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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 PERCURSOS URBANOS E PATRIMÔNIO CULTURAL: estudo de caso em São Gabriel, RS ZAMBERLAN DOS SANTOS, NARA REJANE (1); ZAMBERLAN DOS SANTOS, NASTAJA CASSANDRA (2); ROMANO, LEONORA (3) 1. Unipampa campus São Gabriel Rua Antônio Trilha 1847- São Gabriel/RS [email protected] 2. UnilaSalle Av Vitor Barreto 2288-Canoas/RS [email protected] 3.Universidade Federal de Santa Maria Curso de Arquitetura e Urbanismo-CT. Campus Universitário [email protected] Resumo Os percursos percorridos pelas pessoas em determinadas cidades estabelecem-se como rotineiros e afirmam-se pelo tempo, muitas vezes sem a percepção das ações vivenciadas no cotidiano pelas vias urbanas. A prática comum de deslocamento pode se enriquecer com o fascínio pelo lugar, o sistema de signos e as trajetórias vivenciadas pela cultura, mesmo com todas as alterações impostas indevidamente pela modernização e flexibilização dos espaços. O patrimônio material de cunho arquitetônico se distribui nas principais artérias, negligenciado, alterado e sem percepção da comunidade. O descaso, a falta de critérios para a conservação, a demora de providências através de políticas públicas e a negação deste legado por parte da população motivou esta análise cujo objetivo é verificar a situação dos imóveis públicos e privados que constituem o denominado Centro Histórico da cidade de São Gabriel, RS. O levantamento de dados se deu por análise do Plano Diretor (PDDUA), dentre outros documentos, bibliografias inerentes ao tema e trabalho de campo através de deslocamentos sistemáticos de observação para identificar as alterações mais significativas já realizadas. A associação de técnicas de coleta de dados mostrou que nas vias determinadas como Centro Histórico existem casarões de diferentes estilos, somado a prédios públicos que até o momento demonstraram poucas ações, análises e providências das autoridades. Outrossim, observou-se a descaracterização de uma série de imóveis seja pela introdução de atividades de comércio, seja pelo desmembramento das residências ou ainda a substituição por materiais diversos. Pode-se observar quatro situações, a saber: prédios residências de caráter particular bem conservados com pinturas e reparos recentes; prédios residenciais em estágio de abandono ou degradação, prédios que abrigam usos recentes e diversificados, prédios doados ao município necessitando intervenções e/ou obras concluídas ou em execução, fruto de iniciativas públicas e de associações objeto de processo de tombamento por órgãos competentes. Estas intervenções são fruto de ações pontuais que ainda não manifestam em sua totalidade a importância deste patrimônio que traduz períodos de glória da economia e da sociedade da Terra dos Marechais. Urge ações concretas e céleres para alavancar políticas de preservação e propiciar atividades de educação patrimonial para que crianças e jovens não considerem este legado como uma coletânea de casas “velhas” não lhe referenciando o devido valor e ignorando a própria história. As cidades escrevem sua própria trajetória, projetam cenários e possibilitam leituras e significações variadas aos atores dispostos a descobri-las atentos as identidades em seus múltiplos percursos. Palavras Chave: Percepções; Centro Histórico; Políticas Públicas.

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

PERCURSOS URBANOS E PATRIMÔNIO CULTURAL: estudo de caso em São Gabriel, RS

ZAMBERLAN DOS SANTOS, NARA REJANE (1); ZAMBERLAN DOS SANTOS, NASTAJA CASSANDRA (2); ROMANO, LEONORA (3)

1. Unipampa campus São Gabriel

Rua Antônio Trilha 1847- São Gabriel/RS [email protected]

2. UnilaSalle

Av Vitor Barreto 2288-Canoas/RS [email protected]

3.Universidade Federal de Santa Maria

Curso de Arquitetura e Urbanismo-CT. Campus Universitário [email protected]

Resumo Os percursos percorridos pelas pessoas em determinadas cidades estabelecem-se como rotineiros e afirmam-se pelo tempo, muitas vezes sem a percepção das ações vivenciadas no cotidiano pelas vias urbanas. A prática comum de deslocamento pode se enriquecer com o fascínio pelo lugar, o sistema de signos e as trajetórias vivenciadas pela cultura, mesmo com todas as alterações impostas indevidamente pela modernização e flexibilização dos espaços. O patrimônio material de cunho arquitetônico se distribui nas principais artérias, negligenciado, alterado e sem percepção da comunidade. O descaso, a falta de critérios para a conservação, a demora de providências através de políticas públicas e a negação deste legado por parte da população motivou esta análise cujo objetivo é verificar a situação dos imóveis públicos e privados que constituem o denominado Centro Histórico da cidade de São Gabriel, RS. O levantamento de dados se deu por análise do Plano Diretor (PDDUA), dentre outros documentos, bibliografias inerentes ao tema e trabalho de campo através de deslocamentos sistemáticos de observação para identificar as alterações mais significativas já realizadas. A associação de técnicas de coleta de dados mostrou que nas vias determinadas como Centro Histórico existem casarões de diferentes estilos, somado a prédios públicos que até o momento demonstraram poucas ações, análises e providências das autoridades. Outrossim, observou-se a descaracterização de uma série de imóveis seja pela introdução de atividades de comércio, seja pelo desmembramento das residências ou ainda a substituição por materiais diversos. Pode-se observar quatro situações, a saber: prédios residências de caráter particular bem conservados com pinturas e reparos recentes; prédios residenciais em estágio de abandono ou degradação, prédios que abrigam usos recentes e diversificados, prédios doados ao município necessitando intervenções e/ou obras concluídas ou em execução, fruto de iniciativas públicas e de associações objeto de processo de tombamento por órgãos competentes. Estas intervenções são fruto de ações pontuais que ainda não manifestam em sua totalidade a importância deste patrimônio que traduz períodos de glória da economia e da sociedade da Terra dos Marechais. Urge ações concretas e céleres para alavancar políticas de preservação e propiciar atividades de educação patrimonial para que crianças e jovens não considerem este legado como uma coletânea de casas “velhas” não lhe referenciando o devido valor e ignorando a própria história. As cidades escrevem sua própria trajetória, projetam cenários e possibilitam leituras e significações variadas aos atores dispostos a descobri-las atentos as identidades em seus múltiplos percursos. Palavras Chave: Percepções; Centro Histórico; Políticas Públicas.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

1 INTRODUÇÃO

As cidades somadas a suas paisagens e patrimônio constituem acervos que traduzem o

processo de organização e gestão dos espaços baseado em sua história, cultura e ambiente.

Nas palavras de Batista e Matos (2014), a necessidade de interpretar e entender o caráter da

paisagem exige a leitura, integrada dos diferentes fatores que a conformam e, através desta

propor intervenções que considerem a identidade das mesmas.

Há a necessidade de identificar não somente o patrimônio urbano, mas a percepção destes

espaços pelos seus usuários a fim de diagnosticar, as leituras realizadas em seus percursos,

os sentimentos relativos a imagem do lugar e de apropriação para desenvolver propostas de

intervenção.

É no viver cotidiano que está oculto o significado da paisagem construída e reforçada pela

relação entre sociedade e meio, os significados e representações que possam mediar o

entendimento dos sujeitos envolvidos (CASTRIOTA; SOUSA, 2014. p.80).

Segundo Hillier et al. (1993), a escolha dos percursos está fortemente relacionada com a

estrutura do sistema espacial urbano, sendo as representações, segundo Pesavento (2003,

p.14), também portadoras do simbólico, mostram ou enunciam, carregam sentidos ocultos,

que, construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente coletivo e se

apresentam como naturais, dispensando reflexão.

A criação de leis que dispendem páginas a considerar o interesse do patrimônio e que nem

sequer são reconhecidos pelos cidadãos perdem seu propósito, sua objetividade e distanciam

as pessoas de um convívio mais íntimo e consciente com a cidade.

A partir das proposições dispostas no Plano Diretor e da bibliografia específica sobre uma

amostra do patrimônio arquitetônico do Bairro Centro de São Gabriel o presente estudo se

propõem a uma reflexão sobre os preceitos legais e a realidade vivenciada no dia-a-dia da

comunidade nos seus trajetos básicos na área central e histórica de cidade.

2 APORTE TEÓRICO

2.1 As cidades e as leituras permitidas

Segundo Scocuglia; Lins (2006), o homem precisa ler o ambiente em que se insere em busca

de referências e orientação, pois um ambiente de fácil leitura é, então, um espaço com boa

legibilidade, ou seja, diferenciável e singular revela o grau da relação habitante-cidade, fator

importante no uso desses espaços.

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A cidade, para Carrano (2008, p.63) pode ser considerada educativa também no sentido

ampliado de espaço-tempo social de relacionamentos, experiências públicas,

compartilhamento de significados e vivência de situações conflitivas mais ou menos bem

resolvidas pelos sujeitos.

O espaço urbano, constituído pelas ruas e avenidas, a morfologia arquitetônica, os

monumentos, as esquinas configuram-se em imagens que se dão a ver. Daí, segundo Knauss

(2006), a importância de observar a cidade, ultrapassando o ver, mera percepção dos

sentidos, buscando o olhar a elaboração intelectual sobre o visto.

Os patrimônios culturais são considerados por Gonçalves,

estratégias por meio das quais grupos sociais e indivíduos narram sua memória e sua identidade, buscando para elas um lugar público de reconhecimento, na medida mesmo em que as transformam em “patrimônio”. Transformar objetos, estruturas arquitetônicas e estruturas urbanísticas em patrimônio cultural significa atribuir-lhes uma função de “representação”, que funda a memória e a identidade (GONÇALVES, 2002, p.121).

Conforme Choay (2006, p.11), a expressão Patrimônio Histórico designa um bem destinado

ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela

acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado

comum.

O patrimônio no sentido “legal” surgiu com as legislações nacionais do século XIX, que lhe

garantiram um destino específico no meio de todas as manifestações sociais dos objetos

(POULOT, 2009, p.26).

Para IPHAN (2003), Centro Histórico é o sítio urbano localizado em área central da área-sede

do município, seja em termos geográficos, seja em termos funcionais e históricos,

configurando-se em centro tradicional.

O construto imagem do destino forma-se, conforme Echtner; Ritchie (1991), tanto a partir da

análise individual de cada atributo como pode ser vista a partir do conjunto.

A cidade segundo Gatti (2013):

precisa ser vista sob seus múltiplos aspectos, sejam eles físicos, sociais, econômicos ou culturais. E é este olhar múltiplo que deve ser absorvido pelas políticas públicas, que também precisam ser acompanhadas por políticas sociais que exerçam o controle do processo especulativo que envolve as melhorias urbanas, para que a população local, sobretudo a de baixa renda, possa usufruir das transformações e não seja expulsa de seu local de origem (GATTI, 2013, p.9)

Os percursos podem ser vistos como rotas, utilizadas nos deslocamentos das pessoas na

cidade, através de espaços livres, que formam trajetórias, pois conforme Silveira et al. (2007)

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constituem uma linha, no espaço e no tempo, descrita pelo movimento que define a direção de fluxos de circulação cotidianos, podendo indicar vetores de expansão intraurbana. Implicam igualmente num sentido social, relacionado aos deslocamentos e práticas de um dado grupamento humano, em uma direção de crescimento da cidade, englobando questões da cultura, interesses e hábitos típicos dos grupos sociais, em função da localização, renda e modo de transporte urbano (SILVEIRA et al., 2007, s/p).

Na visão de Santos (2001),

O patrimônio foi deixado de ser simplesmente herdado para ser estudado, discutido, compartilhado e até reivindicado. Ultrapassa-se a monumentalidade, a excepcionalidade e mesmo a materialidade como parâmetros de proteção, para abranger o vernacular, o cotidiano, a imaterialidade, porém, sem abrir mão de continuar contemplando a preservação dos objetos de arte e monumentos eleitos ao longo de tantos anos de trabalho como merecedores de especial proteção. Passa-se a valorizar não somente os vestígios de um passado distante, mas também a contemporaneidade, os processos, a produção (SANTOS, 2001, p.44).

A reconstrução do passado de uma cidade contido nos centros urbanos, para Figueiredo

(2014) implica lidar com vários tempos a exemplo de uma vitrine, mas que nem sempre se

deixa ver. A compreensão das cidades atuais, conforme o autor exige sempre a necessidade

do passado.

As consequências da degradação das áreas centrais das cidades sobre a identidade e cultura

da sociedade, segundo Gadens et al. (2007) é o fato que áreas centrais se distinguem,

sobretudo, pela importância simbólica que tradicionalmente agregam nas cidades que as

contêm.

2.2 Plano Diretor

A Lei Complementar Nº 002/08, de 02 de junho de 2008 que instituiu o PDDUA (São Gabriel,

2008), em seu Capítulo VI, Art.80 define que a Estratégia Patrimônio Cultural tem como meta

o reconhecimento e a preservação do legado cultural e histórico do Município de São Gabriel,

incluindo a identidade cultural de seus munícipes. Já o Art.81 denomina Patrimônio Cultural o

conjunto de bens tangíveis e intangíveis, móveis, imóveis ou naturais, de significativo valor

estético, artístico, histórico, cultural, arquitetônico, espiritual, paisagístico e ecológico para a

comunidade.

Baseado nos instrumentos de políticas públicas previstas no Estatuto da Cidade - Lei nº.

10.257/01(Brasil, 2001), as diretrizes gerais da Estratégia Patrimônio Cultural referente a Lei

Complementar Nº 002/08 de São Gabriel (2008) objetivam, segundo o Art. 82:

I - aprimorar a política que trata da preservação do patrimônio cultural II - promover eventos culturais periódicos que contribuam com o resgate e preservação da identidade cultural dos munícipes de São Gabriel;

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IV - fortalecer o patrimônio histórico como elemento de identificação cultural, estimulando à sua preservação; V - preservar e valorizar a identidade cultural e o patrimônio histórico da sede do Município, orientando-se pelo zoneamento específico definido no PDDUA e pelo Programa de Preservação do Patrimônio Cultural da Sede de São Gabriel; VI - monitorar e fiscalizar obras, instalações e atividades que incidam nas Zonas Especiais de Interesse Cultural; VII - priorizar a conclusão do Inventário dos bens de interesse cultural, VIII- realizar ações de restauração e preservação do patrimônio arquitetônico, histórico e antropológico do Município, visando desenvolvimento do turismo cultural e aumento da autoestima da população; IX - divulgar rotas turísticas, históricas e culturais; XI -incentivar no processo de aprendizagem, a construção de uma identidade cultural local, explorando o potencial educativo dos feitos históricos e das manifestações culturais do Município; XII -incentivar a realização de projetos comunitários que tenham caráter multiplicador e contribuam para facilitar o acesso aos bens culturais por todos os munícipes; XIII- incentivar a produção de publicações sobre a história de São Gabriel; XIV -promover concursos e exposições municipais referentes ao legado cultural de São Gabriel, fomentando a produção e possibilitando a divulgação pública de trabalhos; XV- estabelecer parcerias com instituições públicas e privadas para desenvolvimento de projetos voltados à identificação, preservação e desenvolvimento do patrimônio cultural (SÃO GABRIEL, 2008).

As diretrizes específicas do Programa de Revitalização da Sede de São Gabriel e, seu art.

84 aponta a estruturação da gestão local do Patrimônio Cultural da sede Municipal, além da

animação do Centro Histórico, vinculada à preservação de ambientes de reconhecido valor

cultural.

3 METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada no município de São Gabriel, localizado na Fronteira Oeste do estado

do Rio Grande do Sul (Figura 1), às margens da BR 290, na rota MERCOSUL. A cidade de

São Gabriel é conhecida pelo seu passado histórico, sendo reconhecida como ”Terra dos

Marechais”.

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Figura 1- Localização do município de São Gabriel, RS

Fonte: desenho realizado por Paulo Grapiglia (2015).

Quanto a metodologia a pesquisa foi dividida em duas fases: bibliográfica/documental e de

campo.

A pesquisa bibliográfica/documental versou sobre o patrimônio arquitetônico e foi embasada

na obra de Rieth (2007), entre outros autores.

Segundo Figueiredo (2014), iniciativas em investir na identificação do patrimônio, fontes e

arquivos documentais tem contribuído para revelar nuances da história e da memória social

da cidade.

A fase de campo excedeu o objetivo do trabalho para que a situação urbana real fosse

revelada. Para tal foram identificadas as ruas formadoras do Bairro Centro demarcada e

avaliados os lotes presentes. Tomou-se a Praça Fernando Abott como ponto de referência

para a determinação das ruas, pois no entorno da mesma se concentra o maior número de

construções, tanto antigas como novas (Figura 2).

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Figura 2- Determinação das ruas do inventário geral no Bairro Centro de São Gabriel/RS Fonte: Google Maps (2015) adaptado pelas autoras.

A ideia da Praça, como centralidade vem de encontro a Krafta (1994), que propõem que esta

medida identifica os espaços que fazem parte dos caminhos mais curtos entre todas as partes

de pontos do sistema. Os espaços mais centrais são aqueles que fazem parte do maior

número de caminhos.

A partir desta tomada de situação, de âmbito geral e que demonstrou a situação atual dos

lotes e construções foram definidos e realizados percursos semanais por três meses com

base na listagem apresentada no PDDUA e na literatura acima mencionada.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

São Gabriel, conforme Rieth (2007) é uma cidade de origem hispano-portuguesa com

dezenas de casarões e prédios antigos. As construções referidas pela autora remetem a

presença de uma elite enriquecida que impulsionou a construção de suntuosas obras em um

período em que as famílias experimentavam uma fase de prosperidade.

No bairro Centro da cidade, formado por, aproximadamente, 23 vias entre ruas e avenidas

localiza-se o Centro Histórico assim proposto pelo Plano Diretor-Lei Complementar Nº 002/08,

de 02 de junho de 2008 (SÃO GABRIEL, 2008).

A referida Lei criou Zonas a saber: Zona de Preservação Cultural (onde se localiza o Centro

Histórico) e a Zona de Especial Interesse Cultural- ZEIC, ampliando os ambientes a serem

preservados, além das Zonas Especiais de Interesse Ambiental - ZEIA e, as Zonas Especiais

de Interesse Social – ZEIS.

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As Zonas Especiais de Interesse Cultural – ZEIC são zonas que apresentam ocorrência de

patrimônio cultural representativo da história e/ou cultura da cidade, que deve ser preservado

a fim de evitar a perda ou o desaparecimento da memória coletiva e das características que

lhes conferem peculiaridade (SÃO GABRIEL, 2008).

O § 3º da referida Lei determina que a identificação das áreas e dos bens que constituem o

Patrimônio Cultural seja objeto de estudos específicos baseados no Inventário do Patrimônio

Cultural, observados o valor histórico, a excepcionalidade, os valores de representatividade,

de referência, arquitetônico, simbólico, práticas culturais, tradições e heranças, as relações

físicas e culturais com o entorno e a necessidade de manutenção de ambientação peculiar,

enquanto o § 4º Lei específica que será regulamentado o Inventário do Patrimônio Cultural,

estabelecendo conceitos, conteúdos, critérios de seleção, características, vigência, formas de

proteção e de incentivo.

Até 2008 era considerada como Zona de Preservação e Interesse Cultural, apenas a Rua

Duque de Caxias levando-se em conta o percurso entre a Praça Tunuca Silveira e a Praça

Fernando Abott e seu entorno imediato (Figura 3).

Figura 3- Definição das Zona de Preservação Cultural e de Interesse Cultural a partir da Lei 002/08, São Gabriel, RS. Fonte: PDDDUA, São Gabriel, 2008

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Com a aprovação da Lei 002/08, esta zona se expandiu sendo considerado de Interesse

Cultural todo o bairro Centro da cidade.

Além do Centro Histórico, o PDDUA estabelece dois outros patrimônios culturais fora deste

perímetro constituído pelo Cemitério e pelo Quartel do Batalhão de Engenharia de Combate,

conforme Figura 4.

Figura 4- Localização do Centro Histórico e demais sítios patrimoniais no município de São Gabriel, RS. Fonte: PDDDUA, São Gabriel, 2008.

Estudo realizado por Souto et al. (2016), junto ao Cemitério de São Gabriel apontou a

potencialidade para o turismo traduzido pela arquitetura tumular, os jazigos referentes a vultos

da história e as peregrinações a figuras populares, personagens beatificadas pelo povo.

Dentro da atual relação estabelecida pelos prédios históricos e as ações desenvolvidas no

momento presente há a configuração de um novo ambiente social neste bairro onde foram

analisados 1052 lotes urbanos incluindo todos os edificados. Observou-se que 63% das

residências permanecem no espaço amostrado, embora 17% tenham passado por inúmeras

intervenções ou estão abandonadas. A intervenção mais frequente (64,5%) foi o

desmembramento das construções salientando-se a intervenção através de cores e

acabamentos diversos.

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A introdução de estabelecimentos comerciais reforça a forte demanda por espaços centrais e

ainda significa papel relevante como ponto focal na gestão do território e uma forte resistência

à descentralização.

Silva et al. (2011) afirmam que o aumento da procura por espaços para habitação e comércio

formal e informal na cidade acelerou de forma particular a descaracterização e, por vezes, a

destruição de alguns patrimônios culturais.

O PDDUA de São Gabriel determina o uso misto da área central com o convívio da Área de

Patrimônio Ambiental (APC) com área de Ambiência Cultural (AAC) e áreas comerciais

conforme Figura 5.

Figura 5- Zoneamento de usos no Bairro Centro de São Gabriel/RS. Fonte: PDDDUA, São Gabriel, 2008.

Em relação as construções históricas e antigas do bairro encontraram-se algumas falhas

quando analisadas as informações constantes no PDDUA, como: endereços inexistentes,

ausência de prédios, nenhuma menção a respeito das edificações. Ao passo que a obra de

Rieth (2007) contempla um maior número de prédios, os descreve quanto ao seu estilo

arquitetônico e regata o histórico dos mesmos, somado a presença de fotos e detalhes.

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O que se observa na pesquisa é um distanciamento no documento legal e a realidade.

Embora, atualmente, segundo Scocuglia et al. (2006) apontem que são inúmeras as iniciativas

para a revitalização de áreas históricas nos centros urbanos, muitas delas referenciadas como

Centros Históricos, reconhecido seu valor e sua crescente importância no debate e

formulação de políticas públicas, na busca de recuperar valores, usos desses espaços,

perdidos ou alterados ao longo do crescimento das cidades, esta situação não se reflete na

cidade de São Gabriel/RS.

Constata-se que não foram aprimoradas políticas públicas, objeto do Art. 82 que preservem o

patrimônio cultural dado ao número de prédios que foram demolidos dando lugar a outros de

caráter comercial sem relação alguma com a memória, ou ainda alterados indicando não

haver monitoramento e fiscalização das obras, instalações e atividades que incidam nas

Zonas Especiais de Interesse Cultural. Em sendo assim não foi fortalecido o patrimônio

histórico como elemento de identificação cultural, estimulando à sua preservação e nem

incentivado um processo de aprendizagem e a construção de uma identidade cultural local,

explorando o potencial educativo dos feitos históricos e das manifestações culturais do

Município.

Dentre as obras que reconhecidamente passaram por um processo de tombamento e

revitalização citam-se a Igreja Nossa Senhora do Rosário, conhecida como Igreja do Galo

(Construção de 1817, foi o primeiro templo de alvenaria levantado em São Gabriel. Foi Matriz

até 1924. Possuía, em sua cúpula, um galo de bronze, que foi roubado em 1985. Tombada

pelo Patrimônio Histórico do Município em 1989), o Sobrado da Praça (Construção de 1826,

em estilo neoclássico, com dois pavimentos onde predominam as linhas retas, marcadas por

pilastras dóricas e platibanda decorada com losangos. Abrigou o 3º Corpo de Cavalaria

Imperial. No ano de 1846 hospedou o Imperador Dom Pedro II. Tombado pelo Patrimônio

Histórico Nacional em 1974) e, em obras o Teatro Harmonia (O Cine Teatro Harmonia foi

fundado em 1874 e, originalmente, chamava-se Sociedade Harmonia Gabrielense. Possuía

amplo quadro social e era palco de grandes bailes e festejadas apresentações teatrais. Em

1929 passou a se denominar Cine Teatro Harmonia, tendo sido remodelado pelo construtor

Adolpho Parga, quando recebeu os camarotes, nova pintura e decoração mais rebuscada.

Dispunha de farta iluminação e de uma acústica, à época, considerada impecável. Contava

com plateia de 408 lugares, 56 camarotes para 92 pessoas o que totalizava uma capacidade

para abrigar 500 expectadores. Na fachada haviam três portas que, pelos preços

diferenciados, selecionavam o público. Uma para os mais abastados, a segunda para os

remediados e, a terceira porta, menor, por onde ingressavam os menos aquinhoados e que

pagavam os ingressos mais baratos.) (SÃO GABRIEL, 2016).

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E as demais sessenta e cinco obras relacionadas ficarão a margem do abandono, somente

dependentes das iniciativas particulares e por vezes sujeitas às intervenções sem critérios

técnicos?

As casas históricas, segundo Ribeiro (2012) desempenham um papel fundamental, pela

importância simbólica, e também pelo caráter evocativo que elas podem apresentar.

Nas cidades, a sua memória se apoia na materialidade, nas vivências, nas sensibilidades do

vivido. A memória de uma cidade é uma tentativa de resgate (PESAVENTO, 2012, p.402).

Os resultados encontrados vem de encontro a Choay (2006) onde destaca que as cidades e

conjuntos arquitetônicos antigos mesmo que tenham se tornado patrimônios históricos de

pleno direito com os seus centros ostentando uma imagem privilegiada, ainda assim apontam

as dificuldades e contradições no que diz respeito a valorização do patrimônio, com ênfase a

sua reutilização ,ou seja, sua integração na vida contemporânea.

De extrema importância seria o estímulo aos processos para que a comunidade se identifique

com os lugares, com os traços do passado, onde a história social e arquitetônica se unam e

descubram os percursos mais significativos, pois assim será construída a memória do lugar e

formado os caminhos da preservação urbana.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade, a arquitetura, os espaços vazios enquanto lugares simbólicos representam os

valores dos grupos sociais e implicam na memória coletiva.

Os percursos urbanos são informações adquiridas com o tempo e pelo tempo e geram

análises e experiências individuais. Os percursos são ambiências implicadas em uma rede de

afetos e significados onde se pode ler o espaço e reconhecer no cotidiano os elementos

sociais, culturais e naturais que formam a trama urbana nos seus múltiplos espaços e

constantes transformações.

O cotidiano se constitui em importante eixo articulador da pratica de aprendizagem do espaço

e das experiências locais. Ele inclui uma multiplicidade de perspectivas que desenvolvem o

exercício de um olhar de forma espacial sobre a realidade.

Este acervo patrimonial disponível a todos deverá ser centrado no sentimento de

pertencimento, alimentado pela cultura, informação e requalificação dos espaços.

O que se observa na pesquisa é um distanciamento entre o legal e o real. Porém, há de se

considerar que o legal permanece, sendo cumprido ou não, mas o real é o agora, o momento,

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imbuído de toda uma fragilidade que pode ser sua perda, fragmentação da história,

enfraquecimento da memória e o distanciamento do passado.

REFERÊNCIAS

BATISTA, D.S.; MATOS, R.S. A dimensão patrimonial e identitária da paisagem: a história do lugar como fundamento da intervenção urbana e territorial contemporânea. In: PIMENTA, M. de C. A.; FIGUEIREDDO, L.C. Lugares: patrimônio, lugares e paisagens. Florianópolis: Editora UFSC, 2014. P.15-46.

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______. INSTITUTO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL/ IPHAN. Plano de Preservação. Sítio Histórico Urbano. Termo Geral de Referência. Brasília: IPHAN/ Ministério da Cultura, 2003. 23 f.

CARRANO, PAULO Jovens pobres: modos de vida, percursos urbanos e transições para a vida adulta. Ciências Hum. Seropédica, RJ, EDUR, v. 30, n. 2, jul-dez., p. 62-70, 2008.

CASTRIOTA, L. B.; SOUSA, V. P. de. A força do lugar: patrimônio cultural e memória urbana. In: PIMENTA, M. de C. A.; FIGUEIREDDO, L.C. Lugares: patrimônio, lugares e paisagens. Florianópolis: Editora UFSC, 2014. p.47- 74.

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