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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA E ENSINO EDILVÂNIA SOARES PEREIRA UMA PRÁTICA DE MEDIAÇÃO ENTRE OS SABERES DA ORALIDADE E DA ESCRITA: DESPERTANDO A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E A COMPREENSÃO DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO JOÃO PESSOA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA E ENSINO

EDILVÂNIA SOARES PEREIRA

UMA PRÁTICA DE MEDIAÇÃO ENTRE OS SABERES DA ORALIDADE E DA ESCRITA: DESPERTANDO A CONSCIÊNCIA

FONOLÓGICA E A COMPREENSÃO DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO

JOÃO PESSOA

2014

1

EDILVÂNIA SOARES PEREIRA

UMA PRÁTICA DE MEDIAÇÃO ENTRE OS SABERES DA ORALIDADE E DA ESCRITA: DESPERTANDO A CONSCIÊNCIA

FONOLÓGICA E A COMPREENSÃO DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Linguística e Ensino (MPLE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), como requisito para obtenção de Título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa

JOÃO PESSOA 2014

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P436u Pereira, Edilvânia Soares.

Uma prática de mediação entre os saberes da oralidade e da escrita: despertando a consciência fonológica e a compreensão do processo de transição / Edilvânia Soares Pereira.- João Pessoa, 2014.

83f. : il. Orientadora: Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA

1. Linguística. 2. Oralidade. 3. Escrita. 4. Consciência fonológica. UFPB/BC CDU: 801(043)

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AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos a Deus pela realização de mais um sonho, de mais uma etapa importante da minha vida, que contribuiu para o meu crescimento profissional e pessoal.

À minha orientadora, professora Drª. Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa, pela honrável postura acadêmica, apoio e acompanhamento, fazendo-se sempre presente e dando suporte com significativas contribuições durante todo o processo de construção deste trabalho.

Meus agradecimentos especiais ao meu esposo, Péricles, pelo apoio, motivação e incentivo para prosseguir na minha caminhada acadêmica; e à minha filha, Iris, a quem tanto amo, os quais foram compreensivos com a minha ausência no decorrer da feitura deste trabalho.

Ao professor Dr. Rubens Marques e à professora Drª. Alvanira de Barros pelas significativas contribuições e sugestões dadas como membros da banca durante o processo de qualificação.

A Vera, secretária do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Ensino da

UFPB pelo cordial atendimento às nossas solicitações.

Meus agradecimentos a Ascenilma Alencar, grande amiga e companheira, com quem partilhei estudos, experiências, angústias e alegrias ao longo dessa jornada.

E, enfim, meus agradecimentos às crianças que participaram desta pesquisa, pois, sem elas, sua realização se tornaria inviável.

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“O mundo exige cada vez mais participação

na cultura escrita para que você possa

exercer sua cidadania.”

(Telma Weisz)

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RESUMO

O presente trabalho, de natureza sociolinguística, teve como objetivo analisar em uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental de rede pública municipal a relação entre a oralidade e a escrita no processo inicial de aquisição da escrita, de modo a desenvolver a consciência fonológica das crianças no conhecimento das relações grafofonêmicas. Apresenta uma abordagem qualitativa e descritiva, tendo como procedimentos metodológicos para coleta de dados: observação participante e avaliações diagnósticas. Esses instrumentos pautaram-se em duas dimensões: coletiva e individual. A dimensão coletiva ocorreu a partir das observações dos eventos de interação/intervenção professora/alunos em sala de aula, pautados na reflexão da língua materna, mediante aplicação de atividades de desenvolvimento da consciência fonológica e de aquisição do sistema de escrita alfabética. A outra dimensão, a individual, ocorreu mediante avaliações diagnósticas da escrita das crianças, adotando as contribuições de Ferreiro e Teberosky (1999), ao considerar a didática dos níveis pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético, e, ainda, mediante análise da correspondência entre fala e escrita, mais especificamente a representação das vogais orais médias na escrita. Nesta perspectiva, os resultados encontrados apontaram algumas dificuldades enfrentadas pelas crianças em processo inicial de aquisição da escrita, quando da representação escrita das vogais orais médias em posição postônica final, devido à recorrência de processos variáveis na produção oral dessas vogais, e evidenciaram que uma prática de ensino mediada pela relação entre a oralidade e a escrita contribui para o desenvolvimento da consciência fonológica, a qual contribui significativamente no processo de aquisição de escrita, podendo levar a criança à compreensão da transição entre língua oral e língua escrita, mediante o uso consciente da língua. Como proposta de intervenção foram fornecidos subsídios teóricos e práticos aos alfabetizadores, de modo a contribuir para ressignificar a prática pedagógica nas salas de aula de alfabetização, a partir de uma prática de mediação entre a oralidade e a escrita.

PALAVRAS-CHAVE : Oralidade. Escrita. Consciência fonológica.

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ABSTRACT This work, about sociolinguistic, aimed to analyze the relationship between orality and writing in the initial acquisition of writing, to develop phonological awareness of children knowledge of graphophonemic relationships in a 1st year class of a municipal public elementary school. It shows a qualitative and descriptive approach, taking as instruments for data collection: participant observation and diagnostic assessments. These instruments guided in two dimensions: individual and collective. The collective dimension came from observations of the interaction events/ intervention teacher/ students in the classroom, guided by the reflection of the mother tongue, by application of development of phonological awareness and the acquisition of the alphabetic writing system activities. The other dimension, the individual, occurred through diagnostic assessments of children's writing, adopting the contributions of Ferreiro and Teberosky (1999), considering the teaching of pre-syllabic, syllabic, syllabic-alphabetic and alphabetic levels, and also through examination of the correspondence between speech and writing, specifically the representation of middle orals vowels in the written. In this perspective, the founded results pointed out some difficulties faced by children in initial acquisition of writing, when writing representation of the middle orals vowels in final posttonic position, due to the recurrence of variables process in the oral production of this vowels, and showed that a practical education mediated by the relationship between orality and writing contributes to the development of phonological awareness, which contributes to the acquisition of the writing process significantly, which may lead the child to understand the transition between oral language and written language, through the conscious use of language. As a proposal for intervention were provided theoretical and practical subsidies for literacy, to contributing to reframe the pedagogical practice in classrooms literacy, from a practice of mediation between orality and writing. KEYWORDS: Orality. Writing. Phonological awareness.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................8

2 O ENSINO DA LÍNGUA E SUAS DIMENSÕES: ORA L E ESCRITA ...........12

2.1 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE

AQUISIÇÃO DA ESCRITA........................................................................................12

2.2 RELAÇÃO FALA E ESCRITA ......................................................................16

2.3 PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA.................................................19

2.3.1 Variação da fala e reflexos na escrita ........................................................25

2.3.2 Aquisição da escrita alfabética ..................................................................27

2. 4 CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA

ESCRITA ..................................................................................................................29

2.4.1 Níveis de consciência fonológica . ............................................................30

2.4.1.1 Consciência no nível das sílabas ..................................................................31

2.4.1.2 Consciência no nível intrassilábico................................................................31

2.4.1.3 Consciência no nível dos fonemas................................................................32

2.4.2 A relação entre consciência fonológica e a evolução das hipóteses de

escrita ...................................................................................................................... 34

3 METODOLOGIA ...........................................................................................40

3.1 PROCEDIMENTOS PARA COLETA E ANÁLISE DE DADOS......................41

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DAS ANÁLISES .52

4.1 RESULTADOS DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA .................52

4.1.1 Análise e descrição de amostras de avaliaç ão de escrita .......................56

4.2 RESULTADOS DE AVALIAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DE CONSCIÊNCIA

FONOLÓGICA DAS CRIANÇAS PESQUISADAS....................................................60

4.3 AVALIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA REPRESENTAÇÃO

ESCRITA DAS VOGAIS ORAIS MÉDIAS POSTÔNICAS EM POSIÇÃO FINAL......62

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................66

REFERÊNCIAS .............................................................................................69

ANEXOS .......................................................................................................73

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1 INTRODUÇÃO

O cenário educacional brasileiro demonstra que é baixo o desempenho dos

alunos em leitura e escrita e isso pode ser comprovado através de dados do Censo

demográfico de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) e de resultados de exames avaliativos nacionais - como Prova Brasil, Prova

ABC, Provinha Brasil, dentre outras, utilizadas pelo Sistema de Avaliação de

Educação Básica (SAEB) -, que monitoram e pontuam indicadores de qualidade da

Educação nacional mediante médias de desempenho dos alunos em avaliações

municipais e estaduais. E, apesar dos avanços na política educacional brasileira,

ainda é considerável a demanda pela melhoria nos resultados da alfabetização de

crianças da rede pública. De acordo com o Censo demográfico 2010, a média

nacional de crianças brasileiras que chegam aos oito anos de idade sem estarem

alfabetizadas é de 15,2%.

Os resultados das avaliações nacionais revelam ainda que as crianças da

escola pública concluem o 3º ano do Ensino Fundamental com conhecimentos

insatisfatórios no que se refere à leitura e à escrita. Essa problemática tem sido

vivenciada, cotidianamente, pelos professores alfabetizadores da escola pública

brasileira. Realidade esta, constatada, principalmente, através das dificuldades

básicas apresentadas pelas crianças referentes às competências de leitura e escrita,

o que demonstra incoerência com o proposto na Lei n◦ 9.394 de 20 de dezembro de

1996 - Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), que em seu Art. 32,

Inciso I, explicita:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; [...]

Mediante este contexto, faz-se urgente repensar o processo de alfabetização

e letramento que a escola vem desenvolvendo nos anos iniciais.

Partindo desse quadro preocupante referente à alfabetização de crianças no

contexto nacional e de um olhar a partir da prática e do discurso de professores

alfabetizadores compartilhados na minha vivência na escola, enquanto professora

alfabetizadora dos anos iniciais, precisamente do 1º ano do ensino fundamental,

inquietam-me algumas questões de ordem teórico-metodológica em que ocorre o

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processo de alfabetização e letramento vivenciado nas salas de aula do ciclo de

alfabetização, mais especificamente, as práticas adotadas relativas à aquisição da

escrita no processo inicial de alfabetização e letramento das crianças.

Neste contexto, com base nas minhas vivências na escola, observa-se ainda

no processo de alfabetização a predominância de práticas pedagógicas que

concebem a aquisição da escrita desvinculada de uma construção e reflexão sobre a

apropriação do sistema de escrita alfabética, na qual a criança é condicionada ao

mero exercício da cópia, transcrever da lousa para o caderno, sem refletir sobre o

sistema de escrita alfabética. O alfabeto não é compreendido como um sistema

notacional, mas apenas como um código de escrita. Considerado dessa forma, o

processo de alfabetização é pautado em códigos de escrita que se expressam

apenas em atitude de cópia sem levar a criança a refletir sobre o código linguístico,

o significado e função social da escrita, ou seja, um ensino sem instrução para

reflexão sobre o uso da língua materna. Nesse modo de ensino para aquisição da

escrita, percebe-se que as crianças inicialmente apresentam baixa autoestima

quando colocadas inicialmente em atividades de escrita espontânea - tentativas de

representar, pela escrita, a oralidade de suas competências comunicativas -, elas se

recusam a tentar escrever sem apoio da escrita já pronta para transcrevê-la.

Estas observações reforçam a necessidade de um novo olhar sobre o

processo de aquisição da escrita e as práticas de alfabetização e letramento, que

compreenda a aquisição do sistema de escrita alfabética vivenciada em uma prática

de mediação entre a oralidade e a escrita, em um processo de compreensão e

reflexão do código linguístico e de desenvolvimento da consciência fonológica.

Nesta perspectiva, apresentamos como objetivo geral:

- analisar, em uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental da rede pública

municipal da cidade de João Pessoa-PB, a relação entre a oralidade e a escrita no

processo inicial de aquisição da escrita, de modo a construir a consciência

fonológica das crianças.

E para respaldar essa intenção, elencamos como objetivos específicos:

- verificar como se realiza a mediação entre a oralidade e a escrita no

processo inicial de aquisição da escrita pelas crianças;

- investigar como a prática de relação entre a oralidade e a escrita contribui

para a construção da consciência fonológica das crianças, de modo a desenvolver

suas capacidades de produção de escrita;

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- investigar mais especificamente a construção da consciência fonológica na

representação escrita das vogais orais médias.

Os objetivos propostos buscam respostas para as questões levantadas nesta

pesquisa: Como se dá a relação de mediação entre a língua oral e a língua escrita

no processo inicial de aquisição da escrita pelas crianças? Como essa mediação

pode contribuir para a construção da consciência fonológica das crianças, de modo

a desenvolver suas capacidades de produção de escrita? De que forma as crianças

desenvolvem a consciência fonológica na representação escrita das vogais orais

médias?

Na busca de respostas às questões levantadas e na perspectiva de estimular

e propor mudanças nas práticas de alfabetização e letramento nos anos iniciais, esta

pesquisa pretendeu observar se uma prática de mediação entre a oralidade e a

escrita pode levar a criança à construção da consciência fonológica, considerada

relevante e decisiva no processo inicial de aquisição da escrita. Dessa forma, será

despertada na criança a compreensão de que os sons podem ser representados

pelas letras, levando-a a estabelecer uma correspondência entre fala e escrita, isto

é, estabelecendo a consciência da relação fonema/grafema, o que se constitui,

neste trabalho, um fator relevante, porém não único, para o processo de transcrição

da língua oral para a língua escrita.

Nesse sentido, esta pesquisa realizou-se na perspectiva de uma abordagem

qualitativa, etnográfica, mediante observação participante. Aqui, faz-se necessário

definir claramente que o objeto desta pesquisa não serão os métodos de ensino

empregados para alfabetização e sim, a construção da consciência fonológica das

crianças, especificamente a construção da consciência fonológica na representação

escrita das vogais orais médias /e/ e /o/, visto que estas apresentam variações na

pronúncia nas posições átonas, principalmente na posição pós-tônica final, sendo

essas variações transpostas para a escrita pelas crianças, como por exemplo: bolo

/bolu/, pote /poti/, amigo/amigu/.

Para tanto, este trabalho será distribuído de forma a contemplar as questões

que darão suporte teórico e metodológico ao objeto de estudo nele abordado. No

Capítulo 2 discutiremos os pressupostos teóricos que fundamentaram esta pesquisa,

de modo a aprofundar os conceitos abordados. Dentre eles, destacam-se os de

variação linguística; a relação entre oralidade e escrita, especificando as

correspondências entre grafemas e fonemas; o conceito e níveis de consciência

11

fonológica, sua relevância para o processo de aquisição de escrita, abordados na

perspectiva de alfabetização e letramento, visto que consideramos aqui o processo

de aquisição da escrita, sob a ótica de se alfabetizar letrando.

Dessa forma, no Capítulo 3 apresentaremos a metodologia da nossa

pesquisa, que é de abordagem qualitativa, descritiva, mediante a vertente

metodológica etnográfica. A partir desta vertente, este estudo de natureza

sociolinguística visa, além de analisar a relação fala/escrita no contexto da sala de

aula, pontuar propostas de intervenção e procedimentos didáticos específicos com

sugestões de algumas atividades e estratégias que auxiliem na construção da

consciência fonológica das crianças, de modo a facilitar o processo de aquisição da

escrita nos anos iniciais do processo de alfabetização e letramento.

No capítulo 4 descreveremos a análise e a descrição dos dados coletados no

decorrer da pesquisa. Esperamos fornecer informações pertinentes e relevantes aos

professores alfabetizadores sobre o processo de ensino da língua materna e sobre a

importância de se considerar a construção da consciência fonológica no processo de

alfabetização e de letramento. Também proporemos estratégias que, independente

do método de alfabetização adotado, promovam intervenções didáticas mais

pontuais e que auxiliem os professores alfabetizadores a compreenderem o

percurso de aprendizagem construído pela criança no início da aquisição da escrita

e a saberem o que ensinar e como ensinar, a fim de facilitar o processo de

transcrição da língua oral para a escrita.

Nesta dinâmica, finalizaremos o nosso trabalho com as Considerações finais,

na qual pontuaremos nossos posicionamentos sobre a análise e os resultados da

pesquisa e a sua relevância para o processo de alfabetização e letramento das

crianças.

12

2 O ENSINO DA LÍNGUA E SUAS DIMENSÕES: ORAL E ESCR ITA

De acordo com a proposta do Ministério da Educação e Cultura – MEC, o

ensino da Língua Portuguesa deve fundamentar-se no pressuposto de que a língua

se realiza nas práticas sociais, no uso, ou seja, a partir de sua função social. Nesse

sentido, os conteúdos devem contemplar as duas dimensões da língua: a língua oral

e a língua escrita, numa ótica de análise e reflexão sobre seus usos e formas.

Nessa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua

Portuguesa - PCN’s (2001) defendem como proposta curricular o ensino da língua

planejado em função do eixo uso-reflexão-uso, devendo essa reflexão estar

incorporada às atividades linguísticas do aluno, colocando-o na condição de sujeito

do processo de construção e compreensão dos usos e formas da língua.

Partindo desta compreensão de considerar os usos da língua, em busca de

compreender como ocorre o processo de aquisição da língua escrita pela criança

alfabetizanda, elaboramos a hipótese geral desta pesquisa, a de que uma prática de

mediação entre a oralidade e a escrita pode levar a criança à construção da

consciência fonológica e à compreensão do processo de transcrição da língua oral

para a língua escrita. Nesse sentido, consideramos o desenvolvimento da

consciência fonológica como de fundamental importância para o processo de

aquisição da escrita.

Tratar concepções teóricas que envolvem a língua oral e a língua escrita

remete-nos a fazer uma breve discussão sobre a variação linguística, devido à

influência das variações nas transcrições da oralidade para a escrita.

2.1 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E SUA INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE

AQUISIÇÃO DA ESCRITA

Compreender a relação entre fala e escrita nos leva a discutir um pouco sobre

variação linguística, respeitando a dimensão heterogênea e sistemática da língua,

considerando que na fala ocorrem variedades linguísticas decorrentes do uso

concreto da língua que os falantes fazem em determinadas situações

sociocomunicativas em que estão inseridos e que, essas, enquanto tendências

naturais da língua, influenciam no processo de transcrição da fala para a escrita.

Ao considerar o contexto situacional em que ocorrem as variações linguísticas

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podemos identificá-las em todos os níveis da língua - situá-las a partir de diferenças

lexicais, gramaticais, fonéticas, fonológicas, morfológicas, sintáticas, que variam

segundo os contextos de comunicação dos falantes. Sendo assim, as variações

decorrem de situações de comunicações reais da língua em determinadas

comunidades de falantes e variam de acordo com as características específicas de

cada grupo, sempre inseridas numa dimensão de relação de concorrência da norma

não-padrão com a norma padrão, aquela social e gramaticalmente adequada. A

esse respeito Tarallo (1990, p. 11-12) afirma: “As variantes de uma comunidade de

fala encontram-se sempre em relação de concorrência: padrão vs. não-padrão;

conservadoras vs. Inovadoras; de prestígio vs. estigmatizadas [...]”. Isso demonstra

a presença, embora concorrente, de várias formas de se falar a mesma coisa, o uso

de uma ou outra variante caracteriza o domínio social em que cada membro da

comunidade esteja inserido. Desse modo, a língua é encarada como um fator

predominante na identificação do modo de vida dos falantes e de seus papéis

sociais em uma determinada comunidade.

Parafraseando Bortoni-Ricardo (2004, p. 23), as variações linguísticas estão

intrinsecamente relacionadas aos domínios sociais em que o falante está inserido.

Consideram-se domínios sociais, os ambientes em que a criança inicia seu processo

de socialização, como a família, os amigos e a escola, nos quais ela assume

determinados papéis sociais. E ainda acrescenta: “Quando usamos a linguagem

para nos comunicar, também estamos construindo e reforçando papéis sociais

próprios de cada domínio.” Deste modo, as diferenças linguísticas se revelam nas

interações realizadas pelas pessoas ao assumir determinados papéis sociais, por

conseguinte esses papéis determinam a linguagem a ser usada em cada contexto

comunicativo.

Cabe aqui, considerar especificamente as variações linguísticas ocorridas nos

diferentes domínios sociais da criança, quando na inserção de uma cultura de

letramento vivenciada pela escola, mediada pela escrita; e uma cultura de oralidade

conduzida pela informalidade da fala nas interações entre a família e os amigos. O

que se constata nas variações que observamos nos diálogos com as crianças no

cotidiano da sala de aula, por exemplo, quando na construção de uma lista de

palavras das partes do corpo, a criança pronuncia a palavra IMBIGO para UMBIGO

e mesmo após a intervenção da professora ela transcreve para a escrita a forma

falada, trazida do contexto social em que ela se insere para o uso formal da língua

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na escola, deixando evidente a marca da oralidade na escrita, ou seja, a influência

da internalização das variantes na consciência fonológica, por conseguinte na

representação da escrita.

Mediante as situações de uso das variantes linguísticas, cabe à escola

considerar a língua sob a ótica da heterogeneidade. Corroborando Weinreich, Labov

e Herzog (2006), faz-se necessário considerar a heterogeneidade linguística de

forma ordenada, a qual dá funcionalidade eficiente à língua, mesmo quando a língua

muda, a comunicação se efetiva entre os membros de uma comunidade linguística.

Ao considerar a heterogeneidade ordenada da língua, o linguista aponta a

necessidade de romper com a visão de identificação entre estruturação e

homogeneidade da língua, pois a heterogeneidade também é estruturada, ordenada

e não aleatória, e isso garante a eficiência da comunicação.

Nesta perspectiva, cabe à escola compreender as diferenças entre as

variáveis da língua, e considerar “[...] que não existe forma ‘certa’ ou ‘errada’ de

falar, mas sim formas adequadas às diversas situações” (BORTONI-RICARDO,

2004, p. 30). Isso reforça a relevância de se valorizar os contextos de comunicação -

as comunidades falantes de que os alunos fazem parte, concebendo assim a língua

sob a ótica da heterogeneidade.

Acrescenta Bortoni-Ricardo (2004, p. 9): “[...] os chamados ‘erros’ que nossos

alunos cometem têm explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua.

Portanto, podem ser previstos e trabalhados com uma abordagem sistêmica.”

Podemos interpretar esses “erros” como inadequações à norma padrão.

Inadequações estas decorrentes da comunidade de fala do aluno. Neste sentido,

faz-se necessário o trabalho da língua materna também em uma perspectiva da

variedade não-padrão, o que implica considerar a oralidade do aluno e desmistificar

o conceito de “erro”, mostrando que o “erro” remete a estigmas que se traduzem em

diferenças sociais, culturais e econômicas. A respeito disso, Bagno, ao escrever o

Prefácio do livro: A educação em língua materna: a Sociolinguística na sala de aula

de Ricardo-Bortoni (2004, p. 9) pontua:

[...] nas disputas do mercado linguístico, diferença é deficiência. Por isso, cabe à escola levar os alunos a se apoderar também das regras linguísticas que gozam de prestígio, a enriquecer o seu repertório linguístico, de modo a permitir a eles o acesso pleno à maior gama possível de recursos para que possam adquirir uma ‘competência comunicativa’ cada vez mais ampla e diversificada - sem que nada disso implique a desvalorização de sua própria variedade linguística, adquirida nas relações sociais dentro da comunidade.

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Nesta perspectiva, o espaço da sala de aula deve ser utilizado para

desconstruir práticas de estigmatização da língua, adotando práticas metodológicas

de transcrição da variedade não-padrão para a variedade padrão - não apenas

privilegiando a variedade padrão em detrimento das demais variedades da língua -,

de modo que o aluno de classes sociais menos favorecidas adquira competência

comunicativa, fazendo uso adequado da fala (saber o que falar e como falar), de

acordo com as demandas linguísticas dos diferentes contextos e práticas sociais em

que ele esteja inserido.

Isso nos remete a evidenciar a competência comunicativa de um falante,

entendida como as adequações que ele faz no uso efetivo de sua fala aos diversos

eventos comunicativos com os quais ele interage em diferentes contextos sociais, de

modo que o uso da fala pode manifestar-se a partir de dois fatores: monitoração

linguística e espontaneísmo. A monitoração definida enquanto o uso da fala

monitorada, mais formal, adequada à norma culta, e o espontaneísmo como fala

coloquial, utilizada em contexto informal, sem monitoração linguística. Portanto, “[...]

o grau de monitoração que um falante pode conferir a sua fala vai depender dos

recursos comunicativos que ele já adquiriu, no contato com a língua escrita e com

eventos monitorados de linguagem oral” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 29).

Nesse sentido, o monitoramento da escrita está relacionado à inserção da

pessoa na cultura letrada, ao seu nível de letramento, ou seja, como ela faz uso e

adequação da língua escrita em diferentes práticas sociais; enquanto os eventos de

monitoração da fala estão intrinsecamente relacionados à aquisição da competência

comunicativa pelo falante. Segundo Bagno (2010, p. 45-46)

[...] todo e qualquer indivíduo varia a sua maneira de falar, monitora mais ou menos o seu comportamento verbal, independentemente de seu grau de instrução, classe social, faixa etária, etc. Trata-se de um comportamento que é adquirido muito rapidamente no convívio social [...]. O monitoramento da fala, [...] faz parte do aprendizado das normas sociais que prevalecem em cada cultura, normas que são apreendidas por observação e imitação, mas também ensinadas explicitamente às crianças pelos pais e outros adultos.

Sendo assim, podemos afirmar que, desde cedo, a criança se coloca na

condição de aprendiz de monitoramento da fala nas diversas interações sociais das

quais ela participa, visto que, no início do processo de alfabetização, ou melhor, ao

ingressar na escola, a criança já desenvolveu sua competência linguística, isto é, ela

é um falante competente de sua língua materna. Entretanto, nesse momento, é

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imprescindível que a escola promova situações que desenvolvam nela a

competência comunicativa, tanto na oralidade como na escrita, de modo a torná-la

capaz de fazer uso adequado da língua nas diferentes práticas sociais.

A partir das discussões acima, faz-se pertinente pontuar que os fenômenos

variáveis não são aleatórios, obedecem a critérios que podem ser de natureza

diatópica, diastrática, diamésica, diafásica, diacrônica e estilística, que ocorrem em

todos os níveis da língua e influenciam no seu uso e no processo de transcrição da

fala para a escrita, principalmente no processo inicial de alfabetização, no qual a

criança tende a escrever da forma como fala, por pensar que se escreve como se

fala. No entanto, cabem ao professor cuidados quanto à escrita da criança, pois as

variáveis linguísticas podem ser ativadas nos “erros” da escrita, principalmente

naqueles decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis.

Como afirma Mollica (1998, p. 99): “[...] os erros são entendidos como

hipóteses que os alfabetizandos constroem nas diversas fases de aquisição da

escrita, refutadas ou confirmadas conforme o caso.” Sendo assim, podem ser

previsíveis e indicadores de pistas para entender melhor o que ocorre no processo

de aquisição da escrita pela criança.

2.2 RELAÇÃO FALA E ESCRITA

Antes de tratar das questões relativas à relação entre fala e escrita é

pertinente conceituá-las. Segundo Marcuschi (2010, p. 25), a fala, situada no plano

da oralidade, é uma forma de concretização da língua expressa através de “[...] sons

sistematicamente articulados e significativos [...]” para fins comunicativos na

modalidade oral. Já a escrita é uma modalidade de uso da língua complementar à

fala, representada graficamente (por unidades alfabéticas ou iconográficas) com fins

comunicativos.

Logo, fala e escrita constituem-se em duas modalidades de uso da língua,

representadas respectivamente por aspectos sonoros e gráficos, com

intencionalidade comunicativa.

A partir dessas conceituações, vamos reportar-nos a conhecer um pouco

sobre as tendências de estudo que tratam das relações entre fala e escrita.

Para Marcuschi (2010), ao longo da história, os estudos linguísticos,

referentes à relação entre as duas modalidades de uso da língua - fala e escrita -

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foram assumindo diferentes perspectivas teóricas: a perspectiva das dicotomias

(BERNSTEIN, 1971; HALLIDAY, 1985), a perspectiva variacionista (LABOV, 1972;

BORTONI-RICARDO, 1992, 1995) e a perspectiva sociointeracionista (KOCH, 1992;

KLEIMAN, 1995; MARCUSCHI, 1986, 1992, 1995). Vejamos:

a) Perspectiva dicotômica defende a relação entre fala e escrita como

modalidades estanques e opostas, adotando uma visão preconceituosa da fala,

enquanto lugar do erro e da norma não padrão; e supervalorizando a escrita,

atribuindo-lhe uma condição de autonomia e status de superioridade, vista enquanto

lócus da norma padrão.

b) Perspectiva variacionista , por sua vez, não faz distinções entre fala e escrita,

seu interesse se restringe às regularidades e variações do uso da língua, levando

em conta que tanto fala como escrita são passíveis de variações linguísticas,

dependendo das situações e contextos de uso da língua.

c) Perspectiva sociointeracionista preocupa-se com questões cognitivas e

processos de textualização na oralidade e na escrita. Centra-se nas diversidades de

formas textuais e nos processos de produção de sentidos.

Um fato que é relevante mencionar: assim como a escrita para alguns

linguistas assume posição de privilégio, para outros, a fala apresenta precedência

sobre a escrita. Segundo Cunha, Costa e Martelotta (2009, p. 26):

Os lingüistas, portanto, consideram as formas faladas e escritas pertencentes a sistemas distintos, [...]. Logo, embora sobrepostos, esses sistemas devem ser analisados separadamente: a fala, primeiro, depois a escrita.

A tendência em analisar primeiro a fala se justifica pelo fato de

cronologicamente a fala preceder a escrita e ser entendida como a língua primária,

daí a relevância dada à fala. Entretanto, sob uma visão de status social, em uma

sociedade letrada, a escrita torna-se superior à fala. Vale considerar que essa

postura não reflete parâmetros linguísticos e sim uma postura ideológica.

(MARCUSCHI, 2010).

Considerar as perspectivas teóricas elencadas acima, retrata o nosso

interesse em entender melhor as diferentes tendências referentes à relação entre

fala e escrita. Como síntese, Marcuschi (2010, p. 34) afirma:

As relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante dinamismo fundado no continuum que se manifesta

18

entre essas duas modalidades de uso da língua. Também não se podem postular polaridades estritas e dicotômicas estanques.

Entretanto, a nossa intencionalidade maior não é discutir a língua a partir de

concepções teóricas que tratam a relação entre fala e escrita num continuum ou

numa dicotomia polarizada, não nos interessa aprofundar ou optar por uma

tendência de supervalorização da fala ou de precedência da escrita. Para atender ao

propósito maior da nossa pesquisa, aqui a discussão da relação entre fala e escrita

se restringe à aquisição da escrita alfabética, a buscar contribuições teóricas que

expliquem: Como se dá a relação fala e escrita no processo de aquisição da escrita

nos anos iniciais de alfabetização e letramento da criança? Como ocorre nesse

processo a mediação entre o oral e o escrito, entre o sonoro e o gráfico? Essas

questões devem ser discutidas de modo a demonstrar como desenvolver a

consciência fonológica das crianças e contribuir qualitativamente para a

alfabetização e o letramento destas, levando-as à reflexão sobre sua língua oral e

escrita.

Nesta direção, a relação entre a oralidade e a escrita deve partir de atividades

que envolvam a identificação auditiva das palavras, mediante análise de palavras

que tenham os mesmos sons iniciais, que tenham os mesmos sons finais, dentre

outras, de modo a desenvolver a capacidade de manipular os sons da língua de

forma consciente e de fazer a escrita ter sentido para a criança, desenvolvendo suas

habilidades fonológicas e levando-a a compreender e se apropriar do princípio

alfabético.

Ainda sobre a questão da relação fala e escrita Marcuschi (2010, p. 16)

afirma que a fala é situada no plano da oralidade e a escrita é uma prática de

letramento, sendo assim, são, por ele, consideradas “[...] como atividades interativas

e complementares no contexto das práticas sociais e culturais.” Considerando a

sociedade grafocêntrica em que vivemos não podemos deixar de considerar a

importância dos variados usos da fala e da escrita enquanto práticas comunicativas

da nossa vida cotidiana.

Nesta perspectiva, a discussão em torno da língua oral conduz à necessidade

de compreendê-la vinculada à língua escrita, não deixando de levar em conta que

essa abordagem também se dá a partir da prática de leitura. De acordo com os

PCN´s da Língua Portuguesa (2001, p. 52):

19

“[...] leitura e escrita são práticas complementares, fortemente relacionadas, que se modificam mutuamente no processo de letramento – a escrita transforma a fala (a constituição da fala letrada) e a fala influencia a escrita (o aparecimento de ‘traços da oralidade’ nos textos escritos).”

Isto significa que na representação da fala na escrita percebe-se a influência

dos contextos de comunicação da criança, assim como com a aquisição da escrita, a

criança constrói conhecimentos sobre o uso mais competente da fala.

Parafraseando Silva (1981, p. 5), no processo de alfabetização a aquisição da

escrita se constitui uma prática mais complexa do que a leitura, pois exige, não

apenas, compreensão das regras de reconhecimento dos símbolos, mas implica um

processo de produção, enquanto a leitura apenas mobiliza regras de

reconhecimento dos símbolos, compreensão da ideia, assim considerada de caráter

mais simples para a criança.

Sendo assim, na fase de transferência do oral para o escrito o aprendiz deve

ser levado a “[...] observar que os sinais sonoros têm equivalência gráfica (embora

imprecisa), e, portanto a mensagem poderá ser recebida também por meio de sinais

escritos, mas também será treinado a decodificar esses sinais, ou seja, a ler.”

(SILVA, 1981, p. 6).

Nesse sentido, isto nos leva a uma reflexão sobre a escrita, do que ela

representa e como ela representa graficamente a linguagem, motivando uma prática

de alfabetização e letramento capaz de levar a criança à compreensão de que para

tudo que se fala existe uma forma de se registrar através da escrita (escrita

alfabética).

2.3 PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA

O surgimento da escrita se deu pela necessidade de o homem registrar a sua

linguagem e torná-la viva no decorrer dos tempos. A primeira escrita a ser inventada

pela humanidade recebeu o nome de escrita ideográfica caracterizada pelo registro

das ideias que representam as palavras. A segunda foi a escrita fonográfica que

representa a linguagem a partir dos sons das palavras. Ao situarmos esses dois

tipos de escrita1 no contexto da linguagem, considerando que a linguagem se efetiva

por meio de signos linguísticos, constituídos de SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO,

1 Sobre os tipos de escrita, ver Manssini-Cagliari; Cagliari (1999).

20

podemos dizer que a escrita ideográfica encontra-se no plano de representação das

ideias (SIGNIFICADO) e a escrita fonográfica envolve a representação das palavras

pelos sons (SIGNIFICANTE), podendo ser representada por segmentos menores

(sílabas) ou por segmentos maiores (palavra).

Existem vários tipos de escrita fonográfica, porém aqui vamos centrar-nos no

sistema de escrita mais usual em nossa língua - Escrita fonográfica, que pode ser

silábica, consonantal, fonética ou alfabética, alfabética ortográfica. A escrita fonética

ou alfabética se distingue da alfabética ortográfica pelo fato de a primeira se

constituir na representação dos sons da fala, tal como pronunciamos, utilizando as

letras do alfabeto para representá-los, enquanto a segunda conta com uma

padronização ortográfica.

A padronização ortográfica surge como um elemento relevante no processo

de transcrição da fala para a escrita, em decorrência da variação linguística, pois

tanto os sons que falamos como os símbolos escritos seriam motivados por

indicadores sociais e linguísticos, como por exemplo: as palavras pote e bolo

pronunciadas como /poti/ e /bolu/ possivelmente seriam representadas na escrita

(ainda não ortográfica) como se pronunciam: /poti/, /bolu/, pois nesse tipo de escrita

tanto a forma falada como a escrita se alteram pelo fenômeno da variação

linguística.

Neste contexto, como forma de se evitar a transferência da variação da fala

para a escrita dos diferentes falantes de uma língua, utiliza-se da Escrita alfabética

ortográfica, aquela que impõe “barreiras” ao fenômeno da variação e padroniza a

escrita ortograficamente, de modo arbitrário, convertendo as palavras a uma forma

padrão, única, considerada correta ortográfica e socialmente. Sendo assim:

Escrever ortograficamente significa escolher uma única forma para as palavras de uma língua, independentemente de quantas pronúncias diferentes possam estar ligadas a elas. A escolha de qual seja a forma ortográfica de cada palavra é, em geral, arbitrária. Às vezes, nem sequer corresponde a uma das possíveis pronúncias da palavra na língua. Este é o caso, por exemplo, da palavra ‘MUITO’, no português, já que nenhum falante dessa língua, seja de qual classe social ou de qual região for, pronuncia o ditongo UI sem nasalidade. (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 30-31).

Essa discussão leva-nos a pensar na relevância que cada letra representa no

processo de transcrição dos sons da fala para a escrita. Deste modo, para entender

o que cada letra representa, faz-se necessário defini-la a partir de seus dois

21

aspectos fundamentais: o gráfico e o funcional. A letra apresenta uma forma gráfica

(física) e uma funcional que determina o seu valor, sua representação abstrata (o

nome e o som que ela pode representar) dentro do sistema. Sendo assim, explica-

se: “[...] o que determina o valor de cada letra dentro de um sistema de escrita como

o nosso, que não é puramente fonográfico nem ideográfico, mas mistura de ambos,

é a ORTOGRAFIA.” (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 37, grifo do autor).

E é justamente nesse aspecto funcional caracterizado pelo valor de cada letra

que, enquanto alfabetizadoras, observamos o quanto este dificulta a aquisição da

escrita no processo de alfabetização das crianças. Visto que:

[...] as relações entre letras e sons (estabelecidas na leitura ) são diferentes das relações entre sons e letras (estabelecidas na escrita ), devido ao fato de uma palavra poder ser pronunciada de diversas maneiras [...] e ter de ser escrita por meio de uma única forma congelada, estabelecida pela ortografia. (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 38, grifo do autor).

Parafraseando Massini-Cagliari (1999), a variação das letras em sua forma

gráfica e a não identificação das letras dentro do sistema comprometem o processo

de alfabetização e podem causar sérios problemas à aquisição da leitura e escrita.

Ainda aponta a necessidade e relevância de se trabalhar com um único alfabeto no

processo inicial de alfabetização, dando preferência ao alfabeto de letras de forma

maiúscula, considerado o mais eficaz, isto porque:

[...] nesse alfabeto, as letras têm uma maior diferenciação da forma gráfica entre si, além de serem escritas sem qualquer tipo de ligadura. Isto, além de facilitar a categorização gráfica, faz com que haja menos problemas de categorização funcional das letras, pois, diferenciando melhor graficamente as letras, as crianças passam a construir mais facilmente as relações entre letras e sons e entre sons e letras, sem confundir sinais. (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 54-55).

A adoção dessa prática aponta para a possibilidade de evitar ou atenuar

alguns problemas de categorização gráfica, referentes aos aspectos físicos da

grafia. Vale ressaltar que a transliteração do alfabeto de letra de forma para outro

faz-se necessária, porém deve ser feita apenas quando a criança já tiver domínio da

forma gráfica, para assim resolver, em grande parte, seus conflitos relativos à

categorização funcional.

Outra grande dificuldade enfrentada pela criança no processo de aquisição de

escrita ocorre devido às diferenciadas e complexas relações entre os sons da fala e

as letras da língua escrita.

22

A esse respeito, Lemle, ao escrever o Prefácio do livro: Leitura, ortografia e

fonologia, de Silva (1981, p. VII), afirma: ”[...] aprender a ler e escrever é construir

um complexo sistema de representação simbólica: as letras representam sons.”

Portanto, cabe-nos aqui compreender como se dá a construção desse sistema de

representação simbólica, levando em consideração que os sons das letras estão

condicionados a sistemas de representação específica, que podem ser de natureza:

fonética, fonêmica e morfofonêmica. E, dependendo da natureza dessa

representação, podem existir casos de letras representadas por um único som

(representação fonética) e casos de uma única letra ser representada por vários

sons (fonêmica e morfofonêmica). Deste modo, pontuamos que no processo de

alfabetização ocorrem diferenciadas relações entre os sons da fala e as letras do

alfabeto.

Assim, para lidar com essa complexidade, Lemle (2009) elenca algumas

capacidades básicas para a alfabetização:

a) compreender a ligação simbólica entre letras e sons da fala;

b) perceber as distinções entre as letras;

c) ouvir e ter consciência dos sons da fala, com suas distinções relevantes na língua;

d) apreender o conceito de palavra, enquanto unidade vocabular e a utilizar a

segmentação das palavras;

e) compreender a organização espacial da página.

E conclui afirmando que “[...] só será capaz de escrever aquele que tiver a

capacidade de perceber as unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para

enunciar as palavras e distingui-las conscientemente uma das outras.” (LEMLE,

2009, p. 9).

Nesse sentido, para consolidar a aquisição da escrita, a criança precisa

refletir sobre o sistema de escrita alfabética, compreendê-lo como um sistema

notacional, no qual a escrita nota a pauta sonora, ou seja, reconhecer que ao

escrever se representam as cadeias sonoras emitidas pela fala e não o significado

das palavras. Isto implica desenvolver a consciência dos sons da fala, reconhecer

que as palavras são formadas por unidades menores, as sílabas, e que essas

unidades menores são, por sua vez, formadas por unidades ainda menores, os

fonemas, que são representados por letras (nem sempre em uma relação

biunívoca). Enfim, perceber que as palavras se constituem de cadeias sonoras e que

23

são distintas umas das outras.

A pertinência dessa discussão leva-nos a compreender que no processo de

aquisição da escrita a criança deve ir além do plano do significado das palavras para

compreendê-las de forma consciente, a partir de sua estrutura interna. Nesse

sentido, Alves (2009) aponta a necessidade de se refletir sobre a estrutura da língua,

sobre a estrutura interna das palavras: perceber como as palavras são formadas,

como se organizam e como podem ser manipuladas a partir das cadeias sonoras

que as compõem.

Para melhor aprofundar essa questão vamos considerar alguns tipos de

relações existentes entre sons e letras. Lemle (2009) aborda essas relações fazendo

analogias ao casamento, considerando que elas ocorrem em correspondência

biunívoca e correspondências múltiplas entre letras e sons e sons e letras,

respectivamente: monogamia, poligamia ou poliandria e concorrência.

No primeiro tipo, a monogamia, a correspondência entre som e letra é

precisa, cada letra corresponde a um som e cada som a uma letra, o que chamamos

de correspondência biunívoca entre fonemas2 e letras. Essas relações, em

português brasileiro, ocorrem apenas com as letras:

p /p/; b /b/;

v /v/; f /f/;

t /t/; d /d/;

a /a/.

No segundo tipo, a poligamia ou poliandria, existem diferenciadas

correspondências entre letras e sons e sons e letras, caracterizadas por

correspondências múltiplas:

- uma letra que representa diferentes sons, dependendo de sua posição na

palavra, como os casos das letras: s [s] - sala, [z] - casa, [ṧ] - resto, [ẑ] rasgo; m [m] -

mala- campo; n [n] – nada - conto; l [l] – bola, [u] - sal; e3 [e] - dedo ou [ԑ] - pedra; [i]

padre; [o] - bolo ou [ɔ] - cova; [u] - bolo;

2 Segundo Lemle (2009, p. 18), chamamos de fonemas, em linguística, uma unidade de som

caracterizada por um dado de feixe de traços distintivos. Traços distintivos são características de som que são relevantes na diferenciação entre unidades do sistema. Por convenção, esse tipo de unidade é representado entre barras inclinadas (/ /). 3 Neste caso, não consideramos as letras E e O quando soam, respectivamente, como /i/ e

/u/, sendo casos motivados pela ortografia - segundo a posição que a letra ocupa na palavra -, e sim, como motivados pela variação linguística, expressando a influência da oralidade na escrita, de acordo com a comunidade linguística dos falantes.

24

- um som representado por diferentes letras, segundo a posição, como em:

[k] c - casa / qu - pequeno; [g] g – gato / gu - guitarra; [R] rr – carro / r – rua;

[∂w)] ão – portão / am – cantaram; [ku] qu - aquário / cu – pirarucu.

Por fim, há o terceiro tipo, a concorrência, na qual existem letras que

representam fones idênticos em contextos idênticos, isto é, duas letras representam

(concorrem) o mesmo som, na mesma posição, como [z] intervocálico; [s]

intervocálico diante de a, o, u, e, i e precedidas por consoante; [u] no final da sílaba

e o fone zero no início da palavra, que é o caso da letra h.

Dentre essas relações entre som/letra e letra/som, além das restrições que a

posição da letra na palavra impõe ao seu valor sonoro e forma gráfica ainda

podemos considerar um fator relevante: a influência dos traços da fala na escrita,

vinculada ao fenômeno das variações linguísticas, que podem alterar essas

relações, considerando a comunidade linguística em que o falante esteja inserido e

outros fatores de ordem social, econômica, cultural etc. E em se tratando do

processo inicial de alfabetização, a criança vincula de forma tal a oralidade à escrita,

que estabelece por um longo período a hipótese de relação biunívoca entre o que

ela pronuncia e a letra que representa, como por exemplo, podemos observar esse

fato na grafia de uma criança do 1º ano: ELEFÃTI para ELEFANTE.

Deste modo, consideramos que a dificuldade maior enfrentada pela criança

no processo inicial da escrita acontece: por um lado, devido às incongruências entre

letras e sons e, por outro, devido às exigências da norma padrão, que determina

arbitrariamente como devem ser grafadas as palavras, impondo barreiras às

variações linguísticas (MASSINI-CAGLIARI, 1999). Assim, por exemplo, a criança

representa a escrita pelo som produzido na fala: escreve a palavra CAZA ou KAZA

para CASA.

Discutir sobre as diversas relações entre sons e letras no processo de

aquisição de escrita implica considerar a necessidade de se refletir sobre o uso da

língua, atrelar a aquisição da escrita à necessidade de levar a criança à

compreensão da estrutura interna das palavras, de modo a desenvolver a

consciência linguística, proporcionando-lhe a apropriação das regras do princípio

alfabético.

25

2.3.1 Variação da Fala e Reflexos na Escrita

Para melhor explicitar essas questões, aqui vamos nos deter na abordagem

da variação linguística, especialmente sobre situações de regras de variação na

dimensão fonológica, de modo a sustentar teoricamente o objeto de estudo desta

pesquisa: a representação fonológica das vogais orais médias na posição pós-tônica

final na escrita. Neste intuito, o que nos interessa são as características no âmbito

da produção oral, que por estarem tão presentes na fala, são transcritas pelos

nossos alunos em seus textos escritos, que, por sua vez, terminam não

correspondendo ao proposto na gramática normativa.

Para tanto, vamos conhecer sobre as principais regras fonológicas de

variação relacionadas à representação das vogais na escrita. Primeiro, vamos definir

o conceito de sílaba, definição aqui considerada relevante para compreender o fato

de as crianças marcarem a sílaba com pico silábico nas vogais. Segundo Bortoni-

Ricardo (2004, p. 79), “A sílaba é uma emissão de voz marcada por um ápice de

abrimento articulatório e tensão muscular que, na língua portuguesa, é sempre

representado por uma vogal.” Ainda segundo a autora, a vogal é considerada como

núcleo silábico. O núcleo silábico, ou seja, a vogal silábica pode ser precedida e

seguida por uma consoante: a esta consoante atribuímos a posição de pós-vocálica

na sílaba ou de travamento da sílaba, na qual ocorre uma grande incidência de

variação linguística.

Na língua portuguesa existem sete vogais orais e cinco vogais em contexto

nasal. As sete vogais orais são representadas por cinco letras: A, E, I, O, U; e as

vogais em contexto nasal /i/, /u/, /e/, /o/ e /a/ ressoam pela cavidade nasal, sendo a

nasalidade marcada graficamente pelas consoantes M ou N, após a vogal e pelo til

(~).

Entretanto, vamos nos deter apenas na dimensão fonológica das vogais orais

e sua representação na escrita. Observaremos especialmente o processo de

alçamento das vogais médias que, muitas vezes, é representado na escrita. É

importante salientarmos que, preferencialmente, utilizaremos apenas palavras que

apresentam estrutura silábica constituída de uma consoante (C) e uma vogal (V) – a

sílaba canônica, devido a essa estrutura ser bem natural no processo de aquisição

inicial da escrita.

Vejamos o quadro das vogais orais do português:

26

Quadro 1 – Vogais orais do Português

Vogais orais do português

Anteriores Central posteriores

Altas

I

u

Médias

e é

o ó

Baixa

a

Fonte: Extraído de Bortoni-Ricardo (2004, p. 80)

É de suma relevância pontuar que no português brasileiro, as vogais orais

médias, /e/ e /o/ geralmente apresentam variações, sendo pronunciadas como /i/ e

/u/ em sílabas átonas, pretônicas ou postônicas, como se observa nas escritas das

crianças, por exemplo: escrevem CIBOLA para CEBOLA; ISPELHO para ESPELHO;

BORBULETA para BORBOLETA; PENTI para PENTE; BOLU para BOLO. O que se

justifica pelas marcas da fala na escrita, evidenciando a influência dos usos de

variáveis da fala na língua escrita. Acrescenta Bortoni-Ricardo (2004, p. 80):

É muito importante para nós, professores, ficarmos atentos à pronúncia das vogais átonas /e/ e /o/, que são elevadas para /i/ e /u/, porque, quando os alunos ainda têm pouca familiaridade com as concepções da língua escrita, frequentemente escrevem essas vogais como pronunciam. Por exemplo, escrevem a palavra AMIGO como [amigu], e DE NOVO como [dinovu].

Considerar as variações no processo inicial de alfabetização na escola se

constitui uma postura de valorização e respeito ao caráter heterogêneo da língua

materna, possibilitando entender questões e dificuldades imbricadas no ensino da

língua, tal como entender, mais especificamente, no processo de aquisição da

escrita, as transcrições das regras fonológicas para a escrita, desmitificando assim

os considerados “erros” de escrita, vistos por nós professores, sem ao menos refletir

sobre as relações entre a fala e a escrita. Deste modo, a conscientização das

variações e suas consequências na escrita devem ser bem trabalhadas em sala de

aula, a partir de atividades que enfatizem o contato da criança com a escrita

ortográfica, levando-a a perceber a escrita ortográfica das palavras e realizar os

ajustes dos “erros” consequentes dos processos de variação no uso da fala,

possibilitando a autocorreção natural e espontânea, compreendendo o “erro” como

natural no processo de construção da escrita.

27

2.3.2 Aquisição da Escrita Alfabética

Para Ferreiro (2001), a prática que proporciona o vínculo entre língua oral e

escrita, introduz a criança em um processo de aprendizagem da língua escrita,

pautado na construção e compreensão da natureza desta, a partir de suas

produções espontâneas, não se limitando à mera cópia e à repetição de um modelo

de escrita, ou seja, um código de transcrição.

Trata-se de tornar a sala de aula em um ambiente alfabetizador, mediado por

práticas diversificadas de leitura e escrita, que proporcione à criança escrever

espontaneamente e refletir sobre as sequências sonoras que constituem as

palavras, de modo a compreender os princípios do sistema alfabético e avançar

progressivamente nas hipóteses de escrita.

Nesta perspectiva, a aquisição da escrita pela criança deve ocorrer num

processo de construção. Para Cagliari (1999, p. 73) é necessário “[...] deixá-las

escrever o mais livremente possível, como ponto de partida e, depois, fazê-las

passar para a outra grafia (a ortográfica) [...]”, devendo, assim, levar a criança a

escrever espontaneamente, escrever construindo hipóteses, sem se preocupar com

questões de cópia - mera decodificação da escrita ortográfica; levá-la a refletir sobre

o que escreveu e o que precisa refazer para tornar a escrita alfabética.

Ainda acrescenta que as crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita

mediante “[...] um processo cumulativo que serve de referência para as hipóteses

que fazem ao tentar descobrir a forma ortográfica de uma palavra por si mesmas.”

(CAGLIARI, 1999, p. 105).

Deste modo, a escrita espontânea revela as hipóteses que as crianças vão

construindo e acumulando no processo de aquisição da escrita: o que pensam sobre

o sistema de escrita, o que já sabem, seus avanços, suas dificuldades e aquilo que

precisam aprimorar e aprender.

Compreender a relação entre escrita e oralidade nos leva a conhecer como se

realiza o percurso do alfabetizando no seu processo de aquisição da escrita e quais

hipóteses de escrita as crianças constroem durante esse processo, o que

desencadeia a necessidade de intervenção pedagógica do professor alfabetizador

de acordo com a hipótese de escrita já alcançada pela criança.

Para isso, fundamentamo-nos em contribuições da Psicogênese da escrita

defendida por Ferreiro e Teberosky (1999), que contribuíram significativamente para

28

mudar a concepção do processo de aprendizagem e romper com a separação entre

a aprendizagem do sistema de escrita e as práticas efetivas de leitura e de escrita.

De modo a compreender que:

Essa mudança paradigmática permitiu identificar e explicar o processo através do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos, isto é, o processo através do qual a criança se torna alfabética, e, por outro lado, e como consequência, sugeriu as condições em que mais adequadamente esse processo se desenvolve [...] (SOARES, 2004).

Essa perspectiva sugere um processo de alfabetização e letramento que

envolva intervenções mais sistemáticas de reflexão sobre a língua, desenvolvendo

competências comunicativas tanto orais como escritas, trabalhando com a

sonoridade das palavras e levando ao desenvolvimento da consciência fonológica,

considerada por Soares (2004) como:

[...] imprescindível para que a criança tome consciência da fala como um sistema de sons e compreenda o sistema de escrita como um sistema de representação desses sons, e a aprendizagem das relações fonema-grafema e demais convenções de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita [...]

Deste modo, é de fundamental importância levar a criança a compreender

que a escrita tem relação com o som, a partir de textos que façam sentido para ela;

textos de interesses do universo infantil, que façam parte de suas práticas sociais,

como, por exemplo: parlendas, cantigas de rodas, trava-línguas, histórias infantis,

brincadeiras e jogos orais. Levando-as a um processo de compreensão e aquisição

da língua escrita, de modo a perceber que a escrita nota a pauta sonora, mediante

atividades de escrita espontânea de palavras e textos, como por exemplo:

- lista de personagens de uma história infantil;

- lista de brinquedos preferidos;

- lista de animais de estimação;

- produção de bilhete para o melhor amigo;

- produção de novas versões de cantigas de roda, parlendas e poemas.

Assim, podemos pontuar que as diversas atividades acima elencadas,

possibilitam à criança entender que a oralidade dá suporte para a construção da

escrita. Não deixando de incluir nesse processo de letramento como objeto

fundamental de reflexão, as unidades linguísticas, na medida em que estas se

compõem.

29

2.4 CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA

A partir de pesquisas realizadas sobre a influência da fala na escrita, Mollica

(1998) concluiu que as crianças em processo inicial de alfabetização ainda não se

demonstram sensíveis aos comandos sobre a influência da fala na escrita, ainda não

assimilam efetivamente as diferenças entre o oral e o escrito, principalmente não

são capazes de grafar segmentos que não são realizados na fala, como os casos

das vogais médias e /i/ e o /u/. Acrescenta que a consciência das diferenças entre a

fala e a escrita vai consolidando-se naturalmente na língua escrita, de modo a

assimilar a norma padrão. Entretanto, é relevante que se utilize de estratégias

didático-pedagógicas que contribuam para a aquisição da escrita, considerando as

variáveis da fala que podem dificultar o processo de alfabetização, reportando-se a

trabalhos sociolinguísticos voltados para a fala.

A autora também aponta alguns aspectos que influenciam nessa constatação,

referentes ao grau de maturidade da criança e questões inerentes ao próprio

processo de alfabetização. Considera que as crianças ainda são imaturas no

processo inicial de aquisição da escrita e ainda precisam ampliar seu repertório

vocabular, de modo que: “Para adquirir o código escrito (no caso ortográfico), é

preciso assimilar inúmeras regras e, em se tratando de crianças, há que se levar em

conta também o vocabulário diminuto que ainda possuem.” (MOLLICA, 1998, p. 58).

Entretanto, apesar da imaturidade da criança na fase inicial de aquisição da

escrita alfabética referente ao processo de desenvolvimento da consciência

linguística, ela já desenvolveu habilidades elementares em consciência fonológica,

mesmo antes de ingressar no processo formal de aprendizagem da escrita na

escola. Visto que, no processo inicial de alfabetização devem-se considerar as

habilidades em consciência fonológica previamente desenvolvidas pelas crianças, o

que se espera, dependendo dos contextos de letramentos (situações de leitura e

escrita) em que as crianças estejam inseridas, é que assim como já ingressam na

escola em contato prévio com o mundo da leitura e da escrita, elas também já

tenham vivenciado eventos de brincadeiras e jogos orais em suas práticas sociais,

de modo a promover a relação entre a oralidade e a escrita e proporcionar o

desenvolvimento das habilidades fonológicas mais elementares e essenciais ao

processo inicial de aquisição de escrita, a fim de consolidar a compreensão de que

aquilo que se fala (os sons da fala) pode ser representado na escrita, a consciência

30

fonêmica.

Nesse direcionamento, ao iniciar o processo de alfabetização e aquisição da

escrita devemos considerar a influência da fala na escrita, partindo de uma prática

de mediação entre a oralidade e a escrita, apresentando como primordial nesse

processo o desenvolvimento da consciência fonológica, compreendida como a

capacidade de refletir e manipular de forma consciente os sons da fala em seus

diferentes níveis. Sendo assim, Freitas (2003, p. 156 apud ALVES, 2009, p. 34)

conceitua a consciência fonológica como sendo:

[...] a capacidade de o falante reconhecer que as palavras rimam, terminam ou começam com o mesmo som e são compostas por sons individuais que podem ser manipulados para a formação de novas palavras.

Nessa discussão, vale considerar que a consciência fonológica se desenvolve

de forma gradual, a partir de diferentes níveis de uso das habilidades

metalinguísticas, mediante graus diferenciados de complexidade – indo do mais

simples para o mais complexo. Ainda, segundo Alves (2009, p. 35):

A consciência fonológica, então, caracteriza-se por uma grande gama de habilidades que, justamente por serem distintas e por envolverem unidades linguísticas também diferenciadas, revelam-se em momentos específicos da maturação da criança.

Sendo assim, os níveis de consciência fonológica vão-se desenvolvendo

mediante os modos diferenciados de manipulação das unidades linguísticas, indo da

manipulação mais simples (segmentação de palavras em sílabas) à manipulação

mais complexa das unidades da palavra (discriminação auditiva de fonemas) -

aquela que se desenvolve ao longo do processo de alfabetização.

2.4.1. Níveis de consciência fonológica

Alves (2009), baseado em estudiosos da consciência fonológica (FREITAS,

2004a, 2004b), (MENEZES, 1999), caracteriza os níveis de consciência fonológica

em: consciência no nível das sílabas; consciência no nível intrassilábico; consciência

no nível dos fonemas (consciência fonêmica).

31

2.4.1.1 Consciência no nível das sílabas

Desenvolve-se a partir da manipulação oral da estrutura silábica –

segmentação da palavra em sílaba. A criança adquire mais cedo esse nível de

consciência, sendo capaz de perceber a quantidade de sílabas da palavra, como por

exemplo, as palavras PICOLÉ e SAPO que podem ser segmentadas oralmente em

unidades menores:

- quatro sílabas: ‘BI’ - ‘CI’ - ‘CLE’ - ‘TA’

- três sílabas: ‘PI ‘ - ‘CO’ - ‘LÉ’;

- duas sílabas: ‘SA’ - ‘PO’

2.4.1.2 Consciência no nível intrassilábico

Refere-se à manipulação de unidades menores do que uma sílaba, isto é,

refletir e manipular palavras que possuem os mesmos sons iniciais (aliterações) e

palavras que possuem os mesmos sons finais (rimas).

No caso das aliterações, desenvolver atividades que leve a criança a observar

a letra inicial e o som inicial das palavras; identificar palavras que iniciam com a

mesma letra e observar o som inicial delas, perceber se o som inicial destas

palavras é o mesmo ou não, como por exemplo: CIRCO e COLA, as duas palavras

iniciam com a mesma letra, mas apresentam sons diferentes. Nesta atividade é de

fundamental importância a intervenção da professora, levando a criança

alfabetizanda a perceber as relações irregulares entre letras e sons, sons e letras.

No referente às atividades com rimas, destacam-se aquelas que estimulam a

identificação e o uso das rimas, percebendo as palavras que terminam com sons

semelhantes (rimas) e criando pares de palavras que rimam. Nessas atividades

devem ser utilizados diversos textos como poesias, parlendas, quadrinhas, enfim

textos que expressem na oralidade a sonoridade e musicalidade das palavras,

destacadas pela presença das rimas.

Desenvolver esse nível de consciência, segundo Freitas (2004a apud

ALVES, 2009, p. 41): “Além de contribuir para despertar o interesse pela análise

linguística, o aperfeiçoamento da consciência no nível intrassilábico poderá

colaborar, também, para o desenvolvimento do próximo nível de consciência

fonológica, o nível fonêmico.”

32

2.4.1.3 Consciência no nível dos fonemas

Envolve a capacidade de identificar e manipular as unidades de som da

palavra menores do que a sílaba, os sons das letras – um único segmento: o

fonema, como por exemplo, ao segmentar a palavra MALA, a criança segmenta,

reconhece os vários sons que constituem a palavra: [m] [a] [l] [a]. Para aprofundar

esse nível de consciência fonológica devem ser exploradas atividades que levem a

criança a perceber que palavras diferentes podem compartilhar letras semelhantes e

até mesmo conter outra palavra, como por exemplo:

PATO

RATO

MATO

SAPATO – PATO

MARIANA – ANA.

Considerando a relação dos níveis de consciência fonológica com a aquisição

da escrita alfabética percebe-se que os níveis silábico e intrassilábico já se

consolidam antes ou durante o processo de alfabetização: entretanto, o nível

fonêmico, considerado o mais complexo, será consolidado no decorrer do processo

formal do ensino da língua escrita.

A respeito disto, Scherer (2009, p. 131) afirma:

O período de alfabetização, portanto, é decisivo para que todas as habilidades em consciência fonológica sejam desenvolvidas. No entanto, não se pode dizer que somente o processo de alfabetização torna isso possível, pois a criança já chega à escola com habilidades em consciência fonológica desenvolvida.

É nesta perspectiva que o processo de alfabetização deve aprofundar as

habilidades prévias da criança em consciência fonológica, a partir de atividades mais

simples e fundamentais para o desenvolvimento da consciência fonológica, tais

como: segmentação oral de palavras em sílabas (BO-NE-CA); atividades de

identificação de rimas (PATO - GATO) e atividades com aliterações - palavras que

iniciam com a mesma letra e com sons semelhantes (ORELHA - OVELHA), de modo

que ela perceba e vá estabelecendo de forma consciente a relação entre os

segmentos sonoros e as letras, ou seja, a relação entre a fala e a escrita,

compreendendo que a palavra/fala se divide em unidades menores que a rima, a

33

aliteração e a sílaba, passando assim a perceber a relação grafema-fonema - os

sons das letras, os fonemas. “Dando-se conta disso, a criança passa a fazer relação

entre esses segmentos e as letras, letra e o som da fala passando a estabelecer a

relação grafema-fonema.” (SCHERER, 2009, p. 130-131).

Neste sentido, defendemos aqui a hipótese de que quando se trabalha a

consciência fonológica na sala de aula, quando se reflete sobre os sons da fala e

sua influência na escrita, isso contribui para resultados positivos no processo de

aquisição da escrita.

De acordo com Mollica (1998, p. 96):

Ao considerar como pré-existente a competência linguística do aprendiz, no período de alfabetização, sempre que possível, os exercícios devem partir da fala para a escrita. A identificação auditiva das palavras deve consistir no principal procedimento sugerido nos exercícios para comprovar a influência da fala na escrita. O aluno tem mais facilidade de escrever ao fazer treino oral e da escrita, concluindo acerca das especificidades da língua oral e da escrita, além de observar com que letras determinados sons são representados na escrita.

Portanto, alunos que, no seu processo de construção da escrita, recebem

instrução e orientação voltadas para construção da consciência fonológica, ou seja,

para o desenvolvimento da capacidade de refletir sobre os sons da fala,

desenvolvem melhor o seu desempenho no processo de alfabetização, de modo: a

perceber a influência da relação fala/escrita, a refletir sobre a relação entre os sons

(fonemas) e as letras (grafemas), a perceber a dimensão sonora das palavras, ou

seja, que as palavras são constituídas de sílabas, e que as sílabas, por sua vez, são

constituídas de um ou mais fonemas.

Para Bortoni-Ricardo e Sousa (2008, p. 69):

A ênfase no desenvolvimento da consciência fonológica dos alfabetizandos vai-lhes permitir compreender o princípio alfabético e segmentar as sequências fonológicas e ortográficas, levando-as a identificação das palavras.

Podemos dizer que isso resulta em uma relação recíproca entre a consciência

fonológica e as atividades de leitura e escrita, isto é, na reflexão sobre os sons da

fala, a segmentação e manipulação da estrutura sonora das palavras, a partir da

identificação de sílabas, rimas e aliterações, que contribuem consideravelmente para

a aquisição da escrita alfabética.

A esse respeito, Abaurre (1993, p.375) conclui:

34

[...] os falantes da língua, crianças ou adultos, alfabetizados ou não, demonstram possuir habilidades para manipular e segmentar a cadeia sonora em contextos específicos de uso ou, em alguns casos, em situações de reflexão sobre a língua; [...]

Ela também constata a relação de interação entre a “segmentação da cadeia

fônica em unidades de som menores do que as sílabas e as atividades de

leitura/escrita em sistemas alfabéticos.” (ABAURRE, 1993, p. 375, grifo do autor).

Considerar as habilidades de manipulação e segmentação da cadeia sonora

já adquirida pelos alfabetizandos ao chegar à escola implica reconhecer os saberes

sociolinguísticos destes e suas práticas de letramentos, que não se restringem ao

processo de escolarização. Segundo Scherer (2011, p.111):

A relação entre aquisição da escrita e consciência fonológica é recíproca, ocorrendo como um mecanismo de retroalimentação: o indivíduo (ou a criança) já possui algumas habilidades em consciência fonológica que possibilitam iniciar o processo de aquisição da escrita, e a aquisição da escrita, neste caso alfabética, aprimora as habilidades de consciência fonológica já existentes, desenvolvendo outras. Não é um caminho de mão única, mas de ida e volta.

Deste modo, é de fundamental importância que, nos anos iniciais do processo

de alfabetização, sejam desenvolvidas atividades voltadas para o desenvolvimento

da consciência fonológica, de modo a facilitar o aprendizado da escrita, não

deixando de considerar as regras do sistema alfabético, imprescindíveis à aquisição

da escrita ortográfica.

Partindo desta compreensão, vamos fazer uma breve discussão da

Psicogenética da escrita, a fim de compreender melhor como ocorre a aquisição da

representação escrita da linguagem, mediante a formulação de hipóteses de escrita.

2.4.2 A relação entre a consciência fonológica e a evolução das hipóteses de

escrita

As pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1999), pautadas na concepção

piagetiana de aprendizagem, pontuaram o percurso percorrido por crianças em

processo de aquisição da escrita alfabética, observando etapas de evolução da

escrita, representadas por quatro hipóteses, sucessivamente: hipótese pré-silábica,

hipótese silábica, hipótese silábico-alfabética e hipótese alfabética, como veremos

no quadro a seguir:

35

Ouadro 2 - Níveis de escrita alfabética

Nível de escrita Características Exemplos PRÉ-SILÁBICO NÍVEL 1 - Primeiras tentativas de escrita (garatujas) – reproduzem rabiscos típicos da escrita, a qual lhe é mais familiar (modelos de escrita: bastão ou cursiva). - Escrita proporcional ao tamanho (objeto /pessoa) ou idade (pessoa) e não ao nome correspondente. - A escrita ainda não é considerada representação de segmentos sonoros. - A leitura da escrita é sempre global – cada letra vale pelo todo. NÍVEL 2 Para poder ler coisas diferentes deve haver uma diferença objetiva nas escritas. Grafias variadas e quantidade de grafias constante. A leitura da escrita é sempre global e não analisável.

- Traços ondulados contínuos ( grafismos ligados); - pequenos círculos ou linhas/riscos verticais descontínuos (grafismos separados) - indiferenciação momentânea entre desenhar e escrever; - o desenho aparece como apoio à escrita, garantindo o seu significado. - correspondência entre os aspectos quantificáveis do objeto e os aspectos quantificáveis da escrita – reflete na escrita características dos seres/objetos: realismo nominal - forma de grafismo mais próxima à das letras; - utiliza modelos estáveis de escrita, como por exemplo: o nome próprio. - grafia extremamente limitada, utilizando o repertório das letras do nome próprio; - variação de posição dos grafismos (combinatória na ordem linear) - quantidade mínima de caracteres (não se pode ler com menos de três letras); - variedade de caracteres (grafia) (palavras diferentes se escrevem de formas diferentes).

CUDLAIODCA elefante

CLDI

pato

Nome da criança: LAURA LARU - sapo ALUR - pato URLA – rã ALUR - pato LRAU - cachorro

NÍVEL 3 SILÁBICO SILÁBICO-QUANTITATIVO A escrita representa partes sonoras da fala. Correspondência clara e sistemática: - para cada unidade sonora, a criança escreve uma letra (ou caractere), mas sem valor sonoro correspondente. Passagem da correspondência global para a correspondência termo a termo, atribuindo valor silábico a cada letra.

- Tentativa de atribuir um valor sonoro a cada uma das letras que compõem uma escrita. - Variedade de grafismos: - sem uso das formas das letras (forma circular/linha); - com o uso das letras, porém sem consciência do valor sonoro correspondente representa a sílaba por qualquer letra; - com o uso das letras com valor sonoro instável (a mesma letra pode assumir diferentes valores sonoros); - ainda reaparece o conflito cognitivo das exigências de: a) quantidade mínima de caracteres (acrescenta letras a palavra); b) variedade de caracteres (não se

CAVALO

CA/VA/LO

IBCARI

DI/NOS/SAU/RO

AM - GA/TO

PA– UR/SO

AUO - PATO

APO- CAVALO

36

SILÁBICO-QUALITATIVO Para cada unidade sonora (sílaba) escreve uma letra correspondente.

admite a repetição de uma mesma letra em segmentos silábicos seguidos, resolvendo o conflito com uma letra coringa, sem atribuir-lhe valor sonoro). O reaparecimento desse conflito leva a pensar que a criança regrediu para a hipótese pré-silábica; - ocorre uma estabilização do valor sonoro de algumas letras, mais especificamente das vogais, podendo assim, ter escrita silábica com valor sonoro nas vogais, com valor sonoro nas consoantes ou consoantes e vogais.

AO –GATO

KZ - CASA

KA- CASA

NÍVEL 4 SILÁBICO-ALFABÉTICO Analisa a palavra além da sílaba, percebe a necessidade de agregar mais letras para cada sílaba, não basta apenas uma letra para representar a sílaba. Essa hipótese é bastante conflituosa para a criança, pela influência vinda das formas de escritas fixas do meio ambiente e pelo conflito gerado no momento da leitura do que escreve.

Alternância do valor silábico ou fonético para as diferentes letras. Ora escreve silábico, representando a sílaba apenas com uma letra, ora escreve alfabético, representando pela escrita todos segmentos sonoros da sílaba. .

EZA - mesa

MAP - mapa

SUANA - Suzana

SABDO – sábado

NÍVEL 5 ALFABÉTICO Já compreende o princípio alfabético: que cada letra corresponde a valores sonoros menores que a sílaba (fonemas).

Análise sonora dos fonemas que constituem cada sílaba da palavra. Resta-lhe enfrentar as dificuldades próprias da ortografia e apropriar-se das convenções ortográficas.

CUEGO - queijo

KEJU

CAZA – casa

Fonte: Baseado em Ferreiro; Teberosky (1999.p. 191-221).

Como vimos no Quadro 1 dos níveis de escrita, a hipótese pré-silábica é

dividida em dois níveis, um que inicia o processo de construção da escrita, mediante

as primeiras tentativas de escrita da criança, desde as garatujas e grafismos que

substituem as letras, (nível 1) até a elaboração da hipótese de que os símbolos que

se usam para escrever são as letras, porém, ainda com modelos de escrita com

quantidade fixa de grafias e variedades de grafias (nível 2), como exemplo: escreve

IBCARI para DINOSSAURO.

A segunda refere-se à hipótese silábica , caracterizada pela “[...] tentativa de

dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a escrita” (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1999, p. 209). Nesta hipótese, a criança avança na compreensão de

37

que cada letra representa uma sílaba, caracterizando-se por apresentar dois níveis

de escrita: inicialmente sem valor sonoro, designada de hipótese silábica

quantitativa, na qual ele já é capaz de perceber a pauta sonora, atribuindo uma letra

para cada sílaba, porém essas letras não representam os sons da palavra, como por

exemplo: escreve A M para GATO. Logo em seguida, evolui para o segundo nível, a

hipótese silábica qualitativa. Nesse momento, a criança ativa o processamento

fonológico, percebe a relação entre o oral e o escrito, construindo a hipótese de que

os sons da fala podem ser representados pela escrita, escrevendo, como por

exemplo: A O para GATO.

A terceira hipótese, conhecida como silábico-alfabética , define-se como fase

de transição, de passagem da hipótese silábica para alfabética: a criança já é capaz

de analisar a palavra de diferentes pontos de vista, ora representa a sílaba apenas

com uma letra correspondente ao valor sonoro, ora representa a sílaba por todas as

letras que a compõem, como por exemplo: a criança escreve K M LO para CAMELO.

É uma fase conflituosa para a criança, que analisa mais profundamente as unidades

sonoras da palavra, ela já percebe que não basta apenas uma letra para representar

a sílaba.

No processo de aquisição de escrita pela elaboração de hipóteses é de

fundamental importância que a professora estimule a criança a ordenar o processo

de aquisição da escrita, a partir das descobertas feitas por ela, de modo a realizar

intervenções pontuais sobre a escrita, indagando-a: Como você acha que fica

melhor? Que outras letras você acrescentaria nessa sílaba? Levando-a a refletir

sobre quais letras usar e quais letras melhor representariam a sílaba da palavra

pronunciada por ela.

O processo de evolução da escrita finaliza com a aquisição da escrita

alfabética, a criança elabora a hipótese alfabética quando já

[...] compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e realiza sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 219).

Sendo assim, a escrita é construída pela criança, que, enquanto sujeito

cognoscente,4 pensa e age sobre o objeto, neste caso, a escrita. Já consolidada a

4 [...] o sujeito que busca adquirir conhecimento, o sujeito que a teoria de Piaget nos ensinou a descobrir: [...]

38

escrita alfabética simultaneamente com o desenvolvimento da consciência

fonológica resta à criança enfrentar as dificuldades do sistema ortográfico, visto que

as dificuldades do sistema alfabético de escrita, no sentido estrito, já foram

superadas.

Entretanto, Oliveira e Nascimento (1990) alertam para a necessidade de

aplicar a teoria piagetiana de aprendizagem da escrita conceitualmente de

operações estritamente percepto-cognitivas às operações linguísticas. Para Oliveira

e Nascimento (1990, p. 36):

É nesta perspectiva que pretendemos manter a caracterização da competência linguística dos falantes como um conhecimento de natureza diferente dos ‘conhecimentos lógico-matemáticos e físicos’, um conhecimento específico, adquirido de maneira diferente, e que tem um papel crucial no processo de aprendizagem da escrita. E, mesmo sem falar em ‘esquemas de assimilação’ [...], queremos afirmar que a construção do conhecimento da escrita é essencialmente mediado pela competência linguística do aprendiz: é ela um dos fatores determinantes da elaboração das hipóteses e estratégias por ele utilizadas na construção de seu conhecimento sobre a escrita.

Nesta perspectiva, não podemos deixar de considerar que as crianças

constroem suas hipóteses também a partir de um ponto de vista linguístico, de modo

que a aquisição da escrita alfabética, que envolve a relação do oral com o escrito - a

relação entre fonema e grafema -, é mediada pela competência linguística do

falante, “[...] que é a base sobre a qual ele constrói o seu conhecimento sobre a

escrita.” (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 1990, p. 43).

Deste modo, abre-se a possibilidade para trabalhar os diversos fenômenos

linguísticos ativados nos processos de aquisição da escrita, considerando não

apenas os processos fonológicos, mas também as análises dos “erros” dos

alfabetizandos e as interferências dos mecanismos sintáticos que se evidenciam nas

diferentes hipóteses da escrita.

Acreditamos, conforme o já exposto, que a partir de várias leituras

desenvolvidas pautadas em diversos estudos sobre a aquisição do sistema de

escrita fica evidente a intrínseca relação entre consciência fonológica e

alfabetização. Deste modo, é de fundamental importância que, na sala de aula, no

processo de alfabetização, sejam garantidas situações de aprendizagens da língua,

Aquele que procura ativamente conhecer o mundo que o rodeia e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca [...] É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objeto do mundo e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza o mundo. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 29).

39

que envolvam atividades que levem ao desenvolvimento da consciência fonológica

da criança – fator fundamental para a alfabetização.

40

3 METODOLOGIA

Com intuito de descrever como se processa a transcrição da oralidade para a

escrita no processo inicial de alfabetização e letramento da criança, com vistas a

investigar a construção da consciência fonológica das crianças mais

especificamente na representação escrita das vogais orais médias, esta pesquisa foi

desenvolvida com crianças de uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental de uma

escola pública municipal, localizada na cidade de João Pessoa-PB, tendo como

ambiente natural de fonte direta dos dados a sala de aula.

A turma pesquisada era formada por 12 (doze) crianças, porém a amostra é

constituída por apenas 10 (dez) crianças, sendo 3 (três) do sexo masculino e 7

(sete) do sexo feminino, entre 5 (cinco) e 7 (sete) anos de idade. A seleção apenas

de 10 (dez) crianças se justifica pelo fato de as outras duas serem crianças com

deficiência, que apresentavam problemas na fala e deficit cognitivo, demandando

atenção mais peculiar quanto à aquisição da escrita, podendo comprometer os

resultados da pesquisa, refletindo algo diferente do que de fato ocorre com a maioria

das crianças no processo de aquisição da escrita. É importante salientar que a

decisão de pesquisar essa turma se deu pelo fato de ser uma turma pouco

numerosa. A escolha também se justifica por ela estar no processo inicial de

aquisição de escrita e leitura, na qual, no início da pesquisa, as crianças

encontravam-se em diferentes níveis do sistema alfabético de escrita: pré-silábico,

silábico, silábico-alfabético e alfabético.

A pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa, descritiva, mediante

observação participante, caracterizada “[...] pela interação entre pesquisadores e

membros das situações investigadas [...]” (GIL, 2009, p. 55). Sendo assim, a

pesquisa se processou a partir da interação entre a professora da turma - na

condição de pesquisadora, e as crianças, mediante situações que envolveram

estudos sociolinguísticos investigados em sala de aula.

Enquanto professora pesquisadora instiguei situações de ensino do sistema

de escrita alfabética e reflexão da língua materna, a partir de eventos de relação

entre a oralidade e a escrita, de modo que as crianças fizessem uso mais consciente

da fala e da escrita, mobilizando a construção das hipóteses de escrita e os seus

conhecimentos sobre o sistema de escrita alfabética: relação entre fonema e

grafema, palavras que rimavam, palavras que compartilhavam as mesmas letras

41

iniciais/mediais/finais, mesmos sons iniciais/finais, dentre outras atividades mediadas

pela reflexão fonológica, que tornavam o processo de aquisição da escrita reflexivo e

construtivo para as crianças.

Nesta perspectiva, adotamos procedimentos metodológicos pautados em uma

abordagem etnográfica, considerados relevantes para descrição, análise dos dados

coletados e obtenção dos resultados. Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2008, p. 79)

pontua:

A vertente etnográfica de estudos sociolinguísticos educacionais propõe uma teoria de aprendizagem baseada na interação verbal em sala de aula. Sua metodologia, essencialmente qualitativa, interpretativista, consiste de registros etnográficos e microetnográficos do processo interacional.

Deste modo, o estudo sociolinguístico da relação entre oralidade e escrita

constituiu-se pela situação de reflexão do uso da língua materna incorporada às

atividades linguísticas da criança, a partir de eventos de interação em sala de aula.

Enquanto professora pesquisadora busquei identificar e refletir sobre os processos

em que se efetivavam essas interações, mais especificamente da construção da

consciência fonológica das vogais orais médias representadas na escrita, objeto de

estudo de caráter sociolinguístico, dada a natureza da influência das variações

linguísticas na transcrição da fala para a escrita. Portanto, adequado à vertente

etnográfica aqui adotada.

Inicialmente, realizei uma pesquisa exploratória com vistas a conhecer os

aspectos teóricos da temática pesquisada, recorrendo às bases teóricas postuladas

por Tarallo (1986), Weinreich; Labov; Herzog (2006), Bortoni-Ricardo (2004),

Abaurre (1993), Lemle (2009), Massini-Cagliari; Cagliari (1999), Mollica (1998),

Scherer (2009), Alves (2009) Ferreiro; Teberosky (2001), Soares (2004), Oliveira e

Nascimento (1990), dentre outras que se fizeram necessárias para compreensão do

objeto de estudo.

3.1 PROCEDIMENTOS PARA COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

Em um segundo momento, os procedimentos da pesquisa foram executados

de modo a conduzir os estudos e realizar a coleta de dados mediante as técnicas de

observação participante e avaliações diagnósticas.

a) Observação participante : com abordagem etnográfica - realizada a partir das

42

observações das vivências cotidianas de atividades coletivas na sala de aula que

envolviam situações de reflexão sobre a relação entre a língua oral e a língua

escrita: relação entre fonema e grafema; e em torno da relação entre o processo de

desenvolvimento da consciência fonológica e a aquisição da escrita.

b) Avaliações diagnósticas individuais realizadas com as crianças em ambiente

extraclasse, mediante observações e intervenções relacionadas às hipóteses de

escrita, construídas pelas crianças no processo de construção/aquisição da escrita.

Deste modo, as técnicas utilizadas foram subsidiadas por instrumentos de

pesquisa, como diários de registros e registros fotográficos de atividades5 realizadas

em sala de aula, durante o processo de coleta de dados.

O caderno de registro foi um importante subsídio para coleta de dados,

utilizado como instrumento de pesquisa para fazer as anotações das compreensões

e reflexões feitas pelas crianças nos momentos de escrita espontânea (transposição

do oral para o escrito), dos avanços com relação aos níveis de escrita, do

desenvolvimento da consciência fonológica e das minhas intervenções, enquanto

professora pesquisadora, com vistas a obter informações sobre como ocorre o

processo de transcrição da oralidade para a escrita e sua relação com o

desenvolvimento da consciência fonológica.

Durante a pesquisa, as avaliações diagnósticas foram aplicadas com as

crianças em três momentos, mediante a escrita espontânea de listas de palavras de

mesmo campo semântico:

- no início da coleta dos dados, mais especificamente no início do ano letivo;

- ao término do 1º semestre do ano letivo; e

- ao término do ano letivo.

A primeira avaliação diagnóstica individual foi realizada com as crianças a fim

de diagnosticar o perfil inicial da turma referente ao nível de sistema de escrita

alfabética e observar as habilidades fonológicas previamente desenvolvidas pela

criança. Nesse momento foi aplicada uma avaliação diagnóstica individual com cada

criança da turma.

As demais avaliações diagnósticas aplicadas, uma durante o processo e a

outra no final da pesquisa, objetivavam diagnosticar os avanços da aprendizagem da

criança referentes aos níveis de escrita, observando o modo como se dava o

5 Apenas as atividades foram fotografadas, sendo preservada a identidade das crianças.

43

processo de aquisição da escrita e sua relação com a construção da consciência

fonológica da criança

A partir das avaliações diagnósticas individuais, a coleta de dados foi

realizada pela professora pesquisadora com as crianças em ambiente extraclasse,

ou seja, as avaliações diagnósticas eram realizadas fora da sala de aula, durante

alguns momentos das aulas das disciplinas de Artes e Educação Física. A

professora pesquisadora chamava uma a uma cada criança da sala de aula e

realizava a avaliação individualmente. Vale ressaltar, que cada etapa do processo

de coleta de dados demorava alguns dias, devido ao tempo de duração de cada

avaliação diagnóstica, o que variava de criança para criança. Vejamos esse

processo mais detalhadamente no quadro a seguir:

Quadro 3 - Passo a passo da avaliação diagnóstica d e escrita

Encontros Período Duração da atividade

Tipo de Atividade Aplicada

Metodologia

1ª coleta Início do ano letivo (março)

Instrumento de avaliação individual de nível inicial de escrita da criança: Escrita espontânea de lista de palavras.

Atividade aplicada individualmente realizada extraclasse. Entrega pela pesquisadora à criança de uma folha em branco. Solicitação para a criança escrever o nome próprio. Ditado pela pesquisadora de uma lista de cinco palavras de um mesmo campo semântico (Lista de aniversário). Escrita espontânea da palavra pela criança, a partir da identificação auditiva desta. Leitura da palavra escrita pela criança, destacando os segmentos sonoros representados por cada letra com um tracinho.

2ª coleta Término do 1º semestre do ano letivo (julho)

O tempo de duração variava de criança para criança: tempo mínimo – 8 min; tempo máximo - 25 min

Instrumento de avaliação individual de evolução do nível de escrita da criança: Escrita espontânea de lista de palavras. Escrita de uma oração.

Atividade aplicada individualmente realizada extraclasse. Entrega pela pesquisadora à criança de uma folha em branco. Solicitação para a criança escrever o nome próprio. Ditado pela pesquisadora de uma lista de cinco palavras de um mesmo campo semântico (Lista de animais). Escrita espontânea da palavra pela criança, a partir da identificação auditiva desta.

44

Leitura da palavra escrita pela criança, destacando os segmentos sonoros representados por cada letra com um tracinho. Ditado pela pesquisadora de uma oração, contendo uma das palavras da lista ditada anteriormente, critério que permite verificar se a criança tem estabilidade na escrita da palavra, ou seja, se ela escreve a mesma palavra do mesmo modo que escreveu na lista. Leitura da oração com ajuste do oral ao escrito.

3ª coleta Término do ano letivo (novembro)

Instrumento de avaliação individual de evolução do nível de escrita da criança Escrita espontânea de lista de palavras e uma oração.

Atividade aplicada individualmente realizada extraclasse. Entrega pela pesquisadora à criança de uma folha em branco. Solicitação para a criança escrever o nome próprio. Ditado pela pesquisadora de uma lista de palavras de um mesmo campo semântico (Lista de verduras e legumes). Escrita espontânea da palavra pela criança, a partir da identificação auditiva desta. Leitura da palavra escrita pela criança, destacando os segmentos sonoros representados por cada letra com um tracinho. Ditado pela pesquisadora de uma oração, contendo uma das palavras da lista ditada anteriormente, critério que permite verificar se a criança tem estabilidade na escrita da palavra, ou seja, se ela escreve a mesma palavra do mesmo modo que escreveu na lista. Leitura da oração com ajuste do oral ao escrito.

Fonte: Do Autor.

Como vimos no Quadro 3, as avaliações diagnósticas individuais foram

aplicadas mediante escrita espontânea de listas de palavras de mesmo campo

semântico, sendo estas palavras escolhidas pela professora pesquisadora com foco

de atenção na aquisição e evolução dos níveis de escrita da criança e sua relação

com a construção da consciência fonológica. As palavras da lista eram escolhidas a

priori pela professora pesquisadora, dando prioridade à escrita de palavras a partir

45

de três critérios adotados:

a) escrita de palavras preferencialmente com sílabas canônicas, isto é, sílabas com

o padrão silábico CV (consoante/vogal), evitando assim as sílabas não canônicas,

de modo a priorizar uma correspondência mais precisa entre som e letra; atenuar as

dificuldades enfrentadas pelas crianças devido às incongruências entre letras e sons

- correspondências irregulares; e evitar o surgimento de outras variáveis não

delimitadas pela pesquisa no decorrer da análise do processo de desenvolvimento

da consciência fonológica da criança;

b) escrita de palavras preferencialmente em que não se repetia a mesma vogal da

unidade silábica anterior na unidade silábica seguinte da palavra. Adotamos esse

critério, de modo a evitar o conflito cognitivo da criança relativo à hipótese que ela

constrói em relação à variedade e à ordem das letras que usa no interior da palavra.

Nessa hipótese, em geral, a criança não concebe que no interior de uma palavra

podem-se repetir letras da sílaba anterior na unidade silábica posterior, como

por exemplo, a palavra CAVALO, representada na hipótese silábica com valor

sonoro nas vogais por A A O , quando em uma situação de conflito relativo à

variedade de letras, a criança substitui o A da segunda sílaba, representando-o por

uma letra coringa: A P O, não admitindo repetir a vogal A da sílaba anterior;

c) escrita de palavras preferencialmente com a presença das vogais orais médias: E

e O.

Deste modo, reunimos algumas variáveis fonológicas referentes à

representação escrita das vogais. Vejamos abaixo, o exemplo de uma das listas de

palavras trabalhadas, segundo os critérios acima adotados:

RINOCERONTE

GORILA

CAMELO

PATO

Como procedimento adotado, a professora ditava a palavra, e ao final da

escrita das palavras, a professora pedia à criança para fazer a leitura ajustando a

pauta sonora ao escrito e marcar com um traço cada parte da palavra, relacionando-

a respectivamente à unidade sonora por ela expressa na oralidade com a escrita

que considerava correspondente à fala. Deste modo, pode-se identificar como a

46

criança representava pela escrita cada unidade sonora da palavra – como

compreendia a relação letra/som, que letra ou letras ela escrevia para representar os

sons de cada unidade silábica da palavra ou de cada fonema.

Nesta dinâmica, foi possível identificar as hipóteses levantadas pelas crianças

no processo de construção da escrita e anotar através do caderno de registro as

suas reflexões sobre o modo como pensavam e faziam a transcrição do oral para o

escrito. Como também mediante as intervenções da professora levar a criança a

compreender que a ordem em que cada sílaba/fonema é pronunciada corresponde à

ordem em que se escrevem as letras no papel.

A relevância de se estabelecer os critérios acima adotados no momento do

estudo sociolinguístico da relação fonema/grafema se justifica por buscar considerar

essa relação sob a ótica da variação, levando em conta as formas variantes que

ocorrem na manutenção das marcas da fala na escrita, aspecto relevante a se

considerar no processo de construção da consciência fonológica, evidenciadas nas

trocas fonológicas feitas pelas crianças e, por conseguinte, da aquisição da escrita.

No decorrer da pesquisa, também foram aplicadas atividades individuais e

coletivas, principalmente aquelas consideradas pertinentes à construção da

consciência fonológica e à aquisição do sistema de escrita alfabética, como:

exercícios e jogos orais, produção textual coletiva e individual de lista de palavras,

produção textual de diferentes gêneros textuais, reescrita e participação em jogos de

alfabetização, dentre outras, que permitiram a partir das observações feitas pela

pesquisadora adicionar dados relativos ao desempenho de cada criança quanto ao

desenvolvimento da consciência fonológica e à evolução na aquisição da escrita.

Vale ressaltar que os momentos destas atividades não se sucediam uns aos

outros de maneira fixa nem de um modo contínuo, muitas atividades foram

propostas e realizadas no curso do ano letivo, pelo fato de a professora ser a

pesquisadora, aproveitando momentos não planejados, a priori, mas que no

desencadear das aulas se tornavam propícios à coleta de dados da pesquisa.

As atividades coletivas em sala de aula propostas às crianças pela professora

envolviam situações de reflexão fonológica e de reflexão sobre o sistema de escrita

alfabética, partindo do pressuposto de que a língua se realiza nas práticas sociais,

de modo a contemplar a perspectiva do alfabetizar letrando. Nesse sentido, as

atividades foram bastante diversificadas, considerando os diferentes eixos da

linguagem: oralidade, leitura, produção de textos escritos e análise linguística.

47

Os principais procedimentos utilizados para acompanhamento e

desenvolvimento da consciência fonológica partiram de atividades metafonológicas

mais simples como exercícios e jogos orais, que envolviam brincadeiras com os

sons da língua, para aquelas mais complexas, que envolviam a escrita. Citamos

exemplos de algumas atividades desenvolvidas com as crianças:

a) segmentação oral das unidades sonoras (sílabas) das palavras: a criança fazia a

contagem das sílabas, a partir de batida de palmas para cada vez que ela abria a

boca para pronunciar cada palavra, percebendo o número de sílabas de cada

palavra, levando-a a comparar o tamanho das palavras e fazer correspondência

entre partes da escrita e da fala. Também, em alguns momentos, solicitava-se às

crianças registrarem em um papel um traço para cada sílaba que escutavam, como

por exemplo:

ELEFANTE _ _ _ _

PIRULITO _ _ _

DOCE _ _

b) identificação dos sons iniciais (aliterações) das palavras: essa atividade foi

realizada a partir de diferentes estratégias:

- a professora ditava uma palavra iniciada por determinada sílaba, ao escutarem a

palavra, as crianças continuavam listando oralmente palavras que também iniciavam

com o mesmo som;

- outra estratégia bastante lúdica para as crianças foi a brincadeira “Lá vai a

barquinha carregadinha de...”. A professora iniciava a brincadeira dizendo: “Lá vai a

barquinha carregadinha de pato” e as crianças continuavam a brincadeira, cada

criança repetia a frase, completando-a com outra palavra que tinha o mesmo som

inicial (pato – pateta);

- ditar ou escrever uma palavra, em seguida, escrever um grupo de palavras que

dentre elas tem uma palavra que inicia da mesma forma que a palavra dada e pedir

para a criança identificá-la. Essa atividade também pode ser realizada com rimas.

Exemplos:

1. Identifique a palavra que inicia com o mesmo som inicial da palavra dada:

PIPA (com aliteração)

2. Identifique a palavra que termina com o mesmo som da palavra dada:

BOLA PIRULITO GIRAFA

48

LEÃO (com rima)

c) Brincadeiras e jogos com rimas: as crianças brincavam formando pares de

palavras que rimavam, identificando e manipulando os sons finais das palavras.

Essa atividade era aprofundada também com exercícios de identificação de figuras,

cujos nomes rimavam e a partir da escrita espontânea de pares de rimas e da

identificação de rimas em poemas, canções e versinhos, presentes no Livro Didático

e em livros paradidáticos etc.

Um dos jogos que mais se destacou durante a pesquisa foi o Caça-rimas,

presente na caixa de jogos de alfabetização do PNAIC- Programa Nacional de

aprendizagem na idade certa, que por meio da exploração de rimas propiciava o

desenvolvimento da consciência fonológica de rimas, levando a criança a perceber

as semelhanças sonoras dos sons finais das palavras. Neste jogo, cada grupo de

quatro crianças recebia uma cartela com 20 figuras e 20 fichas, distribuindo 5 delas

para cada criança. As fichas tinham figuras com nomes que rimavam com as figuras

da cartela. A professora mostrava uma figura ditando o nome dela, devendo a

criança marcar a figura em que fizesse par de rima com a palavra ditada pela

professora. O vencedor do jogo seria aquele que identificasse, o mais rápido

possível, em sua cartela, figuras cujos nomes formavam pares de rimas com as

figuras das fichas que estavam em suas mãos.

As atividades acima elencadas foram organizadas a fim de comprovar a

influência da fala na escrita, por isso, destacamos aquelas que contemplavam a

identificação de segmentos sonoros, a segmentação e manipulação da estrutura

sonora das palavras, mediante a identificação de rimas e aliterações seguidas da

notação da pauta sonora, representadas através da escrita espontânea. Vale

lembrar que também foram realizados exercícios com sílabas intermediárias, porém

com baixa frequência, considerando o nível de desenvolvimento das habilidades

fonológicas da turma; e que as atividades de investigação da consciência

fonológicas das vogais orais médias foram realizadas a partir de situações de escrita

espontânea de palavras.

Portanto, no decorrer da pesquisa, das atividades aplicadas em sala de aula

foram escolhidas três amostras de atividades referentes aos diferentes níveis de

consciência fonológica para serem analisadas, conforme o quadro a seguir:

COLA LIVRO PIÃO

49

Quadro 4 - Passo a passo da avaliação da consciênci a fonológica

Encontros Período Duração da atividade

Tipo de Atividade Aplicada

Metodologia (individual)

1º coleta Início do ano letivo (março)

10 min Atividade de consciência fonológica em nível de rimas

Realizada em sala de aula. Visualização de Imagem padrão; Identificação auditiva de nome de imagem padrão. Identificação de outra imagem com nome que rime com o nome da imagem-padrão.

2ª coleta Meio do ano letivo (julho)

20 min Atividade de consciência fonológica em nível de fonema

Realizada em sala de aula. Escrita espontânea de palavras a partir da identificação auditiva. Leitura da palavra a fim de verificar a relação entre a oralidade e a escrita (som/letra).

3ª coleta Final do ano letivo (novembro)

15 min Atividade de consciência fonológica em nível de fonema

Realizada em sala de aula. Escrita espontânea de palavras, tendo como recurso a apresentação de imagem correspondente à palavra escrita. Leitura da palavra a fim de verificar a relação entre a oralidade e a escrita (fonema/grafema).

Fonte: Do Autor.

Nesta perspectiva, as atividades eram planejadas e aplicadas a fim de

proporcionar reflexão sobre os princípios do sistema alfabético, da análise fonológica

e da reflexão e sistematização das correspondências entre fonemas e grafemas.

Destacamos outras atividades contempladas, como:

- jogos de alfabetização do PNAIC: o Bingo da letra inicial, Bingo de letras, Bingo

dos sons iniciais, caça-rimas, cruza- letras, palavra dentro da palavra, que

exploravam aliterações e rimas, compreensão de que palavras diferentes podem

compartilhar determinadas letras (Anexo A);

- comparação de palavras quanto ao tamanho, mediante a contagem do número de

letras e sílabas;

- comparação de palavras quanto às semelhanças e diferenças sonoras, como pato,

gato, rato.

- letras compartilhadas em diferentes palavras;

- aplicação de caça-palavras e cruzadinhas;

- utilização do alfabeto móvel para escrita espontânea de palavras (Anexo B);

- leitura fazendo o ajuste da pauta sonora ao escrito;

- relações entre letras ou grupo de letras e seu valor sonoro, de modo a escrever

50

palavras e textos;

- escrita de palavras com correspondências regulares diretas entre letras e sons,

como bola, pipa;

- escrita de palavras com correspondências irregulares, mas de uso frequente, como

escola, casa etc.;

- percepção da presença das vogais em todas as palavras;

- produção de textos com escrita espontânea de diferentes gêneros, como bilhetes,

cartões, poemas, lista de palavras (individual e coletiva), construídos no ambiente

coletivo da sala de aula.

Vale ressaltar que as atividades tanto de produção coletiva como individual

partiam de discussões pertinentes às temáticas trabalhadas em sala de aula

referentes ao universo infantil e suas práticas sociais, de modo a dar significado para

a escrita espontânea. Como, por exemplo, fazer uma lista de palavras referentes às

brincadeiras preferidas das crianças, lista de palavras das personagens de um

conto; escrever de forma espontânea uma nova versão para uma cantiga de roda,

produzir um cartão para o amigo (Anexo C).

Na realização das atividades em sala de aula, considerando a condição de

heterogeneidade da turma com relação aos níveis de escrita, procurou-se garantir o

atendimento à diversidade das crianças. Nesse sentido, considerar a

heterogeneidade é fundamental no planejamento das estratégias didáticas que

possam provocar avanços nas crianças quanto às habilidades de aquisição da

escrita alfabética.

Nessa perspectiva, as atividades foram mediadas pela professora

pesquisadora, sendo realizadas em sala de aula ora individualmente, ora em duplas

ou em pequenos grupos. Os grupos de crianças eram formados, a partir de

diferentes critérios, condicionados pelas intenções pedagógicas da professora-

pesquisadora, a saber:

- pela proximidade de conhecimentos dos níveis de escrita - para aquelas atividades

que envolviam reflexão sobre a escrita de palavras, comparação destas quanto ao

tamanho e semelhanças sonoras e gráficas, permitindo que cada criança

apresentasse sua contribuição, de modo a evitar que as atividades não fossem

realizadas apenas pela criança que já estava com hipótese de escrita mais

avançada;

- pela heterogeneidade de conhecimentos já adquiridos – para as atividades que

51

eram comuns ao grupo, mas possibilitavam aprendizagens distintas, como por

exemplo: na produção de um texto, na qual uma criança atuava como escriba e a

outra ou as outras contribuíam com as ideias, de modo que os saberes de uma

criança eram complementados pelos saberes da outra, de forma que os avanços de

uma contribuem para o desenvolvimento da outra.

O primeiro tipo de agrupamento era mais utilizado em atividades com jogos

de alfabetização ou aquelas realizadas com alfabeto móvel, nas quais se formavam

duplas: ora com o mesmo nível de escrita, ora com níveis de escrita próximos. Por

exemplo: nas atividades com alfabeto móvel, se uma criança estivesse silábica com

valor sonoro apenas nas vogais, ela tinha como dupla outra criança também em

nível silábico, mas com valor sonoro predominante nas consoantes; ou se juntava

uma criança com nível de escrita silábico-alfabético com outra em nível alfabético,

de modo que em ambos os casos o conhecimento de cada criança colaborasse para

o avanço da outra.

Deste modo, as crianças desenvolviam as atividades em grupo, possibilitando

confrontar os seus diferentes saberes, trocar informações, refletir e comparar suas

diferentes hipóteses de escrita, a partir da negociação com seus pares e também da

intervenção da professora, a qual mediava as discussões com questões pertinentes

que levassem as crianças à reflexão fonológica e do princípio alfabético.

Nesta dinâmica, durante a pesquisa, com base nas leituras e nas reflexões

teóricas foram realizadas intervenções que contribuíram para mediar a relação entre

os aspectos da oralidade e da escrita, objetivando o desenvolvimento da consciência

fonológica das crianças e a didatização do trabalho pedagógico voltado para a

consolidação da aquisição do sistema de escrita alfabética.

Os resultados obtidos durante a coleta dos dados estarão representados de

forma descritiva no capítulo seguinte, de modo a demonstrar a relação existente

entre os dados coletados e o proposto pela teoria aqui discutida, contribuindo como

suporte teórico-metodológico para o desenvolvimento de uma proposta de

intervenção mais abrangente capaz de auxiliar os professores alfabetizadores sobre

o que e como atuar positivamente no processo inicial de alfabetização e letramento

da criança.

52

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DAS ANÁLI SES

Os dados desta pesquisa foram coletados de modo a verificar o desempenho

de 10 (dez) crianças em uma turma de primeiro ano no processo inicial de aquisição

da escrita e da construção da consciência fonológica, no período correspondente ao

ano letivo (março a dezembro), com a metodologia de aplicação de atividades

referentes à construção da consciência fonológica e à apropriação do sistema

alfabético no processo de letramento, criando diversas situações de leitura e escrita,

a partir do uso de diferentes textos. Nesta perspectiva, as atividades aplicadas foram

bastante pontuais e focadas na relação entre oralidade e escrita, entre o sonoro e

sua representação gráfica.

Partindo das questões levantadas na pesquisa, os dados aqui analisados

buscam confirmar ou negar a hipótese geral de que uma prática de mediação entre

a oralidade e a escrita pode contribuir para a construção da consciência fonológica

da criança, considerada relevante no processo de alfabetização.

Nessa perspectiva, os dados coletados e analisados qualitativamente

representam o corpus da pesquisa referente aos resultados das três amostras de

escritas das crianças, mediante a aplicação de avaliações diagnósticas individuais e

de três amostras de atividades de avaliação de consciência fonológica e sua relação

com o processo de aquisição de escrita, mais especificamente na representação

escrita das vogais orais médias postônicas em posição final. A análise destes dados

será apresentada a seguir:

4.1 RESULTADOS DO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA

Ao realizarmos um mapeamento inicial, constatamos que na 1ª avaliação

diagnóstica de escrita, ou seja, no diagnóstico do perfil inicial, a turma composta de

10 crianças era caracterizada pela heterogeneidade, apresentando crianças com

níveis diferenciados de aprendizagem da escrita, tendo 1 criança no nível pré-

silábico, representando 10% da turma; 7 crianças no nível silábico qualitativo,

representando 70%; 1 criança no nível silábico-alfabético, representando 10% e 1 no

nível alfabético, representando 10%, fato que pode ser comprovado a partir dos

resultados da Tabela 1.

53

Tabela 1 - Evolução do nível de escrita das cr ianças nas três avaliações diagnósticas coletadas durante o ano letivo Avaliação diagnóstica de escrita

Níveis de escrita Pré-silábico Silábico Silábico- Alfa bético alfabético

Total (%)

1ª Avaliação % de crianças

10

70

10

10

100

2ª Avaliação % de crianças

0

30

20

50

100

3ª Avaliação % de crianças

0

0

10

90

100

Fonte: Do Autor

Deste modo, de acordo com a Tabela 1, podemos constatar que na 1ª

avaliação diagnóstica há predominância do nível silábico de escrita, período em que

a criança constrói a hipótese de que cada sílaba da palavra é representada por uma

letra a ela correspondente (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999), como por exemplo,

para PIPOCA escreviam I O A. Porém, em alguns momentos, representavam a

unidade sonora por outra letra não correspondente, o que se atribuía ao fato de

ainda estar em transição da hipótese silábica quantitativa para a silábica qualitativa

ou por ainda não saberem grafar aquela letra correspondente ao som percebido por

ela, como exemplo, para BRIGADEIRO, a criança escreveu I A P O, registrando um

“P” quando se referiu ao som da sílaba “DEI”. Vejamos um recorte do momento

dessa avaliação que se referia a uma lista de palavras de festa de aniversário:

Pesquisadora: Escreva “BRIGADEIRO”.

Criança A: /BRI/ /GA/ /DEI/ /RO/ (Ela segmenta oralmente a palavra em

sílabas).

Criança A: I A (Ela registra o I e o A e para de escrever).

Criança A: Aqui é um “D”, não é tia? (Faz a pergunta referindo-se ao som

da sílaba DEI).

Pesquisadora: Se você acha que é, então escreva.

Criança A: Mas eu não sei como é um “D”.

Pesquisadora: E agora, o que você vai fazer?

Criança A: Vou escrever outra letra, porque aqui não pode ficar sem letra.

54

Pesquisadora: Por que não pode ficar sem letra aí?

Criança A: Porque aqui é outro pedacinho.

Pesquisadora: Como você vai fazer agora?

Criança A: I A P O (Fica pensativa, e escreve a letra P para substituir a letra

D, que representa o valor sonoro da sílaba DEI). Isso demonstra que já relaciona o

som ao nome da letra D, mas não sabe a grafia dela.

BRIGADEIRO

COXINHA

PIPOCA

BOLO

VELA

Figura 1 - Lista de festa de aniversário. Fonte: Amostra de escrita da criança A

Neste exemplo, percebemos que a criança já realizava a correspondência

entre a sílaba e seu valor sonoro, ainda representado apenas por uma única letra,

ela compreendia que cada unidade sonora da palavra, a sílaba, era representada

por uma letra; já dominava o aspecto funcional, a representação abstrata, isto é, o

nome e o som da letra D, entretanto, ainda precisava reconhecer e identificar a

grafia da letra D, pois não dominava o aspecto gráfico, a forma física da letra

(MANSSINI-CAGLIARI, 1999), e também não percebia ainda o som das letras E e I

que constituíam a sílaba DEI, o que lhe causava uma relação conflituosa com a

escrita da palavra.

A partir desse recorte, podemos perceber que em sua intervenção a

professora deve dar o tempo necessário para que a criança faça a leitura, ajustando

o oral ao escrito, levando-a a refletir e perceber o que ela escreveu, o que falta

escrever ou apagar, fazendo as alterações necessárias na grafia das palavras.

55

Ao analisarmos os resultados da Tabela 1, referentes à 2ª avaliação

diagnóstica de escrita, constatamos que das 10 crianças pesquisadas, a criança que

era pré-silábica na 1ª avaliação avançou para o nível silábico juntando-se a 2 que

ainda permaneceram no nível silábico, formando o total de 3, representando 30% da

turma; 2 estavam no nível silábico-alfabético, representando 20% da turma e 5

estavam no nível alfabético, representando 50% da turma. Deste modo,

evidenciamos uma significativa evolução na aquisição de escrita da turma, pois se

compararmos com a 1ª avaliação, em que 70% delas estavam no nível silábico, na

2ª avaliação apenas 30% se encontravam neste nível, tendo um avanço significativo

no nível alfabético, representando 50% da turma. Hipótese esta, em que a criança já

é capaz de compreender a relação fonema/grafema.

Como podemos comprovar ainda na Tabela 1, na 3ª avaliação diagnóstica de

escrita das crianças fica evidente o caráter evolutivo do processo de aquisição de

escrita, percebendo que elas avançaram qualitativamente na elaboração das

hipóteses de escrita, na qual das 10 crianças pesquisadas, ao término do ano letivo,

9 alcançaram o nível alfabético, representando 90% delas, pois já compreendiam o

sistema de escrita alfabética, faltando apenas se apropriar da escrita alfabética

ortográfica; apenas 1 permaneceu no nível silábico-alfabético, representando 10%

da turma. Essa criança escrevia: ora alfabética, representando todas as letras das

unidades sonoras constitutivas da sílaba, ora silábica, representando a sílaba com

apenas um grafema, encontrando-se, assim, em uma fase de transição da hipótese

silábica para a alfabética, ainda sendo necessárias intervenções da professora para

ajudá-la a ordenar o processo de aquisição de escrita e avançar para a hipótese

alfabética.

Portanto, ao final da pesquisa em comparação ao início, o número de

crianças em nível alfabético aumentou de um (1) para nove (9), ou seja, destas nove

(9) apenas uma (1) iniciou o ano letivo em nível alfabético, as oito (8) demais

avançaram durante o processo. Dentre estas oito (8) crianças, sete (7) delas

iniciaram em nível silábico e uma (1) em nível silábico-alfabético, mas todas

alcançaram o nível alfabético ao término do ano letivo. Apenas uma (1) das crianças

que no início da pesquisa era pré-silábica não concluiu o ano letivo em nível

alfabético, alcançando, contudo, o nível silábico-alfabético. Vale considerar que ela

teve avanços significativos referentes às hipóteses de escrita, pois em seu

diagnóstico inicial com nível pré-silábico, apresentava formas de escrita

56

extremamente limitadas, ainda não percebia as unidades sonoras das palavras;

portanto, ingressou no 1º ano sem estar com as habilidades elementares da

consciência fonológica preestabelecidas, o que se espera que as crianças já tenham

ao ingressar na escola (SCHERER, 2009).

Nesse sentido, podemos perceber que as crianças que já iniciaram no 1º ano

em nível silábico, com algumas habilidades fonológicas elementares

preestabelecidas, avançaram mais rápido e apresentaram melhor desempenho na

aquisição da escrita.

Pelas amostras de escritas espontâneas das avaliações diagnósticas das

crianças pesquisadas, conforme a Tabela 1, também comprovamos que no nível

pré-silábico a criança ainda não é capaz de relacionar os sons da fala com a escrita.

Sendo assim, a consciência fonológica se desenvolve já na hipótese silábica,

momento em que a criança mobiliza suas habilidades fonológicas já

preestabelecidas e começa a estabelecer a correspondência entre os sons da fala e

a escrita, já é capaz de segmentar a palavra em “pedacinhos” (sílabas).

Mediante esse contexto de ensino da língua orientado pela mediação entre a

oralidade e a escrita é de fundamental importância pontuar que quando as

atividades são contextualizadas com as atividades linguísticas da criança e suas

práticas sociais, e não em meras atitudes de cópias, mediante a transcrição de

palavras e textos escritos ortograficamente sem significados para a criança, a

professora está criando oportunidades de reflexão e compreensão sobre os usos e

formas da língua, de refletir, questionar sobre a forma escrita, levando-a a perceber

que os sons da fala podem ser representados na escrita, contribuindo para avanços

na aquisição da escrita e, por sua vez, no processo de alfabetização.

4.1.1 Análise e descrição de amostras de avaliação de escrita

Para melhor compreensão de como a prática de mediação entre a oralidade e

a escrita contribui para a construção da consciência fonológica e para a aquisição de

escrita no processo de alfabetização, apresentaremos a seguir a análise e descrição

de três amostras do instrumento de avaliação diagnóstica de escrita, aplicado

durante a pesquisa, que demonstram o processo evolutivo de escrita de uma das

crianças pesquisadas, aqui identificada como Criança B. Vejamos uma amostra do

instrumento de avaliação diagnóstica de escrita da 1ª coleta de dados:

57

BRIGADEIRO

COXINHA

PIPOCA

BOLO

VELA

Figura 2 - Lista de aniversário. Fonte: Amostra de escrita de criança B. Na amostra de escrita da Figura 1 observamos características de escrita na

hipótese silábica ora com valor sonoro nas vogais, ora com valor sonoro nas

consoantes, porém se percebe que na estrutura silábica a aquisição se dá

predominantemente pelas vogais. Constata-se que a criança já realiza a relação

entre a oralidade e escrita, utilizando uma letra para representar cada unidade

silábica da palavra, apresentando as habilidades fonológicas elementares já

estabelecidas. Nessa hipótese, a criança consolida a superação da hipótese de

correspondência global entre a forma escrita e a oralidade, e avança

qualitativamente para a correspondência termo a termo, atribuindo valor silábico a

cada letra, a partir da representação escrita das partes sonoras da fala (FERREIRO;

TEBEROSKY, 1999). Vejamos uma amostra do instrumento de avaliação

diagnóstica de escrita da 2ª coleta de dados:

RINOCERONTE

CAMELO

GORILA

PATO

O PATO PULA NO LAGO

Figura 3 - Lista de animais. Fonte: Amostra de escrita da criança B.

58

Na 2ª amostra de escrita, a criança B já avançou da hipótese silábica para a

hipótese silábico-alfabética, a qual se define pelo processo de transição do nível

silábico para o alfabético: ora a criança representa cada unidade sonora da palavra

com apenas uma letra, demonstrando habilidade no nível de consciência fonológica

da sílaba, sendo capaz de segmentar a palavra em sílabas, ora representa a sílaba

usando todas as letras que a constituem, o que demonstra avanço no

desenvolvimento da consciência fonológica, ao iniciar a manipulação da menor

unidade sonora da palavra, o fonema. Deste modo, já sinaliza para a consciência do

fonema, ou seja, a consciência fonêmica (ALVES, 2009). Alcançar esse nível implica

um grande desafio para as crianças: perceber que a unidade silábica pode constituir-

se não apenas de uma letra; descobrir a letra que está faltando na sílaba para que a

escrita da palavra se torne alfabética.

Vejamos os avanços da criança B na 3ª Avaliação Diagnóstica de escrita:

BERINJELA

CENOURA

CEBOLA

TOMATE

ALFACE

PEPINO

COUVE

O COELHO COME CENOURA

Figura 4 - Lista de legumes/verduras. Fonte: Escrita da criança B

Na 3ª amostra de escrita, a criança B alcança o nível de escrita alfabética, ela

já se apropriou do sistema de escrita alfabética, avançando em suas habilidades

fonológicas, o que podemos constatar na predominância do nível de consciência

fonêmica, representada pela escrita, demonstrando que a aquisição da escrita está

consolidando-se mediante a relação fonema-grafema, apresentando poucas trocas

fonológicas, faltando-lhe apenas ajustar a escrita alfabética ortográfica. Ainda

59

constatamos que as trocas fonológicas se evidenciam predominantemente nas

vogais orais médias em posição postônica final.

Evidenciamos outro resultado significativo na pesquisa: a predominância de

as crianças reconhecerem primeiro os sons das vogais na estrutura silábica,

transcrevendo-os para a escrita, o que demonstra a relação intrínseca entre o nível

de consciência fonológica e a aquisição da escrita. Relação essa, comprovada pela

predominância das vogais nos registros escritos das crianças, que representavam

cada unidade sonora da palavra pela grafia de uma vogal correspondente. Exemplo:

para BOLO escreviam O U; para COXINHA escreviam O I A; para RINOCERONTE

escreviam I O E A I.

Entretanto, apresentavam trocas fonológicas ao representar as vogais orais

médias postônicas em posição final. Dentre esses exemplos, destacamos a escrita

de RINOCERONTE [I O E O I] e BOLO [O U]. Percebe-se que mesmo após

consolidar a escrita alfabética, a incidência destas trocas fonológicas se mantém,

como, por exemplo, as palavras COUVE [COUVI], ALFACE [AUFACI] e COME

[COMMI] da 3ª amostra de avaliação diagnóstica de escrita da Criança B,

constatando-se assim a influência da fala na escrita.

A análise dos resultados revela que a alfabetização orientada a partir de um

processo de aquisição de escrita simultaneamente com a construção da consciência

fonológica possibilita à criança descobrir como se organiza e funciona o sistema de

escrita alfabética; ela vai compreendendo o código linguístico e adquirindo

progressivamente a escrita alfabética, e não apenas transcrevendo cópias

padronizadas, escritas “fixas” ortograficamente, sem significado de construção para

a criança. Entretanto, nesse processo, é necessário avançar para a escrita

alfabética ortográfica, conhecer e aprofundar as convenções ortográficas, daí a

importância de se trabalhar os aspectos peculiares da correspondência fonema -

grafema, principalmente aqueles decorrentes de processos variáveis da fala.

Ainda podemos verificar a partir dos resultados obtidos que a abordagem

metodológica da professora foi decisiva nesse percurso de aquisição da escrita,

mediante um processo de mediação entre a oralidade e a escrita, fomentado pela

construção de hipóteses e valorização da escrita espontânea, através da

identificação auditiva das palavras, no qual a criança desempenhava atividades

linguísticas de reflexão sobre a estrutura interna da palavra, em um movimento

natural, autônomo, de ajustar o que ela escreve ao que ela pensa: agregando,

60

retirando, substituindo ou descobrindo os sons na representação da escrita, como

vimos no exemplo de amostra de escrita da criança A

4.2 RESULTADOS DE AVALIAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA

FONOLÓGICA DAS CRIANÇAS PESQUISADAS

A partir de observações de atividades de consciência fonológica vivenciadas

em brincadeiras e jogos orais e em atividades de reconhecimento e manipulação de

unidades sonoras na transcrição da escrita, podemos constatar a relação da

aquisição da escrita com a construção da consciência fonológica, percebendo as

trocas fonológicas ocorridas no processo de aquisição de escrita, mediante a relação

grafema-fonema.

A análise qualitativa das atividades de consciência fonológica partiu de

observações dos avanços das crianças referentes a atividades que treinavam o

desenvolvimento em nível de consciência silábica, intrassilábica e de fonemas. Esse

fato pode ser comprovado pela atividade de consciência fonológica ao nível da

sílaba desenvolvida em sala de aula no início da pesquisa, que descreveremos a

seguir:

Pesquisadora: Prestem atenção na palavra que eu vou dizer:

“MACACO”.

Pesquisadora: Bata palmas para cada pedacinho que você falar.

Crianças: /MA/ - /CA/- /CO/ (Elas segmentavam a palavra oralmente).

Pesquisadora: Quantos pedacinhos tem essa palavra?

Crianças: Três, dois... (Respondiam as crianças, algumas delas as

vezes não acertavam na quantidade).

Essa é uma das atividades de estimulação de habilidades fonológicas das

mais simples, a segmentação de palavras em sílabas, porém de fundamental

importância para a criança segmentar e manipular os sons da palavra, percebendo

que as palavras são constituídas por unidades sonoras.

A seguir discutiremos os resultados da análise dos dados de três amostras de

atividades de consciência fonológicas realizadas com as crianças.

Os resultados da Tabela 2 referem-se à atividade de consciência fonológica

no nível intrassilábico, tendo como constituinte silábico as rimas. Essa tabela

resultou da análise da amostra de uma atividade de consciência fonológica (Anexo

61

D), na qual foi dada uma figura padrão e outras figuras, solicitando à criança pintar

dentre as figuras aquela que rimava com o nome da figura padrão e em seguida

escrever o nome de cada figura.

Tabela 2 - Resultados de avaliações de consciência fonológica no nível

intrassilábico Atividades de consciência fo nológica com rima

Quantidade de Crianças

Identifica Não identifica Total

Rima

8

2

10

Fonte: Do Autor

.

A Tabela 2 demonstra que das 10 crianças pesquisadas 8 delas,

representando 80% do total, identificaram e pintaram as figuras que rimavam com a

figura padrão dada; e apenas 2 delas não identificaram as figuras que rimavam com

a figura padrão.

Constatamos que a maioria das crianças já estabeleceu a consciência

fonológica em nível de rimas, levando-as a reconhecer que palavras diferentes

podem compartilhar os mesmos sons finais, de modo a facilitar a aquisição do

princípio alfabético e fazer uso consciente da língua a partir da manipulação das

estruturas das unidades sonoras das palavras. Esses resultados demonstram a

imprescindível contribuição do trabalho com rimas para o desenvolvimento da

consciência fonológica das crianças em processo de aquisição da escrita.

Confirmamos isto no relato de uma das crianças pesquisadas:

Criança C: “Tia, eu tô aprendendo a ler porque eu descobri a palavra no som

da língua.”

O relato dessa criança revela que uma prática de mediação entre a oralidade

e a escrita proporciona à criança perceber e refletir sobre os sons das palavras,

62

desenvolvendo as habilidades fonológicas consideradas de fundamental importância

para a aprendizagem da escrita e também da leitura.

4.3 AVALIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NA REPRESENTAÇÃO

ESCRITA DAS VOGAIS ORAIS MÉDIAS POSTÔNICAS EM POSIÇÃO FINAL

A Tabela 3 demonstra os resultados das amostras de atividades de

consciência fonológica que envolve a escrita espontânea de palavras, nas quais as

sílabas finais se constituem de vogais orais médias, já exigindo da criança um nível

mais complexo de consciência fonológica, a identificação de fonemas. Vejamos a

análise dos resultados da Tabela 3.

Conforme a Tabela 3, analisando a consciência fonológica na representação

escrita das vogais orais médias postônicas em posição final, com relação à

consciência fonológica da vogal postônica [e] em posição final, constatamos na 1ª

avaliação fonológica (Anexo E) que das 10 crianças a quem foi aplicada esta

atividade, 7 delas elevavam a vogal [e] para [i], representando 70% das crianças

pesquisadas. Exemplo: escreviam CHOCOLATI para CHOCOLATE; e 3 delas não

elevavam a vogal [e] para [i], representando 30% do total.

Tabela 3 - Avaliação da consciência fonológica da r epresentação escrita das vogais orais médias em posição pos tônica final Avaliação Fonológica

Quantidade de Crian ças de crianças

1ª Avaliação CHOCOLATE

MORANGO/COCO

7

6

3

4

0

0

10

10

2ª Avaliação ELEFANTE

MACACO

PATO

6

1

1

4

9

8

0

0

1

10

10

10

Fonte: Do Autor.

Com relação à vogal postônica [o] em posição final, constatamos que 6 das

crianças pesquisadas transferiam a variação da vogal postônica final [o] da fala para

63

escrita, elevando-a para [u], representando 60% do total de crianças. Exemplo:

escreviam MORANGU para MORANGO; escreviam COCU para COCO. Apenas 4

crianças não transferiam a variação da fala na representação escrita da vogal

postônica final [o], representando 40% das crianças pesquisadas. As crianças que

não realizavam essa transferência já demonstravam habilidades de desenvolvimento

de consciência fonológica referente à relação fonema-grafema.

Ao olharmos para os resultados da 2ª avaliação fonológica (Anexo F) da

Tabela 3, percebemos que 6 das crianças pesquisadas representavam a vogal

postônica [e] em posição final, realizando troca do e para o i na escrita,

representando 60% das crianças pesquisadas. Exemplo: escreviam ELEFANTI para

ELEFANTE; e 4 delas não transferiam a variação fonológica para a representação

escrita da vogal postônica final [e], representando 40% das crianças pesquisadas.

Com relação à vogal postônica final [o] na palavra MACACO: 1 das 10

crianças pesquisadas alterou a escrita da vogal postônica final, refletindo na escrita

a variação fonológica do [o] para o [u], representando 10% das crianças

pesquisadas. Exemplo: escreveu MACACU para MACACO. A maioria das crianças,

ou seja, 9 delas, representando 90% das crianças pesquisadas, não transferiu a

variação da fala para a escrita. Na análise da palavra PATO, das 10 crianças

pesquisadas 8 não realizaram a troca do “o” para o “u”, representando 80% destas;

1 alterou a escrita, como em PATU por PATO, representando 10% destas; e 1

alterou a escrita, mas em seguida fez o ajuste; representando 10% das crianças

pesquisadas.

A partir dos dados coletados e analisados nas avaliações de consciência

fonológica, transcritos na Tabela III, podemos evidenciar a ocorrência significativa de

transferência da variação das vogais orais médias postônicas finais [e] e [o].

Constatamos, ainda, que a maior incidência de casos ocorreu com a representação

escrita da vogal postônica final [e].

Segundo Bortoni-Ricardo (2004), é comum que na fase inicial de escrita a

criança se utilize dos padrões de fala como base para escrita, consequentemente,

os aspectos variáveis também são transpostos. Isso porque a criança já

compreende que as letras representam os sons da fala, porém ela estabelece uma

relação biunívoca entre sons e letras, ela pensa que o mesmo som corresponde

sempre e somente a mesma letra, ainda não percebe a existência das relações

arbitrárias entre sons e letras (LEMLE, 2009). Por isso, para que essas questões

64

sejam resolvidas, elas precisam ser trabalhadas ao longo do processo de

alfabetização.

Vale ressaltar que os dados aqui analisados representam apenas uma

amostra das atividades de consciência fonológica aplicadas em nível de rimas,

sílabas e fonemas, dentre outras desenvolvidas durante a pesquisa associadas à

escrita, como por exemplo, a identificação e escrita de listas de palavras que rimam

a partir de livros de literatura infantil, poemas, parlendas etc. (ANEXO G); e à

oralidade: brincadeiras e jogos orais de alfabetização, contextualizadas com as

práticas sociais das crianças. Entretanto, o nosso recorte é suficiente para

demonstrar que um ensino pautado nesse tipo de atividade contribui positivamente

na fase inicial de alfabetização. E, por isso, é importante afirmar que as habilidades

em consciência fonológica são fundamentais na sala de aula de alfabetização, visto

que os resultados apresentados evidenciaram evolução na escrita, mediante

atividades que envolviam a relação entre oralidade e escrita referente ao

desenvolvimento da consciência fonológica.

Os resultados encontrados na pesquisa, tanto das amostras de escritas das

avaliações diagnósticas como das amostras de atividades de consciência fonológica

permitem-nos concluir que um ensino mediado pela prática de valorizar a relação

entre oralidade e escrita proporciona avanços significativos nas hipóteses de escrita

das crianças e no desenvolvimento da consciência fonológica, o que pode ser

comprovado no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Desenvolvimento dos níveis de escrita

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

1a. Avaliação 2a. Avaliação 3a. Avaliação

Pré-silábico

Silábico

Silábico-Alfabético

Alfabético

Fonte: Do Autor.

65

De acordo com a análise dos resultados do Gráfico 1 evidenciam-se os

avanços no desempenho de escrita obtido já na 2ª avaliação diagnóstica das

crianças, consolidando-se a aquisição da escrita alfabética na 3ª avaliação com um

índice de 90% de crianças. E cruzando esses resultados com as avaliações sobre

consciência fonológica (Tabela 2 e 3), constatamos que as crianças que mais

avançaram na aquisição da escrita apresentavam melhor desempenho nas

atividades de consciência fonológica.

Podemos comprovar o processo evolutivo da aquisição de escrita e afirmar

que, à medida que a criança vai se tornando capaz de perceber de modo consciente

os sons da fala, isto é, à medida que vai desenvolvendo as habilidades fonológicas,

ela avança na aquisição da escrita, a partir das tentativas da relação grafema-

fonema.

Fazer a criança avançar nos níveis de escrita implica encarar a evolução dos

níveis de escrita em função do ritmo natural da criança e de uma proposta

metodológica que considere o desenvolvimento da escrita a partir de situações

planejadas e procedimentos sistemáticos de aprendizagem voltados para a evolução

dos níveis de escrita alfabética. Portanto, faz-se necessário propiciar um tempo para

que a criança tente superar a situação de conflito cognitivo, cabendo à professora

verificar quais os conflitos enfrentados pela criança na hipótese em que ela se

encontra.

Portanto, os resultados apresentados nos levam a confirmar a hipótese geral

desta pesquisa de que uma prática de mediação entre a oralidade e a escrita pode

contribuir para a construção da consciência fonológica da criança, considerada

relevante no processo inicial de aquisição da escrita alfabética. Podemos perceber,

ainda, que à medida que o desenvolvimento da consciência vai se estabelecendo, a

aquisição da escrita vai evoluindo, o que direciona para a compreensão de uma

relação recíproca entre o desenvolvimento da consciência fonológica e a aquisição

da escrita.

66

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância desta pesquisa se dá pela sua contribuição valiosa ao ensino da

língua que leve a criança a fazer uso mais consciente da oralidade e da escrita.

Assim como pela sugestão de uma proposta de intervenção pedagógica mediada

pela análise e discussão de resultados de atividades específicas de aquisição do

sistema de escrita alfabética, e com estratégias metodológicas que contribuam para

o desenvolvimento da consciência fonológica das crianças, a partir da relação

grafofonêmica, de modo a facilitar a aquisição da escrita no processo inicial de

alfabetização e letramento.

Os resultados obtidos na coleta dos dados, mediante as técnicas e os

instrumentos utilizados nos permitiram descrever como as crianças se apropriam do

sistema de escrita alfabética e constroem suas hipóteses e representações; como

elas desenvolvem a consciência fonológica, principalmente no que concerne à

representação escrita das vogais orais médias em posição postônica final,

comprovando, assim, ao final da pesquisa, a significativa evolução das hipóteses de

escrita e os efeitos positivos no processo de apropriação do sistema de escrita

alfabética.

Nesse sentido, podemos evidenciar que o ensino orientado pela mediação

entre a oralidade e a escrita leva a criança a desenvolver as capacidades de

reflexão e análise de como os sons atuam na língua, como eles se articulam e como

podem ser representados na escrita. Podemos perceber que, nesse processo, à

medida que a criança vai desenvolvendo as habilidades de consciência fonológica,

evolui significativamente na escrita e simultaneamente vai apropriando-se do

princípio alfabético. Constatamos, assim, a existência de uma relação intrínseca da

evolução da escrita da criança com o nível de consciência fonológica.

Vale considerar que um fator predominante nos resultados positivos da

intervenção pedagógica foi o número reduzido de crianças da turma - a adequada

proporcionalidade entre professora e aluno (a) -, o que me permitiu acompanhar

mais de perto o processo de aquisição da escrita e monitorar sistematicamente as

atividades planejadas, de modo a incentivá-las e ajudá-las a ordenar o sistema de

escrita alfabética, levando-as a refletir que os sons da fala têm equivalência gráfica,

embora algumas vezes irregular, mas para tudo que se fala existe uma forma

67

correspondente de se registrar através da escrita; e descobrir como se aprende a ler

e escrever.

A partir da análise dos dados podemos perceber que:

- no processo de aquisição de escrita, a criança vai construindo suas

hipóteses e adquirindo a escrita naturalmente, entretanto é de fundamental

importância a atuação do professor: diagnosticando a hipótese de escrita em que a

criança se encontra e, a partir das descobertas da criança, realizar a intervenção

adequada, criando situações que leve a criança a pensar sobre o sistema, ajudando-

a a ordenar o processo de aquisição da escrita;

- é de fundamental importância no processo de alfabetização valorizar a

relação entre a oralidade e a aquisição da escrita, a partir de atividades de

consciência fonológica, consideradas fundamentais e decisivas no processo de

aquisição da língua escrita;

- as crianças apresentam dificuldades na representação da escrita das vogais

orais médias em posição postônica final, o que se evidencia no número significativo

de trocas realizadas pelas crianças das vogais orais médias “e” e “o” na posição

postônica final pelas vogais altas “i” e “u”, principalmente quando da realização da

vogal “e”. Isso se justifica pela recorrência de processos variáveis na produção oral

dessas vogais, as quais apresentam mais de uma forma oral com uma única

representação escrita. Deste modo, compreender o processo de aquisição de escrita

na alfabetização implica considerar os fenômenos da variação linguística, de modo a

perceber a influência da oralidade nos registros escritos das crianças.

Podemos concluir que uma prática de ensino mediada pela relação entre a

oralidade e a escrita contribui para o desenvolvimento da consciência fonológica e,

por sua vez, o desenvolvimento das habilidades em consciência fonológica contribui

significativamente no processo de aquisição de escrita, podendo levar a criança à

compreensão da transição entre língua oral e língua escrita, mediante o uso

consciente da língua. Entretanto, a consciência fonológica é um instrumento eficaz e

facilitador do processo de aquisição da escrita, independente do método que o

alfabetizador adote em sua prática pedagógica, não sendo aqui considerado como

método de ensino de alfabetização.

Nossa proposta não se limita a defender esse ou aquele método mais eficaz

em alfabetizar, mas mostrar a importância de uma prática de ensino que se utilize de

instrumentos eficazes que possibilitem à criança desenvolver sistematicamente as

68

capacidades linguístico-fonológicas de reconhecimento da relação grafemas e

fonemas no processo de aquisição de escrita, de modo a identificar e manipular o

código linguístico referente ao sistema de sons da língua, compreendendo o

funcionamento do princípio alfabético. É importante ressaltar, contudo, que esse

processo não se interrompe ou finaliza aqui, apenas se inicia e representa

fundamentalmente as bases do processo de alfabetização: preparar a criança para

enfrentar as complexas e irregulares facetas da língua materna padrão. Como diz

Soares (2013, p. 15) “[...] a aprendizagem da língua materna, quer escrita, quer oral,

é um processo permanente, nunca interrompido.”

Com os resultados deste trabalho pretendemos fornecer subsídios teóricos e

práticos aos alfabetizadores, contribuindo para ressignificar a atuação pedagógica

nas salas de aula de alfabetização, a partir de uma prática de mediação entre a

oralidade e a escrita, capaz de fazer avançar o processo de alfabetização e

letramento e provocar mudanças significativas no ciclo de alfabetização, de modo

que venha contribuir para elevar os índices de desempenho de aprendizagem de

leitura e escrita das crianças da rede pública, colaborando para uma nova

configuração nos resultados da alfabetização infantil.

69

REFERÊNCIAS

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73

ANEXOS

ANEXO A – Jogos pedagógicos de alfabetização

Figura 1 – Bingo dos sons iniciais

Figura 2 - Bingo da letra inicial

74

Figura 3 – Jogo do caça-rimas

Figura 4 – Bingo de letras

75

Figura – 5 – Bingo de letras

Figura 6 – Jogo do Cruza-letra

76

ANEXO B - Atividades com alfabeto móvel

Figura 1 – Formação de palavras com alfabeto móvel

77

ANEXO C –Atividades de escrita espontânea das crianças

Figura 1 – Produção de cartão do Dia do Amigo

Figura 2 – Produção de cartão do Dia do Amigo

78

Figura 3 – Produção de texto

79

ANEXO D – Amostra de Instrumento da 1ª avaliação de consciência fonológica a

nível de rima.

Figura 1 Instrumento de avaliação de consciência fonológica a nível de rima

80

ANEXO E – Amostra de Instrumentos de avaliação de consciência fonológica das

vogais orais médias

Figura 1- Instrumento de 2ª Avaliação da consciência fonológica das vogais orais médias em posição postônica final

Figura 2 - Instrumento de 2ª Avaliação da consciência fonológica das vogais orais médias em posição postônica final.

81

ANEXO F – Amostra de Instrumento da 3ª avaliação de consciência fonológica das vogais orais médias

Figura 1 – Instrumento de 2ª Avaliação da consciência fonológica das vogais orais médias em posição postônica final

82

ANEXO G – Atividades de identificação de rimas em livros e parlendas.

Figura 1 – Identificação de rimas em livros de histórias

Figura 2 – Identificação de rimas em parlendas