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PERCURSOS METODOLÓGICOS PARA PESQUISAS COM INSTITUIÇÕES ESCOLARES: APONTAMENTOS SOBRE PESQUISA COM GRUPOS

ESCOLARES EM DOURADOS/MS (1963-1974)

Wilker Solidade da Silva1

O texto, aqui apresentado, é parte de uma pesquisa qualitativa em educação que tem

como propósito principal investigar o a história da escola nas regiões distritais do

município de Dourados/MS no período de 1963 até 1974 a partir de um olhar sobre os

Grupos Escolares ali construídos. Este traz uma explanação sobre o embasamento

construído para a escrita metodológica do trabalho, utilizando para isso, como enunciado no

título, uma delineação dos modos possíveis de fazer pesquisa com Instituições Escolares,

tendo como foco, o arrolamento documental e a identificação norteadora das suas formas de

interpretação.

Neste intuito, a escrita está dividida em duas partes: a primeira delas é referente à

exposição do objeto da pesquisa, trazendo de forma sintetizada os percursos que

convergiram para sua escolha, os embasamentos teóricos e os caminhos para sua análise.

Na segunda parte, é discutido o envolvimento da pesquisa com a exploração das fontes

elencadas, bem como da extração máxima dos Corpora elencados e as perspectivas destas

escolhas.

Instituições Escolares como palco de pesquisas

Para se efetivar qualquer natureza de pesquisa é necessária a delineação de um

questionamento basilar que orientará o pesquisador pela coleta e análise dos dados. O da

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGEdu/UFGD) e Bolsista Capes.

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presente pesquisa se resume em: “Como se realizou a inserção da escola nas regiões

distantes do distrito sede no município de Dourados?”.

Analisar os modos como foram criadas escolas nas regiões distantes do perímetro

urbano central, como estas se organizavam e realizavam suas atividades, se traduzem como

pontos indispensáveis para que possamos compreender a história da educação no

município, pois somente a partir do olhar desses locais, suas práticas e disparidades, que

melhor podemos compreender a escola e o movimento educacional do passado, bem como

as suas interlocuções com o presente vivido.

Tendo a referência de Faria Filho (2005) sobre o prisma existente no espaço

educacional possibilitador da compreensão deste espaço, e a de Veiga (2003) sobre a

necessidade de identificar as tensões existentes nestes espaços a fim de evidenciar suas

reais características, é que nos envolvemos na construção do projeto inicial. Ao escolher a

Instituição Escolar como objeto de estudo, uma das primeiras evidências é a identificação

de um leque de possibilidades para a pesquisa. No nosso caso específico, os Grupos

Escolares se destacaram no processo de escolha, pois o aporte bibliográfico evidenciou que

estes tiveram peso importante na história da educação do município de Dourados, e que a

sua atuação ocorreu por caminhos distintos de outros pontos do país. O interessante é que,

mesmo com a tamanha significância dessas Instituições, mensura-se pela análise das

pesquisas já produzidas, o quanto esta área ainda esta para ser pesquisada, e quão escassos

para não dizer inexistente, são as pesquisas relacionadas ao processo de escolarização dos

distritos periféricos que compõem o município de Dourados.

Neste caminho e entendendo que o estudo dos modos de escolarização, bem como

das práticas dos docentes, da interação destas com os alunos e o interior dos Grupos

Escolares possuem suas particularidades, sendo estas permeadas de uma grande diversidade

cultural e identitária, é que evidenciamos que o campo teórico da historiografia que

fornecerá os aportes necessários para a realização desta pesquisa é o da Nova História

Cultural.

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Esta escolha, parafraseando Gatti Jr e Pessanha (2005, p.45), é profícua ao passo de

que este domínio da história, nos últimos anos, tem contribuído muito com as pesquisas em

história da educação devido aos seus procedimentos e sua estrutura interdisciplinar, o que

evidenciou que o se estudar a história com a perspectiva da Nova História Cultural significa

estudar as questões que envolvem relações sociais, para que a partir destas relações se

possam conhecer sobre a totalidade humana, imbuindo aí seus anseios, desejos, lutas ou a

própria relação humana.

Nessa linha, é importante citar que, ao se pesquisar história da educação na

perspectiva da Nova História Cultural, exige-se que o pesquisador possa realizar a distinção

do que seja o recorte do objeto de cultura, objeto econômico e objeto político,

caracterizações distintas desta área, e que possibilitam uma reflexão a cerca das

peculiaridades características das interações humanas. Para Silva (2012), trabalhar com o

objeto cultural, e também com o objeto de cultura direcionado à educação, significa

trabalhar com outras áreas, pois a Nova História Cultural não toma o contexto histórico a

priori, mas seleciona o objeto. Evidencia-se que, neste intento todas as fontes são

significativas para conhecer o objeto de investigação, para construir e selecionar o contexto

em que o objeto vai ser trabalhado com as demais disciplinas do saber.

Isso se explica pelo fato de que definir “cultura” é algo muito difícil, devido a

pluralidade e complexidade que o termo envolve. Falcon (2006) ao estudar a relação entre

história cultural e história da educação, afirma que essa problemática acaba por se estender

também a definição de quais objetos culturais poderiam se constituir como a matéria-prima

da história cultural, assim, é de comum uso pelos historiadores do cultural para contornar as

discussões sobre esta questão pensar a história cultural como uma certa forma de

abordagem do real histórico e, ao mesmo tempo, encarar a dimensão ou perspectiva cultural

como alguma coisa que está presente na economia, na política e na sociedade como um

todo” (FALCON, 2006, p.334). Mas, como interpretar essa cultura à pesquisa com e sobre

o espaço escolar?

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Essa interpretação pode se concretizar a partir da análise esmiuçada das

possibilidades e potencialidades da escola enquanto instituição formadora e detentora de

particularidades que não se traduzem somente em uma estrutura imagética pronta. Ao

tomar como base tal referência teórica, é exigido que o pesquisador possa ver além das

mazelas traçadas pelo senso comum das pesquisas e possa entender que espaço detêm

características próprias, como a de um “mundo” externo ao “mundo real” a que está

inserida, e mesmo recebendo reflexos desse tal “mundo real”, ou refletindo nele, ainda

assim consegue criar formas e culturas singulares.

Centrando na Nova História Cultural o aporte teórico e delimitando o percurso

metodológico como em análise documental qualitativa, este concebido pelo auxílio

identificado na revisão de bibliografia sobre pesquisas já realizados pelos mais diversos

programas de pós-graduação, que ao relacionarem a existência de instituições escolares

com o uso de fontes oficiais – sejam elas manuscritas, impressas, textuais ou imagéticas –

tais como programas, relatórios e legislações escolares, normas, leis, currículos, decretos,

portarias, etc., ao mesmo tempo em que se utilizam de fontes diversas, como literatura

(memórias e autobiografias); iconografias (desenhos, fotografias); periódicos didáticos

(jornais, revistas, coleções escolares) e não didáticos (jornais e revistas); até mesmo

materiais escolares (cadernos, provas, diários), bem como a realização de entrevistas com

pessoas da época para a construção de um documento, definimos esta pesquisa como um

fazer que esta sujeito as possibilidades do próprio ato de pesquisar, como todas de teor

qualitativo.

Ainda caminhando a passos curtos, o fazer-se pesquisar se depara com o manuseio

destas fontes para sua análise. Sobre essa temática, Prado (2010) orienta que o trato das

fontes desta natureza específica devem transcender a mera leitura interpretativa, sendo

preciso considerar no processo pesquisacional os obstáculos interpostos à própria pesquisa

implícitos ao funcionamento da máquina administrativa que edita historicamente tais

documentos, pois

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o entendimento desse grande mecanismo administrativo é fundamental para se compreender que tipos de documentos teriam sido hipoteticamente produzidos e arquivados nos desvãos das estantes. Hipoteticamente, pois nem sempre se tem plenas garantias de que tais documentos foram de fato produzidos, ou seja, se os administradores cumpriram fielmente suas obrigações. O problema é, contudo, ainda mais complexo. A elaboração de um documento não necessariamente significa que seguiram as normas de conteúdo informacional originalmente previstas. Por fim, o que foi produzido e acumulado muitas vezes se perdeu com o tempo ou com a incúria (BACELLAR, 2005, p. 44).

São muitos os porquês que permeiam o processo de investigação, e quanto a isso,

Carlos Bacellar a descreve e ainda enfatiza a necessidade de outro elemento imprescindível

aos pesquisadores desses arquivos: a paciência. Sendo fiel a suas palavras, “a paciência é

arma básica do pesquisador em arquivos” (2005, p.53), pois ela contribui com a descoberta

dos documentos desejados, permitindo a construção clara de todo um processo, à medida

que seja interpretado com rigidez. Rigidez essa entendida como o trabalho esmiuçado de

interpretação sobre o documento, buscando entende-lo em todas as suas possibilidades, o

que leva semanas, meses ou anos, trabalhando na tarefa de atenta leitura. Não é tarefa fácil.

Não é fácil porque para a análise dos documentos deve-se ir para além das

aparências, devem-se considerar todos os detalhes identificados na redação, na grafia e na

sua apresentação. Ainda para Bacellar (2003, p.54), os documentos sempre representarão

uma visão parcial do descrito, que foi determinada por quem as elaborou, e por isso os

acontecimentos que a documentação comporta devem ser questionados, esmiuçados e

analisados para que se possam verificar quais foram alguns dos caminhos que trilharam,

visando-se, portanto, efetuar uma leitura das entrelinhas. Sempre se necessita analisar com

critérios os acontecimentos que formaram o objeto da investigação, independentemente de

quais forem as fontes primárias utilizadas para compor uma pesquisa (PRADO, 2010).

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O problema é que, o documento em si não tem voz, ele precisa do olhar do

pesquisador para dizer algo, e se o pesquisador não consegue ouvir o documento mesmo

após seu manuseio analítico, ou, se este documento evidencia uma lacuna não preenchível

pela escrita, à medida que ela sempre apresentará limitações para com a exposição de

situações reais, é cabível que se busque outras metodologias para montar o quebra-cabeças

da pesquisa. E no desenvolver desta pesquisa, optamos pelo uso da Entrevista como método

palpável, entendendo que ela possibilitará que haja um contato direto com vivências dos

espaços pesquisados, e assim novas formas de olhar para o objeto.

É importante dizer que a escolha do segundo método não se fez aleatória a própria

pesquisa, ao passo de que foi ao arrolar as fontes existentes que se observou a presença de

personagens que foram ativos em situações específicas que envolviam o cotidiano da escola

(estes atores, professores da escola, eram nomes marcantes em relatórios de visita ao Grupo

Escolar, pareceres sobre a situação destes Grupos junto à organização do Diretório

Regional de Ensino e pedidos de revisão salarial, em vista da carga trabalhada aquém do

estipulado), significando um trunfo no processo de investigação ao passo que permitirá

sanar dúvidas sobre o período, não evidenciado nos documentos encontrados.

A identificação e localização destes atores enviesou o uso da Entrevista como

método. Assim, em falar sobre seu uso para embasamento contextual, partimos da defesa

desta modalidade com base no exposto por Alessandro Portelli (1998, p.9) quando este fala

da entrevista como método possível. Para ele, a entrevista é:

uma troca entre dois sujeitos: literalmente uma visão mútua. Uma parte não pode realmente ver a outra a menos que a outra possa vê-lo ou vê-la em troca. Os dois sujeitos, interatuando, não podem agir juntos a menos que alguma espécie de mutualidade seja estabelecida (PORTELLI, 1998, p. 9).

Complexa definição, mas que nos permite pensar na relação existente entre o

pesquisador e o indivíduo entrevistado: este faz parte de uma realidade diferente ao do

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pesquisador, e esta realidade muitas vezes não permite que ele compreenda a importância

da memória para a construção da história a qual ele fez parte. É importante lembrar que

Portelli fala da entrevista ao relacionar a História Oral como teoria para a pesquisa, o que

não é nosso foco, mas é interessante ressaltar que esta pode ser utilizada como mecanismo

de verificação consonante entre o prescrito e o vivido. A entrevista permite que o

pesquisador tenha olhares sobre um mesmo ponto, e estes olhares permitirão que haja um

limiar, e este limiar pode ser compreendido como uma possibilidade de interpretação do

real.

Da necessidade de caracterização da entrevista como ferramenta nesta pesquisa,

recorremos aos trabalhos de Verena Alberti (2005). Alberti caracteriza este tipo de uso da

entrevista como Entrevista Temática. Para ela as Entrevistas Temáticas são aquelas que

versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido. A escolha

de entrevistas temáticas é adequada para o caso de temas que têm estatuto relativamente

definido na trajetória de vida dos depoentes, como, um período determinado

cronologicamente, uma função desempenhada ou o envolvimento e a experiência em

acontecimentos ou conjunturas específicas. Neste caso o tema pode ser de alguma forma

“extraída” da trajetória de vida mais ampla e tornar-se o centro e objeto das entrevistas

(ALBERTI, 2002, p.32).

Este tipo de entrevista tem um caráter mais objetivo e, diferentemente, do que

ocorre na história oral de vida, os aspectos da vida do depoente só interessam na medida em

que contribuam com a temática central (MEIHY, 2002, p. 145), no nosso caso específico, o

envolvimento com as escolas e os distritos. Nesta forma de abordagem o entrevistador tem

um papel mais ativo e pode apresentar outras opiniões contrárias e discuti-las com o

depoente, a fim de elucidar uma versão contestada do fato.

Ao se estabelecer a Entrevista como método, vale pensar qual a roupagem desta

entrevista, pensando que é a partir dela que se poderá obter dados cruciais para a

interlocução com os documentos e fatos já levantados. Na busca de uma análise sobre os

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tipos de entrevista e as características próprias da entrevista como aporte metodológico, o

trabalho de Lüdke e André (2013) justificaram que, nas pesquisas em educação atual, o uso

de entrevista é possível à medida que o pesquisador adote, para um máximo proveito do

processo, um modelo orientado o menos estrutural possível, considerando que “as

informações que se quer obter, e os informantes que se quer contatar, em geral professores,

diretores, orientadores, alunos e pais, são mais convenientemente abordados através de um

instrumento mais flexível” (LÜDKE; ABDRE, 2013, p. 40).

Dessa forma, identificando na metodologia, além do uso das diversas formas de

documentos e a entrevista, a fim de poder trabalhar de forma clara com os documentos na

perspectiva de construir um mapeamento passível de flexibilização durante o trato com as

fontes, é importante delimitar o que será interpretado aqui como sendo o corpus da

pesquisa, tendo em vista a vasta gama de possibilidades para a sua construção, e visando

diversos caminhos que este processo evidencia.

Partindo deste anseio, adotamos como referência base o trabalho de Martin Bauer e

Baas Aarts (2002). Para estes teóricos, o corpus da pesquisa vai muito além da definição da

própria palavra em si, pois corpus significa simplesmente corpo, e por muito nas ciências

históricas, por exemplo, refere-se a um conjunto de textos reunidos, sem reflexão ou

intenção proposital específica para com o uso destes.

Condensado na obra destes autores, Barthes (1967, p.96) define o corpus como

“uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, com (inevitável)

arbitrariedade, e com a qual ele irá trabalhar” antes e durante sua pesquisa (apud BAUER;

AARTS, 2002, p. 44). Enfatiza que “uma boa análise permanece dentro do corpus e

procura dar conta de toda a diferença que está contida nele” (BAUER; AARTS, 2002,

p.45), e para que isso seja feito de forma a proporcionar ao pesquisador todos os olhares

possíveis de análise, sugere critérios a serem seguidos para a construção deste corpus. Estes

critérios são definidos por relevância; sincronicidade e homogeneidade.

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A relevância na construção do corpus refere-se à composição de materiais que, dado

o conhecimento prévio do pesquisador, são considerados pertinentes aos propósitos da

pesquisa. O importante, contudo, é que esses materiais sejam homogêneos do ponto de

vista da substância material dos dados, ou seja, materiais textuais não devem ser misturados

com imagens, por exemplo, considerando que cada um comporá um corpus específico. Ao

mesmo tempo, os materiais estudados devem ser sincrônicos, visto que o corpus é uma

interseção da história. Assim, eles precisam ser selecionados dentro de um ciclo natural,

como exemplo de padrões familiares, que têm probabilidade de permanecer estáveis por

uma geração. Desse modo, caso haja a necessidade de se estudar materiais de substâncias

diferentes ou padrões temporais distintos, o interessante é separá-los em subcategorias

(BAUER; AARTS, 2008), o corpora.

Sobre o corpora, o conglomerado de corpus que pode compor a pesquisa, o

problema que se elenca quando da sua existência é sobre a dimensão que ele pode tomar.

Dentro da pesquisa qualitativa se torna difícil delimitar qual a proporção de um corpora,

pois para a construção do mesmo considera-se o esforço envolvido na coleta de dados e na

análise, o número de representações que se quer caracterizar, e alguns requisitos mínimos e

máximos, e somente a partir daí se consegue escolher critérios para a delimitação de seu

tamanho. A maioria das limitações provém do esforço que é exigido para se fazer um

grande número de grupos focais, ou entrevistas em profundidade, ou para coletar

documentos, por exemplo. O tempo disponível para se fazer estas entrevistas, e para

analisá-las, será a primeira restrição sobre o seu tamanho.

Quando da seleção documental, os autores citam que até certo ponto,

inevitavelmente ela se realiza de forma arbitrária, entendo que a análise compreensiva deve

sempre ter prioridade sobre o exame minucioso da seleção, e dessa forma a seleção precisa

compreender apenas o envolvimento documental cabível a pesquisa, pois eles enfatizam

que pesquisa qualitativa que envolve uma grande quantidade de material é corretamente

identificada como um ‘incômodo atrativo’(BAUER e AARTS, 2002, p. 59), à medida que

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os pesquisadores coletam facilmente muito mais material interessante do que aquele com

que poderiam efetivamente lidar, dentro do tempo de um projeto, como o é este de

dissertação. Essa ação leva à queixa comum de que o projeto termina sem que o material

tenha sido analisado com alguma profundidade, e resultando também na criação de ‘porões

de dados’: materiais coletados, mas nunca de fato analisados (BAUER e AARTS, 2002, p.

59-60).

Por isso, uma avaliação séria dos procedimentos referentes ao tempo exigido para

seleção e análise irá aumentar o realismo do pesquisador, e dessa forma, em síntese, a regra

básica na construção de um corpus ideal é a de selecionar preliminarmente; analisar a

variedade selecionada e ampliar o corpus de dados até que não se descubra mais variedade,

o que se traduz na pesquisa como o ponto de saturação do tamanho, e onde o corpus

termina.

No caso específico do uso de documentos, essa saturação se dá quando os

documentos coletados completam as lacunas de cada categoria abordada, de tal forma que

nenhum dado relevante emirja da análise destes, e que a categoria esteja bem desenvolvida

em termos de suas propriedades e dimensões, não respondendo mais a nenhum

questionamento relacionado, e que seja possível se configurar o relacionamento entre as

categorias, e a partir delas traçar pontos de convergência e divergência da análise. Nos

estudos em que o corpus é composto por entrevistas, a saturação ocorre quando os relatos

dos entrevistados começam a apresentar aspectos que já são do conhecimento do

investigador, provocando uma rarefação de informações novas (SEIDMAN,1998).

O corpus da Pesquisa: olhares para a pesquisa

Durante o processo de construção do objeto da pesquisa, referenciamos que a fim de

colocar todas as fontes possíveis em redomas “passíveis de análise”, elencamos a

possibilidade de uma corpora matriz da pesquisa. Este corpora se traduz aqui como a

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junção de tudo que conseguimos coletar durante o período já dedicado a pesquisa e que, a

nosso entendimento, podem ser utilizados como peças-chave para a escrita da história que

se almeja.

Visando a não interpretação enviesada dos documentos, separamo-los por categorias

específicas, e assim estes foram divididos em: Documentos Oficiais, aqueles produzidos

para envio às escolas ou ao Diretório Regional de Ensino, que possuem, por isso, uma

escrita direcionada, entendendo como pertencentes a este grupo os pareceres, normas,

orientações, legislações e correspondências; e Documentos escolares, aqueles produzidos

dentro da escola, para a escola, para os alunos, professores, pais de alunos e/ou

comunidade, bem como os cadernos, banners ou qualquer outra produção de dentro da

escola. Estas duas categorias, Corpus 1 e 2, respectivamente, nos orientam para uma

interpretação direcionada, entendendo que devemos olhar cada um conforme a

compreensão de espaço no seu tempo.

Para o trato com essa documentação, em específico, usaremos como referência

metodológica inicial, os quatros pontos levantados didaticamente por Diana Vidal (2007, p.

64): “a) relação entre arquivos corrente e permanente; b) natureza do documento em

educação; c) problemática do descarte, e d) finalidade de preservar a documentação

escolar”. Os documentos serão analisados na medida em que estão inseridos na constituição

de uma memória construída ao longo da história dos Grupos Escolares. Assim deverão ser

considerados os modos de produção desses documentos, questionar quais foram mantidos e

quais não estão ali e mesmo relacionar com as lacunas e presenças de informações dos

outros acervos.

Quando do contato com as fotografias, o trabalho de análise levará em conta as

formas utilizadas para se retratar a identidade dos espaços sociais que compõem os espaços

da Instituição Escolar. Além de marcas de uma simbologia em torno dos eventos, sejam

eles patrióticos ou não, as imagens quando analisadas podem descortinar não só os

momentos retratados, mas perspectivas em torno das intenções em se guardar determinada

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imagem, ou até mesmo, representações subjetivas a partir da moldagem destas. De acordo

com Boris Kossoy (2001), é preciso que seja reconstruído o maior número possível de

elementos constitutivos do artefato e do registro visual, destacando que toda imagem possui

características tanto “explícitas” quanto “implícitas”. Sendo assim, as fotografias serão

analisadas neste trabalho, tanto do ponto de vista da representação de movimento dentro e

envolvendo os Grupos escolares, quanto da importância dada no momento em registrá-los.

Além de questionar, quais os critérios de seleção das fotografias que compõem a memória

da instituição sobre aquele período.

Pois bem, com base na literatura apresentada, e embasados também no uso de

análise documental defendido por Gatti Jr e Peçanha (2005), Vidal (2007), e Kossoy (2001)

voltamos ao que chamamos de Corpus 1 para a compreensão da fabricação do mesmo à

ótica da interpretação do período a que este fora elaborado. No desenvolver da pesquisa a

que este texto pertence estamos estudando todas as formas existentes na produção

acadêmica que possam nos permitir criar uma “moldura”, flexível, de enxergar a realidade

educacional dos anos de 1960 a 1975 para a região sul do Estado de Mato Grosso. Isto

porque, em posse da literatura existente sobre o período no país, muito diverge do que é

evidenciado pelo contato com as fontes disponíveis sobre o município de Dourados em

específico. Não entendemos que seja possível, somente através da análise das fontes

primárias e secundárias, formularmos uma interpretação da história dos Grupos Escolares

da região distrital do município de Dourados, tendo em vista o quão díspar são estes

espaços, em relação a locais escolhidos para análise em outros pontos do estado de Mato

Grosso.

Assim sendo, paralelo ao uso da Entrevista Temática, das análises documentais de

suporte da pesquisa, propomos que ao fim deste processo possamos realizar uma crítica

voltada para as possibilidades de interpretação deste Corpus, momento a partir do qual

retornaremos as fontes à medida que necessário, pois cremos que somente seja possível

definir tipologicamente e estabelecer os níveis de generalizações relativos aos contextos

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estudados quando correlacionados com outros contextos históricos, políticos, pedagógicos e

legislativos, defendendo a necessidade de uma interpretação que englobe todas estas

particularidades, ao passo que a partir delas podemos compreender o todo.

Os documentos já recolhidos nos dão um caminho a seguir, e a base teórica

selecionada nos proporcionam possibilidades de interpretar estes caminhos. O momento é

de dialogo com os documentos já angariados, e a partir disso elucidar um olhar sobre a

história da educação no município de Dourados, este que será o fruto final da pesquisa.

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