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PERCURSO HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM PROFA. DRA. LILIANE BARREIROS (PPGEL/UEFS)

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PERCURSO HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM

P R O F A . D R A . L IL IA NE B A R R E IR O S

(P P G EL / U EF S )

Da tradição Ocidental até 1900

Uma breve história do estudo da linguagem Primeiros estudos – Séc. IV a. C.

Razões religiosas – preocupação com a fidedignidade dos textos sagrados hindus

Panini (gramático) – modelo de descrição minuciosa da língua (4000 regras!!)

Gregos – preocuparam-se em definir as relações entre o conceito e a palavra que odesigna

Platão – busca responder se há uma relação necessária entre a palavra e o seusignificado

Aristóteles – análise estrutural da língua (teoria da frase, partes do discurso ecategorias gramaticais)

Séc. III a.C. – Biblioteca de Alexandria – Surgimento da Filologia

1ª fase

2ª fase

Uma breve história do estudo da linguagem Latinos – dedicaram-se à gramática, buscando defini-la como ciência ecomo arte.

Idade Média – Modistas (também chamados modistae ou gramáticosespeculativos).

Foram os membros de uma escola de filosofia gramatical conhecida comoModismo, ativa no norte da França, Alemanha, Grã-Bretanha e Dinamarcanos séculos XIII e XIV – afirmavam que a estrutura gramatical das línguas éuna e universal. As regras são independentes das línguas em que serealizam.

A arte de escreverOrigem da Gramática Tradicional:

Dionísio da Trácia (séc. II a.C): 1 a gramática grega;

Dupla finalidade:

(i) estabelecer e explicar a língua dos autores clássicos e

(ii) preservar a língua grega da “corrupção” por parte dos “ignorantes e iletrados”.

Erro clássico:

não distinguir língua escrita de língua falada;

A língua falada era considerada derivante e dependente da língua escrita;

A língua dos escritores do séc. V a.C. era considerada mais “correta” do que a fala coloquial;

Dois princípios que reinavam nesta época e perduraram por mais de 2 mil anos:

pureza e correção = preconceito.

Varrão Séc. I a.C.: 1a gramática latina (diferenciou flexão de derivação)

Gramática Latina Padrão

Composta de 3 partes:

1ª – definição de gramática como a arte de falar corretamente e decompreender os poetas. Tratava também das letras e das sílabas;

2ª – tratava das “partes do discurso” e suas variações segundo, tempo,gênero, número, caso;

3ª – discussão sobre o bom e o mau estilo, advertências contra erros ebarbarismos.

Uma breve história do estudo da linguagem Século XVI (Reforma Protestante) – tradução dos livros sagrados em váriaslínguas (movimento de expansão colonialista para propagação docatolicismo patrocinados sobretudo por Portugal e pela Espanha)

Séculos XVII e XVIII – a linguagem se funda na razão – os princípios deanálise estabelecidos não de prendem a uma língua em particular.

Século XIV (início)

Dante Alighieri, no De Vulgari Eloquentia (Sobre os falares vulgares), jámenciona a afinidade existente entre o francês, provençal, italiano eespanhol.

Século XIV (final)

Trabalho que prenuncia o filológico: a explicação da Divina Comédia porGiovanni Bocaccio.

Uma breve história do estudo da linguagem

Século XV

Bracciolini afirma que o latim não era simplesmente uma língua artificial,mas sim falado pelo povo, e que dela resultaram as línguas românicas.

1492 – surge a primeira gramática de uma língua românica, a Arte de laLengua Castellana, de Elio Antonio de Nebrija.

Século XVI

Primeiro dicionário francês: Dictionarium Latino-gallicum, por Stephanus eum Tretté de la grammere françoese, por Meigret.

Uma breve história do estudo da linguagem

Século XVII

1601 – Trattato della vera origine e del processo a nome della nostra lingua,de Ceslo Citadini, que afirma terem existido duas espécies de latim – um cultoe outro rústico, e deste último é que se originava a língua italiana.

1606 – Thresor de la langue françoyse, de Nicot.

1650 – Dictionnaire étymologique de la langue Françoise.

1669 – Origini della língua italiana, escrito por Gilles Ménage. Procura aorigem de termos latinos, o que o conduz à teoria errônea, então em voga deque o latim procedia do grego.

Uma breve história do estudo da linguagem

Século XVIII

Historie littéraire de la France, 12 volumes, publicada pelos beneditinos daAbadia de Saint-Maur, sob a direção de Rivet (1733-1763) e a Storia dellalitteratura italina, de Tiraboschi, em 1772.

A LINGUÍSTICA NO SÉCULO XIX: DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO COMPARATIVO

Uma breve história do estudo da linguagem Século XIX – interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares –Gramáticas Comparadas e da Linguística Histórica.

Desenvolvimento do método histórico-comparativo

Franz Bopp + Jakob Grimm = FREDERICH DIEZ (1836).

3ª fase

Século XIX: Constituição da Ciência

O interesse filológico é despertado ao mesmo tempo em que o linguístico;

De um lado inicia-se a publicação de textos, de outro se ativa a pesquisados idiomas românicos e suas relações;

Ideais do romantismo, concentrava-se nos temas exóticos (como osânscrito) e, principalmente, nos medievais e populares;

Século XIX: Constituição da Ciência

As literaturas românicas passam a ser objeto de crescente investigação,especialmente na Alemanha;

Os franceses e os alemães iniciam a edição de documentos literários queevidenciam aspectos das línguas românicas.

Século XIX: Constituição da Ciência

Franz Bopp realiza estudo comparativo das línguas persa, sânscrita,grega, latina, alemã e inglesa... > família indo europeia. Assim, ele cria ométodo comparativo.

Jakob Grimm realiza estudo diacrônico do alemão, criando, assim, ométodo histórico que acompanha a evolução da língua.

Raynouard dedica estudo exaustivo do provençal e contribuisignificativamente para os estudos das línguas românicas apesar de suateoria errônea de que o provençal tivesse dado origem às línguas românicas.

Século XIX: Constituição da Ciência

1836

FREDERICH DIEZ (1794-1876) Iniciou a fase científica dos estudos

românicos, aplicando-lhes o método histórico-comparativo usado porBopp e Grimm.

Método Histórico-Comparativo Friedrich Diez tornou-se o pai da Filologia Românica aplicando ométodo histórico-comparativo, que havia sido usado por Franz Bopp noestudo das línguas indo-européias e por Jakob Grimm no das línguasGermânicas.

Franz Bopp realiza estudo comparativo das línguas persa, sânscrita,grega, latina, alemã e inglesa... > família indo-europeia. Assim, ele

cria o método comparativo.

Jakob Grimm realiza estudo diacrônico do alemão, criando, assim, o

método histórico que acompanha a evolução da língua.

Romeno

Norte

Sul

Italiano

Provençal

Português

Espanhol

GRUPO ORIENTAL

GRUPO OCIDENTAL

Francês

Diez começou estudando obras castelhanas antigas, depois passou para o

provençal, em seguida, outras línguas românicas e, entre 1836 e 1843,

publicou sua Gramática das Línguas Românicas, em três volumes; e em

1854, o Dicionário Etimológico das Línguas Românicas. Logo na primeira

página de sua gramática, Diez faz derivar diretamente do latim vulgar as seis

línguas românicas, que ele havia considerado como tais entre todas as

variedades estudadas. O ponto de partida das línguas românicas é a língua

falada pelos romanos, não a forma escrita, literária, diferentemente do que

pensaram Dante Alighieri e Raynouard. Por isso, Diez é considerado o pai da

filologia românica (BASSETTO, 2001, p. 32).

Método Histórico-ComparativoO método histórico-comparativo é aplicável a casos de grupos delínguas genealogicamente afins.

Dados colhidos nas línguas com a mesma origem são comparadosentre si para se lhes encontrar a forma originária, determinar osmetaplasmos ocorridos, e verificar-lhes o significado, a formaçãode novos campos semânticos, o motivo ou os motivos de taisformações, e inúmeras questões semelhantes.

Recapitulando: Exemplo com o verbo deixarCarolina Michaëlis de Vasconcellos, no Glossário do Cancioneiro da Ajuda,apoiando-se nas formas correntes desleixo e desleixado, derivou “deixar”supondo uma forma como *delaxare, com os metaplasmos:

delaxare > delaixar > deleixar > deeixar > deixar

Exemplo com o verbo deixarEntretanto, o levantamento e a comparação das formas correspondentes nasoutras línguas e dialetos românicos mostram que não foi esse o processo,embora foneticamente viável, que originou o termo português.

francês: laisser; provençal: laisar; castelhano antigo: lexar; português antigo:leixar; siciliano: dassari; catalão: dexar; castelhano moderno: dejar;português moderno: deixar.

Leixar > Deixar

Exemplo com o verbo deixar: conclusão A forma do português “deixar” deve ser colocada no contexto mais amplo enão é correto derivá-las de mutações que são características do português,especificamente.

Também não há documentação que comprove a trajetória sugerida pelaautora.

Método Histórico-Comparativo O método histórico-comparativo tem sido particularmente útil nareconstituição do léxico do latim vulgar.

Principal fonte léxica das línguas românicas, o latim vulgar certamentenunca terá seu tesouro vocabular totalmente documentado, tendo-seperdido muitos termos usuais e correntes.

Contudo, partindo-se de dados fornecidos pelas línguas românicas, pode-se postular com segurança a existência dos vocábulos-fontescorrespondentes do latim vulgar, ainda que não documentado, mas quepodem ou não ser documentados posteriormente.

Método Histórico-ComparativoNa fonética, na morfologia, no léxico e questões afins o MHC revelou-seprofícuo. Sua aplicação à sintaxe apresenta maiores dificuldades porquenesse nível é mais difícil comprovar a regularidade e a constância dascorrespondências em que o método se fundamenta. O campo sintático é omais sujeito às particularidades tanto individuais como coletivas, conformese pode verificar, por exemplo, no emprego românico do subjuntivo,precisamente o modo que expressa o ponto de vista do falante.

Método Histórico-Comparativo Princípio – supõe-se a existência de uma expressão, palavra ou função nolatim vulgar desde que ela se encontre em várias línguas românicas, sempossibilidade de ter surgido de modo independente em cada uma delas.

Inversamente, caso se encontre em uma só língua, maior é a probabilidadede que se trata de uma criação própria.

Trata-se de um princípio metodológico genérico; cada caso deve serestudado individualmente.

Método Histórico-ComparativoPortanto, o método histórico-comparativo, devidamente usado,foi e continua sendo profícuo, realmente muito útil para oconhecimento tanto do latim vulgar como das línguas românicas;o mesmo se verificou nos outros campos em que foi empregado,como nas duas línguas germânicas e eslavas.

A linguística histórica (ou diacrônica) Todas as línguas mudam no curso do tempo. Os registros escritos deixamclaro que o português do século XV é diferente, de maneira bastante notável,do português do século XXI, tal como o francês ou alemão do século XV édiferente do que se fala hoje. A principal realização dos linguistas do séculoXIX não foi apenas perceber mais claramente do que seus antecessores aubiquidade da mudança linguística, mas também colocar sua investigaçãocientífica em base mais sólida por meio do método comparativo.

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola,2002.

Os Neogramáticos A geração de Diez, fundador da Linguística Românica, esteve sob influênciadireta da filosofia espiritualista dos românticos, impregnada dehistoricismo; a próxima escola linguística com influência marcante para aromanística esteve ao contrário sob uma forte influência das ciênciasnaturais (que faziam então enormes progressos) e do darwinismo.

Essa escola se constituiu na Universidade de Leipzig [...], é comum referir-sea ela como um grupo, utilizando o nome de neogramáticos(junggrammatiker), que lhe foi dado de início por troça, mas que acaboutornando-se respeitado.

Os Neogramáticos Na prática, o trabalho dos neogramáticos se caracterizou por uma exigênciade extremo rigor, que se traduziu na crença de que as “leis” da evoluçãofonética agem de maneira absolutamente regular, admitindo exceções apenasquando sua ação é contrariada pela ação da força psicológica da analogia.(ILARI, 1992, p.19)

ANALOGIA: Quando uma criança aprende a falar, tende a regularizar asformas anômalas (irregulares) – isso por analogia com padrões regulares eprodutivos de formação da língua.

Ex: “eu fazi” = fiz/comi/bebi/ abri/ vendi etc.

Alguns exemplos...

O latim e as Línguas Românicas

LATIM ESPANHOL FRANCÊS ITALIANO PORTUGUÊS

octo ocho huit otto oito

auricula / oricla oreja oreil orecchia orelha

nocte noche nuit notte noite

oculu / oclu ojo oeil occhio olho

cantare cantar chanter cantare cantar

O latim e o Inglês

LATIM INGLÊS

problema problem

translatio translation

admirabilis admirable

As formas latinas no inglês Exit

Candidate

Habeas corpus

Deficit

Alibi

Modus vivendi

Persona non grata

Contribuições para o ensino e a aprendizagem de línguas

Muitos dos fenômenos que acreditamos ser atuais já aconteciam na época

dos romanos, quando estes estavam levando a língua latina para diversas

partes da Europa, África e Ásia, e que se repetem em outras épocas e outros

lugares, com outros povos.

Contribuições para o ensino e a aprendizagem de línguas

O vocabulário é constituído de termos da língua erudita, da língua popular,

das línguas dos povos dominados, das línguas dos povos que mantém

intercâmbios, ou seja, de todos envolvidos direta ou indiretamente.

Contribuições para o ensino e a aprendizagem de línguas

As línguas estão sempre em processo de intercâmbios, de empréstimos,

mesmo entre línguas de origens aparentemente distintas, pois elas evoluem,

se diferenciam, tomam empréstimos, são substituídas, dominam e são

dominadas, a exemplo da própria língua latina.