse passar fome. Quem que vai trabalhar com fome?
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1.5 Denio de Trabalho Escravo para os empregadores
pesquisados
O aspecto mais citado pelos empregadores para denir a escravi-
do contempornea foi a privao da liberdade dos trabalhadores:
[Trabalho escravo ] endividamento com comida. Sem poder sair
do local de trabalho.
Quando se obriga algum a fazer um trabalho, por no ter como
sair, por receber em comida apenas.
[Escravido] no ter permisso de ir e vir.
A ausncia de pagamento, as condies precrias de trabalho e a
jornada exaustiva tambm foram critrios citados pelos empre-
gadores para denir a escravido contempornea, como demons-
tram os depoimentos abaixo:
[Trabalho escravo ] no ter salrio, no ter registro, no ter con-
dies bsicas de vida.
[Trabalho escravo ] no pagar salrio, no respeitar a jornada de
trabalho.
Convm observar, entretanto, que muitos empregadores entre-
vistados na pesquisa criticaram a ao da scalizao do MTE3,
armando que existem muitos exageros sobre o trabalho escravo
no pas.
Existe [trabalho escravo], mas no na proporo que falam. Na
prtica nunca vi essas situaes que dizem ser trabalho escravo.
importante delimitar o que se enquadra ou no como trabalho3 A opinio dos empregadores sobre a legislao trabalhista e sobre os mecanismos de
combate ao trabalho escravo no Brasil ser descrita com detalhes no captulo 6.
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ualoBasil escravo, pois hoje se cria uma situao em que o funcionrio an-
dou de nibus que est quebrado, ele j um trabalhador escravo.
Tinha que rever tudo isso antes de sujar o nome da gente. Tudo
trabalho escravo! Tem que ouvir todos os lados antes de dizer que trabalho escravo.
Alm disso, com exceo de um empregador, todos negaram a
presena de trabalhadores escravos em suas fazendas. O proprie-
trio que reconheceu sua parcela de culpa armou que: fomos
negligentes. Ele se posicionou favorvel ao combate ao trabalhoescravo e defendeu uma melhor denio das leis. E fez questo
de ressaltar que:
[O trabalho escravo] um problema srio. Acho que uma reali-
dade. Mas no um privilgio da agricultura. Voc tem trabalho
escravo, quando a sem preconceito uma criana de 9 anos no
Nordeste, deixa de ir escola e ca fazendo comida. Tambm
trabalho escravo quando uma pessoa um costureiro coreano ou
boliviano ca connado, n? E por conta da ameaa da denncia
da ilegalidade, trabalha e tal.
Entre os doze empregadores entrevistados, apenas dois negaram
veementemente a existncia da escravido contempornea no
Brasil.
No existe trabalho escravo no Brasil. tudo inveno. Na cidade
tem gente trabalhando que nem no campo, no ? Sem carteira
assinada. E porque que eu tenho que pagar?
No existe [trabalho escravo]. [...] O que se v so coisas naturais.
Deveria se acabar com a pecha de trabalho escravo. Virei uma in-
dstria de trabalho escravo [...] No existem pessoas que so ali-
ciadas pra trabalhar ali que no vai poder sair. Ele sai a hora que
quiser.
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Qua Saiba mais: A va qu avza*
A privao da liberdade por dvidas um mecanismo tradicio-
nalmente utilizado no Brasil para manter os trabalhadores ca-tivos. Endividado, o trabalhador muitas vezes recusa sua liber-
tao, pois se considera subjetivamente devedor e, portanto,
incapaz de violar o princpio moral em que apia sua relao
de trabalho (MARTINS, 1999; p. 162). Dessa forma, os pesqui-
sadores buscaram vericar se os trabalhadores entrevistados
consideram a dvida como um elemento que justica sua re-
teno na propriedade. 52% dos trabalhadores armaram queno podem sair se estiverem devendo e 18,1% condicionaram a
sada a algumas situaes. Apenas 29,9% consideraram que o
trabalhador pode sair do emprego em caso de dvidas.
a) n a a faza v v
Os trabalhadores que armaram que no podem sair do local
de trabalho se estiverem devendo (52%) utilizaram principal-mente argumentos relacionados obrigatoriedade moral de
pagar a dvida. Segundo eles:
O direito acertar a cantina.
Tem que pagar porque honestidade acima de tudo. Uma
das coisas mais feias que acho no cumprir quando deve.
Tem que trabalhar pra poder pagar. Se sair no tem comopagar.
O trabalhador que honesto tem que sair limpo de qual-
quer lugar.
es caso saiam das fazendas endividados:
Se sai devendo, depois eles tem coragem de matar at porum real.
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Porque sai sujo aqui de dentro. Quando volta para char,
no cha mais.
b) p a a faza v v
Entre os trabalhadores que armaram que podem sair do local
de trabalho se estiverem devendo (29,9%), um grupo utilizou
como argumento a ilegalidade da situao e outro justicou o
abandono do emprego armando que o trabalhador endivida-
do no consegue sair dessa situao:
No existe lei para ter cantina na fazenda.
Tem o direito de sair porque ningum pode trabalhar de
graa. At mquina no trabalha de graa porque tem que
ter o investimento nela.
Se no tem dinheiro, como vai fazer pra pagar?
Alguns entrevistados tambm sugeriram que o trabalhadordeve sair da fazenda para no aumentar ainda mais a dvida e
posteriormente deve voltar para pag-la, ou seja, eles reconhe-
cem a dvida da cantina como legtima e vem a necessidade de
quit-la.
Se est massacrado deve sair mesmo. Que depois volte e pague
a dvida.
*Essa expresso foi retirada do ttulo de um
artigo da autora Neide Esterci (1999; p. 101)
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) p a a faza v v a
ua
18,1% dos trabalhadores entrevistados consideraram que o de-ver moral de car na propriedade para pagar a dvida relati-
vizado diante de certas circunstncias, como em caso de do-
enas, de quebra do contrato de trabalho e, especialmente, de
maus tratos e da humilhao:
Se ele t devendo tem que pagar, mas se ele for humilhado
tem o direito de sair.
Dependendo, se o gato tiver querendo prender e explorar
a sim, mas se ele estiver s devendo tem que trabalhar
para pagar [a dvida] primeiro.
Se t doente, pode sair.
Se combinou de um jeito falou de outro, eu vazo!
Dessa forma, possvel concluir que a dvida um mecanismo
ecaz para prender o trabalhador fazenda, tendo em vista que
os valores morais como honra e honestidade so fortes orien-
tadores da conduta para grande parte dos trabalhadores. Alm
disso, o medo de possveis sanes tambm impede que alguns
trabalhadores deixem o local de trabalho se estiverem endivi-
dados.
O estudo procurou vericar tambm se os gatos consideram a
dvida como um elemento que justica a reteno dos traba-
lhadores nas fazendas. Alguns gatos condicionaram a sada dos
trabalhadores a situaes especcas, como em casos de maus
tratos ou fome. Outros utilizaram argumentos de ordem prag-
mtica, ou seja, eles acham melhor que o trabalhador saia paraevitar problemas.
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Primeiro de tudo, ele fez um compromisso. Mas se o patro
estiver maltratando ele tem direito para evitar confuso.
Se ele est passando fome, no t tendo assistncia, temdireito de ir embora.
Tem [direito de sair]! [...] Se ele quiser sair melhor; seno vai
criar diculdade, acaba no trabalhando.
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sitUAo de trABAlHo escrAVonAs FAZendAs pesQUisAdAs
Cap.2
Neste captulo ser apresentada a situao de trabalho escravo
encontrada pelos pesquisadores que acompanharam as aes do
Grupo Mvel (GEFM). Primeiramente, sero destacadas as carac-
tersticas das fazendas onde foram entrevistados os trabalhadorese os gatos, incluindo a localizao, o tamanho da propriedade e as
atividades produtivas. Analisar-se- tambm a maneira como os
trabalhadores foram aliciados para as fazendas. Alm disso, sero
apresentados os depoimentos dos trabalhadores sobre as condi-
es de trabalho nas fazendas pesquisadas e as opinies dos em-
pregados e dos gatos sobre os responsveis pela situao encon-
trada nas propriedades visitadas pelos pesquisadores.
2.1 Caractersticas das fazendas onde foram entrevistados os
trabalhadores e os gatos
Como j foi dito anteriormente, as entrevistas com os trabalhado-
res e gatos ocorreram em dez fazendas localizadas nos estados do
Par, Mato Grosso, Bahia e Gois (ver tabela 1 na pgina 10). Es-
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PerfldosPr
incipaisAtoresEnvolvid
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ualoBasil sas dez propriedades se diferenciam quanto ao tamanho e tipo de
gesto. Duas delas so grandes empresas: uma produz cana-de-
-acar no Par; e a outra produz caf, algodo e soja na Bahia. As
demais fazendas pertencem a proprietrios individuais, a maior
parte deles absentestas, ou seja, que no frequentam suas pro-
priedades, cando a gesto desta por conta de um administrador.
Em metade das fazendas pesquisadas, a atividade econmica era
a pecuria e nas demais a agricultura. As atividades agropecurias
estavam localizadas no Par e Mato Grosso e abrangeram 43,8%
dos trabalhadores entrevistados (ver tabela 4).As fazendas com atividades agrcolas se diferenciavam: uma de-
las, na Bahia, regio que passa por intenso crescimento na pro-
duo de gros com culturas altamente mecanizadas, produzia
caf, algodo e soja. Outra, localizada no Par, era produtora cana
de acar/lcool. Alm disso, havia ainda uma fazenda em Mato
Grosso, produtora de arroz, e duas em Gois, uma produtora detomate e outra de cana1
taba 4. n a abaha avaa
Ava ea a Faza pa tabaha %
Pecuria 5 53 43,8
Agricultura
Caf, Algodo, Soja 1 21 17,4
Cana de acar 2 18 14,8
Tomate 1 23 19,0
Arroz 1 6 5,0
ta 10 121 100,0
Fonte: Pesquisa de Campo.
1 Nesta ltima fazenda de Gois foram entrevistados apenas dois trabalhadores.
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2.2 Aliciamento dos trabalhadores
O recrutamento dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de
campo operou principalmente por meio da rede de relaes pes-
soais. A maioria dos trabalhadores soube do servio por amigos ouconhecidos (40,8%) ou pelo gato (27,5%). Os demais procuraram
escritrios que funcionavam como agncias de empregos ou diri-
giram-se diretamente a fazenda (31,7%). Os depoimentos dos ga-
tos conrmaram as informaes divulgadas pelos trabalhadores,
uma vez que, segundo eles, a arregimentao dos trabalhadores
foi realizada principalmente pela rede de contatos pessoais e porindicaes de pessoas conhecidas.
2.2.1.Local de aliciamento
Grande parte dos trabalhadores entrevistados (62,6%) soube do
trabalho na prpria residncia ou na vizinhana. Outros foraminformados em hotis e penses (12,2%) ou em locais pblicos
(8,7%), como rodovirias, estaes de trem e ruas das cidades por
onde circulavam a procura de emprego (ver tabela 5). 7,8% dos tra-
balhadores souberam do servio em escritrios de contabilidade.
taba 5. la aa (%)*
ra uVzhaa
H up
lab
e aba
ouaua
62,6 12,2 8,7 7,8 8,7
Fonte: Pesquisa de Campo.*Excludos 6 trabalhadores sem informaes.
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ualoBasil 2.2.2 Responsveis pela contratao dos trabalhadores ou
aliciador
Em mais da metade dos casos (52%), os trabalhadores foram con-
tratados pelos gatos. A pesquisa de campo revelou outras modali-dades de contratao: 24,8% dos trabalhadores foram contratados
diretamente pela unidade produtiva (gerente, fazendeiro ou em-
presa); 14,9% foram contratados por escritrios de contabilidade a
servio da empresa; e 8,3% foram contratados por outros agentes
(ver grco 3). Os servios dos escritrios de contabilidade foram
utilizados pelos fazendeiros como tentativas de terceirizao damo de obra a m de evitar problemas com a intermediao da
fora de trabalho2.
Fonte: Pesquisa de Campo.
2.2.3 Tipos de contratao dos trabalhadores e dos gatos
Em seis fazendas pesquisadas os trabalhadores no foram registra-
dos e em trs os trabalhadores possuam carteira assinada3. Duas
2 No captulo 4, sero apresentadas as novas formas de arregimentao, controle e organi-zao do trabalho encontradas na pesquisa de campo.3 No h informaes sobre o tipo de contratao dos trabalhadores para 1 das 10 fazendas
pesquisadas.
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das trs fazendas onde havia registro dos empregados eram gran-
des empresas. Nas situaes em que os gatos estavam presentes, a
contratao dos trabalhadores foi apenas verbal, com exceo de
um caso em que as carteiras dos trabalhadores foram registradas.
Os responsveis pela contratao dos gatos foram os proprietrios
das fazendas em 4 casos e os gerentes em 3 casos. Apenas dois ga-
tos rmaram contrato por escrito com os donos das fazendas; os
demais zeram apenas acordo verbal. Somente um possua rma
registrada.
2.2.4 Relao anterior com o aliciador e companhia para o
trabalho
Grande parte dos entrevistados (71%) no havia trabalhado ante-
riormente com o contratante e nem mesmo o conheciam (57%).
Entre os que j tinham contato, a maioria no tinha um relaciona-mento prximo. Apenas 5,8% dos trabalhadores disseram ter com
ele relaes de amizade e 1,7% armaram ter relaes de paren-
tesco. Os 35,5% restantes armaram que o contratante era apenas
conhecido (ver tabela 6).
taba 6. ra a aa
dh 57%
ch 35,5%
A 5,8%
pa 1,7%
Fonte: Pesquisa de Campo.
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ualoBasil Por outro lado, a maior parte dos entrevistados (69,4%) estava
acompanhada por outros trabalhadores conhecidos e/ou parentes
na fazenda onde foi resgatado. Apenas 28,1% declararam ter ido
sozinhos para a fazenda (ver tabela 7). A ausncia de amigos ou fa-
miliares os torna mais vulnerveis diante de situaes de violncia
e constrangimento que podem ocorrer nas fazendas. A presena
de conhecidos e parentes pode atuar como um mecanismo prote-
tor e de ajuda mtua.
taba 7. caha aa abah
c a u h 50,4%
szh 28,1%
c a 19%
ou 2,5%
Fonte: Pesquisa de Campo.
2.2.5 Tipo de transporte
Como a maioria das fazendas encontradas na pesquisa de campo
cava em locais distantes e de difcil acesso, mais da metade dos
trabalhadores (54%) foram transportados em caminhes ou ca-
minhonetes da cidade mais prxima at o local de trabalho. Para
um grupo menor (13%) foi utilizado o nibus da fazenda.
Antes de chegarem cidade prxima, os trabalhadores utilizaram
vrios meios de transporte no percurso: nibus de linha, trem e
nibus clandestino para o transporte interestadual dos trabalha-
dores. Neste ltimo caso, o gato eximiu-se da responsabilidade
pelo transporte, atribuindo-a aos trabalhadores. Convm obser-
var que, dos sete gatos entrevistados na pesquisa de campo, qua-
tro assumiram ser responsveis pelo transporte dos trabalhadores
para a fazenda.
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2.3 Trabalho temporrio
As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores entrevistados ti-
nham carter temporrio. Dados da pesquisa de campo indicam
que a maioria dos trabalhadores com residncia xa (88,4%) es-tava fora de casa h at 6 meses, sendo que grande parte (69,5%)
estava longe h apenas 3 meses ou menos. Apenas 4,2% dos tra-
balhadores saram de casa por um perodo de um a dois anos (ver
grco 4).
Fonte: Pesquisa de campo.*Excludos 21 trabalhadores sem residncia xa e 5 sem informao.
Situao diferente ocorre entre os trabalhadores sem residncia
xa (11,60%), que geralmente estavam h anos fora da residncia
familiar. O estudo encontrou trabalhadores que no voltavam
para a casa da famlia h mais de 10 anos.
Os empreiteiros tambm estavam trabalhando na fazenda h
pouco tempo: seis gatos estavam no local de trabalho h at 3 me-
ses; e um estava trabalhando de 3 a 6 meses.
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ualoBasil 2.4. Condies de trabalho nas fazendas pesquisadas
2.4.1.Alojamento
As condies de trabalho nas fazendas pesquisadas eram extre-
mamente degradantes. Os alojamentos dos trabalhadores, espe-
cialmente no Par e Mato Grosso, eram barracos improvisados no
cho de terra, com cobertura de lona preta ou de palha, conforme
denuncia um dos trabalhadores entrevistados: o barraquinho de
lona, no um ambiente prprio pra car. Devido s pssimas
condies dos alojamentos, os trabalhadores rurais cavam ex-
postos ao sol e chuva. Os alojamentos apresentavam tambmproblemas de ventilao e superlotao. Um trabalhador ressal-
tou a importncia na construo de um alojamento bem organi-
zado, gua encanada natural, quintal bem cercado, com galinhas
e porcos separados.
2.4.2 gua e Alimentao
Nas fazendas pesquisadas no havia gua potvel com qualidade
para os trabalhadores. A gua, procedente de crregos prximos,
era utilizada indiscriminadamente para beber, cozinhar, tomar
banho e lavar equipamentos utilizados no servio, alm de ser
dividida com animais. Em geral, a alimentao fornecida era de
baixa qualidade, produzida em precrias condies de higiene.
A carne raramente era oferecida pelos patres. Em alguns casos,
para obteno de carne, os trabalhadores eram obrigados a caar
animais silvestres. Os relatos a seguir denunciam s precrias con-
dies da alimentao e da gua nas fazendas:
gua ruim danada. Tem dia que no tem mistura [carne].
Tinha muita coisa irregular [na fazenda] o rango [comida], o ba-nheiro. Principal o rango.
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2.4.3 Saneamento
Na maioria das fazendas no havia instalaes sanitrias. Nas pro-
priedades que possuam banheiros, estes estavam em pssimas
condies de funcionamento e higiene. Banheiro velho, sujo,sem zelo, relatou um dos trabalhadores.
2.4.4 Equipamentos de segurana e sade dos trabalhadores
A maioria dos trabalhadores no utilizava equipamentos de pro-
teo individual. Em alguns casos, foi identicado o uso de pro-dutos txicos (venenos) proibidos pela legislao brasileira. Ve-
ricou-se tambm ausncia de assistncia sade. Em uma das
fazendas, um trabalhador faleceu por falta de atendimento m-
dico aps sofrer um acidente de trabalho. Os trabalhadores que
estavam presentes no local armaram que o principal problema
que enfrentaram ali foi:O acidente que aconteceu e no foi dada assistncia.
A morte do rapaz que morreu na derrubada.
2.4.5 Jornada exaustiva
Vericou-se que os trabalhadores foram submetidos a jornadas
exaustivas de trabalho, sem descanso semanal e com horas extras
no pagas. Um dos trabalhadores entrevistados retratou a jornada
exaustiva: [Aqui temos] que acordar muito cedo [...] e trabalhar
muito.
Segundo Ubiratan Cazetta (2007; p. 108), a jornada exaustiva a que submete o trabalhador a um esforo excessivo, sujeitando-
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50
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ualoBasil -o ao limite de sua capacidade e que implica em negar-lhe suas
condies mais bsicas, como o direito de trabalhar em jornada
razovel e que proteja sua sade, garanta-lhe descanso e permita
o convvio social (BRITO FILHO, 2006).
2.4.6 Maus tratos e humilhao
As histrias de humilhao e sofrimento dos trabalhadores foram
recorrentes nos relatos coletados. As ameaas (violncia moral)
mantinham os trabalhadores em um estado constante de medo.Segundo os seus relatos, o grande problema na fazenda era:
Os scais [da fazenda] humilhavam a gente demais. O scal che-
gou a falar pra mim: vocs nunca obedeceram pai e me, vocs vo
me obedecer.
A ignorncia do gato. Chegava bravo porque a gente no estava
trabalhando, mas ele no tinha levado a comida.
A humilhao, o dono da fazenda humilha as pessoas.
Os scais [da fazenda] e os encarregados tratam a gente mal,
como se fosse um burro, um animal. Como algo que no pertence
a gente mesmo.
2.4.7 Problemas com pagamento
Muitos trabalhadores no foram informados devidamente sobre
o valor que seria pago pelo servio. Em outros casos, as tarefas
a serem realizadas foram acrescidas em relao ao combinado,
mantendo-se o mesmo valor da remunerao. Segundo relatos
dos entrevistados:
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[Estvamos] ganhando s 6 reais [por dia]. No compensava. Fo-
ram falar com o gato, mas no resolveu.
O preo do trabalho era 7 ou 13 reais por dia, isso no normal.
Alm disso, foi recorrente nos depoimentos dos entrevistados a
quebra do contrato de trabalho. [O gato] no deu o que prometeu
pra gente, armou um dos trabalhadores.
2.4.8 Privao da liberdade
O estudo tambm revelou a existncia de mecanismos de cercea-
mento da liberdade dos trabalhadores nas fazendas pesquisadas.
Em algumas situaes, os trabalhadores caram presos nas fa-
zendas pelas dvidas contradas. Mercadorias de uso pessoal eram
vendidas pelos gatos ou administradores das fazendas por preos
exorbitantes. Segundo um dos trabalhadores da pesquisa de cam-po: [o trabalhador] tinha que pagar botina, cala.
Em outros casos, os trabalhadores estavam isolados geograca-
mente e, portanto, no podiam sair da fazenda. Os relatos a seguir
demonstraram as diculdades enfrentadas pelos trabalhadores:
Tinha trabalhador que queria ir pra famlia depois de 5 meses l.Pediu pra levar de moto e ele [o gato] no quis. Se a scalizao
[GEFM] no tivesse ido l, ia car por isto mesmo.
No tinha assistncia. Meu cunhado precisava ligar para a esposa
grvida e ele no tinha como sair para telefonar.
Em outras situaes, observou-se que ameaas verbais eram fei-
tas pelos gatos para impedir que os trabalhadores denunciassem a
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ualoBasil situao no local de trabalho. Alm disso, foram encontradas du-
rante as scalizaes, em algumas propriedades, armas de fogo de
gatos e administradores sem a devida licena. Segundo os traba-
lhadores, os principais problemas enfrentados na fazenda eram:
As ameaas que o gato fazia. Dizia que se algum denunciasse no
comia mais feijo.
Ameaas de morte. Dizia que se houvesse denncia mandava matar.
Alguns de ns que falasse [o gato disse que] ia passar a espingarda.
2.5 Responsabilidade pelos problemas ocorridos nas fazendas
2.5.1 Opinio dos trabalhadores
A responsabilidade pelo ocorrido na fazenda no foi vista de ma-
neira uniforme pelos trabalhadores. Quase metade (48,3%) res-
ponsabilizou o proprietrio pelo ocorrido4, 27,5% apontaram o
gato e 15,8% declararam no saber de quem a responsabilidade
(ver tabela 8). Vale ressaltar que muitas vezes sequer o trabalhador
sabe o nome real da fazenda, do dono da fazenda e/ou o encontra.
taba 8. rv a faza*
Proprietrio 48,3%
Gato 27,5%
Gerente/scal da fazenda 8,4%
No sabem 15,8%
ta 100,0%
Fonte: Pesquisa de campo.
*Excludo 1 trabalhador sem informao.
4 A presena do Grupo Mvel pode ter inuenciado as respostas dos entrevistados.
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Entre os trabalhadores que responsabilizaram o proprietrio, o ar-
gumento foi principalmente de ordem legal, ou seja, atribuem ao
fazendeiro ou empresa a responsabilidade pelo que ocorre em
seu empreendimento, cabendo a eles registrar os trabalhadores e
tomar as providncias necessrias para resolver os problemas. Se-
gundo relatos dos trabalhadores, o responsvel pelos problemas
na fazenda era:
O fazendeiro, que o dono do servio.
O dono, ele tem que legalizar e assinar carteira.
O responsvel foi o proprietrio da fazenda. Se ele andasse em dia
com a justia no teria que se preocupar com que aconteceu hoje.
Os entrevistados que responsabilizaram os intermedirios utili-
zaram principalmente argumentos de ordem moral, enfatizando
atitudes desonestas e comportamentos inadequados dos gatos.Apenas um atribuiu responsabilidade legal ao gato por no regis-
trar a carteira dos trabalhadores.
O gato ameaava, humilhava.
O gato. O fazendeiro d o dinheiro e ele enrola um pouco.
O gato. Ele ia para o escritrio pra pegar um cheque, depois inven-tava de levar o pessoal para o bar dele e descontava tudo, sobrando
uma mixaria pro cara.
O gato, pega as pessoas e no registra.
importante notar a existncia de duas ordens de argumentos
nas respostas dos trabalhadores: a ordem moral, que tende a res-
ponsabilizar o gato; e a outra legal, que tende a responsabilizar o
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proprietrio. Nesta ltima esboa-se uma percepo baseada nos
direitos trabalhistas que devem ser respeitados e cumpridos pelo
empregador.
2.5.2 Opinio dos gatos
Nenhum dos gatos entrevistados na pesquisa de campo consi-
derou que havia trabalho escravo nas fazendas scalizadas pelo
Grupo Mvel (GEFM). Apenas um disse: s se for pela assinao
de carteira que no tinha. Perguntados sobre os problemas exis-tentes nas fazendas onde estavam trabalhando, os gatos respon-
deram de forma evasiva, armando que a presena da scalizao
se deve s denncias feitas por trabalhadores. Segundo relatos dos
empreiteiros, os problemas da fazenda eram:
Na minha cabea, o que eu tenho pra dizer s os barracos [aloja-
mento em barraco de lona].No tenho nem idia. Deve ter tido alguma denncia.
Parece que teve uma denncia annima por causa de trabalho es-
cravo.
Os gatos consideraram que as condies de trabalho nas fazendaseram razoveis, ainda que tenham apontado como aspectos ne-
gativos as condies dos alojamentos e a gua para beber e tomar
banho, o que coincide com a avaliao dos trabalhadores.
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perFil dos trABAlHAdores
Cap.3
A chegada do Grupo Especial de Fiscalizao Mvel (GEFM) na
fazenda surpreendia os trabalhadores. Para alguns, que j tinham
alguma experincia de scalizao, a expectativa era de nalmen-
te terem seus direitos reconhecidos. Outros reagiam assustados,principalmente diante dos Policiais Federais, demonstrando
medo do que poderia acontecer.
Aos poucos os trabalhadores iam se descontraindo e se revelando.
Invariavelmente sua aparncia nas diferentes fazendas era seme-
lhante: roupas e calados rotos, mos calejadas, pele queimada do
sol, dentes no cuidados, alguns aparentando idade bem superior que tinham em decorrncia do trabalho duro e extenuante no cam-
po. A expectativa de todos era trabalhar duramente na diria e ob-
ter a remunerao necessria para garantir a sobrevivncia prpria
e o sustento da famlia. Conforme conversvamos, os trabalhadores
iam revelando suas opinies a respeito do que viviam ali, do traba-
lho que realizavam e das relaes sociais estabelecidas. Demonstra-
vam sua indignao em relao s injustias cometidas na fazenda,
mas tambm revelavam suas aspiraes e projetos de vida.
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ualoBasil Como j foi dito anteriormente, o presente estudo apresenta in-
formaes de 121 trabalhadores resgatados de situaes anlogas
escravido, entrevistados durante pesquisa de campo que acom-
panhou operaes do Grupo Mvel (GEFM), entre outubro de
2006 e julho de 2007. Alm disso, o banco de dados do MTE, ba-
seado no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CA-
GED), que contm informaes sobre idade, sexo, naturalidade e
procedncia de 9.762 trabalhadores resgatados (de novembro de
2002 a maro de 2007) foi utilizado como parmetro de referncia
para a anlise dos dados da pesquisa de campo. Ainda que o estu-
do contenha indicaes importantes sobre as caractersticas dostrabalhadores submetidos escravido contempornea, neces-
srio ressaltar que a pesquisa no trabalhou com uma amostra es-
tatisticamente representativa, o que impede a generalizao, para
o conjunto dos trabalhadores, dos resultados encontrados.
3.1 Caracterizao socioeconmica
3.1.1 Sexo/idade
Durante a pesquisa de campo, vericou-se que os trabalhadores
escravos resgatados pelas equipes de scalizao eram predomi-
nantemente homens adultos,1 com idade mdia de 31,4 anos. A
idade mdia dos trabalhadores resgatados presentes no banco de
dados do MTE de 32,5 anos, portanto, bastante prxima da en-
contrada na pesquisa. No mesmo Cadastro, o trabalhador mais
jovem tinha 14 anos e o mais idoso 78 anos.
1 Na pesquisa de campo, foi encontrada apenas uma mulher, que corresponde a 0,8%dos entrevistados, o que impede uma caracterizao por sexo. Ela era encarregada de
preparar as refeies para o marido e alguns outros trabalhadores e no era remuneradapor esta funo. Pode-se, entretanto, armar que as mulheres so minoria entre os tra-balhadores resgatados. Segundo o banco de dados do MTE baseado no CAGED, apenas4,7% dos resgatados eram do sexo feminino.
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As informaes da pesquisa de campo demonstraram que peque-
na a proporo de adolescentes resgatados com menos de 18 anos
(1,7%). No entanto, trata-se de uma populao jovem, o que se ex-
plica em razo do tipo de trabalho desenvolvido, que requer uso
signicativo de fora fsica. Segundo dados da pesquisa de campo,
a maioria dos trabalhadores (52,9%) tinha menos de 30 anos. A
proporo vai diminuindo medida que se avana nas faixas et-
rias. No entanto, cabe observar que trabalhadores com 50 anos ou
mais que correspondiam a 7,4% do total ainda necessitam re-
correr a este tipo de trabalho (ver grco 5). Este dado surpreende,
tendo em vista se tratar de trabalho exaustivo e pesado.
1,70%
51,20%39,70%
7,40%
Grfico 5. Idade
Menos de 18 anos
De 18 a 29 anos
De 30 a 49 anos
50 ou mais anos
Fonte: Pesquisa de Campo.
3.1.2 Cor/raa
A maioria dos trabalhadores da pesquisa de campo (81%) era
constituda de no brancos, dos quais 18,2% se autodenominaram
pretos, 62% pardos e 0,8% indgena. A proporo de trabalhado-
res escravos no brancos encontrada na pesquisa foi signicati-
vamente maior do que a encontrada no conjunto da populao
brasileira (50,3%) e mesmo nas Regies Norte (76,1%) e Nordeste
(70,8%) (ver tabela 9). Com efeito, os trabalhadores negros (pre-
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ualoBasil tos e pardos), equivalem a 80% dos trabalhadores entrevistados
na pesquisa, indicando que esse grupo est mais vulnervel a situ-
aes de trabalho escravo do que os brancos.
Chama a ateno a proporo de pretos entre os trabalhadorespesquisados (18,2%), um percentual 2,5 vezes superior ao encon-
trado na populao brasileira (6,9%), prxima apenas do ndice
encontrado na Bahia (15,7%), estado com a mais alta proporo de
pretos no Brasil2.
Apenas um dos entrevistados se autodenominou indgena. Cabe
lembrar, no entanto, que houve casos, especialmente em 2007, descalizaes realizadas no Mato Grosso que resgataram grupos
signicativos de trabalhadores indgenas.
taba 9. dbu aava /aa
c u aa (%)
Baa paa pa ia
Ba 49,7 42,6 6,9 0,8
r n 23,9 69,2 6,2 0,7
r n 29,2 62,5 7,8 0,5
ea a Baha 20,3 63,4 15,7 0,6
pqua a 19,0 62,0 18,2 0,8Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 2006 e pesquisa de campo.
Segundo declaraes dos entrevistados na pesquisa de campo, a
proporo de no brancos entre os trabalhadores (81%) foi supe-
rior quela existente entre os seus pais (62,2%), o que se expli-
ca pela incidncia de casamentos inter-raciais. Quase a metade
2 Seria necessrio realizar novos estudos para vericar se essa mesma proporo se vericanos dados relativos ao conjunto dos trabalhadores libertados.
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(47,7%) das unies dos pais foi entre brancos e no brancos. Em
13% dos casos ambos eram brancos e em 39,3% ambos eram no
brancos.
3.1.3 Posse de documentos pessoais
Entre os trabalhadores abordados na pesquisa de campo, apenas
um no tinha nenhum tipo de documento. Grande parte possua
a maioria deles: certido de nascimento (91,7%), carteira de traba-
lho (87,6%), carteira de identidade (87,5%), CPF (83,5%) e ttulode eleitor (83,5%). A carteira de reservista o documento menos
encontrado: apenas 45% a possuem (ver grco 6). Entre os anal-
fabetos, 32% no possuem ttulo de eleitor e CPF. Importante des-
tacar que os dados revelados na pesquisa de campo no podem ser
generalizados para o conjunto dos trabalhadores.
91,70% 87,60% 87,50% 83,50% 83,50%
45,90%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
90,00%
100,00%
Certido de
Nascimento
Carteira de
trabalho
Carteira de
identidade (RG)
CPF Ttulo de Eleitor Carteira de
Reservista
Grfico 6. Posse de documentos pessoais
Fonte: Pesquisa de Campo.
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ualoBasil 3.1.4 Renda dos trabalhadores e renda familiar
Os rendimentos dos trabalhadores e a renda familiar no podem
ser vistos rigorosamente como renda mensal regular, uma vez que
se trata de trabalhadores temporrios, que no esto empregadosdurante o ano inteiro3. Neste sentido, os dados apresentados de-
vem ser vistos apenas como indicao de rendimento.
A renda mdia declarada pelos trabalhadores foi de 1,3 salrios
mnimos. 40,5% disseram obter at um salrio mnimo e 44,8%
entre 1 e 2 salrios mnimos. Apenas 6,9% declararam ter renda
mensal superior a 3 salrios mnimos (ver grco 7).
40,50%
44,80%
7,80%
6,90%
Grfico 7. Renda Mensal do Trabalhador
At 1 SM**
De 1 a 2 SM
De 2 a 3 SM
Mais de 3 SM
Fonte: Pesquisa de Campo.*Excludos os trabalhadores sem informaes**Salrio Mnimo (SM).
As diferenas regionais foram grandes. O rendimento dos traba-
lhadores da Regio Nordeste era bem mais baixo do que os que
moravam nas Regies Norte e Centro-Oeste (ver tabela 10).
3 Os trabalhadores tinham diculdade de responder de forma precisa s perguntas rela-tivas sua renda. Alguns informavam sobre o que haviam ganho no momento, outrosprocuravam fazer uma mdia. Para auferir com mais rigor os rendimentos familiaresseria necessrio realizar um estudo especco.
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7/30/2019 Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil
63/180
61
taba 10. r a abaha (%)
r
r
n c-o
n
At 1 SM 21,5 55,5
De 1 a 2 SM 53 38,4
Mais de 2 SM 25,5 6,1
ta 100 100
Fonte: Pesquisa de Campo.*Excludos os trabalhadores sem informaes.
Considerando-se os trabalhadores que vivem com suas famlias4,
25,9% recebem at um salrio mnimo, 34,8% recebem de um a
dois mnimos, 19,65 de 2 a 3 mnimos e 19,65% mais de 3 salrios
mnimos (ver tabela 11). Em mdia, duas pessoas trabalh