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PERFIL CLÍNlCO-EPIDEMIOLÓGICO DA CIRROSE HEPÁTICA Coralie Sandrine Alves Dissertação de Mestrado em Medicina Porto 2013

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PERFIL CLÍNlCO-EPIDEMIOLÓGICO

DA CIRROSE HEPÁTICA

Coralie Sandrine Alves

Dissertação de Mestrado em Medicina

Porto 2013

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

1

Coralie Sandrine Alves

PERFIL CLÍNlCO-EPIDEMIOLÓGICO

DA CIRROSE HEPÁTICA

Dissertação de Candidatura ao grau de

Mestre em Medicina submetida ao Instituto de

Ciências Biomédicas de Abel Salazar da

Universidade do Porto.

Orientadora – Dra. Isabel Maria Teixeira De Carvalho Pedroto

Diretora de Serviço de Gastroenterologia do Centro Hospitalar do Porto

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

2

Índice geral

Resumo 8

Abstract 10

I. Introdução 12

II. Objetivos 18

III. Material e métodos 18

IV. Resultados

A) Caraterização da amostra

B) Distribuição geográfica

C) Etiologia da cirrose hepática

D) Motivo de referenciação à consulta de Hepatologia

E) Caraterização da descompensação de doença

hepática dos cirróticos da amostra observada

F) Avaliação do prognóstico

G) Caraterização dos casos clínicos que efectuaram

endoscopia digestiva alta aquando o diagnóstico

H) Idas ao serviço de urgência no Centro Hospitalar do

Porto

I) Casos clínicos com infeção pelo vírus da hepatite B

e C e tratamento

J) Mortalidade da amostra observada

K) Casos clínicos com cirrose hepática e cancro

hepatocelular

L) Resumo

20

20

21

22

23

23

24

27

27

28

28

29

30

V. Discussão 31

VI. Agradecimentos 36

VII. Referências bibliográficas 37

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3

Índice de figuras e tabelas

Figuras

Figura 1: História natural da cirrose hepática

Adaptado: Cecil Medicine 23ª Edição.

Figura 2: Taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100.000 habitantes

de cirrose hepática em países europeus, homens e mulheres com idades

compreendidas entre 20-64; banco de dados de mortalidade da OMS 2000-

2002

Figura 3: Consumo de álcool puro por adulto (em litros), OMS, 2005

Figura 4: Taxas de incidência de hepatite B nos países da UE27 em 2005;

ECDC de 2007. NB: Não há de definição padronizada de novos casos de VHB,

às vezes as reativações estão incluídas.

Figura 5: “Peso” em % das causas principais de morte evitáveis sensíveis a

promoção da saúde no Homem. Adaptado: Plano regional de saúde do Norte

2009-2010.

Figura 6: “Peso” em % das causas principais de morte evitáveis sensíveis a

promoção da saúde na Mulher. Adaptado: Plano regional de saúde do Norte

2009-2010.

Figura 7: Distribuição dos casos clínicos por sexo (em %)

Figura 8: Distribuição geográfica dos casos observados (em%)

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

4

Figura 9: Etiologia da cirrose hepática nos casos clínicos observados (em %)

Figura 10: Etiologias predominantes da cirrose hepática segundo o sexo (em%)

Figura 11: Motivo de referenciação à consulta de Hepatologia (em%)

Figura 12: Caraterização da descompensação hepática dos casos com

episódio de descompensação aquando do diagnóstico

Figura 13: Caraterização da primeira descompensação hepática nos casos em

que o diagnóstico foi por alterações ecográficas e/ou alteração das

transaminases

Figura 14: Classificação Child Pugh-Turcotte dos casos observados (em %)

Figura 15: Proporção dos cirróticos que efectuaram EDA aquando do

diagnóstico e apresentação clínica observada

Figura 16: Número médio de idas ao S.U do CHP segundo a classificação

Child Pugh-Turcotte

Figura 17: Proporção dos casos clínicos com infeção pelo VHB ou VHC e

incidência dos cirróticos infetados tratados com terapia anti-vírica

Figura 18: Mortalidade da amostra observada, no período de um ano

Figura 19: Etiologias da cirrose hepática nos casos com CHC

Figura 20: Resumo

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

5

Tabelas

Tabela I: Doença Crónica do Fígado e Cirrose. Óbitos e taxas de mortalidade

segundo a residência, a idade e o sexo, nas Regiões de Saúde e nas Regiões

Autónomas (por 100 000 habitantes) (<1ano por 100 000 nados-vivos) – 2006

(tabela parcial) Adaptado : Risco de Morrer em Portugal 2006 Volume I (DGS)

Tabela II: Idade atual da amostra observada

Tabela III: Idade dos pacientes aquando do diagnóstico

Tabela IV: Classificação Child Pugh-Turcotte

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

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Lista de abreviaturas

APEF: Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado

CHC: Cancro hepatocelular

CHP: Centro Hospitalar do Porto

C-P-T: Child Pugh-Turcotte

DGS : Direção Geral de Saúde

ECDC : European Center for Disease Prevention and Control

EDA: Endoscopia digestiva alta

EPS : Encefalopatia Porto-Sistémica

INR: International Normalized Ratio

LOE’s : Lesões Ocupando Espaço

MELD: Model for End-Stage Liver Disease

N: Número de casos

OMS: Organização Mundial da Saúde

S.A.M: Sistema Apoio ao Médico

SIDA: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

7

S.U: Serviço de urgência

VHB: Vírus da hepatite B

VHC: Vírus da hepatite C

TVP: Trombose da Veia Porta

U.E: União Europeia

U.E 27: União europeia com os 27 países-membros desde 2007

WHO: World Health Organization

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

8

Resumo

Introdução:

Os estudos publicados nas últimas décadas demonstraram que a cirrose hepática

constitui um importante problema de saúde pública e um fator de relevância crescente

de morbi-mortalidade em todo o mundo, incluindo Portugal.

Objetivos:

Caraterização do perfil clinico-epidemiológico dos casos clínicos de cirrose hepática

observados na consulta de Hepatologia do Serviço de Gastrenterologia do Centro

Hospitalar do Porto no ano 2011-2012; clarificar a importância da cirrose hepática nas

suas vertentes clínica e epidemiológica, para o seu reconhecimento como um

problema de saúde pública e para a importância de intervenção na promoção da

saúde nos mais diversos níveis.

Material/métodos:

Rectrospectivamente, foi realizada uma colheita de dados dos casos de cirrose

hepática da consulta de Hepatologia no ano 2011-2012. Na análise estatística foi

utilizado o software IBM ® SPSS ® Statistics versão 21.0. Concomitantemente

procedeu-se a uma revisão bibliográfica do tema.

Resultados:

Foram observados 358 casos (81.6% do distrito do Porto) sendo a maioria de sexo

masculino (70,9%).

A idade média dos pacientes aquando do diagnóstico foi de 57,49 +/- 12,25 anos.

Os motivos de referenciação para a consulta distribuiram-se da seguinte forma:

alteração das transaminases e/ou ecográficas em 69,8% dos casos, em 30,2% por

descompensação de doença hepática dos quais 45,9% sob a forma de hemorragia

digestiva.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

9

Relativamente à etiologia: 38,5% dos casos apresentavam etiologia alcoólica

e 29.0% estavam infetados cronicamente pelo vírus da hepatite C; em 8.4% dos

casos, à infeção crónica pelo vírus da hepatite C associou-se o álcool e em 6,4 % a

infeção crónica pelo vírus da hepatite B foi a responsável.

Nas mulheres a infeção crónica pelo vírus da hepatite C foi a mais prevalente

(33,7%), enquanto nos homens a etiologia alcoólica foi a predominante (43,7%).

Quando classificamos a cirrose hepática observamos que 80,7% dos casos são

Child Pugh-Turcotte A, 14,5% Child-Pugh-Turcotte B e 3.4% Child Pugh-Turcotte C.

O tempo médio de descompensação foi de 9 meses e 25 dias.

Em 8,1% dos casos foi realizado o diagnóstico de carcinoma hepatocelular com

etiologia predominante vírica. Morreram 36 doentes (10,1%), 84,4% por falência

hepatocelular com uma idade média de 64,4 anos.

Conclusões:

1) A etiologia alcoólica é a mais frequente no homem;

2) As causas víricas predominaram na mulher;

3) Cerca de 1/3 dos doentes são referenciados só após a 1ª descompensação;

4) A referenciação precoce acompanha-se de menor % de descompensação;

5) O CHC foi predominantemente de etiologia vírica;

6) Importa intervir nas mais variadas dimensões e patamares de saúde:

alcoolismo, vacinação VHB, terapêutica anti-vírica, coordenação com os

restantes cuidados de saúde promovendo a prevenção, diagnóstico e

referenciação atempada.

Palavras-chave: Cirrose hepática, epidemiologia, perfil clínico.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

10

Abstract

Background:

The studies published during the last decades have shown that liver cirrhosis is

a major public health problem and a relevant factor of morbidity and mortality in

worldwide, including Portugal.

Aim:

Characterization of the clinico-epidemiological profile of clinical cases of liver

cirrhosis observed in the Gastroenterology Department of Centro Hospitalar of

Oporto during the year 2011-2012; clarify the importance of liver cirrhosis in its

clinical and epidemiological aspects, as a major issue of public health and the

importance of intervention in health promotion at its differents levels.

Methods:

Rectrospectively, we performed a data collection of cases of liver cirrhosis of

the consultation of Hepatology during the year 2011-2012. The Statistical

analysis software used was IBM ® SPSS ® Statistics version 21.0.

Concomitantly, proceeded to a bibliographic review.

Results:

We observed 358 cases (81.6% of the district of Porto.) The majority being

male (70.9%). The average age of patients at diagnosis was 57.49 + / - 12.25

years. The causes of referral for consultation was distributed as follows:

alteration of transaminases and / or ultrasound in 69.8% of cases, 30.2% had

decompensated liver disease, of which 45.9% in the form of gastrointestinal

bleeding. With regard to etiology, in 38.5% was alcoholic, 29.0% were

chronically infected with hepatitis C and in 8.4% of cases, the chronic infection

with hepatitis C was associated with alcohol consumption, and in 6.4% the

chronic infection with hepatitis B was responsible.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

11

In women chronic infection with the hepatitis C virus was the most

prevalent etiology (33.7%), while in men the alcoohol was the predominant one

(43.7%); 80.7% of the cases were Child-Pugh-Turcotte A, 14.5% Child-

Turcotte-Pugh B and 3.4% Child-Pugh-Turcotte C. The average

decompensation time was 9 months and 25 days. In 8.1% of cases the

diagnosis of hepatocellular carcinoma was made; 36 patients died (10.1%),

84.4% for liver dysfunction with a mean age of 64.4 years.

Conclusion:

1. The alcoholic etiology is the most prevalent cause of cirrhosis in

men;

2. In women the viral causes predominate;

3. Approximately one third of the patients were referred only after the

1st decompensation;

4. Early referral was accompanied by a lower percentage of cases of

decompensation;

5. The CHC was predominantly of viral etiology;

6. Processes of care are an important issue at differente levels of

health dimensions: prevention and treatment of alcoholism, HBV

vaccination, premature antiviral therapy and coordination with other

health care providers by promoting the prevention, diagnosis and

early referral.

Key-words : Liver Cirrhosis ; Epidemiology ; Clinical Profile.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

12

I- Introdução

O termo cirrose foi usado e publicado pela primeira vez em 1819 por René

Laënnec (médico francês) na obra “ Traité de l’Auscultation Médiate” na qual

descreveu alterações características tais como, a perda da arquitectura lobular, a

fibrose difusa e a regeneração nodular tendo proposto três estadios evolutivos.

Atualmente, sabemos que a cirrose hepática é o resultado final de múltiplas

etiologias de doença hepática crónica de evolução variável e marcado potencial

fibrogénico; está assim

dependente de vários

fatores tais como o álcool, a

persistência do estado de

portador dos vírus das

hepatites B ou C, das

respostas imunológicas do

paciente ou da capacidade

regenerativa do fígado, e

mais recentemente a

obesidade tem assumido

um papel crescente.1,2,3

Existem 4 estadios clínicos

que se diferenciam pela sua

apresentação clínica e

prognóstico. A síndrome hipercinética é responsável pela maioria das formas de

descompensação de cirrose hepáticaFigura 1. O carcinoma hepatocelular surge na

maioria dos casos em pacientes com fígado cirrótico. É de fato fundamental actuar nos

mais diversos níveis, prevenção, tratamento e rastreio.

Figura 1: História natural da cirrose hepática.

(HCC: Hepatocelular Carcinoma)Adaptado de Cecil Medicine23ª edição; p. 1142.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

13

O “peso relativo” da cirrose hepática

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cirrose hepática é a 18ª causa de

morte no mundo.3 Na Europa, 0,1% da população tem cirrose hepática, sendo a 9ª

causa de morte mas com diferenças significativas nos diversos países. Por exemplo,

enquanto os homens Húngaros apresentam uma incidência de cirrose hepática de

0,1%, nas mulheres gregas observa-se uma incidência de 0,001%.4,5 A fragilidade dos

dados epidemiológicos constitui um constrangimento à avaliação do verdadeiro “peso

relativo” da cirrose.

No entanto, constata-se que a cirrose hepática é responsável por 1.8% de

todas as mortes na Europa, ou seja cerca de 170000 mortes/ ano.3 Tem-se verificado

um aumento das taxas de mortalidade nos países do sudeste Europeu assim como

nos países da Europa Ocidental; por outro lado nos países mediterrâneos, a

mortalidade tem diminuídoFigura2.

Figura 2: Taxas de mortalidade padronizadas por idade por 100.000 habitantes de

cirrose hepática em países europeus, homens e mulheres com idades compreendidas

entre 20-64; banco de dados de mortalidade da OMS 2000-2002.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

14

Na Europa, a principal causa de cirrose é o consumo excessivo de álcool.6 Na

última década o consumo de álcool aumentou7; em média são consumidos cerca de 9

litros por adulto e por anoFigura 3.

Figura 3: Consumo de álcool puro por adulto (em litros), OMS, 2005

A infeção crónica pelo vírus da hepatite B (VHB) é a segunda causa, sendo

responsável por cerca de 30% dos casos. Na Europa, a incidência da infeção por vírus

da hepatite B é de 0,5-0 ,7%8, Figura 4.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

15

A infeção crónica pelo VHC é a 3ª causa de cirrose hepática. A incidência na

Europa varia entre os 0,13-3,26%; seguem-se as doenças metabólicas relacionadas

com o excesso de peso e a obesidade.3 A esteatose hepática não alcoólica tem sido

alvo de preocupação dado o aumento epidémico da incidência da obesidade e o risco

associado de cirrose e carcinoma hepatocelular10.

Segundo dados da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF), a

cirrose hepática é per si a 10ª causa de morte em Portugal; a este número devemos

acrescentar os doentes que faleceram de carcinoma hepatocelular e os co-infetados

com os vírus da hepatite C e da imunodeficiência humana.11

Em Portugal, no ano de 2006 e de acordo com a Direção Geral de Saúde

faleceram de cirrose hepática 1362 pessoas, sendo 75.6% do sexo masculino (ratio

homem/mulher:

3,1:1).12

Na região

Norte, faleceram 527

pessoas por cirrose

hepática ou seja

38,7% do total de

mortes por cirrose

hepática em

PortugalTabela I (70,6%

de homens) com um

ratio homem/mulher

de 2,4: 1, inferior ao

nacional.13

Segundo o plano regional de saúde da região Norte 2009-2010, no quinquénio

2001-2005 a região Norte apresenta taxas de mortalidade padronizada (TMP) de

cirrose hepática estaticamente superiores às observadas no Continente. A doença

crónica do fígado e a cirrose foram responsáveis por 65,4% (67,1% no sexo feminino)

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

16

das mortes prematuras atribuíveis às doenças do aparelho digestivo. O “peso relativo”

da cirrose hepática na região Norte, nesse mesmo quinquénio e em relação à

totalidade das mortes evitáveis sensíveis à promoção da saúde era de 26,8%,

ascendendo aos 36,3% para o sexo feminino.Figura 5-6

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

17

A cirrose é considerada uma doença evitável no contexto da promoção da

saúde dado as suas causas serem potencialmente prevenidas ou tratáveis. Quer a nível

nacional, quer a nível internacional, as metas de saúde procuram diminuir a

mortalidade relacionada com a cirrose mas para tal é necessário avaliar o perfil clinico

dos doentes para estabelecer uma estratégia de prevenção primária assim como

adequar medidas terapêuticas eficazes e consequentemente diminuir os custos de

saúde relacionados.14

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

18

II- Objetivos

Proceder à análise de casos clínicos com cirrose hepática observados na consulta

externa de Gastroenterologia do Centro Hospitalar do Porto no ano 2011-2012 no

âmbito de caracterizar o perfil clinico-epidemiológico baseado na descrição da história

natural e das suas possíveis complicações assim como na identificação dos principais

fatores de risco.

Reconhecer a importância da cirrose hepática, como um problema de saúde

multifatorial de elevada prevalência, incidência e mortalidade.

Comparar os dados obtidos durante o estudo com a literatura mais recente.

Descrever os métodos de diagnóstico/ estadeamento usados para caracterizar os

casos clínicos com cirrose hepática assim como os meios complementares utilizados

para supervisão da evolução da doença.

III- Material e métodos

Foi efetuada uma recolha de dados retrospetivos nos processos, quer

eletrónicos (Sistema de Apoio ao Médico) quer físicos, de casos clínicos com cirrose

hepática da consulta de Hepatologia de doentes observados no ano 2011-2012. O

diagnóstico de cirrose hepática foi baseado nas listagens do SAM com o código K70-

K73-K74 e também nos resultados do Fibroscan ® (considerado cirrose sempre que o

valor era superior a 14 kPa).

De seguida, foi realizada uma análise estatística descritiva que incluiu a média

+/- desvios padrão para as variáveis continuas e frequências para as variáveis

categóricas. As proporções foram comparadas pelo qui-quadrado e um valor de p

<0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Os dados foram analisados pelo

software IBM ® SPSS ® Statistics versão 21.0.

Posteriormente, procedeu-se a uma revisão bibliográfica, pesquisando estudos

de coorte, revisões sistemáticas e meta-análises sobre o tema nas bases de dados

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

19

Pubmed, Elsevier e Up to Date. O limite temporal estabelecido para a pesquisa foi de

1997-2013. No entanto, em alguns casos o limite da pesquisa foi alargado dado a

leitura dos artigos ter sido considerada relevante para a realização da dissertação. As

palavras-chave utilizadas foram: Liver Cirrhosis, Clinical Profile, Epidemiology.

Por fim, também foi realizada pesquisa em tratados ou manuais de referência

como Harrison’s Principles of Internal Medicine (18ª edição).

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

20

IV- Resultados

A) Caraterização da amostra

Foram observados 358 casos durante o estudo.

Sexo

A maioria foi

de sexo masculino

(N= 254). O ratio

homens/mulheres

foi de 2,44 : 1 Figura 7.

Idade atual

Anos TOTAL Homens Mulheres

Idade

Mínima

25 25 25

Idade

Máxima

88 88 88

Média 61,20 59,34 65,72

Tabela II: Idade atual dos casos clínicos observados

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

21

Idade aquando do diagnóstico

B) Distribuição geográfica

A grande maioria dos casos era do Porto. Os restantes 9,8% (N= 35),

denominados como “Outros” no gráfico que se segue, representam casos com

distribuição geográfica variada mas em percentagens pouco significativas.

Anos TOTAL Homens Mulhres

Idade

Mínima

19 19 19

Idade

Máxima

87 87 87

Média 57,49 (±

12,25)

55,63 62,03

Tabela III: Idade dos pacientes aquando o diagnóstico

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

22

C) Etiologia da cirrose

Os casos, denominados por : “ Outras ”, representam etiologias da cirrose

hepática muito diversas como doenças metabólicas, doenças auto-imunes, pouco

significativas na globalidade dos

casos.

Pretendemos analisar o

impacto do álcool como factor

etiológico da cirrose hepática

conforme o sexo; os dados

mostraram diferenças

significativas entre o sexo

masculino e o sexo feminino com

p = 0.002 permitindo-nos assim

concluir que o álcool permanece

uma causa predominante de

cirrose hepática no sexo

masculino.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

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D) Motivo de referenciação à consulta de Hepatologia

Em cerca de 69,8 % dos casos (N=250), o motivo de referenciação à consulta

de Hepatologia foi por alteração das transaminases e/ou ecográficas, sendo que o

restante dos casos (30,2%) foi por descompensação de doença hepática.Figura 11

Nos casos em que o motivo de referenciação à consulta foi por alterações das

transaminases e/ou alterações ecográficas, 16,8 % (N=60) descompensaram no ano

2011-2012.

E) Caraterização da descompensação da doença hepática

dos casos observados

Caraterização dos casos com episódio de descompensação aquando do

diagnóstico: é de ressalvar a hemorragia digestiva como responsável por

quase metade dos episódios de descompensação que conduziram à

referenciação do doente para uma consulta especializada.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

24

Caraterização da primeira descompensação hepática nos casos em que o

diagnóstico foi por alterações ecográficas e/ou alteração das transaminases

Descompensaram 60 pacientes ou seja cerca de 24% dos casos que

tinham sido diagnosticados por alterações ecográficas e/ou alteração das

transaminases ou 16,8% dos casos se consideramos toda a amostra.

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

25

Tempo de descompensação

Nos nossos casos descompensaram 46 Mulheres e 122 Homens. O

tempo médio em todos os casos que descompensaram foi cerca de 9 meses e

25 dias (0,82 anos). Nas mulheres o tempo médio até a primeira

descompensação foi maior do que nos homens: 11 meses e 2 semanas (0,96

anos) versus 8 meses e 2 semanas (0,71 anos).

F) Avaliação do prognóstico

Após o diagnóstico de cirrose hepática, os pacientes devem ser classificados

segundo a classificação de Child Pugh-Turcotte (CPT) a fim de determinar o

prognóstico. Esta classificação permite, por exemplo, avaliar a oportunidade de um

shunt cirúrgico porto-cava em doentes cirróticos por sangramento de varizes, refratário

à terapêutica endoscópica e farmacológica. A tabela que se segue foi utilizada durante

o estudo para permitir a classificação de todos os casos observados.

Tabela IV: Classificação de Child Pugh-Turcotte 2

A grande maioria dos casos foi classificada como Child-Pugh-Turcotte

A.Figura 14

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

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De notar, que 1.4% (N=4 pacientes) dos casos não foram classificados

por dados insuficientes.

A classificação de Model End Stage of Livel Disease (MELD) também foi

utlizada. Este modelo permite prever a sobrevida dos pacientes com cirrose e foi desde

sempre utilizada na referenciação e priorização dos candidados a transplante hepático.

Essa classificação permite comparar a sobrevida em populações diferentes. É baseada

nos valores de bilirrubina sérica, valor de International Normalized Ratio (INR), valores

de creatina sérica e se o paciente fez dialise na ultima semana. O sistema que foi

utilizado durante a investigação está indicada abaixo:

http://www.mayoclinic.org/meld/mayomodel6.html(15)

Nos casos classificados CPT A, o valor médio do MELD foi de 8.9 com intervalo

de [6/23].

Nos casos classificados CPT B, o valor médio do MELD foi de 13.98 com

intervalo de [7/29].

Nos casos classificados CPT C, o valor médio do MELD foi de 20.33 com intervalo de

[15/25].

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

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G) Caraterização dos casos clínicos que efectuaram

endoscopia digestiva alta (EDA) aquando do diagnóstico

H) Idas ao serviço de urgência do Centro Hospitalar do Porto

Os pacientes com cirrose hepática são consumidores dos serviços de saúde

dada a ocorrência de descompensação de doença hepática sob a forma de

hemorragia digestiva, ascite e insuficiência hepatocelular. O número médio de idas ao

serviço de urgência do CHP foi de 1,2 vezes num intervalo de [0 – 19] 1 ano (durante o

ano 2011-2012).

Relacionando o número de episódio à urgência do CHP com a classificação

CPT, verifica-se uma correlação positiva entre o número médio de episódios e o score

do Child Pugh-

Turcotte.Figura 16

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I) Casos clínicos com infeção pelo vírus da hepatite B e C e tratamento

Relativamente ao tratamento dos casos infetados por hepatite B ou C, 6,4%

dos casos (N=23) apresentam infecção pelo VHB (6.4% dos casos), Destes, 73.9%

(17 casos) estavam sob terapêutica anti-vírica oral para o VHB; 29% (N=104)

apresentavam infecção pelo VHC. Destes, apenas 53.8 % (N=56) tinham sido

submetidos a terapêutica prévia, não se tendo procedido á análise do tipo de resposta.

J) Mortalidade da amostra observada

Ocorreram 36 óbitos (10,1%), a grande maioria por falência hepatocelular

(84,4%, N= 27). Os doentes apresentavam uma idade média de 64,4+/- 11,08 anos

num intervalo de [44 – 88 anos].

Em 11,1 % dos casos (N=4) que faleceram não foi possível especificar a causa

de morte devido a dados insuficientes, nesses casos a morte não ocorreu no CHP.

Muitas das vezes apresentavam concomitantemente complicações da cirrose hepática

na forma de hemorragia digestiva alta ou baixa, peritonite bacteriana espontânea ou

então outras causas como por exemplo outras infecções, insuficiência cardíaca e

insuficiência renal.

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K) Casos clínicos com cirrose hepática e cancro hepatocelular

No final do estudo, 8,1% dos casos (N=29) apresentaram CHC dos quais 2

casos foram diagnosticados concomitantemente com a cirrose hepática.

Dos doentes que faleceram 7 (19,4%) tinham CHC.

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L) Resumo

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Perfil Clinico-Epidemiológico da Cirrose Hepática

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V- Discussão

Como era de esperar, os casos envolvidos nesse estudo são na sua

grande maioria do distrito do Porto. Assim sendo, a nossa amostra é

representativa duma população restrita e só passível de traduzir uma realidade

local e talvez regional. Seria útil estudar o perfil clinico epidemiológico de

doentes de outras regiões e realizar uma análise comparativa. No entanto os

nossos dados permitem-nos aferir a necessidade de possíveis estratégias de

intervenção ao nível dos cuidados de saúde primários e outras redes de

cuidados de saúde.

Relativamente às etiologias da cirrose observadas, constatamos que

foram semelhantes às descritas nos outros países europeus, segundo os

últimos dados publicados na literatura.3 O álcool é uma causa predominante de

cirrose hepática na nossa amostra. É importante referir que o álcool tem sido

uma causa crescente de cirrose hepática nas mulheres. Assim devem os

clínicos intervir na prevenção e tratamento do alcoolismo; desencorajar o

consumo de álcool e providenciar o recurso a cuidados de saúde para estes

doentes; importa alertar que o álcool permanece como um importante

determinante de saúde e constituiu um importante factor de morbi-

mortalidade.7,13

O diagnóstico tardio da cirrose hepática em cerca de 1/3 dos pacientes,

só após a primeira descompensação/ complicação da cirrose hepática, suscita

questões importantes de diagnóstico precoce e da necessidade premente de

sinalização destes doentes para consultas especializadas. Como já referido a

hemorragia digestiva hipertensiva é a complicação mais frequente observada

aquando do diagnóstico. A hemorragia por varizes tem uma taxa de

mortalidade alta, cerca de 20-30% por cada sangramento.16 Assim a prevenção

primária da hemorragia digestiva hipertensiva nestes doentes é fundamental.17

Mas só é possível se estes doentes forem diagnosticados e posteriormente

estadiados. O carácter silencioso da doença e os estigmas sociais condicionam

frequentemente o recurso aos cuidados assistenciais. Nunca é demais deixar

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um alerta para o tratamento da dependência de álcool e drogas, sem atitudes

discriminatórias e estereótipos morais.

Nos casos em que a primeira descompensação hepática decorrente da

cirrose ocorreu após o diagnóstico, há uma diminuição de casos por

hemorragia digestiva hipertensiva comparativamente com os casos com

descompensação hepática aquando do diagnóstico. Assim a monotorização da

doença e o diagnóstico precoce permitem evitar a ocorrência de complicações

potencialmente fatais.

A complicação mais frequentemente observada nos nossos casos foi a

ascite.

Segundo os últimos dados da literatura, sabe-se que a ascite ocorre em

cerca de 50% dos casos em 10 anos de follow-up e tem uma taxa de

mortalidade elevada; 15% no primeiro ano e 44% aos 5 anos. É importante

referir que 5-10 % dos casos que tiveram ascite, irão desenvolver ascite

refratária, a qual é associada a um prognóstico mais reservado, com uma taxa

de mortalidade de 50% aos 6 meses e 75% no primeiro ano. Outras

complicações como a PBE e a síndrome hépato-renal também estão

associadas a taxas de mortalidade altas, 40% para a PBE. Assim, é importante

monitorizar e tratar eficazmente a ascite assim como prevenir suas

complicações.18

Outra complicação observada num número significativo de casos foi a

EPS isoladamente, ou associada a outras complicações.

Segundo a literatura, após o primeiro episódio de encefalopatia, o

prognóstico é reservado. No entanto, esta complicação pode ser controlada na

maioria dos doentes se devidamente tratados.16

Relativamente as infecções crónicas pelo VHB e VHC, é importante

observar que as taxas de tratamento e de vacinação no caso do VHB devem

ser optimizadas; nomeadamente nas populações de risco: trabalhadores de

cuidados de saúde, familiares de infetados com VHB, indivíduos que requerem

transfusões repetidas, residentes em instituições. Também deve ser

considerado o fato de existirem casos sem indicação para tratamento: co-

morbilidades como trombocitopenia, anemia, insuficiência renal, idade superior

a 60 anos ou determinados efeitos laterais podem limitar o tratamento para a

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infeção pelo VHC. Nos casos com cirrose hepática pelo VHB, a terapêutica

anti-vírica só não é instituída se a carga viral for indetável. Caso contrário, na

cirrose hepática pelo VHB, independentemente dos níveis séricos de ADN do

VHB, a terapêutica é mandatoria.16 A infeção crónica pelo VHC traduziu-se num

fator etiológico mais relevante que a infeção crónica pelo VHB. Este achado

vem ao encontro do descrito na literatura3; a previsibilidade de um aumento

exponencial de cirrose pelo vírus da hepatite C dado o caráter fibrogénico da

infeção, a falência dos tratamentos prévios e a ausência de campanhas de

screening em grupos não considerados de risco. De facto muitos doentes já

estão cirróticos aquando do diagnóstico da infeção pelo vírus da hepatite C.

Por outro lado, a introdução da vacinação no plano de vacinação para o vírus

da hepatite B e as campanhas de screening (ex. nas grávidas) refletem o

menor número de casos de cirrose hepática.

Relativamente ao carcinoma hepatocelular, é importante referir que a

etiologia principal é virica; sabemos que o tratamento das infecções cronicas

pelos VHC e VHB atrasam a progressão da cirrose e previnem as suas

complicações bem como a possibilidade de aparecimento do CHC e

consequentemente a mortalidade relacionada. Estudos recentes apontam o

CHC como sendo uma causa crescente responsável pela mortalidade,

principalmente na infeção cronica pelo VHC.19,20 Segundo publicações

recentes, 46% das mortes relacionadas com doenças hepáticas são atribuídas

ao CHC na infeção crónica pelo VHB.3

Relativamente aos dados relacionados com a EDA, segundo os últimos

dados da literatura cerca de 60% dos cirróticos apresentam sinais de

hipertensão portal aquando do diagnóstico e primeiro estadiamento

endoscópico da hipertensão portal.16 Na nossa amostra os resultados são

semelhantes estando as varizes esofágicas presentes em 56,4% dos casos e a

gastropatia de hipertensão portal em 55,2%.

Os pacientes com cirrose hepática são consumidores dos serviços de

saúde, à semelhança das demais doenças crónicas; este fato foi objectivado

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pelo número de idas ao serviço de urgência, número este, diretamente

relacionado com o Score Child Pugh-Turcotte.

É necessário realçar a importância dum registo clinico rigoroso, passível

de condicionar a fragilidade de recolha de alguns dados clínicos.

RESUMO

A etiologia alcoólica é a causa mais frequente no homem;

As causas víricas predominam na mulher;

Cerca de 1/3 dos doentes são referenciados só após a 1ª descompensação;

A referenciação precoce acompanha-se de menor % de descompensação;

O CHC foi predominantemente de etiologia vírica

Uma gestão integrada da doença constitui um aspeto vital considerando os diferentes

patamares de cuidados de saúde: prevenção e tratamento do alcoolismo, vacinação

para o VHB, instituição da terapêutica anti-vírica; ou seja, coordenação eficaz com os

restantes cuidados de saúde promovendo a prevenção, diagnóstico e referenciação

atempada.

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MENSAGEM

Este estudo permitiu realçar as fragilidades dos cuidados de saúde numa visão

que se pretende seja promotora da qualidade dos cuidados que prestamos,

nas suas variadas dimensões: acessibilidade, segurança, em tempo útil,

eficiência e efetividade. Podemos concluir que é necessário e fundamental

estabelecer estratégias coordenadas de atuação ao nível dos diversos

patamares de cuidados de saúde e nas diferentes vertentes da promoção da

saúde; e assim diminuir quer as complicações causadas pela descompensação

da doença hepática, grande consumidora dos serviços de saúde quer com a

mortalidade relacionada com a cirrose hepática.

A cirrose pode e deve ser prevenida quando consideradas as diferentes

etiologias e as áreas de intervenção: screening, vacinação, diagnóstico

precoce, referenciação atempada, tratamento anti-vírico adequado e atempado

e controlo de fatores de risco com especial enfâse nas populações alvo, como

o consumo de álcool.

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VI- Agradecimentos

Ao terminar a tese de mestrado, gostaria de agradecer a todas as pessoas que

contribuíram para a realização da mesma; nomeadamente:

À minha orientadora Dra. Isabel Pedroto, Diretora do serviço de gastroenterologia do

Centro Hospitalar do Porto, por toda a dedicação, disponibilidade e apoio assim como

todo o estímulo intelectual que me permitiu prosseguir com a investigação.

À Dra. Maria João Magalhaes, Médica interna do serviço de gastroenterologia do CHP,

pelo apoio fornecido ao longo do trabalho.

À Dra Isabel Fonseca; colaboradora do Gabinete Coordenador da Investigação/DEFI,

(Mestrado em Saúde Publica e especialização em Bioestatística;) pela ajuda com o

tratamento dos dados estatísticos.

Por fim agradeço aos meus pais Emília e António por todo o apoio carinho e paciência

que me dispensaram, sem os quais eu não estaria aqui hoje.

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