percursos pedestres acessíveis à boleia de uma cadeira todo-o-terreno (joëlette)

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Tiragem: 46555 País: Portugal Period.: Diária Âmbito: Informação Geral Pág: 29 Cores: Cor Área: 27,57 x 31,39 cm² Corte: 1 de 1 ID: 42741128 11-07-2012 Percursos pedestres acessíveis à boleia de uma cadeira todo-o-terreno Projecto Experience.nature, lançado pela Desafio das Letras, propõe passeios inclusivos em locais de difícil acesso a pessoas com mobilidade reduzida. Mas ainda falta verba para comprar uma joëlette DR A joëlette foi inventada por um guia de montanha francês para levar o sobrinho, que tinha miopatia, a fazer percursos pelos Alpes Isabel tem 56 anos e não se lembra de alguma vez ter passeado no cam- po. Com mobilidade reduzida desde criança por ter contraído poliomie- lite, não sabia o que é andar por ca- minhos de cabras onde só cabe um pé à frente do outro. Mas também não tem medo do desconhecido. Por isso quando lhe pediram para experimentar uma joëlette num per- curso pedestre na serra da Lousã, nos trilhos acidentados do Cabril do Ceira, em Serpins, não hesitou. “Nunca tinha andado em sítios on- de não passa um carro”, lamenta. A sensação é de “liberdade total”. O percurso que Isabel fez foi or- ganizado pela Desafio das Letras, uma microempresa de produção de conteúdos e serviços nas áreas da educação ambiental e turismo de natureza. No Outono passado, a empresa criou o projecto Experien- ce.nature, através do qual promove passeios pedestres inclusivos, utili- zando uma joëlette — uma espécie de cadeira de rodas todo-o-terreno, que fica a meio caminho entre o car- ro de mão e o riquexó — para levar pessoas com mobilidade reduzida. Os primeiros passeios foram fei- tos com uma joëlette emprestada pela Câmara da Lousã, mas a em- presa quer ter o seu próprio meio de transporte, já que noutros locais é um privado que cede a sua joëlette. Estes engenhos são fabricados em França e cada um custa 2600 euros. Para conseguir comprar um exem- plar, a empresa resolveu apostar no crowdfunding. Através desta plata- forma online de financiamento co- lectivo, qualquer pessoa pode doar qualquer quantia e tem sempre uma recompensa — que pode ir desde um frasco de compota à possibilida- de de participar num percurso. “O preço do passeio ronda os 20 euros por pessoa. Queremos que as pessoas com mobilidade reduzida não tenham de pagar mais só para usar a joëlette, e isso só é possível se não tivermos que reflectir o custo do equipamento no preço do bilhete”, explica Henrique Pereira dos Santos, arquitecto com experiência na área da conservação da natureza, que co- labora com a Desafio das Letras. Ontem, a empresa tinha já 72% do dinheiro necessário, mas este financiamento só fica disponível se chegar aos 100%. Quem quiser ajudar ainda tem quatro dias para o fazer — basta aceder à plataforma através do endereço www.ppl.com. pt/pt/prj/experience-nature. O projecto foi pensado desde o início para ter uma componente de responsabilidade social e de sensi- bilização. Tanto que a “tripulação” da joëlette é composta por três ou quatro pessoas que integram o per- curso, para assim também “ganha- rem consciência das dificuldades que as pessoas com mobilidade re- duzida têm no mundo rural”, afir- ma Henrique Pereira dos Santos, sublinhando que os percursos não são desenhados para pessoas com mobilidade reduzida. “A ideia é in- tegrar estas pessoas em percursos normais.” A joëlette foi criada em 1980 por um guia de montanha francês, Jo- el Claudel, para levar o sobrinho, Stéphane, que tinha miopatia, a fa- zer percursos pelos Alpes. É uma cadeira com braços assente sobre uma roda, com varais à frente e atrás que são “pilotados” pelos res- tantes participantes. “É confortável para quem vai sentado e não exige esforço a quem empurra”, garante Henrique Pereira dos Santos. Os passeios organizados pela De- safio das Letras são sempre temá- ticos e incluem uma refeição com produtos locais e um workshop re- lacionado com o tema escolhido. “O objectivo é que todas as pessoas levem alguma coisa para casa no fim”, afirma. O próximo passeio é dia 21 de Julho, na serra da Lousã, berço do projecto, por ser um concelho “com uma forte política de acessibilida- de”, sustenta o arquitecto. Ecoturismo Marisa Soares Turismo acessível Mercado vale 90 mil milhões de euros na Europa O turismo acessível na Europa vale 90 mil milhões de euros (metade do Produto Interno Bruto português), segundo as contas de Paula Teles, presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM). De acordo com esta especialista em acessibilidades, existem 80 milhões de pessoas com deficiência na UE, o que representa um potencial mercado de mais de 130 milhões de turistas, se incluirmos familiares e amigos. Por isso, a aposta em equipamentos como a joelette pode fazer a diferença no mercado turístico nacional. Recentemente, o ICVM lançou um certificado que permitirá identificar locais públicos e privados acessíveis a pessoa com mobilidade reduzida para potenciar o sector. PÚBLICO/ Lusa

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Percursos pedestres acessíveis à boleia de uma cadeira todo-o-terreno (joëlette) In Público, 2012-07-11

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Page 1: Percursos pedestres acessíveis à boleia de uma cadeira todo-o-terreno (joëlette)

Tiragem: 46555

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Informação Geral

Pág: 29

Cores: Cor

Área: 27,57 x 31,39 cm²

Corte: 1 de 1ID: 42741128 11-07-2012

Percursos pedestres acessíveis à boleia de uma cadeira todo-o-terreno

Projecto Experience.nature, lançado pela Desafi o das Letras, propõe passeios inclusivos em locais de difícil acesso a pessoas com mobilidade reduzida. Mas ainda falta verba para comprar uma joëlette

DR

A joëlette foi inventada por um guia de montanha francês para levar o sobrinho, que tinha miopatia, a fazer percursos pelos Alpes

Isabel tem 56 anos e não se lembra

de alguma vez ter passeado no cam-

po. Com mobilidade reduzida desde

criança por ter contraído poliomie-

lite, não sabia o que é andar por ca-

minhos de cabras onde só cabe um

pé à frente do outro. Mas também

não tem medo do desconhecido.

Por isso quando lhe pediram para

experimentar uma joëlette num per-

curso pedestre na serra da Lousã,

nos trilhos acidentados do Cabril

do Ceira, em Serpins, não hesitou.

“Nunca tinha andado em sítios on-

de não passa um carro”, lamenta. A

sensação é de “liberdade total”.

O percurso que Isabel fez foi or-

ganizado pela Desafi o das Letras,

uma microempresa de produção

de conteúdos e serviços nas áreas

da educação ambiental e turismo

de natureza. No Outono passado, a

empresa criou o projecto Experien-

ce.nature, através do qual promove

passeios pedestres inclusivos, utili-

zando uma joëlette — uma espécie

de cadeira de rodas todo-o-terreno,

que fi ca a meio caminho entre o car-

ro de mão e o riquexó — para levar

pessoas com mobilidade reduzida.

Os primeiros passeios foram fei-

tos com uma joëlette emprestada

pela Câmara da Lousã, mas a em-

presa quer ter o seu próprio meio

de transporte, já que noutros locais

é um privado que cede a sua joëlette.

Estes engenhos são fabricados em

França e cada um custa 2600 euros.

Para conseguir comprar um exem-

plar, a empresa resolveu apostar no

crowdfunding. Através desta plata-

forma online de fi nanciamento co-

lectivo, qualquer pessoa pode doar

qualquer quantia e tem sempre uma

recompensa — que pode ir desde

um frasco de compota à possibilida-

de de participar num percurso.

“O preço do passeio ronda os 20

euros por pessoa. Queremos que as

pessoas com mobilidade reduzida

não tenham de pagar mais só para

usar a joëlette, e isso só é possível se

não tivermos que refl ectir o custo do

equipamento no preço do bilhete”,

explica Henrique Pereira dos Santos,

arquitecto com experiência na área

da conservação da natureza, que co-

labora com a Desafi o das Letras.

Ontem, a empresa tinha já 72%

do dinheiro necessário, mas este

fi nanciamento só fi ca disponível

se chegar aos 100%. Quem quiser

ajudar ainda tem quatro dias para

o fazer — basta aceder à plataforma

através do endereço www.ppl.com.

pt/pt/prj/experience-nature.

O projecto foi pensado desde o

início para ter uma componente de

responsabilidade social e de sensi-

bilização. Tanto que a “tripulação”

da joëlette é composta por três ou

quatro pessoas que integram o per-

curso, para assim também “ganha-

rem consciência das difi culdades

que as pessoas com mobilidade re-

duzida têm no mundo rural”, afi r-

ma Henrique Pereira dos Santos,

sublinhando que os percursos não

são desenhados para pessoas com

mobilidade reduzida. “A ideia é in-

tegrar estas pessoas em percursos

normais.”

A joëlette foi criada em 1980 por

um guia de montanha francês, Jo-

el Claudel, para levar o sobrinho,

Stéphane, que tinha miopatia, a fa-

zer percursos pelos Alpes. É uma

cadeira com braços assente sobre

uma roda, com varais à frente e

atrás que são “pilotados” pelos res-

tantes participantes. “É confortável

para quem vai sentado e não exige

esforço a quem empurra”, garante

Henrique Pereira dos Santos.

Os passeios organizados pela De-

safi o das Letras são sempre temá-

ticos e incluem uma refeição com

produtos locais e um workshop re-

lacionado com o tema escolhido.

“O objectivo é que todas as pessoas

levem alguma coisa para casa no

fi m”, afi rma.

O próximo passeio é dia 21 de

Julho, na serra da Lousã, berço do

projecto, por ser um concelho “com

uma forte política de acessibilida-

de”, sustenta o arquitecto.

EcoturismoMarisa Soares

Turismo acessível

Mercado vale 90 mil milhões de euros na Europa

Oturismo acessível na Europa vale 90 mil milhões de euros (metade do Produto Interno Bruto português),

segundo as contas de Paula Teles, presidente do Instituto de Cidades e Vilas com Mobilidade (ICVM). De acordo com esta especialista em acessibilidades, existem 80 milhões de pessoas com deficiência na UE, o que representa um potencial mercado de mais de 130 milhões de turistas, se incluirmos familiares e amigos. Por isso, a aposta em equipamentos como a joelette pode fazer a diferença

no mercado turístico nacional. Recentemente, o ICVM lançou um certificado que permitirá identificar locais públicos e privados acessíveis a pessoa com mobilidade reduzida para potenciar o sector. PÚBLICO/Lusa